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Com otempo, aprende-se que oque às vezes parece loucura pode ser
parte de uma sabedoria. Carmelo, na sua "ignorância; ensinava-me
que háalgo além do conteúdo da linguagem: a música, amelodia,
oritmo, que podem se tornar ùma forma de sustentação do ser.
A resposta que me dava Carmelo em meu bairro de infância
sem saber tinha um ponto de encontro com a experiência que,
anos depois, S. Sontag viveu enm Sarajevo. Háum talento que está
em relação com o ritmo e o som da língua materna, que faz parte
do itinerário existencial do ser humano e, por sua vez, é sinal de
identidade de cada migrante.
Eesse talento do ritmo é um dos elementos fundamentais da expe
riéncia artistica na música. M. Gratier (2007), porexemplo, mostra-nos
os diferentes graus de correlação possivel entre aexperiència criativa
dos músicos dej eaexPeriencla sensorial-emocional de um beb.
Podemos pensar que ouniverso rítmico, musical, signiticante, faz
parte essencial das bases primeiras da constituição do ser humano,
das suas marcas arcaiças de subjetivaço e, muitas vezes, "dialogar"
com alguma forma de expressão artística também éuma forma de
revisitar os processos de subjetivação de um bebè.
74 APROPÓSITO DO RITMO
Vínculoinicial e ritmo
A construção do vínculoentre uma mãe e seu bebèpode ser vista
como uma história de encontrose desencontros, de claridades e
opacidades, de harmonias e desarmonias.
Inúmeros trabalhos dão conta das vicissitudes dessas histórias
repletas de variações e diferentes tonalidades musicais à maneira de
uma sintonia inacabada, que sempre se reescreve a cada vez, Cont
cada novo filho.
Oritmo eaprevisibilidade
Oritmo implica a repetição de uma experiência de forma cíclica
e com certo coeficiente de previsibilidade (que coincide com a
contribuição de Marcelli sobre os macrorritmos).
O
ritmo ea integraçãodas polaridades
A possibilidade de vivenciar a experiência rítmica intersubjetiva
comoum continente, que gera a sensação de continuidade psíquica
estruturante, depende de múltiplos fatores que desenvolveremos
aos poucos. Um deles, fundamental, éa possibilidade de integrar
experiências aparentemente opostas. Devemos recordar, juntocom
as contribuições de A. Ciccone (2007), que uma das primeiras for
mas de ritmicidade no encontro com o outroéa alternância entre
a busca doobjeto ea retirada narcisista. O bebê saide si mesmo em
busca de interação,depois se retraisobre si mesmo como forma de
metabolização da experiência.
Mas esse fenômeno de ida e volta, de alternância, se enraíza
na experiência corporal. Então, oritmo éuma forma de integrar
alternncias e opostos, o que implica tambémo valor fundante da
descontinuidade.
86 A PROPÓSITO DO RITMO
movi.
F Tustin (1996) fala do ritmo(de segurança)como um fortes
regulada de elementos
mento ou estruturacom umasucessão
diferentes". Aparentemente, um ritmo
efracos, de estados opostos ou
que ultrapasse os limites
regulado - ou seja, um ritmocompartilhado
autocentradas - assegura
exclusivamente
das práticas restritivas experimentarem em conjunto com
possibilidade de os contrários se
se modificar etransformar entre si. Assim
segurança, porquepodem criador.
nasce um intercâmbio
interessante de Tustinretoma caminhos di
Essa perspectiva concei.
interrogam a clínica e a própria vida. De sua
ferentes que
tomarei dois elementos: a superação do ritmo
tuação do ritmo,
possibilidade de que os contrários se experimentem
autocentrado e a
juntos com segurança.
autora sugere entãoque parece necessario o ritmo superar
Essa
autocentrada (encerramento narcisista)e se abrir em
experiência
a
poderíamos supor que, em parte,
um ritmo compartilhado. Portanto,
compartilhado seja uma condição para a instauração de
esse ritmno
relação objetal, bem como deum acesso àintersubjetividade?
uma
também, essa ideia da possibilidadede que os contrários se ex
E,
juntos poderia implicar, em termos freudianos, uma
perimentem
forma de intricação pulsional?
concordância que pode existir
Emuito interessante constatar a
jáque, por exemplo, N. Abraham
entre diferentes perspectivas teóricas,caracteriza a fusão` com amãe,
(1987)afirma que háum ritmoque
busca de um ritmo regular com repetição da mesma estrutura
e que a
maneira letal.
Corresponderia ao desejo de fusãototal, mas de
Isso nos leva a pensar nas contribuições de
Freud (1920) em
retorno do igual; ou seja,
relação àpulsão de morte como eterno
outro, que não se abre ao novo, a
um ritmo que não se abre ao
forma de "narcisismo
Surpresa doencontro, levariaosujeitoa uma
tanático" (Garbarino, 1986).
vÍcTOR GUERRA 87
Osriscos de um ritmoidentico
K. Nassikas (2011)evoca um exemplo históricodo ritmo idêntico
como experiência humana dessubjetivizante com oritmo do tambor
por V. Klemperer em Alingua do II Reich. Segundo esse autor,
os nazistascriaram uma "língua, para abolir a experiência social
anterior ao nazismo e, assim, pautar uma subjetivação baseada na
aniquilaço da diferença.
K.Nassikas (2011) cita V. Klemperer,que descreve aexperiência
de observar um desfile militar nazista em 1932 com o passo militar
rítmico, idêntico, ao ritmo do tambor:
transforma
Otambor eo ritmo que emitia mostrariam a terrível
sem
ção de todos os sujeitos da tropaem elementosde uma máquina
totalitarismo do III Reich.
alma, em expressão deuma língua: a do
disse Trevarthen eo
uma forma de apetitede sociabilidade', como
Sua sensibilidade rítmica
encena no teatro de seu própriocorpo, em
polissensorialidades.
e na importância das
perspectiva psicanalítica, a experiência de observacio
A partir da contribuição funda.
método Esther Bick (1964)é uma
de bebês pelo polissensorialidades
campo das
mental para podermos pesquisar esse mostrou aimportância d.
trabalho pioneirode 1967, Bick
Em seu bebês observados.
dos
observar as preferências sensoriais
pós-kleinianas, a sensorialidade
A partir das contribuições
preponderância, com autores como D
vem cobrando um papel de autistas.
crianças
MeltzereE Tustin, no campodo trabalh0 com
contribuições sobre o que ele
e também graçasa T. Ogden e suas
articulação da
denomina "posição autista-contígua, em que a
sensorialidade e o ritmo são fatores prioritários de construção
subjetiva e abordagem analítica.
senso
B. Golse contribuiucom umasérie de ideias em relação à
rialidade, a partir da alternância do mantelamento-desmantelamento
bebê. Ele ressalta
e de sua relação com os processos de cuidado ao
que, a partir da experiência que Meltzer já descrevera de atração
consensual máxima, durante a alimentação ao seio, o bebê teria a
oportunidade de viver uma experiência de integração das polissen
sorialidades que se organizam apartir do ato da amamentação, dos
cuidados e do ritmo que estabelece com a mãe.
EB.Golse (2006) insiste na importância dos precursores corpo
rais da linguagem, porque: cada modalidade sensorial reconhece
uma organização rítmica compatível com outras modalidades sen
,compatibilidade que deveria resultar de uma harmoniza
ção, ou sintonização progressiva das interações (é essa noção de
Compatibilidade rítmica que nos permite, numa escuta musical,
compreender os diferentes instrumentos simultaneamente e dis
tingui-los dosoutros)"
vÍcTOR GUERRA 91