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Análise cinemática comparativa da fase de apoio da corrida

em adultos e idosos
Comparative kinematic analysis during the stance phase of running
in adults and elderly
Reginaldo Kisho Fukuchi1, Marcos Duarte2

1
Fisioterapeuta; Prof. Ms. do RESUMO: A preocupação com a qualidade de vida tem levado ao aumento do
Curso de Fisioterapia do interesse por atividades físicas pelos idosos. A corrida de rua é uma das atividades
Uninove (Centro Universitário que obteve maior número de adeptos dessa faixa etária. Os movimentos
Nove de Julho, São Paulo, SP)
excessivos da região do tornozelo têm sido associados às lesões
2
Físico; Prof. Associado, musculoesqueléticas em corredores. Os achados da literatura sugerem que
Coordenador do Laboratório de idosos são mais susceptíveis às lesões relacionadas à corrida do que adultos.
Biofísica da EEFE/USP (Escola Contudo, ainda é desconhecido se as alterações teciduais trazidas pelo
de Educação Física e Esporte
da Universidade de São Paulo, envelhecimento realmente contribuem para esses resultados. O objetivo do
São Paulo, SP) presente estudo foi comparar a cinemática da fase de apoio da corrida em
adultos e idosos. Foram analisados 17 adultos (31±5 anos) e 17 idosos (69±2
ENDEREÇO PARA anos) recrutados voluntariamente. Os sujeitos correram em uma esteira
CORRESPONDÊNCIA ergométrica a 11 km/h, enquanto eram filmados por quatro câmeras de vídeo
Reginaldo K. Fukuchi com freqüência de 120 Hz. Os ângulos do retropé e do joelho durante a fase
Laboratório de Biofísica
EEFEUSP de apoio da corrida foram mensurados. Os idosos apresentaram menor excursão
Av. Prof. Mello Moraes 65 de movimentos de flexão do joelho e de rotação medial da tíbia. Aparentemente
Cidade Universitária os idosos apresentaram maior assincronia entre os movimentos do retropé e do
05508-030 São Paulo-SP joelho em relação aos adultos. Esses resultados sugerem que os idosos adotam
e-mail: regifukuchi@gmail.com padrões de movimentos diferentes dos adultos durante a fase de apoio da
corrida. A prescrição de exercícios e as estratégias de prevenção de lesões em
idosos corredores devem considerar essas diferenças.
DESCRITORES: Biomecânica; Corrida; Envelhecimento

ABSTRACT: In elderly people, concern with quality of life has led to increased
interest on physical activities, among which running or jogging in the streets
is the favourite. In runners, excessive ankle movements have been linked
to musculoskeletal injuries. Literature has suggested elderly runners are
more susceptible to running-related injuries than adults, but it is still unknown
whether aging-related tissue degeneration might be associated to this. This
study aimed at comparing the stance phase kinematics of running in adults
and elderly runners. Seventeen adults (31±5 years old) and 17 elderly runners
(69±2 years old) ran on a treadmill at 11 km/h while they were filmed by
four digital cameras at 120 Hz. Rearfoot and knee joint movements were
measured during the stance phase of running. The elderly runners showed
lower knee flexion and lower tibial internal rotation excursion. Elderly
runners apparently presented greater asynchrony between rearfoot and knee
joint movement than adults. These findings suggest that during running stance
APRESENTAÇÃO elderly runners adopt different movement patterns when compared to adults.
jan. 2007 Prescription of physical activities for the elderly and prevention strategies
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO in elderly runners should consider these findings.
dez. 2007 KEY WORDS: Aging; Biomechanics; Running

40 FISIOTERAPIA
FISIOTERAPIAEEPESQUISA
PESQUISA2008;
2008;15(1):
1 5( 1) 40-6
Fukuchi & Duarte Cinemática da corrida em adultos e idosos

INTRODUÇÃO 16° medialmente ao eixo longo do pé);


2. Adução/Abdução: movimento da
articulação subtalar, o tálus aduz ou
roda medialmente. Devido à configu-
A prática regular de atividade física articulação subtalar sobre um eixo ração da articulação talocrural, quan-
ajuda a prevenir ou postergar o apa- quasi-vertical (orientado aproximada- do ocorre a adução do tálus, a tíbia
recimento de disfunções importantes mente 42° acima do eixo longo do pé); roda medialmente. Portanto, existe um
que acometem os idosos como a 3. Flexão plantar/Dorsiflexão: movi- movimento acoplado entre a perna e
osteoporose, diabetes melito, hiperten- mento da articulação talocrural sobre o pé2,13.
são arterial e outras doenças cardio- um eixo quasi-médio-lateral (orienta-
Embora a cinemática dos membros
vasculares1. A corrida de rua é uma do aproximadamente a 84° medial-
inferiores durante a fase de apoio da
das atividades que mais despertou mente ao eixo longo do pé). Uma des-
corrida tenha sido investigada em
adeptos dessa faixa etária. Dados da crição mais completa dos movimentos
adultos jovens2,14,15, o padrão de movi-
maior associação de corredores do do pé e tornozelo pode ser encontrada
mento em idosos corredores é desco-
Estado de São Paulo, a Corpore, regis- em Greiner7 e Czerniecki8.
nhecido 16-18 . Bus 16 não encontrou
traram um aumento de 52% do núme-
O movimento da articulação diferenças significativas nos padrões
ro de atletas com mais de 65 anos que
subtalar não pode ser medido por mé- cinemáticos da corrida entre adultos
participaram das provas organizadas
todos não-invasivos, devido à impos- e corredores mais velhos (entre 55 e
pela entidade nos últimos três anos.
sibilidade de descrever o movimento 65 anos). Porém esse estudo investigou
Apesar dos benefícios da prática de do tálus 9,10 . Baseado em métodos apenas os movimentos do joelho no
atividade física em geral, e da corrida indiretos, pode-se mensurar os plano sagital e os movimentos do
em particular, o aumento da prática movimentos entre o calcâneo e a tíbia. retropé no plano frontal e sagital.
desta última tem levado ao conse- A articulação entre esses dois ossos é
A carência de estudos que analisem
qüente aumento no número de lesões. definida como articulação do retropé11.
a cinemática dos movimentos dos
Anualmente, cerca de 50% dos corre- A articulação do retropé apresenta um
membros inferiores durante a corrida
dores americanos são acometidos por movimento combinado chamado de
em idosos aponta para a necessidade
alguma lesão que é suficiente para supinação/pronação, que é o resultado
de novos trabalhos que investiguem
causar alteração do desempenho 2. da inversão/eversão, flexão plantar/
essa população. O presente estudo
Ambos os indivíduos, jovens e mais dorsiflexão e adução/abdução, como
realizou, em adultos e idosos, a
velhos, são freqüentemente expostos acima mencionado.
análise cinemática da fase de apoio
a lesões, com incidência anual entre
Muitas vezes, somente a inversão/ da corrida em esteira à velocidade de
37% e 56%, respectivamente 3. O
eversão é analisada em muitos estudos 11 km/h. O comportamento cinemá-
maior acometimento dos idosos por
sobre mecânica da corrida. Por essa tico tridimensional do joelho e do
lesões pode ser devido às modifica-
razão, esses pares de termos supinação/ retropé foi analisado, bem como os
ções teciduais resultantes do processo
pronação e inversão/eversão são movimentos acoplados entre as duas
de envelhecimento biológico4 e por
freqüentemente confundidos na prática articulações.
eventuais mudanças nos padrões de
clínica. Essa simplificação é mais ge-
movimento utilizados na corrida.
Movimentos excessivos da região
neralizada por análises bidimensionais
do movimento do retropé, onde
METODOLOGIA
do tornozelo (articulações subtalar e somente o plano frontal (do sistema Participaram deste estudo 34 indi-
talocrural) têm sido atribuídos como de referência do laboratório) é ana- víduos (17 adultos e 17 idosos) do sexo
causa de lesões musculoesqueléticas, lisado12. Em comparação com análises masculino, todos praticantes assíduos
tanto na região pé e tornozelo quanto tridimensionais, os erros associados a de corrida de rua. Todos os sujeitos
no joelho5,6. Infelizmente existe uma análises bidimensionais do movimento corriam entre 10 e 20 km por semana
grande confusão no uso dos termos de supinação/pronação não podem ser há um tempo médio de 5 anos. A
utilizados para reportar os movimentos negligenciados. Portanto, deve-se dar pre- estatura média dos adultos era 173±8
da região do tornozelo 7. Por esse ferência a análises tridimensionais2,12. cm, massa média de 71±10 kg e idade
motivo, descreveremos as definições média de 31±5 anos; a estatura média
No contato inicial com o solo, o pé
mais aceitáveis para reportar os dos idosos era 168±5 cm, massa média
geralmente encontra-se em inversão
movimentos dessas articulações e de 65±9 kg e idade média de 69±2
e, à medida que vai se apoiando no
utilizaremos essas definições no anos.
chão, começa a realizar a eversão para
presente estudo.
amortecer a carga e acomodar-se à Os idosos foram recrutados de uma
A região do tornozelo apresenta os superfície. Como o pé está apoiado no lista cedida pela Corpore, que trazia
seguintes pares de movimentos: 1. In- chão, o calcâneo não pode abduzir em os melhores atletas classificados na
versão/Eversão: movimento da articula- relação ao tálus, pois está fixo no so- faixa acima de 65 anos. Só participa-
ção subtalar sobre um eixo quasi-ântero- lo. Portanto, para se obter o componen- ram do estudo os idosos que apresen-
posterior (orientado aproximadamente te da pronação no plano transverso da taram boas condições para tal, devida-

FISIOTERAPIA E PESQUISA 2008;15(1) 41


mente atestadas por um exame ergoespi-
rométrico realizado pelo Laboratório de
Hemodinâmica e Atividade Motora da
Escola de Educação Física e Esporte
da USP (EEFE-USP). Para os adultos, o Rotação lateral
principal critério de seleção foi o do joelho
tempo gasto para percorrer uma dis-
Extensão do
tância de 10 km. O tempo mínimo
joelho
exigido para participar do estudo foi
de 50 minutos. Os critérios de exclu-
são foram qualquer queixa de compro-
metimento musculoesquelético que Rotação
pudesse prejudicar o desempenho na medial da tíbia
corrida. Todos os sujeitos só realizaram
o experimento após assinarem um Dorsiflexão
termo de consentimento; o estudo foi do retropé
aprovado pelo comitê de ética local. Inversão do
retropé
Os experimentos foram realizados
no Laboratório de Biofísica da EEFE-
USP.
Figura 1 Posicionamento dos clusters, das marcas anatômicas (esquerda) e
Instrumentos e tarefa convenção adotada para medir os ângulos articulares (direita)

Foi utilizada uma esteira ergomé- Calibration of Anatomical System mente por meio de rotinas compu-
trica modelo Super ATL (Inbrasport®), Technique proposta por Cappozzo et tacionais em ambiente Matlab® (versão
onde os sujeitos realizaram a corrida. al. 19. Para tanto, utilizaram-se três 6.5, Mathworks Inc.) utilizando os
Para melhorar a visualização das mar- clusters (conjuntos de até 4 marcadores vetores-posição obtidos na calibração
cas refletivas pelas câmeras de vídeo, refletivos de um segmento corporal, estática.
a barra lateral da esteira foi retirada. para descrever suas posições)20, um na
Dado que a simetria entre os mem-
Os sujeitos correram na velocidade de coxa, um na perna e um no pé. Na
bros inferiores é assumida em vários
11 km/h, que não causaria grandes es- utilização do protocolo Cast, a primei-
estudos, no presente estudo somente
forços na amostra estudada. A mesma ra etapa da coleta consiste na calibra-
o membro inferior direito foi ana-
velocidade foi escolhida para ambos ção estática, onde o sujeito permanece
lisado16, 21.
os grupos para permitir uma compara- parado na posição anatômica, filman-
ção direta. do-se todas as marcas descritas acima A digitalização das marcas foi
e os três clusters (Figura 1). realizada no software Apas ® (Ariel
Foram utilizadas quatro câmeras Inc.) e a reconstrução tridimensional
digitais (JVC® GRDVL9800U) com fre- Assumindo que os segmentos coxa,
perna e pé são corpos rígidos e que os foi feita utilizando o algoritmo trans-
qüência de aquisição de 120 Hz. Mar- formação linear direta (DLT)22, imple-
cadores retro-refletivos foram coloca- clusters não se mexem em relação às
marcas dos respectivos segmentos, o mentado em uma rotina computacio-
dos em proeminências anatômicas nas nal no ambiente Matlab. Para alisa-
seguintes localizações do corpo, co- vetor posição das marcas em relação
ao respectivo cluster não muda em mento dos dados cinemáticos, splines
mo ilustrado na Figura 1: espinha quínticas foram ajustadas aos dados23
ilíaca ântero-superior direita e esquer- função do movimento do segmento.
Assim, com a calibração estática, utilizando a função spaps da caixa de
da, trocânter maior do fêmur, epicôn-
todos os vetores-posição das marcas ferramentas Spline do Matlab.
dilo lateral e medial do fêmur, ápice
da cabeça da fíbula, tuberosidade an- da coxa, da perna e do pé são deter- Foi determinada a posição dos eixos
terior da tíbia, ápice distal do maléolo minados e descritos pelo sistema de e planos articulares (base anatômica)
lateral e medial, cabeça do quinto coordenada local (cluster), possibili- como descrito por Cappozzo et al. 19.
metatarso, cabeça do segundo meta- tando a retirada das marcas anatômi- Para definição dos eixos articulares,
tarso, cabeça do primeiro metatarso e cas durante a tentativa dinâmica foi necessário determinar os centros
tuberosidade do calcâneo do membro (quando o indivíduo corre sem as das articulações do quadril24, joelho e
inferior direito19. Para minimizar os marcas anatômicas), permanecendo tornozelo. A Figura 1 mostra a con-
erros de medição dos dados cinemáti- apenas com os três clusters. A partir venção dos ângulos articulares que fo-
cos, utilizou-se a técnica de calibra- dos clusters, as posições das marcas ram mensurados. Todos os ângulos
ção do sistema anatômico Cast – retiradas foram reconstruídas virtual- foram calculados em relação à posi-

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Fukuchi & Duarte Cinemática da corrida em adultos e idosos

ção estática, ou seja, as variáveis ana- Ângulo da tíbia


lisadas durante a corrida foram refe- 10 Adulto
renciadas à calibração anatômica. Idoso
8

Rotação medial da tíbia


Variáveis 6

4
As excursões e os valores máximos
dos movimentos de dorsiflexão do 2
retropé, eversão do retropé, rotação
0
medial da tíbia, flexão do joelho e
rotação medial do joelho foram obti- -2
das. A excursão foi representada pela
-4
diferença entre o valor máximo e o
1 50 99
valor mínimo de cada variável anali- % do apoio
sada durante todo o período de apoio.
Figura 2 Série temporal (média) da rotação da tíbia em adultos e idosos
Uma análise exploratória dos dados durante a fase de apoio da corrida a 11 km/h (N=34)
foi feita antes de ser aplicado o teste
estatístico para verificar sua distribui-
ção, utilizando os testes de Shapiro- RESULTADOS No plano transverso, os adultos jo-
vens aterrissaram em rotação lateral
Wilk e de Levene, respectivamente,
Todos os sujeitos foram capazes de da tíbia; na seqüência iniciaram a ro-
para testar a normalidade e a homo-
executar a tarefa sem intercorrências. tação medial, atingindo seu máximo
geneidade dos dados. Foi utilizado o
A Tabela 1 mostra a média, o desvio por volta de metade do período de
teste t pareado para identificar diferen-
padrão e a estatística das variáveis apoio e retornaram a realizar a rotação
ças entre as velocidades dentro do
analisadas para as comparações entre lateral até perderem o contato com o
mesmo grupo e o teste t não-pareado
os grupos. solo (toe off). Os idosos apresentaram
para identificar diferenças entre os
um padrão similar, embora tenham
grupos. Foi considerado o nível de Descrevem-se a seguir as diferenças
aterrissado já em rotação medial
significância de 0,01, para diminuir a mais notáveis encontradas no presente
(Figura 2). Essa diferença resultou em
chance de erro tipo I. O software utili- estudo para os adultos e idosos durante
uma significativa redução da excursão
zado foi o SPSS®. a corrida a 11 km/h.
desse movimento nos idosos (Tabela 1).
Ambos os grupos adotaram uma leve
Tabela 1 Variáveis analisadas (média±desvio padrão) dos adultos e idosos
flexão do joelho ao aterrissarem, sendo
durante a fase de apoio da corrida na velocidade de 11 km/h; e
que o máximo de flexão foi atingida
valores de P da comparação entre os grupos (N=34)
por volta de 50% do período de apoio.
Adulto (n=17) Idoso (n=17) Apesar da máxima flexão não ter sido
Variáveis analisadas P-valor* diferente, os idosos apresentaram me-
Média±dp Média±dp
nor excursão desse movimento, pois
Ângulo máximo (o)
iniciaram o apoio com o joelho mais
Dorsiflexão do tornozelo 20±3 19±5 0,13
flexionado do que os adultos (Figura 3).
Eversão do retropé 10±5 12±6 0,47
Rotação medial da tíbia 9±3 9±3 0,95 O ciclograma mostrado na Figura
4 representa a média do ângulo de
Flexão de joelho 37±5 35±7 0,30
eversão do retropé versus a média do
Rotação medial do joelho 7±7 4±3 0,07 ângulo de flexão do joelho durante o
Excursão(o) período de apoio. Nota-se que a curva
Dorsiflexão do tornozelo 23±4 22±2 0,41 dos idosos, no momento do contato do
Eversão do retropé 13±3 11±3 0,15 calcanhar com o solo (heel strike)25,
Rotação medial da tíbia 12±2 9±2 p<0,01 apresenta-se em posição inferior e à
Flexão de joelho 33±5 27±3 p<0,01 direita em relação à curva dos adultos,
demonstrando que os idosos iniciaram
Rotação medial de joelho 13±8 12±4 0,63
o apoio com o retropé em maior grau
Parâmetro de acoplamento de eversão e o joelho mais flexionado
EV / RMT ** 1,1±0,3 1,2±0,4 0,26 do que os adultos. Observa-se também
* Comparação inter-grupo (fator idade) na velocidade de 11 km/h que tantos os idosos quanto os adultos
** EV/RMT: Razão entre os movimentos de eversão do retropé e rotação medial da tíbia apresentam um deslocamento inferior

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Ângulo do joelho em outros estudos26,27. Bus16 argumentou
Adulto que o maior grau de flexão do joelho
40
Idoso durante o contato inicial em corredores
35 mais velhos se deve a que a rigidez
30 articular do joelho limita a extensão
Flexão do joelho

25 do joelho prévia ao contato inicial. A


diminuição da excursão do movimen-
20
to de flexão poderia ser explicada pelo
15 padrão de marcha precavida adotada
10 pelos idosos para fornecer maior esta-
bilidade e menor risco de quedas du-
5
rante a corrida16.
0
Na articulação do retropé não
1 50 99
% do apoio
houve diferenças significativas entre
os grupos para os padrões de movi-
Figura 3 Série temporal (média) da flexão do joelho durante a fase de apoio da mento analisados. Okada et al.18 tam-
corrida em adultos e idosos a 11 km/h (N=34) bém não encontraram correlações
significantes entre a idade e a diminui-
e à direita da curva, sendo que, após adultos jovens e idosos durante o perío-
ção da amplitude de movimento do
atingirem o máximo de eversão do re- do de apoio da corrida. Algumas dife-
tornozelo em corredores competitivos.
tropé e de flexão de joelho, a curva renças entre os grupos puderam ser
A ausência de diferenças na cinemá-
se desloca superiormente e à esquerda. observadas.
tica do retropé em relação ao joelho
Embora o padrão das curvas seja
Os idosos exibiram maior flexão do pode ser explicada por o aumento da
similar, os idosos apresentam uma cur-
joelho no contato inicial com o solo, rigidez articular devido ao envelheci-
va mais aberta, demonstrando que a
porém a máxima flexão foi similar à mento ser maior no joelho do que no
máxima eversão do retropé foi atingi-
dos adultos, resultando em diminuição tornozelo. conforme sugerido por
da mais precocemente do que a má-
significativa da excursão do joelho nos Bus16, embora isso não seja evidente
xima flexão de joelho. Esse achado
idosos. No estudo conduzido por Bus16, na literatura. Além disso, as estra-
sugere maior assincronia entre os mo-
foram encontrados comportamentos tégias adaptativas do joelho nos idosos
vimentos de eversão do retropé e de
similares nos indivíduos estudados, podem ter sido mais importantes do
flexão do joelho nos idosos.
mas esse autor não investigou especi- que as do tornozelo, em resposta ao
ficamente a população idosa, apenas impacto a que é submetido durante o
DISCUSSÃO sujeitos com menos de 60 anos. A di-
minuição da excursão nos idosos pode
período de apoio na corrida16, já que
alguns estudos têm demonstrado que,
O objetivo do presente estudo foi ser explicada pelo aumento da rigidez ao se adotar maior magnitude de flexão
comparar a cinemática dos movimen- articular com o processo de envelhe- do joelho durante o contato inicial, o
tos dos membros inferiores entre os cimento biológico, que já foi relatado impacto inicial fica reduzido28-30. Os
Ciclograma idosos podem alterar o padrão da
4 corrida no joelho e não no tornozelo,
2
Adulto instintivamente, com essa finalidade.
Idoso No entanto, os efeitos causados pela
0
mudança do comportamento angular
Eversão do retropé

-2 do tornozelo durante essa fase da mar-


-4 cha e da corrida ainda não são bem
-6 compreendidos.
-8 As principais metas no desenvolvi-
-10 mento de calçados para corrida são
proporcionar controle de movimento
-12
do retropé e amortecimento durante o
-14 período de apoio. Essa tendência
0 5 10 15 20 25 30 35 40 deve-se a que a pronação excessiva é
Flexão do joelho apontada como uma das causas de
Figura 4 Ciclograma representando a média da flexão do joelho versus eversão lesões musculoesqueléticas 5,6. Os
do retropé durante a fase de apoio da corrida em adultos e idosos a 11 resultados apresentados pelo presente
km/h (N= 34) estudo e pelas investigações anteriores

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Fukuchi & Duarte Cinemática da corrida em adultos e idosos

demonstram que essa preocupação


não é tão importante, visto que nenhu-
a máxima flexão do joelho (veja-se a
revisão de DeLeo et al.13). No presente
CONCLUSÃO
ma diferença significante na máxima estudo, aparentemente, os idosos Com base nos resultados do presente
eversão e na excursão desse movi- atingiram a máxima eversão mais estudo é possível concluir que os ido-
mento foi encontrada. precocemente do que a máxima flexão sos obtiveram comportamento cinemá-
do joelho, como descrito nos resultados. tico diferente dos adultos, pois apre-
No presente estudo foram investi- sentaram menor excursão de flexão de
gados também os movimentos do re- Devido ao acoplamento mecânico entre
o pé e a perna, à medida que a eversão joelho e de rotação medial da tíbia.
tropé no plano transverso. Apesar do Vale ressaltar que o achado da rotação
valor de máxima rotação medial da progride, uma rotação medial da tíbia
da tíbia é inédito, uma vez que não
tíbia apresentar-se similar nos dois gru- ocorre. Por outro lado, à medida que o
havia relatos na literatura sobre esses
pos, os idosos apresentaram menor joelho começa a realizar extensão movimentos em idosos corredores.
excursão desse movimento em relação após atingir sua máxima flexão, a tíbia
realiza uma rotação lateral, devido à O presente estudo sugere que talvez
aos adultos. Provavelmente, essa di- seja desnecessária a preocupação em
ferença ocorreu devido ao padrão de rotação automática entre a tíbia e o
fornecer maior estabilidade ao calçado
contato inicial adotado pelos idosos. fêmur nos primeiros graus de flexão
do idoso atleta, uma vez que, entre os
Enquanto os adultos aterrissaram em do joelho partindo da extensão (screw atletas idosos investigados, não foram
rotação lateral da tíbia, os idosos já home)9. Sendo assim, caso o retropé observadas diferenças de mobilidade
iniciaram esse contato em posição comece a inverter (após atingir a máxi- na região do retropé em relação aos
neutra. Alguns estudos mostraram o ma eversão) e o joelho ainda estiver adultos. No entanto, mais estudos de-
acoplamento entre os movimentos da flexionando, a tíbia enfrentará um vem ser conduzidos com idosos seden-
perna e do pé13,31, sugerindo que os mo- dilema mecânico, pois o movimento tários para que esses achados possam
vimentos da perna são influenciados do retropé forçará a rotação lateral da ser generalizados.
pelo movimento do pé. Bellchamber tíbia, enquanto o joelho forçará sua Os resultados do presente estudo
e Van den Bogert32 reportaram que, rotação medial. Essa assincronia de sugerem que estratégias para preven-
durante a marcha, o torque que resulta movimentos poderá resultar em lesões ção de lesões em idosos corredores de-
na maior parte da rotação axial da em ambas as articulações e na perna vam concentrar-se na melhora da mo-
tíbia é proveniente da região proxi- também. bilidade articular, principalmente da
mal, portanto uma diminuição de articulação do joelho. O treinamento
A literatura utiliza a razão entre os de força muscular poderia ser outro
movimento do joelho poderia alterar
movimentos de eversão e de rotação aspecto a ser prescrito, especialmente
o movimento da tíbia. Devido à
medial da tíbia para observar esse para o aparelho extensor do joelho.
escassez de estudos que investigaram
acoplamento13,33,34. Os achados de-
a cinemática dos movimentos dos Estudos futuros que investiguem as
monstram maior freqüência de movi- características cinéticas como os im-
membros inferiores em idosos corre-
mento de eversão do que de rotação pactos e momentos articulares em ido-
dores, houve dificuldade para maiores
medial da tíbia. No presente estudo, sos durante a corrida são necessários
comparações.
tanto os idosos quanto os adultos de- para a melhor compreensão de como
Alguns estudos reportam sincronia monstraram resultados similares aos da as alterações degenerativas modificam
entre a máxima eversão do retropé e literatura para essa variável. a mecânica da corrida nessa população.

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