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Home › Colunas › Os gênios russos e o escriba mequetrefe

Os gênios russos e o escriba


mequetrefe
Ernani Ssó 05/02/2018 17:42

Os russos são fogo: Dostoievski, Tolstói, Gogol, Tchékhov e


Turguêniev. Isso pra começo de conversa. Agora, não sei se alguém se
deu conta da ordem decrescente dos nomes na lista. Em geral
Ag AGENDA

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pensamos assim, repetindo no automático velhas opiniões ou Qui Curso de Redação
preferências jornalísticas. 22.02 publicitária

Confesso meu temor às velhas opiniões, porque temos uma tendência Ter Curso de extensão e
20.02 intercâmbio para SXSW
a aceitá-las sem questionamentos, como se muitos outros antes de nós
não tivessem cometido o mesmo pecado. Veja, não é o caso de negar Sáb Oficina Fotografia, cidade e
que a Terra é redonda, mas de examinar as provas. Acho melhor 17.02 história

batalharmos por uma opinião em vez de herdá-la por preguiça ou Qui Terceira edição do Prêmio
reverência por alguém ou pela simples autoridade. Quanto às 15.02 Abradi Profissional Digital
preferências jornalísticas, é simples: o jornalismo é atraído pelo
espetáculo e pródigo em simplificações toscas. Mas qualquer leitor
ver todos
razoável sabe que não se pode medir o tamanho de um escritor com
uma fita métrica, fora os casos de mediocridade paulo-coelhenta,
quando na verdade a própria fita métrica é dispensável.

Confesso minha simpatia por Turguêniev e Tchékhov. Confesso


também não antipatia mas uma certa irritação com Dostoievski e On ONDE ESTÃO
Tolstói. Melhor deixar pra lá a pena por Gogol, mais difícil de
esclarecer em duas ou três linhas. Parte da simpatia e irritação é
Chico Pereira
pelas pessoas e parte pelos escritores, quer dizer, pela literatura
deles. De qualquer forma, nem simpatia nem irritação me impedem Marco Antônio Pereira
de ver as qualidades e defeitos.
Luana Costa
Turguêniev e Tchékhov não eram carolas como Dostoievski e Tolstói,
Zeca Honorato
mas, no terreno do que chamam virtudes cristãs, eram muito
superiores. Não é fácil, meu amigo. Tente juntar talento e caráter pra

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ver se você vai longe. A boa notícia é que talento não depende de
caráter, mas - lá venho eu de novo - o caráter pode contaminar uma ver todos
obra com opiniões imbecis ou distorções canalhas. Pureza é como a
objetividade, ou Deus e as notas de cinco mil dólares: dizem que
existe, mas ninguém nunca viu.

Tolstói não perdia a chance de encher o saco de Turguêniev. A troco?


Um homem rico, com talento reconhecido - inclusive por Turguêniev,
No ESPECIAIS
que o propagandeava na Europa -, precisava disso? É difícil imaginar
o quê em Turguêniev o perturbava. Gosto de pensar que o digressivo 26/10/2017

e algumas vezes tedioso Tolstói invejava o poder de Turguêniev de ir Público retorna de


intervalo para conferir
ao ponto com rapidez e precisão. Outra coisa é que cada livro de fala do ministro do
Turguêniev tratava de um nervo exposto da mãe Rússia - e tratava Trabalho

como nunca antes: ele dava as cartas e deixava pro leitor montar o 26/10/2017

jogo. Nunca escrevia um libelo. Como notaram os franceses: eis aí o Secretária do Ministério
das Comunicações
modelo de literatura pura. Em tempo: apenas Tchékhov, entre os compartilha perspectivas
grandes russos dessa época, repetiu a façanha. para 2018

Com certeza, Tolstói achava que era mais talentoso, que conseguia ir 24/10/2017

Ex-presidente da Agert
mais fundo e mais longe. Mas devia ter noção dos defeitos, ou pelo está impressionado com
menos alguma suspeita. O talento de Tolstói carecia da inteligência e conteúdos locais gaúchos
polimento do talento de Turguêniev. Deve ser chato pra um grande
escritor ter de admitir que pode ser corrigido por outro, ainda mais
se o considera inferior. ver todos

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Dostoievski foi mais injusto. Até de dívida de jogo Dostoievski foi
salvo por Turguêniev e o que fez? Pagou o mais tarde que pôde e nem
agradeceu. Bom, além de não agradecer, se dedicou à difamação.

Em Os demônios, satiriza Turguêniev. Evidentemente ninguém está


livre de ser satirizado, mas Dostoievski faz uma caricatura mais do
que injusta ou grotesca. Acho que beira a canalhice - qualquer livro e
qualquer postura de Turguêniev desmentem Dostoievski. É frívola,
vingativa - numa palavra, trata-se de maldade. Depois, em termos
literários, é indigna de um autor que se propõe, sempre, a ver as
pessoas com profundidade. A única justificativa pro comportamento
de Dostoievski é que ele era uma pessoa transtornada.

Como um aperitivo, abro aspas pra Edmundo Wilson (11 ensaios,


Companhia das Letras, 1991): "Nenhum outro escritor pode ser lido
de ponta a ponta com admiração mais constante. Os grandes
romancistas são mais desiguais: traem nossa crença com
extravagâncias; decaem no patético inoportuno; combinam visão
poética com refugos. Mas Turguêniev nem chega a costear tais
deficiências, e nunca se mostra medíocre; sua textura é tão notável
quanto seu temperamento.

"Essa textura mal chega a transparecer em tradução. Turguêniev é


mestre da língua; interessa-se pelas palavras de uma maneira que os
outros grandes romancistas russos do século XIX - à exceção de Gogol

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- não se interessam. Sua escrita é densa e substanciosa e, no entanto,
nunca marca tempo, move-se sempre."

Vamos agora à comparação que Wilson faz com Tolstói e Dostoievski:


"As pinturas de gênero - a ceia fúnebre no final de Uma moça infeliz,
a transferência da propriedade em Um Lear da estepe - são
admiravelmente organizadas e postas em ação, embora a animação
de movimento que Tolstói consegue produzir em episódios como a
caça, em Guerra e paz, e as corridas, em Ana Karênina, esteja bem
além dos dotes de Turguêniev, assim como o estão a comicidade
cumulativa e o alvoroço da festa na cidade em Os demônios, de
Dostoievski. Mas nem um nem outro podem completar uma
superfície, adequar linguagem e assunto como Turguêniev. O clima
não é nunca o mesmo; as descrições da região rural são bastante
concretas, fruto, como as de Tenneyson, de exata observação (...); não
obstante, são também coloridas pelo estado de ânimo da pessoa que
ele faz percebê-las".

Essas poucas linhas mostram o que deve ser uma crítica. Wilson não
se deixa levar por superstições literárias ou ideológicas, ou por
argumentos de autoridade. Sua opinião é cheia de nuances. Mais,
todos os exemplos que evoca na comparação apontam a extensão e
profundidade de sua leitura. Eis a diferença entre crítica e o rebolado
da líder de torcida.

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Alberto Manguel, em À mesa com o chapeleiro maluco, dá uma série
de definições de leitor ideal. Cito esta, que me parece uma das mais
sagazes: "Para o leitor ideal, cada livro é lido, até certo ponto, como
sua própria autobiografia". Aí talvez esteja meu problema com Tolstói
e Dostoievski: acho muito pouco de autobiográfico nos livros deles.
Eu compreendo a desgraça de um Raskólnikov ou um Stavróguin,
mas meus sentimentos não estão com eles ou, se estão, é numa
voltagem mixuruca. Em compensação, posso me identificar
facilmente com personagens de Turguêniev, Tchékhov e Gogol,
mesmo com os mais estúpidos. Outro ponto: acho os dramas do dia a
dia de um Turguêniev ou Tchékhov, às vezes com a aceitação
resignada deles, mais terríveis que os surtos dostoievskianos. Não
tem Prozac que nos salve dos dramas do dia a dia.

Essa conversa toda é porque acabei de reler Primeiro amor (Penguin-


Companhia, 2015, tradução de Rubens Figueiredo). Uma novela, ou
pequeno romance, escrita sem alarde. Turguêniev parte de uma
situação biográfica, mas, por pudor ou por malícia literária, apenas
insinua o inferno que queima abaixo da superfície. Ele poderia dizer
horrores dos pais, principalmente da mãe, uma megera que folhetim
nenhum imaginou. Enfim uma vingança, mesmo que tardia. Não, ele
prefere traçar - com leveza e argúcia psicológica - alguns retratos da
elite russa, seus problemas com dinheiro, seus problemas com a
ociosidade e os consequentes jogos de poder. Então, quase que sem

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querer, emerge aí um drama
verdadeiro.

Ao contrário das superproduções


tolstoianas e dostoievskinianas,
Turguêniev deixa quase tudo pra nós,
leitores, construirmos, se temos cabeça
ou paciência pra isso.

Autor

Ernani Ssó
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?:
nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava.
Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu
primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por
querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo,
que deixou um ano depois. Em sua estréia, escreveu para
O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor.
Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários
para adultos e crianças.

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