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GPS

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Márcio Aquino

UM ESPAÇO PARA O
GLONASS, SEM
ESQUECER DO GPS

H
á algum tempo venho pensando em trazer este assunto para a coluna, mas outros
tópicos têm conquistado maior prioridade. Passei perto quando falei de GNSS, na
revista Fator GIS número 17, e em outras oportunidades (por exemplo ao resumir
os principais resultados do ION-GPS 96 na número 16), mas não houve espaço para mais.
Afinal, dados gerais sobre o “GPS russo” têm sido reportados com freqüência na mídia
especializada, dificultando a tarefa de acrescentar novidades ao tema. A escassez de infor-
mações originais sobre o sistema também tem contribuído para que a prioridade a que me
refiro não tenha favorecido o GLONASS. Há poucos dias, porém, a chegada de uma
caixinha preta à mesa de um colega, primeiro-anista de doutorado aqui em Nottingham,
despertou minha atenção, além de me incomodar. Para que a mesma fosse ligada a uma
antena externa, foi preciso deixar levemente aberta a janela ao meu lado, para a passagem
do cabo, o que literalmente “congelou” meu ambiente de trabalho – a entrada do outono
aqui na Inglaterra é um claro prenúncio do inverno que se aproxima, e uma janela entrea-
berta, posso garantir, é a prova mais inexorável desta verdade. A compensação ficou por
conta da alteração no estado de espírito do colega, que finalmente conseguira passar da
teoria e do processamento de dados cedidos por terceiros à coleta e manipulação de seus
próprios dados GLONASS. Estou falando do receptor GPS/GLONASS de 24 canais, re-
cém-adquirido pela Universidade, e de seu “dono”, meu vizinho de escritório, John Swann.
Eles me animaram a escrever sobre o rival do GPS.

Porque GLONASS?
Na verdade, a maior qualidade do GLONASS nada tem a ver com rivalidade ao GPS,
mas ao contrário, com aliança. A despeito do sucesso com que o GPS tem sido empregado
em um sem-número de cenários, não há dúvida de que sua combinação com um sistema
similar somente poderá contribuir para uma melhor performance. Uma solução conjunta
representa, em princípio, a virtual duplicação do número de veículos espaciais existentes
no GPS. Conseqüências imediatas são a maior confiabilidade no posicionamento instantâ-
neo em qualquer ponto no globo, a maior facilidade de obter-se solução em áreas urbanas
sobrecarregadas de construções ou áreas de floresta, além da possibilidade de avanços na
utilização de técnicas de resolução de ambigüidades para posicionamento relativo em
tempo real através do uso da fase da portadora. Outras vantagens dizem respeito ao con-
ceito de GNSS (Global Navigation Satellite Systems), apresentado nesta coluna na edição
número 17. O desejo de “europeizar” um sistema deste tipo, conduziu à concepção do
EGNOS (European Geostationary Navigation Overlay Service) com base na combinação
GPS/GLONASS.

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Como Associar GPS e GLONASS?


A operacionalização dessa associação demanda enfrentar e tratar algumas questões
específicas. Para compreendê-las é necessário primeiro familiarizar-se com as caracterís-
ticas básicas do GLONASS. Recomendo a coluna Innovation da GPS World de julho
último, que traz uma excelente revisão do assunto. Apresentarei apenas um resumo essen-
cial. No entanto, a disponibilidade de um receptor ambivalente propicia entender melhor
estas questões, que discutirei aproveitando as experiências realizadas por Swann.

Características Básicas
Para uma visão imediata da constelação GLONASS basta acessar a página do MIT
(Massachussets Institute of Technology), no endereço http://satnav.atc.ll.mit.edu/glonass.
A figura seguinte mostra a imagem da constelação retirada desta página em 9/10/97. Ao
contrário do GPS, os satélites são dispostos em apenas três planos orbitais, num total de
oito por plano. O raio orbital de 25.510Km é comparável ao do GPS, de 26.650Km. A
inclinação das órbitas, de 55° no GPS, passa a cerca de 66° no sistema russo.
Semelhantemente ao GPS, um código C/A é imposto à portadora L1 e um código P é
imposto tanto à L1 como à L2. No GLONASS, entretanto, as freqüências L1 e L2 não são
comuns a todos os satélites. Ao contrário, a cada satélite visível corresponde um par dife-
rente de freqüências L1 (= 1602 + k x 0,5625 MHz)
e L2 (= 1246 + k x 0,4375 MHz), sendo k um núme-
ro inteiro associado a um único satélite em vista. Em-
bora a constelação completa seja de 24 veículos es-
paciais e a despeito de mais de 70 satélites já terem
sido lançados desde 1982, a figura revela que apenas
13 encontram-se operacionais nesta data. Os espaços
vazios na figura representam posições ocupadas por
satélites que foram desligados, indicando que no pas-
sado a constelação já esteve completa. Swann cita
que é provável que os recentes esforços canalizados
para o programa espacial russo MIR tenham sacrifi-
cado novos lançamentos GLONASS. Certamente este
declínio na constelação fortalece em substância os
argumentos daqueles ainda céticos sobre o sistema.
Recentes notícias da “Força Militar Espacial Russa”
(Voenno-Kosmicheski Sily – VKS), porém, revelam
que três novos satélites serão postos em órbita ainda
este ano e mais seis em 1998.

Diferenças Críticas
Quando se deseja combinar observações GPS e GLONASS, antagonismos mais rele-
vantes entram em cena. De início vamos discutir uma questão à primeira vista complica-
da: os sistemas de referência de coordenadas de GLONASS e GPS não coincidem. En-
quanto as efemérides dos satélites GPS referem-se ao datum WGS84 (World Geodetic
System 1984), as do GLONASS referem-se a um outro, o PZ90 (Parametry Zemli 1990).
A solução para este problema normalmente ocorrerá de modo imperceptível para o usuá-
rio. Um receptor ambivalente em princípio realizará a transformação entre os sistemas
ainda no nível das efemérides, ou seja, as coordenadas dos satélites GLONASS serão,
antes de mais nada, internamente transformadas para o WGS84. Esta transformação tem
sido objeto de estudo por diferentes grupos de pesquisa, cujos resultados têm sido publi-
cados (Misra et al., 1996a). Outra questão diz respeito aos padrões de tempo adotados
pelo GPS e pelo GLONASS. O padrão de tempo representa a espinha dorsal de qualquer
dos dois sistemas, cujas observações em um extremo proporcionam o cômputo de posi-
ções e em outro dependem diretamente de medidas de tempo. O tempo GLONASS é
referenciado ao UTC (SU), enquanto o GPS refere-se ao UTC mantido pelo US Naval
Observatory, ou simplesmente UTC (USNO). Nos dois sistemas, o desvio entre o relógio

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de bordo de cada satélite e o padrão, é monitorado


pelos respectivos segmentos de controle e transmi-
tido juntamente com as efemérides. Um problema
a menos. O inconveniente, porém, ocorre no plano
do receptor, já que as observações têm que ser re-
duzidas a um mesmo sistema de tempo para o cál-
culo de posição. Em termos práticos, a conseqüên-
cia é que, em um receptor combinado, a cada época
é necessário determinar-se o offset entre o relógio
do receptor e o tempo GLONASS, além do corres-
pondente offset em relação ao tempo GPS. Isto im-
plica na necessidade de cinco satélites visíveis para
o cálculo de posição (tem-se agora cinco incógni-
tas: as três coordenadas do receptor e os dois offsets),
ao contrário de apenas quatro (as três coordenadas
e um offset) no caso do GPS sozinho. Obviamente,
o acréscimo de satélites no espaço quando se asso-
cia os dois sistemas torna este problema irrelevante.
A tabela ao lado é um retrato de uma série de posições instantâneas computadas por John
Swann utilizando o recém-adquirido receptor. É possível notar a proximidade entre os
offsets (em microsegundos) calculados para os dois padrões.

Outros Problemas
Um aspecto interessante que está sendo incorporado às investigações de Swann, trata
da utilização do algoritmo de dupla diferença de fase, com as portadoras do GLONASS.
Este algoritmo envolve a combinação de observações realizadas por dois receptores
rastreando dois satélites simultaneamente. Tornou-se popular em GPS interferométrico
pela simplicidade que acarreta ao eliminar o efeito do não-sincronismo entre os relógios
dos dois receptores, resultando na solução de incógnitas que têm valores inteiros por natu-
reza (as tão faladas “ambigüidades inteiras”). Aparentemente, no GLONASS esta vanta-
gem desaparece. Eu mesmo coloquei as equações no papel e desenvolvi a diferenciação
para confirmar a dificuldade. Não vou apresentá-las, mas me disponho a discuti-las com o
leitor que porventura se intrigue com o assunto. É o fato de as freqüências das portadoras
serem diferentes para os dois satélites em jogo que impede que a diferenciação entre
receptores produza a eliminação desejada.
Outro problema óbvio que aparece, especialmente se você está tentando adaptar um
software GPS para aceitar GLONASS, é o de manter uma identificação única para os
satélites. O formato Rinex (Receiver Independent Exchange Format), universalmente uti-
lizado para intercâmbio de dados, permite que os satélites de ambas as famílias apareçam
com um mesmo número, distinguindo-os apenas por um prefixo, “G” no caso de GPS e
“R” no caso de GLONASS. Há que se incluir um recurso extra no software para fazer a
separação. O John me informa que aqui ele adotou a mesma política usada em outros
softwares, a de manter a numeração de 1 a 32 para os satélites GPS e adicionar 32 aos
números dos satélites GLONASS, que ocupam então as posições de 33 a 56 na indexação.
Uma questão mais difícil de contornar foi a de lidar com as efemérides GLONASS, que
não são transmitidas em formato Kepleriano como as do GPS (neste formato as posições
do satélite são computadas a partir de uma órbita elíptica e seu movimento obedece as leis
de Kepler). Ao contrário, as efemérides são apresentadas na forma de posição, velocidade
e aceleração nos eixos X, Y e Z, a intervalos de 30 minutos. Isto obriga uma integração
numérica, a intervalos de 60 segundos (através das equações diferenciais de Runge-Kutta),
para então criarem-se pontos a partir dos quais se possa interpolar a posição do satélite
para uma época qualquer. Finalmente, se todos estes cuidados forem tomados ainda há o
risco de resultados distorcidos, caso não se preste atenção aos pesos dados às observações
correspondentes aos dois sistemas. Principalmente por causa da SA, que não existe no
caso do GLONASS, se pesos semelhantes forem associados às observações de ambos os
sistemas, a solução conjunta tenderá a ser degradada em função da pior qualidade das

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observações GPS. Segundo estudo realizado por Misra e co-autores (1996b) desvios-pa-
drão de 8 m para o GLONASS e 25 m para o GPS são valores apropriados.

Resultados Práticos
Para finalizar, gostaria de apresentar alguns resul-
tados de rastreamento realizado por Swann com o novo
receptor. Após ter cuidado de todos os aspectos aqui
discutidos, o colega colocou o receptor em uma cami-
nhonete e dirigiu nas proximidades da universidade
para colher dados em movimento. A figura abaixo traz
a disponibilidade de satélites GPS e GLONASS du-
rante o percurso. A figura no alto, à direita, representa
o resultado do pós-processamento dos dados a partir
das observações GPS apenas. O movimento do veícu-
lo é de sudeste para noroeste. Os saltos visíveis, cor-
respondentes aproximadamente à época 370 em dian-
te, indicam a dificuldade encontrada quando a conste-
lação diminui e o usuário enfrenta uma área construída
e com outros veículos nas proximidades, como ônibus
de dois andares. A última figura, em minha opinião a
mais interessante, mostra o resultado do processamento quando os dados GLONASS são
adicionados. A melhoria, principalmente a partir da época 370, é visível. A conclusão técni-
ca é óbvia. Senão em outras áreas, com certeza na área de navegação, o GLONASS associ-
ado ao GPS pode trazer benefícios significativos. Resta, portanto, a esperança de que a
solução para os problemas da fragilidade da constelação, através de uma maior decisão dos
russos em relação GLONASS, possa acontecer oportunamente.

Leia Mais
& 1996a – GLONASS Performance: Measurement Data Quality and System Upkeep
P. N. Misra, R. I. Abbot and E. M. Gaposchkin, Proceedings do ION GPS 96
& 1996b – Integrated Use of GPS and GLONASS: Transformation Between WGS-84
and PZ-90 – P. N. Misra, M. Pratt, R. Muchnik, B. Burke and T. Hall, Proceedings do ION
GPS 96
& 1997 – GLONASS: Review and Update – R. B. Langley, GPS World, July 1997

Coluna publicada na Revista Fator GIS nº 21 – nov/dez/jan/97-98

Colaboração: Márcio H. O. Aquino


é engenheiro de Geodésia e bolsista (Doutorado) do CNPq na
Universidade de Nottingham, Inglaterra
Fax (115) 951-3881 – e.mail: isxma@isn1.iessg.nottingham.ac.uk

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