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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000408427

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1006800-88.2019.8.26.0704, da Comarca de São Paulo, em que é apelante KÁTIA
MARIA DIAS VIEIRA, é apelado BANCO BRADESCARD S/A.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 12ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JACOB VALENTE


(Presidente) E TASSO DUARTE DE MELO.

São Paulo, 28 de maio de 2021.

CERQUEIRA LEITE
relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº: 37.259


APEL.Nº: 1006800-88.2019.8.26.0704
COMARCA: São Paulo (Foro Regional XV Butantã)
APTE. : Kátia Maria Dias Vieira
APDO. : Banco Bradescard S/A.

Contrato Cartão de crédito - Ação declaratória de


inexistência de débito, cumulada com indenização por dano
moral Inclusão da autora, usuária de cartão, em cadastro
de inadimplentes Prova ministrada pelo réu, administrador
do cartão, da contratação e do inadimplemento de faturas
mensais Fato impeditivo do direito da autora
Inteligência do art. 373, inciso II, do CPC de 2015 Versão
evasiva da autora, que não impugna as operações com o uso
do cartão Restrição ao crédito, de iniciativa do réu, no
exercício regular de um direito Autora que tergiversa com
a verdade e insiste na versão de que o débito é incondizente
com o desabono, argumentando de forma a induzir ao erro
Litigância de má-fé Apelação protelatória Condutas
tipificadas no art. 80, incisos II e VII, do novo CPC
Sanção, nos termos do art. 81, “caput”, do novo estatuto, a
2% do valor atualizado da causa Recurso desprovido e
sanção à autora por deslealdade processual, majorados “ope
legis” os honorários advocatícios, ressalvado o disposto no
art. 98, §§3º e 4º, do novo CPC.

A r. sentença a fls. 189/191 cujo


relatório fica incorporado, julgou improcedente a
pretensão da autora nos autos de ação declaratória de
inexistência de débito, cumulada com indenização por dano
moral, ao fundamento de que o réu provou a “causa
debendi” do débito irradiado de contrato de administração
de cartão de crédito, pelo qual a autora foi desabonada
como inadimplente, a seu cargo os ônus de sucumbência, os
honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da
causa, observada a gratuidade.

Inconformada, a autora interpõe recurso de


apelação, reiterando a tese de que o réu não provou a
“causa debendi” do débito pelo qual desabonou-a como
inadimplente, sendo discrepante o valor da fatura do
cartão, pretensamente não paga, e do débito pelo qual foi
desabonada sem a notificação prévia do art. 43, §2º, do
Código de Defesa do Consumidor. Entende que faz jus a
indenização pelo dano moral, a ser arbitrada conforme a
teoria do desestímulo.

Recurso respondido.
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É o relatório.

Antes de outras ponderações, lembre-se o


enunciado da Súmula n. 359 do Col. STJ, “verbis”: “Cabe
ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a
notificação do devedor antes de proceder à inscrição”.

Por isso, eventual responsabilidade acerca


da falta de comunicação prévia da restrição à autora deve
ser atribuída à entidade cadastral, e não ao réu credor.

A autora contesta o débito de R$2.066,88


disponibilizado no dia 12 de janeiro de 2018 no cadastro
de inadimplente organizado pelo SPC Mix Mais (fls.
30/31).

Trouxe o réu prova documental de que o


desabono em questão tem nexo com o contrato de uso de
cartão de crédito fidelizado (“C&A Visa Internacional”
fls. 49).

Não fosse o bastante, o réu trasladou


faturas do cartão de crédito que estampam diversas
operações não impugnadas pela atora (fls. 137/139), a
última com saldo devedor de R$2.066,88, o mesmo pelo qual
foi desabonada em janeiro de 2018.

Em face dessa prova fidedigna é


inverossímil a evasiva da autora, de tal sorte que é
idônea a atitude do réu, no exercício regular de um
direito.

Têm-se intensificado demandas similares,


nas quais o inadimplente contumaz placidamente nega
obrigações e aguarda que o ônus da prova seja, todo ele,
transferido ao credor.

Não pode ser, e a inversão do ônus da


prova preconizada no art. 6º, inciso VIII, do Código de
Defesa do Consumidor não conduz à procedência da
pretensão. As regras sobre inversão do ônus da prova são
regras de julgamento.

Com efeito, o juiz é compelido a lançar


mão das regras sobre distribuição do ônus da prova
quando, ao julgar uma controvérsia de fato, vê-se diante
de material probatório insuficiente, até inconclusivo.
Como o juiz não pode se abster de julgar, e assim
preconizava o art. 126 do CPC de 1973 e, hoje, o art. 140
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do novo CPC, nessas situações de falta de provas ele


consegue prestar o ofício jurisdicional através da
disciplina do ônus da prova.

Em ensaio sobre o julgamento e o ônus da


prova, José Carlos Barbosa Moreira leciona que: "A
utilidade prática das regras sobre distribuição do 'onus
probandi' consiste precisamente em ministrar ao órgão
judicial um critério de julgamento para os casos de
incerteza acerca de fato(s). Seria absurdo entregar ao
juiz essa 'tábua de salvação' e depois censurá-lo por tê-
la usado. É manifesto, pois, que a exigência da motivação
estará satisfeita se ele declarar na sentença que, ante a
impossibilidade de esclarecer-se, negou o efeito
pretendido por uma ou por outra parte mediante consulta
às aludidas normas" ("Temas de Direito Processual", Ed.
Saraiva, 1980, segunda série, pág. 80).

Sendo assim, deve-se tributar ao gênio


criativo de advogados e doutrinadores consumeristas, em
geral mais vantajoso do que prejudicial, o deslocamento
topográfico das regras do ônus da prova para o momento do
despacho saneador e, até, para o do despacho de
recebimento da petição inicial, à guisa de antecipação de
tutela.

A distribuição do ônus da prova vem sendo


usada, em realidade, para o fim de carrear à parte
hipersuficiente todo e qualquer ônus probatório,
indiscriminadamente.

Esse argumento é válido nas hipóteses de


prova que somente o hipersuficiente domina, para a qual o
hipossuficiente não tem acesso. A generalização, de modo
a alcançar provas de nenhuma ou pouca complexidade, não
se compraz com a inversão do ônus da prova, seja a
concebida pelo Código de Processo Civil, seja a do Código
de Defesa do Consumidor.

Kazuo Watanabe também partilha desse


entendimento e conclui que “o momento da aplicação da
regra de inversão do ônus da prova ... é o do julgamento
da causa. É que as regras de distribuição do ônus da
prova são regras de juízo, e orientam o juiz, quando há
'non liquet' em matéria de fato, a respeito da solução a
ser dada à causa. Constituem, por igual, uma indicação às
partes quanto à sua atividade probatória” (“Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos
Autores do Anteprojeto”, Ed. Forense Universitária, 2001,
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7ª ed., pág. 735).

Acaso contestada a autenticidade de


assinatura e documentos, talvez o ônus da prova fosse
invertido ao réu, que ministrou-os à saciedade e
legitimou a inclusão em cadastro de inadimplentes.

Ora, estatui o art. 188, inciso I, do


Código Civil que não constituem atos ilícitos os
praticados no exercício regular de um direito
reconhecido, e nesse contexto agiu o réu.

Tem lugar a lição clássica de José


Frederico Marques, tal seja: “Quem está autorizado a
praticar um ato, porquanto a ordem jurídica o considera o
exercício de um direito, está agindo licitamente: 'feci
sed imo feci'. É evidente, por isso, que tal fato não
pode ser considerado antijurídico, nem tão pouco
defeituoso” (“Tratado de Direito Penal”, Ed. Saraiva, 2ª
ed., vol. II, pág. 134).

Assim, fica mantida a improcedência da


pretensão da autora, a seu cargo os ônus de sucumbência,
os honorários advocatícios devidos aos patronos do réu
majorados “ope legis” a 12% do valor atualizado da causa
(art. 85, §11, do novo CPC), ressalvada a gratuidade
processual.

Em arremate, na forma do art. 77, incisos


I e II, do CPC de 2015, os demandantes têm o dever de
atuar conforme a verdade e com lealdade, não só em face
do adversário, mas, sobretudo, em face do Judiciário.
Infração a esses postulados não pode ser tratada com
leniência.

A esse propósito, a autora demandou com


improbidade processual ao tergiversar com a verdade e
tentar fazer crer que não estava vinculada ao débito pelo
qual foi desabonada.

A despeito de todos os documentos, a


autora teimou na negativa e interpõe recurso
protelatório, contrário à verdade.

Se assim é, a improbidade processual


engendra as condutas tipificadas no art. 80, incisos II e
VII, do CPC de 2015.

Enquanto o art. 18 do CPC de 1973 previa


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multa não excedente a 1% do valor da causa, o art. 81 do


CPC de 2015 agravou a multa cabível, estimando-a entre 1%
e 10% do valor da causa e, nas causas de valor irrisório
ou inestimável, em até 10 (dez) vezes o valor do salário-
mínimo.

Assim, nos termos do art. 81, “caput”, do


novo CPC, a autora é sancionada ao pagamento de multa de
2% do valor atualizado da causa, destinada ao réu.

A circunstância de a autora ser


beneficiária da gratuidade processual não a exime do
pagamento da sanção, caso contrário a gratuidade será
escudo à improbidade processual e à prática de atos
atentatórios à dignidade da justiça.

Desprovido o recurso da autora e


sancionada ao pagamento de multa por deslealdade
processual, permanece a seu cargo as verbas de
sucumbência, os honorários advocatícios majorados “ope
legis” (art. 85, §11, do novo CPC) a 12% do valor
atualizado da causa, ressalvada a gratuidade.

Diante do exposto, nega-se provimento ao


recurso da autora, sancionando-a ao pagamento de multa
por deslealdade processual e majorados “ope legis” os
honorários advocatícios, observado o disposto no art. 98,
§§3º e 4º, do novo CPC.

CERQUEIRA LEITE
Relator

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