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Genero e Diversidade Sexual - Ver Texto Regina Facchini
Genero e Diversidade Sexual - Ver Texto Regina Facchini
Formato: pdf
Requisitos do sistema: Adobe digital editions
Modo de acesso: Word wide web
ISBN: 978-85-66048-85-8
CDD 323
GDE UFABC
Agradecimentos
A criação da Série Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola partiu do sucesso do projeto
Gênero e Diversidade na Escola (GDE UFABC) que, por sua vez, só foi possível graças ao apoio, à cola-
boração e confiança de muitas pessoas que ajudaram a torná-lo uma realidade. Por isso, fazemos questão
de registrar aqui nossos agradecimentos. Consideramos essencial agradecer, em primeiro lugar, a Secretaria
Municipal de Direitos Humanos e Cidadania do Município de São Paulo, na figura de Jonas Waks, então
coordenador adjunto de Educação em Direitos Humanos. A partir de seu contato - em virtude de já ter
sido coordenadora do GDE no Paraná (UEPG/SED-PR) - mobilizamos as parcerias entre a Prefeitura
de São Paulo, a Universidade Federal do ABC e o Ministério da Educação, que possibilitaram a existência
do projeto GDE UFABC. Sua liderança, participação e entusiasmo foram fundamentais para a concreti-
zação deste trabalho, que se integrou à política municipal de formação docente nas temáticas dos Direitos
Humanos, entre os anos de 2013 e 2016, ofertando milhares de vagas em cursos de extensão e pós-gradua-
ção para a rede municipal de ensino, juntamente com a UNIFESP e a UFSCar. A UFABC, por meio
dessa parceria, ofertou mil vagas, tanto pelo GDE quanto pelo projeto Educação em Direitos Humanos
(EDH), criado no mesmo contexto de negociação, para o qual posteriormente foram convidados a coor-
denar Ana Maria Dietrich e José Blanes Sala. Nessa construção coletiva, especial foi também o apoio da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI e sua equipe - Ale-
xandre Bortolini, Daiane O. L. Andrade, Daniel A. Martins e Fábio M. H. Castro - para estruturar e
executar o GDE UFABC no âmbito da política pública nacional de educação em Direitos Humanos e
para que transcorresse com os devidos recursos e prazos, formando centenas de cursistas, constituindo-se
numa das maiores experiências de formação docente continuada do Brasil.
Acreditamos nesta iniciativa como sendo histórica e de valor inestimável, considerando o impacto
muito expressivo na formação de centenas de educadores/as que pudemos acompanhar diretamente em
oito polos da Rede UniCEU das quatro regiões da cidade. Por isso, queremos agradecer também às equi-
pes dos polos UAB/UniCEU que nos acolheram com tanto carinho e entusiasmo, nossos principais par-
ceiros na mobilização e na interlocução com as populações locais. São eles e elas: Zilda Borges da Silva, do
CEU Azul da Cor do Mar; Paulo Roberto R. Simões, Fátima Massara, Sebastião Arsani, Rita de Cássia
N. Rossingnolli e André Santana, do CEU São Mateus; Maria Elza Araujo e Maria do Socorro L. Fer-
nandes, do CEU São Rafael; Eliana M. Lorieri, do CEU Perus; Rosana de Souza e Ana Paula P. Gomes,
do CEU Paraisópolis; Marcelo Costa e Beatriz Rodgher, do CEU Navegantes, Luciene B. Veríssimo, do
CEU Vila do Sol; e Adriana de Cássia Moreira e Naíme Silva, do CEU Butantã.
À equipe gestora da Universidade Federal do ABC, nosso profundo agradecimento, especialmente na
figura da Profa. Dra. Virgínia Cardia Cardoso, coordenadora do Comitê Gestor Institucional de Forma-
ção Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica - COMFOR, sobretudo quanto à mediação
da obtenção e gestão dos recursos financeiros, pessoais e pedagógicos junto à Pró-Reitoria de Extensão e
Cultura (PROEC), e Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD). Por isso, agradecemos também aos res-
pectivos pró-reitores, Daniel Pansarelli e Adalberto de Azevedo (PROEC) e José Fernando Q. Rey e
Paula Tiba (PROGRAD), Lucia Franco (UAB), bem como aos/às técnicos/as administrativos/as: Eduar-
do S. Ré, Jussara Ramos, Kelly Gomes, Lídia Pancev, Lilian Menezes, Marcelo Alecsander, Marcelo
Schiavo, Rail Ribeiro e Sandra Trevisan. Agradecemos igualmente ao trabalho da equipe da Fundação de
Apoio à Pesquisa - FUNDEP, responsável pela gestão dos recursos financeiros do nosso projeto: Fabiana
Barcelos, Fabiano Siqueira, Ana Rita Melo, Marilene Fernandes, entre outros que nos atenderam. Um
agradecimento profundo ao Reitor, Prof. Dr. Klaus Kapelle, que nos incentivou logo na abertura oficial da
política de formação docente, no Teatro Municipal de São Paulo, afirmando para milhares de pessoas ali
presentes: “Somos uma universidade que respeita, incentiva, divulga e ensina Direitos Humanos. Portanto,
nada mais natural do que ensinarmos Direitos Humanos.”
Agradecemos muito especialmente à equipe do projeto que desenvolveu um trabalho maravilhoso,
superando as dificuldades de forma entusiasmada e companheira. Foram eles a formadora Gianne A.
Barroso, bem como os/as tutores/as a distância: Ana Sueling A. Diniz, Ana Gisele V. Vale, Adriana G. de
Paula, Adriana S. Morgado, Alessandra Di Benedetto, Aline B. Sant’Ana, Andrea G. Trindade, Emerson
Costa, Everton A. T. de Godoi, Fernando V. L. Pereira, Luana Matias, Lucelia L. de Jesus, Marcia C. dos
Santos, Mariana T. Faustino, Marinete T. C. Silva, Marta Miriam A. Santos, Mary Jane B. da Silva, Rena-
ta Coelho, Rute M. dos Santos e Valdinar L. Bezerra. Gratidão eterna à Taís R. Tesser e Wanderley F.
Santana da Silva, tutor e tutora voluntário/a e, sobretudo, ao tutor presencial João Reynaldo Pires Junior,
que trabalharam incansável e comprometidamente neste projeto. Parceria, solidariedade, coragem e dedi-
cação foi um pouco do que aprendemos juntos, base sólida a sedimentar nossa amizade por toda a vida.
Nosso agradecimento aos/às autores/as, especialmente ao Prof. Dr. José Carlos Sebe Bom Meihy (Di-
versitas - NEHO/USP e UNIGRANRIO), que co-organizou e apresentou vários livros, contribuindo
inestimavelmente com sua experiência de trabalho. O mesmo agradecimento sincero aos/às professores/as
pesquisadores/as do projeto que se dedicaram a essa jornada: Evonir Albrecht, Graciela Oliver, Monique
Hulshof, Suzana Ribeiro e Wagner Cremonezi. Não podemos nos esquecer de agradecer a equipe editorial,
liderada por Isabela Teles Veras e Márcia Borges, que abraçaram a ideia e foram fundo na tarefa de mobili-
zar todos os recursos para que fossem concretizados estes livros. Gratidão infinita à Livraria Alpharrabio,
espaço cultural e afetivo, onde desenvolvemos nosso trabalho editorial, acolhidas por livros e principalmen-
te por pessoas amigas que amamos e admiramos, Dalila Teles Veras, Luzia Maninha Teles Veras e Eliane
Ferro. Um agradecimento fraterno e entusiasmado à nossa Editora Pontocom e à parceria e disponibilidade
do editor André Gattaz, com quem sempre pudemos contar.
Por último, agradecemos todas as centenas de pessoas que foram cursistas do GDE UFABC e, como
forma de gratidão maior, esperamos que cada colaborador/a tenha vivido momentos especiais de sensibi-
lização e transformação em relação aos temas de nosso projeto. Tomara que nossa rede, criada nos espaços
educativos dos CEUs, nas fronteiras da periferia com as regiões metropolitanas de São Paulo, se amplie
cada vez mais! Esse trabalho é dedicado a minha família e a vocês que contribuíram com pesquisas, saberes
e experiências, dando à nossa caminhada conjunta o verdadeiro valor da palavra colaboração, imprescindí-
vel para nossas temáticas em tempos difíceis, de muitas lutas e, principalmente de, defesa e ampliação dos
direitos conquistados.
1 Bacharel em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas pela FAINC | Facul-
dades Integradas Coração de Jesus. Ativista transfeminista independente, atuou em pales-
tras, rodas de conversas, debates junto à sociedade civil e instituições governamentais e não
governamentais.
Gênero e Diversidade Sexual • 16
Dos 15 aos 30 anos, meados dos anos 80 e década de 90, frequentei com certa regula-
ridade o centro “gay” da cidade de São Paulo, constituído basicamente pelo largo do Arou-
che, Praça da República e proximidades. Achava que poderia ser um espaço de aceitação
e inclusão e, embora ainda não tendo feito minha transição de gênero (período pelo qual
uma pessoa passa no momento em que se submete a tratamentos hormonais e cirúrgicos
para paulatinamente transformar suas características primárias e secundárias nas do gê-
nero no qual se reconhece) e sendo lida como extremamente feminina, percebi o quanto
a comunidade gay não via com bons olhos as mulheres trans; e ao mesmo tempo a socie-
dade e os órgãos governamentais queriam se ver livres de nós. Importante também lem-
brar que a inclusão de bissexuais, pessoas trans e intersexuais só se deu no Congresso
Nacional de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, realizado em Brasília no ano
de 2008. A sigla até então era GLS, Gays, Lésbicas e Simpatizantes, invisibilizando os
demais e sendo que também travestis tinham suas identidades constantemente associadas
à homossexualidade.
Nesse período desenvolvi laços de amizade com travestis e transexuais: Luíza, Paula,
Charlote, Marcela e Dani, hoje todas falecidas devido a AIDS ou assassinato. Foram meu
suporte afetivo e emocional durante os períodos mais difíceis no processo de formação
acadêmica e de conflitos familiares, e seus conselhos constantes para que eu me mantives-
se em um emprego formal, por pior que fosse, e para que adiasse a transição para quando
pudesse me sustentar sozinha eram sinal de grande afeto e da preocupação com nossas
vidas extremamente vulneráveis.
Nesse mesmo período a polícia civil de São Paulo organizou a Operação Tarântula,
que tinha como objetivo maior processar travestis e homossexuais por ultraje ao pudor
público e crime de contágio da AIDS (Folha de S. Paulo, 19.03.87). Essa operação foi
questionada pelos grupos que trabalham com problemas relacionados à comunidade GLS
em São Paulo e acabou sendo suspensa, não somente pela sua ilegalidade, como também
pelo uso da violência para realizá-la. Nesse mesmo ano, o prefeito de São Paulo, Jânio
Quadros, orientou funcionários da limpeza pública a usar jatos d’água para afugentar tra-
vestis das ruas paulistanas ( Jornal do Brasil, 01.08.87), e mandou fechar diversas ruas nas
travessas da Avenida Indianópolis e no centro da cidade, a fim de dificultar a circulação
dessa população - ele não aguentava ver os “anormais” andando livremente pela cidade.
No início dos anos 90 a polícia civil fichava essa parcela da população por vadiagem
na cidade. A justificativa do delegado João Duran Filho, da Delegacia de Repressão à
Vadiagem, foi de que algumas pessoas tinham sido presas três vezes e não haviam conse-
guido um emprego. Eram consideradas então como vadias. Ainda segundo a proposta da
época, era para se ter um maior controle sobre a AIDS.
Contudo, apesar desse discurso de proteger a população, o Departamento de Vigilân-
cia Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde não tinha nenhuma estatística sobre
19 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
o número de pessoas trans que circulavam pelas ruas da cidade, nem mesmo das prostitu-
tas ou de como seria o programa de combate à AIDS.
Assisti a inúmeras agressões físicas e morais, tanto por parte de organizações gover-
namentais quanto da sociedade civil, vi incontáveis mortes, falava-se da existência de um
serial killer, ou mesmo de um grupo de extermínio agindo na periferia da cidade. A pró-
pria polícia afirmava em relatos que eram dezenas de mortes.
Aos 24 anos fui expulsa de casa, processo comum na vida de mulheres trans. Com essa
realidade me cercando e seguindo o conselho das amigas, permaneci adiando minha tran-
sição, ainda que vivendo em angústia e uma constante insatisfação pessoal. Você segue
adiante buscando forças e motivos para se sentir segura, amada e respeitada e percebe que
o que mais se aproxima a cada avanço nesse percurso é a violência nas suas mais diversas
formas, sendo a rejeição social a mais significativa, além da eminência de ter sua integri-
dade física violada constantemente.
No início de 2014 finalizo minha transição estético-física, entendendo aqui um
marco para o convívio e apresentação social da mulher invisibilizada pela necessidade
de sobrevivência, pela rejeição familiar e social. Incluindo o universo LGBT, pontuo
aqui também a importância do trabalho junto à psicoterapia, o avanço tecnológico da
internet e o surgimento das redes sociais traçando um novo panorama a partir do uso
das mídias digitais como relacionamento social, através do qual sujeitos buscam por
auxílio para lidar com demandas emocionais, especialmente junto a comunidades onli-
ne, denominadas de redes.
Reconheço-me mulher desde os dois anos e meio de idade, mas pelos motivos antes
relacionados me vi obrigada a fazer um papel de gênero (masculino) durante 30 anos.
Apesar dos percalços e consciente da mulher que sou, me instrumentei com pesquisas
buscando documentos que pudessem levar a um melhor entendimento e empoderamento
sócio-político, e, embora conhecedora da Declaração Universal dos Direitos Humanos e
das garantias de direitos por meio da Constituição Federal de 1988, foi nos Princípios de
Yogyakarta que encontrei informações que melhor traduziram minhas expectativas em
relação à promoção dos direitos das pessoas LGBT.
ceram um ano mais tarde no parágrafo 96 da Plataforma de Ação de Pequim (1995), que
define os direitos das mulheres no terreno da sexualidade.
As controvérsias suscitadas pelos debates de Cairo e Pequim se intensificaram nos
processos de revisão de cinco anos das duas conferências (1999 e 2000) e, a partir de 2001,
se tornariam ainda mais agudas. Na primeira Sessão Especial da Assembleia Geral da
ONU sobre AIDS (UNGASS, junho de 2001), alguns países fizeram objeção à partici-
pação de representantes de redes que atuam com direitos LGBTI e saúde numa mesa-
-redonda. Mais tarde, o mesmo aconteceu na preparação da Conferência contra o Racis-
mo, Discriminação Racial e formas correlatas de discriminação (DURBAN, 620 01). Na
própria conferência, em setembro, o Brasil propôs a inclusão de um parágrafo sobre dis-
criminação por razão de orientação sexual, que não foi adotado. Dois anos mais tarde, o
governo brasileiro apresentou uma proposta de resolução no mesmo sentido à Comissão
de Direitos Humanos da ONU. Sua votação foi adiada para 2004, quando sob pressão dos
países islâmicos a diplomacia brasileira retirou o texto.
Contudo, nas duas negociações e nos processos de revisão de cinco anos, os conserva-
dores sempre souberam se aproveitar de impasses em relação a questões como pobreza,
migração, cooperação internacional para impedir a gestação de consensos globais mais
sólidos sobre direitos reprodutivos e sexuais. Além disso, entre Cairo e Pequim se deu
uma franca aproximação entre os países islâmicos e o Vaticano (e seus seguidores), o que
as feministas alcunharam de “Santa Aliança”. Esse deslocamento se desdobrou alguns
anos mais tarde na emergência da Organização da Conferência Islâmica – uma associação
relativamente frouxa entre países tão diversos quanto Paquistão, Gabão e Trinidad &
Tobago – como um ator central da política sexual global, adicionando à fratura Norte-Sul
uma nova tonalidade (Ocidente vs. Islã). A eleição de George Bush em 2000 carregaria
água para o moinho do conservadorismo, pois, a despeito do 11 de Setembro e da guerra
do Iraque, em todas as negociações globais que se sucederam os EUA estariam abertos ou
veladamente alinhados com a “Santa Aliança”.
A iniciativa de Yogyakarta foi motivada pelo impasse e regressão observados nas ne-
gociações da Comissão de Direitos Humanos entre 2003 e 2005. Como lembram várias
autoras e autores, um efeito inequívoco da resolução brasileira foi a intensificação, amplia-
ção e diversificação do ativismo LGBTI e feminista pelas negociações relativas aos direi-
tos humanos, especialmente no contexto da Comissão. Em 2005, a Assembleia Geral da
ONU aprovou a criação do Conselho de Direitos Humanos (CHD-ONU), para substi-
tuir a Comissão, com um status equivalente ao do Conselho Econômico e Social (ECO-
SOC) e ao do Conselho de Segurança (CS-ONU). Desde então, as redes feministas e
LGBTI, assim como organizações internacionais de direitos humanos, vêm sustentando
e ampliando a pauta que articula direitos humanos e sexualidade nessa nova instância.
Adicionalmente, os países que historicamente se haviam posicionado a favor da plu-
Gênero e Diversidade Sexual • 22
Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes no país, segun-
do pesquisa da organização não governamental (ONG) Transgender Europe (TGEU),
rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero.
O Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil – e nota-se já aqui a invisibiliza-
ção das demais orientações e identidades de gênero – publicado em 2012 pela Secretaria
de Direitos Humanos apontou o recebimento, pelo Disque 100, de 3.084 denúncias de
violações de direitos relacionadas à população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis
e transgêneros), envolvendo 4.851 vítimas. Em relação ao ano anterior, houve um aumen-
to de 166% no número de denúncias – em 2011, foram contabilizadas 1.159 denúncias
Gênero e Diversidade Sexual • 24
envolvendo 1.713 vítimas. Segundo o relatório, esses números apontam para um grave
quadro de violência LGBTfóbica no Brasil: foram reportadas 27,34 violações por dia,
durante o ano de 2012, e 13 pessoas foram diariamente vitimadas por essa violência.
As violências psicológicas foram as mais reportadas, com 83,2% do total, seguidas de
discriminação, com 74,01%, e violências físicas, com 32,68%. Entre as violências físicas,
as lesões corporais foram as mais reportadas, com 59,35%, seguidas por maus-tratos, com
33,54%. As tentativas de homicídio totalizaram 3,1%, com 41 ocorrências, enquanto as-
sassinatos contabilizaram 1,44% das denúncias, com 19 ocorrências.
Além dos dados coletados no Disque Direitos Humanos (Disque 100), o relatório
também incluiu informações sobre violações publicadas em veículos de comunicação: na
mídia 511 violações contra a população LGBT, e entre estas 310 homicídios. De acordo
com o documento, as travestis foram as maiores vítimas de violência, sendo 51,68% do
total; seguidas por gays (36,79%), lésbicas (9,78%), heterossexuais e bissexuais (1,17% e
0,39% respectivamente).
Importante observar que a invisibilização e o desconhecimento das transexuais espe-
lha-se também na subnotificação nos meios midiáticos, onde não se encontraram notícias
relacionadas a essa parcela da população, conforme o relatório. Além disso, o relatório
mostra que, em 2012, 71% das vítimas eram do sexo masculino e 20% do sexo feminino,
não fazendo aqui distinção se era identidade auto reconhecida ou o registro civil docu-
mentado, e ainda de acordo com o documento, 54,19% das vítimas eram do sexo mascu-
lino e 40% eram travestis. Algumas vítimas não declararam sexo.
Na imprensa, a violência física contra a população LGBT é a mais relatada, com
74,56%; seguida pelas discriminações (8,02%), violências psicológicas (7,63%) e violência
sexual (3,72%).
Entre as violências físicas, os homicídios são os mais noticiados, com 74,54%, segui-
dos por lesões corporais (10,76%), latrocínios (6,82%) e tentativas de homicídio (7,87%).
Percebe-se aqui que os casos de violência contra essa população são subnotificados,
devido à precariedade social em que grande parte das mulheres trans e travestis vivem;
muitas não têm acesso à informação e aos meios de comunicação, o que torna pouco reais
os dados sobre essa violência velada. Além do estigma da inferioridade humana, mulheres
trans também sofrem com o machismo, pois, além da violência física, elas são alvo de
violência psicológica constantemente, levando-se em consideração a ausência de políticas
afirmativas e da aplicação, por exemplo, do nome social, o que garante reconhecimento da
identidade de gênero. O nome social é uma importante bandeira dos movimentos sociais
em prol da garantia e ampliação dos direitos humanos. Ele assegura a identidade de gê-
nero, além de combater a discriminação e auxiliar na construção de uma cultura de res-
peito, diversidade, inclusão social e democracia. Significa oportunidade para que travestis
e transexuais superem o processo de exclusão que hoje vivenciam no Brasil. Medida im-
25 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Referências Bibliográficas
Sobre o corpo de José Renato dos Santos, os peritos contaram 26 facadas. Sobre o de
Sandro Almeida Lúcio, 30. Jurandir Leite foi estrangulado. Seu cadáver trazia marcas de
luta corporal. Laís Martins sofreu violências sexuais antes de ser assassinada. Seu rosto foi
completamente desfigurado por pedradas. Severino Antônio, esfaqueado e estuprado antes
da morte, levou um golpe de faca peixeira no ânus. Djalma Matos morreu por espanca-
mento. Teve a face deformada. Carlos de Lima recebeu diversos tiros, antes ou depois da
morte. A cabeça de Jeová Albino foi esmagada por uma pedra; disparos de arma de fogo,
contudo, causaram o homicídio. Assassinado, Ronaldo Carvalho teve seu pênis decepado.
Essas imagens de brutalidade atravessam os relatórios, dos anos de 2011 e 2012, sobre
“crimes relacionados ao ódio contra homossexuais no Estado da Paraíba”. Formulados pelo
Movimento do Espírito Lilás, uma das mais importantes organizações do Movimento de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais daquele estado, tais relatórios compõem
o esforço anual do Movimento LGBT brasileiro de apresentar os números de seus mortos.
Por meio de consultas à imprensa ou a delegacias de polícia e órgãos governamentais, in-
tegrantes do Movimento contabilizam aquilo que chamam de “crimes de ódio”. No Brasil,
esses homicídios somariam 338 no ano de 2012 e 266 em 2011. Na Paraíba, seriam 27 e
21, respectivamente. (EFREM FILHO, 2016: 313)
Com essas palavras, Roberto Efrem Filho inicia um artigo dedicado à reflexão sobre
os conflitos e materializações que constituem as mortes de LGBTs e sua reivindicação por
parte do movimento social como crimes de ódio. A exposição de tais imagens de brutalida-
de, por mais agressivas ou excessivas que possam parecer, evocam as imagens apresentadas
pelo movimento LGBT e os sentimentos do pesquisador ao ser defrontado com elas.
Remete também a esforços pioneiros, como os do professor e ativista Luiz Mott (1997,
2000), na direção de fazer reconhecer a existência da violência em razão da sexualidade,
tendo como fonte a compilação dos casos de violência letal noticiados pela imprensa, e
sua importância na construção de iniciativas de combate ao que se refere como homofo-
bia, lesbofobia, bifobia, transfobia ou LGBTfobia no âmbito da legislação e das políticas
públicas brasileiras.
Evoco essa referência para iniciar esta contribuição por acreditar que os elementos
colocados no artigo de Efrem Filho nos ajudam a pensar não apenas a violência contra
LGBTs e sua reivindicação pelo movimento, mas também o lugar de uma proposta como
a de um Observatório LGBT numa instituição como a Universidade Federal do ABC.
Este texto procura oferecer contribuições à reflexão sobre violência contra LGBTs no
contexto da constituição de um observatório sediado em universidade, em diálogo com
militantes e gestores locais, situando e reforçando a importância dessas parcerias para o
enfrentamento à violência e à precariedade que marcam a vida dos LGBTs no contexto
brasileiro contemporâneo.
Segundo argumenta Efrem Filho, o movimento e esferas do Estado manejam as ma-
terialidades dos crimes e, consequentemente, as materialidades dos corpos, por meio de
uma disputa em torno da (des)legitimação das vítimas travada em meio a relações assimé-
tricas de gênero e sexualidade.
O investimento político, por parte do Movimento LGBT, nos contornos dessas bru-
talidades se contrapõe, não raramente, a um movimento inicial, promovido por setores
estatais, de descaracterização dos laços entre a violência e a sexualidade, atribuindo a
motivação do crime à intencionalidade de cometer crime contra o patrimônio ou ao en-
volvimento com prostituição ou atividades ilícitas.
Por um lado, temos desigualdades relacionadas a gênero e à sexualidade fortemente
arraigadas na nossa sociedade, das quais decorrem situações violentas, letais ou não, às
quais estão submetidos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, mulheres transexuais e homens
trans. Elas atravessam tanto a vida das pessoas representadas pelo movimento LGBT,
quanto a dos próprios ativistas, que também relatam experiências pessoais consideradas
violentas seja nas escolas, na vizinhança, no trabalho ou nas esquinas.
Por parte de ativistas, é necessário fazer reconhecer tais desigualdades e seus efeitos na
produção da violência, na medida em que o reconhecimento de LGBTs como sujeitos
de diretos é precário, configurando suas vidas como “vidas menos choráveis” ou “menos
dignas de luto” (BUTLER, 2015). Tornar visível a violência, explicitar sua relação com
as desigualdades de gênero e de sexualidade e disputar a materialidade, muitas vezes
negada, dessas violações e dos corpos brutalizados está intimamente ligado, segundo
Efrem Filho (2016), a conferir sentido à própria a luta e às estratégias e pautas políticas
do próprio movimento.
Por outro lado, há a precariedade mesma do reconhecimento social e político de
LGBTs como sujeitos de direitos e diferentes graus em que agentes estatais e operadores
Gênero e Diversidade Sexual • 30
estampam casos de vários Kaiques, Luanas e Lauras2, as fotos de corpos brutalizados que
circulam na mídia nas redes sociais e a denúncia de entidades ativistas de que a expecta-
tiva média de vida de pessoas trans no Brasil não ultrapassa a casa da terceira década.
Trata-se, segundo nossa perspectiva, de situações cuja ocorrência está diretamente rela-
cionada a formas de diferenciação social que se constituem a partir de relações sociais de
poder e que podem situacionalmente operar como diferenças, mas também como assime-
trias e hierarquias, em dado contexto histórico, social e cultural (PISCITELLI, 2008;
BRAH, 2006).
Embora algumas das práticas aqui referidas sejam reconhecidas como crime, ainda
que não haja legislação de âmbito nacional que criminalize a homo, lesbo ou transfobia, é
importante demarcar a diferenciação entre violência e crime, para o que recorremos à
formulação de Guita Debert e Maria Filomena Gregori:
As autoras focam o olhar nas relações sociais de poder que posicionam os sujeitos de
modo diferenciado e que ao mesmo tempo permitem o reconhecimento social de deter-
minados atos como abuso. Além disso, na perspectiva adotada, o que chamamos de vio-
lência não pode ser entendido no registro da excepcionalidade ou como resultado da
quebra da ordem social ou do abuso da lei, embora em certos casos possa ser enquadrado
como tal. A violência é tomada como constitutiva da própria normalização e normatiza-
ção das relações sociais, de modo que a atribuição do lugar de “outro” da norma circuns-
2 As referências aludem a três casos de violência letal que mobilizaram atenção nos últimos
anos em São Paulo: Kaique Augusto Batista dos Santos, adolescente de 17 anos, encontra-
do morto em janeiro de 2014; Luana Barbosa dos Reis Santos, lésbica negra de 34 anos,
que foi espancada e ameaçada de morte por três policiais militares nas proximidades de sua
casa e na presença de seu filho de 11 anos, falecendo dias depois em decorrência das lesões
corporais; Laura Vermont, travesti de 18 anos, que faleceu em junho de 2015 em decorrên-
cia de situação que envolveu lesões corporais, inclusive esfaqueamento e um tiro no braço,
tendo sido acusados um grupo de rapazes e policiais. Nos três casos, maior visibilidade foi
alcançada pela atuação das famílias na denúncia da violência, que em especial nos dois
últimos casos se articulou à atuação do movimento social.
Gênero e Diversidade Sexual • 32
tava de relato a policiais, a agressão física era a modalidade mais relatada. Contudo, ainda
assim, entre os que relataram ter sofrido agressão física (26%), pouco menos da metade
(45%) relatou o fato à polícia. A análise indicou também baixo conhecimento de leis ou
recursos de apoio a LGBT’s.5 Porém, para além do baixo (re)conhecimento de leis e recur-
sos, outros fatores devem ser levados em consideração quando pensamos no silenciamento
de situações que podem ser consideradas discriminatórias ou violentas pelos sujeitos.
A etapa qualitativa evidenciou que entre as situações que são imediata e inequivoca-
mente referidas como violentas, a agressão física é uma das mais reconhecidas como tal,
especialmente quando é praticada por desconhecidos e na adolescência ou idade adulta.
Tais situações pontuais, incrustadas no tempo e envolvendo sujeitos com os quais os en-
trevistados não tinham qualquer relação pessoal não se prestam a grandes remanejamen-
tos, e contrastam com o que encontramos em relação à violência no âmbito familiar:
contexto no qual as narrativas, no geral, oscilavam entre um tom doloroso e um tom que
logo relegava as experiências ao passado e à superação, diminuindo a importância das
mesmas (DAS, 1999).6
Os casos relatados de agressão física em espaço público – o que também vale para
agressões verbais e ameaça de agressão física – concentraram-se entre entrevistados que
1) são reconhecidos como bichas ou sapatões, no bairro de residência ou em quaisquer es-
paços públicos; 2) não são reconhecidos a partir de sua expressão de gênero, mas pela
exposição de afeto em público, principalmente por estarem de mãos dadas com alguém do
mesmo sexo; 3) são reconhecidos como travestis ou transexuais7.
Em contraste com o reconhecimento inequívoco das agressões físicas por desconheci-
dos como violência, temos o caráter um tanto ambíguo das situações de discriminação re-
5 Apesar de 51,3% dos entrevistados afirmarem que conhecem alguma lei ou projeto que
beneficie LGBTs, apenas 15,7% do total citaram espontaneamente a Lei Estadual
10.948/2001, que pune a discriminação contra LGBTs. Enquanto 45,6% dos entrevista-
dos disseram conhecer órgãos, serviços ou instituições que apoiam LGBTs, apenas 6,8%
citaram a Coordenadoria da Diversidade ou um dos dois centros de referência voltados a
essa população no município, 3,6% citaram alguma ONG LGBT (FALCÃO, 2011).
6 Além da violência que conta socialmente, inclusive nas classificações presentes entre LGBTs,
como tal se concentrar na agressão física, um dos efeitos mais perversos dessa dinâmica é
relacionado à visibilidade e ao reconhecimento social da violência e ao modo como se distri-
bui entre pessoas assignadas ao nascer como do sexo feminino ou masculino, de modo a
invisibilizar boa parte da violência envolvendo mulheres lésbicas e bissexuais, assim como a
que se dirige a crianças designadas como do sexo masculino e tidas como afeminadas.
7 Cabe enfatizar que, em acordo com a literatura (CARRARA; VIANNA, 2006; EFREM
FILHO, 2016), travestis e transexuais relataram eventos de agressão física em espaço pú-
blico em maior número que os outros perfis entrevistados e que, entre elas, a violência
policial também se apresenta de forma muito intensa, por meio de constantes achaques,
ameaças, espancamentos e prisões.
Gênero e Diversidade Sexual • 38
tas em profundidade realizadas, dos 12 entrevistados que afirmaram ter alguma vez na
vida sofrido agressão física em idade adulta em razão da sua sexualidade, apenas dois
formalizaram denúncia a instituições de segurança pública.
O sentimento de desproteção frente a uma denúncia, ou seja, a sensação de que de-
nunciar é evidenciar um conflito e ter de lidar com ele sozinho/a até que haja algum de-
senrolar mais significativo por parte de um sistema judiciário moroso e ineficiente deses-
timulava parte dos entrevistados a denunciar nos contextos em que agressores são conhe-
cidos ou que a agressão não é tida como muito grave, ou seja, em que uma denúncia pode
transformar um episódio suportável numa ameaça à integridade física.
Entre as justificativas mais citadas nas entrevistas para a ausência de denúncia esta-
vam o medo de se expor, ou seja, de ter sua identidade sexual revelada de alguma maneira
e registrada em livros públicos; a sensação geral de que não vai dar em nada, reveladora de
uma descrença geral no aparato judiciário; e o medo de sofrer novo preconceito nas dele-
gacias ou pelos policiais, que não estariam preparados para lidar com questões desse tipo.
As possibilidades de denúncia parecem ainda mais difíceis quando o autor da agressão é
policial ou quando esta se dá no contexto de comunidades ou de bairros periféricos, nos
quais a violência raramente é arbitrada pela polícia e denunciar pode significar colocar em
risco atividades ilícitas de pessoas respeitadas no local e, consequentemente, a segurança
dos sujeitos e das pessoas que com ele coabitam.
Referências Bibliográficas
2 Tradução livre: sobre si mesmo, sobre seu corpo e sobre seu espírito, o indivíduo é soberano.
3 Tradução livre: Em todas as partes onde há uma classe dominante, quase toda a moral
pública deriva dos interesses dessa classe e de seus sentimentos de superioridade.
45 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
quiridas. Outros como Kant definiram a liberdade como a capacidade de atuar de forma
autônoma sem condicionantes externos. Entretanto, Philippe Van Parijs, para definir a
liberdade, a distingue em duas dimensões; a primeira é uma liberdade negativa que “con-
siste en no ser impedido arbitrariamente de hacer lo que se desea y es capaz4” (VITA,
2007, p. 56) como o exposto pelos liberais; a segunda dimensão é a liberdade positiva
“entendida como el acceso a los medios y recursos que capacitan a una persona hacer de
su vida lo que ella desea5” (VITA, 2007, p. 56). Essa definição igualitária não encontraria
objeção a partir de uma perspectiva de justiça social, onde a liberdade é aquilo que podem
fazer as pessoas com seus direitos, e ampliá-la a todos se converte na finalidade dessa
corrente de pensamento. Bobbio também inseriu um conceito para a liberdade positiva,
associado ao gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais:
La segunda mutación del concepto de libertad llegó al pasar de una concepción nega-
tiva a otra positiva, es decir, cuando la libertad auténtica y digna de ser garantizada no sólo
se extendió en términos de facultad negativa, sino también en términos de poder positivo,
es decir, de capacidad jurídica y material de concretar las posibilidades abstractas garanti-
zadas por las constituciones liberales6 (BOBBIO, 1991, p. 43-44).
4 Tradução livre: consiste em não ser impedido arbitrariamente de fazer o que se deseja e se
é capaz.
5 Tradução nossa: entendida como o acesso aos meios e recursos que capacitam uma pessoa
a fazer de sua vida o que ela desejar.
6 Tradução livre: A segunda mutação do conceito de liberdade chegou ao passar de uma
concepção negativa para outra positiva, ou seja, quando a liberdade autêntica e digna de ser
garantida não só se estendeu em termos de faculdade negativa, como também em termos
de poder positivo, ou ainda, de capacidade jurídica e material de concretizar as possibilida-
des abstratas garantidas pelas constituições liberais.
Gênero e Diversidade Sexual • 46
divíduos7” (SEN, 2000, p. 19). Pelo que falamos de um desenvolvimento das pessoas, para
as pessoas e pelas pessoas, liberdade é ampliar as capacidades, eliminar privações e tornar
a escolha possível. Esse conceito de liberdade é tão negativo quanto positivo, como foi
exposto anteriormente, já que também implica a não interferência dos Estados no gozo
das liberdades políticas e civis, assim como entender a justiça através da liberdade. Sen
argumenta que, quanto maior a liberdade de um indivíduo, mais capacidade ele terá para
melhorar sua vida e contribuir no mundo, e assim também acontece com o desenvolvi-
mento, pois se torna um agente de mudanças.
Para Sen, o desenvolvimento é muito mais complexo que o aumento do produto in-
terno bruto e das contas nacionais, deve ser valorizado para ampliação da liberdade. Ain-
da que, sem dúvida, o crescimento econômico seja importante, não é a finalidade do de-
senvolvimento como é a liberdade; o crescimento é um meio para se alcançar outros di-
reitos, bens e serviços que garantem uma vida digna; no entanto, o ingresso pouco tem a
ver com ser vítima de homofobia na rua, de assédio trabalhista, familiar ou sexual e outras
manifestações da violência e discriminação pelas quais passam pessoas LGBTI. Sen ar-
gumenta ainda que a pobreza já não deve ser vista somente como a falta de renda, nem
como a falta de capacidade para ser livre. Essa pobreza real nas pessoas LGBTI está em
todas as partes do mundo.
Em 2014, o Banco Mundial realizou um evento para discutir o impacto da homofobia
no desenvolvimento. A Dra. Lee Badgett foi uma das palestrantes e apresentou resultados
preliminares de um estudo sobre o custo econômico da homofobia na Índia. O estudo
estimou que a homofobia custou à Índia entre 0,1 a 1,7% de seu produto interno bruto.
Constatou-se que 56% dos executivos LGBTI sofreram discriminação, 64% das pessoas
Kothis (homens indianos que adotam o gênero feminino) ganham menos que 70 dólares
por mês, que 66% dos homens que fazem sexo com homens em Chennai ganham menos
que 1,5 dólares por dia e 28% das lésbicas em zonas urbanas passaram por situação de
violência na própria família.
O estudo apresenta a homofobia como uma ação que gera exclusão social na Índia
através da violência, perda de emprego, discriminação, rejeição familiar, bullying na escola,
pressão para se casarem e inclusive condenação à prisão por ser LGBTI; essas situações
trazem, como consequência, menor educação (reduzem possibilidades de conseguir um
emprego), baixa produtividade (reduzem o lucro das empresas), baixa renda (maior po-
breza), saúde precária (baixa expectativa de vida), assim como também redução da força
7 Tradução livre: processo de expansão das liberdades reais de que usufruem os indivíduos.
47 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Países con más derechos para las personas LGBT tienen mayor ingreso per cápita y
mayores niveles de bienestar. La correlación positiva entre los derechos LGBT y el IDH
sugiere que los beneficios de los derechos se extienden más allá de los resultados puramen-
te económicos para el bienestar medido como el nivel educativo y la esperanza de vida9
(Badgett, 2014, p. 3).
Com isso, tenta-se demonstrar que, quanto maior a inclusão das pessoas LGBT, me-
lhores resultados econômicos se obtêm para o desenvolvimento, pois deve ser uma parte
constitutiva das agendas nacionais de desenvolvimento a ampliação das liberdades das
pessoas LGBTI.
Sem dúvidas, a orientação sexual, o gênero e a identidade sexual seguem uma ordem
social dominada pelo conceito do heterossexismo, visto de uma ordem patriarcal, andro-
cêntrica e de uma moral que tem imposto, às vezes de forma legal e em quase todos os
cantos do mundo, a violência simbólica como instrumento para inferiorizar, reduzir ou
disciplinar as pessoas LGBTI. Essa ordem sexual condena as minorias sexuais a receber da
sociedade um tratamento desigual e as priva de sua plena liberdade. A discriminação por
orientação sexual é um ato que prejudica a igualdade e a dignidade das pessoas LGBTI.
Discriminá-las é negar-lhes a condição de seres humanos iguais aos demais, e isso pertur-
ba a dignidade humana.
Norberto Chaves defende em seu libro “A Homossexualidade Imaginada” que a
homofobia é uma característica sistêmica comungada pela maioria da sociedade. Por
trás da homofobia está o machismo, que associa a homossexualidade masculina ao gê-
nero feminino, o que embasa o desprezo ao homossexual, devido a que rejeita sua viri-
lidade. Chaves disse que o homossexual “Ha hecho lo peor que puede hacer un hombre:
parecerse a una mujer”10 (CHAVES, 2009, p. 57). E é o pior porque abandonou o pri-
vilégio de ser o sexo dominante. No caso das lésbicas, a depreciação se baseia em que
elas rejeitam o papel designado de mães e esposas. Ser homofóbico é um ato de afirma-
ção da condição de heterossexual.
Em 2006, Amartya Sen se uniu a um grupo de intelectuais e outras figuras reconhe-
cidas da Índia, entre elas Vikram Seth, para pedir ao Governo e à Corte Suprema da Índia
a anulação do artigo 377 do Código Penal, redigido em 1860 durante a ocupação britâni-
ca, que penaliza as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo com até 10 anos de
prisão e pagamento de uma multa. Amartya Sen escreveu uma carta em paralelo à apre-
sentação pela maioria dos intelectuais, na qual afirma:
The criminalization of gay behaviour goes not only against fundamental human
rights, as the open letter points out, but it also works sharply against the enhancement
of human freedoms in terms of which the progress of human civilization can be
judged11(SEN, 2006).
Como bem pontua Sen, não resta dúvida de que criminalizar a homossexualidade é
um atentado à liberdade e uma violação aos direitos humanos. Essa criminalização
priva as pessoas LGBTI de viver a vida que querem e ainda confere um obstáculo para
o desenvolvimento.
10 Tradução livre: Fez o que pior pode fazer um homem: parecer-se com uma mulher
11 Tradução livre: A criminalização do comportamento gay vai não só contra os direitos hu-
manos fundamentais, como a carta aberta aponta, mas também age fortemente contra o
avanço das liberdades humanas, em termos das quais o progresso da civilização humana
pode ser julgado.
Gênero e Diversidade Sexual • 50
Em 2 de julho de 2009, um tribunal de Nova Déli aprovou uma decisão que decla-
rava inconstitucional o artigo 377 do Código Penal, que estabelecia penas contra a so-
domia; no entanto, a Suprema Corte da Índia anulou essa decisão judicial em 11 de
dezembro de 2013. Em uma entrevista na mesma semana desse acontecido, o professor
Sen deu seu parecer:
Este es un asunto sobre los derechos de las minorías, y como los derechos de las mino-
rías así como los humanos están protegidos no buscando la mayoría. No importar lo que
quiera la mayoría debe ser protegido, ese fue el punto central de John Stuart Mill en su
libro sobre la Libertad a mediados del siglo XIX [...] El hecho de esperar la bendición del
parlamento para proteger un derecho y que la Suprema Corte no haga nada respecto a esto
es un fallo de entendimiento sobre el rol que debe jugar12 (SEN, 2013).
12 Tradução livre: Esse é um assunto sobre os direitos das minorias e, assim como os direitos
humanos, estão protegidos não buscando a maioria. Não importa o que quer a maioria,
deve ser protegido, e esse foi o ponto central de John Stuart Mill em seu livro sobre a li-
berdade em meados do século XIX. [...] o fato de esperar a benção do parlamento para
proteger um direito e que a Suprema Corte não faça nada a respeito disso é uma falha no
entendimento do papel que deve desempenhar.
13 Tradução livre: ainda que seja muito rica, carece de algo que tem razões para valorizar.
14 Tradução livre: é possível dar importância ao fato de ter oportunidades que não se aproveitam.
51 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
A ONU tem feito esforços em nível mundial para promover o desenvolvimento hu-
mano em todos os países membros. É por isso que 189 Estados se comprometeram no
ano 2000 a alcançar os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, os quais benefi-
ciam também as pessoas LGBTI como parte da humanidade. No entanto, nenhum obje-
tivo fazia menção direta a essa minoria. Findo o prazo para cumprir essas metas, em 2015,
a ONU empreendeu a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, e durante as
negociações se tentou incluir o tema orientação sexual e identidade de gênero, mas este
acabou retirado do documento final devido à oposição de vários países. Entretanto, o se-
cretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, assumiu um compromisso institucional de apoiar
as pessoas LGBTI, e acrescentou o seguinte:
alimentarse ellos o a sus familias, en comparación con el 17% de los adultos no LGBT”17’
(TAYLOR N. T. BROWN, 2016, p. 2). Esclarecer sobre como a homofobia impacta a
vida econômica e social das pessoas LGBTI, a sociedade e o país onde vivem deve ser uma
prioridade. É por isso que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, afirmou:
Para los individuos y sus familias se trata de una tragedia personal. Para la sociedad, es
un desperdicio vergonzoso de talento, inventiva y potencial económico. Todos debemos
entender que poner fin a la marginación y exclusión de las personas LGBT es una priori-
dad de derechos humanos y un imperativo de desarrollo 18(KI-MOON, 2015).
17 Tradução livre: 1 a cada 4 adultos LGBT (27%), por volta de 2,2 milhões, experimentaram
uma vez no ano passado não ter dinheiro suficiente para alimentar a si ou à sua família, em
comparação com 17% dos adultos não LGBT.
18 Tradução livre: Para os indivíduos e suas famílias, se trata de uma tragédia pessoal. Para a
sociedade, é um desperdício vergonhoso de talento, inovação e potencial econômico. Todo
devemos entender que pôr fim à marginalização e exclusão de pessoas LGBT é uma prio-
ridade de direitos humanos e um imperativo de desenvolvimento.
53 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
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Os Direitos das Pessoas LGBT como questão de Segurança
Humana no Contexto Internacional
Elias David Morales Martinez1
Em linhas gerais, pode-se dizer que a segurança humana foca o indivíduo e não o
Estado, como sujeito de segurança. O Estado é o meio pelo qual o indivíduo pode ter o seu
bem-estar, liberdade e direitos garantidos e efetivados. Esta mudança traz profundas im-
plicações teóricas e práticas para as políticas dos Estados (OLIVEIRA, 2009, p. 68).
A segurança econômica trata de garantir aos indivíduos condições suficientes para que
tenham um trabalho digno, produtivo e remunerado, contando com os recursos mínimos
para resolver os problemas estruturais e evitar ao máximo o desemprego, a desigualdade
social e econômica, assim como a precarização e informalização do trabalho.
Quanto à segurança alimentar, pretende-se garantir por todos os meios que as pessoas
possam ter acesso aos alimentos básicos e a uma boa nutrição, sem barreiras nem obstá-
culos físicos e nem políticos, evitando a má administração dos víveres e priorizando todos
os mecanismos de distribuição de alimentos.
Com relação à segurança sanitária, o relatório do PNUD enfatiza que as ameaças sa-
nitárias tais como falta de água potável, acidentes de trânsito, doenças contagiosas, para-
sitárias, respiratórias e outros tipos de doenças são mais presentes em regiões de pobreza
e de extrema pobreza. A segurança humana propende a manter afastados os indivíduos
dessas ameaças garantindo acesso a saúde.
A respeito da segurança ambiental, as consequências derivadas do aquecimento global
devem ser contidas para evitar que tragam efeitos adversos às populações, principalmente
às mais vulneráveis. O desmatamento, o não tratamento das fontes hídricas, a poluição
atmosférica, a camada de ozônio e as secas são considerados potenciais ameaças para a
segurança humana.
Por outro lado, a segurança pessoal trata da proteção contra a violência física que pro-
vém do próprio Estado (o que é considerado tortura) ou de outros Estados (na condição
de guerra), como também de outros indivíduos (o que seria violência urbana, crimes,
violência contra mulher, contra as minorias e todas as fobias sociais), assim como da pro-
teção de qualquer outro grupo que apresente relativa vulnerabilidade.
Por sua vez, a segurança comunitária trata da garantia das pessoas poderem manifes-
tar a sua identidade cultural e seus valores familiares, da comunidade, dos grupos étni-
cos, sociais, além do fortalecimento das tradições ancestrais das organizações humanas
étnicas e indígenas.
Finalmente, na segurança política são abordados tanto os direitos humanos dos cida-
dãos de um Estado como também os empecilhos, travas e dificuldades que impedem a
implementação desses direitos dentro do Estado. Assim, a segurança política estabelece o
compromisso de manter um direito civil sólido e ágil para garantir a governabilidade
democrática, o funcionamento do Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos.
Assim sendo, e tendo em conta a explicação das origens do conceito da segurança
humana e que está sendo construído desde a Guerra Fria, suas principais características
intrínsecas (freedom from want, freedom from fear), os quatro pilares (universalidade, inter-
dependência, prevenção e humanização) assim como as sete dimensões expostas anterior-
mente (econômica, alimentar, sanitária, ambiental, pessoal, comunitária e política), podemos
evidenciar que a segurança humana está profundamente relacionada com a defesa dos
direitos das pessoas LGBT no plano internacional.
61 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
O conceito de segurança humana pode ser utilizado para analisar a paulatina emer-
gência no mundo dos direitos das pessoas LGBT, principalmente no Pós-Guerra Fria. Ao
se alargar o conceito de segurança são compreendidas as ameaças externas aos Estados,
como também as ameaças internas que vêm do próprio Estado, contemplando assim não
somente as ameaças violentas ou hard threats, mas também aquelas que aparentemente
não são tão violentas, ameaças leves ou soft threats, mas que causam mortes que podem ser
evitadas pela prevenção (BALLESTEROS, 2014, p. 30).
Não é desconhecido o fato de que existe uma violência geral contra as pessoas LGBT
no mundo inteiro, violência que é velada e que se manifesta em diferentes níveis depen-
dendo do país, da cultura e do regime político em exercício governamental e local. Mesmo
que existam algumas conquistas em vários países, e avanços sejam dados na luta pela
igualdade, ainda as estatísticas demonstram uma considerável realidade quando falamos
do aumento da violência por orientação sexual e identidade de gênero.
Isso poderia ser caracterizado como uma soft threat, mas na verdade, se observamos
em maior profundidade, é de fato uma hard threat, pois, mesmo que não existam grandes
extermínios em massa localizados, há práticas sistemáticas, em todos os países, de perse-
guição, crime, ódio e preconceito que geram ataques que produzem mortes que poderiam
ter sido evitadas. Lembremos que em 78 países do mundo as práticas homossexuais ainda
são consideradas como crime, e, devido a esse caráter de ilegalidade, muitas vítimas so-
frem os abusos e não têm como denunciar (REID, 2014, p. 2). E mais ainda, entre esses
países, cinco são muito mais violentos, pois castigam com a morte a todo aquele que
exerça seu direito de amar diferentemente da prática heterossexual.
Por isso, essa violência que se vivencia em aumento contra a população LGBT é uma
temática objeto de cobertura pela segurança humana, uma vez que esta fortalece o desen-
volvimento humano e assim melhora a prática dos direitos humanos, o que leva à existên-
cia de uma proteção política e jurídica que salvaguarde os indivíduos mais vulneráveis,
como é o caso das pessoas LGBT. A esse respeito, Ballesteros (2014, p. 31) argumenta: “o
que caracteriza a segurança humana é a convicção de que não se pode perseguir a segu-
rança violando os direitos humanos, pois a verdadeira segurança humana consiste em fa-
zer os direitos humanos efetivos a todos”.
Isso tem tudo a ver com o primeiro pilar da segurança humana, a universalidade, pois
existe uma preocupação de que os direitos humanos sejam de fato respeitados e garanti-
dos em todos os países. Branco (2011) expõe que, desde a aprovação da Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos em 1948, a ONU tem feito destacados progressos no que
tange à proteção e promoção dos direitos humanos relacionados à orientação sexual e
identidade de gênero. O autor destaca igualmente o fato da Organização Mundial da
Gênero e Diversidade Sexual • 62
co (2013) e Colômbia (2016). O Canadá foi o primeiro país da América a aprovar o ca-
samento entre pessoas do mesmo sexo em 2005, e os Estados Unidos somente o fizeram
em 2015. Por sua vez, a Europa é o continente onde a maioria dos países reconhece tais
uniões e garante aos seus cidadãos direitos e deveres iguais para todos, independentemen-
te da orientação sexual e identidade de gênero.
De conformidade com os dados da ILGA (2016), até o primeiro semestre de 2016, 22
países reconhecem o casamento em iguais condições, enquanto 19 países reconhecem
uma união quase equivalente ao casamento, e 6 países uma união notavelmente inferior
ao casamento convencional. Somente em 26 países se reconhece o direito de adoção con-
junta pelo casal homo-afetivo, e em 33 a adoção pelo segundo pai ou segunda mãe.
Essa interdependência em matéria de reconhecimento de uniões maritais civis de
pessoas LGBT que se está sendo gerada entre os países, principalmente no mundo oci-
dental, se dá no sentido de outorgar um reconhecimento igualitário ao indivíduo de ad-
quirir um direito e um compromisso civil e jurídico perante o Estado junto à pessoa com
quem pretende viver em união conjugal, e assim tornar oficial, perante as autoridades, o
núcleo familiar constituído.
Os avanços jurídicos favoráveis às pessoas LGBT não se referem somente à igualdade
de direitos, mas também à busca de proteção perante crimes de ódio, preconceito, intole-
rância, abuso e fobia. Nesse aspecto, o que se pretende, além de proteger o indivíduo, é
criar mecanismos sólidos para prevenir que outras pessoas sofram atropelos, crimes e in-
júrias pelo simples fato de manifestar e vivenciar sua sexualidade e seu gênero livremente.
Estamos falando do terceiro pilar da segurança humana, que é a prevenção.
Como exemplo do pilar da prevenção, os dados da ILGA (2016) revelam que em 40
países a orientação sexual é considerada circunstância agravante de delitos, e em 36 países
há proibição de incitação ao ódio por orientação sexual. No entanto, somente em 14 paí-
ses há proibição constitucional da discriminação por orientação sexual, enquanto que em
39 países existem outras disposições contradiscriminatórias que contemplam expressa-
mente a orientação sexual.
Como exemplo do quarto pilar da segurança humana, a humanização ou segurança
centrada no indivíduo, podemos citar a questão da criminalização da homossexualidade
que existe ainda em vários países. O trabalho que vem sendo empreendido pela ONU e
por outros organismos e ONGs internacionais no sentido de informar, debater, argumen-
tar, discutir e promover a igualdade de direitos para as populações LGBT, também está
direcionado aos países que até o presente momento criminalizam a sexualidade que não
corresponde à heteronormativa. As estatísticas fornecidas pela ILGA (2016) revelam que
em 13 países existe pena de morte para as pessoas homossexuais, 14 países impõem prisão
perpétua, 43 pena de prisão de 3 a 14 anos, e em 8 países se condena a homossexualidade
com multa. Nos últimos 3 anos houve detenções e castigos, nas categorias anteriores, em
pelo menos 49 países.
Gênero e Diversidade Sexual • 64
Outra dimensão da segurança humana que se destaca nesta análise é a segurança pes-
soal, pois ela pretende que exista uma proteção aos indivíduos contra qualquer tipo de
violência física externa ou interna, com relação ao Estado. A segurança pessoal trata da
proteção contra a violência física que provém do Estado, que é considerada tortura ou
perseguição contra minoria, uma vez que os direitos humanos da população-alvo ficam
evidentemente violentados. Mais uma vez lembremos que segundo os dados fornecidos
pela ILGA (2016), em 13 países as relações homoafetivas são castigadas com pena de
morte, e isso é uma causa de segurança pessoal.
A particularidade das pessoas LGBT é que sua luta é por uma questão de reconheci-
mento e de igualdade de direitos e não de privilégios, como defendem os setores conser-
vadores e fundamentalistas. Nesse sentido, há uma percepção de que as reivindicações da
população LGBT são também uma causa de segurança comunitária, pois buscam poder
manifestar sua identidade sexual e de gênero como uma expressão natural da essência
humana. Essa expressão é percebida não somente como uma luta social, mas como resul-
tado de uma providência das agrupações humanas espalhadas pelo mundo inteiro que
defendem o reconhecimento dos seus direitos iguais assim como os da maioria de orien-
tação heterossexual e, por conseguinte, a diminuição das ameaças à sua existência e ex-
pressão de afeto e amor que é característico da espécie humana.
Finalmente, a luta pela defesa e pelo reconhecimento dos direitos das populações
LGBT no mundo está contemplada nas dimensões econômica, pessoal e comunitária, e es-
sas três se concentram na dimensão política da segurança humana. O embate político se
dá principalmente quando emerge a necessidade de se encontrar mais vias para aliviar a
opressão política que as minorias por orientação sexual e identidade de gênero sofrem em
países democráticos e muito mais nos países sob regimes repressivos, totalitários e funda-
mentalistas.
Reid (2015) analisa o fato de que, ainda que os avanços na América Latina sobre os
direitos das pessoas LGBT nos últimos anos tenham surpreendido o mundo, há um mo-
vimento paralelo de crescimento de condutas orientadas pela LGBTfobia, e o uso políti-
co de determinados procedimentos conduz a um acirramento da intolerância em vários
governos nos diferentes continentes, estabelecendo, assim, uma dicotomia de valores,
principalmente nos países com regimes repressivos, conservadores e fundamentalistas.
Por isso, consideramos que é uma questão de segurança política a defesa dos direitos
LGBT, pois não há igualdade social sem direitos humanos iguais para todos. Nesse sen-
tido, podemos evidenciar os riscos que estão latentes quando se trata de politizar os direi-
tos humanos para as pessoas LGBT de forma negativa. Na visão de Reid (2015, p. 2):
Acusar de homossexualidade com fins políticos flagrantes não é novo [...] é fácil obser-
var como as leis homofóbicas servem aos interesses dos Estados repressivos. Pelo procedi-
mento de assinalar um grupo social taxando-o de marginal e ameaçador, a legislação cria
Gênero e Diversidade Sexual • 66
2 Tradução livre
67 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Em nível estadual assim como no federal, podemos ver o aumento dos casos conforme
os dados do relatório sobre violência homofóbica no Brasil publicado pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos nas edições anuais de 2011, 2012 e 2013. Nesse último
relatório publicado em 2016 fica clara a situação do país em relação ao alarmante aumen-
to de casos que envolvem violência contra a população LGBT:
O Observatório tem como responder a todo esse desafio regional e global, a partir do
foco no indivíduo e na prevenção através de estudos que tratem essa questão da seguran-
ça pessoal, comunitária, política e econômica das populações LGBT. A partir do tripé no
qual se baseia o Observatório, o foco da centralidade no indivíduo e a busca por estraté-
gias que levem à prevenção e à dissuasão de ataques violentos se torna fundamental para
que a pesquisa, o ensino e a extensão sejam direcionados para o bem-estar da população
LGBT como garantia de igualdade de direitos e de segurança humana plena.
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Lutas, disputas e reações por
direitos para a população LGBT
De olhos vendados: a invisibilidade da união homoafetiva
no Congresso Nacional e a oficialização pelo Supremo
Tribunal Federal
Juliana Fabbron Marin Marin1
A união entre casais do mesmo gênero é um direito que vem sendo buscado legal-
mente desde a década de 1990 no Poder legislativo. Projeto de lei elaborado pela então
Deputada Marta Suplicy previa a legalização da união de casais homoafetivos.
O projeto de lei 1.151 foi proposto no ano de 1995, com o objetivo de que o Legisla-
tivo aprovasse direitos que já eram garantidos aos casais heteroafetivos. Mas o projeto, que
para ser aprovado teria que passar por aprovação das duas casas do Congresso Nacional,
o Senado e a Câmara dos Deputados, não teve avanços e no ano de 2001 e a proposta
deixou de ser discutida, sendo retirada de pauta.
Esse projeto, como dispõe seu próprio texto, previa a legalização da união civil entre
casais homoafetivos, união esta que não se equipara à estável ou ao casamento civil, mas
equipara os direitos dos casais homoafetivos aos direitos já existentes dos casais hete-
roafetivos.
O projeto de lei não promoveria uma igualdade plena, posto que o termo jurídico para
identificar a união seria “união civil” e não casamento, como se aplica a casais heteroafe-
tivos. Como explicitado no Diário da Câmara dos Deputados acerca das diferenças entre
a união civil e o casamento com base no projeto de lei n. 1.151/1995:
Esse projeto procura disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo e não se
propõe a dar às parcerias homossexuais um status igual ao casamento. O casamento tem
um status único. Este projeto fala de “parceria” e “união civil”. Os termos “matrimônio” e
“casamento” são reservados para o casamento heterossexual, com suas implicações ideoló-
gicas e religiosas.
Está entendido, portanto, que todas as provisões aplicáveis aos casais casados também
devem ser direito das parcerias homossexuais permanentes.
O projeto de lei 1.151/1995 não previa, portanto, a equiparação do status de união civil
e casamento, mas traria o amparo legal da união entre homoafetivos, criando a previsão da
união na legislação e consequente segurança jurídica para os parceiros homoafetivos.
Embora o reconhecimento da união entre homoafetivos não seja legitimado por
grande parcela dos sujeitos sociais, a não garantia dos direitos colocam os homoafetivos à
margem do ordenamento jurídico brasileiro, de maneira que a ausência de legislação pro-
move uma distinção entre os sujeitos em função de sua orientação sexual, com o julga-
mento de valores como consequência de ideologias e crenças que defendem a heteroafe-
tividade como a única orientação correta e possível, abarcando a homoafetividade como
uma transgressão à normalidade.
Somente mais de uma década após a proposta desse projeto de lei a união estável
homoafetiva passa a ser reconhecida, muito embora esta não tenha sido legalizada, uma
vez que não nasceu de discussões do Poder Legislativo e sim do Poder Judiciário, por
meio da oficialização pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2011.
Antes da oficialização da união estável homoafetiva, a união entre pessoas do mesmo
gênero era regulada pelo direito civil como sociedade de fato. Esta não é tratada no Có-
digo Civil como parte do âmbito familiar e sim como parte do direito das obrigações,
como dispõe o art. 983 e seguintes do Código Civil de 2002. No caso de casais homoafe-
tivos, as relações não eram disciplinadas pelos dispositivos legais concernentes à família,
mas pela equiparação à sociedade de fato, de acordo com a qual na dissolução da relação
cada sujeito teria direito sobre os bens com os quais contribuiu durante o período de en-
volvimento. Caracteriza-se a sociedade de fato pelo regimento patrimonial, distanciando-
-se da segurança e garantia intrínseca às relações familiares.
2 Diário da Câmara dos Deputados, novembro de 1995. Projeto de Lei 1.151/1995. Dispo-
nível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD21NOV1995.pdf#page=41
Gênero e Diversidade Sexual • 74
Diante dessa equiparação da união entre homoafetivos a uma sociedade, de fato claro
fica o distanciamento do tratamento entre as relações homoafetivas e heteroafetivas, vio-
lando princípios fundamentais da Constituição Federal, como a igualdade e a dignidade
da pessoa humana.
Decisões acerca de efeitos que só existiam no casamento entre casais heteroafetivos
passaram a ser aplicadas, em casos concretos, a casais homoafetivos. Para a garantia dos
seus direitos, o Judiciário era acionado pelos interessados e essas decisões judiciais davam
ao casal a possibilidade de ter sua união reconhecida. Assim, decisões provenientes dos
tribunais geram efeitos entre as partes envolvidas no processo, pois a ação na qual o indi-
víduo se fundamenta tem como pedido ao Tribunal o reconhecimento da união naquele
caso específico e determinado. Cada sujeito que tinha a intenção de ter a união reconhe-
cida e os direitos assegurados defendia seus próprios interesses perante o Judiciário e a
decisão favorável a um caso não necessariamente garantiria o mesmo direito a todos que
o buscavam, visto que a decisão depende da interpretação do juiz responsável pela decisão.
Esses casos concretos não traziam todos os efeitos provenientes da união estável ou do
casamento, mas o reconhecimento dos direitos buscados no decorrer do processo. Os di-
reitos tratados nesses casos são, em geral, relacionados à herança e à pensão e atingem
somente as partes envolvidas no processo.
Para atingir todos os que estão subordinados ao ordenamento jurídico, faz-se neces-
sária a presença do efeito erga omnes, que garante a mesma aplicabilidade da decisão a
todos e não apenas entre as partes envolvidas no processo. Para que uma decisão tenha
esse efeito ela deve ser proferida pelo órgão máximo do Judiciário, o Supremo Tribunal
Federal. Dessa forma, para que a união homoafetiva fosse igualmente garantida a todos
os sujeitos, o STF teria que se manifestar favoravelmente.
Princípio fundamental que deve ser seguido pelo Judiciário é o da inércia. Esse poder
não pode se manifestar a menos que seja provocado. Assim, algum legitimado para propor
ação perante o STF deve tirá-lo da inércia sobre a questão, acionando-o. Mas não são
todos os sujeitos capazes de propor uma ação que surta o efeito a toda a coletividade.
Existe um rol de legitimados no que tange à ação proposta para que a união estável ho-
moafetiva passe a ser permitida e válida no ordenamento jurídico brasileiro.
Aqueles que podem propor ação perante o STF estão elencados no art. 103 da Cons-
tituição Federal. Dentre os atores que podem acionar o STF, houve tentativa tanto por
parte do Governador do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Ação de Arguição de
Preceitos Fundamentais (ADPF) quanto por parte da Procuradoria-Geral da República,
por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) de reconhecimento da união
entre sujeitos homoafetivos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade tem como objetivo
impedir que no ordenamento jurídico brasileiro esteja presente alguma norma que se
mostre contrária à Constituição Federal. A ADIn visa, dessa forma, garantir a supremacia
75 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
reitos, pois ao mesmo tempo em que pode ser favorável ao pedido realizado, o da garantia
dos mesmos direitos dos heteroafetivos aos homoafetivos, pode também ser negativa,
julgada a improcedência dos pedidos. Para uniformizar as decisões e para que se tornem
aplicadas a todas as pessoas interessadas deve haver o parecer do órgão máximo do Poder
Judiciário, o Supremo Tribunal Federal.
O Poder Legislativo é o eleito pelos cidadãos, por meio do voto, diferentemente dos
membros do Poder Judiciário. Nesse sentido, o Poder representativo da população seria o
primeiro e, portanto, teoricamente, o responsável por decidir questões políticas que atin-
jam a vida do povo. Todavia, as chamadas minorias sociais, como mulheres, pessoas negras
e LGBTs, carecem de presença e de representação na política, de forma que suas deman-
das são deixadas de lado, postas debaixo dos panos do cotidiano legislativo.
Questões relacionadas às ditas minorias são dissenso na sociedade, são tabu, polêmica
e, portanto, sofrem com a desatenção dos deputados e senadores eleitos. A preocupação
com reeleição e manutenção de um status aceito pela população faz com que as demandas
que fogem da representação da maioria sejam pouco discutidas. As questões LGBT ainda
são muito invisibilizadas dentro do Congresso Nacional, e o silêncio do Legislativo refle-
te na manutenção das lutas nas ruas, do movimento LGBT e na busca por outros meios
e instrumentos que garantam direitos a essa população.
O movimento LGBT é repleto de atores que há décadas pautam demandas tanto ao
Poder Executivo quanto ao Legislativo. O movimento nasceu no final de década de 70
no Brasil, inicialmente com pouco envolvimento político. Todavia, na década de 80,
com a redemocratização do país e com a eclosão da AIDS, o movimento adquire caráter
mais politizado, passando a fazer reivindicações na própria constituinte, como a inser-
ção da proibição de discriminação por orientação sexual na Constituição – pedido que
não foi inserido no texto legal –, bem como atuando em parceria com o Estado no
combate à doença.
O reconhecimento do movimento em relação ao Estado se mostra inicialmente não
pelas reivindicações, pela luta de direitos, de visibilidade e do combate ao preconceito e
discriminação. Como aponta Facchini (2011), “a entrada das pautas do movimento nas
políticas públicas não se deu, portanto, pelo reconhecimento das demandas de cidadania
de LGBTs ou pela criação de conselhos de direitos, mas pela política de saúde e, mais
especificamente, a política de combate às DSTs e AIDS”. E é o combate à doença que une
movimento social e Estado, abrindo espaço para a institucionalização do movimento
LGBT e maior aproximação com partidos políticos, especialmente os de esquerda. A
institucionalização, que antes não era benquista pelos militantes do movimento, torna-se
uma possibilidade para alguns, embora não se torne consenso dentro do movimento.
demonstra uma transformação nas relações entre ativistas e partidos desde os conflitos
observados no início dos anos 1980. Em começos dos anos 2000 amplia-se o leque de
partidos que têm se aproximado da temática LGBT e de setoriais, das ações de políticas
públicas e parlamentares e das candidaturas que se organizam a partir de vários partidos.
[...] No entanto, as primeiras demonstrações mais vivas de reconhecimento de LGBT nas
políticas públicas e nos programas de governo aparecem de modo mais expressivo apenas
nos anos 2000. Isto sugere um processo de construção da legitimidade da temática LGBT
nos partidos, que ocorre em meados dos anos 1980 e se intensifica nos anos 1990. Nesse
processo, a proposição do projeto de lei sobre a parceria civil entre pessoas do mesmo
sexo, em 1995, é um marco que indica as primeiras conquistas dessa articulação LGBT
pela via partidária (FACCHINI e FRANÇA, 2009) (grifo meu).
No cenário atual, projetos “pró-LGBT” parecem não ter a menor perspectiva de serem
apreciados pelo Poder Legislativo, considerando-se a pressão de parlamentares vinculados
a grupos religiosos fundamentalistas e à atual radicalização do discurso homofóbico no
Congresso Nacional e na sociedade brasileira em geral. Aqui vale destacar que é notória a
ausência de parlamentares lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, nos três âmbitos
de atuação do Poder Legislativo: as câmaras municipais, as assembleias estaduais e o Con-
gresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Se o número de candidatos
pertencentes ao universo LGBT é baixo, os que quando eleitos se comprometem com as
bandeiras do movimento LGBT são ainda mais minoritários. Basta lembrar que, em mais
de 100 anos de vida republicana, o primeiro homem gay e abertamente comprometido
com a questão LGBT foi eleito para a Câmara dos Deputados apenas em 2010, o deputa-
do Jean Willys, do PSOL (MELLO, BRAZ, FREITAS, AVELAR, 2012).
Muitos avanços tornaram-se possíveis e foram conquistados ao longo dos anos de luta
do Movimento LGBT Brasileiro. Poucos por vias do legislativo, uma vez que a força polí-
tica de partidos financiados e ligados às igrejas, em especial as neopentecostais, ao que nos
demonstra a conjuntura, é mais forte do que de partidários de causas humanistas e em prol
dos direitos humanos (CANABARRO, 2013).
Quanto à diferença, é possível dizer que ela seja um atributo que só faz sentido ou só
pode se constituir em uma relação. A diferença não pré-existe nos corpos dos indivíduos
para ser simplesmente reconhecida; em vez disso, ela é atribuída a um sujeito (ou a um
corpo, uma prática, ou seja lá o que for) quando relacionamos esse sujeito (ou esse corpo
81 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
ou essa prática) a um outro que é tomado como referência. Portanto, se a posição do ho-
mem branco heterossexual de classe média urbana foi construída, historicamente, como a
posição-de-sujeito ou a identidade referência, segue-se que serão diferentes todas as iden-
tidades que não correspondam a esta ou que desta se afastem. A posição normal é, de al-
gum modo, onipresente, sempre presumida, e isso a torna, paradoxalmente, invisível. Não
é preciso mencioná-la. Marcadas serão as identidades que dela diferirem (LOURO, 2008).
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DIMOULIS, D.; LUNARDI, S. Curso de processo constitucional: controle de constitucio-
nalidade e remédios constitucionais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
Gênero e Diversidade Sexual • 82
O nome sempre foi um dos direitos garantidos em quase todas as legislações burgue-
sas. Porém, o foco do direito ao nome não era para a sua alteração, no caso de pessoas trans
ou travestis. Ter um nome é ser considerado como pessoa e não como coisa e, não por
acaso, esse direito será positivado em muitos países com passado de escravidão negra. O
Código Civil de 1916 não trata dos direitos da personalidade, mas garante o direito ao
nome de nascimento em registro público (art. 12, I). Atualmente o direito ao nome é as-
segurado no artigo 16 do Código Civil de 2002: “Toda pessoa tem direito ao nome, nele
compreendidos o prenome e o sobrenome”. O direito ao nome torna-se algo que não
pode ser tirado, mas também é de difícil modificação. No mesmo código, no artigo 1604,
impede-se a alteração: “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do regis-
tro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.
Essa dificuldade de alteração visava uma pretensa estabilidade social, em que pessoas
seriam reconhecidas e facilmente identificadas, também por seus nomes. Porém, em al-
guns casos, era possível a modificação, como no caso de nomes vexatórios, inserção do
nome do pai em reconhecimento de paternidade ou mesmo as mulheres quando do casa-
mento (somente com a Constituição Federal de 1988 é que se pode pleitear o direito do
homem também adotar o nome da esposa, por equiparação). Essa era a previsão na Lei de
Registros Públicos (Lei 6.015 de 1973). O artigo 54 dessa lei entende que o assento de
nascimento deverá conter, entre outras informações, o sexo, o nome e o prenome. A lei
6.216 de 1975 permitiu que, depois de registrado o nome, esse pudesse ser alterado, como
aponta na redação do artigo 57: “Qualquer alteração posterior de nome, somente por
exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sen-
tença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandato e publicando-se a
alteração pela imprensa”. Em 1998 a lei 9.708 alterou mais uma vez a lei de registro pú-
blico, permitindo alterações: “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua
substituição por apelidos públicos notórios.”
As pessoas que queriam alterar o nome passavam por uma verdadeira via crucis para
terem o direito ao nome pelo qual queriam ser identificadas socialmente. Para alterar o
nome era necessário um processo judicial, que muitas vezes era custoso demais para uma
população já excluída do mercado de trabalho e alijada de direitos. A jurisprudência
aponta para uma alteração dos posicionamentos dos magistrados em relação a essa ques-
tão, que irá culminar em várias legislações garantindo com maior celeridade, menor custo
e maior acesso o direito à modificação ou retificação do nome civil.
As primeiras leis sobre a possibilidade das pessoas trans e travestis utilizarem os no-
mes que desejam surge com as leis do nome social. São exemplos dessas leis: decreto
55.588/2010 - tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos
do Estado de São Paulo, decreto 1.675/2009 do Estado do Pará, lei 5.916/2009 do Esta-
do do Piauí, decreto 35.051/2010 do Estado de Pernambuco, decreto 43.065/2011 do
Estado do Rio de Janeiro, decreto normativo 13.684/2013 do Estado de Mato Grosso do
Sul2.
Essas legislações falam de um nome social em substituição ao nome civil. Assim, a
pessoa poderia alterar o nome em algumas situações, porém seu nome civil ainda era
mantido. Em muitos casos era possível a utilização do nome social, especialmente em
estabelecimentos de saúde, mas em outros tantos órgãos governamentais e mesmo na vida
civil era mantido o uso do nome civil, causando imensos problemas às pessoas trans e
travestis. Um exemplo do direito ao nome social está expresso na legislação do Estado de
São Paulo (decreto 55.588/2010):
Artigo 1º - Fica assegurado às pessoas transexuais e travestis, nos termos deste decreto,
o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbi-
to da Administração direta e indireta do Estado de São Paulo.
Artigo 2º - A pessoa interessada indicará, no momento do preenchimento do cadastro
ou ao se apresentar para o atendimento, o prenome que corresponda à forma pela qual se
reconheça, é identificada, reconhecida e denominada por sua comunidade e em sua inser-
ção social.
Esse mesmo procedimento foi adotado por leis municipais, como o decreto
51.180/2010, que trata do nome social nos registros municipais e relativos a serviço pú-
blico da administração direta e indireta. Essa legislação define nome social como sendo
aquele pelo qual travestis e transexuais se reconhecem, bem como são identificados por
sua comunidade e em seu meio social. No artigo 1º desse decreto lê-se:
Para adquirir o nome social as pessoas deveriam manifestar por escrito o interesse de
obter esse direito, mediante requerimento formal ao órgão. A partir desse pedido o nome
social passaria a ser escrito juntamente com o nome civil, colocado entre parêntesis, antes
do nome civil (artigo 1º e artigo 2º).
Essas resoluções legais, juntamente com a mudança da jurisprudência para aceitar a
alteração do nome das pessoas trans e travestis, levou a uma enxurrada de resoluções le-
gais, inclusive no âmbito de órgãos estatais e órgãos de classe. A Resolução nº 11/2014 do
Conselho Nacional de Combate à discriminação e promoção dos direitos de lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais estabelece os parâmetros para a inclusão dos itens
“orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome social” nos boletins de ocorrência
emitidos pelas autoridades policiais no Brasil. Essa legislação apresenta diversas defini-
ções, como a de orientação sexual e de identidade de gênero, em conformidade com a
legislação internacional, os Princípios da Yogyakarta, que especificam:
I - Orientação sexual como uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma pro-
funda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo
gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.
II - Identidade de gênero, a profundamente sentida experiência interna e individual do
gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento,
incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação na
aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões
de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos.
O nome social é um nome escolhido pelas pessoas transexuais e travestis para serem
reconhecidas socialmente. Geralmente esse nome visa à readequação de um nome civil de
um sexo para outro, porém nada obsta que também venha a ser um nome fluido de gêne-
ro. Porém, em todos esses casos a pessoa que pede a alteração está descontente com seu
nome e quer que a sociedade reconheça um outro nome. Casos assim são possíveis pela lei
de registro civil, porém a interpretação de muitos magistrados é que essa mudança do
nome somente poderia ocorrer com a cirurgia de redesignação de sexo. Um novo nome
precisaria de um novo corpo, que seria obtido a partir de laudos atestando que a pessoa
teria um distúrbio psíquico, o transexualismo.
Assim, negava-se a possibilidade de alteração de nome para pessoas transexuais que
não queriam fazer cirurgia e para as travestis, pois não se detectava distúrbio mental. Na
87 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
A efetivação dos direitos do transexual não se dá pelo uso do nome social, bem como
nos demais casos, e sim por meio de uma alteração legislativa e a transferência desta atri-
buição e adequação ao Cartório do Registro Civil, com a fiscalização correcional do poder
judiciário [...] Assim, embora aparentemente traga um benefício, o uso e a regulamentação
do nome social traz maior desserviço ao direito do indivíduo e à efetivação de uma ordem
jurídica justa (BALLEN, s/d, p.19 - 20).
Nem todos os órgãos aceitam a carteira em que há o nome social, apesar desta ser
expedida também por órgão estatal. Muitas vezes é exigida a dupla apresentação de do-
cumentos, o que não deixa de gerar constrangimentos:
Como outra face do critério estatal de dupla apresentação dos documentos, observa-se
a abertura a espaço de constrangimento à travesti ou transexual, na medida em que se
opera a coerção de contradizer-se – como se a fim de exigir o justo tratamento verbal cal-
cado em determinada identidade de gênero fosse preciso afirmar a existência anterior e
formalizada de outro. Tal violência simbólica, assim, não se limita a constatar a diferença e
reconhecê-la enquanto socialmente válida: ela a interpreta e traduz como desigualdade, na
qual, por óbvio, o documento oficializado prevalece, posto que legal e tradicionalmente
legítimo (AGUINSKY, 2013, p.7).
[...] Não entendemos que haja necessidade de vincular nome social ao nome civil em
instrumentos que não se configuram como documentos oficiais. Sendo assim, nos parece
indicáveis às redes e instituições de ensino a garantia do uso exclusivo do nome social em
instrumentos internos de identificação, mantendo registro administrativo que faça a vin-
culação entre o nome social e a identificação civil.
Somente o nome social não garante cidadania plena às pessoas trans, uma vez que não
é o nome que está no documento oficial exigido em diversos lugares para entrada. O
nome social consta em documentos como o cartão do SUS, por exemplo, que nem ao
menos tem foto, o que leva diversos lugares a não o aceitarem, ou aceitarem mediante a
apresentação também do documento oficial de identidade, geralmente o RG. Por isso
entende-se que para a garantia plena de direitos o justo seria franquear o documento
oficial já alterado e não a solução paliativa do nome social, que nada mais é do que um
“semidireito”, um direito de segunda categoria, pois tem baixíssima efetividade para a
garantia da cidadania das pessoas trans.
A questão tem que ser olhada do outro ponto de vista, pois geralmente os estabeleci-
mentos de ensino são heteronormativos e cisnormativos e, por isso, excludentes de toda e
qualquer pessoa que não se adeque aos padrões estabelecidos. Essa exclusão também está
em toda a sociedade, porém é nas escolas que as primeiras socializações ocorrem e que
esse padrão se torna ainda mais excludente. Ao adaptar a escola a toda e qualquer pessoa,
sem excluir um grupo ou tentar adequar as pessoas por meio de violências simbólicas e/
ou físicas, inverte-se a questão. Não é a modificação do nome que vai promover a adequa-
ção de transgêneros e travestis à escola, mas se a escola respeitar o nome escolhido pelo
aluno ou aluna mostrará que não é excludente.
mente, foi estendida para outros casos sem necessidade de cirurgia. Esses casos geralmen-
te tratam de um duplo pedido, em que nome e sexo são objetos de alteração no registro.
Mesmo os acórdãos mais pró-direitos LGBTTT não eram tão favoráveis à alteração do
sexo, e muitos deles mostravam desconhecimento ou pouco conhecimento da questão.
Analisa-se aqui brevemente o conteúdo de ementas em que esses três posicionamentos
são expressos.
Um dos primeiros posicionamentos da jurisprudência sobre a questão das pessoas
trans foi negar o pedido para alteração de nome e sexo. Esse é o posicionamento do
acórdão abaixo, em que são negados os direitos por não ter ocorrido a cirurgia de rede-
signação genital:
Há, por outro lado, jurisprudência no sentido de permitir a alteração do nome, quan-
do a pessoa sofreu a cirurgia. Nesse caso o magistrado recorre aos laudos médicos, com-
provando que há uma doença – transexualidade ou transexualismo – e a pessoa tem fenó-
tipos femininos.
mara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em
27/07/2016).
mente a alteração. 3. Deve ser averbado que houve determinação judicial modificando o
registro, sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas, resguardando-se,
assim, a publicidade dos registros e a intimidade do requerente. 4. No entanto, é descabida
a alteração do registro civil para fazer constar dado não verdadeiro, isto é, que o autor seja
do sexo feminino, quando inequivocamente ele é do sexo masculino, pois ostenta órgãos
genitais tipicamente masculinos. 5. A definição do sexo é ato médico e o registro civil de
nascimento deve espelhar a verdade biológica, somente podendo ser corrigido quando se
verifica erro. Recurso desprovido, por maioria. (Apelação Cível nº 70064503675, Sétima
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Cha-
ves, Julgado em... 24/06/2015).
Outro ponto que deve ser analisado na jurisprudência sobre o tema é a postura dos
magistrados quanto ao tratamento das pessoas trans. É possível ver nos julgados mais
antigos uma insistência do magistrado em apontar no acórdão a designação do pronome
ligado ao nome do registro civil e não do nome social da pessoa trans, como se pode veri-
ficar no acórdão abaixo, em que é marcado a todo tempo o pronome do sexo masculino:
civil e viver publicamente como mulher, conhecido socialmente por Luana Neves. 5)
Com permissivo no artigo 58 da Lei de Registros Públicos (Lei 6015 /73) e redação dada
pela lei nº 9.708 /1998, impõe-se o deferimento da retificação do registro civil do Ape-
lante. Apelo provido. Ação julgada procedente.
A mudança não ocorre apenas nos direitos garantidos, mas também nos tratamen-
tos empregados às pessoas. Alguns acórdãos passam a respeitar os pronomes de trata-
mento das pessoas trans. No julgado abaixo, trata-se desde o início a mulher trans de
ela, a autora:
Com a ADIN sobre o nome das pessoas trans, que incorpora parte do projeto de Lei
João Nery, a jurisprudência tenderá a caminhar para não exigir nada além da vontade da
pessoa em alterar o nome e o sexo. Esse procedimento tenderá a ser muito mais rápido,
95 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
evitando-se que a pessoa trans tenha de usar o nome social em muitos lugares, podendo
já utilizar o nome que deseja.
A aceleração desses procedimentos permite o rápido gozo de direitos, e essa medida
já está sendo adotada por alguns órgãos do judiciário, como relata Lopes:
Ainda que as alterações sejam sempre feitas pelo judiciário, na Bahia, em outubro de
2015, a Defensoria Pública do Estado conseguiu, sem ajuizar uma ação judicial, alterar o
nome de um transexual de 32 anos moradora da região metropolitana de Salvador. Os
defensores, levando em consideração a lei dos Registros Públicos e também os Princípios
de Yogykarta, encaminharam um oficio e o 1º juiz da Vara de Feitos de Relações de Con-
sumo, Civil e Comercial do município de Simões Filhos concedeu a alteração, autorizando
a averbação no Registro Civil. A decisão, inédita, foi recebida com surpresa, devido à difi-
culdade que os defensores têm de conseguir a autorização, mesmo na capital do Estado
(LOPES, 2015, p.11).
Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos
nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião,
3 Para um breve relato do direito ao nome de pessoas trans no Direito Comparado ver texto
de Edna Hogemann: “Direitos Humanos e diversidade sexual: o reconhecimento da iden-
tidade de gênero através do nome social.”
Gênero e Diversidade Sexual • 96
Entretanto, violações de direitos humanos que atingem pessoas por causa de sua orien-
tação sexual ou identidade de gênero, real ou percebida, constituem um padrão global e
consolidado, que causa sérias preocupações. O rol dessas violações inclui execuções extra-
judiciais, tortura e maus-tratos, agressões sexuais e estupro, invasão de privacidade, deten-
ção arbitrária, negação de oportunidades de emprego e educação e sérias discriminações
em relação ao gozo de outros direitos humanos. Estas violações são com frequência agra-
vadas por outras formas de violência, ódio, discriminação e exclusão, como aquelas basea-
das na raça, idade, religião, deficiência ou status econômico, social ou de outro tipo.
O terceiro Princípio da Carta de Yogyakarta é o que tem relação direta com a questão
do nome, por tratar de princípio de reconhecimento. Esse princípio deixa claro que não é
necessário se submeter a procedimentos médicos para reconhecimento legal da identida-
de de gênero, ressaltando inclusive a cirurgia de mudança de sexo, esterilização e terapia
hormonal. Esse princípio elenca uma série de políticas públicas que os Estados deverão
seguir. Essas são as políticas públicas para o princípio do reconhecimento:
a) Garantir que todas as pessoas tenham capacidade jurídica em assuntos cíveis, sem
discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero, assim como a
oportunidade de exercer esta capacidade, inclusive direitos iguais para celebrar contratos,
administrar, ter a posse, adquirir (inclusive por meio de herança), gerenciar, desfrutar e
dispor de propriedade; b) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e de outros
97 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
tipos que sejam necessárias para respeitar plenamente e reconhecer legalmente a identida-
de de gênero autodefinida por cada pessoa; c) Tomar todas as medidas legislativas, admi-
nistrativas e de outros tipos que sejam necessárias para que existam procedimentos pelos
quais todos os documentos de identidade emitidos pelo Estado que indiquem o sexo/gê-
nero da pessoa – incluindo certificados de nascimento, passaportes, registros eleitorais e
outros documentos – reflitam a profunda identidade de gênero autodefinida por cada pes-
soa; d) Assegurar que esses procedimentos sejam eficientes, justos e não-discriminatórios
e que respeitem a dignidade e privacidade das pessoas; e) Garantir que mudanças em do-
cumentos de identidade sejam reconhecidas em todas as situações em que a identificação
ou desagregação das pessoas por gênero seja exigida por lei ou por políticas públicas; f )
Implementar programas focalizados para apoiar socialmente todas as pessoas que vivem
uma situação de transição ou mudança de gênero.
Esse documento termina com diretivas gerais aos países signatários para que assegu-
rem o direito pleno das pessoas, sem discriminação sexual ou de gênero, nos seguintes
parâmetros:
gênero não sejam, em qualquer circunstância, a base de sanções penais, em particular exe-
cuções, prisões ou detenções. 12. Urgimos os Estados a assegurar que se investiguem as
violações de direitos humanos baseados na orientação sexual ou na identidade de gênero e
que os responsáveis enfrentem as consequências perante a justiça. 13. Urgimos os países a
assegurar uma proteção adequada aos defensores de direitos humanos, e a eliminar os
obstáculos que lhes impedem levar adiante seu trabalho em temas de direitos humanos,
orientação sexual e identidade de gênero.
4 Para uma discussão sobre os problemas educacionais enfrentados pelas discriminações das
pessoas trans no ambiente educacional vide Direito à Adequação do Nome do Transexual no
Ambiente Escolar de Tereza Rodrigues Vieira e Fernando Corsato Neto.
99 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Referências Bibliográficas
AGUINSKY, Beatriz (et all.) A carteira de nome social para travestis e transexuais no
Rio Grande do sul: entre polêmicas, alcances e limites. Anais do Fazendo Gênero
5 Uma lista mais completa dos instrumentos legislativos no âmbito educacional em diversos
estados brasileiros encontra-se nos textos: “O uso legal do nome social na escola: retrato do
território brasileiro”, de Guilherme de Freitas Silva e Claudio Eduardo Resende Alves;
“Travestis e transexuais na escola: ressonâncias do uso do nome social na rede municipal
de educação de Belo Horizonte”, de Eduardo R. Alves; “Inclusão” de travestis e transexuais
através do nome social e mudança de prenome: diálogos iniciais com Karen Schwach e
outras fontes, de Cláudio Eduardo Resende Alves Maranhão.
Gênero e Diversidade Sexual • 100
Vivian Navarro1
Portanto, para fins de entendimento, aqui neste texto vamos adotar a concepção de
Direito acima apresentada, qual seja, que o Direito pode ser instrumento de transforma-
ção social, a partir do combate às desigualdades e da busca por igualdade não apenas pe-
rante a lei (igualdade formal), mas também na sociedade (igualdade material).
Gostaria de demonstrar como esta concepção do Direito pode ser aplicada na prática,
a partir da experiência com o Observatório LGBT do ABCDMRR.
Ciente de que nem todas as pessoas presentes seriam do “mundo jurídico”, optamos
por apresentar alguns conceitos e informações antes de selecionar iniciativas que pode-
riam ser realizadas dentro da temática discutida no Observatório, além da apresentação
da breve coletânea de direitos já existentes (salientando-se a lei estadual 10.948/01 que
pune manifestações e práticas LGBTfóbicas).
Inicialmente, necessário elucidar por que se fala em direitos humanos quando discu-
timos direitos da população LGBT. A conceituação não é tão simples, e cada autor escre-
ve à sua maneira. A partir de diversas conceituações presentes na internet, apresentamos,
no dia do evento, a nossa própria.
Direitos humanos são os direitos e liberdades básicas de todos os seres humanos,
independentemente de raça, gênero, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qual-
quer outra condição. Incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de
Gênero e Diversidade Sexual • 104
expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros, e todos merecem esses
direitos, sem discriminação.
Portanto, basta ser “humano” para ter esses direitos. Com a conceituação fica mais simples
a elucidação, porque uma pessoa que faz parte da população LGBT também é “humana”.
Mas se somos todos seres humanos, por que esse recorte, falando em direitos da po-
pulação LGBT, ao invés de direitos humanos, apenas? Porque existem demandas especí-
ficas, inclusive para a população de cada uma dessas letras: a opressão pode decorrer da
orientação sexual e/ou da identidade de gênero. E falar em direitos humanos, de maneira
genérica, acaba por invisibilizar necessidades específicas.
mas dessas propostas são transversais, englobando demandas de outros grupos, mas bus-
camos focar em propostas que envolvessem o Direito, nos três eixos propostos: eixo ensi-
no, eixo pesquisa e eixo extensão.
Eixo Ensino
Capacitação para professores, técnicos administrativos e seguranças da univer-
sidade, para sensibilização e conscientização sobre orientações sexuais, identidades de
gênero e a vulnerabilidade sexual a que estão expostas essas pessoas, bem como dos direi-
tos da população LGBT.
Criação de disciplina obrigatória tanto para BCT quanto para BCH; ou apro-
veitar uma matéria já existente, como a de “Estrutura dinâmica e social”, para que estes se
sensibilizem e passem a abordar a temática.
Elaborar informativos e cartilhas sobre direitos da população LGBT e o que
fazer em casos práticos de homo/lesbo/bi/transfobia, sendo uma cartilha para cada sigla.
Realizar palestras e cursos sobre direitos da população LGBT e acesso à Justiça.
Cobrar a Universidade para que informe ao alunado sobre o que pode ser feito
em caso de discriminação, dentro da universidade;
Sugerir a criação de comissão permanente para apuração de discriminações contra
minorias no âmbito da Universidade, com representatividade LGBT, de mulheres e negros.
Eixo Pesquisa
Foram sugeridas algumas linhas de pesquisa para iniciação científica, mestrado, dou-
torado e EPD (pesquisa dos primeiranistas):
Estudar a união estável homoafetiva e o casamento homoafetivo perante o Es-
tado brasileiro (por exemplo, a partir do levantamento de dados, nos cartórios da região,
sobre casamentos e uniões estáveis e divórcios homoafetivos registrados).
Pesquisar sobre sistema prisional e gênero, principalmente fazendo o recorte da
população trans, que acaba indo para a prisão conforme o que consta do registro, e não a
identidade de gênero.
Buscar levantar dados sobre assassinato da população LGBT.
Sobre discurso de ódio contra a população LGBT, analisar a relação disso com
o fundamentalismo religioso; e dos discursos fundamentalistas com o financiamento de
campanha e dos projetos legislativos.
Quanto ao atendimento do poder público à população LGBT, analisar as polí-
ticas públicas voltadas à população LGBT no país e na região, estudar como ocorrem os
atendimentos da população LGBT nos hospitais públicos da região, bem como o acesso
aos demais direitos sociais (educação, trabalho, etc.) previstos na Constituição.
Gênero e Diversidade Sexual • 106
Eixo Extensão
O eixo da extensão é visto como o mais importante no Observatório, pois contém
propostas que vão para além dos muros da Universidade, permitindo trabalhar com a
comunidade de toda a região do ABCDMRR. Por isso, foram elaboradas as seguintes
propostas:
Curso de direitos humanos e LGBT para a comunidade, para a Polícia Militar,
para a Guarda Civil Municipal, para professores, para servidores públicos e demais públi-
cos interessados.
Abordar o tema de direitos humanos e LGBT na escola preparatória da popu-
lação LGBT em vulnerabilidade.
Elaborar informativos e cartilhas sobre direitos da população LGBT e o que
fazer em casos práticos de homo/lesbo/bi/transfobia, com linguagem acessível.
Realizar palestras e cursos sobre direitos da população LGBT e acesso à Justiça.
Celebração de convênio entre UFABC e universidades e faculdades de Direito da
região para sensibilização e conscientização sobre orientações sexuais, identidades de gêne-
ro e a vulnerabilidade a que estão expostas essas pessoas, bem como capacitação sobre direi-
tos humanos e LGBT; e também para oferecer assistência jurídica à população LGBT.
Fazer parcerias com movimentos sociais já estabelecidos, para que abordem a
temática LGBT; por exemplo: promotoras legais populares (para que seja inserido no
curso conteúdo sobre a população LGBT e seus direitos).
Fazer parcerias com o GADVS, Grupo de Advogados em Defesa da Diversida-
de Sexual e de Gênero; e com a OAB-SP.
Referências Bibliográficas
Aqui no Brasil, para que se dê entrada com processo de retificação de prenome e gê-
nero via judiciário, se exige o protocolo transexualizador, comumente conhecido como
“processo transexualizador”. Várias especialidades fazem parte desse processo, pois são
necessários laudos, após dois anos de acompanhamento. Esses laudos são emitidos pelas
áreas de: Psicologia, Psiquiatria, Clínica Geral, Assistência Social, Endocrinologia e espe-
cialistas como Ginecologista e Proctologista, que também fazem o acompanhamento de-
vido à inserção de hormônios em corpos não preparados para recebê-los.
O que vou tentar fazer aqui é um relato das dificuldades e queixas que eu encontrei ou
que me foram relatadas, e através delas lutamos para melhorar o sistema. Este relato abar-
ca desde o começo da minha transição até hoje (abrangendo por volta de dois anos e meio).
Quando me falaram do processo transexualizador, a princípio não dei muita impor-
tância porque a fonte não era de confiança. E para mim, que estava num processo de co-
nhecimento de mim mesmo, com tanta informação na minha mente para ser absorvida, a
transição em si era uma decisão importante demais e que demandava de mim um apro-
fundamento maior das razões para fazê-la.
O fato é que as minhas verdades começaram a ter nome e sobrenome por volta de
2010/2011, com a ajuda de pessoas que me são caras, como, por exemplo, Giuliana Zam-
botto Furlan, mulher transexual lésbica que deu “aulas” sobre todos esses temas que nos
causam estranhamento a primeira vez que lemos sobre eles, tais como cissexismo, cisgê-
nero, heteronormatividade, entre outros. Tudo isso, nessa época, era uma coisa muito
nova, e para mim, uma nova linguagem, como se eu estivesse aprendendo alemão. Ela é
uma militante da causa de T, e muito empática às demandas de todas as minorias. E em-
patia é fundamental para que se avance na compreensão do outro e suas especificidades.
Outra mulher importantíssima nesse meu reconhecer foi Priscila Bastos. Psicóloga, cario-
ca, militante LGBT, pansexual. Priscila foi o pivô do meu reconhecimento, foi ela que me
deu a sustentação para que eu, hoje, pudesse estar em paz comigo mesmo. Porque eu,
oras, eu era uma bomba em contagem regressiva. Vivia em um estado de estresse cons-
tante e tão intenso que não sabia o que era ter silêncio, nem mesmo se eu estivesse no
Alasca, pois os barulhos dentro de mim eram tão intensos e tão altos que paz era quase
uma coisa utópica.
Vou por um instante situar vocês de uma forma bem leve sobre os porquês desses
meus “barulhos”...
O fato é que, desde os cinco anos, me reconheço no gênero masculino. E esse mascu-
lino em mim é latente, aparente, e sempre foi por mim defendido. Lutei minha vida toda
pelo meu “eu” masculino, desde os cinco anos de idade.
Na minha adolescência passei por diversas exclusões pelo meu “eu” masculino. Em
casa, com exorcismos e não aceitação. Também na escola e na busca de emprego. Desde
1989 não tenho registro de emprego em carteira, mesmo fazendo cursos e me mantendo
capacitado para o mercado de trabalho. A minha falta de compreensão sobre gênero e
sexualidade não me deixava entender o motivo dessas exclusões e isso me levou às drogas.
Fiquei nas drogas químicas por vinte anos, sendo que nos últimos dez anos minha prefe-
rência era o crack. Todos esses vinte anos foram marcados por muitas violências, muitas
mesmo. E eu saí das drogas em 2010, julho, com as minhas forças, a minha determinação
e, acreditem ou não, com a ajuda da espiritualidade. Creio que isso já dá uma ideia dos
barulhos que vão dentro de mim. Então continuemos...
Conheci Pri Bastos no mesmo grupo de Facebook em que conheci a Giu, e ficamos
amigos. E conversávamos muitos sobre gênero, ainda mais porque sou muito curioso, e ela
me deu muitos textos para ler e dizia que depois que eu os lesse, iríamos conversar... De-
pois de um tempo, já com toda a leitura em mente, a chamei: “Pri, li tudo!” E ela logo em
seguida me respondeu: “Então vou te fazer uma pergunta.”
– Beleza, faz aí!
– Então Léo, agora me diz, você é um homem ou uma mulher?
E foi nesse momento, nesse instante, em que minha vida inteira passou pelos meus
olhos, que eu percebi o quanto fui roubado em meus direitos. O quanto essa sociedade cis
e heteronormativa luta para que nós não existamos. O quanto era interessante para essa
sociedade que eu me matasse nas drogas. O quanto era interessante que eu me mantives-
se alienado, socialmente, politicamente e em relação aos meus direitos, porque assim eu
estaria inexistente. Porque assim eu não estaria nas ruas lutando para ser aceito. Porque
assim eu não estaria agora cursando Direito para peitar toda essa organização sociopolí-
tica cis heteronormativa binária que exclui outros gêneros, outras sexualidades, outras
raças, outras cores, outros valores que não sejam aqueles que eles classificaram como mo-
ralmente aceitos, socialmente aceitos, politicamente aceitos ou cientificamente aceitos. E
no campo científico não são aceitos avanços que estejam indo contra “a moral e os bons
costumes”, mesmo o país sendo laico.
109 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
até hoje tive vem de uma sociedade que não aceita o diferente. Que não aceita o que não
é seu espelho e quer me impor padrões que não me cabem. Como, por exemplo, me impor
que eu tenha um corpo cis. E se eu não quiser ter um corpo cis? Isso me fará menos trans?
Estou bem com meu corpo, não quero que imponham a mim a violência de ter que me
submeter a uma cirurgia para aparentar ser um homem cis. Contudo reconheço que quem
acha necessária a cirurgia deve ter o direito de realizá-la.
“EU SOU UM HOMEM TRANS! MEU CORPO É LEGÍTIMO! E exijo respei-
to à forma como me identifico psíquica e corporalmente.”
Por que disse tudo isso? Porque dei entrada em meu processo de retificação de nome
e gênero e o Ministério Público, além dos laudos que forneci, ainda exigiu mais análises
com equipe multidisciplinar. Já passei com assistente social, que entrevistou dois amigos
meus de infância, a minha chefe no estágio e meu amigo que divide apartamento comigo.
Essas entrevistas têm como objetivo ver como a sociedade me entende. Me enxerga. Me
respeita. Eu sei que este relato não dá uma clareza de como me pareço, mas sou extrema-
mente masculino, um homem gordo, baixinho, já ficando com entradas, cabelos grisalhos,
voz grave e com peitos pequenos. E que por ser gordo, o povo não liga uma coisa à outra.
É claro que tenho medo de ser descoberto neste país transfóbico e algo grave aconte-
cer comigo. E sim, um dia eu faço a cirurgia, mas neste momento me reservo meu direito
de não querer. E, apesar dos laudos, não passarei só por essa assistente, ainda terei que
passar por profissional de Psicologia novamente, diga-se de passagem. E daí pergunto: e
se ela for transfóbica? E se ela for fundamentalista? Vocês percebem a violência à qual estou
sendo submetido? Toda a minha formação identitária psicossocial nas mãos de uma pes-
soa que pode não ir com a minha cara e negar meus direitos? O que estou falando até
agora é sobre a negação de direitos explícita. Até o momento só houve negação. As teste-
munhas e os laudos são pedidos de aceitação dos meus direitos, mas estão nas mãos dessas
pessoas. Podem ver o quanto isso é violento? E contando que a psicóloga diga “sim”,
ainda há a decisão do juiz.
Se submetêssemos homens cis ao crivo que eu estou passando, para que eles tivessem
que provar que são homens, será que eles passariam? Ou seja, há toda uma sujeição à
violência porque meu corpo não é CIS!
Algo que não posso admitir é a imposição de corpos cis às pessoas trans. Isso não
pode ser uma imposição, deveria ser uma decisão de cada um.
Apesar de tudo, já temos caso em que o judiciário está entendendo que reconheci-
mento de identidade mediante cirurgia é uma violação do direito de personalidade, além
de uma violação de direitos humanos.
Estamos longe de conseguir uma lei que contemple as identidades trans dignamente,
como a que queremos com a aprovação da lei João Nery PL 5002/13, que facilitaria a
modificação em cartório de nome e gênero de pessoas transexuais e travestis. Ela também
Gênero e Diversidade Sexual • 112
A máquina torcedor estraçalha a carne do homem no ponto de ônibus porque trajava preto e
branco e não azul e branco E duas de nós são agredidas pela máquina heterossexual porque andá-
vamos de mãos dadas Roupas arrancadas carne exposta para delírio da máquina estupro Não
para A máquina multidão não opera milagres Não ajuda Olha nossa miséria e dança E quando
dança na rua seja por causa da máquina carnaval ou máquina manifestação as máquinas auto-
motivas não perdoam A artéria avenida leva oxigênio para as células casas O ódio contra quem
obstrui o sistema máquina circulatório é o mesmo contra quem rouba seja um xampu um celular
uma maçã não para MATEM para que a máquina lamento possa funcionar Crânios afundados
Barrigas perfuradas Ossos quebrados Cabeças decepadas Não para A máquina gozo das imagens
precisa ejacular e não nos resta outra saída. (O Canto das Mulheres do Asfalto, Carlos Ca-
nhameiro. In FONSECA, 2015, p. 30.)
A escolha da poesia densa que acabamos de trazer demonstra nossa estratégia de ar-
ticular a questão da violência de gênero com outras formas de violência, como a incapaci-
dade de aceitação da legitimidade da verdade do outro, e também a necessidade de elimi-
nar as diferenças, apontando para uma negação da alteridade em função de recursos pri-
mários de defesa de território de identidade. O “outro” representa uma ameaça aos pro-
cessos de transitoriedade da identidade do sujeito, que como defesa, passa a mobilizar-se
com violência. Há, nesse processo, um espetáculo triste de espelhamento e imaturidade.
As religiões, nesses processos de estruturação da identidade e espelhamento emocio-
nal, acabam por ocupar um papel muitas vezes normativo e orientador, papel que é viven-
ciado por cada religioso/a de modo mais ou menos autônomo. Neste sentido, as apropria-
ções das orientações religiosas por parte dos seguidores são determinantes para as relações
com os demais sujeitos e temas da sociedade.
declarados no país nos últimos anos (NERI, 2011), podemos supor que essa porcentagem
seja representativa.
Percebe-se que a disputa do espaço público esbarra em questões de representa-
tividade. Frentes parlamentares inchadas (como a Evangélica e a Ruralista, entre outras)
tendem a orientar os debates públicos para tendências universalizantes e homogeneiza-
doras. Já tratamos desse tema em outro trabalho (PINEZI; FRANCO, in: FRANCO;
MARANHÃO, 2016), apontando a tendência da chamada Bancada Evangélica de apre-
sentar propostas que indicam um objetivo de universalizar a moralidade, à luz de pressu-
postos cristãos. Conforme discutiremos no texto, percebe-se uma disputa política e ideo-
lógica, e ao mesmo tempo uma distorção em torno do conceito de gênero. Tal distorção
invade o terreno das políticas educacionais e coloca em disputa o destino de atores e
atrizes sociais que não se encaixam em padrões vigentes e que buscam uma cidadania
participativa e um reconhecimento social. Para fazer jus à poesia de Carlos Canhameiro
do início do texto, as máquinas da ideologia dominante e defesa da tradição seguem es-
magando a contradição.
Eu superei esta agressão entendendo que o mal estava com quem me agrediu (Renata Peron,
abril de 2015, in FONSECA, 2015, p. 23.).
de fato. Esse raciocínio desmonta o binarismo sexo/gênero em que sexo era tido como
naturalizado e gênero como uma construção social. A pensadora, desafiando concepções
filosóficas, propõe a performatividade como ato do gênero, indicando que ser homem, ou
ser mulher, ou ser outra coisa não são realidades ou verdades internas. Portanto, não se
pertence a um gênero, mas se atua e se performa em gêneros diante de determinados
contextos sociais. Ser homem, ser mulher, ser homossexual, ser travesti, ser transexual, ser
não binário, ser cisgênero... todas essas formulações seriam móveis, fluidas, dinâmicas e
não parte do ser, mas sim componentes do percurso identitário das pessoas.
As lutas de gênero, nessa terceira fase pós-década de 90, passam a abarcar também as
vozes do movimento LGBT. Considerando que os grupos feministas, bem como os gru-
pos LGBT não são homogêneos, apresentando grandes diferenças conceituais e de orga-
nização, essas teorias são vivenciadas e atualizadas em cada um desses microcosmos da
luta de gênero.
E é nesse contexto revolucionário acerca dos estudos de gênero que surge o conceito
de “ideologia de gênero”, uma reação ao processo de consolidação dos estudos de gênero.
Não se trata de um conceito acadêmico, mas sim de um termo que tem se popularizado e
sido utilizado por figuras com alguma repercussão pública, tornando-se palco de uma
disputa político-ideológica que passa pela questão religiosa, quando se pretende universa-
lizante e homogeneizadora, como foi apontado no início desta comunicação.
O termo “ideologia de gênero” surgiu no Brasil a partir dos debates envolvendo a
elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), desde 2014. Políticos, religiosos, pes-
quisadores, sociedade civil e cidadãos comuns têm se dividido entre o grupo dos que en-
tendem ser necessário que o termo gênero conste nos novos planos municipais e estaduais
de educação e o grupo daqueles que percebem essa tentativa como uma ameaça aos con-
ceitos clássicos e às noções tradicionais de sexualidade.
Ideologia de gênero é apontada por grupos religiosos e conservadores6 como uma
crença de que não haveria diferença entre homens e mulheres, a não ser pela escolha de
atuação em um determinado gênero. Esse ponto de vista indica que a ideologia de gênero
exclui a noção de sexo biológico, trazendo apenas a perspectiva de gênero como constru-
ção social, e sugere que este seja um “perigo” educacional, na medida em que teria a cha-
mada ideologia de gênero um objetivo de tornar único seu ponto de vista, como uma
teoria universal. Há uma forte argumentação desses grupos no sentido de que a crença na
6 Deixamos como referências não acadêmicas sites de grupos religiosos que trabalham a pers-
pectiva da ideologia de gênero: https://www.youtube.com/watch?v=j7zbS1RYdpg (Docu-
mentário da BBC sobre ideologia de gênero. Acesso em agosto de 2016). https://www.you-
tube.com/watch?v=e8y-wtgULQE (Padre Paulo Ricardo falando sobre o tema na Câmara
de Brasília. Acesso em agosto de 2016). https://www.youtube.com/watch?v=y_HgQV-
CiOnQ (Pastor Silas Malafaia, sobre ideologia de gênero. Acesso em agosto de 2016).
Gênero e Diversidade Sexual • 118
7 O artigo foi escrito na época dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.
119 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como
a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com
as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes8.
Não existe uma lei de identidade de gênero no Brasil. Nós não temos uma lei que nos
resguarde o uso do nome social. O que existe, o que nós temos e que foi aprovada agora, no
dia 12 de março de 2015, foi uma resolução que estabelece que a gente possa usar o nome
social nas instituições. [...] Mas não é lei. Isso é uma resolução, tá? (Renata Peron in FON-
SECA, 2015, p. 25).
Apresentamos, nesta comunicação, uma perspectiva que tem ocupado boa parte das
relações atuais entre religião e política, passando pela questão de gênero. Vivemos um
cenário de disputa ideológica, política e religiosa, no qual os atores e as atrizes assumem
posições diante de binarismos que dificultam acentuadamente consensos e diálogos. Tal
disputa tende a mascarar avanços nas discussões de gênero e a deixar de lado as perspec-
tivas de combate às intolerâncias e às violências de gênero. Um claro retrocesso que tende
a prejudicar justamente aqueles/as que sofrem com as tentativas de universalizar pensa-
mentos e coibir manifestações. Ainda hoje, projetos como a criminalização da homofobia
não foram aprovados em nosso Congresso. A política tem se tornado palco de todas essas
disputas aqui apontadas.
Finalizamos esta reflexão indicando que a existência da pluralidade ameaça grandes
grupos e forças ideológicas (como os religiosos), que acabam por utilizar retóricas e dis-
cursos como forma de aniquilar os avanços que os afetam. Aciona-se, desse modo, meca-
nismos de proteção identitária, em busca da sobrevivência do grupo e de seus valores.
O projeto Escola Sem Partido, aliado à busca pelo fim do uso da palavra e do concei-
to de gênero nos planos educacionais de base do Brasil, são mostras desse mecanismo de
proteção grupal dos religiosos, em especial de algumas lideranças evangélicas. É preciso
lembrar, no entanto, que evangélicos não são, nem de longe, um grupo homogêneo, e que
tal debate aqui apontado é expressão de uma disputa que envolve determinados atores e
atrizes do campo religioso evangélico e cristão. Nesse sentido, generalizações para ambos
os lados dessa disputa (evangélicos e militâncias de gênero) acabam por promover ainda
mais intolerâncias e violências.
Há que se considerar que nem todas as relações entre religião e gênero são tensas e
conflitivas. Em alguns grupos religiosos, a homossexualidade ou outras possibilidades de
vivência da sexualidade e do gênero encontram boa receptividade, como é o caso das reli-
giões de matrizes afro, que tendem a valorizar a figura feminina. Além disso, é preciso
olhar para as tentativas de aproximação dos grupos religiosos cristãos aos homossexuais
por meio das Igrejas inclusivas, hoje espalhadas por todo país. O grande líder do universo
121 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
católico, papa Francisco, tem promovido falas públicas em sentido de conciliação com
histórias de machismo e LGBTfobia promovidas em outros períodos pela Igreja.
Ao contrário do que se pressupõe por lideranças que pedem o fim do uso do termo
“gênero”, não existe um “plano maligno” de cientistas, feministas e LGBTs para acabar com
a moral e os bons costumes. Existe um mundo plural, que vem se diversificando acelerada-
mente e que espera ver essa diversidade representada e empoderada nos espaços públicos.
Referências Bibliográficas
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combate à ‘ideologia de gênero’”. Disponível em: http://blogs.oglobo.globo.com/
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logia-de-genero.html. Matéria de 08 de julho de 2016, acesso em agosto de 2016.
PL 867/2015, disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1317168.pdf.
Acesso em agosto de 2016.
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www.youtube.com/watch?v=e8y-wtgULQE. Acesso em agosto de 2016.
Pastor Silas Malafaia, sobre ideologia de gênero. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=y_HgQVCiOnQ. Acesso em agosto de 2016.
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br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53658. Acesso em agosto de 2015.
Diálogos inter-religiosos no Brasil de combate ao
fundamentalismo, à homo-lesbo-transfobia e promoção do
Estado Laico
Arthur P. Cavalcante1
Seu ato gerou reações diversas, tais como críticas e até insinuações claras de violências,
às vezes físicas, ou mais sutis, mas não menos agressivas, de pessoas e lideranças que se
diziam desrespeitadas pela “profanação” de um símbolo religioso cristão (cruz). A atriz
afirmou que:
Eu vejo a parada como um protesto, não como uma festa [...] Usei as marcas de Jesus, que
foi humilhado, agredido e morto. Justamente o que tem acontecido com muita gente no meio
GLS, mas com isso ninguém se choca.2
Entendo que quem sofre se sente como Jesus na cruz. Mas é preciso cuidar para não
banalizar ou usar de maneira irreverente símbolos religiosos, em respeito à sensibilidade reli-
giosa das pessoas. Se queremos respeito, devemos respeitar (Cardeal Dom Odilo Scherer -
Arcebispo da Arquidiocese de São Paulo/Igreja Católica Apostólica Romana - ICAR). 3
Imagens que chocam, agridem e machucam. Isto pode? É liberdade de expressão, di-
zem eles. Debochar da fé na porta de uma igreja pode? Colocar Jesus num beijo gay pode?
Enfiar um crucifixo no ânus pode? Despedaçar símbolos religiosos pode? Usar símbolos
católicos como tapa sexo pode? Dizer que sou contra tudo isso NÃO PODE? Sou intole-
rante, né? (Marco Feliciano, Deputado Federal e líder religioso evangélico).4
2 <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/06/representei-dor-que-sentimos-diz-
-transexual-crucificada-na-parada-gay.html>
3 Folha de São Paulo 09/06/2015. Acesso em 09/07/15 <http://www1.folha.uol.com.br/
cotidiano/2015/06/1639631-atriz-que-encenou-crucificacao-na-parada-gay-recebe-
-ameacas.shtml>
4 <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/06/representei-dor-que-sentimos-diz-
-transexual-crucificada-na-parada-gay.html>
125 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
tos sagrados, imagens sagradas, símbolos sagrados ou líderes sagrados. Por isto não ficamos
explodindo bombas quando zombam de Lutero, Zuwinglio ou Calvino, quando tripudiam
sobre a Bíblia ou quando picham as igrejas. E por isto eu não me sinto ofendido quando
alguém usa uma cruz de madeira para suas manifestações anticristãs ou para outros obje-
tivos (Augustos Nicodemus, Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil - IPB e ex-Chanceler
da Universidade Mackenzie/SP).5
Por fim, o site do Conselho Nacional de Igrejas (CONIC), espaço ecumênico no qual
certo número de Igrejas Cristãs têm garantido suas representações, chegou a anunciar, após
a 19ª Parada, algumas notícias com viés gay friendly sobre a crucificação, o lava pés, e tam-
bém uma entrevista com a secretária pastora Romi Bencke numa matéria muito interessan-
te intitulada “Ideologia de gênero nas escolas pode contribuir para a redução da violência”.7
5 <http://noticias.gospelprime.com.br/nao-ofendido-transexual-crucificada/>
6 <https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/em-sp-padre-e-pastor-lavam-os-
-pes-de-trans-crucificada-na-parada-gay/>
7 < http://www.conic.org.br/portal/noticias?start=20>
Gênero e Diversidade Sexual • 126
[...] como crentes ‘bricoladores’, isto é, aqueles que se apropriam de elementos religio-
sos daqui e dali, criando, a partir de suas experiências e expectativas pessoais, pequenos
sistemas de significação que dão um sentido à sua existência [...] a capacidade do indivíduo
para elaborar seu próprio universo de normas e de valores a partir de sua experiência sin-
gular, tende a impor-se, como vimos, vencendo os esforços reguladores das instituições.
127 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Na verdade, esse fiel trava muitos diálogos com outros saberes, com outras igrejas e
também religiões de matrizes diferentes da sua, formando para si o seu sistema de crenças
no qual ele se percebe. O nosso olhar para o fiel deverá levar em consideração esse perfil
multifacetário, antes de tentar enquadrá-lo nessa ou naquela definição.
Mesmo que uma liderança religiosa diga, por exemplo, que tal lei ou tal direito con-
cedido a um LGBTI está ferindo a família heteronormativa (aqui se entende a Sagrada
Família: Jesus, Maria e José), portanto modelo sacralizado por preservar o modelo pa-
triarcal dito por eles “bíblico”, não necessariamente será encontrado em seu rebanho. Ire-
mos ver, pelo contrário, novos arranjos que não seguem à risca a orientação da instituição.
Temos outra parcela distinta da população, que também tem seu interesse, não no
Sagrado propriamente dito, mas na opinião, ou melhor, no voto de seu eleitor, cujo perfil,
dentre tantas facetas, tem na religião um fator importante para sua vida. Bem verdade que
alguns políticos valorizam tanto esse fator que são capazes de negociar apoio ou não a
determinados projetos, levando em consideração o voto de seu eleitor religioso ou da di-
reção da pastora dessa ou daquela igreja. Por sua vez, o grande interesse das lideranças
religiosas é ver suas crenças materializadas nas políticas públicas de sua cidade, estado e,
por que não dizer, do próprio país. Esses acordos costumeiramente custam a alma dos
seus partidos, podendo inclusive, conforme o nível de interesses, provocar o rompimento
com outras camadas do seu eleitorado.
Segundo dados fornecidos pelo Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON) -
IESP/UERJ, a chamada “bancada evangélica” saiu dos 78 (2011) para 82 (2015) deputa-
dos federais, engrossando, com outras bancadas, o caldo político conservador, originando
o Congresso mais conservador desde 1964 (SANTOS; CANELLO; CUNHA, s/d; p. 1).
Não se pode dizer o mesmo para a Presidência da República, haja vista que o fator religião
não pesou tanto assim, como havia sido especulado. Talvez seja a hora para os movimen-
tos sociais desmitificarem o “voto do irmão”, que fascinou tantos candidatos(as), e busca-
rem brechas de diálogos com os partidos políticos.
Certa vez, estava explicando para uma amiga inglesa – ainda nesse contexto de eleição
presidencial – que tudo o que é de fora se transforma quando chega aqui no Brasil. Pare-
ce que tudo, ao passar pelo “jeitinho brasileiro”, sofre transformações gerando algo novo.
Nosso protestantismo e catolicismo, por exemplo, têm um jeito muito próprio que vai
diferir, por exemplo, do modelo inglês ou italiano.
Gênero e Diversidade Sexual • 128
[...] é correto, no entanto, que a interpretação literal da Bíblia passou a nortear vá-
rias ações políticas, especialmente nas nacionais, após as eleições de 2000. Ainda assim,
tais propostas não têm uma diretriz única e também não fazem parte de um processo
homogêneo e evolutivo. Outros grupos políticos, mesmo dentro do Partido Republica-
129 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
no, perseguem objetivos sem orientação religiosa. Além disso, a mobilização da direita
cristã indica, sobretudo, a capacidade de articulação da sociedade civil, americana, não
completamente de viés conservador. Isso aponta que tais grupos poderão buscar articu-
lar-se para desfazer os nós de sacralização construídos pela administração atual (PE-
REIRA, 2009, p. 242).
O fato é que nos Estados Unidos o fator “crença religiosa” teve relevância não só
para a vitória de Bush nas urnas, mas também no direcionamento de suas ações duran-
te o seu governo.
Já aqui no Brasil, nossa herança evangélica tem, no geral, uma origem nas ações mis-
sionárias de Igrejas americanas. Contudo, estas, ao chegarem no Brasil, encontraram uma
base religiosa formada por uma população indígena já dizimada e catequizada, uma Igre-
ja Católica Romana majoritária, e, é claro, as religiões de matrizes africanas. Ou seja, o
contexto americano é bem diferente do contexto de nossa terra brasilis, causando aqui um
outro tipo de impacto na vida pública, não devendo, contudo, ser menosprezado na sua
capacidade de articulação e mobilização, mesmo que para isso tenha que fazer alianças
estratégicas com outras Igrejas ou religiões quando os assuntos são de interesse comum.
[...] A diferença pode ser explicada de maneira simples: o tradicionalismo significa que
a tradição é aceita sem questionamento; já o fundamentalismo surge quando o não ques-
tionamento é contestado ou totalmente perdido. [...] Segue-se a isso que um tradicionalis-
ta pode se dar o luxo de ser descontraído em relação à sua visão de mundo e relativamente
tolerante em relação às pessoas que não compartilham dessa atitude – afinal, elas não
passam de pessoas inferiores que negam o óbvio. Para o fundamentalista, esses “outros”
representam uma séria ameaça à certeza conquistada a duras penas; eles devem ser conver-
tidos, segregados ou, no extremo, expulsos ou “liquidados”. [...] o fundamentalismo é uma
tentativa de recuperar o não questionamento de uma tradição, normalmente visto como
um retorno ao passado imaculado (real ou imaginário) da tradição.
Muitos grupos fundamentalistas não cessam de flertar com correntes mais conserva-
doras porque creem estarem lidando com seus semelhantes na defesa de tópicos ditos
tradicionais, mas se enganam completamente, pois, na essência, são diferentes. Brekke
(2012, p. 13-14) aprofunda mais a discussão trazendo à tona as diferenças contundentes:
Nossa preocupação de fato deve-se voltar muito mais para o avanço do fundamenta-
lismo, que, acredito, já sabemos estar presente em muitos espaços religiosos/públicos em
nosso país. Nesse sentido, creio que podemos buscar diálogos com grupos conservadores
como possíveis aliados importantes no avanço de políticas públicas.
Mesmo assim, não devemos olhar para esse fundamentalismo como um bloco in-
transponível, sem brechas. Pelo contrário, ele se apresenta bastante complexo, com dife-
rentes vieses. Basta olhar ainda, no contexto da última eleição presidencial, o caso das
igrejas da Assembleia de Deus, de viés pentecostal clássico, que fizeram escolhas distintas
em cada região, ministérios distintos, não havendo propostas de “candidatos fechados ou
oficiais”. Igualmente lembro que no segundo turno das eleições presidenciais de 2014
ouve uma mobilização de um grupo de religiosos, sem interferência institucional, chama-
131 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
do “Evangélicos com Dilma”, que definiu e articulou apoio à candidata, buscando unir
forças contra o movimento da direita política do país e que também reuniu “crentes”, ci-
dadãos que foram beneficiados pelas políticas do governo.
Podemos ainda citar as famosas cartas pastorais de muitas igrejas nesse período elei-
toral. Algumas delas não podiam afirmar que esse ou aquele candidato deveria ser apoia-
do, mas buscaram, dentro de suas concepções, nos princípios éticos ou até morais, deixar
meio que entendido o candidato da preferência da liderança. Destaco aqui as declarações
da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), das Igrejas Históricas ou mesmo
da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.
Acho que a grande contribuição tem sido dada pelos movimentos ecumênicos, tanto
institucionais como de voluntários, informais, para um melhor arejamento de ideias no es-
paço de nossas igrejas. Esses movimentos estão em boa parte envolvidos com políticas pú-
blicas sérias e comprometidos com os direitos humanos. São grupos que estão em perma-
nente diálogo com os movimentos sociais e com eles procuram trabalhar, claro, destacando
sua orientação religiosa, mas que não os impede de trabalhar conjuntamente. Esse fato
conseguiu abrir brechas de diálogos com os grupos mais conservadores dentro das igrejas.
Referências
Com um caráter descritivo, este texto se propõe a apresentar de forma sintética o pro-
cesso de criação e institucionalização do Observatório LGBT na Universidade Federal do
ABC (UFABC). Para isso, aborda as manifestações homofóbicas ocorridas dentro dos
campi da universidade, expõe as reações da comunidade acadêmica sobre tais episódios,
com a realização de eventos e discussões sobre temáticas de diversidade sexual e de gênero,
os quais dão início a tal processo. Por fim, o artigo apresenta pontualmente a história da
construção conjunta do Observatório, por discentes e docentes da UFABC, apresentando
as ações desenvolvidas até o segundo semestre de 2016 e os próximos passos a seguir.
Entretanto, inicialmente, é necessário apresentar resumidamente o que se compreen-
de por homofobia e manifestações homofóbicas, permitindo um rigor conceitual que se
baseia nas discussões acadêmicas sobre a questão e oferecendo uma forma adequada de
classificação dos atos perpetrados na UFABC no ano de 2015.
Assim, o termo homofobia surge em publicações acadêmicas na década de 1970, sen-
do inicialmente compreendido como a aversão contra homossexuais ou autoaversão por
parte destes próprios (WEINBERG, 1972). Desde sua definição inicial o termo tem sido
reinterpretado ao longo do tempo, sendo conceituado de forma ampliada, compreenden-
do não apenas a aversão, mas também a hostilidade contra pessoas LGBT, somando-se a
isso o elemento social, religioso, cultural, institucional e jurídico de repressão que inferio-
riza e criminaliza tais pessoas por não estarem de acordo com o padrão normalmente
aceito, isto é, o padrão heterossexual (BORILLO, 2010). Porém, da mesma forma, o
conceito sofre uma série de críticas sobre seu caráter etimológico, sua visão como forma
de doença psicológica e também sobre sua interpretação androcêntrica (HEREK, 2004;
JUNQUEIRA, 2007; BORILLO, 2010).
Também se verifica discussões que pretendem contribuir para a superação do concei-
to, incorporando outros termos como o estigma sexual, entendido como um conhecimen-
O caso ganhou a cobertura de diversos veículos midiáticos, não apenas de jornais locais,
mas também de jornais de circulação nacional e de grandes revistas como os jornais “O Es-
tado de São Paulo”, “ABCD Maior”, “Brasil Post”, a revista “Isto É” e a emissora de televisão
TVT (BRANDALISE, 2015; FELTRIN, 2015; PALHARES, 2015; ÉNÓIS, 2015; TVT,
2015). Dessa forma, a pressão feita pelo coletivo Prisma para que a Universidade se posicio-
nasse sobre tais ataques, somada à cobertura feita pela mídia, resultou em uma série de res-
postas, em diferentes níveis e de diversas origens, aos ataques ocorridos dentro da UFABC.
4 O grupo facilitador é composto pelos professores Dr. Elias David Morales Martinez (PG-
-CHS/BRI), Profª Dra. Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky (BPP/EGI) e pelos
discentes Me. Thiago Mattioli (PG-CHS), Juliana Fabbron Fabbron (PG-PP), Raimundo
Nonato Neres (BCH), Julian Rodrigues (PG-CHS), Cristhian Manuel Jiménez (PG-CHS).
137 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
pelo coletivo Prisma, o que permitiu uma intensa troca de experiências previamente ao
evento de lançamento, contribuindo para que as necessidades e expectativas desses movi-
mentos e grupos fossem apresentadas.
Em 11 de junho de 2016, no campus de Santo André da UFABC, foi realizado o
evento de lançamento da proposta do Observatório. Nesse evento foi realizado o seminá-
rio, mediado pelo Prof. Dr. Elias David Morales Martinez, “A importância do Observa-
tório LGBT para o ABCDMRR”, que contou com a presença de ativistas lésbicas, gays
e transexuais em sua mesa, além das contribuições da Profª Dra. Regina Fachini (UNI-
CAMP) e da Profª Andrea Paula Kamensky (UFABC). Em adição ao seminário, foi
realizado o encontro de quatro grupos de trabalho, com o objetivo de obter propostas e
sugestões para as atividades do Observatório. Os grupos foram: 1) ativismo e representa-
tividade; 2) cultura e lazer; 3) saúde e 4) trabalho e renda. Como resultados desses encon-
tros foram produzidas propostas e sugestões ligadas a cada um dos temas, com o eixo
principal em atividades de ensino, pesquisa e extensão.
Dessa forma, é essencial apresentar que as atividades do Observatório LGBT na
UFABC se pautam no tripé universitário, consagrado no artigo 207 da Constituição Fe-
deral, que compreende o ensino, a pesquisa e a extensão como atividades indissociáveis
(BRASIL, 1988). Somado a isso, ao se basear nesse tripé, o Observatório não apenas
considera que tais atividades são essenciais, mas as compreende como uma forma efetiva
de atuar na sociedade, na promoção de uma cultura de paz, de respeito, plural e diversa.
Dessa forma, ao praticar a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão desenvolve
um processo dialógico que serve de insumo para a própria prática (FREIRE, 2013) ao
mesmo tempo em que pretende criar um conhecimento contextual, baseado nas relações
entre pesquisadores e seus públicos, verificando seus problemas e dando voz aos grupos
vulneráveis (SANTOS, 2011).
Portanto, o Observatório pretende atuar através de sua área de ensino, propondo a
criação de cursos e disciplinas orientadas à promoção da diversidade sexual, fazendo das
salas de aula um importante local de debate, discussão e aprendizado, que contribuam
para a formação de cidadãos conscientes e para a desconstrução de preconceitos arraiga-
dos na sociedade.
A partir de sua área de pesquisa, promoverá a investigação científica nos níveis de
graduação e pós-graduação, permitindo aos pesquisadores interessados em temáticas
LGBT o acesso a grupos de discussão, materiais e cenários, com o objetivo de desenvolver
novos conhecimentos, visões e formas de compreensão de uma realidade social complexa,
contribuindo também com novas tecnologias sociais que possam auxiliar de forma deci-
siva nas realidades que se propõe a estudar.
E via sua área de extensão, o Observatório oferecerá à comunidade externa não so-
mente o acesso ao conhecimento, novas tecnologias sociais e produtos desenvolvidos a
partir do ensino e da pesquisa, mas utilizará esse instrumento de acesso à sociedade como
Gênero e Diversidade Sexual • 138
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
O surgimento dos movimentos sociais de forma organizada ocorreu com mais força
no início do século XX com o desenvolvimento econômico capitalista, fortalecido pela
revolução industrial. Consequentemente, com o aumento da mão de obra que vinha do
campo, as cidades cresceram, tornando-se metrópoles e provocando o crescimento urbano
desordenado, fazendo com que os proletários, os trabalhadores, se vissem em uma situa-
ção urbana bastante precária. Com a expansão das indústrias essas populações foram
deslocadas para as periferias das grandes cidades, que não possuíam qualquer infraestru-
tura, como transporte, moradia, acesso à saúde e educação, saneamento básico, etc., neces-
sidades que deveriam ser supridas pelo Estado, que não o fez por ser capitalista e não ter
foco em políticas públicas para populações carentes. Com a ausência do Estado, os cida-
dãos conscientes de seus direitos começaram a se organizar para pleitear direitos básicos
e fundamentais, surgindo assim como força reivindicatória daquilo que falta, que é precá-
rio em seu grupo, em sua comunidade, e assim esses cidadãos tornaram-se representantes
de suas comunidades.
Com os movimentos sociais LGBT não foi diferente. Durante séculos e séculos a
homossexualidade e qualquer prática comportamental distinta do padrão heteronormati-
vo eram passíveis de sanções sociais, físicas e criminais, e muitas dessas sanções culmina-
vam em execução sumária, portanto os LGBTs tinham como única defesa esconder todas
as práticas e comportamentos sociais, adequando-se ao padrão heteronormativo imposto
pela sociedade.
Os movimentos sociais LGBT nasceram como movimento de defesa dos homosse-
xuais na Europa, no século XX, após a 2ª Guerra Mundial, quando o nazismo perseguiu
homossexuais por toda a Europa, os aprisionando em campos de concentração e, segundo
estimativas, matando mais de 320.000. Assim, por volta da década de 50, de forma clan-
destina e com pouca visibilidade, começou o surgimento de grupos pequenos de LGBTs
organizados, tendo como principal objetivo a visibilidade, o respeito, o fim da criminali-
zação da homossexualidade, da intolerância, da discriminação e da violência.
servatório. Durante meses, através de vários encontros e reuniões, discutimos qual seria a
melhor forma de fazer o lançamento e quais seriam os principais temas que o observató-
rio deveria discutir e, posteriormente, como seria usado como matriz de atuação nos eixos
ensino, pesquisa e extensão.
Os movimentos sociais e ativistas independentes não foram apenas escutados: eles se
tornaram agentes da construção do evento denominado “Fórum de Lançamento do Ob-
servatório LGBT das Cidades do Grande ABC”. Desde a primeira reunião até o dia do
evento tudo foi decidido após muita discussão e análise, de forma horizontal, sem qual-
quer hierarquia, todos com igualdade de falas, de sugestões e proposições, não havia dis-
tinção entre acadêmicos e membros da sociedade civil.
A pluralidade era a principal característica dessa construção, a representatividade era
fato concreto: havia representantes, protagonistas de todas as letras da sigla LGBT e
pessoas pró-desconstrução de gênero. Havia homens e mulheres trans e cis, travestis, bis-
sexuais, heterossexuais, lésbicas e gays, todos juntos, pessoas de várias cidades e idades,
adolescentes, jovens e adultos, estudantes do ensino médio, alunos de graduação dos mais
diversos cursos: Políticas Públicas, Engenharia, Saúde Pública, Psicologia, Direito e das
mais diversas instituições de ensino, como: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Uni-
versidade de São Paulo - USP, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, Faculda-
de de Direito de São Bernardo do Campo, Universidade Paulista - UNIP, muitos repre-
sentantes de diversas ONGs, coletivos e entidades LGBT e pró-desconstrução de gênero.
Todos juntos com um único objetivo: a construção do Observatório LGBT da UFABC,
que trará grandes benefícios não somente para os LGBTs mas também para toda a região
metropolitana do Grande ABC e para todas as comunidades e sociedades que forem
objetos de estudo, análise e proposições de projetos de extensão deste Observatório.
O formato do evento foi peculiar, único. Ocorreu durante um sábado e foram mais de
12 horas de atividades. Iniciou-se pela manhã com uma mesa do seminário “A importân-
cia do Observatório LGBT para o ABCDMRR”. Com muita pluralidade e representati-
vidade, na mesa sentaram-se palestrantes de todas as letras da sigla LGBT, juntamente
com acadêmicos pró-desconstrução de gênero:
a) saúde
b) educação, trabalho e renda
c) direitos humanos: acesso à justiça e direitos - violência e segurança
d) representatividade política LGBT e ativismo da sociedade civil
e) cultura e lazer
Os grupos de trabalho foram alocados em salas distintas, com moderadores para en-
sejar as discussões e reflexões sobre o tema e secretários para registrar e documentar todas
as propostas construídas e encaminhá-las para a comissão fundadora do Observatório
LGBT da UFABC, que deverá analisá-las e verificar se é possível e viável concretizá-las
dentro do tripé acadêmico: ensino, pesquisa e extensão. Vale ressaltar que tanto os mode-
radores quanto os secretários dos grupos temáticos eram pessoas que participaram da
construção do evento, pessoas que durante meses estiveram presentes nas reuniões que
decidiram o formato e a logística do evento.
Ao final do dia, apesar de tantas horas e do cansaço, notava-se claramente a grande
alegria dos participantes, que, na qualidade de movimentos sociais e pessoas da sociedade
civil, puderam participar e contribuir de forma intensa no pontapé inicial da construção
deste Observatório.
O fato é que todos esperam que essa interação acadêmica versus movimentos sociais
continue ocorrendo de forma contínua, pois a sociedade civil e os movimentos sociais
não devem ser apenas objeto de estudo, de análise, e sim devem fazer parte da dinâmica
que envolve esses estudos e práticas. Os movimentos sociais, com todas as suas expe-
riências empíricas, práticas, vivências, podem contribuir e muito com qualquer estudo
acadêmico, aproximando-o da realidade prática e transformando vidas, histórias de pes-
soas que precisam da academia para facilitar a conquista de direitos, e para que esses
direitos sejam legitimados.
A importância social e política dos movimentos sociais – com destaque para os movi-
mentos sociais LGBT – no Brasil é imensurável. Tendo-se o entendimento de que a
história social e política no Brasil é repleta de contradições e desigualdades sociais, não
podemos avaliar os movimentos LGBT como algo isolado, e sim de forma interseccional,
Gênero e Diversidade Sexual • 146
e logo estará produzindo apenas peças teóricas, muitas vezes não inteligíveis e efetivas,
que acabam arquivadas em estantes e bibliotecas da universidade, sem atingir a população
que é o objeto de estudo, tornando o Observatório de acadêmicos para acadêmicos, como
infelizmente ocorre rotineiramente nas universidades.
Não se pode esquecer que estamos numa universidade pública e gratuita, financiada
pelo Estado, que deveria ser universal, mas não é, que apenas atende parte da população
privilegiada que consegue acesso a ela; entretanto, o ônus financeiro é de toda a população,
portanto existe um dever intrínseco de algum retorno a essa população, porque hoje en-
tende-se que as práticas nas universidades públicas devem alcançar a sociedade civil. Para
isso devemos abrir os portões da universidade, rompermos as barreiras visíveis e invisíveis
que impedem que a comunidade civil utilize esses espaços que lhes é de direito. E mais do
que isso, a universidade não deve ser apenas um agente passivo que não sai de sua bolha
acadêmica, a universidade deve romper a bolha acadêmica que impede sua interação com
o mundo, com os objetos que são analisados em seus estudos e ir ao encontro deles.
Portanto, é isso que os movimentos sociais LGBT estão esperando da academia em
relação à criação do Observatório LBGT da UFABC: que este seja objetivo, prático e
inteligível, para todos, não somente para acadêmicos, mas para toda a pluralidade da so-
ciedade civil, dentro de suas deficiências e ineficiências educacionais, sociais e culturais. O
Observatório não só deve trazer as pessoas à universidade, mas, como observatório, deve
ir até as pessoas e conhecer suas vivências e suas realidades para que, dentro da sua com-
petência institucional, possa ensejar demandas viáveis dentro da concepção de universida-
de, que é ensino, pesquisa e extensão.
Espera-se que o Observatório LGBT da UFABC produza e reproduza conhecimen-
tos, alcançando acadêmicos e não acadêmicos, e que as lésbicas, gays, bissexuais, travestis,
transexuais, transgêneros, homens e mulheres trans e cis, não binários e heterossexuais,
possam olhar para este Observatório e dizer que os representa, que confiam e esperam
que dele saiam transformações, mudanças, quebras de tabus e paradigmas, que seja refe-
rência nacional e internacional, objeto de análise de estudos governamentais que irão re-
sultar em políticas públicas para essa população. Mais que tudo, que a população LGBT,
acadêmica ou não, faça parte deste Observatório durante todo seu percurso, levando em
conta as suas experiências, vivências e protagonismo. O fato é que a pedra fundamental já
foi lançada de forma representativa e única, agora é só aguardar o trabalho árduo e os
frutos que ele produzirá.
Meu Caminho até o Observatório LGBT da UFABC
Anderson Duarte1
Foi bem cedo que me percebi como sendo “um pouco diferente” dos outros com quem
convivia. Esses “outros” eram principalmente os primeiros coleguinhas de escola, com os
quais convivia na creche e na família onde nasci. Para ser mais exato, foi aos seis anos de
idade que, por conta de situações repetitivas, fui registrando em minha mente de criança
a percepção de que eu incomodava, de que eu tinha um jeito que deveria disfarçar, que
deveria mudar.
Pelas falas dos demais fui “situado” de que o problema era meu jeito feminino e minha
predileção por estar próximo das meninas e gostar de coisas do “universo das meninas”.
Eu tinha seis anos e lembro que apanhava muito em diversas situações. Pensava sobre o
porquê disso acontecer e como poderia mudar. Minha dúvida maior era: “o que eu deveria
fazer para que as pessoas gostassem de mim?”.
Achava que era minha voz que incomodava. Então imaginei que, se eu fosse mudo, o
tratamento das pessoas para comigo seria diferente. Quem sabe se eu não falasse seria
mais bem tratado? Mas nunca dava certo, pois logo depois de um tempo eu voltava a falar
e era de novo “apontado”. Até onde me lembro, eu não conseguia fazer parte da turma dos
meninos, pois era o garoto delicado. A imagem dos homens, do “masculino”, já me atraía
de uma forma especial. Comecei a pensar se aquilo tinha a ver com as pessoas que gosta-
ria de namorar. Isso seria um problema, pois meninos não namoravam outros meninos.
Então imaginei que se eu fosse cego daí sim resolveria o problema. É claro! Pois então não
teria uma imagem para preferir. Só mais tarde fui descobrir que não era assim que funcio-
nava, que o desejo vai além do campo da visão e que se estende a outras formas de sentir.
Pouco depois de ser alfabetizado tentei entender um pouco mais do mundo. O acesso
à informação era diminuto e o que encontrava sobre homossexualidade era assustador. No
início dos anos 90 ser gay era sinônimo de morrer de AIDS, ser a pessoa apontada na rua,
morrer só, ou então o bobo da corte desvalorizado que só servia para fazer rir ou como
saco de pancada.
E a mulher lésbica ou homem trans? Conceitos que só conheci em minha vida adulta,
essas imagens eram evocadas somente em marchinhas de carnaval (e de forma estereoti-
pada). Travesti era sinônimo de marginalidade ou, no máximo, a figura mítica da transfor-
mista que só existia nos breves minutos de fama que duravam as apresentações no Show
de Calouros.
O tempo passou e quando adolescente não participava de interações com outros jovens.
Eu tinha medo de ser jogado em cima das meninas, de ser obrigado a “ficar” nos grupinhos,
medo do risco de ter minha homossexualidade anunciada e exposta por todos e para todos,
dada a minha mais completa inação sexual para com as meninas. Por conta disso nunca saí
em minha adolescência para baladas e festinhas, pois temia esse tipo de confronto.
Quando aos 18 anos tive uma namorada, me enchi de esperanças flertando com o que
imaginava ser a tal normalidade. Percebendo que os sonhos com os rapazes não cessavam,
me apeguei à possibilidade de, quem sabe, me descobrir ao menos bissexual. Quem sabe
assim eu seria um pouquinho “quase” igual aos outros. Nessa época, me coloquei a teste
outras vezes no sexo com mulheres. De fato, não sentia com mulheres, nem de longe, o
furor que me causava a presença masculina. Me deprimi e me recolhi mais uma vez a uma
clausura em parte autoimposta.
Quero relacionar esse relato todo sobre minha vida com o fato do estranhamento que
eu mesmo tinha sobre minha orientação sexual: a falta de informação que me fazia crer
que eu era a única pessoa que sofria com essa “anormalidade”. Esse era o terrível e duro
termo que ouvia muitas vezes vindo de professores, familiares, colegas de escola, de traba-
lho e na TV, dos “formadores de opinião” quando o assunto era sobre as questões de di-
versidade sexual e de gênero. A infelicidade por conta da sexualidade só começou a mudar
aos 23 anos, quando contei que era gay para minha irmã. Sua resposta foi que esse fato
não alteraria o seu sentimento por mim, mas a deixava com medo em função da intole-
rância e violência que eu poderia vir a sofrer por ser como eu era. Comecei a ficar de bem
comigo mesmo nessa época.
Aos 25 anos entrei na universidade no curso de Ciências Sociais. Logo no início expus
minha orientação sexual e sentia que, pela proposta dos estudos abarcados pela área das
humanidades, havia uma certa permissividade em relação à minha questão, até então
inédita para mim. Mesmo assim, eu era o único aluno assumidamente gay em uma classe
com mais de 40 alunos.
Por causa das dificuldades que tive por ser homossexual e da minha percepção ao
entender que outros também sofrem muito por conta dos “n” fatores que carregam como
estigmas da diferença, acabei tendo a vontade de estudar as questões da diversidade. As-
sim eu poderia entender e promover mais informação, no sentido de tentar evitar sofri-
mentos desnecessários, como os que passei enquanto me achava uma maldita mosca
branca. Esse é o principal motivo que me levou para junto dos amigos e amigas na cons-
trução do Observatório LGBT.
O meu processo de aceitação e, principalmente, de entendimento da diversidade sexual
como existente e possível, me levou a buscar novos caminhos de informação e contatar
Gênero e Diversidade Sexual • 150
grupos que tivessem a mesma vivência e demandas próximas às que eu tinha. Assim, em
2010, no meu terceiro ano de faculdade, junto com estudantes de outros cursos do campus
de humanidades da UNIFESP Guarulhos e da fundação do MAPÔ – Núcleo Interdisci-
plinar de Estudos de Gênero, Raça e Sexualidades, resolvi ampliar esse debate dentro da
universidade. Promovemos a primeira SEGENSEX (Semana de Estudo de Gênero e Se-
xualidades), que contou com participantes de diversos setores e teve mais duas edições nos
anos seguintes. Também nesse mesmo período, pudemos iniciar, dentro do MAPÔ, um
grupo de estudo onde muitos de nós tivemos o primeiro contato com a teoria queer.
Paralelamente à minha participação no MAPÔ, me aproximei, pouco antes de 2009,
do Projeto Purpurina, que elegi como objeto de estudo de minha monografia com a in-
tenção de realizar a sua etnografia. O projeto oferecia às jovens LGBT um espaço seguro
para a sociabilidade, debates e para reaproximação de suas famílias. Durante três anos
frequentei assiduamente as reuniões do projeto (que ainda hoje ocorrem na região central
de SP), que à época ocorriam duas vezes por mês e eram focadas em jovens de 13 a 24
anos. O projeto foi criado por Edith Modesto, professora doutora, psicoterapeuta e escri-
tora, que teve um papel muito importante no fortalecimento de vínculos dos jovens par-
ticipantes. Além desse trabalho, ela também foi responsável pela criação do GPH – Gru-
po de Pais Homossexuais, o primeiro grupo desse gênero da América Latina.
Em 2011, trabalhava no Observatório da Coordenadoria de Assistência Social da
região sudeste de SP, onde, em contato com amigos militantes, pude participar da ca-
minhada contra a homofobia em Brasília, o primeiro grande manifesto “engajado” de
que participei.
Posso dizer que o caminho percorrido de São Paulo para Brasília foi um divisor de
águas em meu entendimento sobre a diversidade na qual estou inserido. Estávamos lá,
num mesmo ônibus: gays de todas as idades, lésbicas, homens trans, mulheres transexuais
e travestis que, além de liderarem nosso grupo, também assumiram a linha de frente de
nosso manifesto quando chegamos à Esplanada dos Ministérios. Contamos também,
nesse mesmo ônibus animado e combativo, com o apoio de vários integrantes de diferen-
tes partidos de esquerda, além de uma família de anarcopunks que, pelo inusitado da pre-
sença, tornaram nosso amistoso e colorido evento ainda mais marcante.
Junto aos trabalhos nos quais prossegui, continuei buscando as mesas de debates sobre
o tema. Impossível deixar de citar aqui o Festival MIX Brasil de Cultura e Diversidade
Sexual – Cinema e Vídeo, pela importância essencial que teve na minha sociabilidade e
militância e também por conta da sua variedade temática em obras e convidados que
trouxeram todos os anos ao Brasil.
Em 2015 trabalhei na Prefeitura de Santo André na Assessoria de Juventude, atuando
tanto através da Prefeitura quanto como pessoa da sociedade civil. Pude participar ativa-
mente de encontros e conferências da juventude LGBT nas esferas regional, municipal e
estadual. Com certeza, uma das mais marcantes foi a “Conferência Livre de Juventude T”,
151 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
realizada em SP, onde pela primeira vez tive uma vivência mais próxima junto aos transe-
xuais e às travestis. Nessa mesma época também tive o privilégio de acompanhar integral-
mente um evento pioneiro, com potencial pra lá de revolucionário, que foi o primeiro
seminário sobre “Transfeminismo e Políticas Públicas do Brasil”.
O evento, promovido pela Secretaria de Políticas para Mulheres, pela Assessoria
LGBT de Santo André e pela UFABC (entre outras entidades), marcou o estreitamento
das relações entre a Prefeitura de Santo André e a UFABC por meio da Assessoria LGBT
do município e, também, do recém-formado coletivo Prisma. O evento contou com uma
fortíssima participação de mulheres transexuais e travestis também na composição das
mesas. A plateia lotada do início ao fim, fato que nos sinaliza o interesse e urgência desse
tipo de evento dentro da região do ABC.
Ainda em 2015, a convite de Eliad Dias dos Santos, assessora LGBT da cidade de
Santo André, fiz parte do GT - LGBT do município promovido pela Assessoria LGBT
onde, em seguidas reuniões mensais, pudemos discutir juntos, poder público e membros
da nossa diversa sociedade civil, os caminhos e as possibilidades de políticas públicas para
o segmento LGBT no município. Destaco especialmente o trabalho que vem sendo rea-
lizado junto aos segmentos das travestis, das mulheres transexuais e homens trans, seja em
medidas de proteção às mulheres que trabalham na rua com prostituição, seja na garantia
de serviços de saúde e abrigo, ou na implantação de políticas voltadas à inserção e reinser-
ção no mercado de trabalho (com o aprendizado de novas profissões).
Foi por conta de meu trabalho na Assessoria de Juventude de Santo André que pisei
pela primeira vez na UFABC, onde a trabalho pelo município conheci os participantes e
cursistas Juliana Fabron e Raí Neres e o Professor Elias David Morales Martinez. Viria
reencontrá-los posteriormente na organização do fórum que originou o Observatório
LGBT do ABCDMRR. Nesse primeiro encontro houve o debate “homo - lesbo -trans-
fobia” que também destacava as mulheres presentes na sigla LGBT. A primeira vez que
ouvi falar sobre a necessidade da criação de um Observatório LGBT na região do ABC
foi nesse evento, que ocorreu em junho de 2015 na UFABC, promovido em conjunto pelo
coletivo Prisma, pelo Bacharelado em Relações Internacionais (BRI) e pela Pós-gradua-
ção em Ciências Humanas e Sociais (PCHS). Colocou-se aqui em debate, pela primeira
vez no campus da UFABC, a questão da LGBTfobia, dado o aumento de casos de vio-
lência no campus e na região motivados pelo ódio à diversidade.
O Observatório LGBT vem atender e entender a demanda de toda uma imensa par-
cela da população que foi sempre invisibilizada e ao mesmo tempo vilipendiada ao longo
dos anos. Sabemos que a sociedade é violenta, e mais ainda com os que são apontados
como sendo os “mais diferentes” de seu todo. O nosso observatório pode ser um farol para
iluminar essa questão.
É uma felicidade estranha poder participar de uma iniciativa como essa do Observa-
tório LGBT das cidades do ABC. Um misto de variadas emoções, boas em sua maior
Gênero e Diversidade Sexual • 152
parte pelo fato de podermos gozar de liberdade para nos juntar em torno de causas que
nos impelem, como essa. Outro ponto feliz é a abertura de um espaço tão grandioso, com
uma infraestrutura tão generosa acolhendo um projeto de tamanha importância.
A parte triste que me ocorre se deve ao fato de, ainda hoje, em 2016, precisarmos
realizar esse tipo de “força tarefa” com o intuito principal de conter a violência que resulta
em tantos crimes de ódio e que colocam o Brasil nas primeiras posições em questões li-
gadas à violência transfóbica e feminicídio no mundo.
Nossas vozes, nossas caras e nossos corpos como cidadãos LGBT têm se mostrado
cada vez mais. São muitas demandas que sempre existiram, e outras novas que acabaram
por se mostrar com os avanços de diversos estudos, principalmente os relacionados à
questão de gênero. É claro que o Observatório poderá ajudar bastante na vocalização
dessas demandas que hoje finalmente começam a ser audíveis para um grande público,
mesmo que no Brasil ainda estejam mais restritas às grandes cidades. Somos muitas vezes
encarados como ameaça à sociedade. Talvez, grosso modo, seja possível dizer que somos
sim uma ameaça a todos aqueles que nunca perceberam quão diversa é nossa sociedade e,
por isso mesmo, tentam nos calar e nos ocultar nos porões.
De certa forma nossa voz é dissonante sim, pois desmente máximas sobre o que é
normal, desafia regras impostas sobre o que são os corpos dos homens e das mulheres,
sobre o que devemos gostar, sob quais regras devemos nos portar, enfim, que nossos dese-
jos só podem ser dirigidos por modos predeterminados.
O nosso Observatório pode ajudar a elucidar falácias, trazer à tona mais material so-
bre o tema e denunciar com mais peso os frequentes casos de violência contra lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Um observatório LGBT na região do ABC é de grande importância tendo em vista
o aumento de crimes de ódio no país, que parecem crescer de forma concomitante ao
surgimento de novos grupos radicais nazistas e ao reaparecimento de outros antigos, que
estavam aparentemente extintos na região. Juntando os esforços dos mais diferentes seto-
res da sociedade no espaço aberto da Universidade poderemos discutir o tema e, quem
sabe, ajudar a decifrar o porquê desse fenômeno de violência dirigida aos LGBTs, e assim
mostrar a urgência que temos de políticas públicas específicas nas sete cidades para esse
público que até então sempre esteve invisibilizado.
Esperamos que o Observatório possa trazer mais visibilidade à causa dentro do am-
biente universitário como uma iniciativa que demonstre que bandeira LGBT vem sim
trazer novas cores aos que necessitam de outro olhar. Que estimule não só os novos estu-
dantes que pretendam se debruçar sobre o tema, mas a todas as pessoas que, assim como
eu, foram criadas dentro de um verdadeiro “daltonismo moral”.
Depoimento de uma militante
Lélia Batista Alves1
A Associação Viva a Diversidade existe desde 2002 e é uma organização não gover-
namental, sem fins lucrativos que conta com o trabalho voluntário de seus membros. Tem
a missão de promover e defender os direitos humanos e difundir políticas antidiscrimina-
tórias em relação a lésbicas, gays, travestis, transexuais, transgêneros e qualquer outra
pessoa que esteja vivendo em situação de vulnerabilidade. Objetiva ainda implementar
ações contra as DST/ AIDS.
A ONG teve seu início entre 2000 e 2002 como um espaço de convivência entre
pessoas amigas que eram bissexuais, gays e lésbicas que viviam em ambiente onde não
existia atenção nenhuma aos seus direitos. No que diz respeito à expressão de sua afetivi-
dade, buscava-se, nos encontros e festas realizados na casa da Dejanira Benedita Moyses,
partilhar as experiências e sentimentos, como alternativa para enfrentar as adversidades
Gênero e Diversidade Sexual • 156
tornar a Parada Gay do mundo, colocando o Brasil também como um dos países com o
maior número de cidades que realizam esse tipo de manifestação (TRINDADE, 2011).
Tais movimentos e articulações servem de base e influência direta para a região me-
tropolitana do Grande ABCDMRR, ou como é geralmente chamado, Grande ABC, que
inclui os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,
Diadema, Ribeirão Pires, Mauá e Rio Grande da Serra no também estado de São Paulo,
contabilizando uma área de 828 km², com uma população de 2.551.328 habitantes, se-
gundo dados do censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Desse modo, é observado o surgimento de movimentos ativistas como, por exemplo,
a ONG Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual (ABCD’s), em Santo André, o
Grupo de Apoio à Diversidade de Ribeirão Pires, a ONG Viva a Diversidade LGBT de
Diadema, além de entidades estudantis num momento posterior como, por exemplo, o
coletivo Prisma da Universidade Federal do ABC (UFABC), dentre outros.
Com relação à construção de paradas de orgulho LGBT na região, passam a ser orga-
nizadas nas cidades de Santo André, Diadema e Mauá, principalmente pelo movimento
das ONGs e entidades LGBT locais.
Soma-se a isso o esforço e consolidação do debate, seja por meio do Consórcio Inter-
municipal Grande ABC com as Conferências Regionais de Políticas Públicas e Direitos
Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT ou com a inclu-
são do tema nas agendas de alguns municípios, através da criação de leis, formulação de
algumas políticas públicas, ou, como no caso de Santo André, a criação da Assessoria de
Políticas Públicas para Diversidade Sexual LGBT de Santo André, que está alocada na
Secretaria de Políticas para Mulheres.
Sobre o processo de construção de políticas públicas, Estrela (2012) retrata que “para
além das políticas tradicionais do Estado, a atuação dos movimentos sociais têm trazido
novas questões em relação à ideia de direito.” (ESTRELA, 2012, p. 5):
Daí a explicação também da inclusão dos temas LGBT de alguma forma nas agendas
municipais dessas cidades, ou ainda na academia, e das discussões correlacionando ques-
tões sociais e políticas, seja em relação aos direitos humanos, ativismo ou representativi-
dade política, por exemplo.
Assim, tendo esse movimento e uma conjuntura mais favorável a essas discussões,
surge na Fundação Universidade Federal do ABC (UFABC) um esforço vindo de profes-
159 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Referências Bibliográficas
Sabe-se que nas sociedades contemporâneas as instituições de ensino são, muitas ve-
zes, espaços privilegiados para a aquisição de habilidades cognitivas e sociais que facilitam
os processos de inclusão social, que podem ser um espaço de questionamento sobre o
mundo dado como é, de desconstrução de padrões opressores e recriação de si e de uma
visão crítica, reduzindo a vulnerabilidade social dos que têm acesso a esses ambientes.
Assim, as universidades podem representar um conjunto de oportunidades, mas é preciso
também ir além dos muros visíveis e invisíveis para uma transformação social.
As pessoas que estão fora dos diferentes tipos de espaços de aprendizado, de questio-
namento, têm menos chances de reinterpretar as mensagens pejorativas relacionadas às
ideias de pobreza, negritude, feminilidade, machismo, o que também interfere no modo
como será exercida a sua sexualidade e no modo de interação social. É preciso que o co-
nhecimento também chegue a essas pessoas.
Nesse contexto, o Prisma surge dentro da Universidade Federal do ABC em 2009
com o intuito de integração do meio LGBT dentro do espaço acadêmico, visando contri-
buir para que este se tornasse mais acolhedor para os alunos. Para isso investiu na criação
de grupos em redes sociais, na realização de festas e de reuniões presenciais com debates
sobre pautas do movimento. Nessa época a finalidade principal era a interação, mas com
o tempo, o Prisma acabou se diluindo e se manteve por um tempo inativa.
Em 2015, alguns membros que já haviam participado do coletivo logo após o seu
início, se reuniram pensando em reestruturá-lo e, dessa vez, além da integração, o foco
voltou-se também para a ação em projetos sociais.
Nesse período, um vídeo LGBT foi feito para o dia dos namorados, que ganhou bas-
tante destaque nas redes sociais, e pouco tempo depois surgiram pichações homofóbicas
dentro da Universidade, o que causou desconforto e medo. Ações no âmbito jurídico fo-
ram tomadas e reuniões com a Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Políticas Afir-
mativas da Universidade Federal do ABC foram feitas. O coletivo passou, então, a agir
cada vez mais com um viés de militância, de luta pelo reconhecimento e pela visibilidade
dos LGBTs, não apenas dentro da UFABC, mas também fora dela. Começou-se a fazer
parcerias, por exemplo, com a Assessoria LGBT de Santo André, em algumas ações pon-
tuais, como palestras, e também se passou a ter mais diálogo com outros coletivos, como
o movimento feminista e o movimento negro.
O evento com maior destaque realizado pelo coletivo Prisma foi o 1º Festival das
Diversidades, sendo sua inauguração na última semana de setembro de 2015, evento que
nasceu com o objetivo de dar visibilidade e empoderar a população LGBT de todo o
Grande ABC, por meio de debates, palestras e intervenções artísticas. Mais do que isso,
visava também desconstruir os padrões heterocisnormativos impostos pela sociedade, re-
sistir ao preconceito, discriminação e homo-lesbo-bi-transfobia, ousar, quebrar os tabus,
os paradigmas e os padrões opressores da sociedade de forma interseccional, abordando o
machismo, a misoginia, o racismo, os recortes de classe, a diversidade sexual e de gênero.
Nesse mesmo ano, o coletivo também participou do evento “UFABC para todos”, o que
divulgou seu trabalho para futuros ingressantes da Universidade.
Em junho de 2016 aconteceu o 2º Festival das Diversidades, com palestras sobre di-
versidade sexual, exposições, teatro, performances, atividades esportivas e que contou com
um público ainda maior que o da sua primeira edição.
Os eventos realizados pelo coletivo buscam a integração dos alunos, para que se sin-
tam mais confortáveis e seguros no ambiente universitário, mas também visam à interação
com a população do ABC, pois é preciso ir além dos muros da universidade.
O coletivo sabe que as cidades expressam um processo de urbanização pautado na
segregação e exclusão sócio-territorial, na fragmentação do espaço, bem como no cresci-
mento da periferia e das desigualdades sociais, expressas na concentração de renda, e que
refletem a ausência de uma moradia digna para a população de menor poder aquisitivo, a
ausência de emprego e de acesso à educação e que esses tangíveis ficam ainda mais pro-
blemáticos quando se trata de pessoas que são LGBT, porque estes sofrem também a
exclusão por preconceito.
Assim, com previsão de início para 2017, outro projeto de destaque do coletivo
Prisma é a concretização de um curso similar ao EJA (Educação de Jovens e Adultos),
que vai contar com atividades para formação e certificação educacional do público
LGBT em situação de extrema vulnerabilidade social (travestis, mulheres transexuais,
homens trans, transgêneros, mulheres cis negras e homens cis negros e, em especial, os
que utilizam a prostituição como único meio de sobrevivência). Os cursos terão em sua
grade curricular disciplinas do Plano Nacional de Educação, assim como disciplinas
específicas que abordem direitos humanos, social e legal, diversidade sexual e de gênero,
para empoderamento e enfrentamento da misoginia, machismo, racismo e “homo-les-
163 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Interesso-me por política desde que me entendo por gente. Assistia jornal, queria
debater com os adultos, fazia muitas perguntas sobre história e política internacional
nas aulas do ensino fundamental... Naturalmente, minha maturidade era compatível
com a minha idade e o senso crítico veio bem mais tarde. A maior parte do que eu fa-
lava na época era reprodução dos valores de direita conservadora que absorvia no meu
meio social.
O ensino médio foi o começo dessa quebra. Fui mudando meus conceitos sobre
muitas coisas que o patriarcado e o capitalismo colocam como naturais. Em 2013, as
manifestações e mudança de conjuntura aceleraram o processo. A “Terceira Onda do
Feminismo” veio com força e identifiquei-me com tudo aquilo de pronto. O machismo
logo virou mais do que salários menores e bater em mulher. Saí curtindo páginas e mais
páginas do Facebook sobre o feminismo, esquerda e luta contra opressões, li os famosos
“textões”, passei a acompanhar sites e blogs. Ainda não sabia, mas com o que mais me
identificava era o feminismo interseccional. A mulher negra não é igual a mim, mulher
branca. A mulher lésbica não é igual a mim, mulher hétero. As opressões não devem ser
tratadas como coisas totalmente separadas, já que tudo se entrelaça num grande sistema
opressor heteronormativo e capitalista. Fui inserindo as construções e desconstruções
nas minhas falas e ações do cotidiano, o que não foi uma mudança tão brusca e percep-
tível para a família.
Em 2015 fui convidada para um seminário de formação sobre transporte pelo Tarcísio
Ramos, da TLS (Trabalhadores na Luta Socialista), que é uma tendência interna do
PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), partido que conheci na época das manifestações
por meio do Twitter do Jean Wyllys. Gostei e em 2014 me apaixonei pela campanha
eleitoral. Foi nesse momento que comecei uma militância ligada ao partidarismo. No
começo, por achar que era preciso construir um partido diferente, que reforçasse a verda-
deira democracia e fizesse um trabalho partidário de esquerda. Mais tarde, continuei para
ajudar na construção de um movimento que denunciasse os males e limitações do sistema
capitalista. Por mais que o machismo não tenha origem no capitalismo, ele o perpetua.
Existe machismo sem capitalismo, mas não existe capitalismo sem machismo, homofobia,
racismo... Mas não é fácil ser mulher militante.
Recentemente saí da TLS. Mudar a tendência por dentro estava inviável. É preciso
mais formação, estratégia e respeito à luta contra opressões, protagonismo, lugar de fala,
que não são assunto para depois e muito menos desvio liberal ou pequeno burguês. Ainda
não encontrei um novo lugar que eu ache mais próximo do ideal para militar, mas mesmo
estressada, cansada, irritada continuo na luta. O conservadorismo não vai vencer e para
isso é preciso resistir.
Na militância da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo contra o machis-
mo estrutural, piadas e cultura do estupro, conheci o famoso Raí Neres, que convidou a
mim e à TLS para participar da organização do Observatório LGBT.
Participei da organização e seu lançamento a fim de ajudar num projeto que poderia
dar origem a dados e políticas públicas para a população LGBT na região do ABCD-
MRR, onde moro. Muitos grupos mandam sua militância para São Paulo, constroem a
luta na capital e etc... É preciso dar mais atenção à nossa região e construir o Grande
ABC. Pouco antes, alguns amigos estavam preparando um seminário para a faculdade, da
disciplina de Direito Constitucional II, sobre defensoria pública. Achei que seria legal
falarem da importância dela para a efetivação do direito ao nome social para as pessoas
transexuais. Fui pesquisar na internet dados sobre o número de pessoas trans no Grande
ABC e não achei nada. Fui procurar o coletivo Prisma, colegas militantes LGBT... e nada.
Ficou mais que clara para mim, naquele momento, a importância do Observatório.
O conflito com a ideia de protagonismo para mim ficou sempre constante. Eu, mulher
cisgênero e heterossexual, não estaria tirando o protagonismo das pessoas LGBT? Con-
tudo, o Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da População LGBT não teve tantos
interessados. Uma pessoa que é minha referência como militante, Tarcísio Ramos, discor-
dou, mas, conversando com outras pessoas, achei que eu não teria grandes problemas em
participar da construção do texto base, ajudar na pesquisa e falar no dia do lançamento.
Sou estudante de Direito e não poderia me abster do tema. Por mais que o capitalismo
tenha suas limitações, não podemos esperar o socialismo para tratar de problemas tão de
base como são as questões relacionadas aos direitos humanos. O confronto não foi fácil:
eu, que sempre reivindiquei os conceitos de lugar de fala e protagonismo na minha organi-
zação e, por isso, costumava ser chamada de contrarrevolucionária, irracional, pós-moder-
na, não marxista e etc., acabei por ocupar um espaço que a priori não é meu. Foi preciso
muito cuidado e reflexão para não ser hipócrita. O desconforto aconteceu, mas creio que
não ultrapassei os limites.
Num país campeão em mortes de pessoas trans, eu, que quero tanto ser defensora
pública, não tinha como me abster. Para lutar contra o conservadorismo e preconceito é
Gênero e Diversidade Sexual • 166
preciso ter luta organizada. É complicado ser mulher militante. São inúmeros os assédios,
piadas machistas e descredibilização de todo o feminismo que não é puramente classista.
Para muitos militantes, o feminismo deve servir só como panfletagem para o socialismo.
Não se entende o feminismo e as demais questões de lutas contra opressões como aliados
para a conscientização das massas e construção da consciência de classe. É aí que o libe-
ralismo ganha mais força nesses grupos. Com a esquerda se negando a avançar nesses
debates, as minorias começam a ver o objetivo como inserção no capitalismo.
Já tentei viver em uma bolha da esquerda ou mesmo aceitar passivamente o sistema
como ele é, mas não foi muito efetivo para minha saúde e autoestima. Não adianta, não
dá para viver sem questionar e lutar contra esse sistema opressor. Entrei na organização
do Observatório e sigo em outros meios de militância sempre com esse objetivo: mudar o
sistema. As pesquisas que o Observatório vai fomentar trarão consequências para dentro
e fora do meio acadêmico. São incipientes as políticas públicas e os dados sobre esse nicho
na região. Dados, pesquisa, força acadêmica e política darão origem a políticas públicas
que trazem reformas importantes para a população.
Ainda que já haja em nível federal uma boa legislação, ela não é totalmente aplicada,
a exemplo do decreto número 8727 de 28 de abril de 2016, ainda muito recente, princi-
palmente se considerarmos que se trata de um problema tão antigo. Por outro lado, a
presidente Dilma Rousseff assinou o decreto, que garante, durante sua vigência, o uso do
nome social para todas as pessoas transexuais e travestis no âmbito da administração
pública federal direta, autárquica e fundacional. Já em relação à Lei Maria da Penha (Lei
Número 11340 de 7 de agosto de 2006), acredito que não devesse, em sua aplicação, se
limitar à pena de privação de liberdade para os homens que batem em mulheres. A apli-
cação da lei Maria da Penha prevê assistência à mulher agredida (não se limitando à
agressão física) e a prática de medidas protetivas, que talvez sejam as questões menos
tratadas: políticas públicas que visem coibir a violência doméstica e familiar.
O Observatório vai ao encontro da Lei Maria da Penha, elaborada somente graças à
pressão internacional e nacional depois de diversas denúncias, incluindo o emblemático
caso de Maria da Penha Maia Fernandes. Maria, que sofreu duas tentativas de assassina-
to, agressões físicas, psicológicas e até mesmo tentativa de eletrocução. Uma mulher de
luta e resistência ainda hoje.
Nesse ponto é que o Observatório vai ao encontro da Lei em seu artigo 8º, inciso II,
que prevê a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes,
que devem ser realizadas sob a perspectiva de gênero e de raça (etnia), entre outras visões
que se relacionam com as causas, frequência e consequências da violência doméstica e
familiar contra a mulher. Assim, haverá a sistematização e unificação de dados em nível
nacional, além da avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas. A LGBTfobia
tem tudo a ver com a ideia de gênero em nossa sociedade ocidental e heteronormativa.
167 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
A Lei também prevê, no seu artigo 8º inciso IX, que nos currículos escolares de todos
os níveis de ensino haja destaque para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à
equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar
contra a mulher. No entanto, não foi o que vimos nas discussões e votações sobre os
PMEs (Plano Municipal de Educação). Tive a oportunidade de acompanhar de perto a
votação em Santo André. Fiquei um pouco fora da Câmara Municipal de São Bernardo
do Campo no dia da votação na cidade. Foi um tremendo show de horrores nas duas ci-
dades, fato que se repetiu em todas as demais cidades do país. “Gênero” foi tomado como
uma palavra maldita e as teorias que vinham desde Simone de Beauvoir foram totalmen-
te distorcidas. Vereadores e as alas mais conservadoras da Igreja Católica Carismática e de
igrejas evangélicas, assim como vereadores que têm sua base eleitoral nesses locais, propa-
garam inverdades por meio de vídeos e posts que correram pelas redes sociais (Facebook,
Whatsapp e demais plataformas).
É preciso lutar para que catástrofes como essas se minimizem, mesmo dentro do sis-
tema capitalista.
Não há como ficar de braços cruzados enquanto os proletários do mundo não se
unem. Só a luta muda a vida. Como estudante de Direito, não tem como não me lembrar
de Rudolf Von Ihering e seu livro “A Luta pelo Direito”, em que ele nos diz que todos os
direitos do mundo foram conquistados com luta. Uma geração luta e conquista direitos; a
geração seguinte acaba achando que esses direitos são naturais e que não há necessidade
de luta para mantê-los; enfim vem a necessidade de mais uma geração para que ocorram
mais avanços.
Ainda segundo o próprio Rudolf, ao Direito não cabe só a balança da justiça, mas a
espada da luta. Como estudante de Direito, não devo e não vou me contentar apenas com
códigos e dogmas. Alguém criou todas aquelas leis que o Estado aplica e o Poder Judiciá-
rio julga quando incitado. É preciso lutar pela efetivação do que temos, dos tratados in-
ternacionais às leis municipais, e pressionar os poderes legislativo e executivo por mais
progresso.
Espero que o governo federal libere recursos para fomento das pesquisas do Observa-
tório, ainda que tal ação venha se mostrando utópica dentro da realidade apresentada pelo
governo federal interino, no qual Temer vem cortando as verbas para educação e pesquisa.
Que o Observatório seja um polo de disseminação de conhecimento sobre a população
LGBT e dê força aos movimentos sociais e partidários que lutam por reformas nesse
sistema para a melhoria desse nicho da população.
Já aprendi muito participando e espero aprender mais com o projeto. Espero, além
disso, que possamos contribuir para a construção de uma sociedade em que não haja
qualquer tipo de distinção devido a sexo, gênero e sexualidade.
A identidade de um gay cis
Bruno de Melo Domingos
que as necessidades de LGBTs na história têm sido tão negligenciadas que isso os leva a
ter dificuldades de reconhecê-las.
Devemos lembrar que as estratégias de prevenção e promoção de saúde são o carro-
-chefe do SUS, sendo estratégias de cuidado que buscam prevenir e promover saúde com
políticas específicas para cada grupo, evitando que os usuários necessitem de serviços de
recuperação da saúde. Mas no dia a dia dos equipamentos de saúde quase não podemos
observar as especificidades da população LGBT.
Fazendo um passeio rápido pelo que é oferecido à população de forma generalizada,
como: planejamento familiar, consultas preventivas, grupo de crônicos (H.A.S, DIA e
etc.), grupos de tabagismo, terapia de grupo, entre outras possibilidades, podemos dizer
que os LGBTs são contemplados? O planejamento familiar de um LGBT é igual ao de
um heterossexual? E se pegarmos cada estratégia, será que não seria necessário uma abor-
dagem mais abrangente?
Sem dúvidas temos muito a caminhar em nossas atuações e reflexões. Faz-se necessá-
rio que o LGBT de forma politicamente militante ocupe esses espaços e apresente suas
reais necessidades, a fim de combater esse modelo hegemônico que impede que sejam
vistos naquilo que realmente necessitam.
Nesse sentido o Observatório deverá mapear essas problemáticas a fim de propor
estratégias de superação que possam ser viabilizadas, seja por políticas públicas já existen-
tes, seja por aquelas em que a militância deverá focar seus esforços.
O Observatório funciona como uma estrutura que permitirá a problematização das
questões evidenciadas no território de sua atuação, fornecendo à militância embasamento
para as lutas a serem enfrentadas.
Precisamos expandir nossos olhares e problematizar com mais propriedade as situa-
ções que nos envolvem enquanto sujeitos. Uma reflexão que pode parecer boba e superfi-
cial mas tem seu valor didático é o simples fato de que, enquanto cidadãos LGBT, não nos
é fornecido nenhum desconto ou isenção de impostos. E por que então devemos aceitar a
violação de direitos em equipamentos que também são custeados por nós?
Faz-se necessária uma intensa participação social na estruturação do SUS, para que
possamos apresentar nossas demandas e construir um SUS mais abrangente. Com suas
limitações, o SUS (Sistema Único de Saúde) já garante seus princípios de universalidade,
equidade, participação social. O que se precisa discutir são as necessidades específicas.
Como usuários do Sistema Único de Saúde e alguns até mesmo trabalhadores dos diver-
sos equipamentos, temos um dever, como militância, de denunciar a negligência e a falta
de abrangência.
Quando pensamos em nossa saúde, o que nos vem à cabeça? Será que compramos a
ideia de que a nossa única preocupação deve ser com as DSTs/AIDS? Não quero relati-
vizar essa problemática e nem desconsiderar que os LGBTs são uma população-chave
171 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
que deve estar, sem dúvida alguma, preocupada com essa problemática. Mas será que é so-
mente isso? Cadê o sujeito não fragmentado em partes? Cadê o olhar ampliado da saúde? Os
fatores de risco são os mesmos? A demanda é a mesma?
Sem dúvidas, temos muitos questionamentos que devem ser foco de nossa atenção no
que se diz respeito à saúde a serem tratados dentro do Observatório LGBT. E precisamos
utilizar esse espaço de fortalecimento para lutar pela garantia de nossos direitos. O Ob-
servatório não poderá ser apenas um espaço de observação simplista sem atuação efetiva
política. Pelo contrário, por ser esse um espaço onde transborda o desejo por uma socie-
dade mais justa e que estrutura pessoas que se reconhecem nas dores e lutas diárias, deve
ser um espaço que rompa os muros da universidade e do coletivo para ser efetivo na so-
ciedade se fazendo valer, dando voz ao oprimido.
Tendo então o Observatório como espaço de protagonismo, buscamos dar voz aos
sofrimentos e às demandas específicas de cada letra da sigla LGBT, sem nos esquecer dos
fatores que dificultam ou facilitam, como os já citados: estrutura familiar, crenças, raça,
classe social, entre outros.
O Observatório LGBT é uma arma de empoderamento e resistência, se configurando
como um dispositivo de articulação e proteção do público LGBT, que em diversos setores
tem sido negligenciado ou ocultado pelo preconceito velado das instituições.
Em nosso tempo temos perdido força enquanto militância, pois temos uma nova
geração que não sofreu as angústias que muitos militantes viveram e que precisa ser leva-
da à reflexão, pois ainda somos uma sociedade que mata LGBTs apenas por intolerância.
Vivemos tempos sombrios, em que o conservadorismo e a LGBTfobia se mostram
descaradamente em nosso cotidiano. Devemos, enquanto militância, nos fortalecer, nos
reconhecendo como minorias que precisam lutar para ter seus direitos garantidos. É pre-
ciso proteger e garantir espaços onde LGBTs possam se reconhecer de forma positiva, o
que poderia promover indivíduos mais conscientes e seguros de si mesmos.
Não podemos fantasiar, achando que os pequenos avanços que temos visto, seja o
aparecimento de um LGBT nas grandes mídias ou o aumento das discussões em torno
das questões LGBT signifiquem muita coisa, pois a LGBTfobia e o conservadorismo
ainda são fortemente estruturados. Somos ainda sem dúvida alguma uma minoria que
deverá resistir muito para que os pequenos avanços não sejam esquecidos e nem regridam,
ao mesmo tempo em que devemos redobrar a militância pela conquista de direitos.
O direito em nosso país nunca foi dado por mãos piedosas que em um momento de
caridade resolveram aliviar o peso das diferenças. Ao contrário, sempre foi uma história
de lutas e resistências, de um povo que colocou a cara para bater, e no sacrifício do dia a
dia foram abrindo caminhos para as conquistas alcançadas, e que hoje muitas vezes são
naturalizadas, o que frequentemente leva à invisibilização desses protagonistas e relativiza
a necessidade da contínua vigilância e luta por direitos.
Políticas públicas: Saúde,
Assessoria LGBT e Educação
A potencialidade da proteção à saúde nos modos de vida LGBT
Rodrigo Meirelles1
de ser e estar no mundo, com a nossa autonomia, com aquilo que nos faz feliz, com os
nossos projetos de vida e com a possibilidade de realização desses projetos. Diz respeito à
forma como nos relacionamos socialmente e, portanto, varia para cada pessoa e ao longo
do tempo, do lugar, da cultura e da história.
Quando ergo a bandeira de luta pelo direito à saúde, estou enaltecendo o reconhe-
cimento – enquanto sujeitos sociais, dotados de liberdade de expressão e de organização
– de todas as pessoas que não se encaixam nas normas dominantes da sociedade, sejam
elas de gênero, de orientação sexual, de raça/etnia, dentre outras. Dessa forma, o direito
à saúde está intrinsicamente relacionado com a possibilidade de viver as diversas iden-
tidades sexuais e de gênero que conformam a população LGBT de forma exposta, legí-
tima e respeitada.
Tendo em vista essa perspectiva, é interessante compreender a construção feita pelo
Observatório LGBT no que tange ao campo da saúde.
Em meio à organização das universidades públicas na lógica capitalista de produ-
ção, marcada pela especialização e divisão técnica do saber e organizada no sentido da
prestação de serviços e da competitividade, o Observatório LGBT traz consigo a socie-
dade civil e os diversos movimentos sociais enquanto protagonistas na formulação das
propostas que conformarão as suas ações no enfrentamento da violência vivenciada por
nós, gays, lésbicas, bissexuais, travestis, mulheres transexuais e homens trans, no cotidia-
no de nossas vidas. Esse protagonismo, além de garantir uma maior representatividade,
faz com que a discussão sobre as necessidades e as demandas em saúde da população
LGBT se encontre pautada nas histórias de vida e nas singularidades de cada um ali
presente.
Dessa forma, as propostas não estão concentradas no modelo da intervenção clínica
individual e nos discursos hegemônicos do setor de saúde marcados, exclusivamente, pelas
bases biológicas. Para além disso, essa discussão sustenta-se na visibilidade LGBT no
âmbito da saúde, apoiando-se na construção de novas formas de pensar e de agir dos
profissionais de saúde, no combate às opressões que vivenciamos nos diversos estabeleci-
mentos de saúde e na possibilidade de uma maior ocupação, inserção e apropriação dos
serviços por parte das mais variadas identidades LGBT.
Uma vez que as identidades sexuais e de gênero são reconhecidas enquanto fatores de
vulnerabilidade social e que influenciam diretamente no processo saúde-doença, como
garantir que essas propostas se realizem no cotidiano dos estabelecimentos de saúde e que
os princípios da universalidade, integralidade e equidade do nosso Sistema Único de Saú-
de sejam mais efetivos para nós, LGBTs?
Não há uma resposta pronta ou única, mas para desenhar um caminho possível
para essa indagação é necessário compreender que na produção das ações em saúde
temos, predominantemente, um modelo assistencial fragmentado que se isola e se cen-
175 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Referências Bibliográficas
Durante quase quatro anos estive totalmente envolvida com o tema LGBT, especial-
mente com as travestis da cidade de Santo André. Desde 1985 sei o que é vulnerabilidade
social, pois comecei trabalhando em um projeto com meninos vendedores dos trens da
CPTM. Durante esses 31 anos vi e vivi muita coisa. Dores, drogas, violência, corpos no
chão destruídos pela falta de oportunidades, por negligência, violência, egoísmo, falta de
coragem e de empatia.
Trabalhar na Prefeitura de Santo André como assessora de políticas LGBT nos fez
visualizar de maneira mais ampla o quanto falta e o que falta para que políticas públicas
cheguem até as pessoas mais vulneráveis. Esperamos que este breve registro auxilie as
pessoas interessadas nas políticas públicas, especialmente aquelas que acreditam na possi-
bilidade do construir e realizar. Infelizmente existem pessoas e modelos que acreditam
que políticas devem estar perfeitas nos documentos, na coleta de dados, das referências e
se esquecem de que as vidas das pessoas estão além das estatísticas e que devem sim ser
realizadas da melhor maneira possível. Porém existe uma emergência que só quem é po-
bre, miserável, travesti, negro, negra, indígena e mulher pode entender. Infelizmente os
gabinetes estão repletos de cisgêneros brancos e ocupados com suas questões pessoais, não
tão urgentes como “reconhecimento público do seu trabalho” e esquecem que a morte, a
fome e a violência não exigem palmas e reconhecimento. Esperamos que possamos con-
tribuir de alguma forma com os relatos do nosso trabalho na cidade de Santo André
2013-2016.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres e a Secretaria de Direitos Humanos da
Prefeitura de Santo André têm entre as suas assessorias o segmento LGBT. Acreditamos
que estender os mesmos direitos para o segmento LGBT da nossa cidade não se baseia
em radicalismos ou caridade, mas no respeito ao artigo 5º da nossa Constituição, que diz:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liber-
dade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
1 Bacharel em Teologia pela UMESP. Mestre em Ciências da Religião pela UMESP. Asses-
sora de Políticas LGBT. Prefeitura de Santo André. Secretaria de Política para Mulheres.
Secretaria de Direitos Humanos e Cultura de Paz.
Gênero e Diversidade Sexual • 178
Em março de 2013 iniciamos nossas atividades com um encontro, onde foram convi-
dados o movimento LGBT da cidade, a ativista e cantora Renata Perón e a ativista Janaí-
na Lima.
Desde o início, pautamos que o trabalho a ser desenvolvido seria não só uma aproxi-
mação com o movimento LGBT, mas, conjuntamente, enfrentaríamos os desafios da
LGBTransfobia.
Pessoas que são discriminadas por sua orientação sexual precisam que os governos
municipal, estadual e federal estabeleçam e ampliem políticas públicas e afirmativas. Se-
gundo dados do IBGE (2010) 19 milhões de brasileiros e brasileiras são declaradamente
homossexuais, lésbicas, travestis e transgêneros. E a cada 26 horas um LGBT é assassina-
do em nosso país.
Durante algumas tardes e noites visitamos as trans na Avenida Industrial. O bar da
Marli é local de encontro das meninas e onde são recebidas com carinho. Marli, segundo
algumas afirmam, é como uma mãe. Todo Natal prepara uma ceia para quem não tem
família e também é o local onde os serviços de saúde podem atuar.
Próximo ao Natal de 2013, ajudamos as trans a organizarem o Miss TransSex. Com
auxílio de outras secretarias, foi instalado um palco na Rua Maria Ortiz, ao lado do bar da
Marli. Os prêmios solicitados por elas foram: para o primeiro lugar, ventilador, pois no
verão sofrem muito com o pouco espaço e quase nenhuma ventilação nas casas das cafe-
tinas. O segundo, um estojo de maquiagem e terceiro, um aparelho para fazer chapinha
no cabelo. Conseguimos doações dos prêmios e oferecemos para as vencedoras uma via-
gem para o litoral de São Paulo. Muitas nunca tinham visto uma praia, e outras queriam
aproveitar um dia de folga. No dia marcado para a viagem, fomos avisadas de que a cafe-
tina não liberou e que ficaria para outro dia, o que jamais veio a acontecer.
Santo André está na rota internacional da prostituição, como também do tráfico de
pessoas, e se faz urgente a criação de políticas e atendimento específicos para proteção e
prevenção da violência homofóbica e do tráfico. Infelizmente, esse problema não é novo.
Em 12/02/2012, o jornal “O Globo” publicou uma matéria sobre o tráfico de adoles-
centes do Nordeste para São Paulo, com o título “Meninos são aliciados para virar tran-
sexuais em São Paulo”. A matéria descreve que o aliciamento começa nas redes sociais.
Oferta da passagem de avião para São Paulo, autorização dos pais e mães com a promes-
sa de uma vida melhor na Europa.2
Resolver o problema do tráfico requer muito mais do que vontade política. O crime
organizado detém o poder absoluto na cidade. As travestis, em virtude da falta de opor-
tunidades de uma vida melhor, acabam participando dessa prática, não só como vítimas,
mas também como aliciadoras, gerentes e cafetinas.
2 Fonte: http://oglobo.globo.com/brasil/meninos-sao-aliciados-para-virar-transexuais-em-
-sp-3950782 consultado em 18/08/2016
179 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Portanto, nada mais justo do que a criação de centros de atendimento específicos para
LGBTs, com pessoal preparado – geralmente pessoas LGBT –, onde encontrem respeito
e igualdade de tratamento. Como participantes do GT LGBT do Consórcio Intermuni-
cipal, solicitamos aos prefeitos, na última Assembleia do Consórcio Intermunicipal, a
criação do CRLGBT (Centro Regional de Referência LGBT) e Casa de Passagem
LGBT, como uma das possibilidades desse povo “invisível” ter as condições mínimas de
atendimento e cidadania, regionalmente.
Um Centro de Referência LGBT desenvolve ações que possibilitam a inclusão so-
cial e geração de renda. É um espaço destinado a atender homens e mulheres, profissio-
nais do sexo, gays, lésbicas, travestis, transexuais e portadores de HIV/AIDS, em situa-
ção de vulnerabilidade e risco social. O CRLGBT tem como proposta compatibilizar o
respeito à diversidade, à autonomia e às escolhas individuais e visa oferecer acolhida e
escuta especializada às múltiplas necessidades de seus usuários e usuárias, de forma a
promover orientação adequada e encaminhamento a serviços de assistência social, de
saúde e jurídicos.
A comissão LGBT da sociedade civil do Consórcio Intermunicipal acaba de solicitar
a realização de uma pesquisa sobre os LGBTs nas sete cidades. Normalmente, para a
criação de assessorias ou coordenadorias nos governos, a grande exigência do executivo e
legislativo são números. Estatísticas sobre a população LGBT nas cidades e suas necessi-
dades, como se fosse necessário fazer pesquisas para atender o básico e necessário. O que
podemos afirmar com certeza é que na Avenida Industrial e entorno tem várias “casas”
onde moram aproximadamente 10 a 15 travestis e, segundo o atendimento do Núcleo de
Prevenção de Santo André, são atendidas nessas casas, com palestras e serviços de saúde,
cerca de 150 a 180 por mês. Sem contar as travestis que moram nas outras cidades da
região e trabalham na Av. Industrial.
A casa regional de passagem seria um abrigo provisório de travestis, transexuais, gays
e lésbicas. A proposta é de um espaço seguro, pois muitas vezes essas pessoas estão cor-
rendo risco de morte e sofrendo ameaças. Na casa de passagem as pessoas permanecem
por um período pequeno de tempo, entretanto, se esse tempo for bem aproveitado peda-
gogicamente, se refletirá por toda a vida.
Infelizmente, a região do grande ABC possui somente uma coordenadoria LGBT em
Ribeirão Pires, uma assessoria LGBT em Santo André, um conselho municipal em Mauá
e, nas demais cidades, as questões LGBT estão inseridas nas secretarias da assistência
social, juventude e direitos humanos e sem dotação própria.
Inserir uma agenda LGBT nos planos de governo com proposta de orçamento e
execução é um momento raro. Muitas vezes, nos planos de governo consta somente aqui-
lo que popularmente chamamos de “para inglês ver”. Com o aumento dos fundamentalis-
mos de direita e religiosos, governos têm se dobrado às expectativas conservadoras, que
Gênero e Diversidade Sexual • 182
diminuem ainda mais o direito de cidadania das chamadas minorias. Escrevo este artigo
não só para contribuir com nossa experiência na atual gestão, mas também na esperança
de que futuros gestores e gestoras possam lutar por mais mudanças em favor da igualdade
e justiça social para LGBTs. Devemos ter em mente que, especialmente as travestis e
transexuais masculinos ou femininos, sofrem ainda mais medo, desemprego, dificuldade
de acesso à saúde integral, educação e atendimento humano.
Precisamos respeitar e lutar para que se respeitem as orientações sexuais das pessoas e
suas escolhas de viverem suas vidas. Como gestoras e gestores especialmente, nossa obri-
gação é garantir que as pessoas sintam que são cidadãs, que fazem parte da cidade, pois
como todas as demais, contribuem através do pagamento de seus impostos. Devemos
estar atentos às violações de direitos exercidas cotidianamente, como a homofobia, trans-
fobia, lesbofobia e racismo contra a população LGBT.
Uma das atividades que realizamos durante alguns meses na comunidade do Cigano
foi um curso de bordado. Na comunidade moram muitas travestis em péssima situação de
saúde e sem qualquer documento. Paula é uma travesti sobrevivente, com mais de 40 anos,
que para sobreviver fazia o pequeno tráfico. Catadora de material reciclável e ótima cos-
tureira. Muito querida pelas travestis e pessoas da comunidade, resolveu aprender mais
alguma coisa na vida, como ela dizia. Frequentou as aulas e num certo momento, infeliz-
mente, foi pega pela polícia. Atualmente cumpre pena no Centro de Detenção em Pi-
nheiros, São Paulo.
Paula estava contente na primeira visita que lhe fizemos. Contou que conseguiu cigar-
ro e dinheiro bordando toalhinhas que os presos dariam para os filhos e filhas no dia das
crianças. Também estava ajudando na preparação da festa, desenhando e pintando os
personagens da turma da Mônica. Nem lembrava mais das drogas e da bebida, e apesar de
estar presa, estava feliz por se sentir útil. Agradeceu pelas aulas de bordado que a salvaram
de pensamentos ruins e que a ajudaram se sentir gente naquele lugar.
Ser “gente”, na fala da Paula, nos faz refletir que o grande problema não está somente
na sua identificação de gênero, mas na falta da autoestima e na negação da vida sentida
por ela. Paula não se sentia gente, pela falta de empatia da maioria das pessoas que a cer-
cavam. Poucas a consideravam pessoa, ela é “uma gente que a gente aceita”, como disse
uma das alunas do bordado. O pensamento coletivo acaba caracterizando as trans e tra-
vestis como um subproduto humano, alguém merecedor de compaixão e aceitação apesar
de sua existência. Mesmo entre as pessoas que também se encontram em uma situação de
vulnerabilidade social, entre os miseráveis, existe preconceito e discriminação, tornando as
travestis ainda mais inferiores.
Camadas de desgraças e subalternidade. Paula, Letícia, Samara e tantas outras traves-
tis pobres e trabalhadoras do sexo da Avenida Industrial são a personificação de um sub-
tipo humano. Todas, inclusive a moradora da comunidade do Cigano, são frutos da desi-
183 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
bilitando espaços de reflexão e ação para os/as “marcados” para morrer. Esperamos que
mais estudantes, o corpo docente das faculdades/universidades do grande ABC e prefei-
turas possam criar estratégias e ações baseadas na diversidade humana, respeitando as
identidades de gênero e, com o apoio do Observatório LGBT, criem cidades mais acolhe-
doras para as pessoas LGBT.
Referências Bibliográficas
BARBOSA, Alexandre de Freitas (org.). O Brasil Real: A Desigualdade por Trás dos Indi-
cadores. São Paulo: Outras Expressões, 2012.
DINIZ, Débora; OLIVEIRA, Rosana Medeiros de (orgs.). Notícias de Homofobia no Bra-
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MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política. São Paulo: Boitempo,
2014.
PINEL, Hiran; MENDONÇA, Christovam (orgs.). Homossexualidades: Violências, De-
safios e Possibilidades Pedagógicas. São Carlos: Pedro e João, 2014.
SANTOS, Robson. Travestis em Situação de Rua no Centro da Cidade de São Paulo. Rio de
Janeiro: Autografia, 2016.
A pedagogia transgressora e os
estudos queer: aproximações
Carla Cristina Garcia1
1 Mestre e doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
e pós-doutorada pelo Instituto José Maria Mora (México, DF). É professora da PUC-SP
e autora de várias obras, entre elas Breve História do Feminismo (Ed. Claridade), O Rosa, o
Azul e as Mil Cores do Arco-Íris. Gêneros, corpos e sexualidades na formação docente (no prelo).
2 LGTTTBI, grupos sociais compostos por lésbicas, gays, travestis, transgêneros, transe-
xuais, bissexuais e intersexuais.
Gênero e Diversidade Sexual • 186
Para ela, esse posicionamento epistemológico oferece alternativas para pensar práxis
pedagógicas alternativas que rompam com os cânones universalistas, dualistas e hetero-
normativos.
Uma pedagogia que resista às práticas normais e às práticas de normalidade, que co-
mece preocupando-se pela ética de suas próprias práticas interpretativas e pela responsa-
bilidade destas por imaginar as relações sociais como algo mais do que um efeito da ordem
conceitual dominante (BRITZMAN, 2002, p. 225).
Para a autora, todas essas práticas despertam as reflexões sobre o modo como o con-
ceito de normalidade se converte em um elemento enormemente imperceptível na sala de
aula e sobre como a própria pedagogia pode intervir para fazer perceptíveis os limites e os
obstáculos do mesmo.
Nesse sentido suas ideias giram em torno do conceito de normalidade e as teorias e
práticas que podem desconstruí-lo. A partir da psicanálise e de diferentes pedagogias,
busca o rompimento com a ideia do outro como suspeito, perigoso, infeccioso, preocupan-
te e como constante ameaça para os demais grupos.
É importante ressaltar que é necessário fundamentar toda essa área em uma mesma
hermenêutica, na interpretação de uma discursividade que por meio da linguagem cons-
trói e desconstrói a linha que separa a normalidade da anormalidade, sem que haja a re-
condução dos sujeitos situados nessa última categoria para a primeira, mas sim por meio
da exploração de um novo imaginário político:
No qual se possam forjar diversas alianças entre pessoas que não se reproduzem, entre
os excêntricos do gênero, os bissexuais, os gays, as lésbicas, os não monogâmicos, alianças
que podem começar e inovar as formas de disciplina social e intelectual da Universidade
(WIEGMAN, 2002, p. 177).
187 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
3 É importante esclarecer que a expressão minoria vai muito além de considerações numé-
ricas no jogo maioria/minoria. Expressa uma operação de minorização que se contrapõe e
189 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
relacionadas, por exemplo, das dissidências sexuais e dos gêneros como problemáticas cultu-
rais, políticas, econômicas, que têm efeito direto não apenas nas vidas daqueles que perten-
cem a esses grupos, mas que afetam a todos os sujeitos sociais. Nesse sentido, a ignorância é
aquilo que é necessário para que esse conhecimento se mantenha como hegemônico.
A questão que se coloca é: como os estudos críticos podem contribuir com os movi-
mentos sociais na eliminação desse limite entre conhecimento e ignorância que “funciona
para organizar o pensamento e a ação, tanto do que está permitido como do que está
proibido” (BRITZMAN, 2005, p. 60).
A pergunta pelo intolerável é uma pergunta sobre o que a normalidade estabelece,
mas é também uma pergunta sobre o que se ignora, dito de outro modo: que não se quer
conhecer, que não se tolera conhecer, que não se permite conhecer.
A ignorância não é neutra, não é um estado original de falta de conhecimento, ou seja,
a ignorância é produzida por um modo de conhecer. Muitos setores da sociedade e muitas
teorias, ainda que críticas em relação a esses temas, alimentam não uma paixão pelo co-
nhecimento, mas uma verdadeira paixão pela ignorância. Nesse sentido, há uma pergunta
de extrema relevância:
Uma das razões da produção dessa ignorância é que não recordamos como chegamos
a conhecer o que conhecemos. Não nos recordamos porque pensamos, por exemplo, que
“é ruim ser diferente”, porque pensamos que existem sujeitos normais e sujeitos anormais.
Em geral não sabemos como aprendemos aquilo que sustentamos como posição, aquelas
coisas que são mais caras às nossas construções subjetivas.
É aquilo que os psicanalistas chamam de “separação entre o afeto e a ideia”. Aquilo
que aprendemos, aprendemos com o corpo, com uma carga emocional que esquecemos,
Não é por si mesmo poder, ainda que seja o campo magnético do poder. A ignorância
e a opacidade atuam em conivência ou competem com o saber na ativação de correntes de
energia, de desejos, de produtos, de significados, e de pessoas (SEDGWICK, 1998, p. 5).
191 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
4 Quando falamos dos movimentos sexo-genéricos nos referimos aos grupos heterogêneos
em que se incluem o denominado LGTTTBI, grupos gays, de lésbicas, de travestis, de
transgêneros, transexuais, bissexuais, intersexuais, queer e feministas.
Gênero e Diversidade Sexual • 192
Direitos humanos universais para serem exercidos por pessoas singulares (e isto) re-
quer respostas muito diversas. Uma sociedade disciplinadora que aceita como cidadãos
aqueles que cumprem os estereótipos prefixados pelo grupo hegemônico dominante deixa
de fora da cidadania de modo arbitrário e injusto a uma enorme parte da população. His-
toricamente, o estereótipo do cidadão é o do homem branco proprietário. As instituições
patriarcais estão desenhadas em torno deste ideal bem como a ciência, o direito, a política,
e a religião dogmática o realimenta (MAFFÍA, 2003, p. 8).
Uma perspectiva crítica sustenta que necessitamos de novas linguagens com que
constituir, reafirmar, debater e confrontar um discurso que não é neutro – o da heteronor-
matividade –, que está comprometido com diversos interesses e que, ao construir a reali-
dade desempenha um papel político e pedagógico central na formação do sujeito-gênero,
do corpo-sujeito e da sexualidade.
Requer-se uma linguagem alternativa que mostre as diferentes formas de opressão,
discriminação, sobretudo em sua presença cotidiana silenciosa, tanto em nossas práticas
como nas instituições nas quais atuamos.
Referências Bibliográficas
_______ Teoría queer: Una política pos identitaria para la educación. In: Cuadernos de
Pedagogía Crítica Rosario n° 9. Rosario, Argentina, 2001.
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conocimiento. II Congresso Brasileiro de Homocultura, Brasília, DF Brasil, junho de
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gresora. Una antología de estudios queer. Barcelona: Icaria, 2002.
A educação como meio para o respeito à diversidade:
reflexões e perspectivas
Natália Alves1
Tenho 25 anos, me considero branca, nasci e cresci em uma família de classe média,
de origem simples, porém que me permitiu o privilégio de estudar apenas em colégios
particulares. Sou formada em licenciatura em Química no IFSP, e atualmente estou cur-
sando bacharelado em Ciência e Tecnologia na UFABC.
Entre os 12 e 14 anos descobri minha orientação sexual voltada a pessoas do gênero
feminino. Aos 16 assumi para meus pais que estava namorando uma garota, minha pri-
meira namorada, com quem estive por quase dois anos às escondidas. Eles não aceitaram,
ficaram tristes, bravos, não entendiam como eu poderia ter me “desviado” da criação dada
por eles, pela qual eu deveria crescer e me relacionar com homens, casar, ter filhos. Foi
uma fase difícil. Até hoje não se volta a esse assunto em casa.
Devido a essa experiência não me assumi para o restante da família. No colégio, tive
minhas amigas e amigos para os quais me assumi e com quem eu podia contar, apesar
disso outras pessoas ficaram sabendo e passaram a me olhar diferente. Andando na rua eu
tinha um certo receio de demonstrar que estava com minha namorada, mas creio que era
mais por medo de alguém conhecido ver e contar para os meus pais.
Hoje em dia não tenho mais esse medo, tenho outros. Por mim e por pessoas que
conheço, amigas e amigos, que a qualquer momento podem ser vítimas de discriminação
e violência por serem LGBT. Na universidade, no trabalho, em um restaurante, bar, rua,
parque, de dia ou de noite. A todo momento me preocupo com a segurança à minha
volta e me questiono sobre os porquês disso.
A sexualidade, orientação sexual e identidade de gênero sempre foram tabus, simples-
mente não se fala sobre isso. O problema está em não falar, como se não existisse. O pa-
drão cisheteronormativo patriarcal é imposto a homens e mulheres, dizendo como devem
ser, agir e se relacionar uns com os outros, constituindo “famílias tradicionais”. É usado
como forma de controle, enquadrando as pessoas de acordo com estereótipos de gênero.
São pressupostos e cobrados papéis sociais definidos pelo órgão reprodutor e com isso
temos cerceado o exercício do chamado “livre arbítrio”, que acaba não sendo livre, ao ser
regulado por incontáveis regras estabelecidas e reproduzidas pelos “fiscais” anônimos da
sociedade, cidadãos comuns e “de bem”.
Ignorar a existência e a necessidade de se quebrar os tabus ao se tratar de diversidade
sexual e de gênero leva à exclusão social das pessoas que se encontram fora do padrão
cisheteronormativo. Essas, devido à LGBTfobia, evadem-se das instituições de ensino já
nos primeiros anos, por não verem sua individualidade respeitada, por não se sentirem
pertencentes ao ambiente escolar. Muitos são os que também se veem na necessidade de
sair da casa dos familiares, por não se sentirem acolhidos.
Até mesmo no ensino superior, local onde as pessoas supostamente teriam maior
maturidade e discernimento para debater assuntos de forma construtiva, é possível perce-
ber que são poucos os lugares de discussão livre e aberta. Por isso a importância de grupos
que representem tantas pessoas que permanecem silenciadas, como que inexistentes, so-
frendo sozinhas inúmeras injustiças.
tripé norteador da pós-graduação na UFABC. Foram definidas cinco áreas para compor
os GTs: I. Saúde; II. Educação, Trabalho e Renda; III. Direitos humanos e da população
LGBT, IV. Representatividade política LGBT e Ativismo LGBT e da sociedade civil; V.
Cultura e Lazer.
Fiz parte do grupo de trabalho que elaborou propostas de atuação em Cultura e Lazer.
Na tentativa de guiar uma reflexão mais embasada foram encontradas referências de es-
tudo nesse tema, que ajudaram a conhecer melhor as definições e delimitações de cultura
e lazer, para então associá-las às práticas e interesses do público LGBT do ABC, locais e
eventos frequentados; além disso refletiu-se também sobre a influência da proximidade
com a capital do estado, São Paulo, já conhecida por oferecer uma pluralidade maior de
entretenimento. Fatores econômicos e sociais estão relacionados ao acesso às práticas de
lazer e é necessário pensar em formas de aumentar essa acessibilidade.
Há uma preocupação em pensar espaços nos quais haja liberdade de expressão dessa
comunidade, de modo que possam expor-se sem medo de represálias pela sociedade.
Sente-se então aí a necessidade de se desconstruir os padrões de gênero e de sexualidade,
para que todos os indivíduos possam frequentar os locais que preferirem, sem distinções
ou restrições.
Sou professora de ensino básico, leciono para os níveis fundamental II e médio, e
acredito que a ignorância e intolerância só podem ser combatidas com informação. Não
falar sobre diversidades de gênero e sexual é evitar que os indivíduos se permitam explorar
e descobrir novas formas de vivenciar sua expressão, sua individualidade. É inibir o auto-
conhecimento, que leva à ruptura com os padrões que controlam a sociedade e que bene-
ficiam apenas aos detentores de poder.
Considerando que as identidades individuais são produtos de uma construção social,
tudo o que diverge dessa identidade soa para o sujeito como algo estranho e que deve ser
repudiado perante a sociedade. O diferente é visto como negativo. Desde a formação
inicial do indivíduo tem-se a violência como uma forma naturalizada de reação à negação
e, na ausência do espírito crítico, os preconceitos e violências (simbólicas ou físicas) são
perpetuados pelas gerações. Na psicologia behaviorista, essa prática é chamada de reforço
negativo, no qual o ato de negar algo é atrelado a uma punição (GONGORRA; MA-
YER; MOTA, 2009). Com isso em mente é possível refletir sobre a origem da LGBTfo-
bia e sua manifestação na forma mais extrema, os crimes praticados contra pessoas LGBT.
Através de abordagens artísticas é possível buscar superação desse ciclo e estabelecer
um diálogo entre os diferentes valores; produzir arte e ter acesso a atividades culturais
como shows, exposições, peças de teatro, dentre outras, permitem o exercício do sentir-se
livre. Porém esse tipo de atividade costuma ser limitada pelo poder de compra do público,
uma vez que cultura se transformou em produto consumível, sofrendo cada vez mais as
consequências do capitalismo, apresentando valores cada vez mais altos.
197 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
Por esse motivo, não só o público LGBT mas o geral pertencente às classes menos fa-
vorecidas tem optado por atividades culturais oferecidas gratuitamente, sejam essas finan-
ciadas por instituições comprometidas com a acessibilidade com conteúdo cultural como
ONGs, projetos de fomento por iniciativa independente ou associações de trabalhadores.
Referência Bibliográfica
1 Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), na qual desenvolveu a
pesquisa: Educação, turismo e ação griô: impactos da modernidade na comunidade quilombola
do Remanso (Lençóis-BA). Historiadora e professora de História graduada pela mesma
Universidade.
199 • Direitos Humanos, Gênero e Diversidade na Escola
periências e práticas pedagógicas, reelaborar, reexistir. Nós nos tornamos sujeitos do nos-
so processo de aprendizagem, de construção e apropriação do conhecimento.
Considero que o ato de “rever-se” está em grande medida afinado com as concepções
discutidas por Paulo Freire em seu livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prá-
tica educativa. Para repensar-se pedagogicamente é necessário, em primeiro lugar, ter hu-
mildade. Precisamos aceitar nossa falibilidade, a nossa incompletude, o fato de que não
sabemos tudo. Necessitamos de empatia, nos colocar no lugar do “outro”, estar abertos ao
diálogo e ao aprendizado. Afinal, quem ensina também aprende.
O fortalecimento da formação de educadoras e educadores para as diversidades é a
semente para a construção de uma sociedade mais justa, livre de opressões e a favor dos
direitos humanos em sua amplitude.
Em um país marcado pela desigualdade, pela opressão de gênero, pelo racismo, pela
misoginia, pela homo-lesbo-bi-transfobia, a violência e as formas de exclusão também
são reproduzidas nas instituições escolares. O Brasil é um país marcado pela violência
contra as mulheres; pelo genocídio da juventude negra; pela violência física e psicológica
contra pessoas que fogem aos padrões da heteronormatividade e da masculinidade domi-
nante; é, também, campeão mundial no assassinato de pessoas trans e travestis.
Nós, educadoras/es, conhecemos o peso nocivo das desigualdades, discriminações e
violências presentes na sociedade, nas universidades e no ambiente escolar que, anual-
mente, excluem das escolas públicas ou comprometem as trajetórias de milhões de crian-
ças, adolescentes, jovens e adultos. Por todas essas e muitas outras razões, é indispensável
promover discussões sobre identidade de gênero e relações desiguais, raça e orientação
sexual nas escolas públicas brasileiras. Abordar essas discussões é um direito da população
brasileira e condição para o fortalecimento de uma sociedade efetivamente democrática.
Nesse sentido, reconheço que o curso GDE está justamente alinhado com a concep-
ção de uma educação democrática, defensora dos direitos humanos e das diversidades,
fortalecendo e ampliando a formação de educadoras/es nessa perspectiva. Essa formação
subsidia educadoras/es na identificação das formas de opressão supracitadas, fortalecendo
práticas pedagógicas que visam desconstruir esses padrões opressores, ampliando o reper-
tório dos estudantes para lidar com as diversidades de forma positiva, fomentando subje-
tividades mais livres, felizes, tolerantes, responsáveis.
No caso específico de temáticas ligadas à sexualidade e orientação sexual, pudemos
refletir a respeito da complexidade desses conceitos e repensar a forma como poderíamos
abordar uma educação sexual pautada pelas balizas dos direitos humanos e das diversida-
des. Sem dúvida, uma concepção democrática do assunto deveria levar em conta que a
sexualidade humana “não cabe em caixinhas” e que o padrão de coincidência entre sexo,
gênero e orientação sexual pode ser identificado como uma construção social, histórica e
cultural sendo, portanto, passível de desconstrução. Também seria necessário pontuar o
Gênero e Diversidade Sexual • 200
sões sobre igualdade de gênero, racial e diversidade sexual como os de Recife (PE), Tere-
sina (PI), Cascavel (PR), Paranaguá (PR), têm apresentado normativas ainda mais repres-
soras, como a do Plano Estadual do Ceará, que retirou o direito do uso do nome social
por alunos/as trans e travestis nos estabelecimentos de ensino.
A visibilidade que o programa “Escola sem Partido” tem conquistado no cenário
nacional durante o governo do presidente interino também é expressão desses ataques
à Constituição Federal de 1988 e a uma perspectiva de educação democrática alinhada
com a defesa dos direitos humanos, das diversidades e do pluralismo de ideias. O pro-
grama tenta tornar a educação uma questão privada, responsabilidade exclusiva das fa-
mílias, reservando aos pais o direito de se negarem a dialogar com outras ideias, valores
morais ou religiosos no espaço público da escola. Dessa forma, o professor/educador se
transformaria em um transmissor de conhecimentos limitados à sua disciplina. Além da
visão ultrapassada sobre o processo de escolarização, o programa contraria a Constitui-
ção Brasileira, que em seu artigo 205 afirma: “A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, vi-
sando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”.
O programa em questão fere claramente a perspectiva de educar para as diversidades,
para o exercício da cidadania, corroborando com práticas de violência, intolerância, pre-
conceito e discriminação. Nesse sentido, julgamos que iniciativas como o curso Gênero e
Diversidade na Escola (GDE) e o Fórum de lançamento do Observatório LGBT das ci-
dades do Grande ABC, na Universidade Federal do ABC (UFABC), em junho de 2016,
se configuram como importantes ações de resistência que se complementam – pois arti-
culam educação e formulação de políticas públicas – em um contexto de retrocessos e
ataques conservadores.
Participei do lançamento deste Observatório como uma atividade de formação do
curso Gênero e Diversidade na Escola (GDE), convidada pela Profa. Dra. Andrea Paula,
como educadora cursista do GDE. Essa experiência foi emocionante não apenas pela
ação política de resistência ao momento histórico em que estamos vivendo de ataque a
uma visão democrática de sociedade, mas pelo significado da presença de representantes
dos movimentos LGBT na Universidade.
O fórum de lançamento do Observatório LGBT das cidades do Grande ABC, na
Universidade Federal do ABC (UFABC), simbolizou a ocupação do espaço da Universi-
dade pelos sujeitos e atores sociais representantes das diversidades, no geral, excluídos
desse espaço – presentes, apenas, como objetos de estudo. Pela primeira vez, assisti a uma
mesa composta por uma ativista representante das travestis do Grande ABC, por uma
ativista mulher trans, um ativista homem trans, uma mulher lésbica e um homem gay
representantes de coletivos atuantes na região, além de uma docente que se reconhecia
como bissexual.
Gênero e Diversidade Sexual • 202
Todos esses atores sociais, ativistas representantes dos movimentos LGBT, apresenta-
ram suas demandas, projetos, teceram críticas e se colocaram em pé de igualdade com os
sujeitos representantes da Universidade, demonstrando a importância do conhecimento,
experiência de vida e visão de mundo do qual são portadores para a formulação e acom-
panhamento das políticas públicas no campo das diversidades. A legitimidade deste Ob-
servatório foi ratificada na medida em que as propostas de políticas e direitos para a po-
pulação LGBT serão pensadas pela população LGBT.
A parceria do curso GDE com o fórum de lançamento do Observatório LGBT das
cidades do Grande ABC contribuiu de maneira inestimável para a minha formação como
pessoa e como educadora. As discussões propostas na mesa de abertura e as reflexões
desenvolvidas pelos grupos de trabalho demonstraram que o GDE e o Observatório são
ações que se complementam – pois articulam educação e formulação de políticas públicas
–, e de importância inegável para o fortalecimento da luta contra a opressão, pela garantia
de direitos e reconhecimento das diversidades de gênero e sexuais.
Existe homofobia em SP: da prática à teoria
Então, como citado acima, o grupo se reunia uma vez por semana, sob minha orien-
tação, para discussão e organização do trabalho. Após a exibição do vídeo “Amor não tem
rótulos”, que basicamente mostrava num telão imagens de raios x de diferentes casais e
duplas, o grupo foi convidado a refletir sobre o que mais havia chamado atenção no vídeo.
Eles/as expuseram que toda forma de amor é válida e que todos/as deveriam ter direito de
ser o que são. A partir dessas reflexões, meu papel era basicamente questioná-los/as sobre
qual a relação do vídeo com a nossa realidade, sempre trazendo a ideia do então projeto
político-pedagógico da unidade, que se sustenta na questão da diversidade e convivência.
Seguindo ainda nas discussões sobre o tema, questionei sobre onde eles queriam abor-
dar a existência da homofobia. No mundo, no Brasil, no estado, na escola, no bairro...
Após esgotar as possiblidades, acharam importante falar da cidade de São Paulo, com a
justificativa de que a escola está inserida nesse município. Algo curioso é que não queriam
abordar a homofobia na escola, e sim na cidade. Alguns falaram que não se sentiriam à
vontade falando diretamente com adolescentes da idade deles/as. Talvez pelo fato de se
sentirem expostos/as.
muito significativo para cada um/a ouvir de uma travesti que o sonho dela era voltar a
estudar e ser professora.
Na volta, conseguimos visitar o Museu da Diversidade, localizado dentro do metrô
República. Puderam apreciar a exposição Homofobia Fora de Moda e se aproximar
cada vez mais do tema. Aqui cabe dizer que uma das imagens que mais chamaram a
atenção do grupo dizia respeito ao futebol – onde um juiz, de salto alto, dava cartão
vermelho para a homofobia – que eles reconheceram ser um dos esportes que mais
promove a homofobia, quando, nas suas torcidas organizadas, chamam os jogadores e
torcedores de nomes pejorativos.
Nessa altura do projeto, o grupo constatou que a homofobia diz respeito às pessoas
que sofrem esse tipo de discriminação e são do gênero masculino. Perceberam que mulhe-
res lésbicas sofrem lesbofobia. Que as pessoas bissexuais sofrem bifobia. Que pessoas
travestis e transexuais sofrem transfobia. Aos poucos, também foram entendendo que
nascer com sexo biológico masculino ou feminino não diz se a pessoa será homem ou
mulher. De uma forma bem pedagógica, tiveram contato com a diferença entre gênero,
orientação sexual e sexo biológico.
Esse conhecimento, que foi adquirido através de leituras, filmes e, principalmente, por
meio da experiência vivida no CRD, oportunizou a elaboração de um questionário online,
que foi criado por eles/as e teve minha revisão. Contendo catorze perguntas, tinha o prin-
cipal objetivo de coletar relatos de lesbo-homo-bi-transfobia e apontar ações positivas
para o combate dessa discriminação na sociedade.
Uma aluna se encarregou de deixar o questionário online e, por questões práticas e de
tempo, eu divulguei nos grupos afins do Facebook. Ao todo, tivemos 60 respostas que fo-
ram analisadas pelo grupo. Na ocasião em que tiveram a oportunidade de tabular os dados
e analisar os relatos, é importante falar da comoção gerada. Foi nítido o ar de surpresa
frente aos relatos, que variavam de agressões verbais a violências físicas, especialmente no
caso de uma pessoa que havia ficado em coma. O sentimento de empatia despertado foi
bem relevante e aproximou mais aqueles/as que já estavam sensíveis ao tema. Eles/as
manifestaram extrema indignação e muita vontade de mostrar os resultados.
Essa etapa do projeto foi muito gratificante, por diversos motivos. O grupo fez saídas
de campo para entrevistar cada representante da comunidade LGBT. Esse momento foi
muito esperado por eles/as e, para isso, elaboraram um roteiro de entrevista, onde a pessoa
entrevistada se apresentaria e relataria algum caso de lesbo-homo-bi-transfobia.
Gênero e Diversidade Sexual • 206
Todas as entrevistas foram filmadas e disso resultou um vídeo, que foi totalmente
editado por um aluno do grupo. Abaixo, segue o link. Nesse momento, os/as alunos/as já
reconheciam a importância do trabalho por eles/as desenvolvido, que era reforçado posi-
tivamente pelas pessoas entrevistadas. Cabe registrar que o contato com essas pessoas foi
feito por mim, sendo três delas do meu círculo de pessoas conhecidas, e duas contatadas
pela própria escola através do projeto Transcidadania, sendo que uma delas foi uma pro-
fessora da unidade que ao longo do trabalho acompanhou todo o movimento e se dispo-
nibilizou a conceder a entrevista, enquanto pessoa bissexual.2
Esse trabalho é uma prova de que falar de gênero e diversidade sexual deveria compor
o currículo das escolas. Não há porque fugir do debate, ele está inserido no universo dos/
as adolescentes. Negar ou silenciar essas discussões só pode gerar preconceito, discrimina-
ção e violência, das mais diversas formas. Mais do que minha reflexão individual, o que
valeu mesmo foi todo o envolvimento que os/as alunos/as tiveram. Cada um dos/as par-
ticipantes do projeto teve sua importância na construção desse todo, pois foi com esse
movimento, de onze alunos/as e uma professora, que a escola teve a oportunidade de re-
pensar atos, refletir ações.
Ao longo do ano letivo, mais dois grupos se apropriaram do tema e passaram também
a discutir a homofobia, o que gerou muitas trocas nos bastidores e, também, algumas ro-
das de conversa para trocar experiências e vivências. Ao final, o grupo produziu um rela-
tório que hoje faz parte do acervo da escola.
O Observatório LGBT certamente será uma oportunidade de aproximar a escola no
sentido também de compartilhar práticas positivas relacionadas ao tema, além da possibi-
lidade de monitoramento coletivo, por diferentes segmentos da sociedade, de políticas
públicas e de implementação de fato destas, nas escolas.
Sendo este um trabalho de autoria, com participação efetiva dos/as adolescentes, se-
guem-se algumas reflexões geradas ao final do processo:
Bom, esse TCA foi essencial pra mim, no começo foi uma confusão. Abrigamos cada compo-
nente do grupo com uma tarefa específica, todos estavam tensos pra decidir um tema adequado. No
meio do ano começamos a nos entender melhor em relação ao tema, mas tinha muita coisa a ser
feita. Começamos as entrevistas e nós realmente nos aprofundamos no tema, buscamos informa-
ções que ninguém esperava. No dia da apresentação foi meio tenso pra mim, tinha muita gente,
mas no momento que acabou foi meio estranho. Pensei que tudo aquilo que fizemos realmente es-
tava pronto, senti um alívio! De acordo com o processo de trabalho, minha mente também mudou.
Passei a entender melhor e a não mais chamar as pessoas representantes da comunidade LGBTT
de maneira pejorativa. Agora, eu uso o nome correto para não ofender ninguém. (Daniel)
Com esse TCA eu aprendi muita coisa! Uma delas foi bastante importante, pois me ensinou
que eu devo aceitar as escolhas e o jeito das pessoas viverem, pois cada um de nós fará escolhas na
vida e, por mais que não gostemos ou sejamos contra, devemos respeitar. O grupo fez entrevistas
e conhecemos campanhas, palestras e tem até grupos em redes sociais defendendo a causa. Conhe-
cemos lugares novos, aprendemos mais sobre a população LGBTT e conhecemos pessoas que fa-
zem parte da população LGBTT. Descobrimos muito sobre essa população e esse TCA foi demais!
Pena que está acabando, mas valeu a pena cada momento com o grupo. Teve diversão, trabalho,
teve de tudo. (Giovanna)
Com o processo desenvolvido sob este trabalho, primordialmente, tive a ciência de que a
homofobia realmente é presente no dia a dia, seja direta ou indireta. Sendo assim, a população
que se considera homossexual, bissexual, travesti e transexual sofre a cada momento de suas
vidas, sendo exposta a insultos e opressões. Pude viver na pele momentos que sem a oportuni-
dade do trabalho não teria, como ter empatia por cada componente da LGBTT e me colocar
em seus lugares quando sofrem preconceito e discriminação. A cada etapa concluída, cada de-
talhe se transformava em uma particularidade mais difícil e trabalhosa, mas ao fim, tudo se
tornava maravilhoso, pelo fato, por exemplo, de termos uma experiência adicional junto aos
colegas de grupo referente ao tema, e ao alívio de mais um passo dado no trabalho que parecia
não ter fim. (Gabriel)
Primeiramente gostaria de dizer que o TCA foi e está sendo gratificante para mim. Muitas
experiências e ensinamentos que vou levar para a vida toda. Um dos principais motivos para
seguir adiante nesse tema é o respeito ao próximo, que com certeza é fundamental. A diversidade
que temos na escola e em São Paulo afora é imensa, e tivemos a oportunidade de conhecer, com-
partilhar e vivenciar isso. O nosso tema é “Existe homofobia em SP?” Ao decorrer do tempo,
pudemos comprovar que sim, existe homofobia em SP. Não fizemos esse trabalho só pelo TABU.
“Ah, mas e a fome na África?!” Não que não seja importante, mas fizemos esse trabalho, para dar
voz à minoria, dar voz aos que merecem reconhecimento, pelo que são, pelo que fazem, pela luta
diária e por saberem que quando abrirem a porta para o mundo, podem não voltar mais! Apren-
di que a igualdade é para todos, assim como o respeito. Concluo essa minha fala, comprovando
que existe homofobia sim em SP, e eu aprendi muito com isso. Agradeço a todos que fizeram
parte dessa nossa jornada e agradeço mais ainda pela experiência vivida. (Katia)
Este trabalho foi importante pra mim, pois teve um ano letivo cheio de experiências com
meus colegas. Vivenciamos momentos inesquecíveis que ficarão para sempre no coração de todos.
Lembrarei de cada dia em que o trabalho ajudou cada um de nós e uniu cada vez mais o grupo.
Também, esse trabalho nos fez conhecer muitas pessoas que hoje consideramos como amigos, pois
cada um deles foi fundamental para o desenvolvimento do TCA. Além de ter uma grande gra-
tidão em relação a nossa orientadora Elza Castro, que colocou uma grande dedicação nesse tra-
balho. Foi por ela que a maioria do trabalho foi desenvolvido. Ela é a peça principal nesse tra-
balho, por isso minha experiência no decorrer do ano letivo foi importante, para conhecer sobre
assuntos antes não discutidos e defender uma causa que vale a pena mais da conta. (Nicolas)
Gênero e Diversidade Sexual • 208
O TCA foi muito importante pra mim, principalmente porque além de aprendermos a tra-
balhar em grupo, aprendemos a respeitar o próximo. A cada encontro, cada entrevista, cada
passo dado, nos motivou mais ainda. Desde a escolha do tema apareceram dificuldades, mudamos
mais de uma vez, depois veio a escolha de como seriam feitas as entrevistas. Em forma de ques-
tionário online ou entrevista pessoalmente, e outros, mas nada que não tinha solução. Valeu tudo
a pena! A homofobia é descartada pela sociedade, e nós queríamos mostrar que isso também é um
problema. A escolha desse tema na comunidade escolar foi ótima, já que eles já vão entender que
todos somos iguais, independente de sexo biológico, identidade de gênero ou orientação sexual. Se
um heterossexual não precisa se assumir, por que um gay ou uma lésbica deve? É isso que quere-
mos mostrar, acabar com as brincadeiras e piadinhas de mau gosto, com os olhares de canto, com
o preconceito, nós queremos respeito ao próximo! (Rafaela)
Referências Bibliográficas