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Por sinal, só descobri que o nosso "Bem capaz" era um exemplo de fala regional
quando tinha já 30 e tantos anos. Até então, achava que fosse uma expressão
universal e que provavelmente haveria um equivalente em mandarim. (O mesmo ocorreu
com certa expressão que só os bajeenses entendem e que para o resto da espécie é
hermética: Ué-saia. Mas isso é assunto para outro momento.)
Num primeiro patamar semântico, esse "Capaz" dialetal quer dizer "possível". Nesse
caso, é voz comum em várias partes do Brasil. A acepção aparece lá nas profundezas
de um verbete no Aurélio – mas não no Houaiss. Segundo o estimado dicionário, o
"capaz" como índice de possibilidade também ocorre em Angola e Moçambique. Aqui vai
um exemplo simples:
— É capaz que eu vá hoje na festa.
Contudo, com breves mudanças na frase, a palavra adquire entre nós o significado
oposto – e aí diversão começa. Se eu eliminar a oração principal e colocar o verbo
no subjuntivo, com um ponto de exclamação, assim:
— Capaz que eu vou nessa festa!
Ou melhor:
— Que coisa mais absurda alguém sequer cogitar que eu vá nessa festa!
Esse significado de negação enfática pode ser intensificado com a adição de "mas"
ou "bem", ou ambas as coisas, no início da frase. Por exemplo:
— Mas capaz que eu vou nessa festa!
— Bem capaz que eu vou nessa festa!
— Mas bem capaz que eu vou nessa festa!
"Bem capaz", sozinho na frase, sempre tem esse sentido de uma aniquilação absoluta
de possibilidades. O "Bem capaz" é a nêmesis de um assunto: encerra-o com veemência
de guilhotina. Uma vez pronunciado, não há mais volta. É preciso frisar: o "Bem
capaz" não significa, aqui, mera imprecisão ou vaga probabilidade. Significa um
"não" exacerbado, um golpe de gládio sobre o nó górdio do possível.
— Vais à praia?
— Bem capaz!
Ou seja, não vou de jeito nenhum, não vou nem morto à praia, quero distância da
praia, abomino o som da palavra praia. Bem capaz que eu vou pra praia!
Mas isso nem sempre soa brutal; às vezes aparece como uma forma de camaradagem
agressiva e bonachona:
— Eu acho que bebi demais ontem de noite e incomodei vocês.
— Bem capaz, meu!
O que significa:
— Nem pense nisso, esqueça! (Mas esqueça mesmo, senão apanha.)
Seguindo a mesma progressão, "Capaz" ou "Bem capaz" podem significar "De nada":
— Bah, muito obrigado por me salvar daquela cruzeira!
— Capaz! (Ou seja: não precisa agradecer, foi um prazer afugentar o ofídio.)
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Esse último significando: não precisa pedir desculpas, mas, já que pediu, está
desculpado, e não se fala mais nisso. Nesse sentido, o "Capaz" se parece com o uso
que se faz, em várias partes do Brasil, da expressão "Imagina!".
"Capaz" – sem o "bem" na frente – também pode significar "como assim", coisa que
muitos gaúchos não notam e usam sem perceber:
— Meu filho quebrou a perna.
— Capaz?
Ou também:
— Capaz que vocês se separaram!
Agora, significando:
— Como assim, vocês se separaram?
É possível que o uso negativo do "Capaz" tenha começado como forma de ironia. Por
exemplo, quando alguém nos faz uma pergunta cuja resposta é evidente, e então
dizemos o contrário do que queremos dizer:
— Vais no show?
— Claaaro que vou! Nossa, já tô indo!
Significando: não há a menor chance de que eu vá nesse show e me espanta que alguém
me pergunte isso. Um dado curioso: o alongamento da primeira sílaba desse Claaaro
irônico tem o mesmo sentido de eloquência destruidora que damos ao Beeeem capaz.
Após tornar público meu interesse pelo assunto, leitores de diversos lugares do
Brasil me informaram que o "capaz" como negação também se encontra no Paraná, em
Santa Catarina, no interior de São Paulo (não na capital), em Minas e Goiás. Haverá
algum vínculo entre essas transmigrações de sentido e as antigas rotas do
tropeirismo pelo interior do Brasil? Capaz que sim. Capaz que não.