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Dalai Lama - Contos Populares Do Tibete-Landy (2000)
Dalai Lama - Contos Populares Do Tibete-Landy (2000)
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Título: CONTOS POPULARES DO TIBETE
ÍNDICE
O Espírito e a Natureza
O Tibete e o Budismo
A Criação
O Castelo do Lago
O Homem Bom
O Transformador do Tempo
O Tesouro Perdido
A Árvore-Sombrinha
Os Amantes
A Rã
O ESPÍRITO E A NATUREZA
Creio que viestes aqui com algum tipo de expectativa, porém, no essencial,
nossa própria casa. Não temos outro Planeta como casa depois deste. Apesar de
alternativa, não podemos ir para outro Planeta. Tomemos como exemplo a Lua; desde
os tempos antigos, seu aspecto é belo, porém, se alguém vai instalar-se lá para viver,
pode ser horrível. Esta é a minha opinião. Nosso Planeta azul é muito melhor e muito
mais atrativo. Portanto, devemos cuidar do lugar onde vivemos, nossa casa, o
Planeta.
costumo repetir junto aos meus amigos, que eles não têm necessidade de estudar
freqüência estes inocentes animais, como os insetos, formigas, abelhas, etc, em geral,
tenho um certo tipo de respeito para com eles. Por quê? Eles não têm nenhuma
religião, constituição, força política, nada. No entanto, vivem em harmonia com a lei da
uma religião, pode ser positivo, porém, se ficarmos sem ela, podemos sobreviver mas,
Se, o bem, o mal e o ódio tal como o amor e a compaixão fazem parte da
Quando se pratica uma religião de forma genuína, esta não é algo que passa
a estar no exterior mas sim no nosso coração. A essência de toda e qualquer religião é
trazem mais problemas e contradições. Se essas complicadas filosofias são úteis para
século passado e a primeira metade do atual, o Tibete exerceu, sobre muitos espíritos
que se vinculava a seu epíteto de "país das neves"¹, por uma parte, e a que respondia
à sua condição de "país de monges"², por outra, acentuadas ambas pelo difícil acesso
Oriente, à qual, talvez, muito além da simples alegoria, o Tibete estivesse, realmente,
em condições de corresponder.
Tibete nos fazia pressentir "o que nós somos", e incômodo, porque nos obrigava a
Assim, a questão do Tibete, como quer que fosse abordada, devia pôr
Só que, tal alternativa, contrariamente ao que se possa pensar, é algo mais do que o
resultado de uma opção por qualquer uma das duas ordens de valores, à vontade
mas ao contrário do que hoje se pretende. Pode-se afirmar — e nisto deve-se ver algo
mais do que um uso arbitrário de palavras — que não se escolhe a modernidade, mas
se cede a ela, enquanto que se escolhe, sim, a tradição, se opta por ela. O "povo
metafisicamente, uma matriz que se tem preparado para acolher uma semente
problema difícil. Mas o Ocidente, finalmente, acabou encontrando uma solução para
as duas alternativas. Por meio de caminhos sutis, mais misteriosos "que o caminho
que o peixe segue sob as águas", o Ocidente viu-se livre do problema transmitindo a
outros a sua resolução. Com a "sacrílega invasão do Tibete" (Marco Polo), o implícito
moderno, ou, mais precisamente, ao lado mais sinistro deste. E, com a diáspora que
veio depois, o Ocidente passou a dispor, e nos marcos de sua própria cultura, dos
elementos nos quais acreditava se cifrasse aquele anseio. Assim, hoje, o personagem
com o qual Somerset Maugham quis desenhar a atração do Ocidente pelo Tibete
poderia encontrar a este em sua própria cidade, "vantagem" esta de duplo "fio".
implantáveis em solos vários, também o tibetano pode ser uma semente que dê frutos
seu contexto original é desconhecer sua autêntica natureza. Uma realidade espiritual
correm o risco de perder a força de coesão que os aglutina e lhes dá a sua eficácia³.
igualmente perdendo com a nova situação criada a partir de 1959, e achamos que a
única atitude de seguros frutos para o próprio Ocidente, atitude tão nobre quanto
utópica, verdade seja dita, dadas as circunstâncias, seria a de tentar que "o tibetano"
Foi dito antes que uma comunidade tradicional era uma matriz preparada
para acolher uma semente espiritual concreta. O Tibete o foi para o budismo, e, mais
para a sua melhor floração. Não obstante, a equação Tibete = budismo tântrico não é
absoluta em nenhum dos dois sentidos. Nem a realidade do Tibete se reduz à de ser
uma expressão da essência dessa via espiritual, nem a realidade desta se esgota, por
baseia nos sütras, que recolhem os sermões dos últimos anos da vida do Buda
textos para os quais não se reivindica uma filiação determinada e cuja função consiste
em indicar os meios "técnicos" a serem utilizados para alcançar o fim proposto. Meios
qual as paixões não são más em si mesmas, e não devem, portanto, ser destruídas,
quer dizer a sua tradução tibetana: dorje I rdo I rje I): o diamante. Serve para
simbolizar o método espiritual (upâya; tibetano, thabs), a força invencível e pura que
opera o milagre de que "cheguemos a ser o que somos". O vajra se concretiza num
O budismo tântrico, entretanto, como foi dito anteriormente, não esgota a sua
nos séculos XI e XII pelos invasores islâmicos haviam causado um dano irreparável
aos centros budistas da índia e transferido ipso facto ao Tibete a condição de centro
espiritualidade budista: Kükai, conhecido por seu título póstumo de Kôbô Daishi. Este
plenamente florescente no Japão. O que nos parece mais interessante destacar a este
quais, por sua vez, haviam-no recebido diretamente de mestres hindus de Nâlandâ.
Por outro lado, essa particular amálgama do budismo tântrico com formas
japonês. Isto parece indicar que essa amálgama responderia mais a uma íntima
de tempo e de lugar.
identificado majoritariamente como povo com essa forma espiritual concreta, e de ter
extravasado nela todo o seu "gênio", produzindo uma síntese única e exemplar, de
categoria entram, na história tibetana, não apenas os últimos mil e duzentos anos,
indeterminado anterior, regido pelo que se conhece como religião Bon. Tudo o que faz
referência a esta permanece ainda muito pouco esclarecido, e acaba sendo muito
difícil distinguir, particularmente, o que ela poderia ter sido em sua fase pré-budista, e
o que hoje ela é. Para os seus praticantes, a Bon atual é a mesma que em suas
entretanto, o que hoje se conhece como Bon não é mais do que uma heterodoxia
o aspecto sob o qual o budismo tibetano, em geral, tem sido apresentado pelos
estudiosos ocidentais que dele se têm ocupado. De todo modo, parece existir, sim,
uma vinculação entre o Bon pré-budista e as origens do povo tibetano como tal, pois
excelência.
das duas noções de lha-chos e de mi-chos, pois, em função dos elementos de que se
dispõe, sua linha de demarcação é imprecisa. Por um lado, parece que somente o
budismo poderia reivindicar o primeiro qualificativo; mas, por outro lado, é provável
que o budismo tenha chegado a gozar do mesmo apenas por extensão, pois este
drung Bon), de origens históricas. De qualquer forma, mesmo o primeiro destes não
teria uma vinculação exclusiva com as origens míticas do Tibete, as quais estariam
texto tibetano nos diz que, durante a vida do primeiro soberano mítico do Tibete,
primeiro o "Bon do céu". Mas, e para aumentar a confusão, no relato sobre esse
primeiro rei mítico do Tibete contido na presente coleção, vê-se que, ao chegar esse
passado mítico, assim como a instituição que tem como missão conservá-los e
celtas são notáveis. Estes últimos, transmissores dos ensinamentos dos druidas —
que prolongavam, de certo modo, a própria função destes como sacerdócio não
camadas da tradição.
por excelência dos bardos tibetanos ser o da saga do rei Gesar de Ling, personagem
equivalente ao Artur céltico; saga onde, quanto ao mais, aparecem muitos elementos
praticada respeitando uma série de requisitos. Quem a ela se dedicava devia possuir
uma série de condições também especiais, pois sua função era de grande
bufões das cortes medievais, não somente era poeta, cantor e músico, de memória
perfeitamente treinada, mas era também um chama, que, como os famosos oráculos
tradição oral, mantinha vivas e enriquecia, sem com isto desvirtuá-las, as narrações
nossa televisão. Isto, muito mais do que um chiste, vem revelar uma autêntica
analogia, pois ambas — narração de contos e televisão — vieram para cumprir, com
efeito, o mesmo encargo: transmitir os mitos de uma cultura. Só que, no caso dos
a sua narração se ajustava também a esta realidade, razão pela qual se podia dizer
do budismo tântrico. Nesta dimensão, deve incluir-se não somente o Tibete estrito,
função primordial que nele desempenha a figura do lama (blama), quem, em rigor, é o
importância dada aos distintos elementos que o integram. Estruturado, na maior parte
— embora não de forma exclusiva — em torno do modelo de vida monástica essa
que são as que assumem a função ativa, poderíamos dizer, com respeito à custódia e
à prática da doutrina budista. O povo simples participa disso de uma forma adaptada
às suas possibilidades, dado o caráter propriamente iniciático dessa via; mas o seu
e cultural com a doutrina budista, é difícil determinar, por este motivo, o que
inversamente, acaba sendo difícil decidir até que ponto esse substrato foi modificado
pelo budismo, ou está apenas recoberto de uma roupagem búdica ao ser expressado.
coleção, nos quais se observa como temas ancestrais estão expressos em termos
O budismo não penetrou no Tibete, foi convidado para ele — ponto este que
Cachemira, na China e nas zonas da Ásia Central em contato com o Tibete, este
permaneceu à margem de sua irradiação até meados do século VII da nossa era. Foi,
então, quando o rei do Tibete, Song-tsen Gampo (Srong-brstan-sgampo), que por este
deu os primeiros passos para a introdução do budismo no Tibete. Esta iniciativa veio a
ser propiciada, ao que parece, pela condição de budistas de duas de suas esposas:
uma princesa chinesa, Wen-ch'eng, e uma princesa nepalesa, Bhrikutim, as quais
teriam convencido o rei nesse sentido. Tudo isto, entretanto, não é mais que o
Virgem Maria como Sedes Sapientiae. E, dos dois pólos — entre os quais se articula
receptividade primordial, que se abre à ação do upâya (que, neste caso, poderíamos
assimilar ao logos spermatikós) a fim de que, com a união de ambos, seja alcançada a
iluminação espiritual. E assim, pois, fazendo de Târâ a sua padroeira, o Tibete a faz,
acolher o upâya búdico. Em tibetano, Târâ é conhecida como Dolma ("Salvadora"), ou,
mais especificamente, como a "fiel Dolma" (damtshig sgrol-ma). Pois bem, darn-tshig
devoção popular como na meditação iniciática. Assim, a Târâ verde, como padroeira
vicissitudes. Vamos nos restringir a dizer, unicamente, que, entre as figuras principais
geralmente, se considera como o autêntico responsável pela mesma; e que uma das
figuras mais exemplares foi o famoso asceta Milarepa, que passou a assumir, de certo
destas,13 criou-se o tibetano literário (que permanece intacto até hoje), o qual haveria
textos budistas que se pudessem obter. Com isso, criou-se o cânone budista tibetano,
compilados quase 5.000 textos, que não incluem, entretanto, tudo o que ainda pode
***
básico dos campos cobertos pelos relatos populares tibetanos. Desde os mitos
edificantes, estes relatos nos oferecem, além disso, um breve mosaico do povo
tibetano, das suas formas de vida e das suas crenças. Mas nos falam, sobretudo, da
sua fidelidade à Verdade, fidelidade que tem levado milhares de tibetanos a um exílio
voluntário, acompanhando a sua cabeça visível. Se a Shekhinah acompanhou o povo
de Israel em seu exílio, sem dúvida a "fiel Dolma" acompanha o fiel Tibete no seu.
Notas
assim como a de "Teto do mundo" (que divide com o Pamir, devem ser entendidas
Constituído em sua maior parte por uma árida meseta, conta com precipitações muito
escassas.
também chegou a circular. Nem o Tibete era um imenso Athos como se parecia
acreditar, nem tampouco era literalmente o Paraíso, único lugar que poderia justificar a
segunda designação. O Tibete era uma nação de homens que se regiam conformes
coisas — e isto é muito mais do que se pode conseguir nas condições atuais da
humanidade.
país e depois quis tirar proveito de elementos isolados de sua cultura tradicional,
4. Mas não no sentido banal que hoje pode ser atribuído a esta expressão,
sabedoria atemporal e, poderíamos dizer, inertes; e não uma ordem profana, baseada
Tibete.
barde au Tibet, P.U.F. "Bibliothéque de 1'Institut des Hautes Études Chinoises", vol.
estritamente monásticas.
10. Neste, sempre se a representa com a cor verde, enquanto que, nos
tibetano coloquial e a ortografia que se fixou para o tibetano literário com este modelo.
A CRIAÇÃO
No princípio era a Vacuidade¹, um imenso vazio sem causa e sem fim. Deste
eons, tornaram-se mais densos e pesados, e formaram o poderoso cetro duplo do raio
— o Dorje Gyatram².
O Dorje Gyatram criou as nuvens; estas, por sua vez, criaram a chuva. A
chuva caiu durante muitos anos, até formar o oceano primogênio, o Gyatso.3 Depois,
tudo ficou calmo, tranqüilo e silencioso, e o oceano ficou límpido como um espelho.
do oceano, batendo-as continuamente, até que uma leve espuma apareceu na sua
superfície. Assim como se bate a nata para fazer manteiga do mesmo modo as águas
do Gyatso foram batidas pelo movimento rítmico dos ventos para transformá-las em
terra.
sussurrava incansável, formando uma nuvem atrás da outra. Das nuvens caiu mais
chuva, mas, desta vez, mais forte ainda e carregada de sal; daí se originaram os
quatro caras, feita de pedras preciosas e cheia de coisas maravilhosas. Existe rios e
arroios no Rirap Lhunpo, e muitas espécies de árvores, frutos e plantas, pois o Rirap
Lu Phak vivem quinhentos anos e são pacíficas; não há contendas no Lu Phak. Seus
habitantes têm corpos gigantescos e caras em forma de meia-lua. Entretanto, não são
tão felizes como nós, pois não têm nenhuma religião para poder seguir.
do Balang Cho são, como as do Lu Phak, de grande estatura e vivem quinhentos anos.
Suas caras têm também a forma do sol. Dedicam-se à criação de diversas espécies
de gado.
de Dra Mi Nyen são de caras quadradas e vivem mil anos ou mais. Em Dra Mi Nyen, a
comida e a riqueza são abundantes. Tudo o que um homem necessita nos seus mil
anos de vida é obtido sem esforço ou padecimento. Vivem com luxo, sem precisar de
nada. Mas, durante os sete últimos dias de sua vida, a dor e o tormento anímicos
acometem os seres de Dra Mi Nyen; e é, então, que recebeu um sinal de que estão
para morrer. Visita-os uma voz — uma voz terrível — que lhes sussurra como vão
morrer e que monstruosos sofrimentos terão de suportar nos infernos, depois da morte.
Em seus últimos sete dias de vida, todas as suas riquezas e posses diminuem, e eles
experimentam um sofrimento maior do que o nosso numa vida inteira. Dra Mi Nyen é
ele foi habitado por deuses de Rirap Lhunpo. Não havia dor nem enfermidades, e os
profunda meditação. Não havia necessidade de luz em Dzambu Ling, pois os deuses
Certo dia, porém, um dos deuses reparou que na superfície da terra havia
uma substância cremosa; provando-a, sentiu que era deliciosa ao paladar; por isso,
gostaram tanto da substância cremosa, que não quiseram mais saber de comer outra
coisa. Sucedeu, porém, que quanto mais comiam, mais se reduziam os seus poderes.
até que, por fim, desapareceu por completo. O mundo ficou submerso em trevas e os
sol se apagava, a lua e as estrelas iluminavam o céu e davam luz ao mundo. O sol, a
lua e as estrelas surgiram devido às boas ações passadas dos deuses, e são, para
nós, a lembrança permanente de que o nosso mundo foi, um dia, um lugar lindo e
produzia um fruto semelhante ao das messes. E todo dia, quando o fruto já havia sido
comido, aparecia outro — um por dia — e isto bastava para satisfazer a fome dos
produzir um único fruto, havia dado dois. Tomado de avidez, o homem comeu os dois
frutos. No dia seguinte, porém, a sua planta estava vazia. Necessitando satisfazer a
fome, o homem roubou o fruto da planta de outro homem; e assim foram fazendo
todos, pois um teve que roubar o outro para poder comer. Com o roubo, chegou a
cobiça, e todos, temendo não ter o que comer, começaram a cultivar mais e mais
plantas nyugu. Com isso, tiveram de trabalhar cada vez mais, a fim de se
sido uma tranqüila morada de deuses do Rirap Lhunpo, estava agora cheio de
começou a sentir certo mal-estar nos órgãos genitais e, por isso, os cortou:
converteu-se, assim, numa mulher. Essa mulher manteve contato com homens e logo
teve filhos, os quais, por sua vez tiveram mais filhos. Em pouco tempo, Dzambu se
encheu de gente, e essa gente teve que se procurar comida e um lugar para viver.
encontravam. O povo percebeu que, para sobreviver, tinha que se organizar. Todos se
harmonia, com uma terra própria onde construir uma casa e cultivar alimentos.
E assim foi como o nosso mundo veio a existir: como, de deuses, nos
deveríamos recordar que, se não fossem as boas ações dos deuses da preciosa
montanha de Rirap Lhunpo, viveríamos numa total escuridão; e, se não fosse a cobiça
de uma pessoa, nosso mundo não conheceria o sofrimento que hoje experimenta.
Notas
doutrina budista, que concebe o Princípio supremo, a Realidade última, não de modo
também, embora por desvio, o nosso pensamento e o nosso ego, que são
identifica com esse mistério de infinitude que se descobre no íntimo das coisas, com
fundamento de tudo o que existe, postulado que constitui um dos dois pólos desta
Esta doutrina foi formalizada por Nâgârjuna, no século II, e constitui o sistema
Gyatso (rGya-mtsho), que significa grande oceano, serve de apelativo para o que, no
Ocidente, é conhecido como Dalai Lama, pois "Dalai" não é senão uma forma
inglesada do mongol "tale", que significa a mesma coisa. Assim, pois, o nome do atual
ponto fixo ao redor do qual se efetua a rotação do mundo. Como centro do mundo,
budistas.
Frithjof Schuon (lmages de VEsprit, Paris, 1982, pp. 102-103. n. 48), consideramos
comer a terra, quando a superfície terrestre emergiu das águas. Esta terra primordial
era colorida, perfumada e doce, mas os homens, alimentando-se dela, perderam sua
irradiação; foi, então, que apareceram o sol e a lua, o dia e a noite... Mais tarde, a terra
tarde ainda, somente se pôde comer um número reduzido de vegetais. Daí ter tido o
intégrale, "Connaissance des Religions", vol. l/n." 4, Mars 1.986, p. 159): "O homem
original não foi um ser simiesco, quase incapaz de falar e de se manter em pé. Foi um
ser quase imaterial, encerrado numa aura ainda celeste, mas colocada na terra, e que
ascensão."
Enquanto respire um único ser vivo,
aí, compadecido,
o Buda aparecerá,
encarnado.
O Buda celeste Opame (Amithâba), olhando para baixo desde a sua Terra
Pura, contemplou o mundo e viu o sofrimento de todos os seres. Opame sentiu uma
última, a paz. Chenrezik fez o voto de não abandonar este mundo sem que todos, até
Havia no lago muitos seres e todos eles clamavam por um corpo. Ouvindo
suas vozes, Chenrezik deu-lhes os corpos que pediam. Mas os corpos eram todos
iguais, e, por isso, os seres suplicaram por se diferenciarem uns dos outros. Chenrezik
deu, então, a cada um dos seres um corpo distinto, cada um deles característico e
pudessem alcançar o Nirvana. Muitos seres o alcançaram. Mas, cada vez que
Chenrezik voltava ao lago, havia muitos mais seres, muitos e muitos mais que os que
alcançaram o Nirvana.
Quando Chenrezik contemplou o lago pela terceira vez e tornou a ver tantos
impossibilidade da tarefa que se havia imposto, clamou ao Buda celeste Opame para
que revogasse o seu voto, pois agora considerava a tarefa demasiado grande para
Vendo a sua situação, Opame reconstruiu o seu corpo, dando-lhe ainda mais
poder para ajudar a todos os seres vivos. Chenrezik tinha agora onze cabeças,
coroadas pela cabeça do próprio Opame, e mil braços, e ainda um olho onividente na
Mas, mesmo assim, inclusive com os mil braços e com as onze cabeças,
impuros. Chenrezik chorou. E, de uma lágrima cristalina de sua face, nasceu Dolma
Assim, pois, não existe um só ser, por insignificante que seja, cujo sofrimento
não chegue a ser visto por Chenrezik ou por Dolma, e que não possa ser atingido por
sua compaixão.
Notas
Amithâba, e que tem dado nome a uma via espiritual centrada na invocação do nome
nome significa "o senhor que olha para baixo com compaixão", e é, pois, a
invocação) é a oração por excelência de todo tibetano; está presente por igual na
no mundo dos homens, pois sua compaixão abarca todos os mundos. Em particular,
com esta forma (à qual nos aludiremos mais adiante, em nosso relato), de onze
ciência sagrada, cap. LXXXII, "O olho que a tudo vê", pp. 384-386, Buenos Aires,
1960.
Dolma, a respeito de quem pedimos a remissão do leitor ao que foi dito em nossa
Introdução.
importância, havia muito descontentamento e muitas contendas, pois eles não tinham
um chefe único e eram uma nação dividida. Foi durante esse período que o rei de
Vatsa, na índia, teve um filho. A criança, porém, não era um menino normal, pois havia
O rei estava muito aflito e toda a corte se mostrava assustada com o estranho
menino. Assim foi que, querendo livrar-se dele, o rei ordenou que o colocassem numa
caixa de cobre e que o lançassem ao Rio Ganges. Quando isto se efetivou, o rei e a
rainha, assim como todos os do palácio, suspiraram aliviados por se verem livres,
ao abrir a caixa e encontrar dentro dela a estranha criancinha, encheu-se de amor por
ela e a levou para a sua casa, a fim de que vivesse como alguém de sua família.
Dessa maneira, o menino passou uma infância feliz, amado e cuidado pelo camponês
Quando o menino se tornou moço, o camponês achou que já era hora de que
havia sido encontrado numa caixa de chumbo às margens do wanges. E, para que o
rapaz não tivesse a impressão de que havia sido abandonado, o camponês tratou de
camponês, pois sempre havia acreditado que fazia parte da família deste, a quem
considerava como pai. Em sua aflição, o rapaz fugiu em direção aos Himalaias e
cruzou a fronteira do Tibete, onde passou dias e dias sozinho, ao abrigo das
montanhas.
antiga religião. Estes, ao verem o estranho jovem, tomaram-no por um deus, pois, ao
lhe perguntarem quem era, ele respondera, simplesmente: "Um poderoso".1 E quando
lhe pediram para dizer de onde havia vindo, o rapaz indicara a direção da índia, do
comunicar-se com ele; apenas fizeram com que o moço fosse colocado numa cadeira
Notas
1. Este epíteto (em tibetano btsan-po) passou a ser aplicado a todos os reis
do Tibete.
(Nyag-khri btsan-po).
aos outros.
PRECEITOS BUDISTAS
hindu, a quem se deve, mais que a nenhum outro, a introdução do budismo no Tibete,
Conta-se que o rei do Tibete, que não era budista, andava muito ressentido
com o respeito e a veneração que o povo do Tibete mostrava para com o grande
quando o grande mestre o visitasse, todos os chefes do país veriam aquele a quem
tanto honravam render homenagem a seu rei.
para vê-lo render homenagem ao rei; este, com ansiedade, também esperava para
conhecer o grande mestre. O altivo rei mal pôde ocultar o seu grande prazer quando
Padmasambhava levantou os braços como que para prostrar-se diante do trono real;
mas, ao invés disso, das mãos de Padmasambhava saíram chamas que alcançaram
apagar as chamas a golpes, o rei, sufocado pela fumaça que subia das pregas de sua
de respeito.2
Notas
tântrico hindu convidado ao Tibete, a meados do século VII, pelo rei Khri-srong Lde
brstan, para combater os demônios hostis ao budismo, aos quais, efetivamente,
mas igualmente nome de uma região simbólica). Uma das histórias que falam a seu
respeito é a de que, aos oito anos, apareceu sentado sobre um loto, no centro do lago
espécie de longa echarpe, que pode ser confeccionada com diferentes tipos de tecido,
desde seda até gaze atesada com pó de arroz. Literalmente, significa "tecido que une"
e simboliza o laço que se estabelece entre aquele que a oferece e o que a recebe. Era
comemorações. Colocavam-se katas nos altares, ao redor das imagens, dos tankas
volta do pescoço daquele que a oferece, como sinal de bênção (tal como faz
ambos.
Assim, pois, poder-se-ia dizer que a kata simboliza, entendida num sentido
amplo, a idéia de religião, assim como também a que expressa a palavra árabe
barakah.
gota de água.
TSANGYANG CYATSO
interior, meditou em solidão durante muitos anos. O objeto de sua meditação era
Champa (Maitreya), o Buda do futuro, que reside no céu Tushita aguardando a sua
descida à terra. Asanga sempre fora perseverante em seus esforços, mas, depois de
Certo dia, quando passeava pelo exterior de sua caverna, Asanga se fixou
nuns quantos pássaros que pousavam numa rocha proeminente que ficava próxima.
notou uma profunda fenda. Isto o levou a refletir sobre os incontáveis anos que
deveriam ter sido necessários para que, pelo único efeito do roçar suave das asas dos
profunda, ouviu o brando gotejar da água sobre a pedra. Examinando-o mais de perto,
percebeu um pequenino regato que seguia rocha adentro: com os anos, o delicado
gotejar da água havia aberto uma profunda passagem na rocha. "Se as asas dos
Parecia-lhe que, quanto mais ardentemente buscava obter a sabedoria, e quanto mais
apaixonadamente tratava de invocar a Champa, mais impossível isso se tornava.
encontrou um homem que esfregava uma barra de ferro maciço com um pedacinho de
algodão. Asanga perguntou-lhe o que estava pretendendo obter com aquilo, e ele
respondeu que ia fazer uma agulha. Asanga se surpreendeu muito por achar possível
fazer uma agulha apenas esfregando uma grossa barra de ferro com um pouquinho
"Se alguém está realmente resolvido a fazer uma coisa, não fracassará em
Asanga recobrou novas forças, ao considerar que a sua tarefa não era mais
difícil do que a daquele homem, e voltou à sua caverna animado a continuar a sua
meditação.
finalmente, a abandonar seu retiro e deixar de meditar sobre Champa, pois este não
causa de uma ferida no dorso — um dorso infestado de vermes. Asanga sentiu uma
que se lhe tirasse os vermes, estes iriam morrer, pois não teriam de onde comer. Para
salvar o cão, Asanga decidiu tirar-lhe os vermes, e, quanto a estes, iria colocá-los em
sua própria carne, para que pudessem continuar vivendo. Asanga já se dispunha a
retirar os vermes com a mão, mas deteve-se e pensou: "Se os tirar com os dedos,
vermes lambendo a ferida. No mesmo instante em que a sua língua tocava o cachorro,
este desapareceu, e, em seu lugar submerso numa bolsa de deslumbrante luz,
— Durante tantos anos e de tantas formas, tentei vê-lo, sem que o senhor se
mostrasse a mim, e agora, quando meu anseio desapareceu, por que se mostra
diante de mim?
Champa respondeu:
sua mente está realmente pura e, portanto, apta para ver-me. Na verdade, eu sempre
estive aqui.
cidade para que outras pessoas pudessem vê-lo. Assim o fez Asanga, mas o povo,
com a consciência obscurecida por pensamentos impuros, não pôde ver a Champa, e
acreditou que Asanga estivesse louco quando proclamava que levava Champa sobre
seus ombros. Mas uma anciã conseguiu ver um cachorrinho sobre as costas de
e paz interior.
Nota
base doutrinai da escola Yogâcâra (Hossô, no Japão); e, também, junto com o sistema
("nâtha" significa "senhor"), não seria senão o próprio Buda futuro, como fica claro em
nosso relato.
bodhisattva que aparecerá, um dia, como o novo Buda em nosso mundo, e que, da
mesma forma que Sâkyamuni, "fará girar a roda do Dharma, quando esta se houver
detido".
deriva de maitrí, que significa a simpatia universal para com todos, a infinita
benevolência e o amor.
O CASTELO DO LAGO
tão belo e de águas tão claras, que os que passavam perto dele ficavam boquiabertos
de admiração. Alguns diziam que, quando o sol estava alto e projetava sobre a
tranqüila massa de água as sombras dos picos das montanhas, parecia como se
toda a água. Assim, pois, o lago passou a ser conhecido como "o lago do castelo".
Criaram-se muitas histórias sobre o lago e seu castelo. Às vezes se dizia que,
quando a lua tremeluzia e as estrelas refulgiam como diamantes na água, se podia ver
uma estranha gente sair do lago, gente com olhos de fogo e cabelos soltos que caíam
como folhas molhadas ao redor de seus rostos. Ou, então, dizia-se, também,
apareciam ferozes cães, que estraçalhavam as carnes dos viajantes solitários que
Mas, como costuma ocorrer com as lendas, o pai conta à filha e a mãe ao
filho, e, assim, durante gerações e gerações, até que as histórias se ampliam cada
vez mais e mais, e acabam por dizer muito mais do que pretendeu quem as contou
pela primeira vez. E aconteceu que, logo, foi aceito por todos que havia, mesmo, um
castelo no lago, e que o castelo tinha um rei. Este rei, dizia-se, possuía muitos
servidores, homens que, por alguma desgraça, haviam caído no lago, ou que haviam
sido capturados enquanto caminhavam sozinhos por suas margens, e que depois,
Certo dia, um jovem pastor estava guardando seus iaques no lado oriental do
lago, quando sentiu vontade de comer algo; por isso, deixou o seu rebanho e desceu
até a margem do lago. Depois de ter molhado o rosto com água fresca, sentou-se
apoiado contra uma grande rocha; tirou um queijo e um pão de cevada do surrão,
acendeu um pequeno fogo para esquentar seu chá com manteiga, e se pôs a comer.
pensar em sua vida. Sua mãe era uma mulher cruel, que sempre o havia forçado a
trabalhar muito, a fim de que ela pudesse comprar vestidos novos e comer bem. E,
quanto a ele, tinha de contentar-se com uns poucos farrapos e com as sobras de
comida que a mãe não queria mais. Considerando a vida que levava, Rinchen se pôs
a chorar. As lágrimas lhe escorriam pela face e os soluços agitavam todo o seu corpo.
Não conseguiria trabalhar mais do que já vinha fazendo, e, entretanto, sua mãe
os olhos, viu um homem de pé junto à margem do lago. Era um homem alto e vestia
uma chuba1 negra da qual jorrava água — o que dava a impressão de que havia
acabado de sair do lago. Recordando as histórias que tinha ouvido sobre o lago do
Rinchen se voltou para o homem e percebeu que ele possuía uma expressão
bondosa e afável. A sua voz era doce e melodiosa. Todo o medo que o pastor sentira
antes pareceu abandoná-lo, e ele se aproximou do homem alto, de chuba negra, que
estava na margem do lago. Este repetiu a pergunta. Rinchen contou-lhe, então, sobre
sua mãe e sobre como esta o obrigava a trabalhar cada vez mais para mantê-la e
O jovem pastor sentiu que o medo lhe voltava, pois estava certo de que se
entrasse no lago jamais poderia sair dele. O homem alto percebeu o medo do rapaz e,
num tom suave, que era como música para os ouvidos, convenceu-o de que não havia
nada a temer.
é tão cruel, que até a morte me seria melhor do que passar o resto da minha vida
como o seu escravo". E, assim, afastando o medo, Rinchen seguiu o servidor do rei e
entrou no lago.
respirar com a mais completa liberdade. O servidor do rei pediu-lhe que fechasse os
olhos enquanto o conduzia pela água até o castelo. Quando pararam e Rinchen abriu
os olhos, viu que se encontrava numa grande sala, primorosamente enfeitada com
ouro, prata reluzente e madrepérola. No fundo da sala havia um trono, e, neste, estava
um homem: o rei.
O rei fez sinal ao jovem pastor para que se aproximasse. Ao fazê-lo, Rinchen
percebeu que não estava sozinho, na sala, com o servidor e o rei, mas que a cada
lado do trono havia mais servidores, todos eles vestidos com chubas negras como a
do homem alto que lhe havia falado à beira do lago. Quando chegou aos pés do trono
— Por que você está aqui? perguntou o rei com uma voz profunda que mais
parecia o distante reboar de um trovão. O pastor contou, então, a sua história, tal
O rei foi escutando o que o jovem lhe contava e, quando Rinchen terminou o
seu relato, voltou-se para o seu corpo de servidores e fez sinal a um deles para que se
lhe sussurrava algumas instruções. O jovem pastor aguçou o ouvido, mas não pôde
ouvir o que o rei dizia. O servidor abandonou a sala e voltou depois de alguns minutos
trazendo um cão.
— Tome este cão — disse o rei ao pastor —, mas cuide para sempre dar-lhe
O jovem pastor foi embora para casa e com ele seguiu o cão. A partir daquele
dia, tudo o que Rinchen desejava sempre aparecia diante dele. Ao despertar pela
manhã, descobria que havia posto cevada na caixa da cevada, manteiga na caixa da
guarda-roupa. Era muito feliz e sempre cuidava muito bem do cão, seguindo as
instruções do rei de dar de comer ao animal antes que ele mesmo comesse.
riqueza do filho resolveu, um dia, sair ela mesma com o rebanho de iaques, para ver
se podia descobrir a fonte de tanta fartura. E enquanto a mãe se achava fora, o jovem
pastor decidiu observar o cão, pois também estava curioso por saber como o animal
formosa mulher a quem Rinchen jamais havia visto. Ela andou até a caixa da cevada,
levantou a tampa e pôs dentro a cevada, que não se via de onde saía. Depois, fez o
para ocultar a sua beleza, Rinchen cobriu o rosto dela com fuligem e a reteve em casa,
Em pouco tempo, o jovem pastor tornou-se muito rico, e a sua riqueza foi-o
muito dinheiro, e o filho do chefe não se atreverá a roubar-me esta mulher, pois posso
rosto da bela mulher e a levou à cidade para mostrá-la ao povo, pois se orgulhava da
sua beleza.
O filho do chefe estava na cidade e viu a mulher. Cativado por ela, tomou a
firme determinação de fazê-la sua esposa e enviou homens para buscá-la. Muito aflito,
o jovem pastor pediu ajuda aos homens da cidade, mas nem um só quis atendê-lo.
Muito triste, Rinchen foi à margem do lago, sentou-se junto à grande rocha e
toda a história de como havia lançado ao fogo a pele do cão e mantido escondida dos
havia lavado o rosto da jovem, descobrindo-lhe, assim, a beleza para o filho do chefe;
O servidor pediu a Rinchen que o seguisse de novo ao lago, pois o rei tinha
de conhecer essa história.
— Talvez o rei possa ajudá-lo outra vez, disse ao jovem pastor, e este logo se
chame à guerra o filho do chefe. Quando este tiver congregado as suas tropas na
Rinchen recuperou sua bela mulher e a tomou por esposa. Enriqueceu ainda
mais com a metade das terras do chefe e se converteu num chefe rico e benévolo. O
Nota
"chupa" (e o francês "jupe" recebidas do árabe, é a roupa típica dos povos tibetanos. É
Era uma vez um moço que se chamava Tashi. Tashi não era capaz de se
ajustar aos costumes do mundo. Por mais que seu pai se esforçasse, jamais havia
conseguido que o moço caçasse para obter comida. Tashi se negava a tirar a vida de
quem quer que fosse, e tampouco comia a carne que seu pobre pai levava para casa
Tashi tinha três irmãs, que se haviam casado com homens ricos. Amiúde
seus pais se lamentavam da má sorte que haviam tido por terem ficado sozinhos com
um filho que não seria capaz de sustentá-los em sua velhice, um filho que não queria
— Deveria ter-se tornado monge — dizia a mãe —, porque, de que nos serve
este nosso filho? Quando formos velhos, teremos que mendigar às nossas filhas e aos
Esta era a queixa constante dos pais de Tashi, mas, mesmo assim, o moço se
Certo dia, o pai de Tashi insistiu para que o rapaz saísse com ele para
cansado. Havia sido um dia bastante ruim, pois tudo o que havia conseguido pegar
tinha sido um coelhinho. E o pai pensou: "É este meu filho, ele me da azar".
O moço estava sentado numa rocha, e enquanto comia sua pobre ração de
Quando o pai de Tashi viu o que seu filho estava fazendo, também se pôs a
em suas mãos, as contas já gastas do seu rosário. Tirar a vida de alguém era uma
coisa contrária às suas crenças como budista, mas ele precisava conseguir comida
para a sua mulher; por isso, tratava de matar os animais o mais humanamente
possível, rogando por eles ao fazê-lo. Mas era evidente para o pai que nunca iria
conseguir que seu filho raciocinasse como ele. O rapaz jamais tiraria uma vida, por
mais fome que passassem, e o pai não via saída alguma para esta situação.
primeiro, para ver se conseguia descobrir algum animalzinho ou ave. De repente, por
entre as árvores, viu algo que lhe fez conter a respiração. Ali, no campo que beirava o
caminho, estava uma enorme lebre. Era realmente a melhor oportunidade que se
havia apresentado para ele, desde há muitas semanas; por isso, decidiu não deixá-la
escapar de maneira alguma. Pegando a sua funda, arrastou-se entre as árvores para
ter uma perspectiva melhor do animal. A lebre corria em direção a eles, e suas pernas
traseiras davam-lhe tal velocidade, que era impossível ao pai fazer bem a pontaria.
Mexeu nervosamente o nariz, olhou para um lado e para o outro e aguçou o ouvido.
Estava tão perto que o rapaz podia vê-la perfeitamente. O mesmo acontecia com o pai,
que já estava prestes a atirar uma grande pedra com a sua funda. Mas Tashi se
levantou e gritou: "Não, pai, não! Não a mate!" E a lebre, dando um grande salto no ar,
cevada.
O pai ficou como que atônito durante uns minutos. Sua cara estava pálida e
lufadas de cólera subiam-lhe desde dentro. "Por quê?, perguntou ao filho. Por que
você fez aquilo?". Tashi ficou perturbado, pois viu que seu pai estava mais irado do
que nunca e que, provavelmente, a maior surra da sua vida já estava esperando por
ele.
O pai não pôde dominar-se por mais tempo. Apanhando uma grande rocha,
avançou em direção ao filho. "Eu vou matar você" — disse —, eu vou matar você,
você, meu único filho". Dizendo isto, o pai se dispôs a lançar a pedra na cabeça de
Tashi, mas este retrocedeu assustado, rogando ao pai que lhe poupasse a vida. Bem
ao lado do caminho, havia uma encosta rochosa, e, ao lado desta, se abria uma
pequena caverna. A abertura era somente uma estreita rachadura, mas o rapaz se
enfiou por ela e conseguiu escorregar até o seu interior, antes que o pai lhe atirasse
dor.
Uma vez dentro da caverna, Tashi viu que estava a salvo, pois a abertura era
demasiado pequena para que seu pai pudesse passar por ela. Tashi não podia fazer
idéia das dimensões do seu cárcere de rocha, pois estava escuro e era muito difícil
enxergar dentro dele. Avançando palmo a palmo, ao longo de uma das pontiagudas
paredes, chegou ao fundo da caverna, que estava apenas a uns metros da entrada.
levantou. A dor o fez recordar tudo o que o havia levado até ali. O ruído de passos se
tornava mais forte. Quis gritar pedindo ajuda, mas sua voz estava muito fraca e
somente um leve murmúrio saiu dos seus lábios. Algum tempo depois, reunindo todas
as forças que pôde, Tashi gritou, e desta vez mais alto. Os passos se detiveram e ele
corpo vestido com um hábito passou pela abertura e avançou de rastros pela caverna
até Tashi. Este pôde ver que se tratava de um monge, que avançava até ele com os
braços estendidos para levantá-lo e levá-lo a um lugar seguro. Uma vez fora da
caverna, Tashi viu que eram três monges. Eles viajavam juntos em peregrinação aos
lugares santos.
solo e cuidaram da sua perna. Depois de repartirem com ele a sua comida, os monges
pediram a Tashi que lhes contasse a sua história, como havia chegado àquela
situação tão penosa. O moço contou-lhes tudo, referindo-se à sua recusa a caçar, e
dizendo-lhes como, no fim, seu pai, desesperado, havia pensado em matar a seu
único filho.
moço a acompanhá-los em suas viagens. E Tashi assim o fez, vestido com o hábito de
um monge mendicante.
moça, pediu-lhe uma esmola. Depois de dar comida aos monges errantes, quando
estes já se preparavam para partir, a moça perguntou se não teriam encontrado, por
seu caminho, seu irmão desaparecido. Disse-lhes que estava desaparecido há muitos
dias e que a família estava muito preocupada. O monge principal respondeu-lhe que
não o haviam visto, mas que, se isso viesse a acontecer, logo tratariam de dar alguma
A irmã mais velha de Tashi não reconhecera o irmão com o hábito de monge.
monge principal se aproximou da casa e pediu uma esmola. Esta lhes foi dada. E
Quando chegaram à casa da irmã menor de Tashi para pedir uma esmola; ela
rapaz, os quais lhe pediram que permanecessem como convidados todo o tempo que
Tashi agradeceu às irmãs por toda a sua ajuda e por todo o seu interesse,
mas pediu-lhes que o abençoassem, pois desejava partir e levar a sua própria vida. As
irmãs se entristeceram ao ver seu único irmão sair para enfrentar o mundo e
deram-lhe, como presente, um cavalo mágico que falava.2 Tashi pegou o cavalo e se
Ainda não havia ido muito longe, quando alcançou uma vasta planície. O
cavalo lhe disse, então: — Mate-me. Estenda a minha pele sobre a planície e espalhe
as minhas cerdas por todas as partes, para que o vento as leve aos confins desta
planície.
depositou seu fardo no chão, comeu o que suas irmãs lhe haviam dado e se dispôs a
passar a noite ali. Mas, durante a noite, enquanto Tashi dormia, o cavalo lançou-se de
e, olhando para baixo, viu o corpo destroçado do cavalo. Sentindo invadir-lhe uma
tristeza enorme e pensando na conversa na noite anterior, Tashi decidiu fazer o que o
cavalo lhe havia pedido. Pegou a pele, estendeu-a no centro da planície, e depois
espalhou as cerdas do cavalo por todas as partes, lançando-as ao ar para que o vento
— Você tem mostrado uma grande compaixão para com todos. Esta é a sua
recompensa.
Inspecionando a sua nova casa, Tashi pensou nos pais e se perguntou como
viverem com ele na mansão. "Meus pais nunca hão de precisar buscar por comida,
não queria que seus pais soubessem de sua recém-adquirida fortuna. Depois,
apanhou duas tortas e se dirigiu à casa dos pais. Ao chegar a esta, encarapitou-se no
telhado, espiou por uma pequena janela e viu os pais acocorados diante do fogo.
Tashi deixou cair uma das tortas. Sua mãe a agarrou, dizendo: "É um presente dos
deuses!" Mas o pai, esfaimado, arrancou a torta das mãos da mãe, e se pôs a comê-la
com avidez. Tashi deixou cair, então, a outra torta para a mãe. Depois, desceu do
Estreitou-o nos braços e pediu-lhe que não voltasse a deixá-los. O pai, embargado de
Tashi contou-lhes sobre sua nova casa e sobre sua riqueza, e os levou a viver
com ele, na planície. Ali, colocou a mãe num trono de ouro puríssimo; fez o pai
sentar-se num trono de prata puríssima. E quanto a ele, o único filho varão, sentou-se
Notas
na confiança dos vivos. É a melodia eterna do Tibete, que o homem religioso percebe
no murmúrio dos regatos, no rumor das cascatas ou no fragor das tempestades; e que
que grava Tashi em nosso relato; existem em grande número no Tibete e nas regiões
budista passa junto a uma delas, deve contorná-la no sentido das agulhas do relógio,
deixando-a sempre à sua direita, como se faz com os chôrten e outros símbolos
sagrados. Para uma boa ilustração de uma pedra-mani, consulte-se Javier Gómez
Rea e Dedvan Sen: Himalaia, os mosteiros dos auras. Coleção "O Universo do
Sambhala.
O HOMEM BOM
Era uma vez um homem muito bom e generoso. Suas obras faziam-no
querido e admirado por todos. Certo dia, chegou a seu povoado um lama muito
famoso. O homem pediu para falar com o famoso lama, e quando este desejo lhe foi
poder ajudar a todos os seres vivos e dedicar a minha vida ao ensinamento de Buda.
então, que fosse às montanhas e que passasse a sua vida orando e meditando. Deu
ao bom homem uma oração especial para invocar e lhe explicou que se assim
procedesse continuamente e com grande devoção, então, poderia estar certo de que
se converteria num iluminado, capaz de ajudar a todos os demais com sua sabedoria
e compaixão.
O homem fez tal como o lama lhe havia recomendado. Partiu para as
montanhas que rodeavam o povoado, entrou numa caverna e se pôs a meditar com o
maior fervor. Durante muitos anos, foi perseverante, mas, apesar disso, não obteve a
iluminação.
bom soube da sua chegada e desceu da sua caverna nas montanhas para obter uma
Teve de esperar muitos dias, pois muita gente fazia fila para ver o famoso
lama e obter a sua bênção. Finalmente, lhe foi concedido ver o santo homem. Depois
de lhe ter rendido homenagem prostrando-se três vezes aos seus pés, e de ter-lhe
oferecido uma echarpe branca, o bom homem contou ao lama a sua situação:
recomendou — disse —, mas ainda não obtive a iluminação. Devo estar fazendo algo
anos.
— Oh! — disse o lama — temo que isso não tenha servido para nada. Foi
— Sinto muito, disse o lama, mas não posso fazer nada por você.
O homem bom, que já estava muito velho, sentiu que havia perdido vinte
anos de sua vida. De volta à sua caverna, perguntava-se: "Que vou fazer? Durante
todos estes anos, acreditei que poderia obter a iluminação e agora devo abandonar
Sentou-se sobre a laje que, durante vinte anos, tinha sido seu travesseiro,
sua cama e sua mesa, cruzou as pernas, fechou os olhos e pensou: "Vou continuar
com a minha oração e com a minha meditação, porque, que outra coisa, se não isso,
meditar e a invocar as orações que se haviam tornado tão familiares a ele, durante
todo aquele seu longo retiro. E, imediatamente, obteve a iluminação. Viu o mundo em
toda a sua realidade. Tudo estava claro. Compreendeu, por fim, que havia sido
apenas a sua ânsia por obter a iluminação que o impedira de alcançá-la. Agora,
poderia ajudar a todos os seres vivos a encontrarem a paz, graças a sua sabedoria e
sua compaixão. Agora, abandonaria a sua caverna e voltaria ao mundo para espalhar
os ensinamentos de Buda.
visto antes, mas nunca com tanta claridade como agora. Por um momento, acreditou
ouvir o doce riso do famoso lama, enquanto levantava os olhos para o céu e
Nota
O TRANSFORMADOR DO TEMPO
Era uma vez um homem sábio. Viajava por toda a vasta terra do Tibete, e se
detinha nos povoados e cidades onde quer que se requeressem seus serviços. Podia
predizer o futuro, podia vaticinar a uma família os dias mais favoráveis para viajar ou
comerciar, e podia, inclusive, mudar o tempo. O homem sábio era muito admirado e as
A julgar por seu aspecto, dever-se-ia desculpar a quem pensasse que era
pobre. Os que o conheciam sabiam muito bem que não era assim. Ouvindo-o falar,
podia-se tomá-lo facilmente por um homem de cabeça louca, mas aqueles que iam lhe
pedir ajuda, tinham, sem dúvida, outra idéia. Esse homem estranho, com sua chuba
cinturão,1 não era nem pobre nem estúpido. Possuía, segundo diziam alguns,
poderes mágicos. Ele usava estes poderes para o bem de todos os seres, mas — e
isto era o essencial do caso — se alguém ousasse criar-lhe dificuldades, ele podia
desviar seus poderes mágicos para outros usos, e acabar, assim, com qualquer
Se alguém tivesse podido ver, por acaso, o que continham a chuba e o surrão
residência fixa, ele viajava com todos os seus pertences de um povoado a outro. Vê-lo
celebrar uma cerimônia era algo que ensinava muito, e o povo se congregava para
golpeando o seu tambor com ritmos sempre cambiantes e fazendo gestos com a mão
livre2 para invocar o poder dos deuses. Sentava-se horas cantando em oração com
uma voz grave e profunda que parecia provir das próprias entranhas da terra, pedindo
aos deuses que derramassem seu poder e sua bênção sobre os que assistiam à
cerimônia. O sorriso do transformador do tempo era como o sol. Todo o seu rosto se
iluminava e seus olhos refletiam um calor que ninguém podia deixar de perceber.
Certo dia, depois de terminar uma cerimônia de bênçãos sobre uma família, o
Enquanto isso acontecia, o transformador do tempo era observado por uma lebre
Não haviam chegado muito longe ainda, quando a lebre ouviu um bater de
asas e sentiu umas delicadas patas pousarem-se nas suas costas. Era uma urraca.
— Olá, lebre, disse a urraca. Você tem podido achar comida?
escassa.
— Sei disso muito bem, minha amiga — disse a urraca. Vamos viajar juntas;
melhorar.
Por fim, chegaram a um bosque, cuja sombra das árvores foi um alívio para
os três animais. A urraca se deteve para pegar algumas bagas de um arbusto, mas
estas não foram do agrado da lebre e do raposo, que afastaram seus focinhos com
repugnância.
alto de uma árvore. O lobo, perturbado pelo barulho da urraca, virou-se e ficou diante
alimentar. E baixando os olhos tristemente, acrescentou: Já não sou tão forte e veloz
como era.
emoção —, tenho um plano que pode ser de ajuda para todos nós.
transformador do tempo.
— Pois bem, o que eu sugiro é que você, amigo — disse indicando o raposo
—, se deite numa vala e finja estar morto. A urraca fará ruído para atrair o
transformador do tempo para você. Quando ele deixar suas coisas para ir ver você, o
lobo e eu, que somos os mais fortes, lhe tiraremos as coisas e escaparemos.
— Mas, que acontecerá se ele me apanhar e me matar? — perguntou o
— Ele não vai apanhar — piou a urraca. Você pode saltar por cima das suas
costas e escapar.
nenhum de nós está podendo ir tão depressa, devido à nossa fraqueza por falta de
comida.
deslizaram pela água em velocidade crescente, enquanto a urraca voava sobre suas
tempo um trecho considerável, fez sinal aos animais para que descessem à terra. Isto
não foi nada fácil, pois se viram obrigados a abandonai" o tronco e a alcançar,
nadando à margem — uma experiência da qual a lebre poderia muito bem ter-se
poupado.
gritos da urraca e ao vê-la voando sobre uma vala, deixou suas coisas e se aproximou
para investigar. Quando viu o raposo esticado no fundo da vala, pensou que devia
faca, o raposo, incapaz de permanecer quieto um minuto mais, saltou fora da vala e
escapou.
fugindo, pôde ver, também, rapidamente, o lobo e a lebre que desapareciam ao longe,
levando as coisas dele, e eram seguidos nisso pelo raposo e pela urraca, afogueados.
Os animais ficaram tão contentes com suas novas posses, que nem
perceberam que haviam sido enganados pela astuta lebre, e todos partiram alegres,
Mas, nem tudo saiu bem para os animais. O lobo, com suas botas novas, saiu
para caçar ovelhas. Mas, impossibilitado por seu pesado calçado de correr ligeiro,
A urraca, com o enorme chapéu que quase lhe cobria o corpo inteiro,
sentou-se embaixo de um iaque. Este lhe soltou um "bolo" enorme em cima do chapéu,
O raposo foi para a sua casa a reunir-se com a família, que esperava
ansiosamente o seu regresso. Sua mulher e seus filhos se encontravam numa ponte
que passava por cima de um impetuoso rio, esperando para dar-lhe boas-vindas. Ao
aproximar-se da ponte e ver a família esperando-o ali, o raposo se pôs a golpear o seu
tambor ritual tão fortemente, que seus filhos, assustados, se atiraram ao rio e se
afogaram.
silêncio, à sombra de uma grande árvore. Depois que os animais contaram suas
histórias, todos eles se voltaram com ansiedade para a lebre. Esta falou assim:
próprias cabeças. Vocês todos pensaram que saíram prejudicados, mas, olhem só
para mim. E, dizendo isto, a lebre saiu da sombra da árvore que a havia mantido
oculta até então. Também eu saí prejudicada, disse, pois. enquanto comia a comida
que fazer o mal somente traz sofrimentos para aquele que o faz.
E até hoje, passadas tantas gerações, a lebre leva ainda no lábio o sinal
Notas
objeto ritual, que reproduz o "som da imortalidade". O kapâla (tibetano, thod pá) é o
crânio de libações que contém a água da vida, objeto simbólico que vemos, na
sentido literal desta palavra é o de "carimbo", e, por analogia, designa uma atitude
imagem de Buda.
O TESOURO PERDIDO
tornando-os vermelhos como brasas. Nos terraços das casas de Lhasa, os meninos
faziam subir seus papagaios de vivas cores, presos a fios polvilhados de pó de vidro.
movimentos —, e riam, em alvoroço, tentando cortarem-se, uns dos outros, os fios dos
papagaios. Um menino de uns seis anos estava sentado junto ao tio, um monge
vestido de hábito marrom. Observavam o papagaio do menino subindo cada vez mais
no céu. Mantido pelo vento, estava tão alto, que parecia que não se movia. Sem
— Vou morrer logo, meu filho. Leve o meu ouro para a sua casa. É seu. Mas
lembre-se de que não deve confiar em ninguém. Nem sequer na sua esposa.
O pai acreditava que o filho — cujo nome era Sonam — soubesse seguir seu
ido junto à escola, e, todas as tardes, brincavam do jogo de volante com o pé. Tamchu
partir, lembrou-se de que, quando vivo, o pai lhe havia dito que não confiasse em
ninguém. Mas, ao pensar no amigo Tamchu, não pôde admitir que as palavras do pai
devessem ser aplicadas também a este. Não, a Tamchu, não. E assim, levou suas
Tamchu respondeu:
quando voltar de sua peregrinação, você aqui o encontrará. Você não tem por que se
— Está bem, Tamchu, não se preocupe. Você fez tudo o que pôde para vigiar
o meu ouro.
— Tamchu, eu gostaria de cuidar dos seus filhos durante uns meses, já que
não tenho minha própria família. Gostaria de dar-lhes boa comida e boa roupa. Eles
"Embora ele tenha perdido todo o seu ouro nas minhas mãos, ainda quer
cuidar de meus filhos. Sem dúvida, é uma ótima pessoa". E, assim, acrescentou:
Naturalmente, Sonam. Você pode levar meus filhos pelo tempo que quiser.
Sonam levou as crianças para a sua casa e tratou deles muito bem. Mas
comprou dois macaquinhos e pôs neles os nomes dos meninos. Durante os dias que
se seguiram, adestrou os monos para que, quando ele chamasse: "Tendzin, venha
aqui!", o macaquinho maior corresse para ele; e, quando chamasse: "Thupten, venha
Passado o tempo, quando Tamchu foi buscar os filhos, Sonam mostrou uma
perguntou ao amigo:
— Sonam, que podemos fazer? Como podemos fazer com que estes
— Tão logo possa, trarei as bolsas de ouro — disse Tamchu, e saiu correndo
Mais tarde, voltou e deu o ouro ao amigo. Sonam o pegou e disse a Tamchu
que esperasse enquanto ele subia ao andar de cima.. No fim de alguns momentos,
desceu.
em seus filhos..
Tamchu ficou encantado por recobrar seus filhos, mas olhou com vergonha
papagaio de seu sobrinho havia sido cortado enquanto escutava o relato. Ambos
telhados de Potala
CUIDADO COM O MEL QUE É OFERECIDO SOBRE UMA FACA AFIADA!
o minúsculo borrifar
no mesmo instante
TSONG-KHAPA
esmo sobre a mesinha baixa diante do altar. Neste, podiam-se distinguir os objetos
cabeças e mil braços. Pelas outras paredes do pequeno cômodo, havia quadros de
outras divindades, todas elas objeto de devoção para o povo do Tibete. Havia uma
bodhisattva da sabedoria.2
Tibete era muito religioso, e suas vidas giravam em torno dos ensinamentos de Buda,
tal como estes haviam sido explicados pelos grandes mestres e santos que tinham
bem de todos os seres, e que aqui permaneciam para protegê-los e guiá-los em seu
Assim o acreditava também uma velhinha que estava sentada num canto da
capela, a desfiar nos dedos as contas do seu rosário e a repetir, lentamente, a oração
de Chenrezik: OM MANI PADME HUM. Uma e outra vez, a poderosa oração brotava
dos seus lábios. A anciã vivia preocupada, pois era uma viúva sem dinheiro nem
terras: tudo o que possuía no mundo era a sua única filha.. E ela achava que, sem um
dote pata oferecer, a moça jamais iria ser pretendida pelos homens ricos da região, e,
portanto. iria viver a vida inteira na miséria. Não era por sua própria vida que ela se
preocupava, pois a sua vida quase já se havia consumido, mas desejava, de todo o
coração que a vida de sua filha pudesse ser próspera e feliz. Por isto é que rezava.
E sucedeu que um homem pobre, de uma aldeia vizinha, tinha ouvido falar da
filha da anciã, e, quando a vira, ficara tão impressionado com a sua beleza, que
determinou faze-la sua esposa. Ele sabia que não seria fácil que a mãe da moça
consentisse no casamento da filha com um homem de uma condição tão humilde
quanto a sua. Por isso, tramou fazer com que a mãe acreditasse que era um homem
próspero e rico.
rezava e rezava com fervor, pedindo aos deuses que mandassem um rico marido para
tomar sua filha em casamento. O pobre homem ficou escutando até que ela
ele falou:
local, acreditou que fosse a voz dos deuses. Ouviu a voz dizer-lhe que, no dia
seguinte num cavalo branco, apareceria um homem rico para pedir-lhe a filha em
casamento.
inteirinha, a fim de deixá-la preparada para receber o homem rico que os deuses iam
enviar para marido da moça. Depois de preparar a comida, a velhinha foi dizer aos
vizinhos que ficassem prevenidos para a grande festa do dia seguinte, pois que a sua
cantavam e o azul do céu contrastava com o vermelho dos picos das montanhas,
banhados pela luz do sol que nascia A velhinha e a moça estavam emocionadas e
se a sua vida de casada iria ser tranqüila e feliz como ela sempre havia desejado; e
perguntas como estas lhe vinham a mente. Mas depois lembrou que este homem era
uma dádiva dos deuses, de modo que ela não deveria sentir temor algum.
Até que, enfim, homem pobre, vestido com roupas que os vizinhos lhe
haviam emprestado e montado no cavalo branco que era o único que possuía parou
diante da casinha da anciã. Desmontou, sorriu para a moça e tomou a mão dela entre
as suas. Contendo a emoção com muita dificuldade, a velhinha pediu ao homem que
conversado por algum tempo, ele pediu à anciã a mão de sua filha em casamento.
vieram para desejar ao casal a maior felicidade, pois dava para se perceber que
pertenciam a ela num baú, os dois partiram rumo à humilde casa dele, numa aldeia
vizinha. Durante a viagem, o homem começou a se inquietar pela impostura que havia
praticado. Tinha medo que a moça gritasse e berrasse quando soubesse que ele não
era, em absoluto, um homem rico, mas, sim, um camponês muito humilde; temia,
Tirou as coisas da moça do baú e as enterrou. Depois, disse a ela que se enfiasse no
baú, pois iria fazer-lhe uma surpresa quando chegassem à casa. Quando a moça já
estava dentro do baú, o homem o fechou à chave e o colocou numa valeta que havia
num caminho da floresta. Depois, se dirigiu à sua casa.
Chegando lá, o homem pobre foi correndo aos vizinhos mais próximos, e,
preocupassem. Depois, pôs ferrolhos novos e fortes na casa, a fim de que a moça não
pudesse escapar.
influência foi dar justo no lugar onde a moça estava fechada no baú, esperando a volta
do marido. O homem rico e influente ordenou a seus servidores que abrissem o baú, e,
quando viu a moça dentro, ficou tão impressionado com a sua rara e delicada beleza,
que a levou com ele. Dentro do baú, no lugar da moça, deixou um urso feroz.
baú e o arrastou até a sua casa. Já dentro desta, abriu o baú e... ficou aterrado diante
trajeto dentro do baú e pela violência do tratamento. O homem pobre gritou e berrou a
mais não poder, pedindo ajuda, enquanto o urso o atacava, mas os vizinhos não
E assim, o homem pobre, que havia tramado todo aquele embuste com a
moça viveu para sempre mais feliz do que nunca, como esposa de um homem rico e
Notas
vara de bambu que permite possa ser enrolada. Quase sempre a pintura é
populares e acontecimentos.
tibetana, brandindo na mão direita uma espada flamígera, a qual corta a raiz da igno-
A ÁRVORE-SOMBRINHA
centro, numa clareira, se levantava uma árvore enorme. Era belíssima, de folhas
verde-escuras e se estendia como uma sombrinha por sobre toda a terra à sua volta.
sobressaltado. Era noite fechada e havia um grande alvoroço. Sem fazer nenhum
ruído, mudou de posição para poder observar melhor e ficou escondido detrás do
os animais, subiu pelos galhos da árvore-sombrinha e, desde ali, ficou espiando o que
sentar-se sob a árvore, seguido logo de um lobo, um urso, um macaco, aves e muitos
outros animais. Todos os animais que viviam nos arredores do grande bosque tinham
O leão das neves, que era sem dúvida o chefe,2 passou os olhos pela vasta
assembléia e disse:
— Boa-noite a todos!
Palden ficou tão pasmo com o que viu, que quase caiu dos galhos da árvore
quando o leão falou. Segurando-se firmemente num galho forte, foi contemplando —
— Digam-me — disse o leão —, que tal foi o dia de hoje para vocês?
preparavam para voltar aos seus territórios, quando se escutou um surdo rouquido:
— Tenho um relato triste para contar a vocês, hoje. Está relacionado com a
— Conte-nos, então — disse o leão. Que foi que fizeram, hoje, os humanos?
O macaco continuou:
também — disse, pois, se o fosse, poderia fazer muito mais pela felicidade dos outros.
Mas, sendo as coisas como são, eles, os humanos, jamais escutam os chios de um
velho macaco.
O leão das neves levantou uma das garras para impor silêncio:
— Bem — disse o macaco —, há uma família que vive junto do rio. Eles têm
uma filha, uma única filha, que está muito doente. Já faz três meses que ela sofreu um
ferimento na perna, e seus pais não sabem como curá-lo. Pois bem, se eu fosse
muito doente e não pode se mover por falta de água. Pois bem, se os pais da menina
Mas, das outras vezes que tentamos falar com os humanos, eles não nos
quiseram escutar, aliás, nunca nos escutam. Por isso, agora, que se arranjem
sozinhos!
avançando. Foi até a porta e chamou. Seu chamado foi logo atendido pelo pai da
O pai se afastou para deixar Palden entrar na casa e o conduziu até o leito
onde jazia a filha, pálida e enferma, à beira já da morte. Palden se ajoelhou junto ao
— Vou fazer com que você fique boa de novo, sussurrou-lhe. Mas a menina
não o ouvia. Palden viu que tinha que se apressar se quisesse salvar-lhe a vida.
com jeito, uns centímetros, e ali estava a rã, desidratada e morrendo por falta de água.
Palden pediu ao pai da menina que lhe trouxesse uma echarpe branca limpa sobre um
mas, como havia experimentado de tudo para curar a menina, e sem resultado,
Ao voltar do rio, o pai não coube em si de contentamento, ao ver que sua filha
— Tudo o que tenho de valor é seu, é só dizer o que quer, pois o senhor
salvou da morte a nossa única filha, e todo o ouro do mundo não seria suficiente para
— Eu não quero nada, disse Palden, a não ser trazer felicidade às pessoas.
O pai insistiu para que Palden ficasse e que comesse com eles, pelo menos.
Prepararam uma grande festa em sua honra. Todos os vizinhos vieram e, nessa tarde,
houve grande alegria no bosque, pois todos acreditaram que se houvesse realizado
um milagre.
árvore e subiu pelos galhos até ficar escondido da vista de quem quer que fosse.
Dessa vez, foi um tigre que falou dos humanos, contando sobre uma família
árvore que há junto à casa deles, cavaria até um metro de profundidade, e dali tiraria
ouvido era absolutamente real, e de que tinha de encontrar a família que necessitava
escondia detrás do horizonte, mas ainda havia luz suficiente para ver o grande toco.
ao solo. "Será preciso a força de uns cinqüenta homens para arrancar este toco —
pensou —, pois ele está com as raízes enterradas fundo no solo. Sentou-se junto ao
toco, tirou um pouco de comida da sua chuba, comeu, e logo voltou a dormir.
preparava para a jornada. Palden foi até a porta de entrada da casa e chamou,
pouco de água, mas ela disse que a que tinham já não era suficiente sequer para eles
mesmos; e, sendo assim, não podia dar nem uma gota a estranhos.
questões.
— Tudo o que eu quero — disse Palden — são vinte e cinco metros de corda
e doze iaques. Com isso proporcionarei a vocês toda a água que possam necessitar.
Palden tomou a corda, amarrou-a ao toco de árvore, e depois a prendeu aos doze
iaques. Conduzindo os iaques, fez com que eles puxassem e puxassem, até que,
finalmente, o toco foi arrancado do chão. Então, pediu à mulher que chamasse todos
os vizinhos mais próximos e que lhes dissesse que trouxessem pás para cavar.
pouco tempo, a água apareceu. Água de fonte, água de manancial, clara e fresca, que
outros, cheios de felicidade. De repente, uma voz gritou dentre a multidão: "Silêncio!"
Fez-se silêncio entre todos, pois o ancião que havia lançado a ordem era
Vi morrer muita gente. Entretanto, nem eu nem nenhum outro foi capaz de
nosso povo, pois trouxe muita alegria a seus corações e, mesmo assim, não está
Palden respondeu:
homem.
Assim que disse isto, a multidão levantou Palden e o levou aos ombros por
Passaram alguns anos. Palden vivia feliz entre o seu povo. Sucedeu, então,
que um velho amigo seu, inteirado da sua sorte, decidiu fazer-lhe uma visita, no
bosque, para investigar como Palden havia chegado a ser tão famoso e querido.
— Desejo saber — respondeu Kunjo — o que fez você para ter tanta sorte.
escutar os animais em seu colóquio. "Isso vai me fazer muito rico e famoso — pensou
dos animais.
Pouco tempo depois, dentro da noite iluminada apenas pelos tênues raios de
galhos da árvore-sombrinha. O leão das neves olhou para cima justo no instante em
— Pois vejam só! — disse o urso. Com que então, temos alguém para
quando o sol saiu, tudo o que restava do pobre Kunjo eram uns poucos ossos, que as
Notas
outras árvores de características parecidas. Assim, pois, e dado que em nosso conto
não se podia tratar desta árvore, pois o refúgio que oferece ao seu protagonista não é
designação de "leão das neves" poderia ser aplicada, talvez, ao írbis, conhecido como
"pantera das neves", que é própria desta região da Ásia Central. De qualquer maneira,
no Tibete o leão ocupa um lugar destacado como animal simbólico, de acordo, quanto
aos demais, com a significação especial que tem o leão no budismo. E a presença do
leão como animal simbólico na tradição popular tibetana era muito ampla; em algumas
festas, como a do Ano Novo, celebrava-se a "Dança do Leão". Pois bem, a figura
realmente importante nessa tradição era a da "Leoa branca das neves", ou "dos
geleiros", que era considerada a personificação destes últimos. E a água que escorria
deles, reputada como medicinal, era conhecida como o "leite da leoa branca dos
geleiros".
OS AMANTES
Era uma vez o jovem filho de uma família pobre. Tratava de ganhar a vida
Pelo fato de viver no lado sul, onde a grama crescia pobre e rala,
freqüentemente o rapaz tinha de percorrer um longo caminho pelo rio, até o lado norte,
onde a grama era verde e viçosa, e onde havia montanhas e vales nos quais o seu
rebanho podia se apascentar. A viagem levava muitos quilômetros, e o moço tinha que
Foi durante uma dessas freqüentes viagens para o lado norte do rio, que ele
encontrou uma formosa jovem. Também ela guardava o rebanho da família, cujo
número de iaques era muito superior ao dele. Assim, o moço logo soube que ela não
seus animais vagavam pelo vale. Falavam de suas vidas, de suas famílias, de seus
sonhos e de suas esperanças para o futuro. Ele se inteirou de que ela tinha três
irmãos e de que se revezava com eles para guardar o rebanho. Toda vez que ele
cruzava o rio, olhava se ela estava ali; algumas vezes, sim, outras, um dos irmãos
O jovem casal se enamorou. A moça sabia que a mãe iria ter um grande
desgosto quando soubesse dos seus sentimentos, pois desejava que ela se casasse
cantava para ela: eram canções do Tibete, canções de amor, canções sobre o
povoado onde ele vivia. E um dia, o moço tirou um dos longos brincos de turquesa que
escondido. Com isto, os dois se tornavam noivos. Entretanto, quando o rapaz assim
agiu, ela havia experimentado uma grande tristeza, pois sabia que sua mãe jamais iria
Um dia, a mãe da menina, que já suspeitava de algo pelo desejo desta de sair
sempre com o rebanho, insistiu para que ela ficasse em casa para tomar banho e
chão e a mãe reparou nele. Pôs-se uma fúria e obrigou a menina a revelar-lhe quem
O filho mais velho pegou a flecha, mas, quando encontrou o rapaz, não pôde
sangue.
E assim o fez. Quando a mãe viu a flecha, disse ao filho que a levasse ao
lama do povoado. O lama devolveu a flecha com o recado de que na ponta da mesma
havia sangue de corvo, e não sangue humano. A mãe se aborreceu muito. Disse,
sangue.
E assim o fez. Quando a mãe viu a flecha, ordenou ao segundo filho que a
levasse de novo ao lama do povoado. O recado desta vez foi de que o sangue da
A mãe não conseguia mais conter-se. Seu ódio em relação ao moço era tão
intenso, que não ia descansar enquanto não o visse morto. Procurou o filho mais novo
e lhe disse:
ouro que seu pai me deixou. Mas, se você não o fizer, vou tomar a sua vida no lugar
da dele.
muito aflito. Não desejava matá-lo, mas sabia que a sua própria vida estava
dependendo disso. "Se eu levar a flecha com sangue humano — pensou —, tudo
sairá bem: minha mãe pensará que matei o rapaz. Vou disparar a flecha contra a
perna dele apenas para feri-lo". Mas, o que ele não sabia era que a mãe havia
E o filho mais novo correu, tirou a flecha da perna do rapaz e a levou à mãe.
Desta vez, o recado que se recebeu do lama foi de que o sangue da flecha era
O rapaz ferido estava sofrendo muito: a perna piorava dia a dia e o veneno
penetrava cada vez mais no seu corpo. Já não podia andar com o seu rebanho, mas
descia à margem do rio e falava aos gritos com a moça, em meio ao ruído das águas
desordenadas.
E ele respondia:
perna.
noite eu vou morrer. Se amanhã, quando você descer à margem do rio, houver um
No dia seguinte, ela desceu correndo para a margem, mas, já muito antes de
chegar, viu o arco-íris no céu. Soube, então, que ele estava morto. Sentou-se à
voz do moço, que não saía de nenhuma parte, mas que a contornava. Cantava assim:
"O rio tem crescido muito e muito, e nada detém a impetuosa canção das
suas águas. Urna vez que nós nos prometemos mutuamente, inimigo algum pode
quando tudo houvesse terminado, se casaria com o homem que a mãe escolhesse
para ela. A mãe, então, consentiu, e ambas, e mais uma criada, foram ao funeral.
Quando chegaram, o moço jazia numa pira funerária, mas, por mais que a
Imediatamente, se levantou uma chama. A seguir, ela lançou os seus sapatos sobre o
corpo, e a chama subiu mais alto ainda. Depois, voltando-se para a criada, pegou o
azeite de mostarda que tinham trazido com elas e o derramou sobre o seu próprio
corpo. E assim fazendo, entrou na pira funerária que ardia intensamente. E a mãe
pôde contemplar, com horror, como a filha se estendia sobre o corpo em chamas de
seu amante.
— O que era que dava mais medo a seu filho, neste mundo?
— As serpentes.
Assim, colocaram uma serpente e uma rã sobre os restos mortais dos jovens,
distintos animais: os do rapaz, para o lado sul, e os da mocinha, para o lado norte.
cresceram duas árvores, que se tornaram muito grandes. Seus galhos se estenderam
por cima do rio e se entrelaçaram. A mãe da moça mandou que os cortassem. Mas,
pouco tempo depois, nasceram, no lugar das árvores, dois arbustos, e, em cada um
A mãe da moça fez matar os dois pássaros e arrancar os dois arbustos pela
raiz. Quando os espíritos dos dois pássaros subiam em direção ao céu, o macho disse
à fêmea:
E assim o fizeram. Deste modo, agora, cada vez que alguém faz chá tibetano
tostada, que é amassada com o chá formando como que umas bolas.
A RÃ
contornavam as onduladas colinas, e estas iam dar num vale todo feito de uma
Esta cena se refletia nos enormes olhos negros de uma grande rã, que
permanecia sentada, imobilizada sempre, a não ser por algum pestanejar, de vez em
quando. Seu corpo tinha mais de um palmo de comprimento, e a sua pele sarapintada
de cor ver-de-oliva lhe dava uma camuflagem perfeita por entre as pedras empilhadas
zimbro.1
anciã fazia orações junto ao fogo de incenso. Seus fatigados lábios se moviam no
rosto curtido e profundamente enrugado. Seu avental indicava que era uma mulher
casada, e estava tão coberto de pó, que suas riscas de diferentes cores já haviam
desbotado e estavam quase desfeitas, como dando a explicação dos seus muitos
anos de viuvez.
começo, a anciã não a viu, mas depois, tendo a sensação de que estava sendo
observada, virou-se e deu com a mirada imperturbável de uma grande rã. Tratava-se,
pensou a anciã, de um exemplar realmente magnífico, com a sua pele lisinha esticada
sobre os membros comprimidos, e com os seus enormes olhos negros quase ocultos
pelas salientes pálpebras. A rã soltou um canto forte, e, depois, devagar, mas muito
claramente, falou:
A anciã ficou atônita. Nunca ouvira dizer que uma rã falasse. E a ficou
olhando assustada.
A rã inchou, então, o seu saco bucal, coaxou forte muitas vezes, e depois
voltou a dizer:
ser minha mãe. E, dizendo isto, deu um salto e veio postar-se bem junto aos pés da
anciã.
assim, não quis ferir os sentimentos da rã. Respondeu-lhe que, embora fosse uma rã
muito formosa, ela não poderia, de forma alguma, consentir em ser sua mãe.
— Eu sou um ser humano — disse —, você deve buscar também uma rã para
feitos bolas de mármore negro. A viúva se sentiu perturbada: seus dedos começaram
a desfiar as contas do rosário e seus lábios se moviam numa invocação que pedia
proteção. Sem dúvida, era realmente muito estranho que uma rã fizesse uma proposta
como aquela. Começou a crer, então, que talvez se tratasse de um espírito maligno. A
rã nem se movia. Acomodada aos pés da viúva, e coaxando de vez em quando, não
— Vá embora! — disse a viúva. Aqui não é o lugar de uma rã. Estou dizendo
A viúva notou, então, quão expressivos estavam os olhos da rã, quando esta,
A viúva começou a sentir-se invadida por uma grande raiva. Gritou, então, à
rã, que se fosse, que a deixasse em paz; e não a olhava sequer nos olhos, enquanto
falava. E quando, finalmente, se virou de novo para olhá-la, somente pôde perceber a
visão rápida do dorso da rã, enquanto esta se afastava, a grandes saltos, em direção
em classificar seus documentos para o cargo que tinha no mercado do povoado. Fez
uma pausa para beber um pouco de chá numa tigela revestida interiormente de prata,
e, quando estava aproximando dos lábios a vasilha de madeira, teve a sensação de
que não estava só. Dois grandes olhos a observavam com descarada intimidade. A
viúva continuou bebendo o seu chá e ia pensando em como poderia safar-se da rã.
Esta estava no beirai do telhado, pendurada pelas longas patas traseiras, e cocava,
A viúva fez de conta que não havia notado a presença da rã, mas justo no
— Poderíamos levar uma vida muito feliz juntas, se a senhora fosse minha
mãe.
— Não quero, de modo algum, ter uma rã por filho; por favor, deixe-me em
A rã olhou a anciã com tristeza nos olhos. Para surpresa sua, a viúva
descobriu que essa mirada lhe fazia sentir-se culpada. Virando as costas, desceu os
cheio de água, a rã saltou ao seu lado. E, desta vez, para sua própria surpresa, a
minha mãe?
muitas vezes, durante o dia, o que poderia fazer, e o que estaria realmente
acontecendo, para que a rã quisesse tão persistentemente que ela fosse sua mãe.
"Por mais que a mandasse embora pensou —, acaba sempre voltando". E o rosto tão
curtido da viúva sorriu, e desenharam-se profundas rugas na sua pele que mais se
pareceu, pela expressão dos olhos da rã, que esta, estava sabendo dos seus
sentimentos. Será que a teria realmente enfeitiçado? Não obstante, não sentia temor;
E se eu me converter realmente em sua mãe, que vai você fazer como filho2
Muitas coisas, senhora; farei muitas coisas pela senhora. Será, então, minha
mãe?
cinza ainda um tanto quente do forninho de argila, e deu a impressão à anciã de estar
muito satisfeita. Isto não deixou de surpreendê-la, pois acreditava que uma rocha
de seu balde de couro. Depois, com o velho fole, avivou o fogo de excrementos de
iaque3 no braseiro de latão, e em cima dele pôs a grande chaleira de cobre para
esquentar. Com uma concha, serviu cevada tostada em duas xícaras grandes
pouco de chá espesso e manteigoso. Enquanto punha a xícara no chão diante da rã, a
viúva pensava em como esta iria fazer para comer, e se preparava para perguntar-lhe
isso, quando viu que a rã já estava de cócoras e amassava a cevada e o chá com
grande destreza.
E de onde eu vou tirar o queijo, meu filho, se não tenho dinheiro para
comprá-lo?
Falava com tanta confiança em si mesma, que a viúva não pôde evitar o riso.
E, como a rã já estivesse ansiosa por partir, a anciã deu-lhe a sua bênção e disse:
— Pois bem, vá. Que Chenrezik o proteja e que você possa conseguir o
queijo que quer. Depois, a observou desde a soleira da porta, enquanto a rã, com
Logo ficou coberta pelo pó levantado pelas patas dos iaques, das mulas e dos cavalos
da estalagem do lugar.
arbusto e começou a perambular por ali, até encontrar exatamente o que buscava.
Sem vacilar, saltou diretamente sobre o lombo de uma mula carregada com fardos de
Os aldeãos não podiam crer no que seus olhos estavam vendo, e logo se
ajuntou uma multidão. Mas ninguém tentou fazer nada para tirar a rã do lombo da
mula, e tampouco para deter a mula no seu trote pelo povoado com a rã, a qual,
da mula. Todos concordavam quanto ao fato de que uma mula montada por uma rã
interferir. Mas, o que os fazia não entrarem de acordo era se aquilo significava um
demônio maligno.
Quando a viúva escutou a mula no lado de fora, precipitou-se para a porta e
viu que a rã, com efeito, havia trazido para casa uma copiosa provisão de queijo.
— Mas, não pode ser que você, sozinho, tenha feito isso! Não acredito!
A rã disse sorrindo:
— E, por acaso, isto é mais surpreendente do que o fato de que eu seja seu
filho?
— Você é, de fato, meu filho, e, sendo meu filho, tenho o direito de saber
quem você é.
— Você não é um ser humano — disse a viúva —; entretanto, não pode ser
uma rã, você é alguma coisa especial. Mas a rã não respondeu; apenas sorriu
Por um momento, a viúva se entristeceu muito, pois não podia imaginar que
alguma fêmea fosse gostar da vida que seu "filho" estava levando; e ela conhecia
muito bem a vida para saber que a rã não poderia negar à sua esposa o tipo de vida
— Está bem, meu filho — disse a viúva sorrindo — faça como quiser, mas
em todas as coisas que lhe podiam ocorrer, a ela, uma pequena rã, sozinha no mundo,
presa fácil de tantos animais selvagens; podia, inclusive, já estar morta. A viúva
esperou. Passaram-se muitos dias, mas a rã não deu sinal de vida. A anciã se
ocupava de seus trabalhos com tristeza, e foi aí, então, que comprovou quão
A rã, por sua vez, não tinha intenção alguma de se casar com outra rã; por
isso, visitou todas as casas das imediações nas quais sabia haver alguma moça
teve boa impressão de nenhuma delas. Na manhã do quarto dia, espreitou por uma
rã tinha ouvido falar da formosa filha deste, e, no final dessa manhã, depois de ter
observado a jovem, soube que tinha encontrado aquela a quem tomaria para esposa.
de feltro que lhe chegavam aos joelhos. Para seu espanto, a rã respondeu à pergunta:
E o que você é?
— Sou apenas uma rã. Vim vê-lo e falar-lhe.
perguntar:
— Quem é você? Deve ser um rei das rãs. E, sem esperar resposta, vestiu
— Vim — disse com uma voz cheia de firmeza — pedir-lhe a mão de sua filha
em casamento.
arregaçando a chuba, para que lhe ficasse até os joelhos, segundo é costume no
Tibete oriental.
— Não sei o que você é — disse —, se demônio ou espírito; mas, seja o que
mensagem a seu irmão, que era lama, e que saberia como vencer aquele demônio-rã.
A rã viu que o comerciante não ia ser fácil de ser convencido. Por outro lado,
tinha que admitir que a maioria dos pais ia ser igualmente difícil de se convencer
tossirei.
O comerciante pensou que isso não iria constituir ameaça alguma, e lhe
disse:
agudo, e tossiu, ou fez o que o comerciante pensou que fosse tossir. Mas, do fundo da
matar a rã. O animal cravou-lhe o olhar com seus olhos negros e voltou a tossir, no
formulasse:
permitiremos que se case com a nossa filha, mas, não tussa mais, eu lhe peço.
ar. Mas, desta vez, o que se ouviu não foi um forte rugido, mas sim um suave suspiro,
como que uma brisa refrescante; e, por um momento, marido e mulher se sentiram
consolados e acariciados.
havia rachado com a tremenda tosse da rã. Olhe! repetiu, passando a mão pela lisa
superfície.
sua esposa notaram, então, que, no momento em que a rã soltara o seu suspiro, tudo
aquilo que havia sido quebrado ou estragado tinha voltado à sua condição anterior.
A esposa do comerciante deixou-se cair pesadamente num dos assentos
baixos tapizados do pequeno quarto. Vestia uma chuba de brocado, com um grande
súplicas. "Teria ele ficado louco? Como poderia a filha casar-se com uma rã?"
comerciante e à sua mulher, com uma voz melodiosa e musical, uma voz clara e
precisa, como o ruído de um pedaço de gelo ao se quebrar. Era, com efeito, uma voz
participam todos de uma só força espiritual, de modo que vocês não devem se
preocupar.
santos possam ver que todos nós somos um só". Mas, a seus olhos, ali e naquele
momento, isso distava muito de ser daquela forma, e não podia aceitar a idéia de que,
você nos pede a nossa única filha. Se você a levar, é possível que nunca mais a
vejamos. Estava de pé, diante da rã, e novamente considerava o curioso encanto que
a envolvia, inclusive quando estava quieta, como naquele momento em que estava
escutando.
— Os senhores não perderão sua filha — disse a rã. —E ela terá tudo o que
desejar.
A mulher do comerciante olhou a rã com olhos suplicantes, e esta pôde ver as
lágrimas que brilhavam nos seus olhos, a ponto de transbordarem e deslizarem pelas
faces.
casa, nossas posses, tudo o que desejar, mas, por favor, nossa preciosa filha única,
— Se não me derem sua filha, chorarei. Parecia tão triste, que a mãe da
moça sentiu que uma onda de compaixão lhe invadia o peito. Quando a rã terminou de
falar, de seus olhos saltaram duas lágrimas, e os pais, horrorizados, viram como as
lágrimas se convertiam numa torrente impetuosa, a qual, num instante, invadiu toda a
casa e as terras circundantes, como se cada lágrima fosse um oceano. O casal saltou
para uma caixa que passava flutuando e, quando esta chegou à escada que levava ao
olhavam assombrados.
toda a água da casa e dos campos circundantes secou. Roupas, farinha e grãos
estavam secos, como se nunca houvessem sido atingidos pelas águas torrenciais. O
um gato: o medo da água havia criado a harmonia entre estes animais antagônicos
por natureza.
somente refletia inquietação. Sua mulher tratava de fazê-lo ver que não podiam deixar
que a filha se casasse com uma rã. "Nos envergonharíamos — dizia — Como
— Não é necessário que se preocupem — disse a rã. — Não vêem que todos
seus olhos, o que eles não se atreviam a declarar; sabia que pensavam que a rã era
um dos seres mais inferiores, e que nem sequer uma rã tão especial quanto ela teria o
— Olhe! — disse à rã. E tirou uma grande chave e abriu o baú, pondo à
mostra uma quantidade enorme de peças de prata. Leve tudo isto para você.
— Não é o seu tesouro o que eu quero — disse — mas a sua filha. Depois,
coaxou e riu.
— Por favor, você está acabando com a nossa casa! — gritaram em uníssono
aumentaram em intensidade.
a rã cantava com o vento que acariciava as bandeiras de preces que ondeavam num
era, de fato, uma beldade, com a sua tez branca e as feições delicadas emolduradas
pelo longo cabelo solto, da cor do azeviche. Seus olhos mostravam uma inteligência
viva e sua voz era doce e delicada. Ela sorriu educadamente para a rã, mas sem
de infelicidade.
— Devemos nos preparar para partir para a minha casa — disse a rã. — Não
perguntou, desesperada, como poderia levar uma vida de casada com uma rã. Por
bonita que fosse, não seria nunca senão uma rã, uma rã!
secando-lhe as lágrimas com o lenço. — Você tem que ser muito corajosa. E lhe
— Sim, Pa-la. Tentarei. Mas... uma rã! Que será de mim? Seus olhos se
como se temesse que a rã, com seus extraordinários poderes, pudesse ouvi-lo.
olhava perplexa. Você deve matá-lo. Então ficará livre. A menina balançou a cabeça
dele.
— Mas como poderia eu matá-lo? Ele logo se daria conta de meus planos —
golpeie a rã na cabeça com um deles. Não serve usar uma pedra comum, não teria
efeito sobre um demônio. Mas uma destas matérias matará a rã e dará liberdade a
você.
equipagem de Choden tinha sido amarrada com correias sobre duas bestas de carga,
andar a saltos devesse ser uma forma muito fatigante de deslocar-se. Durante algum
silêncio, que se acentuava pelo ruído dos cascos do cavalo e das mulas sobre o solo
dominando tudo, abarcando tudo, estava o céu azul-turquesa. Era, pensava a moça, o
silêncio do céu. Sabia que os peregrinos que viajavam aos lugares santos haviam sido
conscientes desse silêncio — um silêncio que podia ser palpado e que era, segundo
sobrepujar o medo e matar logo a rã, se queria ver-se livre dela. Já estavam muito
longe da casa de seus pais. E quando o sol se afundava detrás das montanhas e as
sombras se estendiam, pegou, de sua chuba, o maior pedaço de turquesa que estava
na bolsa de pele. Estava muito assustada, mas, com toda a sua força, o atirou na rã,
que se encontrava poucos passos adiante. O pedaço de turquesa foi dar-lhe, na rã,
fortemente na cabeça, mas, para espanto da moça, rebotou, sem nada causar. A rã
pareceu não sentir nada, mas chegou a ver a turquesa e deu um pulo para recolhê-la.
Deu-a, então, à moça, e esta pensou: "Este demônio vai me castigar". Mas, somente
suficiente coragem para tentar de novo matar a rã. Desta vez, escolheu um pedaço de
prata. Tinha ouvido dizer que muitos demônios e espíritos haviam sido afugentados
com êxito graças a armas rituais feitas de prata. Mas, desta vez, Choden decidiu não
força, deu-lhe com o pedaço de prata na cabeça. Soou como se houvesse golpeado
algo de ferro, e, com o impacto, a prata saltou-lhe da mão e uma dor intensa
percorreu-lhe o braço. Mas a rã, para espanto da moça, não pareceu sentir o mais
leve golpe. Não houve nem um segundo de vacilação em seus rápidos e regulares
saltos.
A jovem esposa estava agora realmente muito assustada, e, para seu maior
espanto, a rã se deteve de repente, deu uma olhada para trás e viu o pedaço de prata.
Uma vez mais, recolheu com cuidado o tesouro e o devolveu à sua esposa.
— Você pode precisar disso algum dia.
havia realmente nada a fazer. Devia é dar-se por muito feliz, uma vez que a rã só lhe
havia respondido com benevolência. "De fato, pensou — é uma pena muito grande
que seja uma rã, pois realmente parece muito boa. Mas, de qualquer maneira, não
passa de uma rã, ainda que, aparentemente, tudo leve a crer que seja uma rã
mágica".
Enquanto viajavam, a moça se perguntava como iria ser a sua vida com esse
seu marido. Onde viveriam? Naturalmente, essa casa da qual a rã falava não podia
estar no mundo dos homens, pois neste não há lugar para uma rã, ainda que seja uma
rã mágica. Tratou de trazer à memória o tipo de casa que tinham as rãs, e somente
impressão de que, por não ser uma rã comum, era provável que vivesse em algum
dos céus, ou — pensou também — em algum dos infernos. Porém, a moça não
pensava em ir a nenhum dos dois, pois achava o mundo, ainda, um lugar belo e
interessante, e estava certa de ter, ela mesma, muito pouco em comum com os
deuses.
Até que, desesperada, Choden decidiu que devia experimentar o ouro. Não
era este o metal dos deuses, símbolo de tudo o que é sagrado? Assim, pegou da
bolsa o maior pedaço de ouro. Esperou até que o cavalo estivesse bastante perto da
rã, e, então, fechando os olhos, descarregou com as duas mãos o pedaço de ouro
sobre a cabeça dela. "Sem dúvida, desta vez — pensou ela — devo tê-la matado".
Mas o ouro soou como se houvesse golpeado uma nuvem. A rã, imperturbável, seguia
saltando. Choden se pôs a chorar em silêncio. Só então, se deu conta de que seu
A voz da rã era delicada e a moça sentiu quão digna de amor ela lhe soava.
verdade, pensando-o bem, suas lágrimas haviam sido lágrimas de desabafo, mais do
que outra coisa, e estava muito contente de não ter causado nenhum dano à rã.
Porque, ferir uma rã com uma natureza tão bondosa não podia ser nada bom. Talvez,
disse a si mesma, a sua vida iria ser muito melhor do que ela havia imaginado.
enquanto abria a porta para dar boas-vindas ao "filho". Ficou atônita ao ver que,
efetivamente, a rã havia tido êxito em sua busca de uma esposa — coisa que não
podia caber na sua mente de anciã. A esposa era formosa e seus olhos — pensou —
A casa da rã não era, em absoluto, o que sua esposa havia esperado. Mas,
embora fosse muito mais humilde que a de seus pais, era, contudo, um lugar quente e
acolhedor; e Choden comprovou, para surpresa sua, que era muito feliz. Aquela noite,
informou, que fazia dias, estavam chegando ao povoado pessoas de todas as partes
da província, inclusive desde os vales mais remotos, para tomarem parte nas corridas
assistir ao primeiro dia das corridas. Entretanto, a rã disse que tinha algumas coisas
para fazer, e lhes pediu que fossem na frente, que logo se juntaria a elas. Choden e a
quarto. Depois, inchou seu saco bucal e, num instante, se transformou num elegante
jovem. O único sinal de sua forma anterior era uma pele de rã que estava, enrugada, a
seus pés. Pegou um pouco de sal de uma caixinha e jogou com cuidado sobre a pele;
deles, com a esperança de que a anciã, com sua vista fraca, não o reconhecesse nas
parte do dia era passada em cantos, bailes, comi lanças e jogando-se o mah-jong.
disparar uma flecha num alvo móvel, recolher uma echarpe do chão com os dentes,
ou abrir-se passagem com uma espada diante de um boneco que fazia às vezes de
adversário.
homem foi-se destacando claramente como campeão. Mas esse homem era um
mistério para todos. Ninguém sabia quem era ou de onde procedia, e nunca se o
podia encontrar depois de uma corrida. Era tal a sua destreza e tão denso o mistério
em torno dele, que se murmurava que era um dos deuses. E a esposa da rã tinha a
impressão, cada vez mais forte, de que conhecia o elegante jovem. Em diversos
momentos, durante o festival, a rã havia estado com elas, e algumas vezes a moça lhe
elegante estava competindo outra vez na corrida, e, antes que esta terminasse, a
moça foi correndo, tão depressa quanto pôde, até a casa da viúva. Como de costume,
a rã havia dito que com o passar do tempo, o amor do jovem pela esposa aumentou
cada vez mais, e ele acabou ficando feliz por permanecer no mundo dos homens.
Sabia que muitos contariam a sua história e aprenderiam, assim, que todas as coisas
se distinguem apenas por sua "pele", por sua "forma", mas que todas as coisas são,
Notas
incontáveis lugares no Tibete. Esta é outra das práticas que remontam a um passado
ancestral. O zimbro (tibetano, sug-pa) era uma árvore sagrada e queimar os seus
forçar um pouco a expressão, somos obrigados a falar de "filho" pelos motivos que se
iaque.
(garbha) em cada um deles, germe que faz possível a iluminação. Assim, todos os
As nagas são divindades aquáticas que podem adotar a forma humana. Vivem num