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Diocese de Uruaçu

PARÓQUIA SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

CURSO DE INTRODUÇÃO AO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

FORMAÇÃO PARA O LAICATO

CARDEAL JOSEPH RATZINGER

1
SUMÁRIO

Parte I
Introdução ao Catecismo da Igreja Católica 03

Sobre a Pré-história da Catecismo ...................................................................... 03


Gênero literário, destinatários e método ............................................................. 04
O autor do Catecismo e sua autoridade ............................................................... 06
Estrutura e conteúdo ............................................................................................ 07

Parte II
O Catecismo da Igreja Católica idéias fundamentais e temas principais 10

A hierarquia de verdades ..................................................................................... 11


A unidade da tradição eclesial no espaço e no tempo ......................................... 13
O realismo na exposição dos conteúdos da fé ..................................................... 15

Parte II
Breve introdução às quatro partes do Catecismo da Igreja Católica 17

Nota preliminar: Indicações práticas sobre o uso do Catecismo ......................... 17


Primeira parte: A profissão de fé ........................................................................ 18
Segunda parte: A celebração do mistério Cristão ............................................... 23
Terceira parte: A vida em Cristo ......................................................................... 25
Quarta parte: A oração cristã ............................................................................... 28
Abreviaturas ........................................................................................................ 29

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CAPÍTULO I
SOBRE A PRÉ-HISTÓRIA DO CATECISMO

Vinte anos após o final do Concílio Vaticano II, em outubro de 1985, o Santo Padre convocou uma
Assembléia Extraordinária do Sínodo dos bispos, cujos membros — diferentemente da estrutura dos sínodos
habituais — foram os presidentes de todas as Conferências Episcopais da Igreja Católica. O Sínodo pretendia ser
mais do que uma recordação solene do grande acontecimento da história eclesial, do qual somente alguns dos
bispos ali presentes haviam participado. Ele deveria olhar não só para trás, mas também para frente: verificar a
situação da Igreja; refletir mais uma vez sobre a vontade fundamental do Concílio; indagar como essa vontade
deveria ser adaptada aos dias de hoje e como ser fecundada para dar frutos no futuro.
Também nasceu a idéia de um Catecismo da Igreja Católica, em analogia com o Catecismo Romano
publicado em 1566, que na época contribuíra de forma decisiva para a renovação da catequese e a divulgação do
espírito do Concílio de Trento. A idéia de um Catecismo do Concílio Vaticano II não era totalmente nova. No
último período do Concílio, o Cardeal Jãger pedira que o Concílio providenciasse um livro assim e conferisse,
dessa forma, um aspecto concreto à obra do aggiornamento no campo da catequese. Partindo de reflexões
similares, já em março de 1966, a Conferência Episcopal Holandesa publicou seu Catecismo, aceito efusivamente
em grande parte do mundo, como uma forma renovada da catequese, mas desencadeando também sérios
questionamentos. O papa convocou, então, uma comissão constituída por seis cardeais; em outubro de 1968, essa
comissão fez uma declaração que respeitava "a peculiaridade... louvável" do Catecismo, mas precisava e corrigia
suas declarações em alguns pontos fundamentais.
Na época perguntou-se naturalmente se a melhor resposta para a problemática suscitada por esse livro não
estaria na elaboração de um Catecismo para toda a Igreja. Na época, opinei que os tempos não estavam
suficientemente maduros para a realização de tal propósito; acredito que essa avaliação da situação ainda é correta.
É verdade, Jean Guitton disse que nosso Catecismo chegou com 25 anos de atraso; de certa forma, podemos dar-lhe
razão quando fez essa afirmação. Mas é preciso que se diga também que, em 1966, ainda não se podia ter idéia de
toda a extensão do problema, pois apenas se iniciara um processo de efervescência que apenas paulatinamente
levaria às clarificações necessárias para uma nova linguagem comum.
Quando os bispos, em 1985, analisaram os acontecimentos anteriores e posteriores, convenceram-se quase
espontaneamente que era o momento e que não se poderia mais hesitar em tomar essa medida. Depois da fase de
fervor imediatamente posterior ao Concílio, quando em muitos lugares se produziram novos Catecismos e a
precipitação não permitia que surgissem idéias realmente amadurecidas, acabou surgindo um abandono da idéia do
Catecismo. Devido a seu precipitado aggiornamento, livros novos já apareciam ultrapassados; quem se liga ao hoje
com demasiada pressa, amanhã inevitavelmente será visto como superado. A opinião era que as mudanças
contínuas da vida e do pensamento não permitiam afirmações válidas a longo prazo; a catequese deveria ser
permanentemente reescrita. Ela precisa, sim, ser continuamente avaliada; qualquer catequese é um ato de
atualização, que traz a mesma palavra aos homens do momento presente. A atualização, porém, pressupõe algo que
diga respeito ao tempo presente e nele deva ser novamente introduzido; caso contrário, ela nada significará. De
fato, com esse processo de adaptações contínuas, surgiu um esvaziamento da catequese, que se foi tornando
humanamente sempre mais difícil e quase ineficaz do ponto de vista didático-pedagógico.
Quanto a isso, sempre lembro uma carta que uma catequista me escreveu algum tempo depois de eu ter
proferido conferências em Lião e Paris sobre a catequese. Na carta, pude reconhecer uma mulher que amava as
crianças e sabia lidar com elas; uma mulher que amava sua fé e utilizava aplicadamente os instrumentos de
catequese a ela oferecidos pelos órgãos competentes; além disso, uma pessoa extraordinariamente inteligente.
Contava-me que havia muito tempo observara que, no final do trabalho catequético, nas crianças não sobrava
realmente nada, ficando tudo praticamente sem efeito. Sentia o trabalho, que assumira com alegria, cada vez mais
insatisfatório, e percebia que o resultado não agradava as crianças, apesar de todo o seu empenho. Atormentava-se
perguntando qual seria o motivo para isso. Essa mulher era muito inteligente para atribuir o fracasso da catequese
simplesmente a nossos tempos difíceis ou à falta de fé da geração atual; devia ser outro o problema. Por fim,
decidiu analisar todo o material de catequese quanto a seu conteúdo, quanto ao que estava sendo transmitido
através de todos os artifícios didáticos. O resultado foi para ela uma chave, uma oportunidade de buscar um novo
começo. Constatou que a catequese, didaticamente tão refinada e tão atualizada, na verdade não obtinha resultado
algum, girando apenas em torno de si mesma. A catequese ficou presa a simples ajustes e adaptações, sem ajustes
que atingissem seu conteúdo. Era evidente que essa doutrinação, que girava no vazio e nada comunicava, não podia
despertar interesse. O conteúdo tinha de recuperar sua prioridade.
Essa é uma experiência extrema, que eu não gostaria de generalizar. Mas que nos permite reconhecer a
problemática da catequese nos anos 70 e 80, durante os quais se expandiu certa aversão contra conteúdos
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permanentes, predominando o antropocentrismo. Assim sendo, surgiu um cansaço entre os melhores catequistas, e
naturalmente também entre nossas crianças, as destinatárias da catequese. Difundiu-se a idéia que haveria de
brilhar novamente a força da própria mensagem. Os bispos do Sínodo de 1985 votaram a favor desta posição:
estava maduro o tempo para um Catecismo do Concílio Vaticano II.
Na verdade foi mais fácil dar a ordem do que cumpri-la. Para concretizar a idéia, o papa providenciou, em
10 de julho de 1986, uma comissão composta por 12 bispos e cardeais; dela faziam parte os representantes dos
órgãos mais importantes da Cúria, bem como dos grandes ambientes culturais da Igreja Católica. Quando a
comissão se reuniu pela primeira vez em novembro de 1986, teve diante de si uma tarefa extremamente difícil:
tentar esclarecer, em primeiro lugar, o que deveria fazer, pois a tarefa apresentada pelos padres sinodais, e que o
papa fizera sua, ficara bastante imprecisa. Deveria ser "composto um Catecismo ou um compêndio de toda a dou-
trina católica, tanto em matéria de fé como de moral", que pudesse ser "ponto de referência para os Catecismos ou
compêndios que venham a ser preparados nas diversas regiões". Os padres tinham dito, além disso, que a
fundamentação da doutrina deveria ser "bíblica e litúrgica'; uma "doutrina sã e adaptada à vida atual dos cristãos".

CAPÍTULO II
GÊNERO LITERÁRIO, DESTINATÁRIOS E MÉTODO

Apresentou-se logo a alternativa: Catecismo ou Compêndio? É a mesma coisa ou se trata de possibilidades


diferentes? Deveria, pois, ser esclarecida a pergunta: Que é um Catecismo? Que é um Compêndio?
Interessante como está amplamente difundida a opinião segundo a qual seria essencial ao Catecismo o
esquema de pergunta-resposta; contra o que havia sérias objeções. Na verdade, nem o Catecismo de Trento nem o
Grande Catecismo de Lutero seguiram esse esquema. Assim sendo, antes de mais nada era preciso explicar o que
os dois conceitos realmente significavam.
Buscando informações na história, notamos que, no Concílio de Trento e depois, só paulatinamente se
firmou o conceito. Nas primeiras sessões, falou-se da necessidade de dois livros: uma pequena e concisa introdução
às Sagradas Escrituras (Methodus), destinada em geral a pessoas cultas, e um "Catecismo" para os incultos. Já na
segunda sessão, de 1547/48, empregou-se exclusivamente a palavra "Catecismo". Permaneceu a idéia dos dois
livros diferentes, a partir da qual se desenvolveu aos poucos a distinção entre "grande" e "pequeno" Catecismo.
O Cardeal Del Monte encerrou então a sessão com as seguintes palavras: "Primeiro é preciso escrever o
livro; depois se encontrará um título para ele". De fato, ao que parece, o Catecismo de Trento foi para a tipografia
ainda sem título. Pelo menos os manuscritos não possuem títulos, que foram definitivamente estabelecidos só na
edição. Para as deliberações de nossa comissão, constituída por 12 membros, a distinção entre Grande Catecismo e
Pequeno Catecismo foi um auxílio fundamental.
A palavra compêndio lembraria por demais coletâneas destinadas somente a bibliotecas especializadas, mas
não para leitores comuns. Com o título "Catecismo", o livro saía do setor da literatura especializada; o que nele se
oferece não é ciênciaespecializada, mas anúncio.
Com isso, tocamos na verdadeira questão que se esconde atrás da discussão sobre o título. Para quem,
então, esse livro deveria ser escrito? A quem seria destinado? As essas estavam ainda vinculadas outras perguntas:
Que método seria empregado? Que idioma se usaria? Estava claro, desde o início, que não se trataria de um
"Pequeno Catecismo", de um fio condutor que fosse utilizado diretamente na catequese paroquial ou escolar. Os
desníveis culturais, grandes demais, não permitiam um livro didático universal; seriam muito diversas as exigências
pedagógicas. Portanto, era preciso um "Grande Catecismo". Mas para quem esse Catecismo estaria realmente
destinado? O Concílio de Trento havia dito: "ad parochos", para os párocos. Naquela época, eles eram praticamente
os únicos catequistas, ou pelo menos os primeiros encarregados da catequese. De lá para cá o serviço da catequese
expandiu-se consideravelmente. Ao mesmo tempo tornou-se mais vasto o mundo católico para o qual o livro
deveria dirigir-se. Assim convimos que, em primeiro lugar, se deveria ter em mente aqueles que mantêm toda a
estrutura da catequese: os bispos. O livro deveria servir a eles primeiramente, e a seus colaboradores responsáveis
pela catequese nas diversas Igrejas locais. Através deles o livro seria, por um lado, fator de unidade interna na fé e
no anúncio; através deles, por outro lado, estaria garantida a legítima adaptação dos elementos universais às
situações locais. Mas isso não devia significar que o Catecismo ficasse novamente reservado apenas a alguns
"poucos escolhidos". Isso também não corresponderia à compreensão renovada da Igreja e de nossa
responsabilidade comum como seus membros, que nos foi ensinada pelo Vaticano II. Na Igreja os leigos também
são co-portadores da fé; eles não só recebem a doutrina, mas também a transmitem através de seu senso de fé, e a
desenvolvem. Eles respondem igualmente tanto por sua estabilidade como por sua vivência. Na crise do período
pós-conciliar, o senso da fé dos leigos é que contribuiu de forma essencial para o discernimento dos espíritos. Por
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isso, o livro deveria ser também acessível para os leigos interessados; deveria constituir um instrumento de sua
Maioridade e de sua própria responsabilidade pela fé. Que não apenas fossem instruídos pelos superiores, mas que
pudessem dizer por si mesmos: Esta é nossa fé.
Hoje o sucesso parece dar razão a esse raciocínio. Muitos fiéis querem instruir-se na doutrina da Igreja. Na
confusão que nasce da multiplicidade das hipóteses teológicas e de sua divulgação altamente questionável pelos
meios de comunicação, desejam eles saber por si mesmos o que a Igreja ensina e o que não ensina. Parece-me que a
acolhida encontrada por esse livro é praticamente quase um plebiscito do povo de Deus contra as forças que
apresentam o Catecismo como uma intervenção disciplinar do centralismo romano conservador, ou algo
semelhante. Muitas vezes, com esses "slogans", determinados círculos estão apenas defendendo seu próprio
monopólio na formação da opinião teológica na Igreja e no mundo, na medida em que não desejam ser perturbados
pela competência própria dos leigos.2

2. Encontramos um exemplo dessa crítica, montada praticamente a partir de componentes pré-fabricados meio enferrujados, na tomada de
posição de H. Küng, Ein Welt-Katechismus? em: Concilium 29 (1993) 273s. Mais uma vez se alega "tratar-se de um Catecismo do partido
romano", no qual tudo "teria sido decidido por uma comissão curial" (273). Se observarmos os nomes dos membros da comissão e dos
colaboradores, bem como os resultados da pesquisa em nível mundial, veremos quem de fato está sendo partidário. Quando Küng nos
informa ainda que a fé no nascimento virginal por sua natureza referente ao corpo é "medieval", então perguntamos onde fica a objetividade
histórica. Os Santos Padres lutaram em vão contra o docetismo?

Evidentemente o Catecismo deve servir também à tarefa primordial da catequese, a evangelização.


Apresenta-se como ajuda também para os agnósticos, para os que questionam e buscam, de modo que possam saber
em que a Igreja Católica acredita e o que procura viver.
Na verdade, é preciso admitir que nesse campo não faltaram perguntas que tivemos de nos fazer na
comissão: A proposta de um Catecismo comum para toda a Igreja não seria ampla demais? Não seria isso um ato
inadmissível de uniformização? Também tínhamos de ouvir a pergunta, cheia de reprovação, se com isso não se
estava pretendendo criar um novo instrumento para a censura do trabalho teológico. A esse respeito é preciso dizer
primeiramente que nesta humanidade e nesta cristandade, que rompem sempre mais qualquer uniformidade técnica,
não precisam de defesa elementos da unidade. Necessitamos deles com a máxima urgência.
Quando vemos, em muitos países, arruinada a capacidade de convívio, de consenso moral e
conseqüentemente de consenso civil, devemos perguntar: Por que isso acontece? De que maneira podemos
reaprender a conviver uns com os outros? Certamente só à medida que encontrarmos bases espirituais, que
superarmos as cisões e despertarmos a capacidade de nos aceitar uns aos outros. Existe também na Igreja uma
dispersão de facções políticas e de grupos que praticamente mal conseguem reconhecer-se como membros da
mesma comunidade. A decadência da unidade eclesial e da unidade civil caminham de mãos dadas. Não é verdade,
porém, que hoje já não seja possível afirmar unanimemente o que é comum. O Catecismo não quer reproduzir
opiniões de grupos, mas a fé da Igreja, que não foi inventada por nós. Somente essa unidade, no que é fundamental
e importante, é que torna possível também a pluralidade viva. Já podemos notar como o Catecismo suscita
iniciativas variadas e como se tornam possíveis as duas coisas: nova unidade de pontos de vista e nova encarnação
em mundos diversos.
No acima exposto estão contidas importantes decisões tanto para o método do Catecismo como para sua
validade na Igreja. Primeiramente o Catecismo tem de apresentar não a opinião particular de seus autores; a
comissão deve prestar atenção para reproduzir de forma tão precisa e cuidadosa quanto possível a fé da Igreja, uma
vez que por si mesma a palavra "Catecismo" inclui a tarefa de mediação: o que a Igreja acredita precisa ser dito de
tal maneira que essa fé se torne acessível para nós enquanto presença e enquanto palavra. Conciliar essa dupla
tarefa não foi nada fácil. Estávamos novamente diante de uma alternativa para cuja decisão nos esforçamos durante
muito tempo. Devemos proceder de maneira mais "indutiva", partindo do homem no mundo atual para chegar até
Deus, até Cristo, até a Igreja, e assim construir o texto de forma mais "argumentativa" e num diálogo constante e
silencioso com as questões de hoje, ou será que devemos partir da própria fé, desenvolvendo-a a partir de sua
lógica própria, argumentando menos do que testemunhando? A questão torna-se totalmente prática quando
pensamos como desejamos começar o livro, qual deve ser a abordagem.
Não se deveria apresentar inicialmente um panorama geral do contexto do mundo moderno, para assim
abrir as portas que conduzem a Deus? Não surge facilmente a suspeita de nos movimentarmos à margem da
realidade concreta, com base num mero pensamento? Os dois possíveis inícios foram muitas vezes discutidos, e as
decisões sempre jogadas de um lado para outro. Finalmente concordamos que análises da realidade sempre trazem
em si algo de arbitrário, dependendo demais do ponto de vista escolhido; que, além do mais, não existe uma mesma
situação no mundo todo: o contexto de quem vive em Moçambique ou em Bangladesh (só para citar exemplos
casuais) é, na verdade, totalmente diferente do contexto de quem mora na Suíça ou nos Estados Unidos. Além
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disso, vimos como rapidamente se modificam constelações sociais e percepções da realidade.
O diálogo com as várias mentalidades precisa ser feito, porém faz parte das tarefas das Igrejas locais, que
exigem grande diversidade. Apesar disso, o Catecismo não procede de forma simplesmente dedutiva, pois a história
da fé é uma realidade em nosso mundo e criou sua própria experiência. O Catecismo parte daí, e presta ouvidos ao
mesmo tempo ao Senhor e a sua Igreja; e passa adiante a palavra ouvida com sua própria lógica e com sua força
interior. Todavia, o Catecismo não é simplesmente "extratemporal", nem pretende sê-lo. Ele apenas evita prender-
se a constelações do momento, pois não quer prestar o serviço da unidade apenas de forma sincrônica, neste nosso
momento, mas também de forma diacrônica, através das gerações, como fizeram os grandes Catecismos
principalmente do século XVI.

CAPÍTULO III
O AUTOR DO CATECISMOE SUA AUTORIDADE

Neste ponto ergue-se a questão quanto à correta estruturação do livro. Mas antes temos duas outras
perguntas para examinar: uma sobre a obrigatoriedade da obra e outra sobre sua autoria. Comecemos pela última.
Como o livro deveria surgir? Quem deveria escrevê-lo? Entre os muitos problemas difíceis que se nos
apresentavam, talvez fosse esse o mais difícil de todos. Estava muito claro: teria de ser um livro realmente
"católico" já desde sua própria redação. Mas o livro deveria também ser acessível e, de certa forma, uniforme. A
decisão básica foi rapidamente dada: o Catecismo não deveria ser escrito por eruditos, mas por pastores, partindo
de sua experiência com a Igreja e com o mundo, como um livro de pregação. Para as três partes, que estavam
previstas, procuraram- se formaram-se três equipes de redação, cada uma composta por dois bispos. Pela parte
sobre a profissão de fé seriam responsáveis dois bispos: Estepa (Espanha) e Maggiolini (Itália); I parte dos
Sacramentos, Medina (Chile) e Karlic (Argentina) pela parte da moral, Honoré (França) e Konstant (Inglaterra)
Devendo haver ainda uma quarta parte sobre a oração, voltamo-nos para um representante da teologia oriental. Não
sei possível conseguir um bispo como redator, decidimos escolher J. Corbon que, em Beirute totalmente tomada e
em situação dramáticas, quase sempre no porão durante os bombardeios escreveu um texto belíssimo sobre a
oração, que concluio catecismo. O arcebispo Levada, dos Estados Unidos, ficou encarregado dos preparativos para
um glossário. Para dizer a verdade, no início do projeto pareceu-me estranho que uma equipe de autores assim
espalhados pelo mundo, e ainda com muitotrabalho enquanto bispos, tivesse condições de fazer um livro em
conjunto. Em primeiro lugar, nem sequer estava claro que idioma a obra deveria ser redigida. O primeiro
anteprojeto, que enviamos em 1987 para quarenta consultores em todo mundo, estava redigido em latim. Concluiu-
se, entretanto, que um latim traduzido dos idiomas modernos, muitas vezes deficiente, era uma fonte de mal-
entendidos e freqüentemente, mais ocultava do que manifestava a intenção dos autores. Refletindo em conjunto,
verificou-se que o francês era o idioma operacional, no qual todos os autores conseguiriam, de certa forma,
expressar-se. Concordamos que o Catecismo deveria ser escrito nessa língua. No entanto, o texto oficial deveria ser
em latim; fora, portanto, dois idiomas atuais. O texto latino só deveria ser publicado depois da versão nas línguas
nacionais mais importantes, já levando em conta as críticas justas levantadas durante a primeira fase de recepção,
naturalmente sem se modificar todo o tecido do texto. Com base nesse texto final, cuja elaboração teve início nesse
ínterim, deveriam então ser revisados os textos redigidos nas várias línguas.
Voltemos mais uma vez ao tema da redação do Catecismo. Naturalmente o trabalho só pôde iniciar-se
depois de tomadas algumas decisões fundamentais pela comissão nomeada pelo papa e composta de 12 bispos. A
intervalos regulares o texto teria de ser sempre apresentado à comissão, ser examinado e aprovado por ela, que
deveria discutir e decidir sobre todos os grandes problemas que surgissem no decorrer da redação.
Esse trabalho conjunto, entre a comissão e a equipe de redação, mostrou-se extremamente frutífero, mas
também mostrou que faltava ainda um agente intermediário: os textos isoladamente eram estilística e
intelectualmente muito diferentes entre si; era necessária uma mão que costurasse as partes do tapete. Procuramos
um secretário de redação que acompanhasse os textos já em sua fase de elaboração, e adequasse uns aos outros,
sem alterar sua substância. Para tanto foi escalado o atual bispo auxiliar de Viena e ex-professor da Universidade
de Friburgo na Suíça, Christoph Schönborn, que desempenhou com bravura a tarefa sempre árdua da intermediação
entre os modos de pensar e as formas de estilo. Para mim foi uma espécie de milagre que, de um tão complicado
processo de redação, surgisse um livro legível, essencialmente uniforme em sua estrutura interna e, em minha
opinião, muito belo. O fato de sempre haver unanimidade entre mentalidades tão diversas, tais como as
representadas na equipe de redação e na própria comissão, foi para mim e certamente para todos os participantes
uma grande experiência, durante a qual acreditamos sentir, de fato, a mão divina que nos conduzia.
A Comissão dos Doze, em 14 de fevereiro de 1992 — no dia de São Cirilo e São Metódio — aprovou o
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texto por unanimidade, o que talvez não fosse exatamente o esperado. Acrescente-se ainda que mais de mil bispos
responderam depois de ter recebido o projeto do texto revisado, enviado em novembro de 1989, apresentando mais
de 24.000modificações, todas considerados: isso mostra que o livro representa uma manifestação da "colegialidade"
dos bispos, e que nele a voz da Igreja Católica, em toda a sua extensão, nos fala "como a voz de muitas águas".
Com isso voltamos à pergunta já levantada sobre a autoridade do Catecismo. Para encontrar a resposta,
consideremos ainda mais de perto a estrutura jurídica do livro. Poderíamos dizer: como o novo Código também o
Catecismo é de fato uma obra da colegialidade episcopal; juridicamente ele é de direito pontifício, ou seja, foi
promulgado pelo papa, para toda a cristandade, por força do magistério que lhe é próprio. Quanto a isso o novo
Catecismo, no tocante a sua estrutura jurídica, parece-me um bom exemplo da cooperação entre o primado e a
colegialidade segundo o espírito e a letra do Concílio.
O papa não fala por sobre a cabeça dos bispos. Antes, convida seus irmãos no episcopado a executarem
juntos a sinfonia da fé. Ele guia o conjunto com sua autoridade e com ela o garante. Essa autoridade não é imposta
de fora, mas dá ao testemunho comum um valor concreto e público. Isso não significa que o Catecismo seja uma
espécie de novo super-dogma, como queriam supor seus adversários para poderem colocá-lo sob suspeita como um
perigo para a liberdade da teologia. Que significado o Catecismo tem efetivamente para a doutrina comum na
Igreja, nós o podemos deduzir a partir da Constituição Apostólica Fidei Depositum, com a qual o papa lhe deu
força de lei no dia 11 de outubro de 1992 — exatamente trinta anos depois da abertura do Vaticano II: "Vejo-o
como um instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão eclesial e como norma segura para o ensino da fé"
(n. 4). Cada uma das doutrinas, que o Catecismo apresenta, não possui outro peso senão aquele que já possuem.
Importante é o Catecismo como um todo: resgata o que é doutrina da Igreja; quando o recusamos em sua totalidade,
separamo-nos, sem dúvida nenhuma, da fé e da doutrina da Igreja.

CAPÍTULO IV
ESTRUTURA E CONTEÚDO

a) A estrutura

Também quanto à estrutura e ao conteúdo da obra, partimos novamente da história de sua gênese. Depois
de a comissão deliberar sobre os destinatários e o método, tinha-se de esclarecer como o livro seria estruturado.
Havia várias idéias. Uns achavam que o Catecismo deveria ser desenvolvido numa concepção cristocêntrica; outros
pensavam que o cristocentrismo tinha de ser superado pelo teocentrismo. Finalmente surgiu a idéia do Reino de
Deus como idéia-guia. Em um debate nada fácil, compreendemos que o Catecismo não deve apresentar a fé como
sistema, e a partir de um pensamento sistemático. A melhor estrutura da catequese precisa ser encontrada, aliás, nas
respectivas situações concretas, não devendo ser estabelecida pelo Catecismo para toda a Igreja.
Tínhamos algo muito mais fácil a fazer: apresentar os elementos essenciais que se consideram como
condição para a admissão ao batismo e para a comunhão de vida dos cristãos. Qualquer muçulmano sabe o que
essencialmente faz parte de sua religião: a fé em um só Deus, em seus profetas e no Corão, a disciplina do jejum e a
peregrinação a Meca. O que realmente constitui um cristão? O antigo catecumenato cristão apresentava os
elementos básicos a partir da Bíblia: a fé, os sacramentos, os mandamentos, o Pai-Nosso. Conseqüentemente havia
a traditio e a redditio symboli, a transmissão da profissão de fé e, posteriormente, sua profissão pelo candidato ao
batismo; o aprendizado do Pai-Nosso; a instrução moral e a catequese mistagógica, ou seja, a introdução à vida
sacramental. Isso tudo soa talvez um pouco superficial, mas leva-nos à profundidade do elemento essencial: para
ser cristão é preciso aprender a crer; é preciso aprender a maneira cristã de viver, por assim dizer, o estilo cristão de
vida; é preciso orar como Cristo e integrar-se finalmente nos mistérios, na celebração litúrgica na Igreja. Essas
quatro partes estão intimamente relacionadas: a introdução à fé não é comunicação de uma teoria, como se a fé
fosse um tipo de filosofia, "platonismo para o povo" como já se disse com desdém; a profissão de fé é apenas o
desdobramento da fórmula batismal. A introdução à fé é, portanto, por si mesma uma "mistagogia”, uma
introdução ao batismo, ao processo da conversão, no qual não agimos por nós mesmos, mas permitimos a Deus agir
sobre nós. Assim a interpretação da profissão de fé está estreitamente ligada à catequese litúrgica, à admissão, à
comunidade de culto. Estar "apto para a liturgia" significa também aprender a orar; e aprender a orar significa
aprender a viver, o que inclui a questão moral.
Assim, no curso de nossa conversa, a divisão do Catecismo de Trento em quatro partes — profissão de fé,
sacramentos, mandamentos, oração — revelou-se como a mais adequada para um Catechismus maior. Essa divisão
possibilita ainda ao usuário do livro orientar-se rapidamente e localizar os temas que procura. Para nossa surpresa,
ocorreu que, na aparente justaposição de partes, acabamos percebendo como que um "sistema: apresenta-se
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sucessivamente o que a Igreja crê, celebra, vive e ora. Havia a proposta de ligar a esses títulos as várias partes,
tornando assim visível a unidade interna do livro. Mas, por dois motivos tivemos de abandonar essa idéia óbvia: daí
surgiria certo eclesiocentrismo totalmente estranho ao Catecismo. Esse eclesiocentrismo, essa era a segunda
objeção, levaria facilmente a certo relativismo e subjetivismo da fé; estaria sendo apresentada apenas a convicção
da Igreja, permanecendo em aberto a questão: essa convicção corresponde ou não à realidade? Alguns livros
religiosos de fato já não ousam dizer que Cristo ressuscitou; dizem apenas que a comunidade percebeu Cristo como
ressuscitado. A pergunta sobre a veracidade dessa experiência fica em aberto. No fundo, com esse exagerado
eclesiocentrismo, estamos caindo no esquema de pensamento do idealismo alemão: tudo acontece apenas no
interior da consciência; neste caso, da consciência da Igreja (a Igreja acredita, celebra etc.). O Catecismo queria e
quer afirmar claramente que Cristo ressuscitou. Ele professa a fé como realidade e não meramente como conteúdo
da convicção de cristãos.

b) Quanto à estrutura da Primeira Parte

Depois de estabelecida em linhas gerais a estrutura do Catecismo, ficaram pendentes ainda importantes
questões quanto à sua forma concreta, com respeito, sobretudo à primeira e à terceira parte. Gostaria de deter-me
em seguida nas decisões básicas sobre essas duas partes. A primeira parte deve apresentar a profissão de fé. Qual
confissão? A tradição catequética do Ocidente utilizou, durante muito tempo e do modo mais óbvio, a confissão
batismal da Igreja de Roma, que se tornou, com o "Símbolo Apostólico", uma oração fundamental da cristandade
ocidental. Objetou-se, porém, que esse é um símbolo latino, e o Catecismo pertence a toda a Igreja Católica, do
Ocidente e do Oriente. Assim se pensou em usar o chamado "Símbolo Niceno-Constantinopolitano", tal como o fez
o Catecismo alemão para adultos. Mas a reflexão sobre as características próprias de cada tipo de símbolo levou-
nos a abandonar esse pensamento. Pois, no caso do Símbolo Niceno-Constatinopolitano, trata-se de uma profissão
de fé do Concílio, ou seja, trata-se de um credo de bispos, que depois acabou tornando-se o credo da comunidade
reunida na Eucaristia. Pressupõe uma catequese que ele desenvolve. A catequese, como tal, sempre se prendeu aos
Símbolos Batismais, pois que, por sua natureza, é uma introdução ao batismo, ou um ensaio para a vida do
batizado. Os Símbolos Batismais, ao contrário dos grandes Símbolos Conciliares, podem variar de um lugar para
outro. É preciso escolher uma profissão de fé de uma Igreja local. Os símbolos, porém, assemelham-se tanto em
sua estrutura fundamental, que a decisão pelo símbolo romano o — Symbolum Apostolicum — não significa uma
opção unilateral pela tradição ocidental, mas até mesmo abre as portas para a tradição da fé comum a toda a Igreja.

Sobre a origem e o desenvolvimento do Symbolum Apostolicum, Denzinger-Schiinmetzer informa-nos brevemente: Enchiridion, 1963 (32''
edição), p. 20; ver H. Denzinger, Kompendium der Glrtubensbekenntnisse und kirchlichen Lehrentscheidungen, editado por P. Hünermann,
1991 (371 edição) p. 23 e seguintes. Ver J. N. D. Kelly, com um estudo mais pormenorizado em: Altchristliche Glaubensbekenntnisse.
Geschichte und Theologie. Gõttingen 1972 (traduzido do Inglês em 1972, 3= edição) pp. 103-132; 391-425. A redação mais antiga (R) é do
final do século II. "A fórmula original, sobre a qual R se baseia era, muito provavelmente, uma simples seqüência de perguntas, em três
partes, que tinha como modelo o mandato batismal do evangelho segundo Mateus... A cristologia, que mais tarde se aglutinou com essa
fórmula, era uma amostra do anúncio um pouco esteriotipado da Boa Nova de Cristo, que os cristãos do século II tinham recebido,
praticamente sem alteração, como herança dos apóstolos" (132). Importante também o que se diz, de forma concisa, sobre o relacionamento
entre credos do Ocidente e do Oriente, ou seja, que as raízes de todos os credos "estão no ato batismal e na regra de fé catequética" (204).

Esse caráter universal do símbolo manifesta-se de forma bastante clara quando consideramos sua estrutura
fundamental, como sobretudo Henri de Lubac o mostrou de forma bastante penetrante. A disposição em 12 artigos,
correspondente aos 12 Apóstolos, é de fato antiga, mas está subordinada à estrutura tripartida original, resultante da
fórmula batismal trinitária: "Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". O símbolo batismal é,
segundo sua própria natureza, profissão de fé em Deus Vivo, em Deus uno em três pessoas (H. de Lubac, Credo. Gestalt
und Lebendigkeit unseres Glaubensbekenntnisses. Einsiedeln 1975 (edição francesa de 1970) pp. 9-56.).
Essa é a disposição básica que revela a pura essência da fé, que é sempre a mesma em todo e qualquer
lugar: Nós cremos no Deus Vivo que como Pai, Filho e Espírito Santo é um único Deus. Ele se doou a nós na
encarnação do Filho, ficando sempre próximo de nós pelo envio do Espírito Santo. Ser cristão significa crer nesse
Deus vivo e manifesto. Tudo o mais é desdobramento disso. Assim o Catecismo mostra, já a partir de sua própria
estrutura, a hierarquia de verdades que o Vaticano II mencionou.

c) Questões básicas da Terceira Parte

Apresentamos brevemente algumas observações sobre a Terceira Parte, que trata da moral. Essa parte, de
modo geral, era a mais controvertida e, por vários motivos, a tarefa mais difícil na composição do Catecismo.
Do ponto de vista da Tradição, era natural escolher o esquema dos Dez Mandamentos. Hoje em dia se
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contesta muito essa estruturação da catequese moral, pois esse ordenamento do Antigo Testamento já estaria
superado para os cristãos, e não podem servir como orientação para a vida cristã. Essas afirmações não podem
absolutamente apelar para o Novo Testamento. O Decálogo é fundamento do Sermão da Montanha e é apresentado
também por São Paulo, por exemplo, em Rom 13,8-10, como forma básica da instrução moral.
Os Dez Mandamentos sempre de novo são erroneamente identificados como a "lei" da qual fomos
libertados por Cristo, como ensina S. Paulo. Mas a "lei", da qual fala S. Paulo, é a Torá, a Torá em seu todo, que
Cristo levou à Cruz e na Cruz ab-rogou; a instrução moral do Decálogo conserva toda a sua validade, se bem que
agora dentro do novo contexto de vida da graça.
Do ponto de vista do Novo Testamento, os Dez Mandamentos apresentam-se como palavra viva, que
cresce com o Povo de Deus em sua história, que continua sempre a se revelar em sua verdadeira profundidade, e
que por fim alcançou, na palavra e na pessoa de Jesus Cristo, seu sentido pleno. Mas como entendemos o mistério
de Cristo sempre de uma nova forma em cada um dos períodos da história e sempre encontramos algo novo, assim
também jamais terminará a interpretação e o entendimento dos mandamentos. A partir desse tipo de compreensão
histórico-salvífica e cristológica dos mandamentos, pudemos ficar com a tradição catequética, que neles sempre
encontrou novas orientações para a consciência cristã.
Para desvendar essa compreensão específica e dinâmica dos mandamentos, tivemos de colocá-los
claramente no contexto cristão, em que são lidos pelo Novo Testamento e pela grande Tradição: o Sermão da
Montanha, os dons do Espírito Santo, a doutrina sobre as virtudes tinham de emoldurar a apresentação dos
mandamentos e, de algum modo, dar-lhe a entonação correta. Mais ainda: quanto à questão onde devia ser colocada
a doutrina sobre o pecado e a justificação, a lei e o evangelho, depois de muita discussão, decidimos que seu lugar
devia ser exatamente na Terceira Parte do Catecismo. Pois assim ficaria claro que a moral cristã está situada no
plano da graça divina, que nos antecede e que sempre nos recupera e supera. Essa ligação interna deve sempre ser
lembrada durante a leitura de cada um dos trechos dessa parte sobre a moral; sóassim podemos entendê-la da forma
correta.
Na teologia moral existe hoje uma luta dramática em torno do esclarecimento de seus fundamentos
próprios: a questão da relação entre revelação e razão, da relação entre razão e ser ("natureza") é ardentemente
debatida. Não era tarefa do Catecismo intervir nas controvérsias teológicas. Ele devia pressupor a decisão
fundamental da fé: existimos à medida que nos tornamos homens segundo Cristo; e tornamo-nos homens segundo
Cristo à medida que com ele nos tornamos capazes de amar.
O seguimento de Cristo e o entendimento de todos os deveres pessoais a partir do mandamento do amor
estão relacionados um ao outro; ambos, por sua vez, estão inseparavelmente relacionados com a palavra oculta e,
no entanto, perceptível da criação. Como criação e redenção, mensagem do ser e mensagem da revelação estão
relacionadas entre si, assim também estão relacionadas razão e fé, ser e razão. Quando o Catecismo utiliza a
expressão "natureza", ela deve ser entendida nesse sentido. O Catecismo não conhece o naturalismo, tal como
apresentado por Ulpiano (falecido 228 anos depois de Cristo) em sua famosa frase: "Natural é aquilo que a natureza
ensina a todos os seres vivos". Para o Catecismo, a razão faz parte da natureza humana; "natural" para o homem é
aquilo que é conforme a sua razão, e conforme a sua razão é aquilo que sobre ele Deus lhe revela. O mecanismo
meramente fisiológico não basta para definir a "natureza' nem para ser norma do moral; para isso deve servir o
autoconhecimento do ser humano, que lhe vem pela razão, ser do qual fazem parte o corpo e a alma como unidade
indissolúvel. Por outro lado, o Catecismo não conhece nenhuma razão auto-suficiente e "autônoma", e muito menos
uma razão para a qual seja insuperável a parede entre razão e ser, razão e Logos de Deus, de maneira que o homem
somente a partir de seu próprio juízo possa e deva estabelecer o que deve ser considerado moral. O Catecismo
conhece, pela Tradição, o fechamento da razão enfraquecida pelo pecado; mas conhece também sua imperdível
capacidade de perceber o Criador e a criação. Essa capacidade é renovada através do encontro com Cristo que,
enquanto Logos de Deus, não suprime a razão, mas novamente a traz para si. Nesse sentido, o Catecismo está
marcado, exatamente também em sua parte moral, pelo otimismo.
Gostaria de finalizar com uma pequena história. Foi apresentada a um bispo já idoso, muito respeitado por
sua erudição, uma das últimas redações do Catecismo antes da publicação, para que fosse por ele avaliada. Ele
devolveu o manuscrito com uma expressão de alegria. Sim, disse ele, nisso é que minha mãe acreditava. Estava
feliz porque a fé, que ele aprendera quando criança e que o conduzira ao longo de sua vida, estava ali expressa em
palavras, em toda a sua riqueza e beleza, mas também em toda a sua simplicidade e indestrutível identidade. Essa é
a fé de minha mãe: a fé de nossa mãe, da Igreja. Para esta fé é que o Catecismo nos convida.

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O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
IDÉIAS FUNDAMENTAIS E TEMAS PRINCIPAIS

CHRISTOPH SCHÖNBORN

Texto revisado da conferência proferida perante os bispos dos Estados Unidos em Nova Orleans, no dia 20
de junho de 1993. O original em inglês foi publicado sob o título The LivingLight (Washington) e Seminarium 2/93
(Roma).

Aconteceu no primeiro dia do Sínodo Episcopal, no ano de 1985.O Cardeal Bernard Law era um dos
primeiros oradores. Durante seu discurso de oito minutos, disse entre outras coisas: "Temos de ensinar a fé num
mundo que cada vez mais vem tornando-se uma 'aldeia global'. Que o mundo se está tornando uma grande aldeia o
Cardeal demonstrou-o com um argumento em latim, que certamente não honra a Cícero, mas convence por sua
clareza: "Iuvenes Bostoniensis, Leningradiensis et Sancti Jacobi in Chile induzi sunt 'Blue Jeans' et audiunt et
saltant eandem musicam". (Em todo o lugar os jovens vestem jeans e escutam a mesma música: o mundo tornou-se
pequeno, e cada vez mais ele vem tornando-se um só mundo.)
Essa evolução coloca-nos diante de muitas questões. Essa unidade é apenas a uniformidade da civilização
técnica ocidental? A força da fé pode tornar-se efetivamente fermento de uma unidade multiforme entre povos e
homens? Podemos perceber facilmente que a Igreja, no contexto de um mundo reduzido a uma aldeia global,
novamente reflete sobre a unidade de sua fé.
Unidade é um dos quatro atributos fundamentais da Igreja. Ela é "una, santa, católica e apostólica'. A fé é
una, pois que temos, como disse S. Paulo, um só batismo e um só Senhor (veja Ef 4,5). A "unidade na fé"' foi e
continua sendo o motivo premente que, num curto espaço de tempo, levou os bispos do Sínodo de 1985 à
convicção unânime que seria muito desejável um Catecismo para toda a Igreja. Numa retrospectiva dos últimos
vinte anos desde o final do Concílio, observamos que ainda falta muito para que se compreenda e se ponha em
prática realmente a grande concepção de Igreja apresentada pelo Vaticano II. Sobre a Igreja, o Concílio disse o
seguinte: "Desta maneira aparece a Igreja toda como o `povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito
Santo' (Cipriano)" (LG 4). Essa a unidade que o Catecismo deve fortalecer. Nada tem a ver com uma uniformidade
sem expressão, pois trata-se daquela unidade que flui da Unidade viva do Deus Trino.
No prólogo o Catecismo descreve seu objetivo da seguinte maneira: "O presente Catecismo tem por
objetivo apresentar uma exposição orgânica e sintética dos conteúdos essenciais e fundamentais da doutrina
católica tanto sobre a fé quanto sobre a moral, à luz do Concílio Vaticano II e do conjunto da Tradição da Igreja"
(11).
Um Catecismo é um resumo dos conteúdos fundamentais da fé. Será possível ainda hoje uma síntese
semelhante? Tenho impressão que muitos críticos do novo Catecismo rejeitam o próprio conceito de Catecismo.
Em suas famosas conferências em Notre Dame, Paris, e em Fourvière, Lyon, no ano de 1983, o Cardeal Ratzinger
chamou a atenção, de forma bastante clara, para este ponto: "O fato de não mais se ter ousado apresentar a fé como
totalidade orgânica, mas somente como reflexos parcelados a partir de experiências antropológicas individuais, teve
como base última a falta de confiança nessa totalidade. Tem por base uma crise da fé, ou mais exatamente do crer
com a Igreja de todos os tempos".
Numa rápida análise nos diversos livros religiosos, temos a impressão que já não é possível fazer uma
síntese, uma apresentação coerente da fé. Apenas experiências e impressões individuais, quase no estilo de "spots"
e "videoclips", mas nenhuma relação global, nenhuma estrutura orgânica. Apresentar a totalidade da doutrina
católica da fé e da moral de forma nítida e resumida certamente não é tarefa fácil. O Catecismo coloca-se esse
desafio.
Para enfrentar devidamente essa tarefa, tomaram-se algumas decisões básicas. Gostaria, em seguida, de
apresentar um pouco mais detalhadamente três critérios que determinaram o plano geral e sua execução:
1. Orientação pelo princípio da "Hierarquia deVerdades";
2. Consideração da unidade da tradição eclesial no espaço e no tempo;
3. "Realismo" na apresentação dos conteúdos de fé.

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CAPÍTULO I
A HIERARQUIA DE VERDADES

Em dezembro de 1989, o projeto do Catecismo foi enviado a todos os bispos da Igreja Católica, para que
tomassem uma posição e pudessem apresentar suas propostas de alterações. Uma crítica freqüentemente ouvida era
que o projeto não levava em conta o princípio da hierarquia das verdades. Nem sempre era possível perceber o que
exatamente se entendia sob esse conceito empregado pelo Vaticano II.
O Decreto do Concílio sobre o Ecumenismo fala de uma "ordem" ou "hierarquia de verdades na doutrina
católica..., já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é diverso" (UR 11). "Hierarquia de verdades", no
sentido do Concílio, não significa, portanto, que se possa ficar apenas com alguns pontos essenciais da fé e
negligenciar o resto, nem significa muito menos que existam verdades "mais certas" e "menos certas". O Cardeal
Ratzinger falou sobre isso repetidas vezes: A "hierarquia de verdades" não deve ser entendida como um "princípio
de subtração", como se a fé pudesse ser reduzida a alguns pontos essenciais, enquanto o resto continuaria como
algo não muito importante deixado à preferência dos indivíduos. "Hierarquia de verdades" significa muito mais um
princípio estrutural orgânico, que não pode ser confundido com graus diversos de certeza. "Hierarquia de verdades"
significa que as diversas verdades de fé estão ordenadas em função de um centro, de um ponto central e por ele se
orientam; não significa que as verdades não centrais sejam por isso menos verdadeiras.
O princípio da hierarquia das verdades deveria ser determinante na composição de todo o Catecismo. Três
critérios foram particularmente importantes neste sentido:
1. O mistério da Santíssima Trindade como ponto central da hierarquia de verdades;
2. O enfoque cristológico;
3. A estrutura orgânica global que se expressa em suas quatro partes.
a) O Mistério da Trindade

"O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério da vida íntima
de Deus, a fonte de todos os outros mistérios da fé, a luz que os ilumina. É o mais fundamental e essencial na
hierarquia das verdades de fé' (DCG 43). "Toda a história da salvação não é senão a história dos caminhos e dos
meios pelos quais o Deus verdadeiro e único — Pai, Filho e Espírito Santo — se revela, reconciliando-se com os
homens, que se afastam do pecado, e unindo-os a si" (DCG 47) (234).
O Catecismo segue a orientação do Directorium Catecheticum Generale e por isso sua estrutura é
fundamentalmente trinitária. Desde os primeiros parágrafos é central a dimensão trinitária: "Deus, infinitamente
Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo
participar da sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o
e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo
pecado, para a unidade de sua família, a Igreja. Faz isto através do Filho, que enviou como Redentor e Salvador
quando os tempos se cumpriram. Nele e por ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, seus filhos
adotivos, e portanto os herdeiros de sua vida bem-aventurada" (CIC 1).
Tudo que se pode dizer sobre a fé e a vida dos cristãos, fundamenta-se nesse ponto central: a comunhão de
vida com a Santíssima Trindade. "O fim último de toda a Economia divina (ou seja, a atuação divina total na
história da salvação) é a entrada das criaturas na unidade perfeita da Santíssima Trindade. Mas desde já somos
chamados a ser habitados pela Santíssima Trindade" (260).
Poderíamos passar por todo o Catecismo e constataríamos que essa visão trinitária, esse tema trinitário
perpassa toda a obra como um fio condutor. Só muito brevemente vamos apontar algumas passagens nas quais o
notamos de modo especial:
— A dimensão missionária, que está presente no Catecismo do início até o fim, baseia-se nas missões
divinas do Filho e do Espírito Santo, que continuam a atuar na missão da Igreja: são a fonte divina de toda a sua
atividade missionária e catequética (ver 1-3; 257; 690; 849-856; 859 e outras).
— A criação é a obra comum da Santíssima Trindade (ver 290-292); o mesmo vale para a obra da redenção
e da salvação. A Ressurreição do Senhor também é obra de toda a Trindade (648-650).
— Retoma-se expressamente a passagem acima citada da Lumen Gentium, segundo a qual a Igreja é "o
povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (LG 4) (810).
— A liturgia é considerada, sobretudo como obra da Trindade (ver 1077-1112), principalmente a Eucaristia
(ver 1358-1381). A oração também é analisada do ponto de vista trinitário; ela se dirige ao Pai, a Jesus Cristo e ao
Espírito Santo.
Karl Rahner reclamou várias vezes já, na década de 50, que a teologia e a religiosidade católica esqueceram
a dimensão trínitária. O Catecismo pode contribuir para novamente centrar a doutrina e pregação católica nesse
11
cerne da "hierarquia de verdades".

b) 0 mistério de Cristo

O segundo foco na hierarquia de verdades é o mistério de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem. "Nãohá, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos (At 4,12), afora o
nome de JESUS", assim consta na epígrafe do prólogo do Catecismo.
A ênfase cristocêntrica do Catecismo não contradiz a exposição trinitária: o Pai é revelado e o Espírito
Santo é doado através da encarnação do Filho Eterno, através de sua vida, de sua morte e de sua ascensão. Para ser
trinitária, a catequese deve ser cristocêntrica. Na introdução ao capítulo cristológico (426-429) é acentuado, por
essa razão, que "Cristo é o centro da catequese". O Catecismo cita nesse sentido (426) a exortação apostólica do
papa João Paulo II Catechesi Tradendae: "No centro da catequese encontramos essencialmente uma Pessoa, a de
Jesus de Nazaré, Filho único do Pai..., que sofreu e morreu por nós e agora, ressuscitado, vive conosco para
sempre... Catequizar... é desvendar na Pessoa de Cristo todo o desígnio eterno de Deus que nela se realiza. É
procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e dos sinais realizados por Ele" (CT 5).
A finalidade definitiva da catequese é: "Levar à comunhão com Jesus Cristo; só Ele pode conduzir ao amor
do Pai no Espírito e fazer-nos participar da vida da Santíssima Trindade" (ibidem.).
No parágrafo seguinte da Catechesi Tradendae (ver CIC 427), o princípio da hierarquia de verdades é
também claramente acentuado: "Na catequese, é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de Deus, que é ensinado — todo
o resto está em relação a ele; e somente Cristo ensina; qualquer outro que ensine, ensina na medida em que é seu
porta-voz, permitindo a Cristo ensinar por sua boca... Todo catequista deveria poder aplicar a si mesmo a
misteriosa palavra de Jesus: "Minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou" (Jo 7,16) (CT 6).
Cristo é aquela luz resplandecente, que ilumina a apresentação do conjunto da fé e também o caminho do
seguimento como "vida em Cristo". A catequese da moralidade cristã é, sobretudo uma escola da nova vida em
Cristo sob a atuação da graça do Espírito Santo. Por essa razão, o prólogo da Parte III, a parte do Catecismo sobre a
moral, termina com as seguintes palavras: "A referência primeira e última dessa catequese será sempre Jesus
Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). Contemplando-o na fé, os fiéis podem esperar que Cristo
realize neles sua promessa e, amando-o com o amor com que ele os amou, podem fazer as obras que correspondem
a sua dignidade" (1698).

c) A estrutura quadripartida do Catecismo enquanto estrutura geral orgânica

No foco trinitário e no foco cristocêntrico do Catecismo está em ação o princípio da "hierarquia de


verdades". Essas verdades são, como foi dito, o centro em torno do qual tudo se agrupa; elas formam o pano de
fundo de qualquer apresentação.
Além disso, devemos mencionar ainda um terceiro aspecto: a estrutura externa do Catecismo. Esse "plano
de construção" pode ajudar a compreender mais claramente o valor de cada uma das declarações e sua relação com
o fundamento da fé cristã, pois ele próprio contém uma mensagem que eu gostaria de expor em seguida.
Mostraremos que a opção fundamental catequética não foi tomada arbitrariamente nem representa uma aceitação
irrefletida da estrutura do antigo Catecismo, mas está fundada na própria matéria. O Cardeal Ratzinger formulou
essa opção, de forma bastante clara, em conferência proferida em 1983, em Paris e em Lyon: a estruturação da
catequese "dá-se a partir dos fatos fundamentais da vida da Igreja, que correspondem às dimensões essenciais da
existência cristã. Surgiu assim nos tempos primitivos uma estrutura catequética que em seu cerne remontava à
origem da Igreja, ou seja, tão antiga ou até mais antiga do que o cânon das Sagradas Escrituras. Lutero utilizou essa
estrutura para seu Catecismo, tão naturalmente como o autor do Catechismus Romanus. Issofoi possível porque não
se trata de uma sistemática artificial, mas simplesmente de uma compilação da matéria mnemônica da fé que, ao
mesmo tempo, reflete o elemento vital da Igreja: a profissão de fé apostólica, os sacramentos, o decálogo e a
oração do Senhor. Esses quatro "pontos mais importantes" da catequese foram suficientes durante séculos como
elementos estruturais e pontos chaves da instrução catequética e, ao mesmo tempo, abriram a entrada tanto para a
Bíblia como para a Igreja viva.
Dissemos há pouco que eles correspondem às dimensões da vida cristã. O Catechísmus Romanus
reconhece-o quando diz que ali se expõe tudo que o cristão deve crer (Symbolum), o que deve esperar (Pai-Nosso)
e o que se deve fazer (Decálogo como interpretação das formas do amor), ao mesmo tempo que se delimita o
ambiente de vida onde isso tudo acontece (Sacramentos e Igreja)" (Die Krise der Katechese und ihre Überwindung, a. a. O., p.
31).
Em 1988, publicou-se a edição crítica do Catechísmus Romanus (CR), do assim chamado Catecismo do

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Concílio de Trento, publicado pela primeira vez em 1566. O editor, Prof. Pedro Rodriguez, e seus colaboradores
investigaram cuidado samente as bases para o plano e as decisões fundamentais dos autores do CR. Chegaram a
alguns resultados importantes, que confirmam a visão do Cardeal Ratzinger e acrescentam, ao mesmo tempo, novas
perspectivas.
É interessante analisar as proporções do CR: 22% para o Credo, 37% (quase duas vezes mais) para os
Sacramentos, 21% para os Mandamentos e 20% para o Pai-Nosso. A visível desigualdade em favor dos
sacramentos deu-se, em parte, devido às controvérsias da Reforma sobre o tema. Um estudo comparativo do CIC
constatou a seguinte divisão: foram dedicados 39% ao Credo, 23% aos Sacramentos, 27% aos Mandamentos e 11%
ao Pai-Nosso. Certamente condições históricas desempenharam um importante papel nessa divisão; todavia, ela
traz consigo também uma importante mensagem teológica e catequética.
À disposição básica do CIC podemos aplicar o que Pedro Rodriguez escreve sobre o plano da CR: "A
opção é evidente: o CR, antes de expor o que o cristão tem de fazer, quer dizer-lhe quem ele é e como ele é;
estamos assim diante das palavras do papa Leão Magno: `Cristão, reconhece, a tua dignidade'. Somente
reconhecendo o poder sobrenatural que fluía de seu ser em Cristo através do Espírito Santo é que o cristão poderá
empenhar-se, de coração confiante e sem medo servil, no agir e no crescer como cristão segundo a proposta do
Decálogo... Sem uma doutrina sacramental anterior — que abranja também o mistério da Igreja e da justificação —
os Mandamentos do Decálogo parecem estar acima das forças humanas. Todavia, com o apoio da fé e dos
sacramentos, podem ser olhados com força e confiança. Essa é a marca inconfundível de uma espiritualidade
verdadeiramente católica que atinge no CR seu ponto mais alto" (Prefácio, p. XXVI-XXVII).
Podemos transferir para o CIC também a seguinte análise : "O CR, na verdade, não tem quatro partes, mas
apresenta-se como um díptico magnífico nascido da Tradição: de um lado, os mistérios da fé em Deus Uno e Trino,
como são conhecidos (Profissão de fé) e celebrados (Sacramentos); do outro lado, a vida humana de acordo com a
fé numa fé atuante pelo amor que encontra expressão no modo de vida cristã (Decálogo) e na oração filial (Pai-
Nosso) (Prefácio, p. XXVIII).
A mensagem desse díptico é bastante clara: tanto o CR como o CIC enfatizam claramente a primazia da
graça, o que é acentuado através da pequena estatística que apresentei há pouco: em ambos os documentos as duas
primeiras partes perfazem juntas quase dois terços de todo o conjunto. Seja qual for o método empregado na
catequese — o CR e o CIC não impõem nenhum método específico —, a primazia na catequese deve caber a Deus
e a sua obra. O que o homem deve fazer será sempre uma resposta a Deus e a sua obra. Em ambos os Catecismos,
as grandes ações de Deus constituem o tema central, do qual realmente se trata. Com isso temos uma clara opção
catequética, que não é simplesmente arbitrária, mas natural, uma vez que corresponde à realidade: Deus vem em
primeiro lugar; a graça vem em primeiro lugar. Esta é a verdadeira hierarquia de verdades. A catequese precisa,
por isso, levar prioritariamente ao culto a Deus, ao anúncio de seus grandes feitos e ao louvor de sua graça:
Misericordias Domini in aeternum cantabo — por toda a eternidade cantarei as misericórdias do Senhor.

CAPÍTULO II
A UNIDADE DA TRADIÇÃO ECLESIAL NO ESPAÇO E NO TEMPO

Como se sabe, tanto o projeto como o texto final do Catecismo, foram severamente criticados,
pois seu uso das Escrituras e da Tradição não corresponderia a critérios científicos. O significado da
questão vai muito além do motivo imediato. A exigência do Concílio Vaticano II que as Sagradas
Escrituras devem ser não somente a alma da teologia, mas também da catequese (Dei Verbum 24) não
está em discussão. A pergunta é: Como as Escrituras Sagradas devem ser empregadas? E como deve ser
utilizada a Tradição da Igreja?
O Catecismo segue os princípios que o Concílio Vaticano II apresentou, principalmente na
Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina Dei Verbum (DV). As Escrituras Sagradas e a Tradição
da Igreja não são suas fontes de doutrina eclesial e de vida cristã, separadas ou até em oposição uma à
outra, mas estão entre si "estreitamente unidas e comunicantes. Pois promanam ambas da mesma fonte
divina, formam de certo modo um só todo e tendem para o mesmo fim' (DV 9). Essa unidade da
Tradição, incluindo as Sagradas Escrituras, juntamente com a hierarquia de verdades — e
inseparavelmente dela — constitui outra idéia fundamental, que determinou a concepção e a
concretização do CIC.
A preocupação científica com as Escrituras Sagradas, que é expressamente parabenizada pela
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Igreja e até considerada necessária, deve ser colocada no contexto maior da Igreja.
No dia 23 de abril de 1993, em um discurso solene perante inúmeros Cardeais, Corpo Diplomático
e membros da Pontifícia Comissão Bíblica, o papa João Paulo II reforçou a legitimidade e a necessidade
do estudo científico da Bíblia.*

*Discurso proferido por ocasião do Centenário da Encíclica Providentissirnus Deus, do papa Leão XIII, do cinqüentenário da
Encíclica Divino afjiante Spiritu, do papa Pio XII e da publicação de um importante documento da Pontifícia Comissão Bíblica
sobre "A interpretação da Bíblia na Igreja'.

A exegese deve prestar muita atenção aos aspectos humanos do texto bíblico. Precisa estar aberta
a todos os rumos da pesquisa que possam esclarecer os condicionamentos históricos do texto bíblico. Tal
como seus antecessores Leão XIII e Pio XII, João Paulo II aprovou expressamente esses avanços.
Ao mesmo tempo ele enfatiza o elemento divino nas Sagradas Escrituras. Analogamente ao
mistério da encarnação de Cristo, as Sagradas Escrituras são a Palavra de Deus em palavras humanas. O
papa afirma que a exegese católica "deve e precisa antes de mais nada ajudar o povo cristão a perceber
mais claramente nos textos a Palavra de Deus" (n. 9). Cita Santo Agostinho: "Precisam rezar para
entender!" (ib.). Uma vida espiritual é, pois, um pré-requisito para a exegese católica.
Outra condição é "a fidelidade à Igreja" (n. 10). João Paulo II enfatiza a necessidade de ler a
Bíblia dentro da comunhão de fé. "Ser fiel à Igreja significa inserir-se de maneira decidida na corrente da
grande Tradição que, sob a orientação do Magistério da doutrina, goza de especial assistência do Espírito
Santo" (ib.). As Sagradas Escrituras não existem sem a Igreja. Ler as Sagradas Escrituras sob a ótica da
Tradição, sem desprezar os resultados sadios e sólidos da exegese crítica — essa foi a idéia fundamental
para o uso das Escrituras no Catecismo. Assim, ele se enquadra totalmente na linha da Dei Verbum.
Muitos dados da moderna exegese bíblica foram acolhidos no Catecismo, ainda que isso nem
sempre seja explicitamente indicado. Facilmente se pode perceber que por detrás dos parágrafos sobre
"Jesus e Israel" (574-594) estão dados de uma sólida e moderna ciência bíblica judaico-cristã. Mas um
Catecismo não é uma monografia exegética científica. Não é tarefa de um livro dessa natureza levantar
discussões sobre a datação mais recente ou mais remota dos escritos do Novo Testamento, sobre "Fontes"
(Q) e "Sitz im Leben". No conjunto, sem dúvida, predomina o emprego dogmático-didático das Escri-
turas. Mas estará isso necessariamente em contradição com a leitura histórico-crítica da Bíblia? O
enquadramento da doutrina pelo Credo Apostólico, na primeira parte do Catecismo, representa por acaso
um obstáculo para um avanço exegético?
O conflito entre interpretação dogmática e histórica dasEscrituras precisa ser superado por causa
da própria realidade histórica. Em sua famosa obra, publicada na virada do século, Von Reimarus bis
Wrede. Eine Geschichte der Leben Jesu-Forschung, Albert Schweitzer chega à conclusão que a busca
pela verdade histórica, pelo verdadeiro Jesus histórico, sempre perdeu o rumo quando tentou
desvencilhar-se dos "rochedos da doutrina da Igreja'. Como a História mostra, a exegese histórica sem
referência à doutrina religiosa tende a deixar-se levar pelas águas das ideologias dominantes. O que
Schweitzer mostrou ao século XIX vale também ainda hoje: a verdade histórica esvai-se quando se
abandona o solo dogmático da fé cristã. A causa mais profunda para isso é que a realidade histórica, à
qual a fé cristã se refere, é em si mesma uma realidade dogmática: o Jesus histórico de Nazaré é, na
realidade, o Filho Eterno de Deus, que se tornou homem, que nasceu em Belém e viveu uma vida de
judeu na Galiléia. A busca histórica por Jesus sempre se depara com um dado dogmático em todos os
níveis históricos: o mistério de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Esta unidade — sem mistura
e inseparável — da natureza divina e da natureza humana em Cristo é a chave para o uso correto das
Escrituras: "O Filho de Deus... trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com
vontade humana, amou com coração humano" (GS 22,2; ver CIC 470).
O emprego das Escrituras no Catecismo atende a esses princípios e torna-se exemplarmente
evidente no capítulo sobre a vida de Jesus. Nos séculos passados, uma forte corrente na exegese
protestante procurou estabelecer uma oposição entre o assim chamado "Jesus histórico" e o "Cristo da
Fé". Essa tendência influenciou também grande parte da literatura catequética. Desde o início, a comissão
pontifícia decidiu por um outro caminho para o Catecismo: a catequese tem sua base firmada na vida da
14
Igreja, sobretudo na liturgia. A cada ano a Igreja celebra todo o ciclo dos acontecimentos da vida de
Cristo: seu nascimento, seu batismo, sua pregação, suas curas, seu sofrimento e, finalmente, sua
ressurreição e ascensão. Celebrando esses acontecimentos, tornamos presentes os acontecimentos reais,
históricos que são, ao mesmo tempo, profundos mistérios: as ações de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o
verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
O CIC procura superar a infeliz separação entre leitura "bíblica" e leitura "dogmática" das
Escrituras. Na vida da Igreja todas as ações e palavras de Jesus permanecem atuais; através da fé e da
liturgia, entramos em comunhão com a vida de Cristo. Um texto-chave do CIC diz: "Tudo o que Cristo
viveu foi para que pudéssemos vivê-lo nele e para que Ele o vivesse em nós. `Pela sua Encarnação, o Filho
de Deus, de certo modo, se uniu a todo homem' (GS 22,2). Nós somos chamados a ser uma só coisa com
Ele; o que Ele viveu na sua carne por nós e como nosso modelo, fez-nos comungar com tudo como mem-
bros do seu Corpo" (521).
Sob essa perspectiva, consideramos não apenas o Credo, mas também as Partes II, III e IV do
CIC. Trata-se da maneira como sempre podemos participar dos mistérios da vida, morte e ressurreição de
Jesus. Essa visão determina o acesso aos sacramentos: "Os mistérios da vida de Cristo são os
fundamentos daquilo que agora, através dos ministros de sua Igreja, Cristo dispensa nos sacramentos, pois
`aquilo que era visível em nosso Salvador passou para seus mistérios (S. Leão Magno, serro. 74,2) (1115).
O mesmo vale para a compreensão da moral cristã: "Quando cremos em Jesus Cristo, comungamos de
seus mistérios e guardamos seus mandamentos, o Salvador mesmo vem amar em nós seu Pai e seus
irmãos, nosso Pai e nossos irmãos. Sua pessoa se torna, graças ao Espírito, a regra viva e interior de nosso
agir" (2074).
Portanto, as Escrituras Sagradas devem ser lidas dentro da vida da Igreja, e esta vida é
participação na vida divina de Cristo. As muitas citações dos Padres da Igreja, das liturgias do Ocidente e
do Oriente, dos concílios e de um grande número de santos vêm em apoio dessa compreensão da Palavra
de Deus. O testemunho dos santos, de um São Francisco, de um Santo Tomás de Aquino, de uma Santa
Catarina de Sena ou de uma Santa Teresinha são, por assim dizer, comentários vivos dos Evangelhos.
Quem lê e entende as Escrituras Sagradas melhor que os santos? O testemunho dos santos é, pois, tão
vitalmente importante para nossa compreensão religiosa porque eles também viveram as realidades nas
quais eles e nós acreditamos.

CAPÍTULO III
O REALISMO NA EXPOSIÇÃODOS CONTEÚDOS DA FÉ

No prólogo do Catecismo consta o seguinte: "Neste Catecismo, a ênfase é colocada na exposição


doutrinal. Quer ele ajudar a aprofundar o conhecimento da fé. Por isso mesmo está orientado para o
amadurecimento desta fé, para seu enraizamento na vida e sua irradiação no testemunho" (23).
O Catecismo propõe-se, pois, a uma dupla tarefa: deve expor claramente a doutrina e, ao mesmo
tempo, ajudar a viver mais profundamente e testemunhar mais decididamente essa fé. Podem os dois
objetivos ser reunidos em um só? Como podem ser conciliados a verdade objetiva da doutrina eclesial e o
caráter totalmente pessoal de sua apropriação na fé?
Um bom conhecedor da catequese de língua inglesa escreve o seguinte: "Durante muitos anos, no
ambiente de língua inglesa, os catequistas e educadores da fé tiveram de trabalhar a partir de uma teoria
que colocava todo o peso sobre o aspecto pessoal e subjetivo. Isso teve conseqüências catastróficas para a
confiança de toda uma geração no reconhecimento da verdade objetiva da doutrina eclesial".*
* Eric d'Arcy. The New Catechism and Cardinal Newman (esse artigo foi publicado na edição americana de "COMMUNIO",
citado com a permissão cordial do autor).

Essa constatação taxativa mostra a urgência de nos conscientizarmos mais uma vez do valor da
doutrina para uma educação atual e abrangente da fé. Sem dúvida nenhuma será preciso superar barreiras
emocionais; muitas vezes damos de encontro com uma forte antipatia, mais ou menos consciente, contra o
15
lado doutrinário da catequese. E, no entanto, não existe alternativa: a educação religiosa significa e exige
mais do que mera experiência subjetiva ou "perplexidade existencial". Trata-se do que Deus fez por nós,
de algo que nos foi "dado" e que precisamos conhecer. A fé tem a ver primeiramente com realidades e
fatos, não com experiências ou conceitos: "O ato (de fé) do crente não pára no enunciado, mas chega até a
realidade (enunciada)", diz Santo Tomás de Aquino (170). Acreditamos na realidade da encarnação do
eterno Filho de Deus; a concepção virginal (496) é um acontecimento real, bem como a ressurreição do
Senhor (639), ainda que disso não tenhamos nenhuma "experiência".
5. Fatos podem ser afirmados em frases; uma fé sem afirmações de fé não teria nenhuma relação
com fatos. O Cardeal John Henry Newman diz o seguinte: "O Cristianismo é fé: fé implica doutrina,
doutrina implica proposições".(Discussions and Arguments, 284.)
Essas proposições não são estéreis, mas — enfatizando mais uma vez — remetem para uma
realidade, e para uma realidade que afeta diretamente nossa vida: "Nós não cremos em fórmulas, masnas
realidades que elas expressam e que a fé nos permite 'tocar'... Todavia, temos acesso a estas realidades
com o auxílio das formulações da fé. Estas permitem expressar e transmitir a fé, celebrá-la em
comunidade, assimilá-la e vivê-la cada vez mais" (CIC 170). Sem proposições de fé, a fé se evaporaria,
perderia sua força geradora de comunidade e criadora de vida.
Os enunciados de fé formam um conjunto doutrinário que a linguagem cristã denomina "depósito
da fé" (depositum fadei). "Guarda o depósito que te foi confiado" (1Tm 6,20), "Guarda o depósito
precioso" (2Tm 1,14), escreve o autor da carta pastoral a seu discípulo. "Guardar o depósito da fé é a
missão que o Senhor confiou a sua Igreja e que ela cumpre em todos os tempos" — essas as primeiras
palavras da Constituição Apostólica do papa João Paulo II para a publicação do CIC.
"O que é o depósito de fé?", pergunta Newman. "Ele é aquilo que foi confiado a você, não aquilo
que você descobriu; aquilo que você recebeu, não aquilo que você imaginou; não objeto de esperteza, mas
de doutrina; não é objeto do uso particular, mas de tradição pública
6. Essays Critical and Historical I, 125-126.
O CIC quer ajudar a salvaguardar e transmitir o depósito de fé. A Igreja tem o dever e também o
direito de expressar a abundância, a riqueza e a beleza da "fé uma vez por todas confiada aos santos" (Jd
3; ver CIC 171). Para tanto a Igreja Católica -oferece no CIC um "Banco de Dados" ímpar e autêntico da
doutrina católica.
7. Doutrina e vida não podem ser colocados em oposição. Como podemos amar sem compreender? A
educação religiosa precisa ser também uma introdução à compreensão da fé (intellectus fadei)(158). O
melhor conhecimento da fé fortalece ainda mais a confiança nesta mesma fé e conseqüentemente a
confiança no caminho de vida que a fé nos ensina. Principalmente a geração jovem é que necessita
urgentemente de apoio para encontrar essa confiança. Há pouco tempo, um experiente professor escreveu
a respeito do CIC: "Estamos em condições agora de capacitar jovens estudantes a descobrir por si
próprios que a estrutura doutrinária da fé também do ponto de vista intelectual está encarnada de forma
extremamente crítica, tão fundamentada e articulada concretamente na vida de hoje como os outros
estudos que fazem".(E. d'Arcy, a. a. O., p. 18.)
E finaliza: "No CIC a Igreja exige que confiemos aos jovens católicos aquele depósito que lhes
cabe como herança legítima".(E. d'Arcy, a. a. O., p. 16.)

16
BREVE INTRODUÇÃO ÀS QUATRO PARTES DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

CHRISTOPH SCHÖNBORN

NOTA PRELIMINAR: INDICAÇÕES PRÁTICAS SOBRE O USO DO CATECISMO

Quem tem o Catecismo à mão deve familiarizar-se, antes de tudo, com sua estrutura e sua
apresentação do texto. No prólogo do CIC, parágrafos 18 à 22, encontram-se algumas indicações práticas
para o uso do Catecismo que podem auxiliar em sua leitura. Sobre isso gostaria de fazer alguns breves
comentários.

Quanto à apresentação do texto


O Catecismo deve ser lido como uma unidade já que, como dissemos anteriormente, oferece uma
apresentação orgânica de toda a fé católica. As referências colocadas à margem do texto indicam
passagens paralelas correspondentes. Na maioria das vezes, um tema é mais bem compreendido se essas
passagens complementares forem consultadas.
Nas notas de rodapé é feita referência, sobretudo a passagens cuja leitura pode levar a uma
compreensão mais profunda da temática em questão. Tanto as referências como as notas de rodapé foram
pensadas como recursos diretamente voltados para a catequese.
Os índices no final da obra, principalmente o índice temático, devem ajudar na busca de nexos
entre os vários pontos. Geralmente um tema é tratado tanto no contexto do Credo como também na parte
moral, cada vez sob um aspecto diferente. Nesse caso, é preciso observar que o índice temático não
oferece todas as palavras e conceitos, mas os principais temas e conteúdos, da forma mais abrangente
possível. Se, por esse motivo, não for possível encontrar um tema no índice, isso não significa que o tema
não consta no Catecismo. Dois exemplos: o tema "evolução" não aparece no índice, mas a matéria é fre-
qüentemente tratada (ver 283, 284, 285, 302, 310); o mesmo vale para o tema "democracia' (ver 1901,
1903, 1904, 1915).
Como no Catecismo Alemão para Adultos, encontram-se também no CIC textos em letras
menores, que apresentam adendos históricos e apologéticos, ou tratam de temas de importância
secundária. Assim também são apresentadas inúmeras citações dos Padres da Igreja, da tradição doutrinal
da Igreja ou de santos. Esses textos em letras menores devem enriquecer a leitura e tornar mais claros os
conteúdos doutrinais a partir da plenitude da experiência de vida cristã.
No Catecismo é atribuído um significado especial às palavras dos santos. Em geral elas vêm no
final de um trecho maior como a última palavra que é, de certo modo, a mais importante. Seu testemunho
deve deixar claro e evidente que a doutrina apresentada é muito mais do que teoria abstrata. O testemunho
dos santos mostra que na fé está em jogo a vida, uma vida nova em Cristo. Visto que num Catecismo para
toda a Igreja não é possível tratar das experiências próprias de cada local e específicas de uma faixa
etária, procura-se dar a palavra à experiência dos santos, que supera as barreiras de idade e cultura. Que
poderia ser mais universal do que a experiência de um São Francisco ou de uma Santa Teresinha? Teresa
de Ávila, por exemplo, é citada no final do parágrafo sobre Deus (227); Elisabete da Trindade, no final do
capítulo sobre a Santíssima Trindade (260); Rosa de Lima, após a exposição sobre o sofrimento de Cristo
(618); João da Cruz, no final do texto sobre o Juízo Particular (1022); Teresa de Ávila, ao concluir o texto
sobre a esperança (1821); Teresa do Menino Jesus, no final da apresentação sobre a graça, justificação e
mérito (2011) e Agostinho, no final do capítulo sobre os Dez Mandamentos (2550).
Uma característica do Catecismo são os resumos no final de cada unidade temática. Eles
condensam, em fórmulas sucintas, o essencial do conteúdo doutrinal.

Quanto à estrutura interna das quatro partes principais


Cada parte do Catecismo está articulada em duas seções: a primeira apresenta os fundamentos do
tema; na segunda, cada um dos temas é abordado separadamente.

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A primeira seção de cada parte trata dos conteúdos teológicos fundamentais da Doutrina (Parte I),
os fundamentos da Liturgia (Parte II), os fundamentos da Moral (Parte III) e a doutrina geral sobre a
Oração (Parte IV). A segunda seção trata respectivamente dos doze artigos da fé, dos sete sacramentos,
dos dez mandamentos e dos sete pedidos do Pai-Nosso.
Cada uma das quatro partes tem, como página de rosto, uma gravura do cristianismo primitivo,
que representa um estímulo para a catequese ilustrada. O logotipo internacional do Catecismo (a figura do
pastor) é, por si só, uma breve catequese a partir da iconografia do cristianismo primitivo (ver a
explicação do logotipo na página 4 do CIC).
O percurso que faremos agora pelas partes mais importantes do Catecismo não pode,
naturalmente, oferecer um panorama completo de seu conteúdo. Quer simplesmente apontar o rumo geral
e indicar alguns pontos de vista que, em minha opinião, merecem consideração.

PRIMEIRA PARTE: A PROFISSÃO DE FÉ

Quem se baseia somente nos ecos dos meios de comunicação pode ter a impressão que o
Catecismo trata, sobretudo de questões relativas à moral. Uma vista geral sobre o Catecismo demonstra
um outro quadro. Só a Primeira Parte, sobre a profissão de fé, abrange nada menos do que 39% de toda a
obra. Se considerarmos a parte dos sacramentos, ficará ainda mais evidente que no CIC o ponto principal
reside claramente nas ações de Deus, que o credo confessa fielmente e que nos sacramentos se voltam
para o homem. Jamais se levará suficientemente em conta essa ponderação: Em primeiro lugar vem o ser,
só depois o agir.*
* Esse tipo de ponderação já estava preparado no Catecismo inicial de 1955. O Catecismo alemão para adultos de 1985 é
constituído somente da parte do credo (profissão de fé e sacramentos).

Vem em primeiro lugar o que Deus fez; só depois pode-se falar sobre o que o homem deve e pode
fazer para responder a isso. O imperativo moral resulta do indicativo da ação de Deus.

1) `Eu creio" — "Nós cremos"


Antes de expor a profissão de fé, fala-se sobre o homem: o homem diante de Deus é o tema do
capítulo inicial. Depois de refletir muito, a comissão decidiu iniciar o Catecismo não com uma análise da
situação dos tempos atuais, já que os fatos culturais e sociais são extremamente diversificados. O ponto
de partida deveria ser, antes, algo comum a todos os homens: a sua "capacidade para Deus", a sua
dimensão religiosa. O Catecismo parte do "inquieto coração" que, segundo Agostinho, lhe foi dado por
Deus. Comisso já de antemão se estabelece uma ponte para a parte moral, que encontra seu ponto de
partida no anseio do homem pela felicidade (ver 27-30 e 1718-1719).
Em conjunto com o "caminho para o conhecimento de Deus" fala-se também do conhecimento
natural de Deus. Essa doutrina é tão importante porque "a convicção de a razão humana poder conhecer a
Deus" é o pressuposto do diálogo da Igreja com todos os homens: ela fundamenta a confiança de
podermos falar a todos os homens e com todos os homens sobre Deus (39). O tema da relação do
cristianismo com religiões não-cristãs foi transferido conscientemente para a eclesiologia, que faz
referência à Constituição Dogmática sobre a Igreja do Concílio Vaticano II (839-848).
Se no primeiro capítulo o assunto era a busca de Deus pelo homem, o segundo capítulo concentra-
se sobre a maneira como Deus se aproxima dos homens. Os temas Revelação, transmissão da Revelação e
Bíblia Sagrada são apresentados em estreita relação com a Constituição Dogmática do Concílio Vaticano
II sobre a Revelação Divina, Dei Verbum.3
A Revelação ocorre em estágios, nas alianças que Deus fez com os homens, para alcançar em
Jesus Cristo toda a sua plenitude. Ele é a Palavra de Deus abrangente, única. Sua vinda não suprime as
antigas alianças, mas vem para aperfeiçoá-las (51-67).
A transmissão da Revelação divina acontece através da Tradição Apostólica que, a partir de uma
mesma fonte original, chega até nós pela Tradição escrita e oral. O "patrimônio sagrado da fé" é confiado
18
a toda a Igreja; ao Magistério cabe mantê-lo; "o senso da fé" dos fiéis sempre o compreende de modo
novo, e em todos os tempos o assimila sempre de novo sob a direção do Espírito Santo (74-95).
As exposições sobre a Sagrada Escritura baseiam-se também, como foi dito anteriormente, na Dei
Verbum. Cristo é o centro das Escrituras, sua única Palavra que se expressa por meio das outras muitas
palavras. Nos trechos sobre a inspiração e a interpretação das Sagradas Escrituras, trata-se da relação
existente entre a verdade divina e a capacidade humana de expressão; da relação entre a autoria humana e
a autoria fundamental de Deus. Dá-se uma importância especial à frase central da Dei Verbum (n. 12): "A
Sagrada Escritura deve ser também lida e interpretada naquele mesmo Espírito em que foi escrita..." Na
prática, isso significa que para a interpretação que a Igreja faz da Escritura não basta a exata consideração
das condições históricas do surgimento do texto, mas também sua inserção no conjunto das Sagradas
Escrituras e da Tradição viva. Além disso, precisa prestar atenção à "analogia da fé", mediante a qual os
acontecimentos salvíficos, sobre os quais a Escritura fala, são postos em relação com as experiências de
fé da Igreja, principalmente dos santos (ver 111-114).
A questão acerca da relação do Antigo com o Novo Testamento é da maior atualidade (120-130).
O Antigo Testamento é verdadeira Palavra de Deus: ele não perde seu valor com o Novo Testamento;
antes, atinge toda a sua plenitude. A leitura tipológica da Bíblia, usada na época patrística e na liturgia da
Igreja até hoje, afirma duas coisas: que a Antiga Aliança tem um significado próprio mas, supera a si
mesma apontando para sua realização na Nova Aliança e para sua plena realização final na volta do
Senhor.
A fé é a resposta adequada do homem ao Deus que se revela. A obediência da fé manifesta-se no
exemplo de Abraão e de Maria, dois arquétipos da fé. A natureza da fé não se determina primeiramente a
partir de uma atitude subjetiva, mas a partir de seu "objeto": esse objeto somente pode ser Deus, e Jesus
Cristo e o Espírito Santo, porque são Deus. A fé é graça e ato humano ao mesmo tempo. Se não fosse
graça, não poderia alcançar o próprio Deus; se não fosse verdadeiro ato humano, não seria verdadeira
resposta do homem (153155). A partir de seu "objeto", a fé é absolutamente certa; está fundamentada na
Palavra de Deus, que é a própria verdade. Enquanto ato humano, porém, é também uma busca, que se
pode deparar com a escuridão e com a noite (157; 165). A fé deve crescer, firmar-se diante de todos os
perigos (162). Por isso, depende do "nós" da Igreja, da comunidade de fé (166-175). O "eu creio" do
Credo é pronunciado primeiramente pela Igreja, nossa Mãe, que nos ensina a dizer: "eu creio", "nós
cremos" (167).

2) A profissão de fé
O Catecismo segue a profissão de fé apostólica, o Símbolo Apostólico, antiga profissão de fé
batismal da Igreja de Roma (194), mas em sua explicação sempre faz referência ao chamado Símbolo
Niceno-Constantinopolitano (195). O Catecismo mantém a estrutura trinitária da profissão de fé e
também sua subdivisão tradicional em 12 artigos (191).
Quanto ao 1° artigo: "Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra" (199-421):
na exposição explica-se que a fé em um só Deus inclui a fé na Trindade. "Crer em Deus, o Único, e amá-
lo com todo o seu ser, tem conseqüências imensas para toda a nossa vida" (222). A fé na Santíssima
Trindade não está em contradição com a fé em um só Deus, mas é sua plena revelação: "A fé de todos os
cristãos consiste na Trindade" (232). O conceito sempre recorrente de "economia' ou "economia da Fé"
refere-se a todas as obras de Deus, que são sempre obras comuns às três pessoas divinas (236, 258).
A primeira obra de Deus é a criação, e a ela é atribuída uma importância especial no Catecismo.
Nos últimos trinta anos os livros sobre a fé dedicaram a esse tema pouco espaço. Hoje novamente se tem
consciência que a catequese sobre a criação constitui o fundamento de qualquer comunicação ulterior da
fé (279-28 1). Por essa razão, também é feita uma introdução geral sobre o significado da catequese sobre
a criação (282-289). A catequese sobre a "Origem de todas as coisas" (Romano Guardini) é o fundamento
para os passos seguintes da profissão de fé.
A criação diz primeiramente algo sobre o próprio Deus, o Criador. Somente Deus é Criador (290-
292). A criação, a obra de seu amor e de sua bondade incomensurável, é expressão de sua sabedoria. Por
isso, as criaturas são "palavra de Deus, e o homem, a quem é dada a luz da razão, pode perceber a lingua-

19
gem de Deus em toda a sua criação" (299).
Ligada, de modo inseparável, à fé na criação está a fé na "Providência Divina, providência através
da qual Deus conduz sua criação à perfeição" (302). Trata-se de uma solicitude concreta, direta de Deus
— um tema que se encontra também no coração do Sermão da Montanha (303; 305). O fato de Deus em
sua providência também incluir a atuação própria das causas segundas criadas acaba tendo grandes
conseqüências para a visão da liberdade e da responsabilidade humana (307; ver também as referências).
Neste capítulo é abordado, pela primeira vez, o tema do mal. Essa é uma questão inevitável para todo o
homem, e "não há nenhum elemento da mensagem cristã que não seja também uma resposta ao problema
do mal" (309). O testemunho dos santos (313) encoraja-nos a crer que Deus conduz tudo para o bem.
Em uma catequese renovada sobre a criação não se pode deixar de tratar da obra dos "seis dias"
(Gn 1). Durante séculos a catequese sobre a criação inspirou-se nesse texto. Talvez para evitar conflito
com os conhecimentos e teorias científicas sobre a origem do mundo é que esse tema foi muitas vezes
omitido nas últimas décadas. O Catecismo tenta tirar da mensagem bíblica da obra dos "seis dias" as
verdades que continuam válidas independentemente de questões relativas à concepção do mundo. Trata-
se, por assim dizer, dos fundamentos de uma "metafísica da criação" (337-349). No contexto da criação
deve-se falar também dos anjos. Seu lugar na consciência da fé e na vida da liturgia não deve ser
desprezado (328-336).
O parágrafo sobre a criação do homem (355-379) apresenta, de forma extremamente sucinta, os
fundamentos daquela antropologia que depois é esmiuçada, em sua dinâmica, na parte sobre a moral. A
ênfase na unidade e ao mesmo tempo na distinção do corpo e da alma faz parte do cerne da visão cristã do
homem. Faz parte da fé a convicção da unidade essencial de corpo e alma constituindo uma única pessoa
humana, e também a doutrina da criação direta do espírito por Deus, e a compreensão da morte como
separação de corpo e alma até a ressurreição (362-368).
Um tema particularmente delicado é o do pecado original. Uma comissão especial ocupou-se
incansavelmente com a redação desse trecho. O Catecismo não pode ter por tarefa a defesa de novas teses
teológicas, que não fazem parte do patrimônio seguro da fé da Igreja. Por esse motivo, o Catecismo
limita-se a expor aquilo que reconhecidamente é doutrina de fé. De novo é preciso notar explicitamente a
forte centralização cristológica do tema: "É preciso conhecer a Cristo como fonte da graça para conhecer
Adão como fonte do pecado" (388). "A doutrina do pecado original é, por assim dizer, o `reverso' da Boa
Notícia de que Jesus é o Salvador de todos os homens, que todos têm necessidade da salvação" (389). No
âmbito do pecado original, é tratada também a questão dos Demônios e do Diabo que, segundo a fé,
"foram por Deus criados bons em sua natureza, mas se tornaram maus por sua própria iniciativa" (391).

Quanto aos artigos cristológicos: Eu creio em Jesus Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor (art.
2); que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria (art. 3); padeceu sob Pôncio
Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado (art. 4), desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro
dia (art. 5)" (422682): Os artigos referentes a Cristo ocupam a maior parte da profissão de fé. Nós já
havíamos chamado a atenção sobre a posição central que compete a Cristo na catequese (ver 426429).
Vamos chamar a atenção para algumas particularidades deste segundo capítulo:

a) Como no Vaticano II, também aqui o papel de Maria no plano da salvação não é tratado num capítulo
especial; primeiro, na parte referente à cristologia, trata-se de sua maternidade divina (487-507) e depois,
no artigo sobre a Igreja, é apresentada como mãe e protótipo da Igreja (963-972). Além disso, fala-se
novamente de Maria no capítulo sobre o Espírito Santo (721-726) e na parte IV, sobre a oração, onde se
dedica todo um trecho à oração da Virgem Maria (2617-2619) e sobretudo à oração a e com Maria (2673-
2679).

b) Um longo trecho das exposições cristológicas é dedicado aos "mistérios da vida de Cristo" (512-570).
A vida de Jesus não é apresentada simplesmente como uma pesquisa histórica sobre Jesus. Pelo contrário,
o conjunto de sua vida e cada um dos acontecimentos relatados nas Sagradas Escrituras, suas palavras,
suas ações e seus gestos são lidos em sua "dimensão mais profunda", que se torna acessível à luz da fé.

20
Toda a sua vida terrestre deixa entrever algo de seu mistério mais profundo; sua vida é "Mistério":
apontam para sua filiação divina e sua missão redentora.
O Catecismo, portanto, vê a vida de Jesus numa "perspectiva sacramental": Cristo é o grande
sacramento de Deus (515). Nessa perspectiva é que são vistos todos os acontecimentos tanto de sua vida
oculta como de sua vida pública: com a Liturgia da Igreja serão interpretados como mistérios de salvação.
O fato de o Catecismo ter escolhido essa perspectiva resulta do objetivo da catequese que, de
acordo com a Catechesi Tradendae 5, se resume em levar "os homens à comunhão de vida com Jesus
Cristo" (426). É a isso que as exposições sobre os "mistérios da vida de Jesus" pretendem levar: "Toda a
riqueza de Cristo `é destinada a cada homem e constitui o bem de cada um` (519). Cristo não viveu sua
vida para si mesmo, mas que isso, permite-nos viver nele tudo que viveu, e ele o vive em nós: "Ele viveu
na sua carne por nós e como nosso modelo, fez-nos comungar com tudo como membros de seu Corpo"
(521).
Essa perspectiva é também de importância capital para as partes seguintes do Catecismo: para a
visão dos sacramentos, através dos quais Cristo nos faz participantes de sua vida (1115), assim como para
toda a vida moral do cristão, que deve tornar em nós uma vida em Cristo: "Para mim a vida é Cristo" (É1
1,21; ver 1698).

c) Uma terceira particularidade são as exposições sobre a relação de Jesus com Israel. Diante de um
antijudaísmo ainda não superado na teologia cristã, é apresentada de forma bastante diferenciada a relação
de Jesus com a Lei, o Templo e a fé em um único Deus (574-591). A questão a respeito da culpa dos
judeus pela morte de Jesus é apresentada de forma extremamente diferenciada (595-598): Qualquer
julgamento generalizante é rejeitado; afirma-se de modo contundente que os judeus não são coletivamente
responsáveis pela morte de Jesus (597). O CIC lembra, com o Catechismus Romanus, uma verdade
fundamental: foram nossos pecados (os meus próprios) que, na verdade, crucificaram Cristo; pecados que
ele expiou e remiu por sua morte, segundo o desígnio de Deus (599-618).
Também em outras passagens, como no capítulo sobre escatologia (673-674) e liturgia (1096), o
Catecismo faz afirmações importantes sobre o relacionamento entre cristãos e judeus.
Para a fé cristã é da maior importância a fé na ação redentora de Jesus Cristo. O que se afirma
numa perspectiva histórica sobre o processo de Jesus (595-596) mostra-se à luz da Revelação como o
cumprimento do desígnio divino da salvação. Primeiramente, a morte de Jesus é considerada sob a
perspectiva do projeto divino de salvação, que não exclui ninguém (509-605). Cristo não é vítima passiva
desse desígnio: pelo contrário, ele próprio se ofereceu ao Pai por nossos pecados (606-609). Na última
ceia, ele antecipou essa oferta eucaristicamente (610-611) e aceitou a vontade do Pai até o extremo no
Getsêmani (612). O fato de a morte de Jesus ser o sacrifício perfeito da Nova Aliança, de ele ter-se
oferecido por nós e de ser esse sacrifício "expiatório" (613-617) é uma verdade de fé que faz parte do
credo cristão.

d) O quinto artigo do Credo ("desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia") também se
baseia no depósito central da fé. O breve parágrafo sobre a descida de Jesus aos infernos prende-se ao que
faz parte da interpretação tradicional da Igreja. Interpretações mais recentes, como a de Hans Urs von
Balthasar (a consideração do Sábado Santo), por mais profundas e fecundas que sejam, não tiveram uma
aceitação que justificasse sua inclusão no Catecismo.
"A Ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo" (638). Duas coisas
devemos observar: a ressurreição é um acontecimento histórico e transcendental ao mesmo tempo. É "um
acontecimento real que teve manifestações historicamente constatadas" (639). O túmulo vazio é "um sinal
decisivo" (640). As aparições do Ressuscitado e sua corporeidade real, ainda que misteriosa, são
comprovados historicamente (641-646). Esse realismo do fato salvífico é o fundamento para seu
significado de salvação (651-655).

Quanto ao artigo 8: "Creio no Espírito Santo" (638/687747): o capítulo sobre o Espírito Santo
trata detalhadamente dos símbolos e alegorias do Espírito (694-701). De modo semelhante são discutidos

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também, na parte dos sacramentos, os nomes, designações e símbolos dos sacramentos. Essas indicações
são extremamente úteis para a catequese. Além disso, o capítulo enfatiza a unidade que existe entre o
envio do Filho e o do Espírito Santo (689-690). Faz-se referência expressa à atuação oculta do Espírito
Santo no Antigo Testamento (702-720). Despertar para o sentido do Antigo Testamento é uma das tarefas
prioritárias da catequese em nosso tempo (ver também as exposições sobre a oração no Antigo
Testamento, 2568-2589).

Quanto ao artigo 9: "Creio na Santa Igreja Católica" (748975): As afirmações sobre a Igreja
seguem estritamente a Constituição Dogmática do Vaticano II sobre a Igreja, Lumen Gentium.
Comrelação à minuta do texto enviada para apreciação dos bispos, este artigo foi revisado a fundo. Uma
breve observação sobre cada ponto:

a) Como no artigo sobre o Espírito Santo, primeiramente são apresentadas as denominações e alegorias da
Igreja (751757), vindo depois sua realização progressiva na história: ela tem suas raízes no desígnio
eterno de Deus; de certo modo, tem na obra da criação seu primeiro esboço e projeto; é preparada na
Antiga Aliança; é estabelecida por Cristo e manifestada pelo Espírito Santo. Somente no final dos tempos
ela terá suaconsumação (759-769). Sua essência e seu mistério tornam-se visíveis a partir de sua origem:
a Igreja é ao mesmo tempo visível e espiritual, celeste e terrestre, divina e humana; é o sacramento da
união íntima dos homens com Deus e dos homens entre si (770-776).

b) Seguindo uma reiterada indicação do Concílio, a Igreja é apresentada em seu mistério trinitário: como
Povo de Deus, como Corpo de Cristo e como Templo do Espírito Santo; três dimensões que se
completam, nenhuma podendo ser exaltada ou negligenciada em favor da outra (781-801). Todavia, a uni-
dade nupcial da Igreja com Cristo acaba sendo o centro mais íntimo de seu mistério (796).

c) As quatro características da Igreja são tematizadas expressamente: ela é uma Igreja una, santa, católica
e apostólica. O tema da unidade oferece a oportunidade para abordar o drama das cisões da Igreja e os
esforços guiados pelo Espírito Santo para sua superação através do ecumenismo (817-822). A exposição
sobre a santidade da Igreja é condensada nas famosas palavras de Santa Teresinha do Menino Jesus sobre
o amor como sendo o Coração do Corpo de Cristo (826). A questão da filiação à Igreja está ligada à
catolicidade. Segundo a Lumen Gentium 13-16, afirma-se que todos os homens são chamados à Igreja,
também os pertencentes a religiões não-cristãs (836-845). A famosa afirmação "Fora da Igreja não há
salvação" é interpretada no sentido do Vaticano 11 (846-848). A catolicidade da Igreja refere-se também
à missão de Cristo e à missão da própria Igreja (849-856). O primeiro parágrafo do Catecismo, que
enraíza a missão da Igreja no mais íntimoda missão divina, já revela o quanto a dimensão missionária
perpassa todo o Catecismo (1). Os números 857-865 tratam da apostolicidade enquanto característica
essencial da Igreja.

d) Essa apostolicidade continua a ser explicitada no tratado sobre as três ordens dos fiéis de Cristo:
hierarquia, leigos e religiosos. Ressalte-se que entre todos os fiéis, que através do batismo passaram a
fazer parte "do povo de Deus..." (871), existe uma igualdade verdadeira em dignidade e em sua respectiva
contribuição para a construção do Corpo de Cristo (872).
Visto que a constituição hierárquica da Igreja é hoje freqüentemente colocada em questão, o
Catecismo trata expressamente da fundamentação do ministério eclesial a partir da natureza e da missão
da Igreja de Cristo (874-879). A apresentação sobre o colégio episcopal e seu chefe, o papa, sobre seu
múnus de ensinar, de santificar e de reger seguem amplamente as exposições do Vaticano 11 (880-896).
A maioria do que se afirma no Catecismo sobre a vida dos cristãos vale tanto para os leigos como para a
hierarquia. Todavia, trata expressamente dos leigos; sua vocação e sua participação no tríplice múnus de
Cristo sacerdote, profeta e rei, são expostas de forma sucinta (879-913).
Quanto ao significado que a vida consagrada a Deus tem na Igreja, o Catecismo apresenta, de
modo geral, as características mais importantes dessa forma de vida (914-933).

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O tema muitas vezes negligenciado da comunhão dos santos aponta para uma dimensão essencial
da Igreja, que vai muito além da forma visível da Igreja peregrina sobre a Terra (946-959). A ligação da
Igreja Celeste com a Igreja Terrestre é mais uma vez expressamente tematizada ao se tratar da liturgia
(1137-1139). Com Maria e todos os santos, a Igreja da terra e dos céus constitui a única família de Deus
(959).
O Catecismo trata brevemente do décimo artigo ("Creio... na remissão dos pecados") (976-987),
já que na Parte II o sacramento da Reconciliação é tratado mais a fundo (1422-1498).
O Credo termina com a profissão quanto às últimas coisas: "Creio na ressurreição da carne
(artigo 11) e na vida eterna(artigo 12)" (988-1060). A exposição começa com a doutrina sobre a
ressurreição dos mortos, na qual a ressurreição de Cristo atinge sua plenitude (988-1004). Muitas das
questões freqüentemente colocadas são tratadas aqui de forma sucinta e sob o ponto de vista apologético:
Que é "ressuscitar"? Quem ressuscitará? Como e quando a ressurreição acontecerá? A ressurreição real e
verdadeira de Cristo é o modelo e o princípio de nossa ressurreição futura (989; 655; 997-1011). A ressur-
reição da carne é o ponto final em função do qual são consideradas tanto a morte como as "últimas
coisas". Céu, purgatório, inferno e juízo final são os temas do último artigo. A esperança da ressurreição
está relacionada à esperança da nova criação, do novo céu e da nova terra. Essa perspectiva de esperança
é decisiva para uma atitude correta diante da criação e dos bens deste mundo (1042-1050).
Quem se familiarizar um pouco com essa primeira parte do Catecismo, com suas muitas
referências, com suas citações dos Padres e santos, da Liturgia e da Bíblia, constatará que tudo o que se
diz sobre
A fé está relacionado com toda a vida cristã. Vida que se expressa na celebração da Eucaristia, na
oração e no comportamento moral. Inúmeros testemunhos de santos e santas demonstram quão
profundamente a fé pode atingir a vida, para transformá-la em uma nova vida em Cristo. As palavras de
Santo Agostinho, no final da primeira parte, estimulam essa leitura contemplativa: "O Símbolo seja para
ti como um espelho. Olha-te nele para ver se realmente crês tudo o que declaras crer, e alegra-te cada dia
com tua fé" (1064).

SEGUNDA PARTE: A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO

A segunda parte do Catecismo divide-se, como na construção de todas as quatro partes, em duas
seções. A primeira, de caráter mais geral, aborda a economia da salvação sacramental, numa espécie de
liturgia fundamental; a segunda trata da celebração dos sete sacramentos e dos sacramentais. A grande
perspectiva, na qual os sacramentos da Igreja são vistos, adquire sua mais bela expressão no afresco
colocado no início desta parte.
A representação cristã primitiva da mulher que sofre de um fluxo de sangue e que ficou curada ao
tocar o manto de Jesus, serve como símbolo da "economia da salvação" sacramental. A legenda ilustrativa
esclarece o seguinte: "Os sacramentos da Igreja continuam hoje as obras realizadaspor Cristo durante sua
vida terrestre (ver 1115).
Os sacramentos são como que essa força que sai do Corpo de Cristo (ver Mc 5,25-34), para curar
as feridas do pecado e para nos dar a vida nova em Cristo (ver 1116). Esta pintura simboliza, pois, o
poder divino e salvador do Filho de Deus, que salva o homem todo, alma e corpo, através da vida
sacramental".Quanto à hierarquia de verdades, os sacramentos são interpretados trinitária e
cristocentricamente. Ambas as perspectivas completam-se.
Assim sendo, no primeiro artigo a Liturgia é apresentada como obra da Trindade: O Pai é a
origem e o fim da Liturgia (1077-1083). No artigo sobre a Eucaristia isso é mais concretizado: A
Eucaristia é "ação de graças e louvor ao Pai" (13591361; ver também 2626-2628). A liturgia é a obra de
Cristo glorificado, que continua a atuar na Igreja (1084-1090), fazendo memória de seu mistério através
do Espírito Santo na Igreja, atualizando-o e tornando-o atuante (1091-1109). Nesse capítulo fundamental
são apresentados também os conceitos litúrgicos mais importantes como a anamnese ("memória'; ver
1103), epíclese (a invocação ao Espírito Santo; ver 11051107), Palavra de Deus (1100-1102).

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O segundo artigo oferece uma breve sistemática dos sacramentos, através dos quais Cristo atualiza
seu mistério e o torna eficaz. Os elementos mais importantes de uma doutrina sacramental geral (ver
1113) estão aqui apresentados.
As exposições que o artigo IIIapresenta são importantes do ponto de vista catequético ("Celebrar a
liturgia da Igre ja"), porque oferecem uma espécie de catequese da celebração litúrgica:
Quem celebra? A relação da liturgia celeste com a liturgia terrestre é apresentada dentro da linha
do Concílio (1136-1144).
Como celebrar a liturgia? Os sinais e símbolos mais importantes da liturgia são analisados em seu
significado antropológico, veterotestamentário, cristológico e litúrgico (11451152). Palavras e ações,
canto, música e imagens sagradas fazem parte da totalidade da liturgia (1153-1162).
Quando celebrar a liturgia? O tempo litúrgico é apresentado em seus desdobramentos na Liturgia
das Horas, no dia do Senhor e no ano litúrgico (1163-1178).
Onde celebrar a liturgia? Fala-se sobre o local da celebração da liturgia, sobre a casa de Deus e sua
simbologia (11791186). Essas considerações completam-se com o que se diz sobre a arte sacra na Parte
III (2500-2502).
O artigo IV do capítulo II fala da diversidade das liturgias na unidade da Igreja celebrante. A
questão de aculturação coloca-se no campo da Liturgia com especial urgência (Liturgia e culturas: 1204-
1206).
A apresentação dos sete sacramentos na Seção II faz-se através de um esquema catequético que pode, é
claro, ter uma divisão diferente: os três sacramentos da iniciação cristã (Batismo, Confirmação e
Eucaristia), os sacramentos de cura (Penitência e Unção dos Enfermos) e os sacramentos do serviço da
comunhão (Ordem e Matrimônio).
Os sacramentos são apresentados de acordo com um esquema comum, e o ponto de partida é, na
maioria das vezes, a explicação do nome com o qual o sacramento é designado (ver 1214-1216). A
instituição dos sacramentos por Cristo (11131116; 1210) não é considerada isoladamente; cada
sacramento é situado no todo da história da salvação, com seus prenúncios no Antigo Testamento, com
sua fundamentação na vida de Cristo e seu desdobramento no tempo da Igreja (ver 1286-1292).
A doutrina sobre cada sacramento não é apresentada de forma abstrata, mas a partir da mistagogia
da celebração litúrgica (ver 1234-1245), pois os ritos do sacramento, os sinais, os gestos e as palavras
indicam o que o sacramento contém e realiza. Por essa razão, a celebração litúrgica do sacramento é o lo-
cal próprio da catequese sacramental. Essa mistagogia litúrgica é complementada por referências ao
receptor, aos ministros e aos efeitos salvíficos do sacramento (ver 1246-1274).
De caso pensado, procura-se apresentar não somente a tradição litúrgica latina, mas incluir
também a práxis sacramental da Igreja Oriental, como aliás se fez no Catechismus Romanus. Conforme as
palavras de João Paulo II, o catecismo pretende "respirar com os dois pulmões", enraizado nas grandes
tradições do Oriente e do Ocidente. Gostaria de chamar a atenção para alguns aspectos na exposição sobre
os sete sacramentos:
Batismo: quanto a seus efeitos, merece referência especial o trecho sobre o batismo de crianças
(1250-1252), sobre as crianças falecidas sem batismo (1261), bem como sobre o mútuo relacionamento
entre a remissão dos pecados (em primeiro lugar do pecado original) e o dom da graça (1262-1266).
Confirmação: é devidamente apresentada a diferença de tradições entre o Oriente e o Ocidente
(1290-1292). Com relação à idade exigida para o sacramento, faz-se referência ao pensamento de Santo
Tomás de Aquino: "maturidade" não é uma questão de idade biológica (1308).
Eucaristia: para expor os aspectos litúrgicos da Eucaristia usando uma raiz comum a todas as
famílias litúrgicas, o Catecismo parte da apresentação feita por S. Justino (por volta de 155). A
mistagogia contém o que é comum a todas as famílias litúrgicas (1345-1355). O caráter sacrifica) da
Eucaristia é claramente enfatizado, já que atualmente muitas vezes há falhas nesse ponto (1362-1372). A
doutrina sobre a real presença do Senhor na Eucaristia confirma-se com o apreço dado à adoração
eucarística (1380). "Os frutos da eucaristia' são tratados de forma pormenorizada (1391-1397). A questão
da intercomunhão tem seu lugar especial (1398-1401). O que de uma forma geral se pode dizer sobre os
sacramentos (ver 1130) vale de forma particular para a Eucaristia: ela é o "penhor da glória futura" (1402-

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1405).
Penitência e Reconciliação: nesse sacramento também é enfatizada a dimensão escatológica: ele é
a antecipação do juízo (ver 1458; 1470). O caráter salvífico do sacramento da Reconciliação é fortemente
acentuado (1432, 1439, 1456, 1465). O texto sobre as indulgências complementa a doutrina sobre a
comunhão dos santos (1474-1477).
Unção dos Enfermos: nesse sacramento o aspecto da salvação é particularmente enfatizado (1506-
1510; 1512); e não faltam referências à associação aos sofrimentos de Cristo (1521), ao significado do
sofrimento para a santificação da Igreja (1522) e à preparação para a morte, última passagem do cristão
(1523-1525).
Ordem: o sacramento da Ordem é aqui considerado em continuação ao que se expôs sobre
eclesiologia (874-879), como forma especial da participação no único sacerdócio de Cristo. O sacerdócio
ministerial é colocado a serviço do sacerdócio geral de todos os batizados (1544-1547); o sacerdote, por
este sacramento, age "na pessoa de Cristo-Cabeça' (1548). A exposição sobre os três graus da Ordem
segue amplamente os textos do Concílio Vaticano II. Faz-se referência aos textos litúrgicos que devem
explicitar a graça desse sacramento (1585-1588) e citam-se textos de S. Gregório de Nazianzeno e do
santo Cura d'Ars que, finalizando o artigo, apontam para uma espiritualidade do sacerdócio.
Matrimônio: primeiramente, chama-se a atenção para o que é "o casamento no plano de Deus":
uma comunhão íntima de vida e de amor, que se destina ao bem do casal, à procriação e à educação de
filhos. Ameaçada pela força do pecado, essa comunhão é restaurada por Cristo em seu sentido original
(1602-1617). O lugar do casamento na história da salvação é complementado através do significado da
virgindade por causa do Reino dos Céus (1618-1620), já que ambos provêm do Senhor, que lhes dá pleno
sentido (1620). Se a exigência do Senhor acerca do casamento parecer alta demais, ou até mesmo
inatingível, mais importante será então a referência à graça que vem por Cristo (1642). Cita-se também o
grande número de pessoas celibatárias, sobre cuja situação raramente se reflete (1658).
Como uma coroa, os Sacramentais (as bênçãos, por exemplo) circundam os sete sinais dos
sacramentos (1667-1670). Eles são um lugar privilegiado da devoção popular. O CIC cita o Documento
de Puebla, que acentua seu grande significado (1674-1676).
A segunda parte termina com a exposição sobre o funeral cristão, visto totalmente à luz do
mistério pascal. Um belo texto de S. Simeão de Tessalônica, oriundo da tradição bizantina, que conclui
este trecho e conseqüentemente a Parte II, faz referência ao objetivo último de toda a vida sacramental:
"Estaremos todos reunidos em Cristo" (1690). Viver por e com Cristo é também a meta e o caminho da
vida moral dos cristãos, da qual a Terceira Parte tratará.

TERCEIRA PARTE: A VIDA EM CRISTO

Recomenda-se que antes de cada uma das quatro partes do Catecismo se leia atentamente a
respectiva introdução. No caso da "parte moral", isso é totalmente imprescindível. "Cristão, reconhece tua
dignidade!" (São Leão Magno, 1691). As duas primeiras partes do CIC expõem o ser do cristão. Na
terceira parte, o tema é a vida condizente com a dignidade do homem e do cristão.
Novamente levando em conta a hierarquia das verdades, são ressaltados os dois pólos: a vida
cristã é uma vida que vem de Deus Trino (1693-1695), e é uma vida em Cristo. Esta terceira parte expõe,
em seu prólogo, o critério que deve ser seguido numa catequese da vida em Cristo (1697-1698).

A vocação do homem
Por mais que seja enfatizada a correlação entre a ação moral e a graça, como a primeira parte
também a terceira começa falando da vocação do homem, de sua condição de imagem de Deus (1701-
1709). Com isso, o Catecismo retoma o início da Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II, Gaudium
et Spes. O caminho do homem em direção a sua "altíssima vocação", a eterna bem-aventurança, está
predefinido no fato de ser ele imagem de Deus, e é determinado a partir desse objetivo.
A estrutura da "Moral Fundamental" segue a grande intuição da Summa de Santo Tomás de

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Aquino. Com isso se estará optando por uma determinada escola teológica? A comissão estava
convencida que devia seguir o "doctor communis" enquanto o grande mestre da moral cristã e não
enquanto fundador de uma escola. Por isso apresenta-se primeiramente a doutrina sobre ofim último, a
felicidade (1716-1724) e depois a doutrina sobre os meios que Deus proporciona ao homem para alcançar
esse fim: a razão e o livre-arbítrio, através dos quais o homem determina seu caminho, a lei e a graça com
as quais Deus o auxilia nesse caminho.
Chamado à felicidade, o homem pode movimentar-se livre e responsavelmente em direção a esse
fim último. A liberdade é o pré-requisito para um comportamento verdadeiramente humano e moral
(1730-1742). Em seguida fala-se a respeito do que caracteriza uma ação moral: seu objeto, sua intenção e
suas circunstâncias (1749-1756). Notável, ainda que bastante esquecida pela moral escolástica — mas não
pelos artistas e místicos —, é a doutrina sobre as paixões, sem as quais faltam os impulsos para a ação
moral (1762-1770), mas que também, quando não integradas, destroem o senso moral.
A consciência julga a moralidade das ações. A obrigação de seguir a consciência é tão certa quanto
a obrigação de examinar continuamente essa consciência, regulando suas convicções por critérios
objetivos de moralidade (1776-1794).
Do comportamento moral nascem disposições para o correto agir moral. Essas disposições para o
bem são as virtudes. Elas estruturam o homem e conferem-lhe um caráter verdadeiramente humano
(1803-1811). As virtudes naturais necessitam de uma reformulação profunda e total através das
disposições que só Deus pode conferir por meio da graça, e que relacionam nosso agir diretamente a
Deus: fé, esperança e caridade (1812-1832).
Pecado é o agir falho, que deixa de atingir o devido objetivo do ser humano. Sua realidade só
pode ser plenamente percebida à luz da graça. Somente o Evangelho revela toda a verdade do pecado
(1846-1848). Porque o pecado é uma violação contra a razão, a verdade e a reta consciência (1849), é
uma afronta a Deus, que criou o homem para si (1850). A diferença entre o pecado mortal e o pecado
venial é determinada pelo critério do amor (1854-1856). Temos depois a exposição sobre a "difusão do
pecado" até as suas conseqüências sociais, que finalizam o capítulo (1865-1869).
A dimensão social, comunitária do homem pertence inseparavelmente à moralidade. Em estreita
dependência da Gaudium et Spes e da Doutrina Social da Igreja, trata-se da pessoa e da sociedade, da
autoridade e do bem comum, da responsabilidade e da colaboração, da justiça social e da solidariedade
(1877-1942). Os desdobramentos concretos encontram-se na Seção II, sobre os Dez Mandamentos,
principalmente nos artigos sobre o quarto, quinto e sétimo mandamentos. Assim, os diversos aspectos da
Doutrina Social da Igreja são inseridos organicamente no conjunto da moralidade, e fica patente a
dimensão social e comunitária de toda a ação humana.
O capítulo sobre a Lei e a Graça encerra a "Moral Fundamental": "Chamado à felicidade, mas
ferido pelo pecado, o homem tem necessidade da salvação de Deus. O socorro divino lhe é dado em
Cristo na lei que o dirige e na graça que o sustenta" (1949). A doutrina sobre a "lei moral" apresenta os
três níveis da lei: a lei natural, a lei da antiga e a da nova aliança. A doutrina sobre a nova lei é, sem
dúvida, o cerne da doutrina moral cristã (1965-1974): É "uma lei do amor, da graça, da liberdade" (1985).
O artigo sobre a graça inicia-se com a doutrina da justificação, de grande importância do ponto de
vista ecumênico. Ela é totalmente orientada por São Paulo, principalmente na Carta aos Romanos. O tema
da graça perpassa todo o Catecismo. Aqui, ele é tratado de forma sistemática e sucinta (19962005). A
difícil, mas insubstituível doutrina sobre o mérito (2006-2011) mostra como, através da graça e da
justificação, possibilita-se ao querer e ao agir humano uma verdadeira cooperação com Deus. O parágrafo
termina com palavras de Santa Teresinha do Menino Jesus que, como ninguém, falando de coração, dá
uma resposta à crítica dos reformadores contra a doutrina do mérito (2011). Fiel ao Vaticano II, a doutrina
da graça e do mérito leva à referência ao chamamento de todos para a santidade (2012-2016): "Santidade"
é a perfeita cooperação entre o socorro da graça divina e a liberdade humana. Assim, a "moral
fundamental" culmina na consideração dessa realização máxima do homem, criado livre e à imagem de
Deus, que consiste na comunhão salvífica e santificante com Deus: a santidade. Seu lugar é a Igreja, o
"sacramento" dessa comunhão (2016; 2030).
O artigo sobre a Igreja, enquanto "Mãe e Mestra", faz a passagem para o Decálogo. Vale a pena

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examinar esse trecho de forma mais pormenorizada, para inserir o magistério moral da Igreja no conjunto
da realidade eclesiástica, principalmente da vida litúrgica (2031; 2041).

Os Dez Mandamentos
Apesar de muitas objeções, a comissão fez questão de manter a catequese da moral cristã no
quadro seguro do Decálogo. O prólogo dessa seção apresenta os Dez Mandamentos segundo a Escritura e
a Tradição. Salientam-se o caráter libertador do Decálogo (2057), sua presença na pregação de Jesus
(2052-2055), seu lugar na catequese da Igreja (2064-2068). Também aqui se deve reafirmar: não deve
haver qualquer dúvida quanto à primazia da misericórdia (2074).
Os Dez Mandamentos, conforme a divisão das duas "tábuas", são apresentados como
desdobramentos do duplo mandamento do amor (2067, 2083, 2197). Ao tratar de cada mandamento
sempre se faz referência primeiramente aos aspectos positivos, às virtudes e às condutas correspondentes.
Contra esse pano de fundo, tornam-se patentes as condutas erradas que devem ser apontadas como falhas
e pecados.
A relação dos pecados referentes a cada um dos mandamentos pode parecer, à primeira vista,
muito severa. Deve-se ter em mente que é preciso distinguir entre imputabilidade objetiva e
imputabilidade subjetiva de uma ação (1735). A ignorância inculpável pode diminuir a responsabilidade
de um pecado objetivamente grave, ou até aboli-la definitivamente" (1860). Também na vida moral vale a
"lei do crescimento" (veja 2343), do amadurecimento da personalidade e, conseqüentemente, da
responsabilidade. Tal amadurecimento exige a ajuda da sociedade, formação e educação adequadas
(2344) e a ajuda da graça (ver 2345).
O artigo sobre o primeiro mandamento trata das "virtudes teologais" (fé, esperança e caridade: 2086-
2094) e a "virtude da religião" (2095-2109), antes de tratar das formas errôneas de atitude religiosa
(superstição, idolatria, magia, ateísmo, agnosticismo). Dá-se importância especial à obrigação de a
sociedade cultuar a Deus e ao direito à liberdade religiosa (2104-2109).
A santificação do nome de Deus e a santificação do Dia do Senhor são ressaltadas nos artigos
sobre o Segundo e o Terceiro Mandamentos.
No artigo sobre o Quarto Mandamento, fala-se da família no plano de Deus. O quarto mandamento
abrange, num sentido mais amplo, a relação com as diversas formas de autoridade, até mesmo a relação
entre Estado e Igreja (2244-2246). Positivamente, trata-se de uma postura de respeito que devemos
primeiramente a nossos pais (2214-2220), mas também às autoridades (2238-2243). Nesse sentido, faz-se
referência, por exemplo, ao direito (e às vezes dever) que o cidadão tem de apresentar suas justas
reclamações contra o que lhe parece prejudicial à dignidade das pessoas e ao bem da comunidade (2238),
e ao dever que as nações mais desenvolvidas têm de acolher os estrangeiros "na medida do possível"
(2241). Fala-se também dos deveres dos pais (2221-2231) e das autoridades públicas (2235-2237).
O artigo sobre o Quinto Mandamento discorre sobre o respeito pela vida humana. Respeito que
pode significar também a proteção da vida mediante as diversas formas de legítima defesa (2263-2267).
Todas as formas de homicídio são proscritas pelo quinto mandamento (2268-2269). O respeito à
dignidade humana exige respeito tanto pela alma como pelo corpo (22842301). O esforço pela paz,
enquanto condição para o bem comum (1909), faz parte do quinto mandamento (2302-2317).
No Sexto Mandamento, aponta-se primeiramente o chamamento de todos à castidade enquanto
bem-sucedida integração da sexualidade na pessoa (2337-2347). Por isso as faltas contra o sexto
mandamento são tratadas como ofensas à castidade (2351-2359). O sexto mandamento significa positiva-
mente um sim ao amor e à fidelidade conjugal (2360-2379), e condena tudo o que ofende a dignidade do
matrimônio (2380-2391).
O Sétimo Mandamento fundamenta-se na virtude da justiça (2407) e diz respeito ao trato correto
dos bens terrenos. Fala-se do roubo (2408), mas também da preservação da criação, do trato com os
animais (2415-2418), da justiça econômica e social, da solidariedade entre as nações e do amor concreto
pelos pobres (2443-2449).
O Oitavo Mandamento exige a virtude da veracidade (2468). Requer o testemunho em favor da
verdade e do Evangelho (2471-2474).

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Merecem atenção as referências a uma ética das comunicações (2493-2499) e aos temas da verdade, da
beleza e da arte sacra(2500-2502).
A exposição sobre o Nono e o Décimo Mandamentos estabelece uma ponte entre os Dez
Mandamentos e as Bem-aventuranças: pureza e pobreza de coração mostram-se como as duas atitudes
positivas que correspondem a esses mandamentos (2518; 2546).
A terceira parte termina como iniciou: com uma referência à meta última da vida humana: a eterna
felicidade. Como conclusão temos o texto grandioso de Santo Agostinho em seu livro Cidade de Deus
(2550).

QUARTA PARTE: A ORAÇÃO CRISTÃ

"Para mim a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de
reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria" (Santa Teresinha do Menino Jesus).
Não é por acaso que a Quarta Parte do Catecismo começa com uma palavra tão singela da pequena e
magistral Santa Teresinha.Sempre se critica que o Catecismo não cite teólogos contemporâneos. Trata-se
de um mal-entendido: um Catecismo não cita teólogos, mas santos, sejam eles teólogos ou "devotos
comuns". A atualidade do Catecismo não reside tanto em sua atenção às "questões candentes", mas sim
no testemunho dos santos, através dos quais a fé torna-se presente e atual. Por isso, a quarta parte, que
trata da oração, está toda entretecida com os testemunhos de cristãos santos e exemplares. É precisamente
na oração que a fé se torna vida. Por isso, não chega a ser surpreendente que a quarta parte fale ao leitor
de forma tão pessoal, e que até se recomende começar por essa parte a leitura do Catecismo.
A Seção I da Parte III trata da oração em geral, iniciando-se com uma espécie de definição da
oração (2559-2565). A oração é primeiramente dom de Deus. "Deus tem sede que tenhamos sede dele"
(2560). O dom da oração corresponde ao anseio do homem. Orar é um ato humano; é a expressão daquela
procura por Deus que o Criador colocou no coração do homem e da qual presta testemunho a busca de
todas as religiões (2566).
"A revelação da oração" começa com a criação do homem por Deus. O homem é ser orante desde
sua origem (2569). A oração incita o homem a se aprofundar cada vez mais em sua fidelidade a Deus.
Abraão, Moisés, Davi, os profetas são etapas desse crescimento (2570-2584). Os Salmos constituem a
forma sublime da oração no Antigo Testamento (2585-2589). A oração de Jesus no Novo Testamento
constitui o centro misterioso de atração para a oração da Igreja (2598-2606). Jesus ensina a orar, na
medida em que ele próprio ora (2607-2615). Enquanto verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, ele não so-
mente ensina a orar, mas também acolhe a oração, investido de plenos poderes (2616). A oração da Igreja
desabrocha sob a ação do Espírito Santo (2623-2625) como bênção e adoração (2626-2628), como súplica
e intercessão (2629-2636), como ação de graças e louvor (2637-2643). A "Eucaristia contém e exprime
todas as formas de oração" (2643).
Um capítulo especial é dedicado à tradição, à transmissão viva, e conseqüentemente ao
aprendizado da oração (26502651). Essas "fontes da oração" são a Palavra de Deus, sobretudo as três
"virtudes teologais": fé, esperança e caridade. O amor é a fonte mais profunda da oração. A oração do
Cura d'Ars, citada, é uma expressão comovente desse amor (2658). O amor sabe viver no "hoje" de Deus
(2659-2660). Para aprender a oração precisamos não apenas de mestres da oração, mas também de um
ambiente favorável (2683-2691).
Fiel à visão trinitária do Catecismo, o "caminho da oração" é apresentado como oração no e ao
Espírito Santo, em e a Jesus, o caminho para o Pai (2664-2672). A oração em comunhão com Maria tem
um lugar de destaque na oração da Igreja (2617-2619; 2673-2675). Não poderia faltar no Catecismo um
breve comentário sobre a Ave-Maria (2676-2679).
Tem um significado todo especial a exposição sobre as três formas de expressão da vida de
oração: a oração vocal, a meditação e a oração mental, sendo que esta última pode também ser chamada
de oração mística ou contemplativa (2700-2719). O trecho sobre a oração mental parte da conhecida
definição de Santa Teresa D'Ávila, segundo a qual "a oração mental é apenas um comércio íntimo de

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amizade em que conversamos muitas vezes a sós com esse Deus por quem nos sabemos amados" (2709).
A leitura reflexiva desse trecho é um convite para se procurar, com o auxílio do próprio Deus, o caminho
da oração interior.
Há um trecho especial dedicado ao combate da oração. Quem ora, conhece essa batalha: com a
dispersão, a aridez, o tédio, a falta de confiança, a luta pela perseverança e pela fidelidade; sabe também
como é imprescindível pedir a graça da perseverança final (2725-2745).
A Seção II é um comentário sobre o Pai-Nosso, a Oração do Senhor, em grande parte baseado na
riqueza dos comentários feitos pelos Padres da Igreja. Nisso podemos ver mais uma vez, de forma
bastante clara, que o Catecismo também é um livro para a meditação.
A preocupação deste Catecismo não é primeiramente a questão da transmissão, dos métodos, da
tradução, mas sim a da catequese dos catequistas. Um livro de fé para os transmissores da fé, uma ajuda
para todos aqueles que querem conhecer melhor sua fé. Por isso mesmo considerações sobre os pedidos
do Pai-Nosso são catequese nesse sentido contemplativo.

ABREVIATURAS

CIC Catecismo da Igreja Católica


CR Catechismus Romanus ( o assim chamado “Catecismo do Concílio de Trento)
CTCatechesi Tradendae (Carta de Exortação Apostólica de João Paulo II, datada de 16 de
outubro de 1979)
DCG Directorium Catecheticum Generale da Congregação para o Clero
DV Dei Verbum ( Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II sobre a Revelação Divina)
GS Gaudium et Spes (Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo de
hoje)
LG Lumem Gentium (Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II sobre a Igreja)
URUnitatis Redintegratio (Decreto do Concílio Vaticano II sobre o Ecumenismo)

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