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“ … Ignoro se sabem o que faço, julgo que têm uma ideia vaga. Há quem me trate por senhor
Doutor e quem me trate por Sr. António. Prefiro senhor António: afinal de contas sou um
carpinteiro…”
I–
não quero ser escritor – quero escrever. escrever como um carpinteiro – quero ser carpinteiro
[como diz o lobo antunes]. quero escrever palavras com cheiro à resina. às colas. às pancadas do
martelo. do serrote que vai e vem. do lápis que agarra à orelha todos os barulhos das palavras que
aperfeiçoam o silêncio quando lidas – depois. depois deixo partir a arte de quem faz coisas com as
mãos. onde compete o belo e o monstro – desta vez. talvez por encanto fugiu-me um pássaro pelos
dedos. um pássaro gigantesco. com um bico pintado de sossego. no lugar dos olhos um arco-íris
com mais de mil cores. as asas são tão grandes que nem lhes sei escrever o tamanho. sei apenas
que estão presas a rodas e nunca param de esbracejar – são umas asas diferentes. esbracejam em
silêncio sobre rodas que só andam para a frente – são mesmo diferentes estas asas. deixam-me
ficar confuso. nunca vi asas correrem com rodas ou talvez voarem com rodas. não sei. não sei
mesmo. nunca as vi voar só esbracejam. mas também não me parece que seja importante para o
pássaro voar e para o carpinteiro vê-lo voar. há ali um acordo escondido que faz desta uma história
diferente – as palavras continuam-me a cair em silêncio. largo-as do mais alto que as mãos
alcançam. talvez não seja assim muito alto. penso que sim. quero acreditar que seja um pouco mais
alto do que imagino. quero ouvi-las a cair aos pés. aos meus pés. mas não. não. pelo caminho
transformam-se em água e no chão. aonde mantenho os pés firmes. sorriem agora apenas lágrimas
– nunca nenhuma palavra nascida dentro de mim fará barulho. quebrará este silêncio pedra. este
silêncio dor. este silêncio que não voa. um silêncio que por ser silêncio ninguém ouve – percebo
então que o pássaro que fugiu dos dedos. quando corre ou tenta voar procura apenas um novo
silêncio. outro silêncio . um silêncio que nunca tenha sido magoado –
II –
este pássaro não sossega. para trás e para a frente. e a vida do carpinteiro parada. parada em