Rio de Janeiro
jan./mar. 2009
A Casa e o Real Serviço: Francisco Xavier de Mendonça Furtado e o governo do Esta-
do do Grão-Pará e Maranhão (1751-1759)
Resumo: Abstract:
Este artigo aborda a trajetória de Francisco Xavier This paper analyses the trajectory of Francisco
de Mendonça Furtado à luz da renovação dos es- Xavier de Mendonça in the light of the renewal
tudos biográficos e dos percursos de administra- of biographical studies and routes of colonial
dores coloniais. A partir de sua correspondência, administrators. Based on his personal mail, do-
de documentação encontrada em Portugal e no cumentation found both in Portugal and Brazil
Brasil e de registros bibliográficos de diferentes and bibliographic records from different times,
épocas, o artigo propõe-se a discutir: o perfil do this paper aims to discuss three main topics:
personagem (origem, formação e experiências), the character’s profile (origin, professional ba-
aspectos considerados os mais significativos de ckground and experiences), the most significant
sua ação administrativa e as preocupações com aspects of its administrative action and the con-
os negócios da família em meio à resolução de cerns about his family business amid the resolu-
questões pertinentes ao governo do Estado do tion of issues relevant to the government of the
Grão-Pará e Maranhão. State of the Grand-Para and Maranhão.
Palavras-chave: Trajetória – Francisco Xavier Keywords: career – Francisco Xavier de Men-
de Mendonça Furtado – Estado do Grão-Pará e donça Furtado – State of the Grand-Para and
Maranhão Maranhão
O personagem e a historiografia
4 –1AZEVEDO, João Lúcio de. Estudos de história paraense. Pará: Tipografia de Tava-
res Cardoso & cia, 1893, pp. 28.
5 –1Instituto dos Arquivos Nacionais – Torre do Tombo (doravante IANTT). Ministério
do Reino. Belém do Pará, maço 598.
6 –1Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU) – Projeto Resgate. Pará (avulsos).
CD 5, cx. 44, doc. 4065. Ofício de 2 de março de 1759.
cônego na Patriarcal.31
Uma mulher viúva e simples talvez não se arriscasse propagando
um rumor que depunha contra a honradez de uma família que já contava
com grande prestígio político na Corte. Porém, o boato estava enraizado e
devia ser alimentado por setores poderosos, adversários de Sebastião José
de Carvalho e Melo – já elevado a conde de Oeiras. O processo de habi-
litação de Mendonça Furtado a familiar do Santo Ofício é uma mostra de
que o secretário do Reino desejava calar definitivamente as vozes difama-
tórias. Não deixa de ser interessante a data em que a carta de familiar foi
expedida: 6 de setembro de 1759, três dias depois do decreto que baniu a
Companhia de Jesus de Portugal e domínios ultramarinos. O processo é
sumaríssimo se comparado aos de Gonçalo Pereira Lobato e Sousa, go-
vernador do Maranhão, e de Manuel Bernardo de Melo e Castro, sucessor
de Mendonça Furtado no Grão-Pará. Após as diligências de praxe, a Mesa
do Santo Ofício concluiu que o habilitando era “irmão inteiro do conde de
Oeiras, familiar do Santo Ofício, e de Paulo de Carvalho e Mendonça [...].
Nunca foi casado, nem consta que tenha filhos ilegítimos”. Não se proce-
deu a qualquer averiguação sobre a pureza de sangue do candidato.32
Outros pontos sugerem que o processo foi construído no sentido de
extirpar os rumores indesejáveis sobre a paternidade de Mendonça Furta-
do. As testemunhas interrogadas freqüentavam o palacete da Rua Formo-
sa, residência do conde de Oeiras e do irmão. Além disso, para conferir
veracidade ao processo foram anexados os assentos de batismo de ambos,
31 –1IANTT. Habilitações da Ordem de Cristo. Letra F, maço 1, doc. 11.
32 –1IANTT. Habilitações do Santo Ofício. Maço 88, diligências 1499. Maria Tereza Sena
analisou alguns processos de habilitação da família de Mendonça Furtado, dentre os quais
o de seu pai e o de Sebastião José de Carvalho e Melo (1738). Concluiu que muitos de
seus ascendentes, incluindo os da primeira esposa de Carvalho e Melo, D. Teresa de No-
ronha, eram ligados ao Santo Ofício. Analisou também os procedimentos para o ingresso
na familiatura, suas atribuições e o perfil dos habilitados. Cf. SENA, Maria Tereza. “A
família do marquês de Pombal e o Santo Ofício (amostragem da importância do cargo
de familiar na sociedade portuguesa Setecentista e Oitocentista)”. In SANTOS, Maria
Helena Carvalho dos (coord.). Pombal revisitado. Lisboa: Editorial Estampa, vol. 1, 1984,
pp. 337-385. Especificamente sobre o processo de Mendonça Furtado, há apenas uma
menção, sem qualquer consideração à questão da sua paternidade (pp. 376-377).
os índios.42
Para garantir a defesa dos domínios lusos, previa-se, ainda o apare-
lhamento das fortalezas e a construção de outras, principalmente em Ma-
capá (no Cabo do Norte), além da disciplina das tropas, o seu pagamento,
fardamento e armamento, de acordo com as instruções 28ª e 29ª. Para
incrementar a agricultura de subsistência e o comércio de gêneros de ex-
portação, proibia-se a busca e prospecção de minas em todo o Estado, da
mesma forma que a comunicação com as Minas Gerais, e o contrabando
com domínios estrangeiros (30ª a 33ª instruções). Outras instruções ver-
savam sobre a permissão para a fundação de recolhimentos e conventos
(24ª a 26ª), caso houvesse recursos disponíveis para tal, sobre as comu-
nicações com Mato Grosso (36ª), a circulação de moeda metálica (34ª), a
execução do Tratado de Madri (35ª), e outros assuntos.
Em suma, de acordo com um esquema construído por Isabel Vieira
Rodrigues, o qual não cabe detalhar, a ação colonizadora de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado consistiu em: fortificar, delimitar, povoar e
desenvolver o no Estado do Grão-Pará e Maranhão.43 É preciso sublinhar
que os princípios que nortearam a sua gestão não se limitaram ao perí-
odo de 1751 a 1759, em que foi governador e capitão-general. Tanto as
instruções quanto os seus desdobramentos se fizerem presentes na rotina
dos sucessores de Mendonça Furtado, evidenciando que suas propostas e
efeitos não podiam ser aprisionados pela cronologia e que tais instruções
não pertenciam a um governador, mas a todo um período de renovação
nas conquistas do Norte. Nos dois tópicos seguintes foram privilegiados
aspectos essenciais da retomada da colonização das conquistas do Norte.
42 –1MENDONÇA, Marcos Carneiro de (coord.). Op. cit., t. 1, pp. 33. Jorge Couto tam-
bém faz menção à importância das missões religiosas para o povoamento do Estado, evi-
tando-se assim a penetração de franceses e holandeses em terras portuguesas. Op. cit., pp.
56.
43 –1RODRIGUES, Isabel Vieira. “A política de Francisco Xavier de Mendonça Furtado
no norte do Brasil (1751-1759)”. Oceanos, n. 40, Lisboa, 1999, pp. 94-110. Ver pp. 103-
110.
“Este poder que se deu aos regulares sobre os índios foi a rede mais
sutil que podia inventar o Demônio”, declarou Francisco Xavier de Men-
donça Furtado ao irmão Sebastião José, em carta de 2 de novembro de
1752.44 A tutela religiosa e temporal dos regulares, sobretudo dos jesuí-
tas, sobre os índios, era identificada como a principal causa da ruína do
Estado do Grão-Pará. Urgia extirpá-la para trazer os nativos ao convívio
da sociedade e civilizá-los, livrando-os da “tirania” dos missionários. As
palavras do governador e capitão-general são exemplos, dos mais pun-
gentes, da antipatia e intolerância em relação aqueles que – amparados
na própria legislação emanada da metrópole, o Regimento das Missões –
representavam um empecilho aos planos de revitalização das conquistas
do Norte.
A tarefa de reconstruir o Pará e toda a jurisdição do Estado pode
ser comparada à preparação de um terreno a ser cultivado. Era preciso
remover as pedras e as ervas daninhas que impediam o florescimento do
campo. Muito tempo antes de Mendonça Furtado, a Companhia de Je-
sus fora identificada como o principal obstáculo à utilização da mão-de-
obra indígena pela Coroa. Seu sistema de organização missionária fincara
raízes profundas e se alastrara, na percepção do capitão-general, como
“erva que pode embaraçar-me esta lavoura”, sendo necessário proceder
igualmente como “fazia ao escalracho das vinhas de Oeiras, que à custa
de muito dinheiro mandava tirar e o punha na estrada onde era queimado,
só porque compreendi que ele fazia prejuízo aos bacelos que eu estava
plantando”.45
“como os regulares se viram senhores absolutos desta gente e das suas po-
voações; como se forma fazendo senhores das maiores e melhores fazen-
das deste Estado, vieram a absorver naturalmente todo o comércio, assim
dos sertões como o particular desta cidade e vieram a cair os direitos reais
e dízimos, e em conseqüência a cair o Estado, sem remissão”.48
Nos três volumes da correspondência de Mendonça Furtado, organi-
zada por Marcos Carneiro de Mendonça, a culpa pela miséria do Estado
do Grão-Pará atribuída aos jesuítas foi o mote para demonstrar a premên-
cia de sua expulsão. Uma das primeiras medidas concretas tomadas foi a
retirada do cargo de procurador dos índios da esfera de influência dos mis-
sionários. Conforme a provisão de 10 de julho de 1748, o procurador dos
índios não devia ser mais eleito pelo superior das missões da Companhia,
mas em Junta de Missões, por pluralidade de votos, para evitar parcialida-
des. Segundo essa norma, os homens recrutados para tal cargo deveriam
preencher certos requisitos: a independência em relação aos moradores e
às religiões, entendidos respectivamente como os principais da terra e as
ordens regulares; a capacidade para conduzir a liberdade dos índios e ser
homem temente a Deus e de família nobre. O procurador dos índios teria
preferência nos requerimentos feitos em Junta de Missões e seu paga-
mento, de 200 réis, seria extraído da dízima paga pelos réus condenados e
dos jornais referentes a dois dias de trabalho dos índios libertos.49 Sendo
assim, o cargo passava para o domínio da administração pública, pois em
28 de novembro de 1751, Francisco de Mendonça Furtado manifestou ao
irmão a necessidade de um novo regimento que pudesse orientar o procu-
rador dos índios, conferindo-lhe o status de funcionário régio.
O novo regimento substituiria o antigo Regimento das Missões, de
1686. É certo que o governador temia sublevações dos proprietários de
escravos com o fim dos descimentos para fins de exploração da mão-de-
obra nativa. Por outro lado, as propostas de Mendonça Furtado estavam
em sintonia direta com a política de civilização dos índios da segunda
metade do século XVIII, expressa na legislação que entrou em vigor da
48 –1Ibidem, t. 1, pp. 72.
49 –1MENDONÇA, Marcos Carneiro de (coord.). Op. cit., t. 1, pp. 55-57.
60 –1AHU – Projeto Resgate. Pará (avulsos). CD 5, cx. 39, doc. 3689. Carta de 22 de
novembro de 1755.
61 –1Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (doravante IEB/USP).
Coleção Alberto Lamego. Códice 1.5.
62 –1IEB/USP. Coleção Alberto Lamego. Códice 1.4.
a Missão, que conserve por muitos anos a saúde de V.M., do Rei Fidelís-
simo e de toda a Casa Real”.63
A animosidade entre os jesuítas e o governador Mendonça Furta-
do motivou o padre Gabriel Malagrida a buscar também o amparo de
D. Maria Ana, denunciando os desmandos de Mendonça Furtado em um
extenso memorial. Expunha toda a insatisfação dos missionários em rela-
ção à interferência do novo governador na organização das aldeias e sua
intenção de subtrair aos missionários a tutela temporal sobre os índios,
evocando a experiência do padre João Batista Carboni no Maranhão, e
reiterando o compromisso estabelecido entre a Coroa e a Companhia de
Jesus por meio do Regimento das Missões, “feito para melhor ordem e
administração do governo político, e espiritual de todas as aldeias; porém
muito mal admitido e pior interpretado pelos governadores do Estado,
vendo nele distinguido o absoluto poder que pretendem ter sobre elas
com grave prejuízo do serviço de Deus e de S.M”.64
No memorial do padre Malagrida, Mendonça Furtado figurava entre
os governadores que interpretavam erradamente o Regimento das Mis-
sões. O jesuíta criticou um dos principais tópicos da política indigenista
– convertido, mais tarde, na lei de 7 de junho de 1755 –, voltando-se para
a defesa da antiga legislação – o Regimento das Missões, ainda em vigor:
“Chegou ultimamente o governo do senhor Francisco Xavier de Mendon-
ça todo fundado em arbítrios, e novas idéias de mudança total do Estado,
sem mais consulta, sem mais conselho, ou informe que a tenacidade do
seu juízo falto de experiências da terra, e circunstâncias do tempo, que
parece se devem antepor aos maiores juízos que a regularidade dos acer-
tos. O verdadeiro intento e empenho deste senhor, e em que persiste pelo
que mostra, é em tirar o governo temporal, que Sua Majestade é servido
conceder aos missionários no seu Regimento querendo que este fiquem
só com o espiritual, sem advertir, que este sem o primeiro totalmente se
perde [...]”.65
63 –1Idem.
64 –1IEB/USP. Coleção Alberto Lamego. Códice 43.95.
65 –1Idem.
Nos dias que antecederam a sua partida para o Rio Negro, Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, 1º comissário para a demarcação do Tra-
71 –1Ibidem, t. 3, pp. 1098-1104.
72 –1Cf. MENDONÇA, Marcos Carneiro de (coord.). Op. cit., t. 3, pp. 1144-1145. Sobre
a expulsão dos padres da Companhia de Jesus, ver LEITE, Serafim. História da Compa-
nhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1949, sobretudo, o capítulo “Perseguição
e sobrevivência”, t. VII, pp. 335-363. Ver também, por exemplo, MIRANDA, Tiago dos
Reis. Ervas de ruim qualidade: a expulsão da Companhia de Jesus e a aliança anglo-
portuguesa, 1759-1763. Dissertação de Mestrado em História. FFLCH/USP, 1991.
73 –1Cf. MENDONÇA, Marcos Carneiro de (coord.). A Amazônia na era pombalina..., t.
3, pp. 1150.
74 –1Ibidem, t. 3, pp. 1176-1177.
77 –1A historiografia possui trabalhos clássicos acerca da questão de limites entre Portu-
gal e Espanha na América, a exemplo de CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o
Tratado de Madri. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1950 e ALMEIDA, Luís Ferrand
de. Alexandre de Gusmão, o Brasil e o Tratado de Madri (1735-1750). Coimbra: Instituto
Nacional de Investigação Científica, 1990.
78 –1Cf. DOMINGUES, Ângela. Quando os índios..., pp. 212.
79 –1OLIVEIRA, Ricardo de. “Política, diplomacia e o império colonial português na
primeira metade do século XVIII”. História: Questões & Debates, n. 36, Curitiba, 2002,
pp. 254.
80 –1Cf. COUTO, Jorge. “O poder temporal...”, pp. 53-54.
93 –1BNL. Seção de Reservados. Fundo Geral de Manuscritos. Códice 11393//1, fls. 11-
16v.
94 –1Biblioteca da Ajuda. 54-XI-27, n.º 16 – Cartas de Sebastião José de Carvalho e Melo
para seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador do Grão-Pará, e de El
Rei ao mesmo e outros. Fl. 20.
lo.95
Uma justificativa para as ações dos jesuítas foi dada por João Lúcio
de Azevedo. Para o historiador, os missionários, vendo a sua “melhor
obra” (a Missão) ameaçada de ruína, foram “obrigados” a reagir por meio
de “ardis ingênuos” a fim de não colaborar com as requisições de Men-
donça Furtado: não forneciam canoas alegando estarem desmanteladas,
desencorajavam o recrutamento dos índios por desertarem facilmente e
não se prontificavam a abastecer a expedição protestando escassez de ali-
mentos nas aldeias.96 Interpretação oposta a de João Lúcio é a de Isabel
Vieira Rodrigues, que em poucas palavras sintetizou os obstáculos en-
frentados por Mendonça Furtado: “apenas dos oficiais das fortalezas teve
apoio e mantimentos; dos regulares, só obstáculos”.97
A chegada a Mariuá após 88 dias de viagem foi celebrada de ma-
neira grandiosa, repetindo a pompa da partida em Belém. O comissário
português desembarcou por uma escada decorada com arcos floridos e
atravessou um arco do triunfo para entrar no arraial. A récita de um soneto
em língua portuguesa por um índio, o entoar de um Te deum laudamus
por um grupo de nativas e a celebração de uma missa encerraram a recep-
ção98, carregada de sinais do projeto de civilização que se pretendia im-
plantar na Amazônia. Como ressaltou Geraldo Mártires Coelho, tomando
por base a ereção do arco do triunfo, este representava a vitória, o poder,
a superioridade do colonizador sobre aquele espaço.99
Em Mariuá, a escassez de provisões para manter a comitiva e aguar-
dar a chegada dos comissários espanhóis não se alterou. Pedidos de auxí-
100 1– BNL. Seção de Reservados. PBA 628, fl. 4. Carta de 16 de janeiro de 1755.
101 – BNL. Seção de Reservados. PBA 622, fl. 124-125. Carta de 27 de janeiro de
1756.
102 – RODRIGUES, Isabel Vieira. “A política de Francisco Xavier de Mendonça Furta-
do...”, pp. 104.
103 – IANTT. Ministério do Reino. Belém do Pará, maço 597. Carta a Tomé Joaquim da
Costa Corte Real, de 25 de outubro de 1757. A segunda partida de Mendonça Furtado para
o Rio Negro se deu em janeiro de 1758.
104 – Para uma síntese das questões de limites entre Portugal e Espanha na América
portuguesa e os tratados correspondentes, ver SILVA, Andrée Mansuy-Diniz. “Portugal e
Brasil: a reorganização do Império, 1750-1808...”, pp. 477-518.
a madeira, ouço aqui dizer que bretanhas, chitas, alguns droguetes, be-
rimbaus, alguns vinhos doces, que tudo isto é fazenda que tem consumo
pronto. Também me dizem que algumas frasquinhas de água ardente se
vendem bem, mas tire Vossa Reverendíssima informação que eu não sou
muito prático nestas matérias”.117
Ainda de acordo com Nuno Gonçalo Monteiro, os limites entre o que
era permitido – como receber propinas nas arrematações de contratos – e
o que poderia ser considerado ilícito eram tênues, o que torna difícil isen-
tar de culpa algum administrador que tenha favorecido a sua Casa com
qualquer remessa durante o exercício do governo ultramarino. Mendonça
Furtado conhecia o valor da honra e a necessidade de manter respeitável
a sua posição. Sabia até onde podia se enveredar em atividades alheias à
função governativa ao declarar que bastaria “aceitar ou interessar-se em
negros” para se enredar em uma trama que o tornaria vulnerável perante
seus governados, pondo em risco toda a confiança que nele fora deposi-
tada pelo irmão e pelo rei para conduzir o processo de revitalização das
conquistas do Norte.
O zelo e a atenção dispensados às propriedades da família conti-
nuaram presentes em meio aos negócios públicos. Em extensa carta a
Sebastião José de Carvalho e Melo, de 22 de novembro de 1752, após
relatar as agruras sofridas em uma viagem pelos sertões em direção a
Macapá, Mendonça Furtado expressou mais uma vez a frustração de não
poder contribuir para o adiantamento de sua Casa, cuja sucessão recaía
sobre seu sobrinho Henrique José de Carvalho e Melo: “[...] bem desejara
eu poder concorrer para o aumento da Casa do nosso Henrique, porém
este ofício é magro, e apenas me poderá dar para a côngrua sustentação,
porque nele não há mais do que puramente o soube, sem alguma outra
propina [...]”.118 Mesmo assim, não deixava de mostrar interesse pela edu-
cação dos sobrinhos, comentando com gosto uma carta de Henrique José
recebida no arraial de Mariuá: “Aqui me escreveu Henrique uma carta em
117 – MENDONÇA, Marcos Carneiro de (coord.). A Amazônia na era pombalina..., t. 1,
pp. 127.
118 – Ibidem, t. 1, pp. 320.
Considerações finais