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Ainda haverá emprego no futuro?

Daniel Gomes
Jornal O SÃO PAULO
14/05/2019 – Página 15

Nas campanhas eleitorais e nos programas de ação de qualquer governo, o item “geração de
emprego” é tratado como prioridade, quase sempre acompanhado por ajustes na área econômica e
na legislação trabalhista. A criação de vagas, porém, é cada vez mais impactada pela automação e
os recursos de inteligência artificial, pelos quais máquinas/tecnologias executam funções antes
exercidas por humanos, ou seja, a vaga de trabalho deixa de existir.

Até 2030, segundo um relatório da consultoria McKinsey Global Institute (MGI), serão fechadas
em definitivo entre 400 milhões e 800 milhões de vagas em todo o mundo.

No Brasil, conforme um estudo do Laboratório de Aprendizado de Máquina em Finanças e


Organizações (Lamfo), da Universidade de Brasília (UnB), até 2026, 54% das vagas formais devem
ser ocupadas por robôs e programas de computador, algo próximo a 30 milhões de empregos.

ÁREAS MAIS AFETADAS

Profissões altamente atreladas a trabalhos físicos, operação de máquinas ou processamento de dados


serão as mais afetadas, segundo a consultoria MGI. Essa constatação também foi feita por Pollyana
Notargiacomo, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutora em Educação pela
USP e pós-doutora em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Uberlândia.

“Qualquer carreira que envolva questões ligadas a repetição, um exemplo são os caixas de
supermercado, em breve pode não existir mais. No caso dos caixas, as pessoas irão poder passar
direto com um carrinho em um identificador nos produtos. Também muitos call centers já foram
automatizados”, detalhou a professora ao O SÃO PAULO.

EDUCAÇÃO E CAPACITAÇÃO

Nesse cenário, será indispensável que os governos, e mesmo as empresas, proporcionem


capacitações aos trabalhadores para as novas demandas de mercado. “Os países que não conseguem
administrar essa transição podem ver o aumento do desemprego e salários menores”, indica o
relatório da MGI. “A reciclagem de meio de carreira se tornará cada vez mais importante como o
mix de habilidades necessárias para uma mudança de carreira bem-sucedida”, recomenda a
consultoria.

Para Pollyana, é fundamental que no Brasil haja “um projeto educacional no qual as pessoas passam
a ter a ideia de aprendizagem vitalícia e não só por um período de tempo. É necessário que elas
continuem desenvolvendo suas habilidades, competências, e que aprendam com conhecimentos
complementares”, analisou. “Cada vez mais, o trabalho vai envolver elementos interdisciplinares”,
afirmou.

HABILIDADES INDISPONÍVEIS

O relatório da MGI também aponta que no futuro os trabalhadores estarão mais envolvidos em
gerenciar pessoas, aplicar conhecimentos e se comunicar, e menos em coleta e processamento de
dados.
Na realidade, cada vez mais o mercado irá valorizar profissionais com competências relacionais,
cognitivas, sociais, humanas e de conhecimento digital. “A capacidade de criar, de se relacionar, de
ser empático com o outro, isso as máquinas dificilmente vão substituir. Será preciso buscar
formações que ofereçam essas habilidades”, recomendou.

QUEM TERÁ OPORTUNIDADES?

“Ocupações que exigem alto nível de especialização ou uma alta exigência de interação social e
emocional serão menos suscetíveis à automatização até 2030”, indica o relatório da MGI. Também
o estudo do Lamfo apontou que, quanto maior a subjetividade e a complexidade da tarefa, menor a
chance de que seja automatizada. De igual modo, um levantamento feito nos países membros da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou que habilidades
como pensar diante dos problemas, criatividade, curiosidade e espírito de cooperação vão abrir
portas no mercado de trabalho.

“Interpretar, refletir e extrapolar o conhecimento adquirido não é algo que a tecnologia é capaz de
fazer. Ela não tem a mesma capacidade criativa do cérebro humano, nem competências
socioemocionais: não substitui padrões de sentimentos, de relações pessoais. Assim, profissionais
ou pessoas que tenham essas competências, provavelmente, vão conseguir manter empregos em
suas áreas”.

EFICÁCIA PRODUTIVA E PROGRESSO ECONÔMICO

Vistas a princípio como geradoras de desemprego, a automação e a inteligência artificial podem


provocar o efeito reverso, pois, com a melhoria do processo produtivo, as empresas reduzem custos
e aumentam lucros, o que pode ter impacto positivo na economia de um país.

“A sustentação do crescimento robusto da demanda agregada [de modo simplificado, o conjunto de


gastos realizados por consumidores, produtores, governo e outros países], é fundamental para apoiar
a criação de novos empregos, assim como o suporte para a formação e inovação de novos negócios.
Políticas fiscais e monetárias que assegurem demanda agregada suficiente, bem como apoio ao
investimento empresarial e inovação serão essenciais”, recomenda a MGI.

Nos países membros da OCDE, segundo recente editorial do jornal O Estado de S. Paulo, o uso da
tecnologia tem ajudado a reduzir custos de bens e serviços e estimulado a produção e o consumo.
Entre 2005 e 2016, 40% das vagas criadas foram nos setores com predominância digital.

Durante uma audiência pública sobre as implicações da adoção de recursos de inteligência artificial
no setor produtivo, em outubro de 2018, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos
Deputados, Virgílio Almeida, cientista e professor de Ciências da Computação, da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), destacou que, sem adotar as novas tecnologias, “a indústria
ficará completamente ultrapassada”, e que, junto com essa adoção, deve-se “investir em capital
humano; fortalecer a rede de proteção social no País, porque muitos irão perder o emprego;
preocupar-se com a inclusão social e preparar a sociedade e os mercados para esse futuro”, afirmou.
Citou, ainda, o caso de um país desenvolvido: “Na Suécia, se você pergunta a um sindicalista se ele
está com medo da nova tecnologia, a resposta é: ‘Eu estou com medo da antiga tecnologia’. Por
quê? ‘Porque, se há perda na competitividade, não há exportação, não há faturamento’”.
A substituição de homens por máquinas em algumas funções pode ser benéfica, desde que haja
formas de distribuir o que é produzido. “Hoje, acessamos a produção com o salário obtido no
trabalho. Se esse canal for destruído, será preciso algum mecanismo de distribuição de renda por
parte do Estado, para que se garanta um mercado consumidor. Do contrário, substituir mão de obra
por tecnologia fará com que não haja para quem vender o que for produzido”, analisou.

(Com informações de El Pais, UOL, O Estado de São Paulo, consultoria MGI e Câmara Notícias)

PROFISSÕES EM RISCO

Em geral, todas que demandem processamento de dados ou a realização de atividades repetitivas.


Alguns dos exemplos são: telefonistas, operadores de caixa e funcionários das redes de fast-food.
Também há risco para as vagas no comércio varejista em loja, por conta do crescimento do
comércio eletrônico.

PROFISSÕES COM POTENCIAL DE EXPANSÃO

A lista de profissionais inclui os que gerenciam pessoas, os que realizam tarefas relacionadas ao lar
(jardineiros, cozinheiros e cuidadores de idosos e crianças), educadores infantis, profissionais da
área da saúde (especialmente pelo maior cuidado com a qua- lidade de vida e envelheci- mento),
desenvolvedores e aplicadores de novas tec- nologias, os que lidam com energias renováveis e com
recicláveis, artistas (deve haver maior demanda por lazer e recreação) e profis- sionais ligados à
construção civil (como engenheiros, arquitetos e eletricistas).

* Projeções com base nos dados da consultoria McKinsey Global Institute.

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