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Ler e Escrever Compromisso de Todas As Areas
Ler e Escrever Compromisso de Todas As Areas
Q
Ler
UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO
GRANDE DO SUL
e escrever
Reitora
Wrana Maria Panizzi
' · Vice-Reitor
e Pró-Reitor de Ensino
José Carlos Ferraz Hennemann
Pró-Reitor de Extensão
Luiz Fernando Coelho de Souza
Vice-Pró-Reitor de �xtensão
Compromisso de todas as áreas
Fernando Setembrino
Cruz Meirelles
EDITORA DA UNIVERSIDADE
Diretor
Geraldo F. Huff
CONSELHO EDITORIAL
Antônio Carlos Guimarães
Aron Taitelbaun
Célia Ferraz de Souza Organizadores
Clovis M. D. Wanmacher
Geraldo Vicente Canali
José Augusto Avancini
(!âr!-.
Conceição Bitencourt Neves�
José Luiz Rodrigues
lovois de Andrade Miguel Jusamara Vieira Souza
Luiza Helena Malta Moll
Maria Cristina Leandro Ferreira Neiva otero Schãffer
Geraldo F. Huff, presidente
Paulo Coimbra Guedes
Renita KJüsener
Quarta
Edição
Editor;i d� Univer�id�de/UFRGS • Av. Jo.fo Pesso.1. -115 - 900-10-000 - Por1o Alegre, RS - í-o11e/í,1x
(51) 3224-8821, 3316-1082 e 3316--1090- E-11 1 ,1il: ecJitor:i@orion.ufrgs.br - lit1JJ://\vww.uírgs.br/
edirora • 01recJo: Geraldo rr.111ci.sco Huff • Ed1ror.1í,fo: l',11110 Antonio cfa Silveira (coorrle11,1rlor),
Carla M. Luzz.;ino, Cl,111dia 8i1te11cour1, Maria cb Glóri.1 Almeida dos S.1ntos, N.ij.ír.1 M.1ch.:Hlo;
supor1P edirori.il: Fer11.111cJo Piccinini Schrnin, l.�ucia11e Leip11i1z (bolsist.i) e Sílvi,1 Ali11e Oth,1r,111
Nu11es (bols1st.il .. t\dminisrr,1í,in: José Pereir.i Brito r-ilho. L.ierte B.1lbi1101 Oi.is. Noriv.11 Herrneto
Nunes Saucedo; �llfl()11e .icl111i 11is1rafr.o: Ana Mar i,1 [)'1\11dre.1 dos 5,11110s, Eric.i r-C'<f,itlo, Jc.1111',1tdo
�Editora
da Silva Carv.1llio, Jo,10 U.11ist.1 de Souz,1 Oi.is e 1\.1.ircelo \.V,1gncr Sclieleck • A/Joio: lrl.ili 11 ,i
� da Universidade
louzaúa e laércio F ontour,1.
Ler e escrever
e111 artes visuais·
ISABEL PETRY KEHR\VALD
obscn·aç5o. listar apenas o que está cYidente, como, por exemplo, t_1- cicio de· leitura de imagem tomando con10 ponto de p::irtid::i a obr::i Os
pos de linhas e fonnas utiliz::idas pcl? aut?r, cores, elcm�ntos e demais retirantes de Cândido Portinari, d::itada de 194-l
' (pjgin;:i ao bdc)
propricd:1dcs d::i obra. Nesta etapa 1dcnt1fic?-sc, .t?mbem, o �1tulo . d_a
obr;:i. 0 :irtista que a fez, lugar, época, matenal utilizado, tccmca, esti_ LEITURA DA OBRA OS RETIRANTES DE PORTINARJ
lo ou sistcm:i d-: reprcsent:::ição, se figurativo ou abstrato etc. Descnção: nesta fase. no ensino fundamcnt:il. c:ibc zio pr0fl·s
' A análise diz respeito ao comportamento dos elementos entre sor direcionar as indagações sobre a obra no sentido de que os ;ilun 'S
si. como se influenciam e se relacionam. Por exemplo, os espaços, identifiquem seus elementos. É atra\·és de alguns mec�rnismos ciuc en
os \·olumcs.. as cores. as texturas e a disposição na obra criam con tenderá melhor o que está percebendo. Aqui estão sugestões de algu
trastes, sc11 1clhanças· e combinações diferentes que neste momento mas perguntas que poderão ser feitas para iniciar o dijlogo com ::i obra
serão analisadas. ou o objeto:
O estágio da interpretação é dos mais gratificantes, pois é - O que você está vendo nest::i imagem?
quando procuramos dar sentido ao que se observou, tentando iden - Quantas pessoas aí estão? que outros elementos?
tificar sensações e sentimentos experimentados, buscando estabe _::. Existem linhas nesta imagem?
lecer relações entre a imagem e a realidade no sentido de apropri - Como são? lisas, grossas, retas, quebradas, onduladas?
ar-se da primeira. - Que cores você vê? são claras, escuras, esfumaçadas?
No quarto estágio, o dojulgamento, emitimos, umjuizo de valor a - Que texturas podem ser apontadas? nas roupas, no corpo ou
respeito da qualidade de uma imagem, decidindo se ela merece ou não rosto; no céu, no chão
atenção. Nesta etapa as opiniões são muito diveigentes, pois algumas obras - Que efeitos o artista conseguiu ?
têm um significado especial para - Qual o estilo e técnica da pintura?
algumas pessoas e nenhum valor Aind::i entrarão nesta fase as questões relativas ao contc:-.:to his
para outras. J\fas é senso comum tórico da obra e o que já foi anteriom,ente referido.
que um bom trabalho é o que tem o
Análise: aqui também se poderá aguçar o olhar do :i.luno atr:1\ L:S
poder de cnc�mtar muitas pcsso3s
das perguntas:
por um longo tempo.
- Você identifica movimento n:i obr:i'J
Fcld1mn (citado por Barbo
- Há uma figura ccntrJ.I? h:í algum elemento que d:i dcscquilíliril).,
s:1. 1991. p .4-l) sugere ainda que as
- Como é o tratamento d;:i cor em rcl:ição is fo1111Js? tem w11-
leituras sejam comparatirns entre
trastc ? tem volume?
du:i.s ou mais obras. a fim de que
- Como é o fundo?
se c\·ic.kncicm :.1s semelhanças e
d1krc11ps. possibilitando analo Jmerpretação: nesta fase, geralmente. tanto crianç::is quanto :i.dul
gias e aprendizagens mais enri tos fabm com mais desenvoltura porque podem dar asas à i111agi11Jçjt)
quecedoras. Outros autores tam e corn-ersar com a obra sem medo do erro e do receio de não cntcndC:-Ll
b1:111 rcaliz:-ir.1111 intercss�mtcs estu f\.ksmo assim. perguntas como as da seqüência são bem-\ incfas:
ck,s sobre m:rncir.1s de apro:\ÍmJr CinJiJo Portin:ui, Os retirantes. 19-1-L - Que sentimentos Os retirantes motivaram?
t'ilco Sl'hrc tc:IJ. M;\SP. SJ0 Paulo.
�,s =irtes \ isu::iis de crianças e _jo- f-1111t..:· Mangc. Maril�n Diggs. ArfL• Bm- - A realidade expressa na obra é a mesma de hoje·,
\ cqs come. por exemplo. Saun- . il,·IJ',1 l'º,.ª crianças. S:io Paulo. tvbrtins - Se Portinari fosse vi\·o será que pintari::i o 111cs1110 ti.::111:1·'
Jcr·s. Ott. Bri�rc. Hauscr. Rag;:rns. Fontes. 1 ')�8. - Que scmclh.111ças e diferenças é possível idrntific1r 110 011trn1
da obra e o hoje?
n
- O que poderíamos fazer para mudar a situação atual? a arte sar desapercebidas a um olhar desacostumado. No entanto, um olhar
pode ajudar? educado para ver... um sensível olhar pensante ... , segundo Martins (1992,
p.15), perceberá as semelhanças e diferenças, fará analogias, e, por con
.Julgamento: neste estágio é interessante dialogar sobre: seqúência, identificará as inter-relações, isto é, o interrexto .
- Você :1cha que esta obra é importante? por quê? A intertcxtualidade é... um espaço de reescrita ... , segundo Peiiuela
- Por que Portin::iri a pintou? para quê? Canizal (1993, p. 77), composto de signos icônicos (infagens ) que su
- Por que as pessoas querem ter obras de arte? gerem objetos da realidade e/ou por signos piásticos que apresentam
- El.Js são importantes? semelhanças nas fom1as, texturas, cores e outros elementos.
- Que outras obras ou objetos você conl1ece que têm algo seme- Etimologicamente, intcrtextualidade quer dizer o que habita dois
lhzmte com a obra de Portinari? textos, implícita ou explicitamente. Por exemplo, observemos as ima
Outr:1s tc111t;:is ind.1gziçõcs podcría111os fazer com o objetivo de apro gens a seguir. Entre a Pietá de Michelangelo, de 1498, e a cc1pa da re
�i1rnr o.rte e �iluno com o intuito de desenvolyer o espírito crítico, pró vista Isto É, há semelhança explícita evidenciada tanto no tema quan
prio de um Jprcciador consciente que se vale desse aprendizado par:a di to na estrutura das imagens, embora a época, as intenções e o sistema
recionar, humo.nizo.r e qualificar suas escolhas estéticas. Ainda é perti de representação sejam distintos.
nente ressaltar que o contato com a arte tem a função de levar a criança
a pensar sobre a sua realidade social e em que ela pode ser modificada
ou acrescida o. partir desse estudo. É preciso atentar também que as per
guntas indic1das não podem se tomar um clichê. São apenas. um cami
nho, entre outros, para estimular a leitura do texto pictórico.
Ler e escreva 29
Intertexto na sala de auJa temática ou, ainda, criar personagens de papelão de tamanho natural que
poderão dialogar entre si sobre os problemas da migração, da di,·isão e
°
Ao \·alorizar o intertexto, o professor. ao in\'és de oferecer uma posse de terras, entre outros assuntos que um professor hâbilidoso po
só imagem para leitura, irá estimular a mJ.nipulaçào de várias irna- derá leYantar para instigar discussões multidisciplinares que leYem o alu
2.ens ao mesmo tempo. Assim serão pesquisados jornais, revistas, c;:i no a reíletir sobre sua realidade e a realidade de outros po- v os, semelhJ.n
;álc!:!OS. TV ,·ídeo. os multimeios, o computador, os objetos do coti ças e diferenças e o que isto pode servir para sua vida.
di::rn-o e os r.ecursos contemporâneos nos quais as interfaces de cada
discurso poder5.o ser descobertas� confronta_das com a arte, criando
no,·os significados para o aluno. E preciso ter presente, no entanto. A escrita da arte
que cstJs interfaces não estão post;:is, mas sim se constroem ao olhar
do observador, em decorrência das suas e. ·periências e dos seus re Confom1c Buoro ( 1996), a arte re-aprescnta o mundo, o indi,·í
pertórios. Por esse motivo, a leitura da imagem aliando o método duo e as práticas sociais, segundo uma fonrn. particular e subjetiYa.
compp.r;:itirn de análise de obra de arte de Feldman (anteriormcnre Ao reapresentar as idéias, o indivíduo o faz por meio de uma simbolo
citado cm Barbosa. 1991 ), ao intcrtexto contribui para dinamizar a gia muito pessoal e que caracteriza as diferentes linguagens artístic;:1s:
;:iç5o pcdJgógic::i. pois sintoniza-se com umJ postura const.:111tc, t.:111- ora nos YJlemos dos símbolos linguísticos, or::i. dos códigos corpor;:iis,
to de alunos quanto de professores, de garimpo.gem das imagens. Tal ora·cfos musicais ou plásticos. Este prnccdimento não é apenas· .:1pre
qu::11 garimpeiros, a cada imagem que se correlaciona, desfrutam com scntar ou comunicar idéias e sentimentos, mas express:í-los ali::i.ndo o
o g�upo do brilho e da beleza do seu achado. real e o imaginário, a razão e a emoção, perpassados pelo que de mais
._ Com um olhar ativo e crítico e a multiplicido.de de linguagens. é refinado h.:1bita em nós: nossa capacidade de criar e sonhar e, com isso,
po�sivcl construir com o aluno conhecimentos estéticos que o faç.:1111 elaborar conhecimentos que nos humanizam.
entender-se co-participante d.:1 história do coktivo. É na infância que se desenvolvem as construções simbólicas que
pem,itcm o trânsito entre o re::i.l e o imziginário e asseguram J compre
Releitura
• ensão de que as produções pessoais são fonte de domínio e s::i.bcr sobre
a escrita diferenciada da arte e.fonte de prazer pelo envol\'imcnto afeti
vo 9ue proporcionam. Ao priYilcgiar o percurso criativo do aluno cstzi
Dcri,·::i.da d.:1 !c1111ra de irnJgcm surgiu o temio re/eitura. que se rcmos dcsistimulando os modelos prontos para colorir. as folhas mimc
refere ;:io processo de produç5o por p::irtc do o.Juno de um trJbalho pr.:1- ogr.:1focbs ou xeroc.:1d.:1s e as im.:1gcns cstcrcotip.:1cl.:1s CJllC cmp0hrL't:L·111 .:1
tico. cnrnln;nc.lo as \'Jri::i.J::i.s técnicas cJJs Jrtes visuais ou mesmo de m�mifesL=iç5o simbólica da c1ia.11ço rumo ao dcscm oh·imento ele su.:1 iJcn
outrJs áreas do conhecimento, como a música, o teatro ou a dança. Se tidadc .como sujeito capn de criar/recriar, participar/transfo1111ar.
reler é ler no\ amcntc, é reinterpretar, reelaborar, redefinir. então a re E neste fazer/refazer que csti .'.l alfabetização na lingu.:1gcm dos
lciturJ é criJr norns significados. Não é pois uma cópia, mJs. sim. cri elementos que constituem as produções a11isticJs, t:iis como: as for
ação com b;:isc em um texto visu;il que serYe como referência com o mas, linhas, cores, texturas, volume, movimento, equilíbrio etc que
mtuito de uma aproximaçfo maior com J obra. fazem p,ntc dos códigos d.:1 escrita plJ.stica e CJUC precisam ser c:-:plo
.,_\ leitura de imagem não precisa necessariamente rcsult:ir cm rclci rados pela criança para que possJ us.:i-los, compret.:ndê-los e tro.nsfor-
rurJ E. na ,·erdadc, um recurso a mais para tomar atr;:icnte o ensino da. 111:í-los. enriquecendo assim suas \·in�nc:iJs. Este fazer criatirn que
o.ne e dcscm oh·cr habilidades paro. J compreensão da· gramática ,·isual. chamamos de a((abetl'::açifo arrísr,rn. abrange as térnicas de compor.
Tomando como exemplo a imagem estudada. Os n.:tirames. é possí desenhar. pintar, modelar cm :irgila, a escultura. J gravura (xilogran1-
,·el que o aluno, ao ser cstimubdo a e:-,,:prcssJ.r seus sentimentos cm rc ra. infograrnra etc). as i11st1bçõcs e t.::mtas outras m.:111iícst.:1cÕL'S.
bção à obra, o faça c:-,,:pondo uma situo.ç5o pessoal como descnh�111do É fundamental que o ensino cbs artes\ isu.:1is contemple �spcctos
suJ própri.:1 família. Poderá t::1.111bém im-cnt.:H uma cem com a mcsm::i rcbciomdos com o fazer a.rtísticu dos .:1lunos. suas térnicas e procedi-
. '50 Ler <: csl.rev1:r l.cr t'. 1'.scr1'.v1·r t'.111 ;irl1'.s visu;ti:-. .31
rnc:nros_ a ;1prcciJçào J3 arte entendida como leitura das imagens e a con FUSARJ, fvfaria F.: FERRAZ, Maria H. Afetodologia do ensino da arte. São
k:-;tu:il 11.Jçfo lll::itóricJ que situa a obra cm seu tempo e espaço e costura Paulo: Cortcz, 19%.
:i::: lig:1çõcs com o cotidiJno. Além desses, a pluralidade cultural, apre
MARTINS, Mari3 H. O que é /eirura. I O.cd. S5o P::iulo: Br;:isilicnse, 1988.
'.'-C1T:1�3u pJll imóniJL usos e costumes, folclore, artcs:rnàto, festas po
MARTINS, J\.1irian C. Aprendiz da arte: trilhas tio sensível olhar prnsanle.
pubr"L.:s_ rituJis farniforcs e outras manifestações enriquecem o currícu- S.:.io PJulo: Espaço Pedagógico, 1992.
1,, 1...·sclibr. C orn isto pretende-se promover uma educação Jbrangente,
11fü.TJt1, :1. \ incul.::id;,i ao coktirn e emancipatória no sentido de contri PARSONS_ Michael. Compreender a arte. Lisboa: Presença, 1992.
hu11 p:1l'�1 rcpcnsJr SUJ rcalidJ.de. Assim, as aprcndiz:igcns cm arte ocor PENUELA CANlZAl, Edu::irdo. A mct:ifora da intcncxtualidJdc. In: BAR
i -.:rJo 11�1l1 só nJ sJb de Jub_ mas em museus, C:\posições, oficinas e lo BOSA, Ana Mac (org.). Ensino das artes nas universidades. S5o Paulo:
ps de ::incsJ.nJto, no contJ.to com artistas da região e familiares ou co EDUSP. 1993.
nhcc1dos dos :1 lunos que executem um oficio ligado à arte, sejapopular PILLAR; Analice. Desenho e construção de co11hecime11!0 na crwnça. Porto
ou dccorati\·:1 e que poss�n dar dcpoimcnt9s e mostrar seus trabalhos Alegre: Artes Médicas, 1995.
nJ cscob. Dcsr:i íorn1.1, será m:iis fácil para o aluno o entendimento de
que JI1c é ·um trJbJ.lho como tJ..ntos outros e não um passatempo, ainda
que se: possa entender a anc como um passatempo produtivo.
Por fim_ e preciso entender que todos nós, professores de.qual
qucr-�11c:1 do co11liccimc11to, somos n;sponsi\·cis pela cduc:ição cstéti
cJ de nossos alunos, t:rnto pelo que oferecemos de im::igcns cstercoti
pJJ�is de quJ.lid:idç dtffidosa quanto pelo que aceitamo? de trabalhos
infantis dl.'.spcrsonalizc1dos ou, :iinda, por nos omitirn1os daquilo que
d.:n.:riamos fazer e 11:10 fazemos. Conhecer a ::irte, tanto local qu:into
unin:rsJL � C:'\prcssar-se atra\'és da arte é um direito de toda criança.
É necessário que a escola, corno local privilegiado õnde deve ser
exercido o princípio democrático de acesso à infonnação e fonnação
de t_odas as classes sociais, compreenda que a arte é prática social que,
no fazer, faz tainbém cultura e história.
Referências bibliográficas
BARBOSA, Ana MJe. .-l. i111age/Jl no ensino da arte. São Paulo: Perspccti\'a,
1 l J91.
BRASIL. i\·1inistério dzi Educ,iç:io e do Desporto. Parã111etros c11rric11/ares
11.1n:1 a i!11s1110 ela arfi!. BrJsília, 1996.
11c1cu,11,ns
as histórias. as poesias, as f:íbubs, os contos. O direito de ler par:.1 ponto ao outro, uma cultur:1 :l outra. A ponte pode ser uma zona de
crescer com os livros fazendo pane de sua vida e de sua história. O ,_·onuto e de ação intensa de produçio. difusJ.o e fruiç:1.o �ultural.
direito de ler para compreender o que lê. O direito de ler para poder
se encontrar com o outro, com o mundo e consigo mesmo. O direito Zonas de contatos. segundo Boaventura de Souza Santos, sJ.o
de ler para escrever. reinvent:ir e transformar o mundo. Junto a isso. .irc:1s ··onde culturas, sociedades. arranjos normativos. estilos de vida.
mais dois direitos fundamentais: toda pessoa tem o direito de n:to sa L-<,ncepções de mundo muito distintas, com formas ele poder tambêm
ber ler. mas toda pessoa tem o iguJ.l direito de ter vontade de apren muito distintas. se encontram". J.í JÇJ.O cultural é um movimento ck
der a ler para viajar nos mundos que moram dentro das pJ.bvras. gcr:1çJ.o de intera<;:.1o e de diCtlogo entre sujeitos de meios sociais e
Lk· universos cultur:iis di\·ersos, através do compartilhamento ele lin
Esse exercício de prolong:.1mento dos direitos imprescritíveis do guagens artísticas e de e.·periênci:.is culturais: A açJo cultural implica.
leitor é innginJ.do aqui com ênfase no direito �1 leitura como um rl)rtanto. na compreens:lo intersubjetiva do lugar que ocupamos no
direito de cidadania. Diz Jorge Luiz Borges que o livro é a extensão mundo. De como, através da experiência com o saber e o fazer cul
da memória e da imaginação. Sendo assim, quem lê amplia seus tural. podemos compor interpretações e leituras como f ormas possí
horizontes, seus conhecimentos, seus repertórios culturais, sua capa \'Ci� de atribuiçJ.o ele sentidos à produção simbólica e ?ts relações do
cidade crítica e inventiva. Quem lê amplia suJ. compreensão leitor::i. e -;ujeito com o outro e com o mundo, numa perspectiva de subversJ.o
sua própria capacidade de ler o mundo. e tr�msform:1ção da realidade social.
Vivemos num país onde os indicadores de leitur:1 não são nada Pensando com Maria Christina Almeida, "A ação cultural busca a
favoráveis. Por mais que estejamos avançando, os níveis de compre expressão e a criatividade dos indivíduos no grupo e na comunicb
ensão leitora ainda são baixíssimos e o número de leitores, idem. Daí de. Está ligada à ideia de transformação, de emancipação a partir da
o acesso ao livro e formação leitora ser um direito básico de cida expressão. Diz respeito não apenas a produtos culturais acabados;
dania, de inclusão social e de desenvolvimento. É nessa perspectiva como também as condições que levem à capacidade criativa, l p�o
que o agente de leitura deve agir. Sua ação cultural é, por excelência, Juçào cultural''. Sendo assim, a relação do homem com o mundo
uma ação social de transformação da realidade onde ele esti inseri nlo é uma relação direta, mas uma relação mediada e complexa. Daí
do. Numa dimensão mais ampla, todo agente de leitura é um agente :.1 importância do papel do agente como aquele que estabelece uma
diversos, como tradutores e veículos das diferenças, sempre respei escolas, fábricas, empresas, associações, comunidades e dentro das
tando, compreendendo e fazendo compreender a diversidade cultu casas, no seio de famílias que abrem suas portas para que os livros e
ral que os rodeia no sentido de valorizar e promover a diversidade - a leitura possam entrar em suas vidas.
humana. Por outro lado, não podemos entender o papel do agente
cultural sem a sua função social, ou seja, todo agente cultural é, por Mas os agentes de leitura com os quais me debruçarei neste artigo
excelência e em potencial, um agente social, um agente inventivo têm lá suas cores e peculiaridades. Trata-se de um projeto do Minis
de transformação da realidade. Trata-se, portanto, de reconhecer a tério da Cultura que foi buscar lá nq Ceará sua fonte de inspiração e
dimensão cultural da sociabilidade e a importância crescente da lin de trabalho.
guagem na construção social da realidade. Noutras palavras, cultura O projeto se insere no programa Mais Cultura e tem como obje-
e sociedade estão indissociavelmente ligadas. - tivo promover a democratização do acesso à produção, à fruição e à
Nesse sentido, a ação cultural se· apresenta como um princ1p10 difusão cultural através do livro e da leitura como ação cultural estra
de inclusividade e de cidadania. Como instrumento que estimula a tégica de inclusão social e de desenvolvimento humano, por meio ce
aquisição de competências, saberes, fazeres e compartilhamento de atividades de socialização de acervo bibliográfico e de experiências
experiências que potencializem as capacidades e o poder de atuação - de leituras compartilhadas como exercícios de cidadania, de compre
das comunidades atendidas, de modo a diminuir as barreiras sociais ensão de mundo e de ação alfabetizadora.
e culturais e a descobrir nas diferenças riquezas próprias. Procurando Os agentes de leitura são jovens entre 18 e 29 anos, com ensir.o
valorizar e afirmar as diferenças culturais, étnicas e sociais, de modo médio completo, situados, preferencialmente, num contexto socio
a consolidar identidades, mas também dando a conhecer essas dife- econômico do programa Bolsa Família, selecionados por meio ce
•
renças, facilitando a inter-rebção e intercompreensão dos diversos uma avaliação escrita (interpretação e produção textual), fluênca
atores sociais. de leitura e uma entrevista domiciliar. Feito o processo de seleçã<>,
passam por uma formação continuada e cadastram um grupo de 3)
famílias de sua comunidade, onde desenvolvem atividades de form�
OS AGENTES DE LEITURA 1 çào leitora como rodas de leituras, cirandas de livros, leituras cor:
partilhadas, empréstimos de livros, contação de histórias, saraus arrí'
P:.1r:.1 ser um agente de leitura a pessoa tem primeiro que gost:Jr ticos, performances literárias, registros de contos popubres e criaç::1)
ele ler. ter \·ont:.1de e compromisso social de compartilhar esse gosto de clubes de leituras entre os membros de suas comunidades.
e su:.1 experiência de leitur;i com um outro tanto de gente, formando
leitores em ambientes di\'ersos como bibliotecas públic:is munic1pais. Os agentes de leitura :ituam integrados �1s bibliotecas públic.s
municipais, dinamizando seus acervos e realizando program::içõe--;
1 Os agentes de leitura, da maneira aqui apresentada, têm como referência o projeto Agen culturais, como rodas de leituras e oficinas literári:is. Da mesma fo·
tes de Leitura, criado em 2005 pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, financiado nu, estão inseridos nas escolas, contribuindo na form::ição leitora e�
pelo Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP), com atuação em municípios do inte crianps e jovens, atuando articulado com os professores em pro.je.c)
rior cearense e em bairros da cidade de Fortaleza com baixos índices de Desenvolvimento pedagógicos de incentivo �1 leitura, volt::idos para a comunid::ide e.
M_unicipal (IDM) e de Desenvolvimento Humano (IDH), em parceria com as Secretarias de colar. Outros ambientes importantes par:1 a ação dos agentes s;}o e,
Educação e de Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado, associações comunitárias,
organizações não governamentais, instituições da sociedade civil e com as prefeituras
Pontos de Leitura e Pontos de Cultura existentes em su�s :.íre1s e�
municipais por meio de suas secretari"qs de cultura e de educação. O projeto teve início abr::ingência, mobilizando o acervo literário e participando das pn
com 175 agentes de leitura em 15 municípios e 5 bairros de Fortaleza. Hoje são mais de gr:.i.mações culturais nesses pontos, desenvolvendo, assim, um:.1 ::i.çJi
SOO agentes atuando em 30 municípios e em 10 bairros da capital. O projeto se tornou sistêmica de livro e leitura, em que educ.1çào e cultura atuam jun L�
referência naciona.l de política pública na área do livro e da leitura, transformando-se em e de maneira integrada, criando ambientes favoráveis para ::i form:-
uma ação do Programa Mais Cultura do Ministério da Cultura.
. 40
Agentes de leitura Fabiano dos Santos
ç:lo leitora dentro das casas. gerando uma melhoria cio rendimento percurso a possibilid:id� de promover situ:1ções de formação leitora
escolar de crianças e jovens ::itenclidos pelo projeto. n:1 su::i própri:1 vid:1. De como um :1gente de leitura tem que inebri:.ir
-se de poesi:.i para derram:J.r poesi::i n::i:vida das pessoas, de como ele
O projeto é uma açJo de formaç:lo educacional e hununa. For
tc·m que ser toc:ido por um bom conto para pousar na inteligência do
mação coppreendid:1 como uma viagem aberta, um::i aventura, uma
uutro. de como ele pode se indignar com um texto para que poss::i
experiêncó ele transformação e de encontros com o outro. com o
provocar algum pensamento no outro, de como ele pode se emocio
mundo e consigo mesmo. Os agentes são selecionados e formados
n�1r com uma história de amor para compartílh:ir essa sensibilidade
num processo contínuo. descobrindo o que hei de melhor em si,
"-·om o outro. de como ele pode se divertir com uma crônica par:i
para atuarem em suas próprias comunidades com responsabilidade
que poss;i sentir ::i alegri:1 do outro, de como ele pode ficar mudo
social e . comprometimento ético, desenvolvendo talentos. sabere� e
dtJnte de um;i beleza liter:íria para que possa compartilhar seu silên
fazeres para compartilhar experiências de interpretações e de leituras
cio com o outro. Afin;il, como fala Bartolomeu de Campos Queirós.
de mundo por meio da arte e da cultura. Atuarão em seus territórios,
ninguêm dei conta da beleza sozinho, sempre necessitamos do outro
gerando zonas de contato e pomes ele interação, proporcionando
rara compartilhar da belez:1 que nos toca. É como ver um pôr do sol
�1s comunidades o acesso à produção cultural através de processos
e .se lembrar de um bem-querer: "Quem devia está vendo este pôr
críticos e inventivas de compreender, criar e transformar o mundo
do sol não era eu e sim fulano de tal". O mesmo sentimento valeri:::i
a partir de suas próprias realidades; . servirão ainda como incenti
para um bom livro que nos toca e nos envolve. É como se o agente
vadores/propiciadores/divulgadores da produção comunitúria para
d� leitura dissesse: "que livro lindo, preciso compartilhar essa bele
um contexto mais amplo, constituindo-se numa ponte de mão dupla
za com outras pessoas"..Ai pode ser uma criança, um homem, uma
entre o local e o universal. Nesses termos, os agentes de leitura são
senhora que fazem parte de seu itinerário por entre casas, escolas.
constrntores de pontes, gerando encontros e comunicações entre as
bibliotecas, hospitais, presídios, pontos de leitura e outros ambientes
margens, facilitando o acesso aos bens e serviços culturais. Atuando
favoráveis para a leitura.
como leitores e escritores do. mundo a partir da inserção e da inter
pretação de suas próprias realidades, estarão eles, também, amplian
do seus horizontes, conhecimentos e capacidades de compreensão UwlA li\1AGEM DE PENSA.\IENTO: A VIDA DENTRO DE UM LIVRO
leitora e de escrita através das linguagens artísticas e do acesso aos
saberes e à produção cultural universal. Lilian é uma agente de leitura na pequena cidade de Muombo.
no estado do Ceará. Certa vez, em um de seus relatórios de a ivida
Partindo dessa premissa, a formação dos agentes de leitura con cles, narrou uma bela história. Ela nos conta que quando chegou na
siste no desenvolvimento contínuo de constrnção e experimentação casa de Dona Antônia, uma velha senhora camponesa e artesã da pa
de conhecimentos, conteúdos, procedimentos e habilidades em tor lha da carnaúba, abriu um livro e começou a lê-lo. Lilian lia e Dona
no da sensibilização e pedagogia da leitura, dinamização do acervo Antônia ria. Lilian atravessJ.va um conto e Dona Antônia dava risadas,
literário� consciência �-- expressão corporal, literatura. e cont::içào de Quanto mais Lilian avançav·a nas páginas daquela história, mais Dona
histórias, saberes comunitários, produção textual e criação literária, Antônia dava gargalhada. Ao final, quando Lilian terminou a leitura�
registro e difusão de contos populares, criação de clubes de leitu a velha artesã disse:
ras, planejamento das. ações, bem como conceitos de leitura, cultura,
ação cultural, inclusão social e cidadania cultural. Essas noções e - - Minha fia, eu não sabia que a minha vida todinha tava centro
abordagens compõem o cardápio básico cultural e pedagógico da desse livro.
formação dos agentes c:le leitura. No entanto, sua formação vai para A frase da Dona Antônia foi o bastante para a Lilian perceber a
além da carga horária dos cursos oferecidos. No âmago dessa for riqueza daquele momento. Ela saiu dali semeando para sua comu
mação está a vida de cada agente de leitura, compreendendo n�sse nidade que aquele era o livro onde Dona Antônia se encon nra. E
Agentes de leitura Fabiano dos Santos
todo mundo queria saber qual era o livro que aquela senhora tão Nessa perspectiva, quando um agente de leitura chega numa
querida est::n-a dentro. Essa imagem de pensamento nos instiga a casa, seu objetivo não é desenvolver atividades pedagógicas com
pensar a relaç:lo entre a vida e a literatura, entre o escritor e o leitor. leituras funcionais e instrumentais, mas despertar o interesse e gosto
E, nessa relaçào, o que conta não é apenas o mundo que o escritor pela leitura de maneira crítica e inventiva, como um prazer infinito
pensou, mas o mundo que o leitor pode criar e escrever. O mundo na vida de cada pessoa. Quando ele faz um empréstimo de livro ou
e a história que o leitor pode construir inspirada em alguma fábula, uma roda de leitura compartilhada numa casa, numa escola ou numa
conto, romance ou poema. O que uma narrativa, um verso podem biblioteca, sua preocupação não é s-aber o que o leitor entendeu da
possibilitar de diálogo e de leitura de mundo por parte do leitor. Gos leitura ou o que o autor quis dizer com tal frase. Ao agente, interessa
to dessa rebçào porque abala a ideia da autoria centrada na figura conversar sobre as coisas da vida e do mundo a partir da leitura de
do escritor e coloca ::i leitura como uma experiência de viagem e de cada um. Quais as relações e que bifurcações essas leituras podem
descoberta interior. Podemos sentir isso no belo poema "Infância" de gerar. De como um_bom livro pode nos levar para uma canção, um
Carlos Drummond de Andrade: filme, uma peça teatral, uma dança, uma pintura, uma memória, uma
cidade, uma paisagem, um tempo... e nos trazer de volta para o livro
f\ku pai montava a cavalo, ia para o campo. ou nos levar para um outro livro e viagem literária.
�linha m3.e ficava sentada cosendo.
t-. ku irm3.o pequeno dormia. Por fim, retomo a frase digna de um Guimarães Rosa, que Dona
_ Eu sozinho menino entre as mangueiras Antônia soltou num encontro literário com a Lihan. O que elas con
lia a história de Robinson Crusoé. versaram ou por quais veredas as duas se embrenharam? Isso tudo
Comprida história que n:io acaba mais. me faz pénsar na leitura como uma ação cultural dinâmica, que tem a
T\o meio-di:.1 branco de luz uma \'OZ que aprendeu ver com a formação e a aventura humana de cada leitor. Imagino ser
A. nin:.u nos longes da senzal:::t - e nunca se esqueceu isso ;i anhna do agente de leitura: fazer cada um descobrir o que há
Chamava para o café. de melhor em si, através do tato e do contato, do hábito e do hálito,
C:i.fé preto que nem a preta velha do curso e do percurso, da vida e da experiência de c1da um com
cifé gostoso a leitura como essa viagem de twnsformação e de encontros com o
c:1�-é bom. outro, com o mundo e consigo mesn10.
:'\linha mJe ncava sent:1cb cosendo
oilnndo p�tr:.1 rnim:
- Psiu ... l\}o :1corde o menino.
PJ.r..1 o berco onde pousou um mosquito.
E dJ\':l um suspiro... que fundo!
Ll longe meu r,ai carnr,eava
no mato sem fim da f::izenc.la.
E eu n�to sahia que minha história
er.1 m:ii.-, bonita que a de Robimon Crusoé.
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