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Este trabalho analisa as implicações This work analyzes the implications of the
da reforma do Ensino Médio e seus High School reform and its consequences
desdobramentos nas mudanças in the curricular changes foreseen by
curriculares previstas com a introdução introducing the training itineraries,
dos itinerários formativos, em especial especially of technical and professional
de formação técnica e profissional. A formation. The centrality given in the reform
centralidade dada, na reforma, ao itinerário to the technical and professional training
de formação técnica e profissonal e sua itinerary and its implementation, as in the
implementação, como no caso da rede São Paulo state network, is an element that
estadual paulista, se apresenta como reproduces and deepens structural dualism,
um elemento que reproduz e aprofunda creating a duality within this duality
o dualismo estrutural, criando outra through the predominant offer of relaxed
dualidade dentro dessa dualidade através qualification courses.
da oferta predominante de modalidades
de cursos de qualificação aligeirados. Keywords: High School reform; structural
dualism; work and education.
Palavras-chave: reforma do Ensino
Médio; dualismo estrutural; trabalho e
educação.
Viperfzk/123RF
O
presente artigo tem como em situação de crise. Trata-se de uma
objetivo analisar algu- concepção de educação voltada para a
mas das implicações formação de capital humano que engen-
da reforma do Ensino dra a profissionalização e a flexibilização
Médio, mais especifi- crescente do currículo.
camente as que estão Como veremos, a implementação da
vinculadas às mudan- reforma se defronta tanto com questões
ças curriculares, com a de ordem prática, concernentes aos limi-
introdução dos itinerá- tes e possibilidades de escolha dos inti-
rios formativos e sua nerários por parte dos estudantes, como
articulação com a Base com questões mais amplas como a da
Nacional Comum Cur- reprodução do dualismo estrutural, a
ricular (BNCC). Parti- fragmentação, a segmentação e a preca-
mos do pressuposto de que a introdução rização da oferta do Ensino Médio no
do itinerário de formação técnica e pro- país. Para tanto, investigamos alguns dos
fissional tem centralidade na reforma e artigos da Lei 13.415/2017 e das Diretri-
que deve reproduzir o dualismo estrutural, zes Curriculares Nacionais para o Ensino
marcante na história da educação no país.
Nesse sentido, analisamos o contexto
da promulgação da reforma no país,
demarcado pelo golpe institucional de
EVALDO PIOLLI é professor da
2016, pelas reformas neoliberais e pela Faculdade de Educação da Unicamp
ascensão do setor empresarial, represen- e líder do Grupo de Estudos Trabalho,
Saúde e Subjetividade (NETSS/FE/Unicamp).
tado pelas suas fundações, ao comando da
agenda educacional. A reforma do Ensino MAURO SALA é professor de
Sociologia do Instituto Federal de
Médio é parte integrante de um projeto Educação, Ciência e Tecnologia de
amplo de vida e de sociedade do capital São Paulo (IFSP), campus de Hortolândia.
Médio (Brasil; MEC; CNE, 2018a), espe- golpe institucional (MP 746/2016), sendo
cialmente os que tratam da organização depois aprovada no Congresso Nacional
dos itinerários formativos, dos arranjos (Lei nº 13.415/2017), na esteira de tantas
curriculares e do itinerário de formação outras reformas, como a Emenda Constitu-
técnica e profissional. A partir da análise cional 95, que congelou os gastos públicos
das leis e resoluções nacionais, buscamos diretos, a reforma trabalhista, a ampliação
apreender o processo de implementação da terceirização e a reforma da Previdên-
dessa reforma na rede estadual paulista. cia. Todas essas reformas fazem parte de
Por fim, apresentamos algumas refle- um único e mesmo processo: a tentativa
xões sobre o tema da qualificação e da de recuperação do ciclo de acumulação
profissionalização no currículo do Ensino capitalista, descarregando o peso da crise
Médio, impregnado pela supervalorização econômica nas costas dos trabalhadores
do empreendedorismo e da empregabili- e da juventude.
dade, apontando para os elementos que No fim das contas, o que esse conjunto
devem vir a contribuir para uma formação de reformas deixa claro é que a burguesia
desigual da força de trabalho e, conse- e seus representantes no Estado sempre
quentemente, para o aprofundamento da entenderam de maneira própria as rela-
dualidade estrutural. ções que educação e trabalho têm para a
reprodução do modo de produção capita-
REFORMA DO ENSINO MÉDIO, lista, onde a perda de direitos e o aumento
da exploração do trabalho precisam vir
GOLPE INSTITUCIONAL
acompanhados de uma rearticulação do
E OUTRAS REFORMAS processo de formação da força de traba-
lho, adaptando-o a essa “nova” realidade.
Como ação organizada do Estado, toda Portanto, é no quadro das saídas capi-
política educacional – de forma mais ou talistas para a crise que precisamos situar
menos direta e explícita – formaliza e a atual reforma do Ensino Médio, bus-
materializa uma determinada concepção cando apreender o conteúdo e a forma
de educação e de sociedade. A reforma de adaptação da educação ao processo
do Ensino Médio também tem a sua. de precarização geral do trabalho que
Essa reforma não é simplesmente o modo vivenciamos nas últimas décadas e que foi
mais eficaz de se organizar um Ensino intensificado pela crise capitalista e com
Médio em crise, como se ela fosse neu- as contrarreformas impostas pelo golpe
tra, racional ou simplesmente necessária. institucional e pelo governo Bolsonaro.
Ela é também um projeto de educação e Este projeto de educação e sociedade,
de sociedade que formaliza e materializa encabeçado pelo empresariado e pelo setor
interesses próprios: os interesses do capital privado da educação, no entanto, já guia
no momento de sua crise. Desse modo, não as políticas educacionais desde antes de
é casual que a reforma do Ensino Médio 2016. Entretanto, a partir de 2016, certos
tenha sido imposta por medida provisória reformadores empresariais, representados
menos de um mês após a consolidação do por diversas organizações sociais priva-
SAHLBERG, P. “The Global Educational Reform Movement and Its Impact on Schooling”,
in K. Mundy et al. (eds.). The handbook of global education policy. New Jersey, Wiley-
Blackwell, 2016, pp. 128-44.
SÃO PAULO; SE; CEE. Resolução de 3-8-2020. Homologando, com fundamento no artigo
2o da Lei Federal 10.403, de 6-7-1971, a Deliberação CEE 186/2020, que “Fixa normas
relativas ao Currículo Paulista do Ensino Médio para a rede estadual, rede privada
e redes municipais que possuem instituições vinculadas ao Sistema de Ensino do
Estado de São Paulo, e dá outras providências”.
SOUZA, I. “A pedagogia gerencialista do capital: neoliberalismo, empresariamento
e mercadorização da educação ‘pública’-estatal”. Tese de doutorado. Campinas,
Faculdade de Educação da Unicamp, 2020.