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11.

c :APíTULO 3

c )MUNIDADES TRANSNACIONAIS:
'(

N( )VAS FORMAS DE RELAÇÕES 'SOCIAIS


I'M CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO?

As ciências sociais têm as suas modas intelectuais e os estudos


II11I

I r migrações não constituem excepção. No período do ime-


ti 11
II

II

"11110 pós-guerra muitos investigadores fixaram-se na noção de


II.\II/Iilnção dos imigrantes, para depois se deslocarem para a noção
Iihll,':suave de integração. Nos anos 80, o multiculturalismo tor-
111111 se no termo "gazua". A reacção pública contra esta aborda-
1'1111 na década de 90 levou a que se colocasse maior ênfase na
.Ir/tll/flnia e nas relações entre grupos no seio da cidade - o pro-
1'1" 111.'Metropolis é filho desta mudança intelectual. A palavra-
I IldV\' da primeira década do novo século é, sem margem para
dllvldas) transnacionalismo. A profusão de livros, artigos e con-
i, I,'lIl ias sobre o tema torna difícil avaliar se estamos a lidar com

IlIllllOVO desenvolvimento de monta no que respeita à consciên-


I I, " .10 comportamento dos imigrantes, ou se se trata apenas de
11110 vd ho em novos odres.

Algllns investigadoresdefendem que um número crescente


di Illdl',ranlCS se vê a si próprio como membro de comunidades
Ililll'lll.lcionais que se fundam numa identidade comum com
IIdlVfdllOSda mesma etnia, quer na terra dos seus antepassados,
'jllIl ,'111Olltros destinos migratórios. A pertença a uma comL1l1i~
1,.11' 11.11lSIl:lcionaI slIhst illl iria assim a pertença a li m Estado
COMUNIDADES TRANSNACJONAIS
GLOllALlZAÇÃO, TRANSNAClONALISMO E NovOS FLUXOS MIGRATORJOS

-nação enquanto fonte primordial de lealdade e desolidariedade, também, evitar a inflação conceptual a propósito da noção de
o que poderia por sua vez causar um défice de coesão social no comunidade transnacional, procurando antes defini-la e limitá-
país de fixação. Estas tendências podem ser condenadas como -la de forma a poder ser utilizada na investigação empírica. Não
ameaças ao Estado-nação democrático - sintetizadasna polémica poderei realizar estas tarefas de forma adequada nesta breve dis-
noção de "nações de tribos" - ou celebradas comoarautos de uma cussão, mas avançarei com sete proposições que podem clarificar
ordem pós-nacional, mais racional e pacífica. Noentanto, existem os termos do debate e ajudar à discussão.
também estudiosos das comunidades transnacionais que defen-
dem que estas podem constituir uma nova formade adaptação 1. As comunidades transnacionais têm raízes históricas
dos imigrantes que, a longo prazo, conduzirá eventualmente a profundas, particularmente no fenómeno da diáspora,
formas mais bem sucedidas de assimilação às sociedadesde acolhi- mas têm vindo a proliferar em face das alterações sociais e
mento. Um terceiro grupo sustenta que não há nadade novo nas tecnológicas associadas à globalização.
comunidades transnacionais e que estas existemdesde tempos
imemoriais sob a forma de diásporas. As comunidades transnacionais não são um fenómeno novo,
Tudo isto está longe de ser um debate meramenteescolástico. mesmo se o termo que as designa o é. O conceito de diáspora
Pelo contrário, tem uma importância prática considerável na remonta a tempos antigos, quando era usado para designar povos
medida em que quase todas as nações ocidentais têm-se consti- deslocados ou dispersos pela força (como os judeus ou os escravos
tuído como destinos de fluxos imigratórios em grande escala na africanos levados para o Novo Mundo), mas também se tem apli-
última metade de século, tendo vindo a confrontar-secom o facto cado para designar grupos de comerciantes (os gregos na Ásia
de que os imigrantes não se assimilam pura e simplesmente à Ocidental e em África ou os negociantes árabes que levaram o
sociedade e à cultura existeIJ.tes.O acréscimo de mobilidade e de Islão ao Sudeste asiático) e trabalhadores imigrantes (os indianos
diversidade cultural levanta questões de difícil resposta no que no Império Britânico; os italianos a partir de 1860) (Cohen 1997).
respeita às políticas de imigração e às orientações políticas em Não existe demarcação clara entre as noções de comunidade trans-
matéria de nacionalidade e de cidadania. A proliferaçãode duplas nacional e de diáspora: certos autores utilizam-nas como sinóni-
e múltiplas nacionalidades é particularmente significativa na mos, outros para se referirem a diferentes tipos de grupos. Por
medida em que invoca receios de "lealdades divididas"- a némesis exemplo, alguns autores reservam o termo diáspora para grupos
do nacionalismo. À medida que a migração Sul-Sul aumenta d ispersos pela força ou para "nações sem Estado", e utilizam o
- por exemplo, para as economias em rápido crescimentoda Ásia termo comunidade transnacional para se referirem a imigrantes
Oriental-, também aí o mesmo tipo de questõestem vindo a t'conómicos, que mantêm fortes laços com os respectivos países
ganhar relevo. de origem. Por razões históricas, o termo diáspora invoca fortes
Do meu ponto de vista, a noção de comunidade transnacio- (onotações emocionais, ao passo que o termo comunidade trans-
nal é de facto útil na medida em que nos ajuda acompreender Ilacional
... é mais neutro - sendo por essa razão preferível nas ciên-
I I.IS SOCIaIS.
os padrões contemporâneos das migrações internacion~is e d
fixação das populações migrantes. É importante, conllll lo, aliccr- Pa ra além disto, os imigrantes do século XIX e do início do

çar a teoria transnacional numa análise mais al:lI'I\lldll d.ls 11I1I- ·.('('ulo xx não cortaram totalmente os laços com os respectivos
danças históricas e das I'cnd0ncias macro-socia is,F 1111 1'01 la Illl', I,.dst's dc origcm, nH'Slllllem países tradicionalmente receptores

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t,
GLOBALIZAÇÃO, TRANSNACIONALISMO E Novos FLUXOS MIGRATORIOS COMUNIDADES TRANSNACIONAIS

de imigração, como os Estados Unidos da América, o Canadá e a fronteiras internacionalmente reconhecidas fez de cada país uma
Austrália. As relações pessoais, culturais, económicas e políticas unidade autónoma. Cada Estado-nação teria supostamente um
mantiveram-se e não eram raros os casos de regresso e de migra- povo único e homogéneo, com características culturais comuns
ção pendular. O famoso fenómeno de "migração em cadeia" é c uma herança partilhada. Neste "mundo de Estados-nação", a
um aspecto particular deste tipo de relações (Price 1963). No imigração constituía-se como excepção, e os imigrantes só pode-
entanto, este tipo de contactos era limitado pelos elevados custos riam tornar-se parte integrante da nação mediante um processo
e pelas dificuldades de transporte e de comunicação. Depois de de adaptação e de assimilação (Castles e Davidson 2000).
1945, com o avanço tecnológico, as redes migratórias assumi- Este era o modelo ideal do nacionalismo, mas raramente foi
ram progressivamente maior relevo, como foi, aliás, reconhecido alcançado na prática, visto que a esmagado~a maioria dos Esta-
pela teoria das migrações a partir da década de 80 (Boyd 1989; dos-nação incluiu sempre diversos grupos Únicos no seu seio.
Fawcett 1989). No entanto, alterações profundas ocorridas na última metade
A proliferação de comunidades transnacionais nestes últimos de século xx tornaram este mito insustentável. No mundo de mo-
anos pode talvez ser mais bem compreendida como parte de um bilidade do século XXI, todas as sociedades têm recebido fluxos
processo, que tem vindo a intensificar-se, de integração global e °rescentes através das suas fronteiras - fluxos de capital, de
de compressão do espaço e do tempo. Trata-se em parte de uma lI1ercadorias, de produtos culturais e de pessoas. Alguns aspectos
questão tecnológica: as melhorias nos transportes e a comunicação fundamentais da soberania transitaram para as esferas de decisão
electrónica em tempo real e de fácil acesso são as bases materiais ,;upra ou subnacionais. As fronteiras passaram a ser mais porosas
da globalização. Mas acima de tudo trata-se de uma questão social para os povos e as populações tornaram-se cada vez mais dife-
e cultural: a globalização está estreitamente associada a alterações renciadas. Esta tendência envolve aspectos negativos, como a
nas estruturas e nas relações sociais, e a mudanças nos valores (Tosão das culturas locais, mas também aspectos positivos, como
culturais relacionados com o lugar, com a mobilidade e a per- n possibilidade cada vez maior de escolha pessoal e a crescente
tença I. É provável que isto venha a produzir consequências assi- :!Icnção dada aos direitos humanos. Como é evidente, a imigração
naláveis, que só agora começamos a compreender (Bauman 1998; t, um factor decisivo nestas alterações, mas mesmo países com
Castells 1996; Held et aI. 1999). Ilouca imigração têm vindo a mudar rapidamente, em face dos
Grande parte desta discussão assenta em bases erradas: é que :luxos materiais e virtuais que dão corpo à globalização.
as formas de consciência dos imigrantes e o seu comportamento, As teorias sociais assentes no modelo do Estado-nação não
que se vão alterando, são consideradas a partir de noções relati- IlL'nnitem dar conta dos desenvolvimentos mais recentes nem
vamente estáticas de sociedade. Muitas vezes as análises assen- lornecer soluções adequadas. A globalização significa uma mu-
tam implicitamente no modelo tradicional do Estado-nação inde- (I., nça na organização espacial do mundo, de um "mundo de luga-
pendente, enquanto espaço privilegiado para a formação da Il'S" para um "mundo de fluxos", como afirma Manuel Castells
identidade política, para as relações económicas, para as relações ( :astells 1996, capítulo 6), ou como defende Thomas Faist, uma
sociais e para a cultura. A soberania inquestionada no interior de 1I1lldança dos Estados-nação enquanto "contentores" da política
f' da cultura, para novas formas de "espaços sociais transnacio-
I "( ... ) cultural values cOl7cerned with place, mobilily cmrlllelOI'/)iillg", 110 (lri
II.tiS", onde a cultura e a política se estribam em grupos e redes
ginal (N. do T). qtll' transcendem as fronteiras nacionais (Faist 2000). Face a

III
C 1.0 liA I.I;t;M,:Aü, 'I'RANSNACIONALlSMO E NovoS FI.UXOS M 1\ :HA'I (>!(I\)S COMUNIIlADES 'I'I(ANSNACIONAIS

esta reorganização do espaço, os modos de adaptação tradi (;'\Ilciadas comunidades Iransnacionais de negócios, mas faz notar
cionais podem já não funcionar para grupos significativos de im i '1lle as comunidades políticas e culturais também são importan-
grantes. tes. Este autor introduz uma distinção útil entre transnaciona-
lismo dos poderosos- actividades "conduzidas por poderoso acto-
2. A maioria dos imigrantes não constitui comunidades res institucionais, como as empresas multinacionais e os Esta-
transnacionais. É fundamental ter definições claras do que dos" - e o transnacionalismo popular2 - actividades "que são o
são as comunidades transnacionais e de outros conceitos resultado de iniciativas populares3, protagonizadas pelos imigran-
relacionados, e analisar as condições que permitem que les e pelos seus parceiros dos respectivos países de o:rígem" (Portes
1'1 ai. 1999,221).
os imigrantes se tornem membros de comunidades trans~
naCIOnaiS. O termo transmigrante pode ser utilizado para identificar
pessoas cuja existência é moldada através d,a participação em
Os grupos cujas actividades regulares e consciência transcen- (olTIunidades transnacionais estribadas na imIgração. Nina Glick-
dem as fronteiras nacionais constituem comunidades transna Schiller sustenta que "as pessoas que vivem as suas vidas cru-
cionais. É importante, contudo, evitar generalizações abusivas, zando fronteiras, desenvolvendo redes sociais, familiares, políti-
considerando todos, ou a maioria dos imigrantes, como transna l'as, económicas e religiosas que as incorporam em dois ou mais
cionais ou "transmigrantes" - uma tendência comum em teorias l'slados podem ser considerados como "transmigrantes" (Glick-
pós-modernas que celebram o "nomadismo e a hibridez ". Os Schiller 1999,203).
estudos empíricos exigem definições claras. O uso excessivo destes termos deve, contudo, ser evitado. Os
As comunidades transnacionais podem ser definidas como 'rabalhadores .migrantes que trabalham
, no estrangeiro por
. alguns
grupos, baseados em dois ou mais países, envolvidos em actividades anos, que enVIam para o seu paISremessas, que comUlllcam com
transfronteiriças significativas, recorrentes e duradouras, que pode1ll .1 sua família que ficou na origem e que a visitam ocasionalmente

ser de natureza económica, política, social ou cultural. lI:iosão necessariamente transmigrantes. Se a sua terra natal con-
Com a noção de comunidade transnacional a ênfase é colo I inua a ocupar o centro da sua vida e se tencionam a ela regressar,
cada na acção humana: tais grupos são o resultado de actividades ('nl'ão não possuem uma consciência transnacional.
transfronteiriças que ligam os indivíduos, as famílias e os grupos Do mesmo modo, os imigrantes permanentes que deixam o
locais. Com a globalização, as anteriores comunidades face a facr seu país de origem para sempre e se limitam a manter um con-
estribadas nas relações familiares, de vizinhança ou de trabalho, lacto frouxo com a sua terra natal também não são transmigrantes,
podem ser ampliadas, passando a incluir comunidades virtuais, visto que o centro da sua vida é o país onde se fixaram. A carac-
que comunicam à distância. As comunidades transnacionais não krística fundamental radica no facto das actividades transnacio-
se aplicam exclusivamente aimigrantes visto que grupos trans /lflis, que têm como ponto de referência contínuo duas ou mais socie-
fronteiriços com interesses comerciais, culturais, desportivos 011 dl/des, serem uma parte central da vida dos indivíduos. Este enfoque
políticos comuns podem considerar-se a si próprios como urna
comunidade. No entanto, os grupos que surgem na sequência
) 'Ti'ansnationalism [TOm above e transnationalism from below, respectivamente,
das migrações têm um significado especial para o estudo da orga 110 original (N. don.
nização social e da cidadani.a. Alejandro Portes sublinha a impor , (;rass-roo(S, no original (N. do T).

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l:III\IIJNIIIAIII.~, 'i'llAN'NA( :IONAI~'

transnacional pode também aplicar s<.::I 11111


IIIVl'Icokctivo. n 1 ",:-,illlilaçao como 11111 PII)I \'sso illevitável e necessário (Alba e
indivíduos podem ser considerados membros de uma COIll1111I r'le'l' 1997; Gordon 196'1; Portes 1'1 (/1. 1999).
dade transnacional se as actividades transnacionais dos .~V\l,', I\. ('xclusão diferencial é o modelo associado ao "sistema de
grupos sociais constituírem o contexto primordial das suas vid,I'., 11.lh.llh:ldores convidados"4 adoptado em países europeus como
mesmo no caso de eles próprios não estarem directamente envol t I\.lemanha até à década de 70, e ao recrutamento de "traba-
vidos em actividades transnacionais.
'''"dores contratados além-mar" que foi seguido por países produ-
Deslindar que grupos de imigrantes se tornam transmigrall i 111('$ de petróleo do Golfo e pelos actuais tigres asiáticos. Neste
tes e estabelecer as condições que produzem este resultado, 011o IlIodclo, os imigrantes são integrados temporariamente em certos
contrariam, são aspectos fundamentais a investigar. Não enC011 '.lIhsistemas sociais como o mercado de trabalho ou em esque-
trei ainda nenhuma tentativa séria para quantificar a pertença ,I III,ISde segurança social incipientes, mas são excluídos de outros,
comunidades transnacionais, comparando-a com outros tipos <li- \ omo a participação política e a cultura nacional. Os imigrantes
experiências migratórias. As dificuldades metodológicas desse ti (lI. '..lo desencorajados a reunir os membros da família e não se espera
de exercício são enormes, mas valeria a pena resolvê-las. qllc se fixem definitivamente. A cidadania não é uma opção.
I{l'corde-se que estas duas abordagens laboram sobre a mesma
3. Os antigos modos de incorporação dos imigrantes sau l< kia: o carácter controlável da diferença étnica. Esta, contudo, reve-
lou-se ilusória.
ainda poderosos, sendo importante examinar a relação
entre eles e as comunidades transnacionais. A introdução de políticas multiculturais (sob uma variedade
d<.:rótulos) pareceu ser assim a melhor solução. Tenha-se pre-
Cada país de imigração tem o seu modo particular de regular M'nte que o multiculturalismo significa o abandono do mito dos
a situação dos recém-chegados, mas - como defendi anterior I':stados-nação homogéneos e monoculturais, o reconhecimento
mente (Castles 1995; Castles e Miller 1998,244-250) - é possívl'l do direito à manutenção da cultura ou à formação de comuni-
definir de forma sintética três formas principais de incorporação dades, associando esses direitos à equidade social e à protecção
dos imigrantes na sociedade.
rontra a discriminação. No entanto, o multiculturalismo mantém
Como vimos no capítulo anterior, assimilar significa encora 01ideia de elo de pertença primário a uma única sociedade e de
jar os imigrantes a aprender a língua nacional e a adoptar as práti lealdade para com apenas um Estado-nação.
cas sociais e culturais da comunidade de acolhimento. Espera-se A maioria das migrações e dos processos de fixação insere-se
que abdiquem das culturas das suas terras de origem e que s" ainda num destes três modelos - e por vezes numa mistura dos
diluam na população, pelo menos por altura da segunda geração. Irês. A maioria dos imigrantes tenciona permanecer apenas tem-
Esta tem sido a abordagem utilizada em "países tradicionalmente porariamente no país de destino ou estabelecer-se definitivamente
receptores de imigração", como os Estados Unidos da AmériGl, e abdicar da sua afiliação anterior, o que não significa necessaria-
o Canadá e a Austrália, oride foi reforçada com a concessão d" mente abdicar da identidade linguística e cultural. O multicul-
facilidades na obtenção da nacionalidade. As práticas assimilacio I uralismo aceita este facto. Mas são cada vez mais significativos
nistas foram também usadas em contextos algo diversos, concret:l os grupos que não se enquadram em nenhum destes padrões. As
mente em alguns países de imigração europeus. Muitos sociólogos
(particularmente nos Estados Unidos da América) consideraram , Guestwork system, no original (N. do T.),

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GLOUALlZA<.:ÃO, TllANSNAClONALlSMO E NOVOS 1:l.uXOS Mil :1\1\'1111\111:, COMUNll)AlnS TllANSNACIONAIS

comunidades transnacionais possuem bastantes traços em comum lambém "naç()(:s S<.;1lI (':slados", muitas vezes surgidas na sequên-
com as diversas comunidades étnicas reconhecidas pelo multi- ia de uma dispersão forçada, que se mobilizam politicamente
culturalismo, no que respeita à manutenção de traços culturais para criar ou transformar as suas terras de origem. No entanto, a
e à formação de comunidades. Mas distinguem-se num traço maioria dos membros de comunid<,tdes transnacionais encon-
importante: como mantêm fortes afiliações transfronteiriças, tram-se entre estes extremos e possuem, provavelmente, identida-
possivelmente ao longo de gerações, a sua lealdade primária não des contraditórias e flutuantes. Uma longa tradição de história
é para com um Estado-nação ou território específicos. É por isso oral e uma vasta bibliografia acerca dos imigrante.s.mostra o modo
que apresentam um desafio aos Estados-nação e que os nacio- como os imigrantes têm de negociar entre possibilidades de
nalistas as encaram como ameaças. escolha complicadas, que incluem o regresso, a assimilação ou a
formação de comunidades. Não se tratam de opções mutuamente
4. As identidades transnacionais são complexas e contra- exclusivas: os indivíduos e os grupos encon.tram formas criativas
ditórias. Podem assumir uma variedade de formas, que de simultaneamente se adaptarem e de transformarem os ambien-
podem complementar os modos de incorporação dos tes sociais em que se inserem. As suas formas de adaptação cria-
imigrantes já conhecidos ou contrariá-los. tiva revelam-se não só nas intervenções declaradamente políticas
ou sociais, mas também nas estratégias do quotidiano.
Se a lealdade primária das comunidades transnacionais não é O mesmo se aplica aos membros de comunidades transna-
para com um Estado-nação ou um território, qual a entidade a cionais. Os indivíduos e os grupos negoceiam constantemente as
que se reporta? Deparamo-nos aqui com uma tensão inerente escolhas relativas à sua participação na comunidade de acolhi-
à teoria transnacional. Os transmigrantes são por vezes retrata- mento, às suas relações com os seus compatriotas e às suas ligações
dos como cosmopolitas capazes de ignorar barreiras culturais e de com co-étnicos. As suas estratégias de vida associam elementos
construir identidades múltiplas ou híbridas. Outros estudiosos dos espaços sociais nacional e transnacional. Pode não existir leal-
defendem, contudo, que a consciência transnacional assenta deci- dade exclusiva a um território específico, mas os transmigrantes
sivamente na etnicidade comum: os transmigrantes sentem-se necessitam de estabilidade política, de prosperidade económica e
solidários com os seus co-étnicos no seu país de origem ou onde de bem-estar social no seu local de residência, como qualquer
quer que se encontrem. Segundo esta abordagem, o transnacio- outra pessoa. As estratégias transnacionais bem sucedidas envol-
nalismo surge assim como uma revalorização da identidade étnica vem certamente capacidade de adaptação a múltiplos cenários
exclusivista, e as comunidades transnacionais assumem a forma sociais bem como competências interculturais5• Num mundo de
de diásporas no exílio, determinadas em estabelecer os seus pró- sociedades culturalmente abertas onde a mobilidade impera, essas
prios Estados-nação: uma espécie de "nacionalismo transnacio- capacidades não deveriam ser vistas como ameaçadoras, mas antes
nal" nas palavras de Ien Ang (Ang 2000). como altamente desejáveis. A noção de lealdade primária para
Uma vez mais faltam-nos os dados empíricos para podermos com um lugar é assim ilusória: trata-se de um ícone de um nacio-
enunciar proposições mais claras. Existem provavelmente grupos nalismo fora de moda, que revela ter pouca relevância para os
extremamente cosmopolitas que se sentem em casa em toda a imigrantes num mundo de mobilidade.
parte - as elites profissionais de elevadas qualificações e da esfera
do grande capital podem corresponder a esta imagem. Existem :i G/"05s-(//IIII/'IIIIII/I/II/'I/'I/I'(', no original (N. do T.).

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