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Giselle ou Les Willis, um conglomerado


de imagens

Franciara Sharon Silva do Carmo


UFJF

10.37885/210203061
RESUMO

Este trabalho tem como principal objetivo, abordar as imagens produzidas no entorno
do balé romântico francês, Giselle. Este balé que é considerado a obra prima do balé
romântico do século XIX, foi inspirado em um texto do escritor alemão Henri Heinrich,
que contava a lenda das Willis. Foi transformado em balé pelo poeta e crítico Théophile
Gautier em 1841, e foi apresentada pela primeira vez nos palcos da Académie Royale
de la Musique et de la Danse, atual Ópera Garnier. Para este trabalho, foram recolhidas
cerca de dezenove imagens dispostas online, via arquivo da Biblioteca Nacional Francesa,
Gallica. Estas imagens remetem ao período de estreia do balé, o ano de 1841. O período
romântico foi extremamente frutífero para o balé, inúmeras obras foram criadas e apre-
sentadas para o público, todavia dentre todas, Giselle conseguiu se elevar ao patamar
de um clássico, ocupando um importante lugar na História do balé.

Palavras-chave: História da Dança, História do Ballet, Giselle, História da Arte, França XIX.

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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO

O termo balé designa um estilo de dança que se originou nas cortes italianas do século
XV, neste momento denominado Balé de Corte. Chegou à França com a influência da rainha
Catarina de Médici, que neste momento foi sua maior incentivadora. Neste país foi onde o
balé rapidamente se desenvolveu e foi estruturada, o motivo principal é o interesse de Luís
XIV pelas artes e pela dança, este rei fundou uma academia, Académie Royale de la Danse
(1661) e posteriormente renomeada de Académie Royale de Musique (1672) exclusiva para
a prática e para o ensino da mesma. Se atualmente o balé é um tipo de dança influente
a nível mundial que possui uma forma altamente técnica e um vocabulário próprio, o qual
ainda utiliza o francês como língua oficial, é devido à forte organização que ele obteve ao
longo da História.
Em meados do século XIX surge em concordância com o espírito da época o movimento
romântico, que foi de grande valia para o balé, pois sob sua influência são criados grandes
repertórios que ainda hoje possuem graça e excelência. A Ópera foi entregue aos gnomos,
as odinas, as salamandras, aos elfos, aos espíritos e as ninfas das águas, aos peris e toda
população estranha e misteriosa que se presta tão bem ás fantasias do balé.1 O período
romântico talvez seja um dos mais conhecidos pelas pessoas não especializadas em dança,
através das numerosas litografias da época que imortalizaram balés e bailarinas.2

OBJETIVO

Identificar a produção imagética acerca de um balé de repertório durante o período de


sua estreia. Este trabalho também tem como principal objetivo fazer um breve levantamento
sobre as imagens produzidas a partir do balé romântico francês Giselle. É importante desta-
car que as imagens que serão trabalhadas constam no acervo online da Biblioteca Nacional
Francesa, o website Gallica. Estas imagens foram produzidas no ano de estreia do balé
1841, sendo produzidas em Paris. A escolha de trabalhar este período da confecção das
imagens remete a ideia de um mapeamento do que estava sendo produzido em um primeiro
momento sobre este balé.

MÉTODOS

Mapeamento de produção imagética dentro do acervo disponibilizado pela Biblioteca


Nacional Francesa, via website Gallica.

1 BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. 2°Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p.204.

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2 FARO, Antonio José. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. p.58.

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Identificação e organização em categorias das imagens encontradas.
Leitura das Imagens e identificação de detalhes e padrões remetentes ao Balé.
Identificação de conteúdo e compreensão do objeto em sua contemporaneidade.

RESULTADOS

Identificação do padrão de intensão das dezenove imagens, sua circulação social e


sua contextualização dentro do universo do Balé.

DISCUSSÃO

Há 180 anos, em 28 de junho de 1841, ocorria a estreia da obra clássica do balé ro-
mântico francês, Giselle. Ao falar da dança no século XIX, temos uma série de questões que
nos é relevante. O balé adere ao movimento romântico em 1831, ao fazer isto consegue se
desvincular da ópera e criar um estilo próprio. Apesar da entrada tardia no movimento, o balé
romântico consegue grande êxito em suas apresentações. Os enredos levados aos palcos
tratavam questões sobre os amores impossíveis, a dualidade entre o mortal e o imortal e
as dificuldades dos amores entre estes seres. Entre comédias e tragédias desenvolve-se o
romantismo no balé. “O balé transformou-se em poderosa fonte de inspiração e ilusão, e o
desenvolvimento simultâneo de todos os seus componentes – conteúdo dramático, música,
cenários, figurinos, novas formas ou estilos de dança e coreografia – fez dele uma expressão
real do ideal romântico.”3
Esta inspiração pode ser encontrada em diferentes âmbitos das artes, e alguns des-
tes reflexos podem ser encontrados no arquivo online Gallica, onde encontramos o total
de dezenove imagens produzidas no que remete ao primeiro ano de Giselle no palco da
Ópera, estas imagens estão divididas no site em: dois cadernos de imagens somando o
total de dez imagens, cinco sendo capa de arquivos de texto e as demais estão arquivadas
de forma individualizada. Estas imagens podem ser divididas em dois grandes grupos:
Litografias e Croquis de figurinos. O primeiro grupo que será abordado é o de Croquis, este
é constituído por sete imagens, todas desenhadas pelo figurinista da Ópera, Paul Lormier.
Estas imagens foram confeccionadas em papel, e o desenho foi feito em lápis e aquarela,
algumas folhas possuem inscrições em caneta. Um dos principais nomes no que se refe-
ria a costumes, Lormier buscava trazer em seus figurinos, algo autêntico a história que se
passava o enredo apresentado e roupas em que os bailarinos pudessem elaborar passos
virtuosos com facilidade.

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3 FARO, Antonio José. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. p.65.

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As modificações as quais o balé passa ao adentrar no movimento romântico vão desde
os mais simples detalhes, como a busca pela fluidez do movimento e a expressão gestual,
que neste momento será de grande valia, quanto a num aspecto geral a qual a dança pode
se apresentar. Desta forma temos mudanças no estilo de figurino usado. As bailarinas do
século XVIII usavam trajes que assemelhavam aqueles usados nas ruas, vestidos longos e
pesados, perucas e algumas vezes trajavam máscaras. Ao buscar a fluidez do movimento
é necessário repensar as vestimentas, as saias são encurtadas até a meia canela e o teci-
do usado passa a ser o tule ou musseline para que pudesse apresentar este propósito de
leveza. E para que os movimentos possam ser executados com maior afinco e o público
pudesse ver esta execução, começam a serem usadas as malhas e as meias-calças, para
maior comodidade dos bailarinos. As perucas e máscaras são aposentadas. O item mais
conhecido no balé, as sapatilhas de ponta também têm seu uso iniciado neste período, como
um elemento de dramatização e elevação, estas tinham como objetivo caracterizar as bai-
larinas que representavam os seres místicos, dando um ar sublime, elevado e inalcançável.
As imagens de Lormier apesar de serem catalogadas no ano de 1841 no geral, po-
demos remeter sua produção entre os meses de abril, data de anúncio do balé, e junho,
data de estreia, por serem imagens de figurinos a serem usados e que precisavam ser
desenhados, confeccionados e por vezes modificados antes da estreia, sendo assim as
primeiras imagens produzidas para este balé. As quatro primeiras imagens do caderno são
croquis prontos e intitulados, estão em aquarela, e possuem quatro carimbos e anotações
a caneta sobre possíveis modificações no figurino e a assinatura do autor, seu tamanho
é de 150x230mm. As imagens são intituladas pelo próprio autor em: Senhor em traje de
caça (Seigneur en habit de chasse), Giselle e uma camponesa (Giselle et une vendangeu-
se4), O Duke Albert, primeiro figurino (Le duc Albert, 1er costume) e O Duke Albert, segundo
figurino (Le duc Albert, 2e costume).
Ao tomarmos de análise a imagem Giselle e uma camponesa, sabemos pelo seu título
em original a profissão da mulher que irá compor o balé, a vindimeira está com seu uniforme
de trabalho, logo, está com um pequeno chapéu, um avental branco e porta um pequeno
cantil. Sua roupa possui mangas ¾ propícias para seu trabalho, está de meia calça branca,
tão dignas do balé, e sapatilhas modestas, as vindimeiras participam do primeiro ato do
balé, o ato terreno, logo estas não sobem em ponta ao fazerem suas danças em comemo-
ração ao último dia da colheita, o dia mais feliz daquela aldeia, para estas são reservadas
a meia ponta alta. Podemos ver serem retratadas também com cuidado a face de uma das
bailarinas que irá interpretar estes personagens que compõem o corpo de balé do primeiro
ato, enriquecendo-o.
4 Vendangeuse é um termo especifico para designar a pessoa responsável pela colheita das uvas utilizadas para fazer vinho, todavia

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fora traduzida para camponesa para não prejudicar a fluidez do texto.

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No que diz respeito a anotações, Lormier não o fez em forma de observação ou possível
mudança, este é um figurino finalizado. As anotações que contamos são as de cataloga-
ção. No canto superior esquerdo temos um dos títulos do balé Les Willis, ao centro o número
da imagem, n°2, e o seu título consta no canto superior direito Giselle et une vendangeuse.
Logo abaixo do desenho temos a assinatura do artista, em forma de rúbrica PL, e o ano de
confecção. Dos carimbos, a obra possui quatro, todas a registrando como propriedade da
Ópera. O primeiro mais próximo das sapatilhas consta “Bibl de L’Opera”, o segundo ao lado
da assinatura consta “Bibliothèque Musée Opera” e uma pequena estrela. O terceiro é uma
pequena coroa e o quarto uma junção de letras iniciais, que nos traz referência ao nome
da Ópera de Paris no momento de criação deste balé, Académie Royale de la Musique et
de la Danse, sendo estes dois provavelmente os primeiros carimbos da obra e os últimos
sendo posteriores a mudanças de nomenclatura e acervo. Todas as obras deste caderno
possuem os mesmos carimbos, em cor e lugar semelhante.
A segunda parte deste caderno é constituída por três imagens, todas em forma de
esboço, pode-se ver em lápis uma leve sombra, a qual determina um primeiro esboço do
desenho, e por cima deste as modificações feitas com o desenho final em caneta. Estas
estão de forma mais rústica de um desenho mais rápido, todavia exprimem uma beleza sutil.
Estão denominadas pelo autor como: Giselle, Camponesa. Senhorita Grisi (Giselle, paysan-
ne5. Mlle Grisi), Berthe, a mãe de Giselle. Senhorita Roland (Berthe, mère de Giselle. Mlle
Roland) e Giselle. Estas possuem a proporção de 075x150mm, as duas primeiras sendo
em lápis e caneta e a última apenas em lápis, apesar de ser colorida.
Se fizermos uma pequena análise de um dos desenhos, podemos ter uma ideia de
como foi o processo de criação dos figurinos do balé, tomaremos Giselle, Camponesa.
Senhorita Grisi, para esta pequena análise. O desenho ocupa o centro e a parte inferior do
papel, sendo um esboço da roupa de Giselle no primeiro ato do balé, o desenho é da parte
superior do corpo da bailarina, frente e costas, sendo que na frente o autor teve o cuidado
de desenhar a face de Carlotta Grisi. Apesar de Giselle se restringir a afazeres domésticos,
sua roupa é bem similar ao das demais camponesas, sendo pequenos detalhes como as
mangas mais curtas, uma gola mais fechada e um corpete de botões que a modifica das
demais, fazendo-a destacar entre as demais. Este desenho conta com anotações do figu-
rinista. Estas anotações remetem a detalhes do figurino tais como, segundo a indicação
do desenhista o enfeite de cabeça de Giselle deveria ser de “veludo azul céu”, seu corpete
deveria ser de “veludo carmelite”, “bordo, botões de ouro” e apesar de não desenhar a saia
por completo, ele aponta “grandes saias” e “Borda de cetim azul céu” “forrado em prata”,
5 Giselle na história possui um problema de coração, o que a impossibilita de fazer atividades que possam exigir muito esforço, desta
forma ela não trabalha como as outras mulheres da aldeia nas vindimas, ela fica em casa apenas ajudando sua mãe nos afazeres
domésticos. Desta forma é compreensível a mudança na denominação dos desenhos, sendo Giselle apenas uma camponesa (pay-

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sanne) e suas amigas serem camponesa vindimeiras (vendangeuse).

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essas cores e tecidos de padrão mais luxuosos são o que fazem a diferença para que a
bailarina de destaque e chame o olhar do público para si. Além destas anotações, estão na
parte superior do papel, no canto esquerdo, Les Willis, no centro o número 3 em lápis e o
número 5 em caneta e no canto direito o nome da obra Paysanne. Mlle Grisi. Próximo ao
desenho consta a anotação 5 et 2bis, não possui a assinatura do autor, apenas os quatro
carimbos aqui já mencionados.
Sendo estas as primeiras imagens que foram produzidas para o balé, podemos ver
detalhes da história sendo contada, através destas imagens, reconhecemos personagens
e, além disto, podemos ver que o artista se debruçou com afinco para criar figurinos que
pudessem contribuir com a obra em seu contexto geral. Para a apresentação o balé come-
ça a ser dividido em dois atos, o primeiro geralmente sendo passado no contexto terrestre
dos humanos e o segundo ato sendo trabalhadas as habitações dos seres sobrenaturais.
Sendo assim para as mudanças de cenário e figurinos que a história pedia, pela primeira
vez no balé, as cortinas se fecham entre os atos. O segundo ato começa a ser conhecido
como Ato Branco, referenciando a cor das túnicas que as bailarinas interpretando seres
sobrenaturais usavam. Lormier devia traçar os diferentes contextos e a participação de
cada bailarino para que pudesse criar principalmente para as estrelas um figurino que era
condizente com o personagem, e ao mesmo tempo se diferenciasse das demais. Apesar
de terem restado apenas sete destes croquis, sabemos que Lormier organizou o figurino
de todos os personagens, o que nos denota sua riqueza criativa. Desta forma assim como
o libretista, o coreógrafo, o músico e o cenógrafo cada qual contribuíam para construir uma
parte da ilusão desta obra, o figurinista contribuía com a autenticidade das roupas usadas,
possuindo cada qual sua riqueza de detalhes.
Os figurinos de Paul Lormier conseguiram se eternizar, sendo constantemente repro-
duzidos por outras companhias de balé e influenciando outros balés do mesmo estilo. O fi-
gurinista conseguiu sucesso em sua carreira, sendo ele juntamente com Eugène Larmi, os
figurinistas da Ópera que buscavam a autenticidade de figurinos e os adaptava para que
o bailarino pudesse dançar com a liberdade de movimento. É interessante destacar que
o enredo de Giselle foi baseado em uma lenda alemã, desta forma Lormier buscou trazer
ao palco um figurino que condiz com a época da história, local, personagens e a lenda em
si. A diferença de figurinos de nobres e camponeses da pequena aldeia no primeiro ato
conseguiu exprimir com êxito as diferenças históricas temporais e das localizações, Lormier
fazia inúmeras pesquisas para conseguir êxito nas apresentações.
Além disto, é interessante destacar que Heine em seu texto faz uma pequena descrição
do que as Wilis trajavam: “Vestidas com seus trajes de casamento, coroa de flores, anéis

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ofuscantes nos dedos, as Wilis dançam ao luar como elfos.”6 , texto este que fora publicado
na França e serviu de inspiração para Gautier, sendo o ápice da história, era importante
adaptar com a maior verossimilhança possível. A descrição das Willis que é habitualmente
apresentada nos libretos das apresentações, Lormier teve que adaptar estes trajes e criar
algo condizente com a história e com os palcos, criando um modelo que posteriormente foi
amplamente reproduzido em diversas companhias de balé. Este pequeno caderno de de-
senhos desempenha uma importante função, além de trazer consigo os primeiros figurinos
criados para este balé, podemos conferir a genialidade do artista ao criar cada traje.
Giselle estreou nos palcos da Ópera em 28 de junho de 1841, levando ao palco uma
história assinada por Theóphile Gautier, poeta e crítico de arte, e Jules-Henri Vernoy de
Saint Georges, um dos mais prolíferos libretistas do século XIX. Com coreografias de Jean
Coralli, coreógrafo da casa, e hoje se tem conhecimento que Jules Perrot também partici-
pou da criação da coreografia, sobretudo das partes que foram interpretadas pela estrela
recém-contratada da Ópera, Carlota Grissi, então sua esposa. A inspiração para o enredo
adveio de um texto do livro De l’Allemagne (1835), de Heinrich Heine, o qual o autor conta a
história das Willis. Todavia a morte da personagem principal adveio do poema Les Fantômes
de Victor Hugo da obra Les Orientales (1829). E assim “as lendas de Heinrich Heine ganha-
ram vida através de Giselle”.7 Eis que este trabalho conjunto de um importante poeta e um
grande libretista gerou o seguinte enredo:

“Primeiro Ato – Pequena Aldeia nos arredores de uma vindima. Ao Longe as


torres de um castelo. Giselle, jovem e ingênua camponesa, está apaixonada
pelo Conde Albrecht, que julga ser um humilde camponês, pois é com este
disfarce que ele se apresenta a ela. Berthe, sua mãe, deseja ver a filha casada
com Hilarion, um jovem da aldeia loucamente apaixonado por Giselle. Este,
cheio de ciúmes, descobre a verdadeira identidade de Albrecht e resolve des-
mascará-lo na presença de Giselle e de seus amigos, bem como à vista de
Bathilde – noiva do nobre Albrecht. A revelação da verdade deixa a jovem pro-
fundamente abalada. Não suportando tamanha mágoa, enlouquece e morre.8

O primeiro ato terreno se encerra de forma drástica, dando espaço para o segundo
ato, etéreo e mágico, que nos traz a lenda alemã.

Segundo Ato – Hilarion está de vigília na tumba de Giselle quando soa meia-
-noite. Esta é a hora da materialização das Wilis, espíritos de jovens que foram
enganadas e morreram antes do dia do casamento. Elas se vigam fazendo
dançar até a morte qualquer homem que encontrem nos arredores do cemi-
tério. Myrtha, sua rainha, aparece e chama as demais Wilis. Neste momento
elas tiram Giselle da sepultura para iniciá-la nos seus ritos. Quando Albrecht
aparece trazendo flores, Giselle surge para ele. Logos as Wilis retornam,

6 Programa do balé Giselle, Theatro Municipal do Rio de Janeiro, 2008. p.5.


7 FARO, Antonio José. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. p. 66.

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8 Programa do balé Giselle. Theatro Municipal do Rio de Janeiro, 2008. p.10.

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perseguindo Hilarion, a quem levam à morte depois de fazêlo dançar até a
exaustão. Sob as ordens de Myrtha, as Wilis preparam destino semelhante
para Albrecht. Giselle, porém, coloca-o sob a proteção da cruz do seu próprio
túmulo. Myrtha usa seu poder sobre Giselle para forçá-lo a dançar. Ao longo
da noite, Giselle luta para sustentá-lo e ajudá-lo. Mas ele dança e desmaia,
exausto. Quando parece estar quase à morte, surge a aurora com o primeiro
raio de sol, quebrando o poder das Wilis. Giselle também desaparece. Albrecht
teve sua vida preservada.9

Todavia uma vez que o balé teve sua estreia, temos outras produções artísticas que
o usaram como base. Temos então a produção de litografias, estas que podemos mapear
sua produção entre os meses de julho e dezembro do ano de 1841. No site Gallica as ima-
gens, não possuem data constando apenas o seu ano de sua produção, mas sabemos que
para a produção litográfica era preciso o contato com a obra em si, logo o balé já estava
nos palcos no período de confecção das imagens, sendo assim, imagens que o público
já conhecia. Através delas o público poderia reconhecer e recontar passagens do enredo
do balé e situar os personagens. Destas litografias encontradas, soma-se o total de treze
imagens, as quais podemos dividir em dois grupos, Apresentação de personagens (cinco
imagens) e Representação de Cenas do Balé (sete imagens, sendo cinco capas de caderno
de imagens ou texto).
Sabemos que a sociedade de meados do século XIX adquiria estas litografias para o
consumo, que se pode dividir em duas formas, a de colecionismo, ou, para decoração de
ambientes, sendo que uma opção não anula a outra. “O período romântico talvez seja um
dos mais conhecidos pelas pessoas não especializadas em dança, através das numerosas
litografias da época que imortalizaram balés e bailarinas.”10 Apesar de ter chegado até nós
apenas estas treze litografias do ano de 1841, podemos entender o seu lugar social e a
importância desta arte. A produção litográfica de balé após sua desvinculação das apresen-
tações de ópera é bem mais simbólica, apenas como uma arte independente e reconhecida
pelo público e por seus pares o balé poderia se tornar uma fonte de inspiração dos litógrafos
e interesse social. “Mas o apogeu dessa tendência se dá com o endeusamento de bailarinas
como Taglioni, Cerrito, Elssler, Grisi ou Graham. Suas litografias, reproduzidas às centenas,
transformaram-se em objetos de decoração nas casas particulares e de negócios da épo-
ca.”11 Cada uma destas bailarinas possuía grande talento, neste momento em que o balé é
escrito para a bailarina, estas conseguiram ser fonte de inspiração de inúmeros balés, logo,
inúmeras litografias suas foram produzidas e circularam em ambientes públicos e privados
da sociedade europeia. “As bailarinas são mostradas quase sempre como seres alados ou
extraterrenos, figuras de lendas e de imaginação, bem de acordo com a época, quando

9 Programa do balé Giselle. Theatro Municipal do Rio de Janeiro, 1999. p.9.


10 FARO, Antonio José. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. p.58.

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11 Ibidem, p.58.

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as mulheres eram colocadas em pedestal e por seu amor qualquer luta era considerada
válida.”12 O balé apesar de ser uma nova arte conseguiu levar ao palco a representação
do movimento romântico, em um aglomerado artístico, músicos, escritores, desenhistas se
prestavam a essa arte. Todavia as bailarinas elevadas em pontas eram as que melhor re-
presentavam as mulheres intocáveis do romantismo. “Suas litografias enchiam as salas da
burguesia de então, os estudantes digladiavam-se nos bares e nas ruas, cada grupo defen-
dendo ou promovendo os valores de sua favorita. Os poetas lhes dedicavam versos, muitas
vezes seus nomes aparecem como personagens das novelas e romances da época.”13
Desta forma podemos ver um público e um mercado consumidor de balé e das litogra-
fias que se basearam neste. Ao olharmos para o primeiro grupo de litografias, que iremos
denominar de Apresentação de personagens, temos uma ideia de como foi a relação social
das litografias de balé. Este grupo é formado por um caderno de imagens que possui como
capa e última folha uma cena do balé, e seu miolo é um conglomerado de quatro imagens de
representação de personagem, sendo duas em preto e branco e duas coloridas, nas quais
são representados Mme Roland (mãe de Giselle) e Quériau (príncipe de Curlane). Ao vol-
tarmos nosso olhar para as demais litografias pertencentes a este grupo temos quatro ima-
gens coloridas, produzidas em papel, tamanho 23x15cm, intituladas: Traje da Sra Carlotta
Grisi, papel de Giselle (Costume de Mme Carlotta Grisi, rôle de Giselle), Traje de Madame
Roland, papel de Bertha (Costume de Mme Rolan, rôle de Bertha), Traje de Quériau, papel
de príncipe de Curlane (Costume de Quériau, rôle du Prince de Curlane) e Traje de Petipa,
papel de Loys (Costume de Petipa, rôle de Loys).
Em todas constam as mesmas informações, podemos assim considerar que as ima-
gens fizeram parte de uma coleção de litografias que a casa Editorial litográfica Hautecoeur
– Martinet lançou. Para trazer as informações contidas nas litografias, usaremos a imagem
Traje de Petipa, papel de Loys (Costume de Petipa, rôle de Loys) como chave de leitu-
ra. O canto superior esquerdo acima da margem possui a inscrição Academie Royale de
Musique, indicando o local em que a obra estava sendo exibida. No centro superior consta
o nome da imagem Costume de Petipa, rôle de Loys, abaixo do nome consta a inscrição
dans Giselle, indicando a obra a qual personagem pertence, e logo abaixo Ballet, situando
a arte de palco do mesmo. O canto superior esquerdo possui o número de catalogação da
imagem na casa litográfica, “n°1473”, podemos indicar que não é o número do exemplar,
pois os demais desenhos seguem a ordem cardinal posterior. No centro do papel, dentro de
uma margem encontra-se o bailarino Petipa, caracterizado, em meio a um pas (passo sim-
ples). No fim da página na parte central, encontra-se o nome e endereço da Casa Martinet
- Editeur, rue du Coq N°15, à Paris. A imagem não possui nenhuma assinatura. No canto
12 Ibidem, p.58.

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13 Ibidem, p.81-82.

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inferior esquerdo temos o carimbo de catalogação do acervo, Biblioteca Nacional da França,
Biblioteca departamento museu da Ópera.
É interessante destacar que apesar de encontrarmos apenas quatro imagens de apre-
sentação de personagens, no que diz respeito a Giselle e Loys, que participam do primei-
ro e do segundo ato, não foram encontradas neste momento os personagens com seus
figurinos do ato etéreo, nestas imagens, apenas com seus trajes do primeiro ato, terreno.
Sobretudo temos uma mudança no que diz respeito às litografias que pertencem a categoria
de Cenas representadas, que são: duas do primeiro ato e cinco do segundo ato. No que diz
respeito aos cadernos de texto duas imagens estão formando um conjunto com imagens de
apresentação de personagens, o que pode nos dizer que pertenceu a algum colecionador,
ou admirador. Uma imagem é capa de um libreto. Duas imagens são capas de diferentes
livros de melodia, o que nos mostra uma outra vertente comercial que o balé gerou, venda
de partituras. Temos também uma imagem, Valse Favorite de Giselle, que provavelmente
participou de uma coleção de litografias para colecionador. E uma última imagem de cena
denominada simplesmente de Giselle.
Valse Favorite de Giselle é uma litografia feita em papel, tamanho 42x18,5 cm, em
preto e branco e representa um pas de deux14, do primeiro ato do balé, podemos reconhecer
esta questão devido ao figurino que os bailarinos portam, apesar de não ser tão detalhada
esta parte. O nome da litografia está em negrito no centro da parte superior, a imagem de
Petipa e Grisi se encontra dentro de uma margem no centro da folha. Perto da sapatilha de
ponta de Grisi, vemos a imagem espelhada dos números 41-55 e próximo ao fim da mar-
gem encontra-se o nome da casa litográfica que produziu a imagem, Lith. Formentin & C.ie.
Apesar de não constar nenhuma assinatura na imagem, esta casa litográfica pertenceu a
Josephine Clemence. Nas margens inferiores encontramos três carimbos que se referem ao
arquivo, no centro Biblioteca Nacional da França, Biblioteca departamento museu da Ópera
e a direita, Archiv. Intern. de la Danse. No fim da página encontra-se ao centro o nome dos
bailarinos ali representados, “Dansée par Mme. Carlotta Grisi et Mr. Petipa”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste levantamento podemos gerar inúmeros pontos de análises, sobretudo


uma leitura detalhada destas imagens. Ao que diz a produção litográfica sobre balé, temos
uma vasta coleção disposta online pelo website Gallica, o qual pode contribuir com estu-
dos de Arte, sociedade, e balé do século XIX, inclusive sobre colecionismo deste tipo de
material. Ao que diz respeito as imagens aqui apresentadas, os Croquis nos dão ideia de

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14 Parte da coreografia designada para o casal principal, têm sua forma preestabelecida.

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como foi uma das partes do processo de criação deste balé enquanto parte de um conjun-
to artístico. No que diz respeito às litografias, estes artistas poderiam escolher com base
em um balé repleto de cenas e personagens. Foram representados aqueles que mais lhes
chamaram atenção e também os que mais chamariam a atenção do público, ou seja, os
favoritos do público surgem em diversos tipos de representação, sendo assim é interessante
olhar o que estes artistas resolveram representar e como. Em um período de seis meses,
foram produzidas doze imagens litográficas de balé, o que pode ser um número significativo
para uma arte nova no cenário. Entretanto ao que diz respeito a este trabalho que buscava
apresentar representações imagéticas do balé Giselle, conseguiu-se concluir seu propósito,
inclusive apontando outras vertentes para estudo.

FINANCIAMENTO

Universidade Federal de Juiz de Fora.


Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Laboratório de História da Arte da Universidade Federal de Juiz de Fora.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

FONTES
1. Programa Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Giselle, 1999.

2. Programa Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Giselle, 2008.


BIBLIOGRAFIA
3. BALANCHINE, George. 101 stories of the great ballets. New York: Anchor Books, 1989.

4. BORGÉA, Inês. Contos do Ballet. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

5. BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. 2°Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

6. FARO, Antonio José. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

7. GUINSBURG, Jacob. O Romantismo. São Paulo: Editora Perspectiva. 1978.

8. LUKÁCS, G. Teoria do Romance. São Paulo: Editora 34, 2000.

9. PEREIRA, Roberto. Giselle: O Voo Traduzido - da lenda ao balé. Rio de Janeiro: UniverCidade,
2003

10. RENGEL, Lenira e LANGENDONCK, Rosana. Pequena viagem pelo mundo da dança. São
Paulo: Moderna, 2006.

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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2

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