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Unidade V – Encerramento do Curso

Aula 21 - O ensino do ballet no Brasil


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O Rio de Janeiro, além de ter sido uma das portas de entrada do ballet no Brasil,
abriga a mais antiga companhia estatal de dança do país e a Escola Estadual de Dança
Maria Olenewa, nossa primeira instituição oficial de ballet.

Entre os costumes importados da Europa e que aqui se estabeleceram, estavam o


teatro, a música, o canto e a dança. Em todas as notícias que temos, as datas festivas
eram comemoradas com essas manifestações artísticas.

Vários historiadores como Oliveira Lima, Morales de Los Rios, Wilson Martins,
Glória Kaiser e outros concordam que foi a chegada de D.João (Século XIX) que
consagrou o Rio de Janeiro como centro político, intelectual e social, galgando o status
verdadeiro de capital, o que antes existia apenas no nome. O príncipe regente também
espalhou seu gosto pessoal pelas representações cênicas: freqüentando seguidamente o
teatro com a família real, induziu a corte a acompanhá-lo e assim, além de a aristocracia
ter acesso a eventos culturais, estabelecia, nesses eventos, um ponto de reunião social.

Os espetáculos de ballet eram uma constante na vida cortesã e o Rio de Janeiro,


como sede da corte portuguesa, beneficiou-se com o impulso cultural e educacional que,
futuramente, iria repercutir no restante do país. Em 1850 havia na cidade dezessete
escolas públicas de primeiras letras, sendo que os colégios Picot e Lacombe ensinavam
também a dançar e o Liceu Comercial – antes Colégio Jorge Gracy – anunciava aulas de
alemão ou de dança a 5$000rs (cinco mil réis) por mês (De los Rios Filho, 2000: 398).

Em 1816, D. João VI criou a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios que, mais
tarde, deu origem à Academia Imperial das Belas-Artes, instituição que contou em seu
quadro com artistas franceses renomados que aqui chegaram – na chamada Missão
Francesa, contratados por intermédio do marquês de Marialva, embaixador em Paris.

A dança, fazendo parte dos passatempos da sociedade carioca de 1800, tomou


grande impulso com a instalação de colégios franceses e da presença de Lourenço
Lacombe na corte (Idem: 364).
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Com a inauguração do Real Teatro de São João, em 1816, Lacombe,foi nomeado


“compositor de danças” e, após exercer este cargo por vários anos, Louis, o primeiro de 2
três irmãos, todos maestros de dança, radicou-se no Brasil.

Acompanhadas por um tocador de rabeca – como era chamado o violino – as


danças passaram a fazer parte do cerimonial da corte, ensinadas pelos mestres de
danças, figuras de grande prestígio, melhor remunerados que outros professores, como
os de línguas estrangeiras1.

Em 1840, chegou à corte o francês Philippe Catom e sua esposa, ambos


professores de dança que lecionaram em sua casa, à rua da Constituição, assim como o
professor José Maria Toussaint e vários outros (De los Rios Filho, 2000: 364), que
implementaram o ensino da dança na corte.

Entretanto, não parecia ter havido, na época, um ensino sistematizado do ballet,


mas apenas tentativas individuais que, por mais que partissem de mestres competentes,
não frutificaram, aparentemente. Paradoxalmente, podemos suspeitar que já havia boa
quantidade de bailarinos, ou, pelo menos, estudantes com interesse na profissão e,
conseqüentemente, na formação de uma companhia.

Sucena (1989:41) menciona, por exemplo, Estela Sezefreda, como “uma das
primeiras brasileiras a se dedicar à dança teatral” e que, por volta de 1830, ingressou no
Corpo de Baile constituído para o Imperial Teatro São Pedro de Alcântara. Do mesmo
modo, o ballet La Sylphide, apresentado em Paris em 12 de março de 1832, foi aqui
encenado em setembro de 1848, enquanto Giselle, que tivera sua primeira apresentação
na Ópera de Paris em 28 de julho de 1841, veio a nós em 1849, há poucos anos de
distância de sua estréia mundial, sendo apresentado, inclusive, no espetáculo
comemorativo do aniversário da coroação de D. Pedro II.

Apesar da bibliografia de que dispomos deixar lacunas quanto a esse período,


verificamos, no entanto, inúmeras apresentações de ballets nessa época, que viriam a se
tornar clássicos do repertório das grandes companhias.

1
Havia uma preocupação com o refinamento da educação: com Lacombe, por exemplo, veio também o
renomado maestro Marcos Portugal, que futuramente se encarregaria da educação musical dos filhos de D.João VI
(Sucena, 1988: 33).
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As primeiras escolas de ballet no Brasil


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Cabe-nos então, avançar na história até chegarmos a 1913, ano da primeira e
frustrada tentativa de criação de uma escola normatizada, e que seria dirigida pelo
professor Achille Viscusi – ex-diretor da Escola do Teatro Imperial de Praga. Esta
instituição seria mantida pela empresa La Teatral, de Walter Mocchi, arrendatária do
Theatro Municipal do Rio de Janeiro.2

Posteriormente, em 1926, o casal Pierre Michailowsky / Vera Grabinska, em uma


segunda malograda tentativa, apresentou a proposta de criação de uma escola nos
moldes da que fora criada por Michailowsky no Teatro Colón, de Buenos Aires. Como não
houve interesse por parte das autoridades, o casal passou a lecionar em clubes e
colégios da sociedade.3

Segundo Edgard de Brito CHAVES JR. (1971: 682), quando a bailarina Maria
Olenewa4 voltou para o Brasil - onde já havia estado com a companhia de Leonide
Massine - causou-lhe espanto ver os ballets das óperas encenados no Theatro Municipal,
ainda dançados por bailarinos de fora, fato que motivou sua idéia de criar uma escola no
próprio teatro.

A Escola de Danças, então, foi fundada em 2 de abril de 1927, sendo que a


primeira aula ali ministrada ocorreu nove dias após a data de sua inauguração. No
primeiro espetáculo, em 19 de novembro de 1927, pode ser evidenciada a preocupação
didática: conforme registra Sucena (1989: 259), na primeira parte constava uma
“demonstração plástica dos passos de ballet”, intitulada Como se faz uma bailarina,
seguida da apresentação de Les Sylphides e de divertissements.

A escola tinha como objetivo preparar bailarinos para aquela que seria a primeira
companhia oficial do país. Em meados de 1936, foi formado o primeiro Corpo de Baile

2
Em 1926 a mesma empresa se comprometera a contratar um professor para que fosse criada, no Theatro
Municipal, uma escola: foi chamada a russa Julie Sedowa, mas, após uma única apresentação, a professora decidiu
retornar à Europa (Sucena, 1989: 259).
3
Segundo Sucena (1989: 259), há controvérsias em relação a isso: Maria Olenewa também reivindica para si
a autoria do feito.
4
A russa Maria Olenewa estreou como bailarina na Companhia de Ópera de Zimina, em Moscou e,
posteriormente, saindo da Rússia durante a revolução de 1917, foi para a França, para a companhia do Théâtre dês
Champs-Elysées. Quando de sua primeira visita ao Brasil, decidiu-se por viver na América do Sul (Caminada, 1999:
356).
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no Theatro Municipal, composto de alunos da escola, contratados como


funcionários municipais. Olenewa permaneceu à frente das duas instituições até 1942 5, 4
quando um incidente durante a temporada lírica gerou um processo administrativo que
determinou sua exoneração. Mas, mesmo com tropeços e mudanças de direção,
finalmente, em 1956, “efetuou-se, pela primeira vez, em vinte e nove anos de existência,
a entrega de diplomas às formandas” (SUCENA, 1989: 314).

A escola, cuja formação profissionalizante se dá em nível de segundo grau, oferece


uma gama bastante farta de disciplinas práticas e teóricas. Tendo como objetivo a
formação do bailarino clássico, esta técnica é o pilar de sustentação.

O ensino do ballet no Brasil


O método do Royal

Retomando a história do ballet, na primeira metade do século XX, surgiu em


Londres uma outra iniciativa de ensino sistematizado que, mais tarde, chegaria até nós: o
“método do Royal”

Naquela época a Inglaterra pôde assistir às grandes estrelas do ballet das


companhias de Anna Pavlova e de Diaghilev. Não havia quem rivalizasse com os
bailarinos russos e, nessas companhias, os poucos integrantes ingleses apresentavam-se
adotando nomes artísticos russos, como Vera Clark (chamada Vera Savina), ou Hilda
Munnings (como Lydia Sokolova). Era evidente, para os ingleses, que esse primazia
acontecia por não terem, eles, bons professores.

Em 1916, uma publicação no Dancing Times, intitulada “What every teacher of


Operatic Dancing ought to know and be able to teach”, de Edouward Espinosa, constituiu

5
Por problemas de saúde, um ano após a fundação da escola, Olenewa afastou-se da direção por dois anos,
passando o comando ao russo Ricardo Nemanoff, ex-primeiro bailarino da Companhia Anna Pavlova, que dividiu os
compromissos na escola com as irmãs Carbonell – as bailarinas argentinas Loreta, Luiza e Maria, que aqui atuaram no
Theatro Municipal, “reforçando o elenco ainda inexperiente” (Sucena, 1988: 260-261). Após a temporada de 1928, por
inúmeros compromissos, Nemanoff passou a direção a Luiza Carbonell, até o retorno de Olenewa. Em 1942, assumiu
Yuco Lindberg, bailarino e coreógrafo estoniano, que chegou ao Brasil em 1921; inicialmente participou de espetáculos
de revista, só depois integrando o Corpo de Baile do Theatro Municipal. Yuco dirigiu a Escola até 1948; em seguida, em
1949, assumiu Madeleine Rosay, então primeira-bailarina do mesmo teatro, seguida de Américo Pereira, em 1952. De
1953 a 1959, assumiu a direção a professora Magdala da Gama Oliveira, mas Madeleine retornou em 1960,
permanecendo até 1966, quando assumiu Lydia Costallat, até 1983, substituída por Maria Luisa Noronha. Tânia
Granado dirigiu a Escola de 1987 a 1990, e, a partir daí, retornou Maria Luisa Noronha que dirige a instituição até os
dias atuais (Silva Júnior, 2002)
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o primeiro impulso para a criação de um método de ensino inglês. Curiosamente, operatic


era o nome dado ao ballet nessa época – apenas na Inglaterra – significando 5
“clássico(a)”: para os ingleses, o termo “dança clássica” designava a dança da Grécia
Clássica (PARKER, 1995: 3).

Assim, em 1920, foi criada, por um grupo de bailarinos, amantes da dança e


personalidades expressivas ligadas à arte, a Association of Teachers of Operatic Dancing
of Great Britain. A normatização de seu método, The Syllabus, aprovada em 31 de
dezembro do mesmo ano, teve como objetivo padronizar o ensino da técnica do ballet
praticada naquele país, para que todos os professores adotassem procedimentos
semelhantes, pois, seriam membros da associação apenas aqueles reconhecidos pelo
comitê.

Em 1974 Dalal Achcar implantou este método mundialmente famoso, em sua


academia, no Rio de Janeiro. A partir daí, a escola inglesa da Royal Academy of
Dancing (R.A.D.) seguiu também para outras cidades brasileiras, sendo ministrada por
professores qualificados e reconhecidos pelos representantes da instituição em suas
cidades.

Estar de posse de um certificado da R.A.D., porém, não equivale a ser formado por
uma escola oficial, gratuita e profissionalizante, onde aqueles que desejam ingressar se
submetem a um rigoroso exame de admissão, diferente dos cursos do Royal que não
exigiam dos interessados exames rigorosos, além de não serem gratuitos. Do espaço
hierarquizado de uma escola como a de Maria Olenewa são excluídos, a priori, os que
não possuem condições físicas essenciais à prática do ballet.

Muito mais teríamos a declarar, muitas são as figuras cuja contribuição foi
determinante ao ensino do ballet entre nós; muitos foram os mestres dedicados, pioneiros
sem os quais nada teríamos construído.

Escola: “amiga íntima”


É interessante nos remetermos a Cecchetti que, na introdução de seu Manual of
the Theory & Practice of Classical Theatrical Dancing (Beaumont e Idzikowski,1975) diz:
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Não imagine que poderá se transformar em um dançarino em seis meses.


Terpsícore é uma deusa ciumenta e, aqueles que buscam fama entre seus
cultores devem sacrificar ao seu altar anos de pacientes estudos e horas de 6
labor físico. Sucesso ou fracasso em qualquer estudo depende, sobretudo,
da maneira como você os iniciou... Há centenas de pseudoprofessores,
poucos dos quais distinguem-se, de fato, na arte de ensinar. Existem muitos
que desenvolvem nos alunos hábitos de execução cuidadosa, na qual
tornam-se, tão fixados, que acaba sendo extremamente difícil, por vezes
impossível, libertar-se. Outros, bons teóricos, são incapazes de
demonstrações práticas. Similarmente, há os que mostram de forma
excelente sem qualquer conhecimento dos princípios teóricos de sua arte.
Finalmente, há na dança, como em todas as profissões, impostores e
charlatães cuja única qualificação é um conhecimento superficial de termos
técnicos do quais não entende o significado...

Talvez por existirem tantas razões, como defendido acima por Cecchetti para o
melhor ou pior desempenho como professor, observamos o que, para ele, são as
principais qualificações de um professor experiente: em primeiro lugar, sua escola – “a
alma de seu conhecimento pessoal”. Seguem, sua reputação como professor e sua
distinção como bailarino. Acrescentem-se, ainda, suas qualidades pessoais, consciência,
paciência e capacidade de ser um bom disciplinador; sua habilidade em demonstrar a
prática e expor a teoria; o resultado atingido por seus alunos e, finalmente, o número de
anos que ele leciona.

Finalizando, cabe deixar a mensagem contida na obra The Ballet Technique for the
Male Dancer, do russo Nikolai TARASOV (1985), um dos maiores pedagogos do ballet de
todos os tempos.

A escola da dança clássica não é feita para memorizar-se a técnica de


movimentos complexos: com a progressão gradual dos exercícios ela ensina
o corpo e educa a mente do aluno, de modo que ele possa atuar livremente
e com tanta variedade de expressão quanto seu coreógrafo necessitar para
sua criação. O aluno que levou seus estudos a um grau máximo certamente
terá isso evidenciado em suas performances no palco. A escola é uma
verdadeira amiga íntima. Preservar um alto estilo acadêmico, levar a técnica
de execução a um grau master, desenvolver a individualidade de criação de
cada um e sobretudo valorizar ao máximo a cultura e a educação são as
tarefas de um professor.
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Referências Bibliográficas 7
BEAUMONT, Cyril W., IDZIKOWSKI, Stanislas. A manual of The Theory and Practice of Classical
Theatrical Dancing (Méthode Cecchetti). Prefácio de Enrico Cecchetti. New York: Dover
Publications, Inc., 1975.
CHAVES JR., Edgard de Brito. Memórias e Glórias de um teatro – Sessenta Anos de História do
Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Cia Editora Americana, 1971.
DE LOS RIOS FILHO, Adolfo Morales. O Rio de Janeiro Imperial. Prefácio de Alberto da Costa e
Silva. Rio de Janeiro: Topbooks / UniverCidade, 2000.
PARKER, Derek. Royal Academy of Dancing – The First Seventy Five Years. Londres: Battley
Brothers Limited, 1995.
SUCENA, Eduardo. A dança teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura / Funarte,
1989.
TARASOV, Nikolai. Ballet technique for the male Dancer, Garden City, New York: Doubleday &
Company, Inc., 1985.
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Aula 22 - Encerramento do Curso


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Um até breve da Professora

Caros alunos,

Chegamos ao final do nosso curso.

Foi muito agradável acompanhá-los nos estudos durante essas aulas, especialmente porque
tratamos de um tema ao qual me dedico apaixonadamente.

Ensinar, seja arte ou não, como eu entendo, é dividir com os alunos o processo de
ensino/aprendizagem: é ajudar, orientar, compreender, influenciar sem subjugar, incentivar a relação
afetiva de respeito e confiança mútuos. Encerra a prazerosa responsabilidade de ter vidas, sonhos, ideais
confiados a nós, professores.

São muitos os que se auto-intitulam bailarinos e coreógrafos. Aqueles que estudaram dança por
alguns anos e atuaram em festas de final de ano nas academias crêem-se bailarinos e, posteriormente,
praticam a docência. Esse é um grande perigo quanto à difusão de conceitos equivocados com os quais
convivemos em nosso país. Assim, é pensando na formação dos bailarinos que me preocupo com a dimensão
desta atividade que, além de técnica é, principalmente, humanística.

O Brasil possui bailarinos de alto nível técnico, espalhados aqui e nas melhores companhias
internacionais. É preciso aprimorar cada vez mais o ensino do ballet, cuidando para que ele seja praticado
apenas por quem domina o ofício.

Meu desejo neste curso foi ajudar àqueles que desejam lecionar dança a descobrir o prazer e a
responsabilidade de ser professor de ballet. Creio que o processo de aprimoramento do ensino deva passar
pela auto-reflexão do professor sobre os pontos que, juntos, discutimos ao longo deste curso.

Quero deixar claro que o trabalho técnico não pode sobrepujar a dimensão artística do ballet:
dança é arte e como tal deve ser trabalhada, desenvolvida, observada. É importante que os professores não
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cultivem o hábito de desenvolver “marcas atléticas” em seus alunos em detrimento dos cuidados artísticos
que deverão ser, primordialmente, desenvolvidos. 9

Isto não significa dizer que o virtuosismo deva ser abolido: todos nós gostamos de apreciar um
bailarino com qualidades excepcionais, assombrosa elevação de pernas, giros inumeráveis, etc. Mas isso
não deve ser preseguido a todo custo, como se o ballet se resumisse apenas nisso.

Tenham em mente o seguinte: a técnica deve ser um meio e não um fim.

Espero que tenham gostado, desejo sucesso a todos e que sejam felizes nessa difícil mas
gratificante tarefa!

Com carinho,

Vera Aragão

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