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Há algo em comum entre professores experientes e

novatos, concursados com carreira estável em instituições

NOVOS CAMINHOS PARA PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO


públicas e ocasionais prestadores de serviço em instituições
privadas, líderes acadêmicos e empreendedores educacionais:
neste momento vivenciado, todos, em absoluto, são
demandados a serem menos especialistas e mais generalistas.
O cenário atual impõe cada vez mais funções agregadas
ao papel de professor, que vê sua profissão passar por uma
rápida e firme transformação.
Diante dessa turbulência no campo profissional,
abrem-se, ao mesmo tempo, diversas novas possibilidades
de atuação do educador na sociedade atual, tema que é
exaustivamente debatido neste livro. Novos caminhos esses
que têm potencial de resultar em grande sucesso profissional
se bem aproveitados.
A expectativa é que essa obra possa contribuir
com a formação de professores diferenciados, ainda
mais competentes e que aproveitem todas as melhores
oportunidades ao seu alcance.

RODRIGO VINÍCIUS SARTORI


Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6609-4

59295
9 788538 766094
Novos caminhos
para profissionais da
educação

Rodrigo Vinícius Sartori

IESDE BRASIL
2020
© 2018 – 2020 – IESDE BRASIL S/A.
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S26n

Sartori, Rodrigo Vinícius


Novos caminhos para profissionais da educação / Rodrigo Vinícius
Sartori. - [2. ed.]. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020.
192 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6609-4

1. Professores - Formação. 2. Prática do ensino. I. Título.


CDD: 370.71
20-62817
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0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Rodrigo Vinícius Doutor em Administração pela Universidade Positivo
(UP). Mestre em Engenharia da Produção, especialista
Sartori em Gestão do Conhecimento nas Organizações e
engenheiro industrial elétrico pela Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Professor,
pesquisador e consultor sênior de gestão nas áreas
de qualidade e inovação, com vivência internacional
(EUA e Espanha). Desenvolve trabalhos acadêmicos e
empresariais em todo o Brasil. É autor de livros para o
ensino superior.
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SUMÁRIO
1 Ser professor no século XXI  9
1.1 Os desafios do mundo contemporâneo   9
1.2 Ser professor na atualidade   13
1.3 Múltiplas competências para o novo educador   18

2 Repensando a formação docente  24


2.1 A formação continuada   24
2.2 O pesquisador autodidata   29
2.3 O professor aluno   34

3 Novas possibilidades de atuação docente  41


3.1 Planejando a carreira   41
3.2 O professor empreendedor   46
3.3 Marketing pessoal e network   53

4 A contribuição das TIC para a educação  60


4.1 A nova comunicação professor-aluno  60
4.2 A internet na sala de aula   66
4.3 Tecnologia como recurso didático   71

5 Novidades tecnológicas na sala de aula  80


5.1 EaD e Mooc   80
5.2 Realidade virtual   85
5.3 Realidade aumentada   92

6 Inovações na educação  100


6.1 Jogos educacionais   100
6.2 Aula invertida e ensino híbrido   107
6.3 Convivência com dispositivos móveis   112

7 Novas competências comportamentais  119


7.1 Liderança   119
7.2 Relacionamento interpessoal   125
7.3 Motivação   130
8 Noções de gestão para o professor  137
8.1 Qualidade e produtividade   137
8.2 Gestão de projetos   142
8.3 Gestão de conflitos   147

9 Tópicos especiais para o professor  156


9.1 A carreira internacional do professor  156
9.2 O papel do professor nos ecossistemas de inovação   163
9.3 O professor como agente político  168

10 A excelência docente  174


10.1 Leitura crítica  174
10.2 Maestria na escrita   181
10.3 Domínio da oratória  185
APRESENTAÇÃO
Há algo em comum entre professores experientes e novatos, concursados
com carreira estável em instituições públicas e ocasionais prestadores de
serviço em instituições privadas, líderes acadêmicos e empreendedores
educacionais: neste momento vivenciado, todos, em absoluto, são
demandados a serem menos especialistas e mais generalistas. O cenário
atual impõe cada vez mais funções agregadas ao papel de professor, que vê
sua profissão passar por uma rápida e firme transformação.
Diante dessa turbulência no campo profissional, abrem-se, ao mesmo
tempo, diversas novas possibilidades de atuação do educador na sociedade
atual, tema que é exaustivamente debatido neste livro. Novos caminhos
esses que têm potencial de resultar em grande sucesso profissional se bem
aproveitados – o primeiro passo, naturalmente, é compreender o que ocorre
com o mundo e com o trabalho do professor.
É nesse sentido que o Capítulo 1 introduz essa reflexão sobre o que é
ser professor no novo milênio: os desafios do mundo contemporâneo, ser
professor na atualidade e as múltiplas competências para o novo educador.
O objetivo do Capítulo 2 é repensar a formação docente. Por isso, uma
análise crítica é realizada a respeito da formação continuada, do pesquisador
autodidata e do professor aluno.
Com um teor bastante prático, o Capítulo 3 descreve as novas
possibilidades de atuação docente em termos de planejamento de carreira,
de empreendedorismo, de marketing pessoal e networking. No Capítulo 4,
analisando-se a nova comunicação professor aluno, a internet na sala de
aula e a tecnologia como recurso didático, realiza-se, enfim, uma avaliação
do grau de contribuição das tecnologias de informação e comunicação (TIC)
para a educação. As novidades tecnológicas na sala de aula são o foco do
Capítulo 5, que apresenta aspectos como EaD, Mooc, realidade virtual e
realidade aumentada.
O Capítulo 6 se ocupa de algumas inovações específicas no campo da
educação, como os jogos educacionais, a aula invertida, o ensino híbrido e a
convivência com dispositivos móveis. O propósito do Capítulo 7 é explorar
as novas competências comportamentais necessárias ao educador da
atualidade: liderança, relacionamento interpessoal e motivação.
No Capítulo 8, são apresentadas as noções essenciais de gestão para o
professor, com foco nos elementos de qualidade, produtividade, gerenciamento
de projetos e gerenciamento de conflitos.
Reserva-se, no Capítulo 9, espaço para alguns tópicos especiais, que
podem conduzir a carreira do professor à elevada distinção: a carreira
internacional do professor, o papel do educador nos ecossistemas de
inovação e a agência política desse profissional. Por fim, no Capítulo 10,
descrevem-se atributos primordiais para o atingimento da excelência
docente: a capacidade avançada na leitura, escrita e oratória.
A expectativa é que essa obra possa contribuir com a formação de
professores diferenciados, ainda mais competentes e que aproveitem todas
as melhores oportunidades ao seu alcance.
Bons estudos!
1
Ser professor no século XXI
Por que algumas pessoas se tornam professores? Ou, ainda
mais importante, por que alguns profissionais resolvem de maneira
resoluta continuar sendo professores? Afinal, definitivamente essa
não é uma ocupação para qualquer um, sobretudo no panorama
atual (seja no Brasil ou mundo afora). A vocação para a educação
é examinada pelas lentes das oportunidades que se apresentam
atualmente, carregadas, todavia, de desafios à altura. Uma das
mais formidáveis carreiras profissionais é cuidadosamente anali-
sada nesta obra, em conjunto com as múltiplas competências a
ela associadas. Afinal, uma sociedade em acelerado processo de
transformação, em todas as instâncias, exige, mais do que nunca,
uma geração de educadores de classe mundial.

1.1 Os desafios do mundo contemporâneo


Vídeo De que forma mais desoladora um livro como este poderia iniciar,
senão suscitando que máquinas inteligentes podem substituir, de ma-
neira completa, os professores em sala de aula? Ao menos, esse é o
cenário anunciado por Anthony Seldon, um dos dirigentes da Universi-
dade de Buckingham, historiador que escreveu biografias de grandes
nomes (como David Cameron e Tony Blair), além de ser um grande
estudioso da educação. Para ele, esse movimento é irreversível e se
iniciará até 2030 como parte de um novo paradigma de modelo educa-
cional “um para um”: o máximo grau de personalização ou individua-
lização do processo de aprendizagem, com base no impressionante
avanço da tecnologia de inteligência artificial.

Seldon (2018), que se diz “desesperadamente triste por isso”, mas


receoso de estar certo, acredita que se vive o momento por ele de-

Ser professor no século XXI 9


nominado de quarta revolução educacional, conforme apresenta a
linha do tempo a seguir.
Quarta revolução
educacional
Terceira revolução Esboçada no momento
educacional presente, é a utilização
Segunda revolução Foi marcada pela massiva de máquinas
educacional célebre invenção inteligentes em sala de aula
Primeira revolução Constituiu-se pelo de Johannes – embora a implicação seja
educacional Gutenberg em 1450: tão disruptiva que o próprio
compartilhamento
Caracterizou-se a prensa móvel, que conceito de sala de aula é
organizado do
pela humanidade proporcionou a escrita desconstruído.
conhecimento,
aprendendo os conceitos como elemento central
mediante a elaboração
básicos de sobrevivência, da cultura humana.
dos sistemas de
como cultivar alimentos,
linguagem. Glossário
caçar e construir
abrigos – ou seja, uma disruptivo: que interrompe
protoeducação que o seguimento normal de um
garante minimamente processo; desestabilizador.
estar vivo.

Essa é uma visão que muitos podem acusar de pretensamente alar-


mista, enquanto outros podem taxá-la de excessivamente fantasiosa.
De todo modo, serve apenas como uma singela amostra do que é trata-
do quando se evoca a análise dos desafios do mundo contemporâneo,
os quais não são poucos, além de serem altamente perturbadores.

Seldon (2018) pode não estar completamente correto em suas as-


sertivas – ele mesmo procura nutrir alguma fé que tenta tranquilizá-lo
nesse sentido. Independentemente disso, o cenário proposto é bastan-
te útil para uma análise que conduza a repensar o papel do educador
nos tempos atuais. Ao menos uma característica é essencialmente ver-
Glossário dadeira quanto ao futuro: ele está aberto e é influenciado pelos esfor-
inflexão: mudança de direção. ços que se conduzem desde o presente. Talvez o ponto de inflexão
educacional, proposto por Seldon, não ocorra por volta de 2030 – é ver-
dade que soaria como um apocalipse tecnológico imaginar que seria
muito antes disso, mas, provavelmente, esse momento se manifeste
poucas décadas à frente.

O mundo real absorve cada vez mais as plenas possibilidades que ou-
trora só poderiam ser especuladas no campo da ficção. Talvez, um dia,
uma “pílula do conhecimento instantâneo”, ou algo do gênero, faça com
que discutir educação como um processo perca todo o sentido. Talvez, um

10 Novos caminhos para profissionais da educação


dia, professores artificiais façam o trabalho com uma maestria tal que se-
quer se cogite a possibilidade de uma pessoa de carne e osso assumir no-
vamente essa ocupação. Mas nada disso invalida a discussão atual acerca
de uma melhor preparação dos professores para o futuro mais imediato
(um horizonte que cobre, ao menos, os próximos dez anos).

O campo educacional como um todo não pode se restringir a uma Glossário


expectativa niilista, como alguém que adentra uma aguda crise exis- niilista: que nega tudo;
tencial (perguntando a si mesmo “para que viver, se afinal a morte é pessimista.

certa?”) e, assim, desiste de perseguir qualquer propósito.

Desde 2016, quando o Fórum Econômico Mundial trouxe à tona o


tema quarta revolução industrial (ou Indústria 4.0), muito se tem discu-
tido sobre a automação dos empregos em todas as áreas imagináveis.
O impacto sobre a educação é frontal, a começar pelo indicativo de que
a maior parte das crianças de hoje, ao chegar ao mercado de trabalho,
irá ocupar empregos que simplesmente não existem atualmente. Isso
significa que a escola trabalha na atualidade conhecimentos que não
terão adesão na realidade futura. Como consequência, não haverá ou-
tro caminho senão a educação em regime permanente.

Alguns podem, então, se perguntar com toda legitimidade: se o profes-


sor perder seu emprego para uma máquina, o que se ensinará aos estu-
dantes, afinal? Não fará sentido que a inteligência artificial os prepare para
serem médicos, engenheiros, advogados, administradores ou qualquer
outro tipo de emprego tradicional, uma vez que essa mesma tecnologia,
que ameaça o protagonismo humano na docência, causa semelhante im-
pacto em todas as outras profissões.
Os professores serão
Caso previsões, como as postuladas por substituídos por máquinas
inteligentes?
Kurzweil (2005) e Schwab (2017), se ma-
Phonlamai Photo/Shutterstock
terializem quanto a um possível fu-
turo em que máquinas trabalharão
ao invés de pessoas (não cabendo
aqui a preocupação com o desem-
prego porque as máquinas existirão
para servir à humanidade em todas
as suas necessidades), a educação
certamente caminhará do atual
dominante direcionamento tec-
nológico para uma pauta mais

Ser professor no século XXI 11


Filme humanística e filosófica, por exemplo, aprimorando a competência das
pessoas para o autoconhecimento, o relacionamento interpessoal, a cari-
dade e a convivência com a diversidade.

Curiosamente, talvez se alcance o momento em que uma pessoa


não ministre mais aulas – mas seja, para todos os efeitos, professor.
É preciso ter em mente que, na perspectiva da função do educador,
dar aulas é apenas uma das inúmeras atividades inerentes a essa ati-
vidade profissional, algo, aliás, que este livro ocupa-se em examinar
No filme Gênio Indomá- exaustivamente, ao oferecer uma análise pormenorizada da atuação
vel, um professor acaba
do professor no mundo contemporâneo.
descobrindo e lidando
com a genialidade de
Não se trata, portanto, de discutir uma mera estratégia de máxi-
um aluno, revelando que
o imprevisível é quase mo aproveitamento humano, enquanto a automação, silenciosamente,
sempre presente na
prepara o caminho para um implacável descarte de pessoas. No que
carreira dos docentes,
independentemente do se refere a novas tecnologias educacionais, os professores dispõem da
nível de senioridade do
oportunidade de liderarem a transformação, com discernimento para
profissional.
priorizar o que é necessário e apontar as direções que precisam ser
Direção: Gus Van Sant. EUA:
Miramax Films, 1997. percorridas. A equação que mescla o social, o tecnológico, o econômico
e o ético é de difícil resolução e demanda o talento humano por exce-
lência – ao menos, ainda por um bom tempo, suficiente para que os
profissionais da educação se mobilizem pela sua própria capacitação e
desenvolvimento de alto nível.

Se os desafios da contemporaneidade, no que tange à tecnologia, são


vultuosos, é preciso lembrar de que a variável tecnológica é apenas uma
entre vários outros aspectos: o lado cultural também é preocupante.

É fato incontestável que tal formação cultural não está relacionada à


condição econômica de um indivíduo, como provam as inúmeras cele-
bridades, expostas quase 24 horas por dia nas mídias de comunicação.
Ter dinheiro para poder mandar um filho estudar no exterior não serve
de muita coisa. A carência cultural que envolve a formação universitária
1 não é um fenômeno unicamente brasileiro, mas um tanto quanto uni-
Ivy League é um grupo constituí- forme no mundo atual. É verdade que algumas instituições do mais alto
1
do por oito das universidades quilate em nível internacional – como o célebre Ivy League – realizam
mais prestigiadas dos Estados
um trabalho extraordinário, principalmente na formação de empreen-
Unidos: Brown, Columbia,
Cornell, Dartmouth, Harvard, dedores e executivos de alto nível de desempenho. Contudo, preparar
Princeton, Universidade da alguém para a melhor posição possível no mercado de trabalho ainda
Pensilvânia e Yale.
está a meio caminho de torná-lo um cidadão na plenitude do conceito.

12 Novos caminhos para profissionais da educação


Levando em consideração as realidades de formação das universi- Saiba mais
dades e faculdades de desempenho mediano, bem como a realidade No Brasil, a Constituição
Federal atualmente vigente
da população em geral (que possui o típico dilema de trabalhar ou es-
(promulgada em 1988) define
tudar, especialmente no Brasil) e as dificuldades inerentes a um país cultura como aquilo que dá
subdesenvolvido, o cenário mostra-se desalentador – pobreza cultural testemunho do modo de ser de
um povo, o que é, no mínimo,
extrema pode tornar-se alienação social. De todo modo, a aversão que
fortemente questionável: afinal,
a população, em geral, demonstra por alta cultura não é um fenômeno tal modo de ser carrega so-
isolado deste momento histórico, mas algo que atravessa gerações e mente virtudes? É evidente que
não, e os exemplos vexatórios
não parece haver, nessa exclusão, injustiça ou perseguição. que são admitidos certamente
Em suma, ser professor implica conviver com desafios constantes, dispensam enunciação.

severos e que colocam verdadeiramente à prova a vocação para esse


trabalho: há de se concordar com quem diz que ser professor é para
quem nasceu para isso. O panorama tecnológico e o cultural, juntos,
embora não representem a totalidade dos aspectos envolvidos, têm
hoje um peso tal que acabam quase por ofuscar os demais (como va-
lorização da profissão, mercado de trabalho, qualidade de vida etc.).

Todas as pessoas já tiveram ao menos um professor que ficou


marcado na memória por um bom motivo, e a razão disso não é o
Atividade 1
conteúdo programático oficial que foi repassado em uma aula, mas,
sim, uma frase colocada de modo oportuno, um posicionamento Quais são alguns dos maiores
desafios do mundo contemporâ-
preciso diante de um problema ou um incentivo para que enfrentas- neo no que se refere à atividade
se determinada situação da vida. Quando um professor se vê diante de professor?
de uma turma, nunca sabe quem dali se tornará um empresário de
sucesso, um governante ou um especialista consagrado em alguma
área do conhecimento – ou, não menos importante, um cidadão de Glossário
moral ilibada. Por vezes, o impulso decisivo na realização ou não ilibado: puro, sem manchas.
das potencialidades de uma pessoa depende da sorte de contar com
o professor certo, na hora certa.

1.2 Ser professor na atualidade


Vídeo Se o discurso politicamente correto é o de que “ser professor é a
mais nobre das profissões”, os momentos de intensa crise de desem-
prego são úteis para escancarar, na prática, o menosprezo de muitos
pela função docente. Em 2016, um jornal de circulação nacional no Bra-
sil causou polêmica com uma reportagem cujo título era “Professores e
garçons estão entre os bicos mais buscados”, completado pelo subtítu-
lo: “Chance. Quantidade de trabalhadores informais cresceu de 668 mil

Ser professor no século XXI 13


para 746 mil, aponta a Acic. Medida é saída para o desemprego” (ME-
TRO, 2016). Embora o teor da reportagem tenha se referido mais pre-
cisamente à função de professor particular, a forma como a chamada
da matéria foi estabelecida foi suficiente para uma reação incendiária à
época, principalmente nas redes sociais.

No ano seguinte, ocorreu uma nova polêmica: um grande grupo educa-


cional brasileiro, recrutando uma das celebridades televisivas do momento,
2 lançou seu curso de formação pedagógica na modalidade de educação a
O termo uberização, inspirado distância (EaD) com a chamada “Segunda graduação: torne-se um profes-
no conceito do aplicativo de sor e aumente sua renda! Não precisa de vestibular”. Como se fosse pou-
transporte Uber, refere-se a
co constrangimento, aconteceu, ainda, de um grupo concorrente plagiar a
uma nova forma de negócio, na
qual coloca-se o produtor e o peça publicitária, lançando sua propaganda com exatamente os mesmos
consumidor em contato direto, termos, trocando apenas a celebridade por outra de mesmo apelo popular.
deixando os intermediários em
segundo plano. Ainda que não seja uma exclusividade dos profissionais da educa-
2
ção, a “uberização” de suas atividades, tal como denunciada por Silva
Glossário (2019), pode contribuir para a precarização do trabalho dos professo-
inócuo: inofensivo; que não res – principalmente se estes forem inócuos na autogestão da carreira.
causa dano moral ou material. De todo modo, embora o contingente de docentes no Brasil seja forma-
do por todo tipo de perfil – desde os que sempre sonharam lecionar,
até os que adotaram assumidamente a estratégia “se tudo mais der er-
rado, eu me torno professor” –, não se pode desprezar os profissionais
que tenham escolhido a função independentemente da razão, por uma
única razão: a solução para o problema passa primeira e fundamental-
mente pelo aperfeiçoamento individual. É de um em um que se des-
Atividade 2 perta a consciência do quanto é necessário assumir a responsabilidade
Um profissional que circuns- pelo próprio aprimoramento como educador, por construir sua própria
tancialmente tenha se tornado jornada para a excelência na ocupação, o que acabará por resultar em
professor como um “bico” tem
um quadro social profundamente diferente do vivido atualmente, afas-
futuro nessa carreira? Explique.
tando a vitimização complacente subentendida em Silva (2019).

Artigo

http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20180403122844.pdf

No artigo Os dilemas do professor iniciante: reflexões sobre os cursos de formação inicial, da autora
Dulcinéia Souza, publicado na Revista Multidisciplinar da UNIESP, em 2009, explica-se que o iní-
cio da carreira docente é marcado por crises, em um período de descoberta e de sobrevivên-
cia, sendo imprescindíveis o conhecimento e a reflexão sobre essa fase profissional para que
as instituições de formação superior em licenciatura e as instituições que recebem o professor
iniciante possam oferecer apoio adequado a esse profissional.
Acesso em: 21 fev. 2020.

14 Novos caminhos para profissionais da educação


Mundo afora, conforme explicam Bacila (2016) e Ball (2017), o
exercício da atividade profissional na educação se distingue em mui-
tos aspectos. Em Portugal, por exemplo, existe um estatuto docente,
desenvolvido pelo Ministério da Educação, que conduz as políticas
referentes ao sistema educacional. Além disso, a categoria é calçada
por uma estrutura sindical forte, que contribui para que profissionais
contem com a progressão de carreira. Estados Unidos e Inglaterra são
alguns dos países em que o título profissional de professor só é alcan-
çado após o doutoramento do educador.

Para Evans (2016), a atualidade impõe seus desafios à atividade do-


cente, cabendo refletir sobre os caminhos a seguir no que diz respeito
ao propósito dos professores no século XXI. É de se admitir que, hoje,
a evolução das carreiras e dos papéis acadêmicos tenha atingido um
ponto crítico. Sendo assim, estaria o título de professor ameaçado de Glossário
extinção? Há quem o critique como estritamente anacrônico, argu- anacrônico: retrógrado;
contrário aos usos e costumes de
mentando que não se cumpre mais seu propósito tradicional. Afinal,
uma época.
com a proliferação que se vê do professorado no mercado de trabalho,
é difícil argumentar que o rótulo professor continue a sustentar a distin-
ção que ele já mereceu um dia.

De acordo com o mesmo autor, as instituições de ensino têm sido


fundamentais no que se refere a ampliar os parâmetros do que a
profissão de professor implica, em termos de propósito docente.
Visando melhor aproveitar as habilidades e talentos de seus acadê-
micos mais antigos – e talvez até mesmo justificando os salários e o
status desses educadores experientes –, as escolas parecem ter rein-
ventado o conceito de docência, em um movimento voltado a apoiar
o cumprimento dos seus objetivos institucionais e a promulgação
de suas estratégias organizacionais. Nesses termos, papéis que vêm
sendo agregados à atividade docente incluem: zelador pela melhoria
do status institucional; embaixador da instituição junto à comunida-
de externa (incluindo relação direta com pais de alunos); informante
público; repositório de conhecimento especializado; mentor; gera-
dor de receita (ativo econômico); gestor; além de “líder acadêmico”,
termo coringa (muitas vezes genérico e abstrato) no qual todas es-
sas e outras possíveis funções podem ser agregadas.

Para justificar a reinvenção do papel docente, as altas lideranças


e gerências das instituições de ensino usualmente se valem do ar-
gumento de que os dias do acadêmico “monofoco” desapareceram.

Ser professor no século XXI 15


Agora, todos os professores devem se esforçar para responder ao de-
safio de uma adaptação ao ambiente dinâmico e modificado que é a
escola do século XXI. Isso envolve expandir o repertório de habilidades
e os parâmetros de seus domínios de conhecimento, aumentando o
leque do que pode e deve ser coberto. Desse cenário, emerge a pres-
são como um componente típico, por assim dizer, parte integrante de
um ambiente de trabalho tão dinâmico. Na prática, isso pode denotar
um fato inequívoco: nos dias atuais, se um professor não se sentir, de
modo geral, estressado com seus afazeres no dia a dia, isso pode servir
de alarme no que diz respeito à continuidade no emprego ou progres-
são de sua carreira profissional.

Segundo Evans (2016), esta tão bem quista adaptabilidade para


Glossário os dias atuais é, por certo, um valor de difícil contestação. A dificul-
quista: estimada. dade também se impõe sobre a tentativa de se observar e concluir
expertise: competência ou com segurança acerca da direção ante a qual os ventos da mudança
qualidade de especialista. estão soprando e seguindo seu curso. Representando uma adapta-
bilidade consumada ao ambiente atual, as promoções e o acesso
às melhores oportunidades na carreira docente vão exigindo foco,
interesses e expertise mais amplos.

Na escola do século XXI, a evidente vastidão e difusão do que seus


titulares parecem aceitar como realidade do papel docente é uma
questão que as instituições de ensino precisam levar a sério. Afinal,
existe o risco de diluir o entendimento daquilo que é consensualmen-
te reconhecido como o objetivo principal dos professores: o compro-
metimento prioritário com pesquisas e estudos do mais alto nível,
visando produzir e disseminar o estado da arte do conhecimento.
Cumpre observar que, etimologicamente, professor é quem professa
algo, e esse algo é, em última análise, a integridade do conhecimento.

Ainda para Evans (2016), o impacto dessa diluição das atribuições


já parece ser evidente: por sinal, estudantes que demonstram habi-
lidades alternativas ou compensatórias ante aquilo que as institui-
ções de ensino atualmente valorizam bastante – como capacidade
de garantir financiamento para pesquisas, pensar estrategicamente,
realizar apresentações públicas convincentes e bem articuladas, ou
mesmo inspirar e motivar os outros – são facilmente encaminhados
à docência. Vive-se, atualmente, uma democratização do professo-
rado. Contudo, há que se levar em consideração que tal movimento
é alinhado às necessidades atuais das instituições de ensino, tratan-

16 Novos caminhos para profissionais da educação


do-se, pois, de uma democratização muito mais baseada em habili-
dades do que em termos de base social.

A democratização abre portas, até então fechadas, ampliando o


acesso à profissão. Quanto mais acesso, maior é o número de partici-
pantes; e quanto maior o número de participantes, melhor diversida-
de é conseguida, implicando, inevitavelmente, uma amplitude muito
maior de competências docentes das mais diversas naturezas. Assim,
percebendo uma necessidade ou aplicação para um conjunto de ha-
bilidades mais amplo entre os professores do que era historicamen-
te predominante, as instituições de ensino parecem ter estendido
gradualmente os parâmetros dos papéis do professor, refazendo os
propósitos desse profissional de acordo com as agendas institucionais
pautadas na produtividade.

Para Evans (2016), não resta dúvida de que extrair o melhor pro-
veito do professorado passa por reavaliar o propósito e o papel des-
se profissional. Ao menos duas perspectivas apresentam algumas
maneiras possíveis de abordar essa questão fundamental. A primei-
ra reconhece o propósito dos professores de envolver-se exclusiva-
mente em atividades acadêmicas intelectualmente notáveis, gerando
conhecimento inovador para o benefício intrínseco da disciplina e,
por extensão, para o benefício extrínseco da própria instituição de
ensino. Esse propósito envolveria um papel único, não ambíguo e
sem complicações – o de pesquisador – e impediria a incorporação
de quaisquer responsabilidades adicionais ou suplementares que os
desviassem de seu objetivo, tornando os professores essencialmen-
te profissionais especialistas. Isso, claro, transparece um retrocesso
no redesenho da profissão imposto pelo mundo contemporâneo.
Por sua vez, a outra perspectiva reconhece que, diante da crescente
pressão para expandir suas próprias competências e seus propósi-
tos, as instituições de ensino devem ampliar o foco e o repertório de
atividades de seus professores.

Em suma, ponderando vantagens e desvantagens, a carreira docen-


te se mostra um funil: muitos a experimentam pelos mais variados mo-
tivos, mas poucos se consolidam. Não há outro caminho para evoluir
como professor senão desenvolver continuamente a competência para
o exercício profissional – aliás, tantas são as atividades da profissão e
tão diversos são os desafios associados que a prática acaba por exigir
múltiplas competências simultâneas.

Ser professor no século XXI 17


1.3 Múltiplas competências
para o novo educador
Vídeo
Trabalhar como professor não se resume simplesmente a minis-
trar aulas. Para Wilkerson (1999) e Arends (2014), o educador atua
em quatro frentes de trabalho, quase sempre simultâneas: ensino,
pesquisa, gestão e extensão. Portanto, o conjunto das inúmeras
competências que o profissional precisa desenvolver está distribuí-
do entre essas quatro dimensões.

A começar pela mais óbvia, o ensino corresponde ao ato de le-


cionar, ou seja, a tudo o que envolve o trabalho em sala de aula, ao
relacionamento direto entre professor e aluno. Aqui, cabem a aborda-
gem tradicional (do encontro em sala de aula) e as novas modalidades
virtuais que a tecnologia passou a possibilitar (tanto aquelas em que
professor e aluno mantêm um relacionamento estreito semelhante ao
regime presencial, apesar da distância geográfica, quanto aquelas em
que o professor não conhece as características individuais de seu aluno
– apenas um perfil geral a respeito da turma). Mesmo sendo aborda-
gens diferentes, o professor deve sempre aprimorar sua prática para
garantir o conhecimento programado para determinado curso.

A pesquisa é o campo de produção científica do professor. Me-


diante a estrita aplicação de métodos qualitativos e quantitativos ho-
mologados pela comunidade científica, problemas de pesquisa são
estudados e equacionados, e soluções são propostas, tudo de maneira
documentada em artigos científicos, publicados em veículos especiali-
zados conhecidos como periódicos científicos (ou journals). A rigor, o co-
nhecimento é produzido pela pesquisa científica. Naturalmente, como
uma das possibilidades cobertas metodologicamente, aquilo que é dis-
cutido e trabalhado em sala de aula pode, muitas vezes, ser útil para
a produção de conhecimento – embora todo esse trabalho precise ser
aplicado com o rigor metodológico necessário. Por esse motivo, a ideia
de que conhecimento também é gerado na interação entre professor e
aluno tem a justa ressalva anotada.

Por atividades de gestão, entendem-se todas as atribuições de lide-


rança executiva no meio acadêmico. Por exemplo, a coordenação de
um curso, de um grupo de pesquisas, de um programa de graduação

18 Novos caminhos para profissionais da educação


ou pós-graduação, a chefia de um departamento acadêmico ou, até
mesmo, a direção de uma instituição de ensino.

Por fim, as atividades de extensão são aquelas que não se ca-


racterizam, essencialmente, como ensino, pesquisa ou gestão. Tra-
balhar em uma revista científica, no papel de revisor ou editor, por
exemplo, é uma possibilidade. Outras alternativas podem ser: di-
vulgação científica na internet, consultoria educacional, entre tantas
outras inúmeras possibilidades.

Sem dúvida, algo marcante na profissão de educador é a cres- Atividade 3


cente complexidade das responsabilidades que se vão acumulando. Quais são as quatro frentes de
Portanto, o primeiro exercício proposto a um professor que está se trabalho do professor?
questionando o quanto sua carreira parece “parada”, é diagnosticar
como está a distribuição de trabalho nas dimensões ensino, pes-
quisa, gestão e extensão. É claro que ninguém consegue balancear
com perfeição essas quatro frentes estratégicas – as demandas vão
surgindo conforme são ditadas pelo mercado de atuação –, mas é
imprescindível ficar alerta ao fato de que a nulidade de atividades
em qualquer um dos quatro campos possivelmente faz com que o
professor seja menos valorizado. Esse monitoramento da própria
carreira, em busca de autodiagnóstico, é obviamente uma necessi-
dade para a vida toda.

Quanto ao conjunto de competências necessárias ao êxito profis-


sional na atividade docente no século XXI, a atual dinâmica social talvez
possa levar alguém a arriscar um diagnóstico: o professor tem de se
atualizar, pois ninguém aguenta mais a aula tradicional. Os alunos mu-
daram, eles estão conectados com a informação e não querem mais
receber conteúdo pronto. Então, o professor deve se reinventar, ser
criativo, propor desafios, aliar-se à tecnologia, saber trabalhar com pro-
jetos e tornar-se, efetivamente, um mediador, e não um fornecedor de
conteúdo – afinal, não é para isso que existe a internet? Em partes, sim.

O professor deve ser hábil para dosar inteligentemente o apelo à


novidade (que não pode ser meramente uma “mudança pela mudan-
ça”) e o procedimento didático-pedagógico clássico que educou em alto
nível e por várias gerações pessoas realmente bem-sucedidas (econo-
micamente e/ou moralmente). Então, a despeito de todas as novas
necessidades que surgem com a evolução da sociedade, não é verda-
de que ninguém aguenta mais a aula tradicional, pois o que ninguém

Ser professor no século XXI 19


nunca suportou é a aula ruim. Mais uma vez, recorrendo à memória
individual, todos podem se lembrar de, ao menos, um professor em
sua vida que tenha tornado cada encontro com a turma um momento
inesquecível, por mais tradicional que fosse seu sistema de ensino. Por
outro lado, a explosão dos cursos on-line e os mais variados recursos
eletrônicos presentes hoje em dia confirmam a velha máxima de que
Glossário
quantidade não é qualidade, pois não é difícil encontrar aulas ofereci-
paupérrimo: extremamente
pobre.
das com tecnologia de ponta e conteúdo paupérrimo.

Uma aula clássica ou tradicional e uma aula arcaica não são a mes-
ma coisa. A última significa um total descompasso, uma inadequação
insustentável entre, de um lado, o que e como se propõe a ensinar e,
de outro, aquilo que é necessário aprender. O que as novas tecnologias
no campo da educação estão trazendo não é uma denúncia ou con-
denação do modelo clássico, mas, sim, maior produtividade por meio
da potencialização de elementos que justamente residem no clássico:
a figura do professor, a figura do aluno, o conteúdo sistematizado de
Glossário conhecimento, as fontes extras de leitura, as formas de avaliação, os
feedback: resposta a uma mecanismos de feedback etc.
atitude ou comportamento.
Que os alunos mudaram, é verdade. Há muito se discute, ou se pro-
cura entender, o impacto do choque de gerações na educação, mais
especificamente na relação professor e aluno. O professor, geralmen-
te, será mais velho ao menos uma geração que os estudantes sob sua
tutela e poderia, assim, estar em desvantagem em relação às pretensas
novas aptidões e características dos alunos. Interessados nesse tema,
Buckingham e Willett (2013) conduziram um estudo que procurou en-
Uso de tecnologias em tender a fundo o fenômeno da geração digital representada pelos no-
sala de aula. vos alunos que adentram as instituições de ensino.

Entre suas conclusões, está a constatação


de que os jovens possuem uma invejá-
vel desenvoltura natural com
as novidades tecnológicas.

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20 Novos caminhos para profissionais da educação


Por outro lado, um dos grandes achados do estudo foi revelar que, Glossário
a despeito de tanta novidade high-tech que os rodeia, os estudantes high-tech: alta tecnologia;
possuem características em comum com seus colegas de gerações tecnologia avançada.
passadas, como o anseio e a necessidade pelo conhecimento e a
expectativa de serem atendidos por um educador que lhes mostre
que é possível contornar os obstáculos e desafios de sua jornada.

Uma vez que existe a internet, o professor precisa prover conteú-


do? Sem dúvida alguma, encontrar qualquer tipo de informação na
grande rede, de maneira absolutamente instantânea, é muito fácil.
Avaliar a qualidade e a credibilidade da fonte acessada e do material
disponibilizado, por outro lado, é bem mais difícil; principalmente em
uma época que recebe o constrangedor rótulo de era da pós-verdade, Glossário
imersa em fake news e na viralização dos boatos mais infundados. fake news: notícias falsas que
Existe, portanto, uma necessidade imperativa de o professor intervir geram desinformação.
no processo de livre acesso à informação que qualquer aluno do ensi-
no fundamental, com seu celular em mãos, acredita ter.

Não se trata, claro, de restringir o trabalho de pesquisa simples- Glossário


mente fornecendo os endereços previamente homologados como críveis: dignos de crédito.
sites críveis: é preciso deixar o aluno, em um primeiro momento, tra-
zer o resultado de suas buscas espontâneas, mas, logo em seguida,
mostrar a ele como qualificar a informação acessada, julgar as fontes,
identificar discursos ideológicos eventualmente incorporados, entre
outros critérios. Um aluno precisa de suporte direto do professor
para, por exemplo, saber que uma informação presente em um livro
tende a ser muito menos atualizada e mais opinativa do que em um
artigo científico publicado. Além disso, ainda mais importante, o alu-
no precisa do professor para compreender o porquê disso.

Está fora de discussão que o professor deve, sim, usar as tecno-


logias disponíveis como aliadas no processo de ensino e aprendi-
zagem. As possibilidades de enriquecimento da experiência de aula
com o uso de aparatos tecnológicos são vastíssimas – desde que
devidamente orientadas. De nada adianta abarrotar a sala de aula
com todo tipo de geringonça eletrônica se o professor não orques-
trar a atividade que seus alunos precisam desempenhar, estabele-
cendo um propósito e as “regras do jogo” propriamente ditas, sem
as quais a aula tende a desvirtuar para uma mera experimentação
de curiosidades tecnológicas.

Ser professor no século XXI 21


Como demonstrado por Mishra e Koehler (2006), o professor de alto
desempenho é aquele que consegue integrar três conjuntos de saberes:
o do conteúdo propriamente dito (sua área de expertise), o pedagógico
e o tecnológico. No caso do domínio tecnológico, um período de desa-
tenção, no sentido de deixar de acompanhar as novidades da indústria,
pode ser suficiente para o educador ficar em perigosa desvantagem no
seu mercado de trabalho, visto que a evolução tecnológica se caracteriza
por ser implacavelmente acelerada. E isso independe do quão tecnológi-
ca é a área de conteúdo do docente; sem estar versado nas tecnologias
educacionais (as quais não são apenas as digitais), sua empregabilidade
é cada vez mais ameaçada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos motivos que levam os professores a desenvolverem e acu-
mularem competências, de maneira vitalícia, é a evolução da socieda-
de. Um conjunto específico de saberes pode até ter sido responsável
pelo sucesso que um professor teve no passado, mas, ao mesmo tem-
po, pode não significar nada para o seu futuro.
Diante da missão – desafio maior, aliás – de tentar harmonizar o
progresso tecnológico com a recuperação da alta cultura, o professor
precisa primeiramente ser sensibilizado quanto à necessidade de in-
vestir em sua própria formação, para, só então, começar a desenhar
a estratégia que possibilita alcançar o alto desempenho na função do-
cente; o que é possível por meio de inúmeras e diversificadas com-
petências, integrando o conhecimento especializado, o pedagógico e
o tecnológico nas quatro frentes de atuação de seu ofício, que são o
ensino, a pesquisa, a gestão e a extensão.

REFERÊNCIAS
ARENDS, R. I. Learning to Teach. Columbus: McGraw-Hill Education, 2014.
BACILA, C. R. Nos bastidores da sala de aula. Curitiba: Intersaberes, 2016.
BALL, S. J. The Education Debate. Bristol: Policy, 2017.
BUCKINGHAM, D.; WILLETT, R. Digital Generations: children, young people, and the new
media. Florence: Routledge, 2013.
EVANS, L. The Purpose of Professors: professionalism, pressures and performance.
Stimulus paper. Leadership Foundation for Higher Education, 2016.
KURZWEIL, R. The Singularity is Near: when humans transcend biology. New York: Viking, 2005.
METRO. Professores e garçons estão entre os bicos mais buscados. 30 mai. 2016.

22 Novos caminhos para profissionais da educação


MISHRA, P.; KOEHLER, M. J. Technological pedagogical content knowledge: a framework
for teacher knowledge. Teachers College Record, New York, v. 108, n. 6, p. 1017-1054, 2006.
Disponível em: http://one2oneheights.pbworks.com/f/MISHRA_PUNYA.pdf. Acesso em: 21
fev. 2020.
SCHWAB, K. The Fourth Industrial Revolution. New York: Crown Business, 2017.
SELDON, A. The Fourth Education Revolution: how artificial intelligence is changing the face
of learning. Milton Keynes: The University of Buckingham, 2018.
SILVA, A. M. A uberização do trabalho docente no Brasil: uma tendência de precarização
no século XXI. Trabalho Necessário, v. 17, n. 34, p. 229-251, set./dez. 2019. Disponível em:
http://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/download/38053/21780. Acesso em:
21 fev. 2020.
WILKERSON, J. M. On research relevance, professors’ “real world” experience, and
management development: are we closing the gap? Journal of Management Development,
Bingley, 18, n. 7, p. 598-613, 1999.

GABARITO
1. Alguns dos maiores desafios do mundo contemporâneo em relação à atividade de
professor são: o acompanhamento das inovações tecnológicas (uma vez que elas
ocorrem em ritmo acelerado) e o baixo nível cultural da sociedade (independente-
mente da classe socioeconômica).

2. Sim, esse professor pode ter futuro. Não se pode desprezar os professores que te-
nham entrado na função, mesmo pelas razões mais erráticas possíveis, por um moti-
vo: a solução para o problema da baixa valorização do profissional começa pela inicia-
tiva de aperfeiçoamento individual.

3. A atuação profissional do docente se faz presente nas frentes de ensino, pes-


quisa, gestão e extensão. É importante estar preparado para atuar nessas três
frentes para crescer profissionalmente.

Ser professor no século XXI 23


2
Repensando a
formação docente
Partindo da noção de que o professor precisa, por diversas
razões, aprimorar e investir na sua formação para ampliar seus
horizontes como profissional, a questão que se responde neste
capítulo é: como fazê-lo? Afinal, o professor que estuda con-
tinuamente é, sobretudo, um exemplo e uma inspiração para
seus alunos. Felizmente, as novas tecnologias facilitam muito
a capacitação constante que se exige durante toda a vida. Se
antigamente uma formação de alto nível era exclusividade para
os mais abastados, hoje se dispõe de uma gama de opções para
todos os perfis socioeconômicos.

2.1 A formação continuada


Vídeo Para que possa estar permanentemente capacitado, o professor
deve considerar duas perspectivas de formação continuada, que não
se excluem mutuamente: o programa stricto sensu e as formações com-
plementares, que, juntas, constituem a espinha dorsal do currículo
do docente. A primeira diz respeito ao mestrado e ao doutorado; já a
segunda, a infinitas capacitações e certificações agregadas. É possível
fazer uma analogia, ainda que rasa, com um atleta de alto nível, que
precisa mesclar maratonas e olimpíadas (stricto sensu) com a frequên-
cia assídua e, praticamente cotidiana, à academia de ginástica para que
possa manter a forma física (formações complementares).

Analisando a formação stricto sensu e concordando com Louzano et


al. (2010), o fato é que o professor, principalmente do ensino superior,
precisa considerar a obrigatoriedade de progredir seu nível acadêmico:
se ainda não é mestre, precisa pensar em sê-lo; se ainda não é doutor,
vale a pena pensar nessa possibilidade; e, mesmo para quem já alcan-
çou o doutorado, o pós-doutorado pode estar no seu radar pessoal.

24 Novos caminhos para profissionais da educação


Nesse aspecto, algumas considerações precisam ser feitas em
relação à profissão de professor diante das demais. O que ocorre é
que qualquer pessoa com curso superior pode fazer um mestrado
ou mesmo um doutorado. Em tese, todas essas pessoas estão legal-
mente habilitadas a se candidatar, pois possuem o requisito mínimo: a
graduação completa. Na prática, principalmente no Brasil, dada a alta
concorrência por essas posições, nos programas de pós-graduação de
todas as instituições de ensino, sendo públicas ou privadas, o que se vê
é que dificilmente pessoas sem um curso de especialização lato sensu
conseguem êxito para ingressar no mestrado – da mesma forma, muito
raramente se vê um doutorando que ainda não seja mestre. Então, se
o objetivo é, no médio ou longo prazo, um doutoramento, certamen-
te são necessárias etapas intermediárias de formação para conquistar
com êxito essa meta.

Para os profissionais em geral, como um fisioterapeuta, um ar-


tista plástico ou um contador, o mestrado e o doutorado são ce-
nários facultativos que eles podem considerar para suas carreiras
– quando procuram esse caminho, é porque alguma inclinação Glossário
existe, ainda que latente, para trabalhar no meio acadêmico. O
latente: oculta, escondida.
fato é que, em última análise, até mesmo o curso de graduação
básica, que permite a alguém dizer que tem ensino superior, não é,
efetivamente, uma necessidade primordial. Muitas pessoas, depen-
dendo de sua ocupação, valores pessoais e estilo de vida, podem
viver perfeitamente bem, inclusive com pleno exercício da cidada-
nia, sem ter um curso universitário. Não há motivo que justifique
impor educação superior às pessoas; o que se precisa assegurar é
o pleno direito de acesso a quem se interessar por esse caminho.

Já um cenário completamente diferente se apresenta a quem esco- Atividade 1


lheu ser professor universitário. Nesse caso, em seu plano de carreira, Quais são as duas perspectivas
de formação continuada que o
deve-se ter por objetivo, sempre, o próximo grau acadêmico a ser con-
professor deve considerar?
quistado. Dependendo das circunstâncias de cada caso, pode ser um
plano para curto, médio ou longo prazo, mas precisa ser um objetivo
priorizado. Somente uma geração de profissionais capacitados pode-
rá estabelecer condições estruturantes para mudar o quadro cultural
Glossário
no Brasil. Não se pode esperar que, da atual mentalidade de políticos,
empresários e tecnocratas quaisquer, emerja a liderança para essa tecnocratas: governantes
que buscam apenas soluções
transformação, enquanto professores permanecem enclausurados em
técnicas.
departamentos acadêmicos. Nesse campo, não há meia solução, pois

Repensando a formação docente 25


estacionar no progresso acadêmico, em uma zona de conforto que me-
ramente garanta seu sustento familiar por algum tempo, conflita com a
função social que o professor assumiu (consciente ou não disso).

Glossário A situação ideal pode até não se realizar por um ou outro fator
incidental: imprevisível, incidental, porém, é importante que seja perseguida com todo vigor
eventual. e que, assim, todos os professores universitários do Brasil possam se
tornar doutores, estando sempre envolvidos nas atividades de pós-
doutoramento. Cumpre esclarecer que, diferentemente do que o senso
comum possa imaginar, pós-doutorado não é um título que se conquiste
ou um curso que se realize, como são o mestrado e o doutorado. O pós-
doutoramento é uma atividade destinada, em geral, aos recém-doutores
(para todos os efeitos, com menos de dez anos passados após a defesa
da tese); não envolve cursar disciplinas e tampouco defender uma tese.
O foco é, primordialmente, a pesquisa, com vistas à resolução de algum
problema complexo, o que implica, na prática, a produção de publicações
científicas mais amadurecidas (criar genuinamente conhecimento) ou,
até mesmo, o desenvolvimento de tecnologia de ponta. Por isso, nesse
regime de intensa pesquisa, a dedicação ao ensino, à gestão e à extensão
é momentaneamente suprimida.

Então, para começar a percorrer o caminho stricto sensu, os pro-


fessores precisam planejar seu mestrado e doutorado. Os cursos são
oferecidos pelos programas de pós-graduação de faculdades, centros
universitários e universidades, da rede pública e privada. Não há outra
alternativa, senão pesquisar. Desse modo, em função de sua área de
predileção, o professor encontra nos sites das respectivas instituições
as informações gerais sobre as ofertas de mestrado e doutorado.

Nas instituições privadas, os cursos de mestrado e doutorado cos-


tumam ser substancialmente caros, considerando o poder aquisitivo
médio do brasileiro. Assim, é importante ficar alerta a ofertas que cos-
tumam surgir, nas quais essas instituições podem oferecer cursos gra-
tuitos. Muitas vezes, elas fazem isso por alguma política de subsídio ou
como uma estratégia para conseguirem uma “massa crítica” de alunos
formados naquela instituição, o que ajuda no estabelecimento de seu
nome como uma marca presente no mercado. Há de se considerar,
claro, que cursos gratuitos são muito mais concorridos que os pagos,
como ocorre nas universidades e institutos federais.

26 Novos caminhos para profissionais da educação


Dada a concorrência, um bom projeto de pesquisa é decisivo para
ser aprovado como aluno de mestrado ou doutorado, de acordo com
as linhas de pesquisa da instituição em que se disputa uma vaga. Quem
fracassa no processo seletivo, muitas vezes, peca nesse aspecto; não é
suficiente que o interesse particular de pesquisa do candidato tenha sido
impecavelmente documentado em uma proposta de projeto, mas tor-
na-se imprescindível que tal proposta tenha adesão temática ao que é
trabalhado naquele programa de pós-graduação. Por isso, o candidato
precisa ser estrategista. Uma vez determinado o programa como alvo, é
necessário conhecer a respeito da linha de pesquisa e dos projetos em
andamento na instituição – dados que podem ser levantados por meio
de uma conversa direta com os professores desse programa.

Uma vez aprovado como mestrando ou doutorando, há a pos-


sibilidade de bolsas de estudo para ajudar a arcar com os custos
(diretos e indiretos). Na maioria dos casos, o valor não é alto, mas
ajuda o estudante a suportar a fase de sacrifício financeiro inerente
a essa etapa da vida – a contrapartida costuma ser a exigência de
permanência do estudante nas instituições. Ou seja, um mestrando
ou doutorando bolsista acaba, na prática, por não se ausentar da
instituição de ensino, visto que, quando não está em curso, está
imerso em diversas outras atividades demandadas, principalmente
as relacionadas aos grupos de pesquisa dos programas de pós-gra-
duação. No Brasil, as bolsas de estudo são concedidas pelas agên-
cias governamentais Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico). Dependendo do edital, o repasse
pode ser direto ao pós-graduando ou ser intermediado pelo próprio
programa da instituição, que recebe a verba governamental e sele-
ciona, internamente, seus bolsistas. Assim, monitorar permanente-
mente editais e chamadas é estritamente necessário.

Finalmente, no que se refere à formação stricto sensu, o professor


deve considerar ainda as possibilidades criadas pelas novas tecnologias:
a novidade é que existem mestrados e doutorados na modalidade EaD. 1
1
No Brasil, o Ministério da Educação homologou o Parecer n. 462/2017 , Parecer disponível em: http://
do Conselho Nacional de Educação, que autoriza esse tipo de oferta. portal.mec.gov.br/docman/
outubro-2017-pdf/73971-pces-
Já as formações complementares, por sua vez, são bem diferentes 462-17-pdf/file. Acesso em: 21
fev. 2020.
dos mestrados e doutorados: enquanto estes exigem um longo, inten-

Repensando a formação docente 27


Site so e rigoroso período de dedicação (de dois a quatro anos, sem contar
O Veduca é uma plataforma o eventual tempo de preparo antecipado), aquelas são curtas e, de-
brasileira que se apresenta como
pendendo do caso, podem ocorrer em questão de meses, semanas,
uma ótima alternativa para os
professores que buscam apro- dias ou mesmo horas. Como há muito mais liberdade envolvida, em
fundar seus conhecimentos em alguns casos, sequer é concedida a certificação. Quem procura cursos
uma área específica de formação
de formação complementar quase sempre o faz muito mais em função
e/ou em tecnologia, embora
não existam muitas ofertas de do conhecimento especializado que pode ser conquistado do que de
conteúdo pedagógico, como títulos a acumular.
cursos voltados à educação.
Disponível em: https://veduca. Na busca de aprimoramento profissional, é natural que o profes-
org. Acesso em: 21 fev. 2020. sor opte por formações rápidas, gratuitas ou de baixo custo. Isso passa
pelos convencionais minicursos e palestras que os professores podem
frequentar em regime presencial ou na sua própria instituição de tra-
balho, ou pelo que o mercado dispõe. Contudo, mais recentemente, as
plataformas ao estilo Massive open on-line courses (Mooc), ou cursos on-
-line abertos e massivos em português, mostraram-se como inovações
2 de estrondoso sucesso para fins de capacitação continuada. Uma dessas
Plataforma disponível em: plataformas é o Coursera 2 , uma das principais referências em Mooc de
https://www.coursera.org. nível internacional. Ela possui um respeitável portfólio de cursos livres
Acesso em: 21 fev. 2020.
voltados à capacitação continuada de educadores, incluindo o conheci-
mento pedagógico.

Contudo, ao procurar cursos de qualquer natureza (área de especiali-


zação, tecnológica ou pedagógica) sem ficar restrito unicamente aos ofe-
recidos com opção de legenda em português, o portfólio se torna quase
que infindável. Isso conduz a um dos mais importantes aspectos estra-
tégicos relacionados à formação continuada dos educadores: é impres-
cindível saber inglês. Isso é algo que precisa ser priorizado na vida de
um professor, considerando que dominar uma língua estrangeira é mais
uma competência cuja aquisição não é instantânea, mas, sim, trabalhada
e aprofundada em regime permanente.

Comprovando a limitação que é ficar restrito ao português, o exer-


cício de procurar no Google por “Mooc for educators” resulta em uma
listagem interminável de opções para capacitação docente nas mais
diversas frentes. Vale muito a pena conhecer, em especial, as opções
ofertadas por plataformas como Udemy, edX, Udacity, Codeacademy,
Khan Academy, FutureLearn e Pluralsight, sendo essas algumas das
mais em evidência. Em suma, talvez a grande dificuldade da formação
continuada, atualmente, é fazer uma escolha, dada a explosão de ofer-
tas absolutamente acessíveis a que se está submetido.

28 Novos caminhos para profissionais da educação


2.2 O pesquisador autodidata
Vídeo Existe, ainda, um forte componente de autoformação na função
de professor: o aproveitamento da competência de saber aprender,
a fim de se adquirir mais competências complementares. Afinal, se o
aparato tecnológico atual faz com que qualquer criança recém-alfabe-
tizada consiga encontrar, instantaneamente, informações sobre um
termo qualquer na internet, os professores minimamente capacitados
dispõem de aptidões cognitivas, que servem de filtro e de juízo crítico
ao que encontram, além de uma estrutura dialética básica, que lhes
permitem transitar pelo conhecimento mediante o que Hegel (1998)
denomina de tese, antítese e síntese.

Tese Antítese Síntese

Ideia inicial Nova ideia


Conclusão a
seguida de com base na
partir da junção
pergunta que a resposta da
das duas ideias.
contraponha. pergunta inicial.

Essa é a importância da pesquisa como competência a ser de-


senvolvida e permanentemente aprimorada. Todo professor precisa
pesquisar, ora para produzir o conteúdo para suas aulas, ora para
a produção de seus próprios artigos científicos. Não existe a menor
possibilidade de uma seriedade moral no desempenho da função de
professor se não há sequer sensatez no pensamento – a integridade
intelectual é a base de toda conduta docente, seja em suas práticas
em sala de aula, seja nos seus estudos. Martins (2010), jornalista, his-

Repensando a formação docente 29


toriador e crítico literário, relata que praticamente todas as ocupações
intelectuais daqueles que precederam a sociedade brasileira, desde a
colonização, consistem de futilidades que em nada contribuem para a
alta cultura: cinco séculos de produção intelectual no país mostram-
-se simplesmente irrelevantes na produção mundial de conhecimento.
Como resultado, tem-se que, ao longo das décadas mais recentes, os
artigos científicos publicados por pesquisadores brasileiros aumenta-
ram em quantidade e diminuíram em qualidade.

Sendo um fato objetivo, isso fica imune a qualquer discussão de


natureza ideológica ou apelo nacionalista. Portanto, já citada a ne-
cessidade de dominar o inglês como uma das competências centrais
do professor da atualidade, outra competência se torna evidente:
resistir à tentação de buscar conhecimento relevante (atualizado, de
alto nível) nos materiais disponíveis em português só porque é “mais
fácil”. Quando muito, nesses casos, o que se encontra, em grande
parte, são meras traduções (nem sempre oficiais ou confiáveis) das
fontes originais, as quais deveriam ser buscadas com prioridade.

Quem ainda não domina suficientemente o idioma e precisa dar


andamento às suas pesquisas enquanto resolve essa questão (afinal,
proficiência em novo idioma é um trabalho para alguns anos de dedica-
ção) pode considerar a utilidade dos tradutores on-line, como o Google
Tradutor. Obviamente, não é a solução ideal, porque o atual estado
da tecnologia ainda não é impecável na tradução, mas já fornece uma
base para a compreensão.

Fontes básicas para o professor fazer suas pesquisas, os artigos


científicos publicados em periódicos internacionais são mais facil-
mente identificados e acessados por buscadores especializados. O
Google oferece uma excelente ferramenta para essa finalidade, que
é o Google Scholar. Uma dica importante é usar sempre a opção de
busca avançada, que permite uma pesquisa bem mais dirigida, por
meio de palavras-chave associadas a um autor específico, a um deter-
minado periódico ou a um intervalo de datas. Os resultados das bus-
cas são apresentados com os links, tanto para o endereço do periódico
quanto para, se disponível, o arquivo PDF com o artigo em questão.

Outras bases de dados organizados por periódicos científicos que são


de uso recorrente de pesquisadores acadêmicos são SciELO, PubMed,
Medline, Redalyc, Web of Science, Scopus, Science Direct, entre inúmeras

30 Novos caminhos para profissionais da educação


outras. Na prática, qualquer pesquisador com pretensão de alcançar
alguma relevância com seu trabalho precisa investir algum tempo para
se familiarizar com as bases de dados científicas, a fim de entender seu
mecanismo de funcionamento e as suas funções possibilitadas. Afinal,
uma das competências centrais de um pesquisador é a bibliometria,
isto é, a capacidade de quantificar e de qualificar as fontes escritas de
informação. Isso envolve identificar as tendências e o crescimento do
conhecimento em uma determinada área. Na prática, isso significa que,
quando um pesquisador precisa, por exemplo, encontrar informações
sobre o movimento sindical no início do século XX, o mecanismo
funcional das mitocôndrias ou a dinâmica do mercado de derivativos
financeiros, sua primeira aptidão é a de ter um senso de relevância,
ou seja, conseguir identificar quem são os respectivos autores mais
citados nesses temas e quais periódicos reproduzem seus artigos.
Por isso, um pesquisador acadêmico de alto nível (uma competência
que se adquire com alguns anos de prática) é capaz de estudar a Glossário
dispersão e as obsolescências dos campos científicos, medir o impacto
obsolescência: processo de
das publicações e dos seus serviços de disseminação da informação, tornar-se obsoleto, ultrapassado.
estimar a cobertura das revistas científicas e identificar os autores e
instituições mais produtivos, bem como as revistas do núcleo de cada
disciplina.

Naturalmente, outras fontes de informação podem ser conside-


radas pelo pesquisador, mas em um nível absolutamente secundá-
rio de importância e de prioridade em relação aos artigos científicos
(livros, revistas não científicas, jornais e canais de informação em
geral disponíveis na internet).

Uma fonte realmente formidável para se buscar conhecimento na


atualidade é o YouTube, que funciona como a maior plataforma on-line
de vídeos do mundo, com um volume de conteúdo disponível espantosa- 4
4
mente gigante, crescendo cada vez mais. Segundo dados de 2020 , mais Dados disponíveis em: www.
de 500 horas de vídeo são acrescentadas a cada minuto no YouTube, em youtube.com/yt/about/
press/ e www.statista.com/
uma base de mais de 2 bilhões de usuários, o que resulta em mais de
statistics/259477/hours-of-vi-
1 bilhão de horas de conteúdo vistas diariamente. deo-uploaded-to-youtube-e-
very-minute/. Acesso em: 21
É importante que os professores tenham o YouTube como um im-
fev. 2020.
portante aliado para suas pesquisas. Para isso, a estratégia é inscre-
ver-se nos canais de interesse. Esse registro faz com que a plataforma
notifique o usuário cada vez que novos vídeos sejam lançados naque-

Repensando a formação docente 31


les canais. Além disso, existe uma política de monetização: o YouTu-
Glossário be paga aos responsáveis pelos canais de maior audiência um valor
monetização: transformar originado dos anunciantes que fazem publicidade na plataforma. Por
algo em dinheiro; converter
isso, atualmente, existem os chamados youtubers, influenciadores digi-
lucro.
tais que se dedicam profissionalmente (muitos em tempo integral) para
manter seus canais com uma audiência fiel.

A maioria dos youtubers, evidentemente, por não serem campeões


de audiência, mantém outras ocupações profissionais que lhes servem
Saiba mais de principal fonte de renda. É interessante observar a grande quan-
Quando um determinado conteu- tidade de professores e pesquisadores que atuam, entre tantas ou-
dista posta seus vídeos no You-
tras atividades inerentes à profissão, como youtubers. Ao pesquisador
Tube, eles ficam agrupados em
uma estrutura que é conhecida autônomo, é altamente recomendável que crie seu respectivo canal,
como canal. Assim, os canais do principalmente para divulgar os resultados de seus trabalhos, já que
YouTube são as coleções de vídeos
a exposição na plataforma é gratuita. Além disso, é um trabalho que
que se encontram na plataforma.
Existem muitos canais dedicados potencializa as publicações científicas, visto que, enquanto os artigos
à filosofia, educação, ciência, em periódicos científicos alcançam uma audiência formada pela comu-
tecnologia e inovação.
nidade acadêmica, o uso do YouTube ajuda na divulgação para a socie-
dade em geral, fazendo com que o fruto daquele trabalho tenha maior
apelo com o público e maior relevância social, não se podendo ignorar,
ainda, essa estratégia como algo que também favorece pleitear finan-
ciamento (público ou privado) para futuras pesquisas.
Atividade 2 Aliás, a presença de conteúdo educacional no YouTube é tão for-
O que é o YouTube Edu? te que foi criado, em 2013, o YouTube Edu, fruto de uma parceria do
Google (proprietário do YouTube) com o Instituto Lemann. Com essa
iniciativa, o Brasil tornou-se o segundo país, depois dos EUA, a partici-
par do projeto que mantém um canal exclusivo de conteúdo educativo.
De início, foram selecionados 8 mil vídeos de professores brasileiros, já
reconhecidos na plataforma e com canal próprio e, assim, o YouTube
Edu foi dividido por áreas, como biologia, matemática, língua portu-
guesa, física e química, com foco principalmente no ensino médio e no
preparatório para o Enem (em janeiro de 2020, o YouTube Edu contava
com uma base de mais de 370 mil inscritos).

De toda forma, o YouTube é uma plataforma tão imensa que mais do


5 que concentrar conteúdos em canais especiais, como é o caso do Youtube

Tutoriais disponíveis em: creato- Edu, estimula-se que, de maneira descentralizada e independente, os pro-
racademy.youtube.com/page/ fessores conteudistas criem e invistam no crescimento de seus próprios
lesson/edu-channel-start?hl=- canais. Nesse sentido, a plataforma mantém tutoriais ensinando passo a
pt-BR. Acesso em: 21 fev. 2020.
passo a estruturar e gerenciar canais de conteúdo educativo 5 .

32 Novos caminhos para profissionais da educação


Dada sua qualidade, alguns conteúdos do YouTube são de conheci- Vídeo
mento praticamente obrigatório para os professores. No Brasil, é pre- O canal BláBláLogia reúne
ciso destacar o trabalho relevante mantido pelo ScienceVlogs Brasil: material de vários conteudistas
de excelente qualidade nas
de modo pioneiro no cenário de divulgação científica no país, alguns
áreas da educação e da ciência,
dos mais influentes canais brasileiros se reuniram a fim de criar um proporcionando um alcance
selo de qualidade para reconhecer o trabalho de conteudistas que di- muito maior, trazendo-lhes mais
visibilidade junto ao público e,
vulgam a ciência com seriedade. Afinal, em um meio em que a propa-
claro, contribuindo para que seus
gação de desinformação e a pseudociência são igualmente difundidas canais individuais ganhem mais
rapidamente, alimentadas ora por desonestidade ora por ignorância, visibilidade.
é importante que haja alguma forma de facilitar o acesso do público a Disponível em: https://www.
youtube.com/channel/UC3Ooj_
fontes críveis de conhecimento. iDWELBumIEDejyNHQ. Acesso
em: 14 fev. 2020
Em nível internacional, é preciso destacar a organização TED,
que possui uma enorme coletânea de vídeos com palestras curtas
(com duração máxima de 18 minutos) sobre diversos temas (ciên-
cias, negócios, problemas globais etc.). Esses vídeos estão disponí-
veis no respectivo canal do YouTube (que já conta com mais de 15
milhões de inscritos) e na sua plataforma própria de hospedagem
de vídeos da organização. Quanto à eventual barreira que o idioma
possa representar para parte dos professores, o YouTube conta
com um recurso de legendas para todos os seus vídeos: é possível
acionar a função para, por exemplo, acompanhar um vídeo narra-
do em inglês com legenda em inglês ou, até mesmo, com legenda
traduzida automaticamente para português (o que, às vezes, perde Glossário
um pouco de qualidade devido à acuracidade da inteligência arti- acuracidade: precisão e exati-
ficial empregada para essa tradução). Em suma, dado todo o con- dão de dados e informações.
junto de seus recursos e características, o YouTube é indispensável
para o professor do século XXI, tanto como consumidor quanto
como gerador de conteúdo na plataforma.

Finalmente, fruto da atual tecnologia digital, uma opção de pesquisa,


que nenhum professor pode deixar de conhecer e de experimentar, são
6
os passeios virtuais nos principais museus do mundo 6 . Instituições como
Seleção de passeios disponível
Louvre, Solomon Guggenheim, British Museum, Smithsonian, Vaticano,
em: mentalfloss.com/arti-
entre tantas outras, mantêm sites com riquíssimos conteúdos, oferecendo cle/75809/12-world-class-mu-
uma excursão praticamente similar a uma visita presencial e a custo zero. seums-you-can-visit-online.
Acesso em: 21 fev. 2020.
A dica é que vale muito a pena proceder a visita digital munido de óculos
de realidade virtual, o que potencializa magistralmente a experiência. Os
museus virtuais são um esplêndido exemplo do que a humanidade pode
alcançar, alinhando alta tecnologia com alta cultura.

Repensando a formação docente 33


2.3 O professor aluno
Por definição, todo professor também é aluno. Afinal, o conhe-
Vídeo
cimento não é estático e já predeterminado; se fosse, essa situação
poderia admitir que alguns só o fornecem e outros só o adquirem.
O conhecimento está em eterna expansão, como sugeriu Isaac Ne-
wton em sua célebre frase “O que sabemos é uma gota, o que igno-
ramos é um oceano”.

A perspectiva aqui analisada não é a da evidente condição formal


dos professores como estudantes efetivamente matriculados em
cursos de mestrado, doutorado ou qualquer curso complementar;
embora seja pertinente destacar que a experiência de sentar nova-
mente na carteira de aluno, independentemente do curso, faz com
que todo professor estudante imediatamente reflita sobre o quanto
dessa experiência pode ser considerado em suas próprias aulas mi-
nistradas. É inevitável: quando um aluno é, coincidentemente, tam-
bém um profissional docente, ele sempre fará essa reflexão visando
o seu autoaprimoramento.

Por outro lado, cabe uma ponderação sobre a máxima de que


“quem ensina aprende ao ensinar”, pois tal mantra pode beirar à falácia
se aceito e reproduzido cegamente sem a devida racionalização. Afinal,
se durante o exercício de seu ofício o professor também aprende, ele
aprende exatamente o quê? O próprio conteúdo que é ministrado?

Conforme muito bem delineado por Mishra e Koehler (2006), a com-


petência para o ensino de alto desempenho reside na qualidade da in-
tegração entre três distintos domínios do conhecimento: o pedagógico,
o tecnológico e o de conteúdo (que é a área de expertise do professor).
Assim, quando leciona, talvez o que o professor menos aprenda seja
aquilo que diz respeito ao conteúdo – isso dependente da natureza do
conhecimento em questão, ou seja, da disciplina ministrada. É claro
que “aprender lecionando”, no que diz respeito ao conhecimento do
“conteúdo”, faz muito mais sentido em história da arte ou fenomeno-
logia política do que em alfabetização elementar e matemática básica.

Quanto a aprender conteúdo enquanto o ministra, é inegável que


os entusiastas de uma nova forma de educação se sustentam, há déca-
das, na pirâmide da aprendizagem (ou cone da aprendizagem), seja na
versão de William Glasser, da National Training Laboratories, na de Ed-
gar Dale, ou na de qualquer outra das inúmeras que proliferam mundo
34 Novos caminhos para profissionais da educação
afora (NUNES; BESSA, 2017). A pirâmide de Glasser (1986) sustenta a
tese de que as pessoas aprendem do seguinte modo:

Figura 1
Pirâmide da aprendizagem de William Glasser

10 % quando leem

20 % quando ouvem

30 % quando veem

50 % quando veem e ouvem

70 % quando discutem com os outros

80 % quando fazem ou experimentam

90 %
quando ensinam

Fonte: Adaptada de Glasser, 1986.

Isso, por si só, parece mais do que suficiente para condenar todo o Glossário
modelo clássico de ensino ao devido ostracismo e instaurar a supremacia ostracismo: ato ou efeito de
da revolucionária didática do novo milênio, dispensando qualquer repelir; afastamento, repulsa.

necessidade de debater pormenores dessa mudança. É tão agradável


ficar sabendo de tais índices percentuais de retenção de conhecimento
ou aprendizado efetivo; é tão politicamente correto bradá-los nos cursos
de formação de educadores que um não tão mero detalhe passou
incólume ao longo das décadas: a pirâmide é falsa. Ao menos, no que
diz respeito aos valores percentuais expressos, conforme denuncia com
todo fundamento analítico Letrud (2012), pois não há fundamentação
empírica nesses números e a própria National Training Laboratories,

Repensando a formação docente 35


quando inquirida sobre as fontes que originaram a apresentação da
pirâmide, confessa não as ter, pois são muito antigas.

Convém esclarecer que isso não significa não admitir o valor de en-
sinar o que se aprende como alguma forma válida de aprendizado. É
preciso, porém, deixar as coisas no seu devido lugar. Desse modo, na
falta de um estudo científico sério, sem viés de confirmação, o que se
tem, por ora, é a sensação empírica de que tal prática do professor
aluno deva produzir algum efeito benéfico a quem ensina, no tocante
ao domínio do conhecimento. Ao mesmo tempo, sabendo que os má-
Glossário
gicos números da pirâmide são tão reais quanto a mágica per se, o real
per se: em si mesmo;
intrinsecamente. aprendizado oferecido dessa análise é a prudência de perceber que
talvez o clássico não seja tão ruim assim e, provavelmente, as novas
abordagens demandem mais aprofundamento científico para serem
devidamente incorporadas ao sistema educacional.
Atividade 3
Essas são as considerações em relação a aprender enquanto se en-
Qual é a crítica mais
sina, no quesito do conteúdo. Quanto a aprender nos quesitos pedagó-
séria que se faz à Pirâmide da
Aprendizagem? gico e tecnológico, o cenário é totalmente outro, pois torna-se evidente
que isso ocorre continuamente.

No tocante ao aspecto tecnológico, a constatação é bastante obje-


tiva: muitas vezes, o professor é de, pelo menos, uma geração anterior
aos alunos da sua turma de trabalho. Buckingham e Willett (2013) expli-
cam sobre as diferenças entre os nativos digitais e os imigrantes digitais,
afirmando que, em relação às novas tecnologias, é óbvio que, quanto
mais cedo haja seu manuseio, maior será o seu domínio. Dessa forma,
é bastante natural que, assim que uma novidade tecnológica seja lan-
çada no mercado, espera-se que o aluno, e não o professor, adentre o
ambiente escolar com aquele novo dispositivo e/ou serviço inovador.

Os alunos tendem a ser nativos em novas tecnologias; já os profes-


sores, imigrantes, têm de se adaptarem à medida que as novidades em
questão se mostrem úteis e relevantes para o processo de ensino e
aprendizagem. Pela interação direta que ocorre entre professor e alu-
no, principalmente no regime presencial de ensino, o professor usufrui
da conveniente vantagem de poder aprender com seus alunos a res-
peito das características, recursos e funcionalidades do que é trazido
para sala de aula. Por isso, nos tempos atuais, embora a disciplina seja
um valor inegociável no tocante ao bom comportamento em sala de
aula e esteja a cargo do professor manter a turma disciplinada, é espe-

36 Novos caminhos para profissionais da educação


cialmente conveniente que o docente seja receptivo ao uso de equipa-
mentos tecnológicos trazidos por seus alunos para a aula.

Afinal, principalmente nos níveis escolares mais básicos, como ensi-


no médio e graduação, quando o estudante traz espontaneamente seu
smartphone para a sala de aula, por exemplo, provavelmente o faz por
motivos não tão didáticos. Mas há opção, além da inflexível rigidez de
proibir (e até de apreender) o aparelho quando percebido em sala de
aula, pois eis ali um ponto de acesso à internet, que pode ser usufruído
para fins mais nobres, especialmente quando o conteúdo da aula ver-
sa sobre informações altamente dinâmicas, como o valor de mercado
de determinada empresa; nesse caso, por exemplo, a oportunidade de
consultar a informação em tempo real é bastante interessante. Assim,
um professor que esteja expondo, por exemplo, que o Facebook é uma
empresa que vale centenas de bilhões de dólares no mercado, pode afe-
rir esse número com a colaboração de seus alunos, pedindo a um deles
para checar pelo celular o valor exato naquela data específica em que se
realiza a aula – iniciativa que torna a atividade mais envolvente e dinâmi-
ca, impactando diretamente na motivação e na atenção da turma.

Ainda explorando um pouco mais esse mesmo exemplo, os alu-


nos podem perguntar onde exatamente na internet se busca essa
informação sobre valor de mercado de uma empresa. Surgirão
várias fontes e é uma oportunidade para que o próprio professor
aprenda (ou, ao menos, atualize-se), pois se ele incentivar que os
alunos busquem diferentes fontes de informação e as confrontem,
certamente, alguns dos resultados serão fontes que o professor até Glossário
então desconhecia, principalmente quando se trata de temas tão di-
Blockchain: sistema de registro
nâmicos e inovadores quanto discutir a “uberização” das empresas, de informações, por exemplo,
o potencial do blockchain na área de serviços de saúde ou, ainda, o para transações de moedas
virtuais.
people analytics como nova competência de gestores de RH. É im-
People analytics: uso de
portante orientar os alunos para sites confiáveis, como de universi- uma metodologia de análise
dades, de bibliotecas, do Ministério da Educação, e orientá-los para de dados que é aplicada para o
gerenciamento de pessoas.
evitar a Wikipédia e blogs, por exemplo.

Finalmente, aprender conhecimentos de natureza pedagógica


enquanto se dá aula é, certamente, o fato mais óbvio envolvendo
a formação docente; nesse quesito, experiência conta sobremanei-
ra. Por mais leitura, preparação e cursos que um candidato a professor
tenha, ele não se tornará um docente sênior senão pelo tempo de ativi-
dade na função. Isso, claro, vale para qualquer atividade humana, visto

Repensando a formação docente 37


que ninguém aprende a nadar, por exemplo, apenas lendo manuais e
tutoriais a respeito de natação; é preciso cair na água.

Nonaka e Takeuchi (1995), pesquisadores consagrados mundial-


mente na área de gestão do conhecimento, explicam que existe o
conhecimento explícito, facilmente documentável e quase que instanta-
neamente transmissível, e o conhecimento tácito, aquele know-how que
uma pessoa detém, forjado com o tempo dedicado à atividade, que é
impossível de traduzir em um manual ou em um procedimento, sendo
que a única maneira de o transmitir com alguma eficácia é pela existên-
cia de um aprendiz que se lance à imitação e à prática.

Desse modo, como reconhece Ball (2017), quanto mais tempo acu-
mulado de aulas dadas, maior a probabilidade de um professor se de-
parar com os mais distintos perfis comportamentais e cognitivos de
seus alunos, assim como maior se torna sua capacidade de improviso
ante a algumas situações inesperadas, com base em experiências an-
teriores similares. Por isso, um professor mais experiente é, na maioria
das vezes, sobretudo, um professor mais seguro, com maior enverga-
dura pedagógica para lidar bem com quase todo tipo de situação, algo
que os alunos, conscientemente ou não, percebem na prática e, por
isso, dão o devido reconhecimento.

Outro expediente usado com alguma frequência em instituições


de ensino é fazer com que a prática da docência se inicie com um
recém-formado auxiliando um professor titular. Assim, algumas dis-
ciplinas são conduzidas por dois professores: às vezes, ambos estão
presentes em sala de aula (ficando um deles até mesmo no papel ob-
jetivo de aluno junto à turma); em outras, eles se revezam, seguindo
uma programação voltada a dar ao professor em formação as condi-
ções mínimas para ele dirigir sozinho as futuras aulas em que atuar
como titular.
Atividade 4 Em suma, várias são as formas de se aprender enquanto se ensina,
O que, objetivamente, um pro- mas muito mais nos campos da didática e da tecnologia do que no con-
fessor pode aprender enquanto teúdo propriamente dito, embora nesse último também se admita um
ensina?
aprimoramento acessório ao longo da prática docente.

38 Novos caminhos para profissionais da educação


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A jornada que o docente precisa percorrer, visando se manter com-
petitivo no mercado de trabalho (e intelectualmente íntegro), passa, con-
cretamente, por alguns primeiros passos, verdadeiramente essenciais:
assumir a formação contínua como inerente à sua condição de professor,
ao papel de pesquisador autodidata e ao aprendizado que se conquista
pela prática do ensino. Se a ocupação de docente tem seus dilemas e
desafios de magnitude que poucas pessoas consideram suportáveis, é
verdade, também, que o momento atual que se vive traz, sobretudo pelo
desenvolvimento tecnológico, oportunidades ímpares para alcançar a
maestria na profissão a quem decida pagar o preço (não só monetário) da
busca pela excelência. Contudo, mesmo com pouca disponibilidade finan-
ceira, como visto ao longo deste capítulo, é plenamente possível estabele-
cer e seguir um plano de formação que transforme professores novatos
em profissionais seniores e, esses últimos, em líderes intelectuais aptos a
restaurar a tão necessária alta cultura na sociedade.

REFERÊNCIAS
BALL, S. J. The Education Debate. Bristol: Policy, 2017.
BUCKINGHAM, D.; WILLETT, R. Digital Generations: children, young people, and the new
media. Florence: Routledge, 2013.
GLASSER, W. Control Theory in the Classroom. New York: Harper & Row, 1986.
HEGEL, G. W. F. Phenomenology of Spirit. New Delhi: Motilal Banarsidass, 1998.
LETRUD, K. A rebuttal of NTL Institute’s learning pyramid. Education, v. 133, n. 1, p. 114-
124, jan. 2012. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/285798853_A_
rebuttal_of_NTL_Institute’s_learning_pyramid. Acesso em: 21 fev. 2020.
LOUZANO, P. et al. Quem quer ser professor? Atratividade, seleção e formação do docente
no Brasil. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 21, n. 47, p. 543-568, set./dez. 2010.
Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae/arquivos/1608/1608.pdf.
Acesso em: 21 fev. 2020.
MARTINS, W. História da inteligência brasileira. Ponta Grossa: UEPG, 2010.
MISHRA, P.; KOEHLER, M. J. Technological pedagogical content knowledge: a framework
for teacher knowledge. Teachers College Record, New York, v. 108, n. 6, p. 1017-1054, 2006.
Disponível em: http://one2oneheights.pbworks.com/f/MISHRA_PUNYA.pdf. Acesso em: 21
fev. 2020.
NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. The Knowledge-Creating Company: how Japanese companies
create the dynamics of innovation. New York: Oxford University, 1995.
NUNES, V.; BESSA, R. Metodologias ativas apoiadas por recursos digitais: usando os
aplicativos Prezi e Plickers. In: CHALLENGES, 10, 2017. Anais [...] Braga: Universidade do
Minho, 2017.

Repensando a formação docente 39


GABARITO
1. O professor deve considerar duas perspectivas de formação continuada, que não se
excluem mutuamente: o programa stricto sensu e as formações complementares. Essa
é a espinha dorsal do currículo pessoal do docente. O primeiro caso diz respeito ao
mestrado e ao doutorado; já o segundo, às infinitas capacitações, virtuais ou não, e
certificações agregadas.

2. YouTube Edu é um canal brasileiro específico do YouTube, subsidiado pela própria


plataforma de vídeos, que faz curadoria e promoção de conteúdo educacional gerado
por professores de diversas áreas do conhecimento.

3. Os números envolvidos não se originaram de base científica consistente; embora se


considere alguma admissibilidade à proposta hipotética da pirâmide, por ora ela é
apenas empírica.

4. A experiência acumulada no ensino vai aprimorando as competências de natureza


pedagógica, tecnológica e, em algum grau, de conteúdo. Esse é o aprendizado do pro-
fessor aluno.

40 Novos caminhos para profissionais da educação


3
Novas possibilidades
de atuação docente
As quatro frentes de trabalho do professor universitário são
o ensino, a pesquisa, a gestão e a extensão. Nessas categorias,
há infindáveis formas de atuação docente – sem dúvida, vive-se
atualmente a mais rica de todas as épocas para explorar diferentes
atividades que aproveitam as competências do professor, graças
ao desenvolvimento tecnológico e às inúmeras demandas da so-
ciedade. Muitas delas, aliás, podem ser simultâneas, potencializan-
do a produtividade e, claro, o ganho financeiro do professor. Para
isso, é necessária mais uma competência central: desenvolver o
tino estrategista, que é o que permite planejar inteligentemente
a carreira, empreender e desenvolver o próprio mercado, ou seja,
gerar demanda para seus serviços.

3.1 Planejando a carreira


Vídeo As ferramentas clássicas de planejamento estratégico empresarial
servem perfeitamente para a elaboração de um plano de carreira pro-
fissional (FERREIRA, 2008; NECK, MANZ, 2012). Se para os professores
que dominam o conteúdo da gestão empresarial isso parece bastante
evidente, cabe recuperar os preceitos fundamentais envolvidos para
que os docentes de outros ramos do conhecimento tenham a oportu-
nidade de concretizar seu plano de carreira, para uma jornada profis-
sional completa ao longo da vida. Isso é muito diferente de um plano
de carreira institucionalizado de determinada organização, como o da
instituição de ensino na qual o professor é funcionário, que serve ape-
nas para sua permanência naquela companhia.

Para Campos (2013), tanto em âmbito organizacional quanto pessoal,


planejar (formalmente) o futuro é um importante meio de atingir aquilo

Novas possibilidades de atuação docente 41


que se pretende. De outra forma, ocupar toda a energia do dia a dia ape-
nas em responder a demandas que vão aparecendo fortuitamente faz
com que o caminho de desenvolvimento seja errático – muitas empresas
e profissionais sem um norte para seguir, a médio e longo prazo, pare-
cem andar aleatoriamente quando se leva em conta a distância entre o
que sonham e o que de fato conquistam.

Uma definição bastante pragmática de estratégia é aquela que a


enuncia como a arte de selecionar e posicionar recursos de tal modo
que objetivos e metas possam ser atingidos (WHITTINGTON, 1996).
Portanto, é função do planejamento definir metas e métodos. Contudo,
no jargão do mundo da gestão, é comum que as pessoas confundam
os conceitos, até mesmo entre aqueles que se graduaram em Admi-
nistração; o que mais se encontra é quem misture completamente o
entendimento entre os termos objetivo, meta e método.

Objetivo e meta são a mesma coisa? Sim e não. Sim, no sentido


de que ambos representam a pretensão almejada, o resultado a ser
conquistado. Contudo, eis a importante diferença: objetivo é sempre
algo qualitativo; meta é sempre quantitativo. Segundo Campos (2013),
meta é valor, número. É importante frisar que mesmo a ambição mais
subjetiva pode ser expressa em números, afinal, uma data ou um pra-
zo para determinada realização é um número. Por exemplo, fazer um
mestrado em educação é um objetivo vazio se não for acompanhado
de uma meta que defina se é algo para os próximos dois, quatro ou dez
1 anos. Garantir um overall band score (nota geral) de, no mínimo, 7.0 no
1
O International English próximo exame IELTS ; fazer o curso de como realizar apresentações
Language Testing System (IELTS)
de alto nível até dezembro do próximo ano; realizar a capacitação no
é um teste que avalia as condi-
ções de uma pessoa de estudar e sistema Moodle de EaD em até dois anos são bons exemplos de que
estagiar mantendo comunicação objetivos e metas sempre coexistem – uma falha na especificação do
em língua inglesa. Por meio
dele, é verificada a capacidade quantitativo ou do qualitativo compromete o planejamento.
do indivíduo de ouvir, ler, escre- Portanto, eis o primeiro passo para a definição do plano de carrei-
ver, falar e compreender inglês
em um ambiente acadêmico ou ra docente: estabelecer concretamente seus objetivos e metas (NECK;
de treinamento. MANZ, 2012). Para isso, convém traçar um horizonte de planejamento,
isto é, o número de anos à frente que estarão sob estrito acompanha-
mento da evolução da carreira. Um horizonte de planejamento muito
curto, como seis meses ou um ano, é ineficaz para uma estratégia de
carreira, pois o risco de andar em círculos é muito grande. Por outro
lado, a pretensão de se exercer absoluto controle dos próximos 20 ou
30 anos é deveras fantasiosa, pois à medida que o futuro se alonga,

42 Novos caminhos para profissionais da educação


o imponderável predomina, minando a coerência de qualquer plano Glossário
(CAMPOS, 2013). Assim, é bastante típico (e recomendável) se fixar a imponderável: imprevisível.
um horizonte próximo, como cinco ou dez anos. Evidentemente, cada
ano que se vai percorrendo faz com que os próximos anos sempre
avancem progressivamente (plano 2020 a 2024 se atualiza no plano
2021 a 2025, depois 2022 a 2026, e assim por diante).

Para Campos (2013), todo planejamento estratégico começa com Glossário


uma questão provocadora para mexer nos brios: qual é o estado dese- brio: sentimento de
jado para a posição profissional daqui a cinco anos? Todo profissional amor-próprio; expressão de
honra, valor e dignidade.
tem seu próprio nível de ambição: uns podem almejar viver e lecionar
no exterior, outros podem querer talvez apenas uma progressão sala-
rial ou mais autoconfiança diante dos alunos. Mas o importante é que
a questão-chave já é suficientemente perturbadora para acabar com
qualquer zona de conforto em que o professor eventualmente esteja.

É essa visão de futuro que norteia o estabelecimento dos objetivos


e metas para o horizonte de planejamento. Por isso, faz todo sentido
que o seu desdobramento seja feito de trás para frente: se o horizonte
de planejamento é de cinco anos, inicia-se pelos grandes números al-
mejados para o ano cinco e as metas intermediárias vão sendo trazidas
até o ano um. Isso faz com que o plano tenda a ser mais visionário, pois
o contrário (expandir do ano um até o ano cinco) faz com que o plano
Glossário
seja mais conformista com a situação atual. Obviamente, o equilíbrio
entre o arrojo e o conservadorismo é uma competência que o plane- arrojo: comportamento de
quem age de maneira ousada.
jador só adquire com a prática, ou seja, só se aprende a fazer bons
planos ao planejar e acumular experiências, que servirão de subsídio
para os próximos ciclos.

Assim, é preciso ficar atento a algumas considerações relevantes so-


bre objetivos e metas:
•• O horizonte de planejamento pode fixar um mesmo objetivo, va-
riando apenas a meta ano a ano. Por exemplo, se o objetivo for
aumentar a popularidade entre os alunos, as metas podem ser:
mínimo de 80% de alunos satisfeitos em pesquisa de opinião so-
bre o professor para o ano 1; evoluindo para mínimo de 82%,
para o ano 2; mínimo de 84%, para o ano 3; mínimo de 86%, para
o ano 4; e mínimo de 88%, para o ano 5.
•• Uma quantidade muito pequena de objetivos torna o esforço de
planejamento muito superficial. Por exemplo, um objetivo úni-

Novas possibilidades de atuação docente 43


co de “tornar-se um professor melhor” precisa ser traduzido ou
desdobrado em pretensões mais objetivas. Por outro lado, uma
quantidade muito grande de objetivos, como dez, doze ou mais,
pulveriza os esforços estratégicos, comprometendo o foco no
atingimento daquela visão declarada de carreira. Por isso, prin-
cipalmente em um primeiro ciclo de planejamento de carreira,
um bom número de objetivos a se considerar é algo em torno de
quatro a seis.

Segundo Campos (2013), uma vez definidos os objetivos e metas


(o que conquistar), segue-se para a definição dos métodos (como con-
quistar). Isto é, as ações concretas e objetivas que precisam ser execu-
tadas para ser possível aproximar-se das metas definidas. Por assim
dizer, meta é a linha de chegada e método é o caminho que leva até ela.

Da mesma forma, há algumas considerações importantes sobre


métodos a serem observadas:
•• Apesar de o horizonte de planejamento enxergar os próximos
anos (cinco, dez etc.), a proposição de ações concretas deve se res-
tringir ao ano mais imediato – principalmente se tratando de um
primeiro ciclo de planejamento. Isso permite foco e assertividade
na definição das ações, bem como maior comprometimento com
sua realização, fazendo com que os números projetados para os
anos à frente sirvam de inspiração (sempre relembrando a meta
maior para o final daquele horizonte de planejamento).
•• Um mesmo par de objetivo e meta pode envolver mais de uma
ação para sua consecução. Por exemplo, se o plano é fazer um
curso fora do país daqui a dois anos, várias iniciativas, com
prazos distintos, precisam ser tomadas para que, uma vez
cumpridas em sua totalidade, tal ambição seja conquistada.
•• Os métodos devem incluir, sempre que possível, uma estimativa
de orçamento para a realização daquelas ações, afinal, investir na
carreira significa, na prática, despender dinheiro – e nada mais
frustrante do que ficar impossibilitado de realizar uma dada ação
em determinado momento porque, apesar de ter sido claramen-
te planejada, não se reservou recurso financeiro para isso.

A Figura 1 apresenta uma sugestão de estrutura de plano de car-


reira, que pode ser ajustada conforme as necessidades e caracterís-
ticas de cada profissional.

44 Novos caminhos para profissionais da educação


Figura 1
Modelo de plano de autogestão de carreira

Horizonte de planejamento
Plano de desenvolvimento profissional
2020 a 2024
Visão para 2024:

Meta
Objetivo
2020 2021 2022 2023 2024

(1)

(2)

(3)

(4)

Meta 2020 Ação Orçamento Prazo Status

(1)

(2)

(3)

(4)

Fonte: Elaborada pelo autor.

Em suma, um plano de autogestão de carreira, seja para a do-


cência ou para qualquer outra ocupação profissional, envolve uma
visão de futuro. Primeiramente, é necessário saber o que se quer e,
depois, traçar ações concretas que permitam alcançar esse estado
desejado (NECK; MANZ, 2012).

Visto que é recomendável se concentrar em poucos objetivos e me-


tas para o desenvolvimento da carreira, é importante ter um senso de
priorização para que se invista naquilo que realmente é estratégico.

Novas possibilidades de atuação docente 45


Atividade 1 Para isso, é necessário refletir a respeito de alguns aspectos que podem
Quais questionamentos o ser decisivos para a carreira docente, levando em consideração concretizar
docente deve fazer para ter uma
a visão de futuro:
visão de futuro em relação ao
seu plano de carreira? Reflita •• Como está o nível de domínio do inglês? Que outras línguas estrangei-
sobre eles, procurando aplicá-los
ras podem ser necessárias?
à sua vida.
•• Como está o nível de competência tecnológica? Quais novas tecnolo-
gias precisam ser monitoradas e aprendidas?
•• Como está o nível de competência didática? Como tem sido o desem-
penho pedagógico?
•• Como está o nível de competência da área de conhecimento especia-
lizado? Existem novidades no segmento que precisam ser mais bem
acompanhadas?
•• Como está o nível de produção científica? Quantos artigos próprios já
foram publicados?
•• Quão fácil ou difícil tem sido conquistar fontes públicas e priva-
das de financiamento para pesquisa? O que precisa ser melhorado
nesse aspecto?
•• Quais têm sido os empreendimentos próprios para que o sustento
financeiro não dependa exclusivamente de prestação de serviços (in-
dependentemente da forma de vínculo) a instituições de ensino?
•• Como está a rede de relacionamento para que mais oportunidades
sejam fomentadas, tanto como prestador de serviços para institui-
ções quanto para empreitadas próprias?

Cabe destacar que, visando responder adequadamente tais ques-


tionamentos, não se pode depender apenas de autoavaliação pelo ris-
co de trazer uma visão enviesada da realidade – a opinião alheia, nesse
caso, importa muito.

3.2 O professor empreendedor


Vídeo Poucos profissionais reúnem tanto potencial para o empreen-
dedorismo quanto os professores. Contudo, nesse mundo, não se
pode depender de convites ou incentivos externos. O docente pre-
cisa despertar em si esse ímpeto, o que, felizmente, é bastante fácil
quando se começa a delinear seu plano de autogestão de carreira,
pois ser visionário é uma característica de qualquer empreendedor
(NECK; MANZ, 2012; COLLINS; PORRAS, 2005).

46 Novos caminhos para profissionais da educação


Artigo

http://www.seer.ufu.br/index.php/revextensao/article/download/29687/pdf

No artigo A extensão universitária disseminando o empreendedorismo na educa-


ção básica: relato do projeto “Empreendedor por um dia”, dos autores Silvana
Martins et al., publicado na revista Em Extensão, em 2015, aponta-se em
que aspectos os professores empreendedores fazem a diferença nas salas
de aula do ensino básico, com evidências de que os alunos legitimam as
metodologias utilizadas por esses professores e consideram que, com eles,
ocorre efetiva aprendizagem.
Acesso em: 21 fev. 2020.

Para Jackson e Brown (1979), a possibilidade mais óbvia de desen-


volver os próprios negócios é a consultoria especializada – vender
conhecimento –, afinal, a mesma expertise que faz um professor ser
referência para seus alunos é bastante apreciada pelo mercado em ge-
ral, seja de clientes corporativos ou pessoas físicas. Por exemplo, um
professor de finanças ou marketing pode desenvolver clientes corpo-
rativos em empresas de qualquer ramo e porte; professores de língua
portuguesa e matemática, embora sem tanto espaço nas corporações
industriais, podem vender o serviço de aula particular.

Pensar na concorrência nesse tipo de serviço pode ser desani-


mador, assim, a saída costuma ser a inovação, pois iniciativas cria-
tivas podem ajudar a atrair clientes (KIM; MAUBORGE, 2014). Os 2
2
chamados mercados de nicho se revelam como oportunidades for-
Nichos de mercado são seg-
midáveis; por exemplo: finanças para cooperativas ou food trucks, mentos de mercado (grupos de
marketing para empresas de impressão 3D ou casas de câmbio, au- consumidores com necessidades
específicas) pouco explorados
las de reforço escolar para crianças com necessidades cognitivas
que representam vantagem
especiais, entre tantos outros. competitiva, pois poucas
empresas focam neles.
Na prática, algo que inibe os professores de fornecerem mais
serviços especializados às empresas é o fato de que muitas delas,
pela estrita observância das boas práticas fiscais e contábeis, só
podem contratar fornecedores legalizados como pessoa jurídica,
ou seja, que emitem nota fiscal. E muitos docentes têm a falsa im-
pressão de que abrir uma empresa (ter seu próprio CNPJ) é algo
demasiadamente caro, que pode ficar inviável se o nível de forneci-
mento de serviço ao mercado for muito baixo ou ocasional.

Contudo, na atualidade, é válido para o professor formalizar seu ne-


gócio para poder aproveitar as demandas corporativas. Para Silva et al.
(2016), a maior conveniência oferecida no Brasil é o regime conhecido

Novas possibilidades de atuação docente 47


Saiba mais como microempreendedor individual (MEI). Essa é uma forma para que
O custo para manter uma pessoa um profissional da educação abra sua empresa com o mínimo de buro-
jurídica MEI, que se aproveita cracia e com custos de manutenção mínimos.
do regime tributário do Simples
Nacional, na modalidade de Para se tornar uma pessoa jurídica MEI e conquistar sua cidadania
serviços oferecidos por um pro- empresarial, basta preencher um formulário eletrônico no Portal MEI.
fessor, é bastante atrativo. Ainda
há a vantagem de contribuir A concessão do CNPJ é instantânea. O quesito essencial é que o CPF do
com o INSS, o que assegura os professor não esteja relacionado à sociedade de qualquer outra em-
direitos previdenciários asso-
presa registrada na Receita Federal.
ciados. Também existem outros
regimes de enquadramento O portal não está configurado para um atendimento personalizado
das empresas, que não são pelo
MEI e pelo Simples Nacional,
ao perfil de professores, uma vez que o MEI abarca inúmeras catego-
para os quais a carga tributária rias profissionais. Por isso, as dicas a seguir são especialmente úteis
proporcional é muito maior. para que um professor formalize seu empreendimento corretamente:
•• Não há liberdade para definir a razão social: no MEI, ela sempre
será imposta pelo sistema com uma formação dada pelo nome
completo do empreendedor mais seu CPF. A liberdade que se
tem é a de registrar o nome fantasia, que pode ser trabalhado
posteriormente como uma marca comercial.
Site •• Será necessário declarar o capital social da empresa. No caso do
No Portal do Empreendedor-MEI, professor, o que pode ser considerado, na prática, é o valor equi-
concentram-se todas as infor- valente ao patrimônio utilizado diretamente em suas atividades
mações e funções relacionadas à
modalidade MEI, de tal forma a profissionais. Assim, pode ser registrado, por exemplo, R$ 5 mil, a
facilitar a abertura e manutenção título de um notebook e um smartphone, não havendo necessida-
de microempreendimento pelo de de comprovação com notas fiscais.
professor.
Disponível em: http://www. •• É preciso indicar quais são as atividades da empresa, a partir de
portaldoempreendedor.gov.br. uma lista bastante ampla de alternativas, selecionando uma única
Acesso em: 21 fev. 2020. atividade como a principal e as demais deixadas como secundá-
rias. Convém estimar em qual atividade haverá, provavelmente, a
maior parte do faturamento para, então, indicá-la como principal.
Na prática, há de se considerar que boa parte das instituições
de ensino brasileiras, quando contratam serviços de professores
por pessoa jurídica, requisitam que o faturamento seja feito pela
atividade 85.99-6/99, descrita como atividades de ensino não espe-
cificadas anteriormente. Além disso, para o professor que preten-
de aproveitar ao máximo as possibilidades empreendedoras em
ensino, pesquisa, gestão e extensão, as opções apresentadas no
Quadro 1 devem ser priorizadas.

48 Novos caminhos para profissionais da educação


Quadro 1
Atividades para registro do professor no MEI

85.99-6/03 Treinamento em informática

85.99-6/04 Treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial

Atividades de pós-produção cinematográfica, de vídeos e de pro-


59.12-0/99 gramas de televisão não especificadas anteriormente
Preparação de documentos e serviços especializados de apoio
82.19-9/99 administrativo não especificados anteriormente
Outras atividades de prestação de serviços de informação não
63.99-2/00 especificadas anteriormente

82.11-3/00 Serviços combinados de escritório e apoio administrativo

58.19-1/00 Edição de cadastros, listas e de outros produtos gráficos

85.93-7/00 Ensino de idiomas

85.99-6/99 Outras atividades de ensino não especificadas anteriormente

Fonte: Adaptado de CNAE, 2020.

Nas principais cidades brasileiras, a emissão da nota fiscal ele-


trônica se dá por portais on-line específicos do município de sede
da empresa (normalmente, o próprio endereço residencial do pro-
fessor). O uso desse sistema já está incluso no recolhimento men-
sal fixo de ISS (imposto municipal).

É comum que os profissionais que desconhecem os benefícios


do MEI recebam por seus trabalhos autônomos, como professo-
res e/ou consultores, pela modalidade de Recibo para Autônomo
(RPA), que é a saída encontrada pelas empresas (instituições de en-
sino, editoras ou de qualquer outro ramo) para poder pagar dire-
tamente a pessoas físicas. No entanto, entre todas as alternativas,
o professor precisa estar ciente de que essa é a pior, pois implica
uma tributação da ordem de 20% a 30% do rendimento bruto. Além
Importante
disso, como já vem descontado na fonte, muitos professores se-
quer têm consciência de que o preço negociado por um serviço já Caso esteja trabalhando com
carteira assinada e seja demitido,
levou em consideração, pelo seu contratante, essa diferença, que o trabalhador que tenha optado
poderia ser muito bem incorporada, mesmo que parcialmente, no pelo MEI não terá direito ao
valor de recebimento pelo prestador de serviço MEI. seguro-desemprego.

Novas possibilidades de atuação docente 49


Em suma, o bom planejamento tributário do professor é um dos
primeiros passos para viabilizar financeiramente suas iniciativas em-
preendedoras. Na prática, o professor deve sempre explorar com o
contratante de seus serviços a possibilidade de receber por nota fiscal,
pois não pode esperar que o cliente tome a iniciativa nesse sentido.

O ramo de consultoria, principalmente quando devidamente for-


malizado como pessoa jurídica, abre um campo gigantesco de oportu-
nidades no mercado corporativo. Em especial, os professores precisam
ficar conscientes de que, já com um simples MEI, podem atender inclu-
sive o poder público, participando dos respectivos editais e licitações
(SILVA et al., 2016). Por exemplo, o cadastro corporativo de fornecedores
de bens e serviços da Petrobras precisa estar no radar de oportunidades
3 de negócio de todo professor/consultor que formalizou sua empresa – e
3
Página disponível em: https:// pouquíssimos o fazem. São centenas de itens de serviço para os quais
www.petronect.com.br/sap/bc/ a empresa pública precisa manter fornecedores cadastrados e homo-
webdynpro/sap/ypcad_lista_
fam_serv?sap-language=P#.
logados para poder abrir à participação nos processos licitatórios. Há,
Acesso em: 21 fev. 2020. inclusive, dispositivos legais que são aplicados para que uma licitação
envolvendo empresas de diferentes portes favoreça o MEI, ou seja, uma
empresa de grande porte pode perder a disputa para um MEI, mesmo
oferecendo um preço menor.

Outra possibilidade é ajudar as empresas a estruturarem suas uni-


versidades corporativas, que é um campo de atuação da pedagogia
empresarial. A iniciativa visa criar e manter uma estrutura dedicada
para treinamento e capacitação interna nas organizações – não é uma
universidade no sentido estrito do termo. Normalmente, isso ocorre
com empresas de médio e grande porte, que costumam exigir de no-
vos funcionários um conjunto de conhecimentos específicos de seus
sistemas internos, como ocorre, por exemplo, no ambiente da indús-
tria automotiva e da indústria de telecomunicações, em que dificilmen-
te um candidato do mercado de trabalho já está pronto para assumir
uma posição que exige domínio de técnicas e de sistemas que só exis-
tem naquelas empresas (NEVES; BORBA; LOCATELLI, 2017).

Outras iniciativas empreendedoras paralelas, além de complemen-


tar o rendimento financeiro do profissional, podem favorecer o desen-
volvimento de mercado para as atividades responsáveis pela renda
principal. Por exemplo: ser um youtuber. Hoje em dia, não há razão que
justifique um professor de alto nível, ou que vise sê-lo, não dispor de seu

50 Novos caminhos para profissionais da educação


próprio canal na plataforma mundial de vídeos (SEMICH; COPPER, 2017).
A monetização não deve ser a principal motivação nessa empreitada,
afinal, apenas canais com grande audiência conseguem um montante
financeiro em tal nível que justifique cogitar dedicação exclusiva à ati-
vidade. Além disso, nem todos os professores no YouTube conseguem
fazer parte da iniciativa YouTube Edu, embora todos devessem consi-
derar seriamente se candidatar a isso. Como estratégia, o importante
na rede é produzir vídeos não muito curtos, com relativa frequência de
novas postagens e com qualidade – felizmente, as tecnologias dispo-
níveis hoje permitem a qualquer pessoa aprender rapidamente a usar
recursos poderosos e gratuitos para essa finalidade.

Para sua distinção no mercado, e também como um legado à so-


ciedade, todo professor deveria considerar a possibilidade de escrever
livros. Essa empreitada pode ser conduzida por duas possibilidades:
procurar constantemente as editoras para verificar quais são os proje-
tos de interesse delas (eventualmente, o perfil do professor pode ser
exatamente o que se busca no mercado) ou contatá-las para oferecer
os projetos de livro que tenha em mente (muitas vezes, embora não
seja um projeto já considerado pela editora, a oportunidade pode ser
desenvolvida ao se comprovar que um tema é inédito ou precisa ser
atualizado para determinado público-alvo). A própria produção cientí-
fica do professor, na forma de seus artigos, dissertações e teses, pode
servir de base para a redação de livros – um trabalho que envolve a
adaptação da linguagem científica para uma linguagem mais popular
(embora ainda com abordagem educacional).

A perspectiva financeira não deve ser a principal motivação do do-


cente para esse tipo de empreendimento. Como modelo de negócio,
normalmente, as editoras compram os direitos autorais por um valor
não tão expressivo. Contudo, dispor em seu currículo de livros lança-
dos é uma estratégia que precisa ser considerada (e o sucesso em um
primeiro título sempre favorece demandas subsequentes). Tal marca,
de ser um professor autor de livros, é bastante explorada em processos
seletivos em instituições de ensino (inclusive em concursos públicos) e
até mesmo para potencializar as palestras que o docente pode realizar.

Vender cursos na internet é outra possibilidade empreendedora


interessante para os docentes. É verdade que é um tanto quan-
to difícil conseguir fazê-lo diretamente em grandes plataformas

Novas possibilidades de atuação docente 51


Mooc, pois estas já possuem estreito relacionamento com uma sé-
rie de universidades ao redor do mundo que lhes servem de con-
teudistas. Porém, o atual estágio da tecnologia digital permite que
qualquer pessoa disponha de sua própria plataforma de cursos,
que pode ser comprada/assinada por um preço bastante acessível.
É o caso das plataformas de lojas virtuais que são comercializadas
por grandes provedores de internet, por preços tão baixos como
R$ 25 por mês (embora as estruturas mais profissionais costumem
custar cerca de dez vezes mais) e das lojas virtuais “grátis” (o preço,
na verdade, é submeter-se a ter anúncios comerciais de terceiros
divulgados no portal) (SARTORI, 2019). Atualmente, não faz sentido
que um professor se disponha a programar sua própria platafor-
ma (ou contratar um programador para isso); sua energia deve ser
concentrada no conteúdo a desenvolver e oferecer, enquanto a pla-
Saiba mais taforma já pronta é oferecida de modo muito acessível no mercado.

O Programa de Formação de Muitas vezes, as empreitadas lideradas pelo professor se dão por
Recursos Humanos em Áreas uma triangulação entre professor, empresa parceira e fontes alter-
Estratégicas (RHAE) se trata de
nativas de financiamento (públicas ou privadas). Por exemplo, cabe
uma forma de inserir mestres e
doutores em empresas privadas, monitorar editais públicos não tão bem divulgados, como o caso do
com remuneração paga 100% Programa RHAE (Recursos Humanos em Áreas Estratégicas), mantido
com recurso público, desde que
as atividades envolvam pesquisa pelo CNPq. Já no aspecto de financiamento privado, o crowdfunding
científica e tecnológica. (financiamento coletivo junto à sociedade civil) pode ser o fator de-
Disponível em: cnpq.br/ cisivo para viabilizar projetos propostos por professores a empresas
apresentacao-rhae. Acesso em:
e, nesse sentido, vale a pena avaliar desde os tradicionais sites de
21 fev. 2020
natureza generalista (como os consagrados Kickstarter, Catarse e
Vakinha) até os que mais recentemente têm surgido, especificamen-
4 te para fins de financiamento científico (como é o caso do SciFund
4
Plataformas disponíveis em: Challenge e RedEmprendia) .
https://scifundchallenge.org e
https://www.lanzanos.com/ Na administração de seu portfólio de empreendimentos, o profes-
redemprendia. Acesso em: 21 sor também precisa considerar a estratégia freemium (a junção do free,
fev. 2020.
gratuito, e do premium, pago). Isso consiste em ofertar alguns servi-
ços sem custo que sirvam de propaganda para outros que são pagos
(HSU; TSAI, 2017), como uma palestra gratuita sobre um tema especí-
fico de um livro recém-lançado que pode promover as vendas desse
livro; um vídeo no YouTube explicando determinado conceito que pode

52 Novos caminhos para profissionais da educação


favorecer a divulgação de cursos comercializados em alguma platafor- Atividade 2
ma específica; e assim por diante. Como se dá a estratégia
freemium para professores?
Ainda há de se considerar que nem todo empreendimento promo-
Reflita sobre como aplicar essa
vido por um docente é motivado por lucro financeiro e/ou status acadê- estratégia para valorizar seus
mico, e seu conhecimento pode ser aproveitado para projetos sociais. empreendimentos.
Assim, é uma opção também que o professor abra sua própria orga-
nização não governamental (ONG) ou Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público (Oscip), uma pessoa jurídica sem fins lucrativos no
terceiro setor. É importante esclarecer que esse tipo de iniciativa não ne-
cessariamente precisa trabalhar apenas com voluntariado; profissionais
podem ser normalmente contratados e pagos, de modo assalariado,
nessas instituições.

Evidentemente, essas organizações trabalham com dinheiro (seja


por doações ou por clientes que pagam por produtos e/ou servi-
ços) e precisam ter, sim, lucro nas operações (excedente de caixa).
A distinção é que não existe o ato de distribuição de lucro como
dividendo a acionistas; todo o lucro é reinvestido na manutenção
Glossário
da organização. Logo, terceiro setor não significa, necessariamente,
filantropia. Principalmente no caso de organizações estruturadas filantropia: caridade.
por docentes, é comum que algumas sejam prestadores de serviços
técnicos especializados e muitas se aproveitam de vantagens legais
para vender serviços a empresas públicas, inclusive com contratos
sem licitação, algo que é justificado e legalizado (SZAZI, 2006).

3.3 Marketing pessoal e network


Vídeo
A máxima do marketing de que quem não é visto não é lembrado,
é algo que nenhum docente deve ignorar. Afinal, o professor deve en-
tender que seu nome é sua marca e, como tal, precisa ser trabalhada
com eficientes táticas de branding – o conjunto de atividades que se
destinam exclusivamente à gestão de uma marca (TEMPLE, 2006).

Um dos principais aspectos envolvidos é a exposição pública, que pre-


cisa ser realizada de maneira simpática, constante e com alta qualidade.

Novas possibilidades de atuação docente 53


Saiba mais As redes sociais digitais favorecem sobremaneira essa tarefa. O que
Um blog é um tipo de site elas promovem é um salto em termos de exposição e interatividade se
com atualizações constantes.
comparadas aos blogs pessoais clássicos, possíveis de serem criados
Geralmente, sua organização é
cronológica inversa e seu tema com ferramentas como Wordpress e Webnode. O que acabou ocorren-
é definido pelo organizador do foi uma natural integração das principais redes sociais, tais como
e mantido por todo seu
Facebook, YouTube, Twitter, LinkedIn e Instagram, às páginas dos
conteúdo. Um blog pode ter suas
postagens escritas por mais de blogs. Grande parte da audiência acompanha as novidades dos blogs
uma pessoa. não pelo acesso direto à sua página, mas por links reproduzidos nas
redes sociais. A propósito, o YouTube é o que se costuma denominar
de vlog (abreviação de videoblog), ou seja, um tipo de blog em que os
conteúdos predominantes são os vídeos.

Muitos docentes, na verdade, abdicam de ter uma página de blog


como conteúdo central, dedicando-se a manter as próprias páginas nas
redes sociais como principais canais de divulgação de suas postagens.
Há quem adote uma política de separar as coisas, usando Facebook para
postagens pessoais e LinkedIn para as profissionais; outros reproduzem
5 conteúdo técnico em todas as suas mídias sociais. Como a quantidade
Plataforma disponível em: de redes sociais é grande e ficar manualmente gerenciando as publica-
hootsuite.com/pt/. Acesso em:
21 fev. 2020. ções de uma em uma demanda muito tempo, os professores podem
5
considerar soluções interessantes do mercado, como o Hootsuite e
rvlsoft/Shutterstock
similares, sistemas capazes de reproduzir automaticamente uma única
postagem em todas as redes sociais, deixando o trabalho de marke-
ting do professor muito mais produtivo.

Fora do ambiente digital, algumas iniciativas simples


são altamente eficientes para manter uma boa imagem do
professor perante seu mercado de atuação (sejam clientes
atuais ou potenciais). Visitas de cortesia e lembranças em datas
comemorativas (como aniversário e Natal) são algumas dessas
medidas. Fundamentalmente, boa parte das práticas de marketing
pessoal é amparada no network do profissional, ou seja, na rede
de relacionamentos profissionais que ele mantém. Esse círculo de
contatos corresponde a um ativo importante e precisa ser de-
vidamente gerenciado para que cresça em quantidade e
qualidade – o resultado natural é uma maior demanda de
trabalhos para o professor, pois muitas decisões corpo-

54 Novos caminhos para profissionais da educação


rativas no tocante à seleção de professores prezam pelo relaciona-
mento estabelecido. É uma questão óbvia, inerente à credibilidade:
antes de buscar desconhecidos, melhor confiar trabalho a quem já
se conhece (BARREIRA, 2010).
Glossário
Além do mais, não se pode deixar o aluno de fora do escopo de rela-
escopo: espaço ou oportunida-
cionamento profissional. Embora popularidade não seja um quesito de para uma atividade.
essencial para um professor se manter no cargo, evidentemente
isso favorece a decisão por sua manutenção pelas instituições de
ensino. Ser firme quanto à disciplina em sala de aula ao mesmo
tempo que se nutre empatia junto à turma de estudantes é uma
virtude apreciável no docente (ATAMIAN; GANGULI, 1993).

Barreira (2010) e Berg (2014) concordam que relacionamento é Atividade 3

a aptidão que faz decolar a profissão, embora muitos profissionais Quais as principais ações de
branding (gestão da marca) do
ignorem isso. Berg relata que o Instituto Dale Carnegie, dos Esta-
professor?
dos Unidos, efetuou uma pesquisa com 10 mil pessoas, chegando
a um resultado surpreendente: apenas 15% do sucesso das pes-
soas estava relacionado à competência técnica e à habilidade no
trabalho; os outros 85% eram fundamentados na personalidade e,
sobretudo, na habilidade de saber se relacionar com pessoas. Exis-
tem vários outros estudos feitos nos Estados Unidos e em outras
partes do mundo que confirmam esses índices.

Mesmo de maneira empírica, é possível constatar o fenômeno: as


pessoas bem-sucedidas conhecidas não são superdotadas ou muito
mais inteligentes do que os outros. Uma análise atenta mostra que a
maioria delas, acima mesmo de suas competências profissionais, sabe
se relacionar com os demais, dialogar e ser convincente no trato com as
pessoas. Ao mesmo tempo, uma das grandes dificuldades que os profis-
sionais apresentam são problemas nas relações humanas, e eles pare-
cem ainda não perceber que muitos dos seus fracassos surgem por não
saberem se relacionar apropriadamente com os outros.

Berg (2014) propõe um instrumento de autodiagnóstico dessa


competência de relacionamento social na forma de um questioná-
rio (Quadro 2). Para respondê-lo, é importante ter em conta como

Novas possibilidades de atuação docente 55


se age normalmente, e não como gostaria ou deveria ser em uma
visão idealizada.

Quadro 2
Autodiagnóstico da capacidade de relacionamento social

Legenda: S = sim, N = não, AV = às vezes


1. Sou uma pessoa fácil de me relacionar com os outros. S N AV

2. Eu genuinamente me interesso pelas pessoas e pelos seus problemas. S N AV

3. É comum eu ver defeitos no meu chefe e nos meus colegas de trabalho. S N AV

4. Escuto atentamente quando as pessoas falam comigo e demonstro isso. S N AV

5. Tenho facilidade de conversar e trocar ideias com as pessoas. S N AV


6. Trato sempre de ver algo de bom nas pessoas, mesmo que não goste
S N AV
de alguém.
7. Dou sempre a outras pessoas o crédito pelo trabalho que elas fizeram. S N AV

8. Tenho o hábito de elogiar as pessoas por algo de bom que fizeram. S N AV

9. Piso no amor-próprio da outra pessoa. S N AV

10. Invariavelmente trato os outros do jeito que quero ser tratado. S N AV

11. Trato as pessoas com educação e gentileza. S N AV

12. Mantenho a calma mesmo que alguém seja grosseiro comigo. S N AV

13. Mesmo que eu discorde de alguém, respeito o seu ponto de vista. S N AV

14. Digo o que penso de uma pessoa mesmo que isso possa ofendê-la. S N AV

15. Sou colaborativo e habitualmente ajudo meus colegas no trabalho. S N AV

16. As pessoas costumam me procurar quando estão em dificuldades. S N AV

17. Sou impaciente com as pessoas. S N AV


18. Contribuo ativamente para a tranquilidade e harmonia da equipe de
S N AV
trabalho.
19. Detesto boatos e fofocas e não as espalho. S N AV

20. Mantenho sempre a conversação em um clima positivo. S N AV

21. Guardo mágoas por ofensas que recebi. S N AV

22. Sou impulsivo e digo coisas das quais me arrependo. S N AV


23. Se eu tiver que criticar ou chamar a atenção de alguém no trabalho,
S N AV
faço-o com respeito e educadamente, sem ofender ou humilhar.
24. Sou, normalmente, bem-humorado. S N AV

25. Aceito críticas sem me ofender. S N AV

Fonte: Adaptado de Berg, 2014, p. 18.

56 Novos caminhos para profissionais da educação


Berg instrui a fazer a contagem de pontos e interpretar seu resulta-
do com base nestes critérios: marcar um ponto para cada resposta sim
dadas às afirmações 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 23,
24, 25; marcar um ponto para cada resposta não dada às afirmações 3,
9, 14, 17, 21, 22; e marcar meio ponto para cada resposta às vezes.

Somando-se os pontos, o diagnóstico é:


•• De 21 a 25 pontos: ótimo – o profissional domina os princípios e
técnicas das relações humanas e sabe como utilizá-los positiva-
mente; demonstra interesse e respeito pelas pessoas.
•• De 17 a 20,5 pontos: bom – o profissional conhece os fundamentos
que norteiam o bom relacionamento, dá valor a isso e o demonstra
pelo seu comportamento; mas pode melhorar em alguns pontos.
•• De 13 a 16,5 pontos: razoável – o profissional apresenta alguns pon-
tos em que vai bem e outros em que não vai muito bem. Isso pode
implicar algumas dificuldades de relacionamento.
•• Abaixo de 13 pontos: insuficiente – é preciso melhorar a habilidade
de relacionamento interpessoal. Provavelmente, o profissional não
se interessa ou não dá muita abertura para interagir com pessoas.

O profissional que se dispõe a ser realmente bem-sucedido nas rela-


ções humanas precisa aprender a ganhar o coração das pessoas, mais do
que suas mentes. Afinal, é preciso reconhecer que o sucesso e a prosperi-
dade de uma pessoa depende, em grande parte, de outros indivíduos. Isso
é válido tanto para viabilizar novas empreitadas quanto para manter os
trabalhos atuais, sendo essencial, portanto, para a efetiva progressão na
carreira docente planejada.

Berg (2014) ainda sintetiza dois pontos fundamentais das relações hu-
manas. Um deles é que, no convívio com pessoas, todos querem alguma
coisa uns dos outros. O chefe quer lealdade e produtividade dos subordi-
nados, e os subordinados querem reconhecimento e segurança na empre-
sa; os pais querem que os filhos obedeçam, e os filhos querem que os pais
os amem e protejam; os casais querem afeto e amor mútuo; o vendedor
quer que os clientes comprem, e os clientes desejam satisfação com a com-
pra; e assim por diante. De tal modo, não é difícil constatar que ter sucesso
nas relações humanas significa dar ao outro algo que ele deseja em troca
do que é desejado para si; isso é uma visão lúcida e inteligente que expres-
sa a essência da arte de saber conviver e aprender com as pessoas.

Novas possibilidades de atuação docente 57


Outro ponto fundamental das relações humanas é que todos possuem
em abundância várias coisas que as outras pessoas precisam ou gostariam
de ter. Assim, ao se proporcionar a elas essas coisas, a reciprocidade será
natural. Portanto, cabe ao docente se aperfeiçoar e se aprimorar, pessoal
e profissionalmente, para que tenha muito a contribuir com as outras pes-
soas. Uma pessoa próspera tem maior possibilidade de beneficiar os ou-
tros do que um indivíduo fracassado; da mesma forma, uma pessoa feliz
tem muito mais chances de disseminar felicidade do que um indivíduo in-
feliz – eis aí uma justa visão de futuro para um professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se terceiriza a gestão de uma carreira. Se alguns educadores tal-
vez pensem que, por se dedicarem a uma área especializada de conhe-
cimento, não são as pessoas certas para planejar e executar os passos
de desenvolvimento de sua própria jornada profissional, isso precisa ser
corrigido de imediato. Professores que investem em sua capacitação na
área de conhecimento especializado, bem como em prática pedagógica e
domínio de novas tecnologias, possuem todas as possibilidades de cons-
truir ativamente seu próprio futuro, o que envolve também dirigir seus
empreendimentos e desenvolver os próprios mercados em que prestarão
seus serviços educacionais, científicos e tecnológicos.

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58 Novos caminhos para profissionais da educação


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GABARITO
1. Algumas questões são bastante relevantes para se responder: como está o nível de
domínio do inglês? Que outras línguas estrangeiras podem ser necessárias? Como
está o nível de competência tecnológica? Quais novas tecnologias precisam ser moni-
toradas e aprendidas? Como está o nível de competência didática? Como tem sido o
desempenho pedagógico? Como está o nível de competência da área de conhecimen-
to especializado? Existem novidades no segmento que precisam ser melhor acompa-
nhadas? Como está o nível de produção científica?

2. Essa estratégia consiste em ofertar alguns serviços sem custo, que sirvam de propa-
ganda para outros que são pagos. Por exemplo: uma palestra gratuita sobre um tema
específico de um livro recém-lançado pode promover as vendas desse livro; um vídeo
no YouTube explicando determinado conceito pode favorecer a divulgação de cursos
comercializados em alguma plataforma específica; e assim por diante.

3. Um dos principais aspectos envolvidos é a exposição pública, que precisa ser reali-
zada de maneira simpática, constante e com alta qualidade. As redes sociais digitais
favorecem sobremaneira essa tarefa. Fora do ambiente digital, algumas iniciativas
simples são altamente eficientes para manter uma boa imagem do professor perante
seu mercado de atuação (sejam clientes atuais ou potenciais). Além do mais, não se
pode deixar o aluno de fora do escopo de relacionamento profissional. Embora po-
pularidade não seja um quesito essencial para um professor se manter no cargo, isso
favorece a decisão por sua manutenção por parte das instituições de ensino. Ser tão
firme quanto à disciplina em sala de aula ao mesmo tempo que se nutre uma empatia
junto à turma de estudantes é uma virtude apreciável no docente.

Novas possibilidades de atuação docente 59


4
A contribuição das TIC
para a educação
A expressão tecnologias de informação e comunicação (TIC) é bas-
tante abrangente, de maneira proporcional ao amplo significado
da palavra tecnologia, a qual é o conjunto de conhecimentos apli-
cados à resolução prática de algum dado problema ou demanda
da sociedade. Assim, no que se refere à perspectiva da informação
e da comunicação, se óculos de realidade virtual são TIC, os tradi-
cionais livros e cadernos, nada informatizados, também são. Este
capítulo ocupa-se em examinar o papel das TIC no aprimoramento
da comunicação entre professor e estudantes, com a devida ênfa-
se que os atuais processos e recursos digitalizados naturalmente
merecem no campo da educação.

4.1 A nova comunicação professor-aluno


Vídeo As novas TIC, caracterizadas por seu formato digital, revelam-se
ferramentas com múltiplas capacidades e utilidades para o processo
de ensino e aprendizagem. A atual disponibilidade de recursos edu-
cacionais digitais é tão ampla que já excede muito a mera discus-
são sobre o uso de computador em sala de aula, que, assim como
um smartphone, é apenas um item entre tantos outros elementos
das TIC educacionais (CHICKERING; EHRMANN, 1996). Por sinal,
muito do que se acessa em sala de aula é remoto; a visualização
pode até ocorrer em aparelhos dentro da escola, mas o processa-
mento e a armazenagem ocorrem fora dali, naquilo que caracteriza
o paradigma computacional da nuvem, possibilitado pela internet
(RITTINGHOUSE; RANSOME, 2016).

60 Novos caminhos para profissionais da educação


Qualquer estratégia instrucional pode ser amparada por diversas Livro
tecnologias, muitas vezes contrastantes (entre as novas e as clássicas), No livro Novas tecnologias
e linguagens educacionais,
bem como qualquer tecnologia pode ser empregada para viabilizar di- aprofunda-se o exame
ferentes estratégias instrucionais. De todo modo, o fato é que, para das novidades no campo
da educação trazidas
uma dada estratégia instrucional, algumas tecnologias são mais apro- pelas inovações em TIC,
priadas que outras – em uma útil analogia, é melhor apertar um para- possibilitando que o
professor se torne mais
fuso com uma chave de fenda em vez de usar um martelo para isso. Até aderente ao atual con-
mesmo uma pequena moeda pode servir para apertar um parafuso texto tecnológico no seu
campo de atuação.
no improviso, mas é inegável que a chave de fenda é a tecnologia ideal
SARTORI, R. Curitiba: Iesde, 2018.
para essa situação.

Na perspectiva da boa comunicação professor-aluno (competência


indispensável para qualquer docente), é possível traçar algumas obser-
vações sobre o uso da informática, levando em consideração aspectos
como relação custo-benefício e adequação.

Para Chickering e Ehrmann (1996), existem alguns elementos decisi-


Quando os estudantes têm
vos para esse tipo de análise. Primeiramente, há de se considerar que um relacionamento mais
algumas boas práticas melhoram o relacionamento entre alunos e pro- estreito com alguns de seus
professores, o compromisso
fessores. De fato, o contato frequente entre eles, dentro e fora da escola, intelectual desses alunos
é um fator importante para a motivação e engajamento dos estudantes. é favorecido, pois são
encorajados a refletir sobre
Algo que se espera de bons professores é que seus próprios valores e planos.
eles ajudem seus alunos no enfrentamento
dos inevitáveis percalços ao longo do curso, a
fim de que se possa seguir trabalhando para
concluir os estudos com sucesso. An
dr
ey
_Po
pov
/Sh
ut
te
rs
to
ck

A contribuição das TIC para a educação 61


As tecnologias de comunicação, ao ampliarem o acesso dos estu-
dantes ao corpo docente, ajudam os professores a compartilharem
recursos úteis que se disponham à resolução conjunta de problemas
e que democratizem o aprendizado. Dessa forma, há um consequente
aumento também na interação presencial, dentro e fora da escola. Ao
oferecem uma fonte de informação mais “distante”, essas tecnologias
tendem a fortalecer a interação entre professores e alunos. Servem,
ainda, muito convenientemente, aos mais tímidos estudantes que, fre-
Glossário quentemente, relutam em se manifestar em sala de aula para refutar

refutar: contestar, rejeitar. alguma informação proferida publicamente ou até mesmo para fazer
subjugada: ignorada, uma simples pergunta. Em algumas situações, é mais fácil discutir va-
diminuída. lores e preocupações pessoais por escrito do que conversar a respeito.
Além de que uma questão geralmente subjugada na prática – que é o
fato de sempre existirem alunos que acabam cumprindo uma jornada
parcial das aulas em função de compromissos profissionais e familia-
res (saindo mais cedo ou faltando em muitos encontros) – consegue ser
melhor administrada com as possibilidades proporcionadas pelas TIC.

Algo que as TIC trouxeram ao campo da educação foi o melhor


aproveitamento da comunicação assíncrona. Essa comunicação se ca-
racteriza por não ter os interlocutores dialogando em tempo real – é
aquela disposição em que um fala ou escreve quando pode e outro
escuta ou lê também quando puder, portanto, em momentos distintos.
No feedback (retorno) da comunicação, novamente ocorre esse assin-
cronismo, invertendo-se, entre os interlocutores, os papéis de quem
transmite e de quem recebe a informação.

Muito antes da era informatizada, isso já ocorria no campo da


educação. Tradicionalmente, essa modalidade de comunicação
professor-aluno sempre se deu pelo artifício do dever de casa. Essa
comunicação assíncrona pode ser entendida como uma forma mais
empobrecida de conversa, tipicamente limitada a três estágios: o
professor faz uma pergunta ou solicita uma tarefa (1), o aluno res-
ponde, fazendo sua lição de casa (2), o professor responde algum tem-
po depois com a correção, trazendo os comentários e uma nota (3).
Normalmente, a conversação se limita a isso e, no momento em que
a nota e os comentários são recebidos, o aluno já está com sua aten-
ção desviada a um novo tópico do curso.

62 Novos caminhos para profissionais da educação


Em tempos de alta informatização, a comunicação assíncrona entre professor
e aluno ganha muito mais qualidade. Seja por e-mail, chat, sites de disciplinas, entre
tantas outras possibilidades, há uma proliferação de oportunidades de contato
direto entre estudantes e corpo docente para conversar (formal e informalmente)
muito mais rapidamente do que antes. O ganho não é só na velocidade, mas tam-
bém no nível mais aprofundado de discussão e até mesmo de forma mais segura,
se comparado à interação presencial direta em sala de aula ou em qualquer outro
ambiente escolar. É, portanto, uma nova realidade de comunicação que desperta
nos estudantes uma percepção de aprendizado mais efetivo e motivador.

Algumas boas práticas também servem para desenvolver a recipro-


cidade e a cooperação entre os estudantes. O aprendizado é mais po-
tencializado quando é fruto de um trabalho em equipe do que de uma
jornada solitária. Estudar é uma forma de trabalho humano e, como
todo bom trabalho, atinge melhores resultados com iniciativas colabo-
rativas e sociais, mais do que com competição e individualismo. O fato
é que trabalhar com outras pessoas normalmente aumenta o compro-
metimento e o envolvimento no aprendizado. Compartilhar ideias com
colegas e responder às ideias alheias melhora o pensamento crítico,
com consequente aprofundamento do entendimento.

Por essas razões, os professores precisam incentivar e permitir tan-


to quanto seja possível que os seus estudantes se engajem em ativida-
des coletivas nos cursos, pois a melhoria da comunicação entre eles se
correlaciona com a própria comunicação entre a turma e o professor.
Felizmente, as ferramentas informatizadas facilitam substancialmente
práticas como grupos de estudo e pesquisa, aprendizado colaborativo,
resolução de problemas em grupo e discussão coletiva da apresenta-
ção das tarefas dos alunos. Não por acaso, os atuais softwares e aplicati-
vos educativos parecem se render cada vez mais à mentalidade da rede
social digital das funções curtir, comentar e compartilhar.

Chickering e Ehrmann (1996) consideram que a extensão na qual


as ferramentas computadorizadas encorajaram a colaboração espon-
tânea dos estudantes foi uma das primeiras boas surpresas a respeito
da informática. Não resta dúvida quanto ao papel primordial das mais
recentes TIC para a mundialização do processo de ensino e aprendiza-

A contribuição das TIC para a educação 63


gem. Muito diferente do cenário de até bem poucas décadas atrás, é
plenamente possível, hoje, que um aluno selecione os mais adequados
cursos e professores ao seu interesse de aprendizado, independente-
mente de onde no planeta estejam esses professores, e não impor-
tando nem mesmo a língua que o professor estrangeiro adote. Por
exemplo, se um estudante brasileiro resolver assistir a uma determi-
nada aula que só é ministrada em russo e/ou se precisar interagir com
um colega chinês para uma atividade em grupo, a eventual falta do
domínio na língua deixa de ser uma barreira intransponível diante de
possibilidades como a nova função do Skype e do Google Tradutor de
tradução simultânea de conversas em tempo real.

Na atualidade, as boas práticas de ensino fazem uso de metodo-


logias ativas. Afinal, não se garante aprendizado com um aluno me-
ramente de corpo presente em sala de aula, sentado, quieto, apenas
escutando aquilo que o professor tenta transmitir. Os estudantes preci-
Atividade 1
sam falar a respeito do que estão aprendendo, escrever reflexivamente
Qual é a importância das sobre isso, relacionar novos conhecimentos com experiências práticas
metodologias ativas no processo
de comunicação entre professor já vivenciadas, para que o que foi transmitido em aula seja passível de
e aluno? ser aplicado no dia a dia deles. Em suma, os estudantes devem fazer
com que aquilo que foi aprendido se torne parte deles mesmos.

É realmente surpreendente a gama de novas tecnologias que in-


centivam a aprendizagem ativa. Basicamente, as inúmeras opções do
mercado (entre gratuitas e pagas) se encaixam em três categorias: fer-
ramentas e recursos para o learn by doing (aprender fazendo, na tradu-
ção para o português), comunicação assíncrona e conversa em tempo
real. É interessante observar que não necessariamente precisam ser
softwares ou aplicativos dedicados ou construídos especificamente
para o ambiente educacional, pois existe uma vasta gama de aplica-
ções genéricas (chamadas, algumas vezes, de worldware). Os softwares
(como processadores de texto, planilhas eletrônicas e apresentação de
conteúdo) podem ser originalmente desenvolvidos para outros fins,
mas acabam por incorporar tantas funções avançadas e úteis que po-
dem ser perfeitamente utilizados no campo da instrução de pessoas
(CHICKERING; EHRMANN, 1996).

A crescente digitalização do ensino e da aprendizagem acarreta


também maior prontidão de feedback. Afinal, saber exatamente o
que se conhece e o que não se conhece dá maior foco ao aprendi-

64 Novos caminhos para profissionais da educação


zado. No início dos estudos, os alunos precisam, naturalmente, de suporte
para que se deem conta de seus atuais limites de conhecimento e de com-
petências, a partir dos quais as aulas servirão de aprimoramento do saber.
E assim, nas aulas, os estudantes precisarão dispor de várias oportunidades
para dar e receber feedbacks. São muitos os momentos durante o curso,
além do próprio evento de sua conclusão, em que os alunos precisam refle-
tir sobre o que aprenderam, o que ainda precisam ganhar de conhecimento
e como eles podem se avaliar a esse respeito.

Há diversos meios pelos quais as TIC podem prover feedbacks –


alguns são bastante óbvios; outros, mais sutis. Uma ferramenta como o
e-mail é especialmente útil, por exemplo, para um processo mais formal
e individual de feedback entre professor e aluno. Já o uso de comunicado-
res instantâneos (como WhatsApp, Facebook Messenger e afins) parece
adequado para situações mais informais de comunicação entre discen-
tes e docentes. É preciso reconhecer, ainda, que os recursos computa-
cionais têm tido papel cada vez mais relevante na gravação e na análise
de desempenhos pessoal e profissional. No geral, por meio do aparato
tecnológico, os professores podem registrar observações críticas para
um aprendiz; por exemplo, o vídeo é altamente pertinente de ser utili-
zado quando houver a necessidade de avaliar um professor assistente,
um ator ou um atleta. A tecnologia lhes serve igualmente bem para suas
próprias autoavaliações.

Uma situação bastante corriqueira no ensino e na pesquisa é a


produção textual. Nos processadores de texto, existe o útil recurso de
anotações e comentários de revisores (que podem ser, por exemplo,
colegas de curso e/ou o próprio professor). Essas observações adicio-
nais ao texto original podem ter sua visualização facilmente ativada ou
desativada, de modo que o autor original disponha de uma versão lim-
pa e de uma com comentários para prosseguir com seu trabalho. Nos
sistemas mais modernos, baseados em computação em nuvem, por
exemplo o Google Docs, não existe mais a antiga restrição de um aces-
so de edição por vez (quem tentasse editar ao mesmo tempo aquele
arquivo recebia somente a autorização de leitura para acessar o do-
cumento). A edição pode ser simultânea, com o trabalho de diversos
editores e revisores operando em tempo real com o autor original do
documento, o que favorece um grande salto em produtividade (ISHTAI-
WA; ABUREZEQ, 2015).

A contribuição das TIC para a educação 65


Finalmente, não se pode deixar de reconhecer a especial utilida-
de das novas TIC em outros aspectos também cruciais na comuni-
cação entre professor e aluno, como no gerenciamento do tempo
alocado nas atividades, a diversidade de perfis cognitivos e com-
portamentais em uma dada turma de alunos e a questão da inclu-
são, com melhores possibilidades de aproveitamento pelos alunos
com deficiências físicas e/ou intelectuais.

4.2 A internet na sala de aula


Uma vez que se tenha acesso à internet na sala de aula, o profes-
Vídeo
sor evidentemente não tem mais o controle absoluto da atenção de
seus alunos – e há de se discutir sobre o lado bom e o lado ruim dessa
realidade onipresente nos dias atuais. Sem dúvida, uma competência
apreciável do professor contemporâneo é saber como lidar da melhor
maneira com o fato de que os alunos estão permanentemente conec-
tados (RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014).

Apesar de o uso de notebooks e smartphones aumentarem cada


vez mais em sala de aula, a percepção dos professores não é unísso-
na quanto ao nível de distração e prejuízo ao aprendizado que esses
dispositivos proporcionariam. Evidentemente, o que se discute é o uso
não escolar que se faz da internet, pois, por mais que existam sites es-
pecíficos e recursos determinados a serem utilizados conforme o plano
de aula, a grande rede de computadores é uma porta aberta a qual-
quer tipo de conteúdo que algum aluno se proponha a acessar.

Entre aqueles docentes que são mais tolerantes quanto aos acessos
à internet durante suas aulas, há os que cogitam que os alunos, muitos
deles expoentes da geração digital, seriam naturalmente multitarefas,
a ponto de conseguir transitar bem entre, por exemplo, acompanhar
o conteúdo da aula, responder a mensagens no WhatsApp e acompa-
nhar postagens em redes sociais.

Estudos mostram que o advento da tecnologia dos dispositivos móveis, como


tablets e smartphones, impactou drasticamente a realidade do ambiente de sala
de aula; mais de 60% dos estudantes confessam que utilizam os meios eletrôni-
cos para propósitos não escolares enquanto conduzem suas atividades dentro
da escola ou mesmo nas tarefas de casa, evidenciando um estilo de estudo que
mescla interrupções e distrações frequentes.

66 Novos caminhos para profissionais da educação


Quase todos os alunos levam para a sala de aula seus próprios celulares e qua-
se um terço deles costuma frequentar aulas com notebooks particulares.

Os mesmos estudos têm concluído que os dispositivos de acesso à internet pre-


sentes em sala de aula trazem tanto aspectos favoráveis quanto desfavoráveis. Do
lado positivo, evidencia-se um maior engajamento e participação dos alunos nas
atividades de classe, principalmente quando munidos de notebook. Até mesmo me-
lhores notas são obtidas, dentro de um ambiente de ensino com parâmetros muito
bem planejados para o direcionamento do uso da internet. Contudo, sem a devi-
da supervisão, as desvantagens podem superar muito os benefícios potenciais: os
dispositivos móveis podem servir de maior fonte de distração se usados de modo
descontrolado e sem um direcionamento contextual bem definido – direcionamen-
to esse que cabe, naturalmente, ao professor, como o responsável maior pelo que
ocorre em sala de aula.

Os dispositivos móveis facilitam sobremaneira que os alunos en-


viem e recebam mensagens. Com a mesma facilidade, eles podem se
envolver em atividades alheias à programação didática, como fazer uso
de jogos eletrônicos, comprar pela internet, ler notícias, acessar redes
sociais, assistir a transmissões esportivas e conferir e-mail. Glossário
Segundo Chartrand (2016), pensar em uma solução, como implan- firewall: função programável
tar um firewall ou medida semelhante que permita apenas acesso a em uma rede de computadores,
servindo como filtro do que
conteúdo previamente autorizado, tornou-se, na atualidade, uma me- se pode ou não acessar pelos
dida inofensiva, pois, cada vez mais, o acesso clandestino à internet computadores conectados a
não se dá pelo wi-fi local da instituição de ensino, mas pela conexão essa rede.

Admitindo que praticamente


todos levam o próprio celular
para a sala de aula, cada
estudante é um virtual ponto de
conexão, independentemente
da internet via wi-fi – longe do
alcance de qualquer filtro que a
Syda Productions/Shutterstock

área de TI da instituição possa


tentar aplicar.

A contribuição das TIC para a educação 67


particular 3G/4G do próprio dispositivo móvel do aluno. Os dispositivos
Glossário móveis dos alunos convivem à revelia da rede administrada pela equi-
hotspot: ponto de acesso wi-fi. pe de tecnologia da informação (TI) local. Além do mais, com a função
de hotspot que os modernos smartphones possuem, na prática, é ne-
cessário apenas um celular com conexão móvel própria para que, uma
vez assim configurado, sirva de ponto de acesso para todos os demais
dispositivos em sala de aula, inclusive notebooks (CHARTRAND, 2016).

Atividade 2 Nesse sentido, estando o aluno irremediavelmente conectado o tem-


Por qual motivo o acesso à po todo à internet, independentemente de qualquer ação de seu pro-
internet em sala de aula é fessor, cabe ao docente gerir a situação para que, com seus poderes de
praticamente inevitável? influência e empatia com os estudantes, possa atenuar as aplicações não
escolares da rede e concentrar seu uso para os propósitos da aula que
está sendo ministrada.

As pesquisas mais recentes têm demonstrado que, dentro das


Glossário
variações de perfis mais cinestésicos, mais auditivos ou mais vi-
cinestésico: que percebe o suais da população e diante dos vários graus de inteligência distri-
mundo por meio do movimento
e do tato. buídos entre os alunos em uma classe, para uma dada aula, sempre
dislexia: que apresenta haverá aquela parcela de estudantes que acompanhará visualmen-
dificuldades para ler, por não te cada movimento do professor na sala. Há, ainda, aqueles que
reconhecer a correspondência
entre letra e som.
precisam se certificar de que entenderam cada palavra que é pro-
nunciada, ao mesmo tempo que existem outros que, seja por de-
sinteresse, seja por dislexia, serão parcial ou totalmente distraídos
na primeira oportunidade que aparecer, recorrendo, naturalmen-
te, ao que têm no bolso ou às mãos (celular ou outro dispositivo

1 eletrônico) (FONSECA, 2009; RAVIZZA; HAMBRICK; FENN, 2014).


1
Sendo eles: Jacobsen; Forste, Estudos mostram que, apesar de realmente existir uma parcela de
2011; Aguilar-Roca; Williams, alunos que mereça a alcunha de multitarefas (podendo, em tese, acom-
O’Dowd, 2012; Tindell; Bohlan-
panhar razoavelmente uma aula enquanto transita pelo Facebook e
der, 2012; Carvalho, 2013;
Ravizza; Hambrick; Fenn, 2014. Twitter, por exemplo), a excessiva tolerância com eles pode resultar em
má influência para os demais (sem tanto traquejo multitarefas assim),
sendo estes severamente prejudicados em sua aprendizagem.

Contudo, segundo os mesmos estudos, até os mais desenvoltos


alunos, que conseguem realizar uma série de atividades ao mesmo
tempo (estudar, inclusive), poderiam apresentar um rendimento inte-
lectual muito maior caso fossem mais focados em uma única tarefa de
cada vez. Nesse aspecto, é necessário o professor ter em mente que,
mais importante do que garantir que um aluno atinja a nota mínima
para mera aprovação na disciplina, uma das mais nobres funções da

68 Novos caminhos para profissionais da educação


educação é extrair o melhor de cada indivíduo, para que ele alcan-
ce a mais plena evolução intelectual e cultural. Essa oportunidade
arrisca ser desperdiçada caso o professor nivele “por baixo” seus
melhores alunos ao não lhes fornecer desafios cognitivos à altura.

Assim, o problema não se resume a uma mera questão de ordem


disciplinar. Com efeito, estudantes mais jovens, como crianças, neces-
sitam de maior imposição de controle de comportamento em sala de
aula, o que muitas vezes se traduz em um monitoramento em regi-
me permanente. Mas é equivocado pensar que, em um ambiente mais
adulto, como no ensino superior, o professor pode abrir mão dessa
preocupação. As distrações trazidas pelos dispositivos móveis conti-
nuam existindo, mudando talvez apenas sua natureza, de motivações
mais pueris para os problemas práticos que as pessoas enfrentam no
dia a dia (contas a pagar, cobranças profissionais, conflitos familiares,
problemas de saúde, angústia por precisar sair mais cedo para pegar o
filho pequeno na escola etc.). Sensível a essa realidade, cabe também
a esse professor conduzir suas aulas com alguma desenvoltura para a
boa utilização da internet.

Entretanto, para alguns estudiosos do fenômeno da internet em


sala de aula, à medida que as gerações se sucedem, os nativos digitais
vêm provando que fazem, de fato, cada vez mais uso responsável dos
dispositivos móveis em ambiente escolar. Isso significa que, mesmo
sem a solicitação do professor para fazê-lo, mais e mais estudantes
tomam a iniciativa de consultar seus equipamentos para ter acesso à
informação relacionada ao conteúdo ministrado.

Por exemplo, em uma aula sobre cultura bizantina, é justamente o


grande interesse que o professor pode despertar no aluno que o levará,
eventualmente, a procurar vídeos no YouTube ou fotos no Google Ima-
gens para contextualizar a informação, compartilhando com a turma um
material que se destaque ou que gere alguma dúvida pertinente ao assun-
to – uma ótima oportunidade de o professor garantir ainda mais atenção
à disciplina. Em outro exemplo, em uma aula sobre economia ou finanças,
o professor pode pedir aos alunos que estejam conectados levantarem
informações em tempo real (por exemplo, cotação do dólar ou índice da
bolsa de valores) para melhor contextualização do conteúdo.

Segundo Song e Kong (2016), diante da realidade da internet em


sala de aula, instituições de ensino mais vanguardistas vêm promo-
vendo a política que, no mundo corporativo em geral (em escolas ou

A contribuição das TIC para a educação 69


qualquer tipo de empreendimento), ganhou o nome de bring your own
device (Byod), ou traga seu próprio dispositivo, em tradução livre para o
português. Trata-se de uma diretriz que não se resume apenas aos alu-
nos, mas também aos professores e demais funcionários das institui-
ções de ensino, que são estimulados ou incentivados a levarem para o
local seus próprios dispositivos móveis. Apesar dos desafios de nature-
za operacional que essa medida representa para os departamentos de
TI das instituições (responsáveis, naturalmente, pelo uso e desempe-
nho da rede de informática no ambiente organizacional), os benefícios
trazidos pela medida são a maior justificativa para esse tipo de política.

Atividade 3 A mais evidente vantagem da política Byod é potencializar ao má-


Quais são as vantagens de uma ximo a comunicação dentro e fora do ambiente escolar. Com efeito,
política “traga seu próprio dispo- os docentes passam a dispor também de canais de comunicação com
sitivo” no ambiente escolar?
seus estudantes, seja em sistemas genéricos como as diversas redes
sociais (por exemplo, YouTube), seja nos ambientes virtuais de aprendi-
zagem (por exemplo, Moodle), a qualquer tempo e em qualquer lugar.

Como visto na seção anterior, é bastante interessante que o profes-


sor fomente o uso de metodologias ativas, dentre as quais uma ganha
um formidável campo de aplicação com as TIC: trata-se da aprendizagem
baseada em problemas, a metodologia problem based learning (PBL), ou
aprendizagem baseada em problemas, em português.

E como garantir uma participação efetiva dos alunos em eventos de


apresentações de grande porte, como palestras, aulas magnas e ou-
tros tipos de atividades especiais? Afinal, tradicionalmente, é difícil para
o instrutor garantir pessoalmente a atenção uniforme de um público
grande, como 100 ou 200 pessoas presentes. Contudo, com recursos
como comunicadores instantâneos e afins, há maior possibilidade de
gerir mais adequadamente essa audiência.
Glossário
Em modelos de ensino a distância e nas modalidades híbridas, é
híbrida: que mescla dois
sempre importante uma meta de diminuição do descompasso que
modelos diferentes.
pode haver entre aulas e tutorias. A aplicação de respostas on-line co-
letadas dos alunos via levantamentos eletrônicos consegue conduzir a
um melhor aproveitamento, na forma de refinar discussões e debates
nos tutoriais, melhorando o nível das aulas.

No geral, as TIC são recursos cada vez mais imprescindíveis para


o efetivo monitoramento do aprendizado dos estudantes dentro e

70 Novos caminhos para profissionais da educação


fora da sala de aula, qualquer que seja a modalidade de educação.
As respostas on-line guiam os ajustes pedagógicos eventualmente
necessários de maneira mais tempestiva.

Há de se enaltecer o importante aspecto da motivação dos alunos para


o aprendizado e, com as TIC, os docentes dispõem de mais opções para
motivar seus estudantes. Isso pode ocorrer, ao se permitir que eles usem
seus aplicativos favoritos para fins de experimentação, construção, criação
e demonstração dos resultados das atividades que lhes foram demanda-
das. Além dessa liberdade de sistemas que o próprio aluno pode escolher,
também convém que o professor planeje atividades colaborativas de mais
alto nível usando, por exemplo, o sistema prescrito pelo instrutor, como
o Google Forms ou similar, mas deixando que cada aluno o faça com o
dispositivo que achar mais adequado.

4.3 Tecnologia como recurso didático


Vídeo As possibilidades de aplicação das TIC no meio educacional são vir-
tualmente ilimitadas. Contudo, é possível reconhecer algumas boas
práticas que podem levar um professor ao notório reconhecimento
e destaque pelos seus alunos e pela sua própria instituição de traba-
lho. Entre elas, a capacidade de deixar suas aulas com uma roupagem
tecnológica atualizada e inovadora. Não se trata aqui, evidentemente,
da mera utilização dos sistemas informatizados oficiais impostos pela
instituição de ensino, mas, sim, do “algo a mais”, que depende da cria-
tividade e do conhecimento do próprio profissional. Este dispõe, na
prática, de um amplo arsenal de ferramentas de TIC, algumas de custo
muito acessível e outras completamente gratuitas (SANDRELLI; JEREZ,
2007; ISHTAIWA; ABUREZEQ, 2015; SONG; KONG, 2016).

Artigo

https://periodicos.ufsc.br/index.php/emdebate/article/download/1980-3532.2016n15p107/33788

No artigo As novas tecnologias e aprendizagem: desafios enfrentados pelo professor na sala de aula, dos autores Ione Silva,
Tatiane Prates e Lucineide Ribeiro, publicado na revista Em Debate, em 2016, pondera-se que, embora o professor te-
nha consciência da importância do uso das novas tecnologias em sala de aula, ele ainda se depara com os desafios de
associar o conteúdo pedagógico aos instrumentos tecnológicos. Isso reforça a ideia de que é preciso fazer uma busca
permanente de capacitação do docente, que seja realmente significativa, para desenvolver habilidades e técnicas
necessárias a uma aprendizagem, utilizando as tecnologias digitais em sala de aula.
Acesso em: 21 fev. 2020.

A contribuição das TIC para a educação 71


Criar e manter um site para uma disciplina é uma dessas possibi-
lidades e pode ser feito totalmente sem custo e sem que o professor
precise de conhecimentos específicos de linguagem de programa-
ção de computadores. Um site específico da disciplina de trabalho
do professor pode representar uma excelente conveniência aos
alunos (e ao próprio docente) ao servir de canal de comunicação
centralizado das informações mais importantes daquela disciplina.
Além dos dados básicos de identificação (nome da disciplina, nome
do professor, instituição de ensino etc.), essas informações podem
reunir, por exemplo, os materiais de apresentação das aulas (como
os arquivos de PowerPoint e similares), textos de materiais com-
plementares para leitura, links para outros sites de interesse da dis-
ciplina, calendário de eventos, controle de frequência e notas dos
alunos, repositório de trabalhos encaminhados pelos alunos, plano
de aula, listagem de bibliografia geral e complementar, correção de
provas/gabarito, entre outras informações de interesse.

A vantagem de se construir um site específico para a discipli-


na é a total liberdade de moldá-lo ao gosto do docente, tanto em
termos de formato quanto de conteúdo. Quando são usados siste-
mas já existentes, como as páginas das instituições de ensino ou
as ferramentas de redes sociais, as restrições são muito maiores,
especialmente no quesito de formato empregado. Entre as opções
gratuitas (que são várias), uma das mais difundidas é a ferramen-
ta Google Sites, que é uma parte do pacote de aplicações G Suite
(anteriormente conhecido como Google Apps). Assim como qual-
quer pessoa pode manter, gratuitamente, uma conta de e-mail do
Google, o mesmo ocorre para os demais serviços associados a essa
conta, como é o caso do Google Sites.

As etapas operacionais para um professor criar um site para sua


disciplina nessa plataforma são bastante intuitivas e o básico pode
ser sintetizado nos passos a seguir: (1) acessar sites.google.com;
(2) logar com a conta do Google, que pode ser criada na hora, se
necessário; e (3) clicar em criar, na versão clássica.

72 Novos caminhos para profissionais da educação


Fonte: Google. Divulgação.

Dentre as duas opções oferecidas – tanto no Google Sites clássico


quanto no novo Google Sites –, sugere-se dar preferência à primeira
delas. Apesar de ser a mais antiga, e, por isso, oferecer um visual mais
rústico, há funções exclusivas disponibilizadas, como recursos de múl-
tiplas subpáginas para o site, que não se encontram no novo Google
Sites. Este, por sua vez, tem um visual mais bem elaborado, contudo,
menos funcional. Para aplicações como portais de disciplinas acadêmi-
cas, as múltiplas subpáginas mostram-se recursos bastante valiosos.

Na página seguinte, o professor atribui um nome ao seu site, por


exemplo, “Matemática: Prof. Cristóvão”, e escolhe seu próprio endere-
ço na internet (que será um complemento de https://sites.google.com/
site/). Quanto ao modelo (template) a ser empregado, há total liberda-
de para escolher uma das centenas de opções oferecidas pelo Google
ou começar com um modelo em branco, que é totalmente adequado
principalmente para quem está experimentando pela primeira vez esse
tipo de serviço on-line. Após as seleções do modelo, nome e endereço
do site, deve-se assinalar a opção não sou um robô (4) e clicar no bo-

A contribuição das TIC para a educação 73


tão vermelho criar (5), que executa a construção em poucos segundos,
dando-se, assim, a imediata disponibilização on-line.

Fonte: Google. Divulgação.

Uma vez com o site já criado e disponível on-line, o professor tem a


liberdade de editá-lo a qualquer momento, quantas vezes forem neces-
sárias. Para tanto, convém observar as ferramentas básicas de gestão,
que ficam no canto superior direito da tela. O primeiro ícone ( ) ativa
ou desativa o modo de edição: uma vez ativado, o que for escrito no
teclado é reproduzido no site; desativado, o que se visualiza é o que os
terceiros (por exemplo, os alunos) irão enxergar ao acessá-lo.

O segundo ícone ( ) permite a criação de uma subpágina. Usan-


do o Google Sites clássico, a conveniência é que se pode estrutu-
rar subpáginas dentro de subpáginas, com tantos níveis quanto o
professor julgar necessário. O terceiro ícone ( ) é o das configu-
rações gerais do site, em que é possível, por exemplo, renomeá-lo,
mudar de modelo (template), apagar subpáginas, permitir que ter-
ceiros (alunos) postem comentários no site, habilitar visualização
de arquivos em anexo, entre diversas outras funções de grande
versatilidade para a personalização que o professor precisar.

74 Novos caminhos para profissionais da educação


O quarto ícone ( ) edita as opções de compartilhamento
do site. Por padrão, assim que o site é criado, ele é público (qualquer
pessoa no mundo pode acessá-lo). O professor pode aplicar a restri-
ção de deixá-lo privado (somente seu proprietário o acessa) ou, então,
fazer com que apenas as pessoas que conhecerem o endereço do site
possam acessá-lo (ele não fica visível nos mecanismos de busca da in-
ternet, sendo a opção frequentemente adotada pelos professores, que
usualmente divulgam o endereço do site apenas aos seus alunos).

Em resumo, a ferramenta do Google Sites é apenas uma entre tantas


outras disponíveis na internet que permitem, de modo gratuito, que um Glossário

site com funcionalidade de uma verdadeira intranet seja disponibilizado Intranet: conteúdo on-line
acessado pelos navegadores de
para a disciplina de trabalho do professor. Por isso, é bastante recomen-
internet, mas com acesso restrito
dável que os professores explorem e conheçam mais esse tipo de TIC. a um grupo predeterminado de
usuários.
Por outro lado, dada sua relevância e impacto na sociedade em ge-
ral, algo que pode ser chamado de um fenômeno à parte na internet,
nos dias atuais, são as redes sociais – também especialmente úteis para
aplicações no campo da educação (ALKHATHLAN; AL-DARAISEH, 2017).

Esses ambientes virtuais são serviços on-line que oferecem às pes-


soas a construção de um perfil público. O usuário pode optar pela ex-
posição total ou parcial de seus dados pessoais para terceiros (outros
utilizadores da rede social). De fato, cada perfil criado se associa a uma
lista de outros perfis (demais usuários). A denominação de rede social é
justamente pelo critério de as associações demandarem um comparti-
lhamento de conexão, com base em determinada afinidade social (fa-
miliares, colegas, amigos etc.). No que diz respeito ao emprego de redes
sociais digitais para finalidade educacional, é possível identificar dois ti-
pos de sistemas: as redes sociais padrão e as intencionalmente construí-
das para suporte ao ensino e aprendizagem.

Fenômeno curioso, os sistemas originalmente concebidos como


comunicadores pessoais, como Skype, Telegram, Viber e WhatsApp,
acabaram sendo aprimorados com o tempo, integrando novas funcio-
nalidades, como o recurso de grupos. Assim, passaram a também ser
opções de redes sociais. Especialmente no Brasil, o WhatsApp e o Tele-
gram acabaram ganhando enorme difusão, de modo que é bem corri-
queiro que seus usuários mantenham a prática de estabelecer grupos
para família, trabalho e escola. Nessa última categoria, professores e

A contribuição das TIC para a educação 75


alunos costumam ser membros, resultando, assim, em mais um canal,
mesmo que informal, de comunicação entre eles.

Não é comum que uma rede social genérica seja utilizada como o
canal principal de relacionamento entre os corpos docente e discente.
De todo modo, há certa predileção dos alunos por buscarem informa-
ções nos portais mais frequentados na internet; por isso, os sites ofi-
ciais acadêmicos tendem a ter menos visitas que as correspondentes
páginas nas redes sociais. Boa parte do fenômeno se explica em função
de que, na mais consagrada das redes sociais, o Facebook, existe o con-
veniente recurso de criação de páginas temáticas.

No cenário acadêmico, é bastante recorrente o hábito de se man-


ter páginas oficiais das instituições de ensino ou mesmo de disciplinas
ou cursos específicos, o que estabelece, desse modo, comunidades
virtuais em torno delas. De fato, pode-se mensurar a qualidade ou a
reputação das instituições de ensino muito pelo que divulgam nesses
canais, afinal, as páginas são públicas e os comentários (favoráveis ou
desfavoráveis) circulam livremente nesses domínios. Convém lembrar
que a prática de uma instituição de ensino de apagar comentários ne-
gativos na sua página, mantendo apenas os que forem elogiosos, é algo
muito malvisto pela sociedade em geral, que adotou como prática mo-
ral o repúdio a esse tipo de censura (BLACKSHAW, 2008).

Contudo, de especial interesse para os professores, um recurso do


Facebook que merece atenção são os grupos – versáteis, podem ser con-
figurados como públicos ou restritos, permitindo ainda que se anexem e
compartilhem arquivos de qualquer formato. É essa razão que faz com que
os grupos do Facebook também sejam empregados como canal de comu-
nicação entre os professores e seus alunos. Usualmente, o moderador do
grupo é o professor, atuando como um curador dos conteúdos que ali tran-
sitam. Funções adicionais, como calendário de eventos, tornam essa rede
bastante interessante para fins acadêmicos.

O Twitter é outra rede social de grande popularidade, que se man-


tém no formato de um microblog, permitindo postagens com, no má-
ximo, 280 caracteres. Um dos destaques do serviço é a associação de
palavras com o símbolo hashtag (#), mecanismo pelo qual os trending

76 Novos caminhos para profissionais da educação


topics (assuntos mais comentados) são acompanhados nacional e in-
ternacionalmente. O professor tem à sua disposição diferentes es-
tratégias criativas para o uso do Twitter em atividades. Por exemplo,
ele pode pedir aos seus alunos práticas de como sintetizar conteúdos Atividade 4
(atendendo ao limite de caracteres aplicado pelo sistema), pesquisar Descreva algumas formas de o
na rede determinada hashtag de assunto abordado em aula e, claro, professor empregar o Twitter em
suas aulas.
pode usar o canal como mais um meio de propagar seus comunicados
e informações da disciplina.

Podcasts (conteúdos transmitidos apenas por áudio) são apa-


ratos já há muito tempo presentes na internet, mas o fato é que,
mais recentemente, eles ganharam maior apelo de popularidade –
provavelmente em função de novos canais que potencializam sua
experiência. É o caso dos podcasts disponíveis no Spotify, muitos
deles voltados a temas da educação – a exemplo do interessante 2
2
Papo de Educador . E, melhor ainda, oferecer um podcast no Spo- Você pode conhecer esse podcast
tify é simples e gratuito. por meio do link: https://open.
spotify.com/show/06h0a4pvB-
Por sua vez, outra categoria de redes sociais digitais trata daque- CUVb5tJ9SYP3m. Acesso em: 21
les sistemas que foram construídos para aplicações específicas. Esses fev. 2020.

sistemas são mais recentes na indústria e se inspiram, em seu con-


ceito, nas funcionalidades mais populares das redes genéricas, como
YouTube, Facebook, WhatsApp e Twitter. Assim, da mesma forma que
existe o LinkedIn como a rede social dos profissionais em geral, no
campo da educação, figuram nomes como Passei Direto, Academia.
edu, Edmodo e GoConqr, nomes que devem estar no radar das tecno-
logias a conhecer dos professores atuantes no século XXI.

Em suma, no que diz respeito ao processo de ensino e aprendiza-


gem, as redes sociais digitais cativam professores e alunos em função Saiba mais
de seu poder de interatividade. Além de terem um apelo democrático, Conheça melhor a ferramenta
permitem que os próprios estudantes criem e compartilhem informa- de podcasts com o tutorial a
seguir, que ensina a inseri-los
ções. É preciso reconhecer que muitos alunos podem se sentir des-
no Spotify.
motivados ou desconfortáveis com os sistemas mais tradicionais, que
Disponível em: https://tec-
impõem um fluxo unilateral, em que somente os docentes têm per- noblog.net/274710/como-colo-
missão de postar seus conteúdos oficiais – algo que não se deve mais car-o-seu-podcast-no-spotify/.
Acesso em: 14 fev. 2020.
ignorar no relacionamento com as novas gerações.

A contribuição das TIC para a educação 77


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A informática é uma excelente mediadora operacional dos processos de
ensino e aprendizagem. Como o docente é o mediador de mais alto nível,
sendo o estrategista que conduz de modo diligente as atividades em sala de
aula, as TIC se apresentam como poderosas ferramentas de apoio, voltadas à
melhoria da produtividade e à qualidade das práticas acadêmicas. O profes-
sor do século XXI, para ser bem-sucedido em sua carreira, não pode jamais
perder de vista a evolução que as ferramentas digitais apresentam – e elas
evoluem de maneira contínua graças aos avanços tecnológicos –, pois, assim,
poderá ter sucesso longevo em suas práticas profissionais.

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78 Novos caminhos para profissionais da educação


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TINDELL, D. R.; BOHLANDER, R. W. The use and abuse of cell phones and text messaging
in the classroom: a survey of college students. College Teaching, v. 60, n. 1, p. 1-9, 2012.

GABARITO
1. As metodologias ativas favorecem extrair o melhor de cada aluno, que deixa de ter um
papel predominantemente passivo em sala de aula.

2. Um único aluno que entre na sala de aula com seu celular e conexão própria à
internet já torna a conexão clandestina praticamente inevitável de ser distribuída
a todos os colegas.

3. A melhoria da comunicação dentro e fora da escola é a vantagem mais evidente, com


recursos de comunicação síncrona e assíncrona.

4. Solicitar aos alunos que façam resumos pelo Twitter, pesquisar na rede determinada
hashtag de assunto abordado em aula e usar o canal como mais um meio de propagar
seus comunicados e informações da disciplina.

A contribuição das TIC para a educação 79


5
Novidades tecnológicas
na sala de aula
A onda de digitalização da sociedade impactou, inevitavelmente,
o campo da educação e, com bastante ênfase, o trabalho dos pro-
fessores. Tecnologias de ponta surgem para modificar drasticamen-
te a rotina do dia a dia do docente, redefinindo o conceito de sua
atividade profissional. Entre as tecnologias disruptivas que deram
uma nova roupagem ao processo de ensino e aprendizagem, são
discutidos, neste capítulo, a educação a distância (EaD), os Moocs
(cursos abertos on-line massivos), a realidade virtual e a realidade
aumentada. É importante esclarecer, logo de início, que as tecnolo-
gias de realidades virtual e aumentada, embora de certa forma rela-
cionadas, são conceitos distintos. Dominar essas novas tecnologias
faz com que o professor encontre mais e melhores oportunidades
de atuação em seu mercado de trabalho no século XXI.

5.1 EaD e Mooc


Desde meados da década de 1990, observam-se mudanças expres-
Vídeo
sivas na área de EaD, em função dos avanços da tecnologia da informa-
ção. É preciso levar em consideração que a tecnologia da EaD é muito
mais antiga que a computação: ela remonta aos tempos do ensino via
correspondência, posteriormente alcançando rádio e TV. Então, grada-
tivamente, as instituições que trabalham essa modalidade mudaram
Glossário de um modo de entrega impresso (meio físico em papel) para um de
Design instrucional: entrega on-line, caracterizado pelo uso de ambientes virtuais de apren-
conjunto de técnicas e recursos dizagem (AVA) e pela grande variedade das tecnologias web.
para adequação e facilitação
do conteúdo para o leitor em Portanto, são a flexibilidade e a adaptabilidade do design instrucional
qualquer situação de ensino. que distinguem a EaD do século XXI dos equivalentes sistemas mais antigos
do ensino e aprendizado a distância. Com efeito, as sucessivas revoluções

80 Novos caminhos para profissionais da educação


industriais, que convergem na atualidade para a Indústria 4.0, tendem a
deixar os procedimentos de criação e entrega dos conteúdos de EaD cada
vez mais padronizados, normatizados e formalizados. Contudo, ao mesmo
tempo, a EaD em ambiente on-line também se caracteriza por seus limites
cada vez mais indefinidos entre o desenvolvimento e a entrega dos cursos.

As atividades de aprendizado virtual são organizadas em torno dos


recursos web, integrando discussões on-line que tornam o conteúdo do
curso mais fluído e dinâmico, em virtude de ser criado durante atividades
colaborativas síncronas (em tempo real) e assíncronas (momentos distin-
tos). Por assim dizer, o muitas vezes imprevisível direcionamento de uma
discussão em fórum on-line é, com toda legitimidade, conteúdo do respec-
tivo curso (SHANA, 2009; ARINTO, 2013).

Com o ensino digital, agrega-se ao docente a indispensável função do


tutor a distância – com todo o seu conjunto de competências específicas
(KLIMOVA; POULOVA, 2011). Mas o que as pesquisas têm mostrado é
que a seletividade da tecnologia é responsável por modificar ainda mais
o papel do professor no processo de ensino e aprendizagem. Em alguns
casos, é dada grande ênfase ou são ampliadas algumas competências,
enquanto em outros, competências são inibidas, limitadas ou mesmo
excluídas. O papel de criação de atividades, por exemplo, é algo poten-
cializado na EaD. É claro que esse tipo de atribuição é uma característica 1
1
comum na docência em geral, no entanto, no e-learning , a necessidade Modalidade de ensino que
do design instrucional se torna muito mais óbvia e premente. tem sua distribuição por meio
de dispositivos conectados à
Enquanto na modalidade presencial as abordagens podem certamen- internet.
te ser ajustadas de imediato para atender às necessidades pontuais dos
alunos (e avaliadas diretamente no desempenho deles), na EaD, as ativida-
des aparentemente triviais, como agrupar alunos, fazer perguntas, dispo-
nibilizar recursos e outras tarefas típicas de sala de aula, demandam uma
capacidade muito maior de planejamento e antecipação de situações.

Ao mesmo tempo que se caracteriza por tais desafios, a EaD da


atualidade conta com as vantagens de operar sob novas tecnologias
digitais, que vêm possibilitando o “design de curso sob demanda”. As-
sim, a tendência é que, cada vez menos, os cursos nessa modalidade
sejam predeterminados, e cada vez mais, que eles sejam definidos ou
atualizados a cada momento em que precisem ser ministrados, prin-
cipalmente em função das discussões e atividades que acontecem no
AVA (ambiente virtual de aprendizagem).

Novidades tecnológicas na sala de aula 81


Atividade 1 Arinto (2013) propõe níveis de desenvolvimento de competências
Quais são as principais áreas a se docentes para tutores do ensino on-line, em que busca refletir melhor
considerar para o desenvol-
sobre o atual paradigma de ensino aberto e a distância, conforme des-
vimento das competências
docentes em um modelo de crito no Quadro 1. Divididas entre os níveis de desenvolvimento básico,
educação aberto e a distância? intermediário e avançado, as áreas de competências são o desenvolvi-
mento de conteúdo, o planejamento de atividades de aprendizado, as
estratégias de ensino e a avaliação.

Quadro 1
Desenvolvimento de competências em ensino aberto e a distância

Nível de desenvolvimento
Área
Básico Intermediário Avançado
• Atualizar conteúdos usan- • Selecionar recursos web
do recursos web. em todo tipo de mídia.
• Selecionar recursos web • Incluir recursos para • Selecionar recursos web
tendo em mente resulta- estudo complementar para atender a diferen-
Desenvolvimento dos de aprendizado. (paralelos aos recursos tes perfis de alunos.
de conteúdo principais).
• Escrever guias de estudo. • Produzir recursos ope-
• Respeitar direitos au- • Usar repositórios de racionais abertos.
torais, explorando suas recursos educacionais
exceções. abertos.
• Criar atividades de apren-
dizado on-line para engajar
Planejamento os alunos e facilitar a com- • Criar atividades de • Criar atividades de
preensão do conteúdo. aprendizado on-line aprendizado de geração
de atividades de para promover diálogo de conhecimento cola-
aprendizado • Escrever guias de estudo.
e investigação. borativo on-line.
• Prover recursos e ferra-
mentas.
• Diferenciar os papéis do
• Estabelecer a presença
professor on-line e do • Adotar pedagogias de
docente.
professor presencial. participação (alunos
Estratégias • Desempenhar novos
como cocriadores).
• Prover instrução direta
de ensino on-line.
papéis de ensino on-line.
• Ensinar com os outros
• Organizar e conduzir
• Gerenciar as tarefas do (ensinar em rede).
discussões on-line.
site do curso.
• Criar avaliações forma-
• Criar avaliações soma- tivas.
tivas. • Assegurar equilíbrio
• Escrever guias de e coerência entre
avaliação (incluindo avaliações somativas e
Avaliação critério para marcação de formativas.
• Criar avaliações flexíveis.

respostas). • Usar avaliação alterna-


• Prover feedback construti- tiva, incluindo autoa-
vo e em tempo hábil. valiação pelo aluno e
avaliação por colegas.

Fonte: Adaptado de Arinto, 2013.

82 Novos caminhos para profissionais da educação


Seguindo o princípio defendido por Mishra e Koehler (2006) de que
fazer uso eficiente da tecnologia no processo de ensino e aprendiza-
gem requer a plena integração dos conhecimentos de conteúdo, de
pedagogia e de tecnologia, o Quadro 1 não discrimina separadamen-
te as competências tecnológicas das pedagógicas e de conteúdo. Ao
contrário, as competências indicadas para cada uma das quatro áreas
em determinado nível de desenvolvimento são as competências inte-
gradas. Por exemplo, a seleção de recursos da web tendo em mente
os resultados de aprendizagem (em desenvolvimento de conteúdo bá-
sico) requer que um designer instrucional integre o conhecimento de
um curso ou uma disciplina específico e seus resultados de aprendiza-
do em um programa de estudo com o conhecimento de como o curso
é melhor ensinado e/ou como melhores resultados de aprendizagem
são alcançados (conhecimento pedagógico).

Essas questões devem estar aliadas ao conhecimento de como


identificar e acessar recursos da web (conhecimento tecnológico, em
particular, habilidades de internet), avaliando sua relevância para o pro-
pósito de ensino, bem como sua utilidade no que diz respeito a ajudar
os estudantes a atingirem os resultados de aprendizagem desejados.

Os níveis de especialização (básico, intermediário e avançado) in-


dicam os graus de complexidade do conhecimento e das habilidades
necessárias para cada área. Todas as competências listadas para as
quatro áreas no nível básico compreendem as competências mínimas
para o ensino de um curso on-line de educação a distância. Assim, qual-
quer docente que seja designado a produzir conteúdo para EaD deve
levar em consideração essas competências mínimas. Deve-se notar,
ainda, que a estrutura apresenta apenas as principais habilidades, que
podem ser expandidas conforme cada situação.

Em termos gerais, as competências docentes são mais desafiado-


ras na EaD do que na modalidade tradicional presencial. No Mooc, o
panorama é igualmente árduo – senão mais. Atualmente, proliferam
no Brasil e no mundo ofertas desse tipo de proposta, em que as
marcas mais famosas são nomes como Coursera, FutureLearn, edX e
Udacity. Nesse tipo de produto, o alcance de número de alunos cos-
tuma ser bem maior, e não raro acontece de cursos serem acompa-
nhados, simultaneamente, por dezenas de milhares de estudantes
(DANIEL; CANO; CERVERA, 2015).

Novidades tecnológicas na sala de aula 83


É exagero pensar que o formato Mooc viva, hoje em dia, seu mo-
mento de crise: a adesão do mercado a que se destina (alunos com
interesse em estudar a um custo muito baixo ou mesmo a custo zero) é
1 cada vez maior. Dados de 2019 contabilizam mais de 13,5 mil produtos
1
Dados disponíveis em: https:// desse tipo no mercado . Contudo, o grande questionamento que se
www.classcentral.com/report/ faz é em relação à sua proposta original: o Mooc foi criado para ser gra-
mooc-stats-2019/. Acesso em:
tuito, mas, na prática, as grandes marcas do mercado vêm trabalhando
21 fev. 2020.
na estratégia “freemium” (free + premium). Então, um dos grandes desa-
fios é que as ofertas gratuitas tenham o mínimo de qualidade que um
produto educacional deve garantir.

Nesses termos, o trabalho do professor conteudista/tutor a dis-


tância ganha um requisito adicional: o da viabilidade comercial, que
precisa ser alinhada, evidentemente, com a instituição responsável
pela oferta do curso na modalidade Mooc (GODWIN-JONES, 2014;
DANIEL, CANO, CERVERA, 2015).

Em suma, o formato Mooc passa, nos dias atuais, por um processo


de validação de mercado, que pode resultar em ajustes ou, até mesmo,
em abandono de sua proposta de pretender ser algo à parte do concei-
to de EaD digital convencional. Como ironiza Godwin-Jones (2014), em
muitas circunstâncias, é importante comercialmente “repaginar” um
curso tradicional e vendê-lo como Mooc – embora possa não ser nem
aberto nem massivo. Críticos avaliam que, na prática, muitos Moocs
são ofertados como uma mera coleção de vídeos on-line que dispõem
de fórum para concentrar a interação dos alunos, mesclando, assim,
alguns dos tradicionais elementos dos modelos de EaD, mas sem pro-
mover um aprendizado adaptativo ou personalizado.

Esse tipo de curso certamente pode ter um papel formativo na educa-


ção superior, não apenas nos países em que os Moocs já são um produto
ofertado (caso do Brasil), mas também nos países muito menos desen-
volvidos. Fruto da filosofia da educação aberta, os Moocs foram criados,
originalmente, para contemplar um papel social: o de ser mais um meio
de levar a educação aos locais em que ela nunca havia chegado. Então,
para que tal caráter formativo possa ser efetivamente garantido, é pre-
ciso que os cursos dessa modalidade adotem diferentes estratégias de
ensino, a fim de que consigam promover o aprendizado personalizado,
com a garantia de alguma forma de acreditação ou certificação, tendo
em vista o significado prático que o diploma ainda representa para o
aluno quando se considera o mercado de trabalho convencional.

84 Novos caminhos para profissionais da educação


Na perspectiva do profissional docente, o mínimo que precisa ser
considerado no momento de produzir material para essa modalidade
de ensino é que a linguagem e os contextos devem ser universais, na
medida do possível. Em função da grande distância estabelecida entre
professor e aluno no formato Mooc, muito mais do que textos obrigató-
rios para leitura, é vital que o “olho no olho” seja estabelecido mediante
vídeo com a imagem do professor falando (McCONNELL et al., 2013).

É certo que a maioria dos professores brasileiros, uma vez que se-
jam demandados como conteudistas/tutores, vai se sentir mais confor-
tável em produzir os materiais, gravar aulas e/ou interagir nos fóruns
com os alunos no idioma nativo (português). Contudo, é indispensá-
vel que, ao menos, se garanta a devida legenda em inglês, sabendo
que um produto Mooc é virtualmente acessado de qualquer parte do
mundo. Da mesma forma como já se faz no EaD digital convencional,
quando um professor evita termos regionais no seu conteúdo para
tornar a aula plenamente compreensível em escala nacional, cuidado
semelhante deve ser adotado ao produzir Moocs, pois é preciso cuidar
com os exemplos e as explicações para que um aluno estrangeiro, que
não conheça especificidades da realidade brasileira, possa também ter
êxito em sua aprendizagem.

5.2 Realidade virtual


Vídeo Ao transformar a interação social, os ambientes de realidade virtual
utilizados na educação dispõem da peculiar capacidade de alterar a di-
nâmica do aprendizado. Essa é uma das principais razões pelas quais
tal tecnologia encontra alta receptividade desde a educação básica até
o ensino superior, resultando em uma série de benefícios, entre eles,
uma atenção mais equânime do professor aos alunos, a oferta aos es-
tudantes de uma visão sobre o tema desenvolvido mais próxima da
perspectiva do professor, além dos evidentes ganhos ao poder aces-
sar o conteúdo virtualmente de qualquer local do mundo (ou até fora
dele) com o uso de óculos especiais e outros dispositivos associados
(BAILENSON et al., 2008; CHEN; CALINGER; HOWARD, 2010).

Não por acaso, atualmente, a realidade virtual é um dos campos de


pesquisa mais promissores na área da educação. Muitos dos estudos
dizem respeito à análise da viabilidade de ambientes virtuais. Esses am-
bientes resultam de simulações digitais que envolvem a representação

Novidades tecnológicas na sala de aula 85


de professores, de alunos e, especialmente, do conteúdo ministrado.
De fato, a habilidade dos professores e alunos de usar tecnologia para
alterar suas representações e seus contextos on-line, visando melhorar
a aprendizagem, é uma interação social transformada.

Há evidências, originadas de uma série de estudos empíricos, que demons-


tram que a quebra do ambiente convencional de ensino e aprendizagem pode
melhorar o desempenho de professores e de alunos – embora a realidade virtual
não seja ainda uma tecnologia tão facilmente adquirida pelas instituições de en-
sino em geral.

De qualquer modo, a tendência é de grande proliferação de tec-


nologia educacional de realidade virtual ao longo dos próximos anos,
principalmente dado o gradativo barateamento de custos que sem-
pre ocorre concomitante à maior difusão de uma nova tecnologia.
Isso torna o tema estratégico para qualquer docente da atualidade –
quer o profissional já utilize essa tecnologia no seu dia a dia ou não.
Afinal, se ainda não teve essa experiência no seu trabalho, é bastante
provável que terá, mais cedo ou mais tarde (BAILENSON et al., 2008;
CHEN; CALINGER; HOWARD, 2010).

O uso da realidade virtual para a prática educacional encontra res-


paldo tanto na convencional pedagogia, do consumo do conhecimento
Estudante
experimentando óculos já estabelecido, quanto na construção do conhecimento sob demanda.
de realidade virtual.

ock
ph/Shutterst
Freeogra

86 Novos caminhos para profissionais da educação


Por exemplo, na educação infantil, um ambiente virtual lúdico,
como uma casa de bonecas ou um playground, que insere as crianças
como agentes ativos da experiência, pode naturalmente encorajá-las a
contar histórias para seus colegas, promovendo, assim, competências
literárias (CASSELL, 2004).

A realidade virtual se difere de outros tipos de ambientes de apren-


dizagem multimídia por prover informação sensorial artificial – uma
forma de levar à percepção de ambientes e de seus conteúdos como se
eles fossem naturais. Os recursos digitais da computação avançada são
o fundamento dessa tecnologia, que possibilita gerar as informações
sensoriais com fluxo em tempo real para uma melhor interação entre
os usuários e o respectivo ambiente simulado.

Assim, as pessoas podem interagir em uma realidade virtual usando Site


variados dispositivos, que servem como canais de percepção simulada, O site Porvir - Inovações em
tais como óculos especiais (para efeito visual), fones de ouvido (para Educação traz uma ampla gama
de ideias e notícias sobre a
efeito sonoro), luvas especiais (para efeito tátil) e até mesmo dispositi- realidade virtual que pode ser
vos para o nariz, como uma espécie de máscara nasal, ou colar espe- aplicada em sala de aula, tanto
cial no pescoço, que exala odores de maneira programada, visando ao na educação básica quanto na
educação superior.
efeito olfativo (BAILENSON et al., 2008). Uma das últimas fronteiras em
Disponível em: https://porvir.
matéria de realidade virtual é a inclusão de dispositivos que simulam org/?s=&c=&cs=tecnolo-
o paladar: atualmente, pesquisadores testam protótipos que recorrem gia-e-infraestrutura&t=&pg=1.
Acesso em: 21 fev. 2020.
à eletroestimulação da língua, entre outras abordagens experimentais,
visando concluir a cobertura por essa tecnologia dos cinco sentidos hu-
manos (PORCHEROT et al., 2018, NAKANO et al., 2019).

Segundo Bailenson et al. (2008), um ambiente virtual imersivo é aque-


le que envolve o usuário perceptualmente, aumentando sua sensação
de presença naquele cenário. Por exemplo, ao se considerar um videoga-
me infantil convencional, o ato de jogar usando um joystick e um monitor
é um tipo rudimentar de ambiente virtual. Contudo, se a criança dispor
de equipamentos especiais que lhe permitam assumir o ponto de vista
real do personagem principal do jogo, ou seja, controlar os movimentos
desse personagem com seus próprios movimentos, eliminando, ainda,
a percepção do mundo real que a circunda naquele momento, então,
pode-se dizer que se trata de um ambiente virtual imersivo.

Considerando que essa tecnologia envolve os movimentos do


usuário, uma sugestão de uso são as aulas de Educação Física;
afinal, nessa disciplina, a tecnologia pode trabalhar conceitos de

Novidades tecnológicas na sala de aula 87


dança, esportes, lutas, tudo por meio de movimentos unidos à rea-
lidade virtual em um ambiente imersivo.

Em suma, no ambiente virtual imersivo, equipamentos especiais per-


mitem que o usuário tenha sua percepção do mundo físico real suspensa
temporariamente (principalmente não enxergando e/ou não escutando
o que está ao seu entorno). Isso, aliado aos estímulos da tecnologia di-
gital, favorece que a informação sensorial emulada psicologicamente
seja bem mais envolvente que a informação sensorial do mundo real – e,
temporariamente, a única informação sensorial presente.

Para que tal efeito seja possível, os ambientes virtuais imersivos cos-
tumam dispor de duas características essenciais. A primeira é de que há
um absoluto monitoramento das atividades da pessoa enquanto estiver
imersa em sua experiência virtual (incluindo orientação da cabeça, posi-
2 ção do corpo e até mesmo direção do olhar). Tais informações são regis-
Fulldome é uma estrutura tradas em tempo real pelo sistema eletrônico, que, em resposta, atualiza
formada por uma tela em
instantaneamente o ambiente virtual. Assim, como efeito prático, a cena
formato semiesférico que
possibilita projeção em 180 virtual sempre corresponde à posição e orientação do usuário naquele
e 360 graus, oferecendo uma 2
meio. Por exemplo, em um ambiente fulldome , costumam ser minis-
completa imersão ao colocar o
tradas aulas de astronomia, explorando as fronteiras do sistema solar e
espectador dentro do cenário
como personagem. outras formações cósmicas. A diferença para a tecnologia mais recente
é que a infraestrutura física, razoavelmente cara de um fulldome, conse-
Glossário
gue ser emulada por equipamentos individuais de realidade virtual, na
emulada: imitada; simulada. forma de óculos e capacetes especiais.

Uma segunda característica é que as informações sensoriais do mun-


do físico são mantidas em um patamar mínimo. Esse aspecto diz respeito
à necessidade do isolamento do meio externo. Por exemplo, trabalhando
com imagens digitais, os óculos virtuais, além de projetá-las, impedem que
a pessoa continue enxergando o meio físico real que a circunda; dessa
forma, aprofunda-se o envolvimento na experiência simulada.

Uma categoria especial de ambientes virtuais imersivos é a dos am-


bientes virtuais colaborativos, que envolvem mais de um usuário. Esse
tipo de ambiente, de especial aplicação no campo da educação, faz uso
do recurso de avatares para possibilitar a interação dos usuários entre
si e com o sistema. O avatar é o personagem digital criado no ambiente
virtual e que se comunica com os demais usuários e com o próprio am-
biente simulado, não só via comandos escritos, mas, principalmente,
por movimentos, gestos, expressões e sons.

88 Novos caminhos para profissionais da educação


Ainda, segundo Bailenson et al. (2008), um aspecto bastante inte-
ressante dessa tecnologia diz respeito aos colegas de um estudante
em um ambiente virtual: eles podem ser totalmente virtuais, ou seja,
não necessariamente outros colegas humanos reais (emulados por
avatares no meio digital), mas, sim, colegas diretamente simulados
pelo computador, com comportamento tal que passa despercebido
ao estudante – que não sabe se está de fato interagindo com um
companheiro de estudos ou com mais uma simulação digital daque-
le ambiente. Essa função é importante porque, em geral, as pessoas
aprendem melhor em condições de estudo coletivo do que indivi-
dualmente. Assim, percebe-se o quanto as tecnologias de realidade
virtual e inteligência artificial tendem a convergir.

Uma das vantagens dos ambientes virtuais digitais é que cada


uma das ações captadas pelo sistema precisa ser registrada para
fornecer a devida resposta ao usuário. Então, todas as ações de-
sempenhadas pelos estudantes e pelo professor – desde um ní-
vel micro, como gestos não verbais, até um nível macro, como um
desempenho em um teste – são permanentemente armazenadas.
Com a assimilação e o processamento desses dados pela computa-

ABO
ção envolvida, os ambientes virtuais tendem a ser continuamente

PHO
aprimorados pela criação de perfis comportamentais e rotei-

TOG
APHR
ros aprendidos em uma escala que não se compara à

Y/S
experiência do ensino presencial.

hut
ters
toc
Algumas disciplinas pa-

k
recem ser mais favorá-
veis ao uso de realidade
virtual como prática di-
dática, como a Biologia.

A capacidade de visualizar, criar, alterar e


rotacionar em tempo real uma estrutura
química em três dimensões pode facilitar
a compreensão de conceitos abstratos.

Novidades tecnológicas na sala de aula 89


Isso pode contribuir também para a visualização das moléculas em
Química, com a visualização microscópica, para a visualização de
maquetes virtuais em Arquitetura, entre outras. Os ambientes vir-
Atividade 2 tuais podem oferecer uma amplitude de visualizações e alternati-
Por que disciplinas técnicas são vas de perspectivas bastante úteis na apreciação de informações
um excelente campo de apli-
de alto grau de complexidade.
cação educacional da realidade
virtual? As aulas em formato de simulação para atividades perigosas ou ca-
ras são outra vantagem incontestável da tecnologia. Isso engloba, por
exemplo, projetar e testar sistemas totalmente imersivos para treinar a
resposta de emergência de diferentes perfis profissionais, como bom-
beiros, pilotos de avião e autoridades policiais. O alto poder computa-
cional a que já se chegou consegue oferecer uma riqueza de detalhes
e um realismo na simulação digital de tal forma que os aprendizes po-
dem sentir verdadeiramente o caos e os fatores de estresse que tipica-
mente estão presentes em situações críticas de suas atividades.

Uma aplicação que tem ganhado muita aderência dos profissionais


nos últimos tempos é o uso de realidade virtual para simulações em
treinamento de cirurgiões, com uma vantagem bastante evidente: a al-
ternativa convencional ao procedimento, que é o uso de cadáveres, é
algo que demanda recursos muito mais raros e caros. Já os pacientes
virtuais, uma vez construídos por prévia programação, são extrema-
mente baratos em termos de replicação (BAILENSON et al., 2008).

A integração da tecnologia da realidade virtual com a tecnologia da


EaD acena para um esplêndido futuro na educação de todos os níveis
e de todas as áreas. Afinal, a EaD digital convencional – se é que já se
pode chamar de convencional algo não tão antigo assim no mundo da
educação – conseguiu equacionar o problema da substituição da forma
tradicional da aula, que é o ambiente físico em que docente e estu-
dantes precisavam estar simultaneamente presentes para que a aula
ocorra. Os recursos tecnológicos atualmente explorados na EaD possi-
bilitam que o professor e seus respectivos alunos estejam espalhados
literalmente por qualquer parte do mundo, desde que atendidos por
uma conexão à internet.

Essencialmente, a interação da EaD fica limitada ao vídeo, em que o


professor é visto pelos alunos (embora o contrário não ocorra), e à troca
de informações nos fóruns da tutoria on-line. Contudo, com a adição da
tecnologia de realidade virtual, a EaD é potencializada, principalmente

90 Novos caminhos para profissionais da educação


por dar aos participantes (professor e alunos) a percepção de estarem,
para todos os efeitos, em uma mesma sala de aula (simulada digitalmen-
te), com os óbvios ganhos que isso proporciona ao poderem estabele-
cer comunicação não verbal (por exemplo, gestos e expressões) com os
avatares uns dos outros, entre outras conveniências até então somente
presentes no encontro presencial da sala de aula física convencional.

Em algumas situações, como em uma classe numerosa de estudan-


tes, há até quem defenda que o modelo de EaD mesclado à realidade
virtual possa ser muito mais efetivo do que uma aula física nos mol-
des tradicionais, porque, entre outros fatores, o professor tem suporte
computacional que aumenta sua percepção sobre cada um dos alunos,
com mais fácil detecção de quem está mais atento, mais distraído, pre-
cisando se manifestar etc.

Nesse tipo de cenário produzido por sistemas de alta capacidade


computacional, uma vez que as pessoas veem a si mesmas e aos ou-
tros como avatares digitais com plena capacidade de interação, o que
o professor passa a dispor como recurso didático excede, em muito,
a mera lousa: vídeos podem ser manuseados em meio à sala virtual e Glossário
objetos virtuais podem ser construídos e manejados pelos participan- holograma: imagem tridi-
mensional obtida por projeção
tes – até mesmo com efeito de holograma.
de luz.
Em especial, o grande apelo de popularidade da tecnologia se dá
pelo fato de que é possível experimentar viagens virtuais para outros
ambientes conectados. Isso se dá, por exemplo, com aulas de História,
valendo-se de museus digitais, que oferecem reprodução idêntica aos
seus originais no mundo real. Todos os grandes museus pelo mundo,
como Smithsonian e Louvre, em seus sites oficiais, já dispõem de apli-
cativo para acesso ao equivalente ambiente virtual. Outras viagens si-
muladas de grande utilidade para aulas de Geografia, por exemplo, são Curiosidade
aquelas realizadas em regiões extremas do planeta, como os polos, os Nos Emirados Árabes Unidos,
cumes de montanhas e as áreas desérticas. 17 escolas já se uniram a um
projeto piloto que incorpora
A tecnologia da realidade virtual, como toda tecnologia digital, realidade virtual ao currículo. Lá,
os alunos embarcam em expe-
está em evolução, e algumas de suas novas possibilidades desper-
dições virtuais para ambientes
tam ainda mais o interesse de educadores. Um dos exemplos é a que, de outro modo, eles jamais
possibilidade de que transmissões ao vivo sejam viabilizadas nessa iriam, por serem demasiada-
mente perigosos. O Ministério da
tecnologia; assim, eventos reais que ocorram em qualquer parte
Educação local planeja expandir
do mundo podem ser acompanhados mediante o uso dos devidos a realidade virtual para muito
equipamentos de realidade virtual. Dessa forma, professores e alu- mais instituições de ensino
superior nos próximos anos.

Novidades tecnológicas na sala de aula 91


nos têm à sua disposição, como parte do conteúdo didático, por
Vídeo exemplo, o lançamento de um satélite artificial, em tempo real, tal
No vídeo Realidade Virtual, como se estivessem fisicamente no local de realização do evento.
publicado pelo canal Ner-
dologia, são explorados O que torna possível alcançar esse feito é a integração de mais
alguns aspectos bastante
interessantes acerca des-
tecnologias digitais de última geração, como internet de altíssima ve-
sa tecnologia, incluindo locidade e câmeras de elevada resolução que operam em 360 graus,
limitações importantes,
como as questões da
gerando e transmitindo as imagens. A capacidade da rede de transmitir
latência e da sincronia um volume massivo de dados é determinante para o sucesso dessa ini-
espectador-cenário, além
de curiosidades, como o
ciativa. A necessidade é justificada tecnicamente: é preciso considerar
fato de se poder andar que um vídeo convencional ocupa bem mais largura de banda do que
em linha reta em um
ambiente virtual ao mes-
uma imagem simples, como uma fotografia. Assim, um vídeo em 360
mo tempo que se anda graus proporcionalmente requer muito mais tráfego de dados para
em círculos no ambiente
físico.
sua transmissão que um vídeo convencional (que dispõe de uma única

Disponível em: https://www.you-


perspectiva de visualização).
tube.com/watch?v=FuuirfHFG2M.
Esses ainda são desafios tecnológicos importantes nos dias
Acesso em: 21 fev. 2020.
atuais, mas que vêm sendo rapidamente viabilizados com as suces-
sivas inovações tecnológicas que incorrem na indústria. Por isso,
não restam dúvidas sobre o futuro ainda mais promissor da reali-
dade virtual na educação.

5.3 Realidade aumentada


Vídeo Ao contrário da realidade virtual, que opera deslocando a pessoa
do mundo real para o mundo simulado eletronicamente, a realidade
aumentada proporciona precisamente o inverso: os elementos virtuais
(objetos, animações etc.), criados digitalmente, são transpostos para
visualização no mundo real. Por isso, tratam-se de inovações tecno-
lógicas de funções bastante complementares e especialmente úteis
nos processos de ensino e aprendizagem, pois, ao mesmo tempo
que se aumenta o potencial das ferramentas de trabalho à disposição
dos docentes, abrem-se mais canais para aprendizagem dos alunos
(CHEN; CALINGER; HOWARD, 2010; WU et al., 2013; BACCA et al., 2014).

O termo realidade aumentada não tem a mesma ressonância popu-


lar que realidade virtual, raparentando ser ainda algo demasiadamente
técnico e longe do dia a dia para muitas pessoas. Mas essa é uma falsa

92 Novos caminhos para profissionais da educação


impressão: em termos práticos, no cenário atual, trata-se de uma tec-
nologia já incorporada aos dispositivos móveis, como os smartphones
e tablets, mesmo que as pessoas não tenham consciência disso.

Zapp2Photo/Shutterstock
Eis o que bem sintetiza a realidade aumentada: sobreposição de imagens, mesclando, na mesma perspectiva
de um observador, o real e o virtual.

Fundamentalmente, essa modalidade tecnológica torna possí-


vel amplificar a visão que se tem da realidade ao redor, por meio de
informações e objetos virtuais adicionados e sobrepostos a um am-
biente real. Na prática, possibilita uma nova forma de interação entre
as pessoas e as informações de interesse. Não por acaso, a realidade
aumentada é considerada um dos mais importantes instrumentos de
transformação digital da sociedade em geral. Pelos olhos “alimentados”
com a realidade aumentada, a contemplação de qualquer cenário,
como um campo de futebol, um equipamento de produção fabril ou
Glossário
um animal selvagem solto na natureza, é potencializada com cargas de
informação adicional apresentadas em forma digital. interface: elemento que
proporciona uma ligação física
Considerando seu propósito de funcionar como uma interface, ou lógica entre dois sistemas
ou partes de um sistema que
a realidade aumentada se mescla a outras aplicações e tecnolo-
não poderiam ser conectados
gias, tais como atuadores, controles, indicadores de desempenho, diretamente.
big data, simulações em geral e aplicações multimídia. Em suma, atuador: dispositivo que
converte energia em movimento.

Novidades tecnológicas na sala de aula 93


trata-se de uma maneira inovadora de acessar informações, o que
revoluciona a formação de capacidades técnicas e, evidentemente,
a própria produção de conhecimento.

Até governos, mundo afora, perceberam o fantástico potencial das


tecnologias de realidade aumentada para o propósito de educação e
Curiosidade treinamento. Em anos mais recentes, diversos países realizaram inte-
De acordo com o relatório da ressantes iniciativas nesse sentido (WU et al., 2013; BACCA et al., 2014):
consultoria norte-americana
especializada em novas •• O Departamento de Educação dos EUA organizou uma campa-
tecnologias digitais, Digi-Capital nha fomentando inovação educacional com desenvolvedores da
(2017), a realidade aumentada indústria de tecnologia da informação, na qual o destaque foi a
alcançará, até 2021, 3,5 bilhões
de dispositivos. Em comparação, companhia Osso VR. Trata-se de uma plataforma de treinamento
é esperado que a realidade que possibilita a médicos e outros profissionais da saúde ganha-
virtual tenha um desenvolvi- rem experiência prática em técnicas que representam o estado
mento mais tímido, com até 60
milhões de dispositivos. Por isso,
da arte nos seus campos de atuação, como em cirurgias virtuais.
grandes empresas estão fazendo •• Mais de 170 instituições de pesquisa e empresas chinesas
seus movimentos de mercado
juntaram esforços para acelerar o ritmo de desenvolvimento
em direção a serviços suportados
por essas tecnologias. das tecnologias de realidade virtual e de aumentada,
formando uma aliança estratégica chamada Industry of Virtual
Reality Alliance (Ivra) – em tradução livre para o português,
aliança da indústria de realidade virtual. Iniciativas locais
daquele país, como o Instituto Chinês de Realidade Virtual,
têm recebido substanciais investimentos para pesquisa e
desenvolvimento de um verdadeiro ecossistema de inovação
em realidade mesclada (virtual e aumentada).
•• O Ministério da Educação da França incluiu a realidade aumen-
tada no currículo do ensino médio, visando encorajar o desen-
volvimento de competências de solução de problemas por meio
dessa tecnologia. Os estudantes são orientados a identificar um
problema, propor uma solução e concebê-la adotando ferramen-
tas de realidade aumentada.
•• A Coreia do Sul planeja investir milhões de dólares na indústria
3 da realidades virtual e aumentada em um curto horizonte de
Saiba mais em: https://www. tempo. Nesse país, foi lançado, em 2017, o Korean Virtual Reality/
3
digitalavmagazine.com/ Augmented Reality Complex (Kovac ) – em tradução livre para o
pt/2017/02/21/seul-fomenta-
português, complexo de realidade aumentada/realidade virtual
-la-investigacion-en-realidad-
-virtual-y-aumentada-con-un- coreano, na cidade de Seul. Essa estrutura foi estabelecida a fim
-centro-especializado. Acesso de prover recursos para diversas indústrias absorverem melhor
em: 21 fev. 2020.
tais tecnologias, incluindo o ramo da educação.

94 Novos caminhos para profissionais da educação


Ao incorporar a realidade aumentada, o processo de ensino e
aprendizagem é beneficiado com alguns importantes ganhos, es-
pecialmente sob a perspectiva do trabalho conduzido pelo profes-
sor. Um dos mais óbvios é de que os professores não precisam
mais se debater com a tarefa de usar quadros bidimensionais para
ilustrar estruturas em 3D. E, inquestionavelmente, uma melhor vi-
sualização conduz a um melhor entendimento pelos alunos, contri-
buindo com a retenção de conhecimento.

O aspecto lúdico também não deve ser negligenciado. Uma vez que
as tecnologias de realidade mesclada são bastante recentes, elas soam
como novidades que despertam interesse, especialmente nas mentes
jovens. Assim, os alunos tendem a ficar mais inclinados a usar e a ex-
perimentar essas tecnologias, e a prerrogativa de ter de aprender algo
novo é uma das boas justificavas para fazê-lo.

Do mesmo modo que ocorre na realidade virtual, a aumentada ganha


um espaço privilegiado de aplicação no ensino de conteúdos mais com-
plexos, como as áreas técnicas de conhecimento. Por isso, ela é tão apre-
ciada na formação de engenheiros e médicos, por exemplo.

Na educação básica, a tecnologia de realidade aumentada pode


ser implementada, em tese, em qualquer conteúdo de qualquer dis-
ciplina, por meio da criatividade que o professor empregue para a Estudante utilizando a
exploração. Afinal, ao trazer para o mundo real imagens e anima- tecnologia de realidade
aumentada.
ções que permitam aos alunos brincar com objetos, como números,
cores, formas geométricas ou mesmo um sistema solar completo
orbitando em meio aos estudantes em sala de aula, é
dada uma maior ênfase lúdica aos conteúdos, o que po-
derá estimular as pessoas a aprenderem mais e melhor.

Apesar disso, a tecnologia também


sofre críticas. Há quem sinalize para
o perigo da deterioração das re-
lações humanas, uma vez que
a realidade virtual e a aumen-
tada tenderiam a isolar a pes-
soa em um mundo virtual,
desfavorecendo, assim, as
relações pessoais, que são,
desde sempre, um com- Gorodenkoff/Shutterstock

Novidades tecnológicas na sala de aula 95


ponente indissociável do processo de aprendizagem. Esses detrato-
res da tecnologia, até mesmo a possibilidade dos “colegas virtuais”
emulados por computador (comentada na seção anterior), são vis-
tos com desconfiança: nada substituiria a relação humana direta.
O temor é de que, por exemplo, crianças que conduzam seus estu-
dos amparadas por essas tecnologias se tornem adultos antissociais
(CHEN; CALINGER; HOWARD, 2010; WU et al., 2013; BACCA et al., 2014).

Outro ponto levantado é o cibervício. Se a internet e o smartphone, com


suas poucas décadas de utilização, já transformaram profundamente os
comportamentos das pessoas, muitos acreditam que a realidade mesclada
tenha o potencial de ser ainda mais viciante. O argumento é, se o mundo
virtual parece ser mais estimulante e acolhedor, o escapismo digital pode
representar uma tendência verdadeiramente ameaçadora.

Artigo

https://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/Dialogo/article/download/2238-9024.15.7/pdf

No artigo Geração digital, geração net, millennials, geração Y: refletindo sobre


a relação entre as juventudes e as tecnologias digitais, da autora Cristina
Martins, publicado na revista Diálogo, em 2015, discute-se o quão suspeito é
generalizar o comportamento de toda uma juventude frente às questões da
digitalização do ensino e da aprendizagem, levando a importantes reflexões
sobre o grau de absorção tecnológica a se empregar no campo da educação.

Acesso em: 21 fev. 2020.

A falta de uma homogeneização de hardware e software também


pode ser um problema significativo, especialmente no campo educa-
cional. Uma vez que a tendência não é a do fornecimento dos equipa-
mentos pela instituição de ensino, mas a liberalidade de permitir que
professores e alunos utilizem seus dispositivos pessoais (já que tudo
parece orbitar em torno dos smartphones), problemas de compatibi-
lidade e principalmente de desempenho (processamento/armazena-
mento) podem tornar a experiência infrutífera nas atividades escolares.
Evidentemente, a realidade mesclada no campo educacional não pode
exigir o uso exclusivo de dispositivos superpotentes, à disposição de
poucos privilegiados, pois a realidade socioeconômica, principalmente
em países atrasados como o Brasil, é a do difícil acesso da população
em geral à tecnologia de ponta.

96 Novos caminhos para profissionais da educação


No caso da educação infantil, o uso de tecnologias dessa natureza
precisa ser muito bem ponderado. Afinal, principalmente no caso de
crianças na primeira infância (até os seis anos de idade), existe a inca-
pacidade de separar realidade da fantasia. Uma vez que a realidade
virtual e a aumentada oferecem uma imersão completa, a experiência
pode ser tão intensa para esse público que as crianças podem confun-
di-la com situações da vida real.

Certamente, conteúdos que remetam à violência ou ao medo Atividade 3


acabam sendo especialmente danosos. Perigos podem surgir das Quais são alguns cuidados que
mais insuspeitas situações; por exemplo, manusear uma aranha ou precisam ser tomados quanto
às tecnologias digitais de
qualquer outro animal peçonhento em ambiente virtual e fazê-lo realidade mesclada no campo
no ambiente real levam a consequências drasticamente diferentes. da educação infantil?
Por isso, o acompanhamento e o monitoramento de responsáveis
precisa ser muito bem executado.

Ainda, o componente motivacional pode ser muito bem explo-


rado por essas novas tecnologias. Afinal, é a motivação associada
ao interesse: se, tradicionalmente, muitos estudantes lutam com a
tentação de procrastinar seus deveres por serem demandas que
Crianças observando
lhes parecem tediosas, árduas e/ou desnecessárias, a realidade vir-
borboletas com óculos de
tual e a realidade aumentada garantem um meio mais estimulante realidade aumentada.
de fazer os alunos terem mais interesse em aprender e se tornar
profissionais bem-sucedidos.

LightField Studios/S
hutterstock

Novidades tecnológicas na sala de aula 97


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tecnologia redefine o conceito de trabalho do professor, não apenas
ao fornecer mais campo de atuação, como é o caso da educação a dis-
tância – que pode ser feita com alunos que provavelmente o profissional
jamais encontre pessoalmente –, mas também o próprio encontro pre-
sencial em sala de aula, que passa a dispor de ferramentas digitais avan-
çadas. Transformação digital é pauta obrigatória de qualquer organização
empresarial que opere nos dias atuais, e a mesma pressão se aplica ao
profissional docente, para que esse aprimore e adapte suas competên-
cias diante desse novo cenário.
Quando se reflete sobre as aplicações educacionais, um possível ques-
tionamento pode ocorrer: afinal, o que é melhor: realidade aumentada
ou realidade virtual? Evidentemente, o melhor é trabalhar, sempre que
possível, com uma realidade mesclada, ou seja, a combinação das duas
abordagens tecnológicas educacionais.

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98 Novos caminhos para profissionais da educação


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GABARITO
1. As áreas são: o desenvolvimento de conteúdo, o planejamento de atividades de apren-
dizado e as estratégias de ensino e avaliação. Nelas, há níveis de desenvolvimento de
competências docentes que vão do básico ao avançado.

2. Algumas disciplinas parecem ser mais favoráveis ao uso de realidade virtual como prá-
tica didática. Os ambientes virtuais podem oferecer uma amplitude de visualizações e
alternativas de perspectivas bastante úteis na apreciação de informações de alto grau
de complexidade. Por exemplo, a capacidade de criar, alterar e rotacionar, em tempo
real, uma estrutura arquitetônica de engenharia ou química em três dimensões pode
facilitar bastante a compreensão de conceitos abstratos subjacentes.

3. Dado o perigo do isolamento em um mundo virtual, o temor é de que crianças que


conduzam seus estudos amparadas por tecnologias como a realidade aumentada se tor-
nem adultos antissociais. Outro ponto é o cibervício. Se a internet e o smartphone já
levaram a uma profunda transformação comportamental das pessoas, existe o risco
de que as realidades virtual e aumentada possam ser ainda mais viciantes. Mais uma
questão é o mundo virtual parecer ser mais estimulante e acolhedor. Nesse caso, o
escapismo digital pode representar uma tendência verdadeiramente ameaçadora.
Principalmente no caso de crianças na primeira infância (até os seis anos de idade),
existe a incapacidade de separar realidade da fantasia, e a experiência de imersão
pode ser tão intensa que os pequenos podem confundi-la com situações da vida real.

Novidades tecnológicas na sala de aula 99


6
Inovações na educação
Qualquer professor já em nível de senioridade, lecionando há,
pelo menos, algumas décadas, pode relatar quão dramáticas são
as mudanças e quão impactantes são as novidades surgidas na
forma de se dar aula em anos mais recentes. Verdadeiras inova-
ções no processo de ensino e aprendizagem, jogos educacionais,
aula invertida, ensino híbrido e a inevitável convivência com novos
dispositivos eletrônicos em sala de aula são responsáveis por pro-
fundas modificações no relacionamento entre professor e aluno.
Não se trata de modismo, mas, como ocorre em toda inovação
legítima, de recursos que se mostraram úteis para a melhoria da
educação, razão pela qual se difundiram tão facilmente em nível
global nas instituições de ensino.

6.1 Jogos educacionais


Por mais que cada professor se esforce para ministrar sua disciplina
Vídeo
apelando a toda empatia que seja possível estabelecer com a turma,
fazendo o máximo para que a motivação seja alta e constante durante
a aula, o fato é que alguns alunos perdem ou nem conquistam o gosto
pelos estudos. Mesmo quando as disciplinas são tratadas de maneira
empolgante e por professores mais animados, há sempre a necessida-
de de abordar conteúdos mais tediosos ou menos atraentes. É diante
desse quadro que surgem, como alternativa, os jogos educacionais,
que são uma maneira de tentar garantir ou potencializar o aprendizado
por meio da exploração lúdica das atividades escolares (BEAVIS; MUS-
PRATT; THOMPSON, 2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016).

Um jogo educacional não é necessariamente um jogo eletrônico. De


qualquer modo, é preciso reconhecer que os jogos educacionais em
forma da mais refinada tecnologia digital são de uma predileção prati-

100 Novos caminhos para profissionais da educação


camente irresistível, sobretudo entre os estudantes mais jovens. Afinal,
vive-se os tempos da chamada geração digital, na qual as pessoas, seja
na escola, no trabalho ou no tempo livre, dão ampla preferência às ati-
vidades cujo suporte se dê em meio eletrônico. Isso explica a grande
difusão das tecnologias digitais em meio às ofertas de jogos educativos
(BUCKINGHAM; WILLETT, 2013).

É preciso reconhecer que a estratégia de incluir jogos durante


as atividades de ensino não é algo que funciona bem apenas para
crianças e jovens. O fato é que, assim como acontece com qualquer
esforço do dia a dia humano em busca de determinado objetivo a
ser alcançado, o estudo pode ser tomado do ponto de vista de um
trabalho como qualquer outro. Reconheça-se, ainda, que o cenário
mais comum é o de pessoas que estudam e trabalham, o que torna
presente o quadro de esgotamento físico e mental de muitos em ban-
cos escolares (BEAVIS; MUSPRATT; THOMPSON, 2015; DICHEVA et al.,
2015; WATSON; YANG, 2016).

É sabido que o revezamento, em ciclos, entre as atividades de alta


concentração (desgastantes) e os momentos de puro ócio (revigo-
rantes) favorece o desempenho intelectual. Ao mesmo tempo, o que
se observa é que o ato de se deslocar entre casa, trabalho e escola é
usualmente acompanhado de equipamentos eletrônicos portáteis. Há
até quem aproveite os pequenos ócios do cotidiano (intervalo para ba-
nheiro, lanche etc.) para recorrer aos dispositivos eletrônicos à mão.
Portanto, boa parte da estratégia dos jogos educativos, na atualidade, é
Glossário
aproveitar os próprios equipamentos pessoais de cada um (hardware),
app: aplicativo.
para lhes oferecer (por apps) uma experiência mais natural e despertar
mais engajamento dos usuários.

Os jogos educativos, desse modo, têm o propósito principal de con-


solidar o aprendizado do conteúdo formal das disciplinas. Contudo,
eles carregam consigo alguns benefícios adicionais: minimizam a des-
motivação com os estudos, controlam a indisciplina em sala de aula e
até mesmo servem de instrumentos de combate à evasão escolar.

O necessário, evidentemente, é uma liderança sobre esse pro-


cesso. O professor é o responsável pelo devido planejamento da in-
tensidade e da forma de utilização dos jogos educativos em meio às
suas aulas. Obviamente, não é toda aula de uma disciplina que pre-
cisa dispor desse tipo de recurso. Assim, deduz-se mais uma com-

Inovações na educação 101


petência a ser desenvolvida para a docência na atualidade, que é o
planejamento para a utilização dos jogos educativos. Por meio do
correto planejamento, garantem-se experiências mais proveitosas
desse tipo de recurso nas aulas, aumentando a participação dos
alunos em classe e a maior interação destes com os colegas – algo
que todo professor espera proporcionar a cada aula ministrada.
Os jogos oferecem, ainda, o complemento pedagógico para melhor
atender àquela parcela da turma que, devido a características cogni-
tivas específicas, tem mais dificuldade em compreender o conteúdo
quando este é exposto apenas na forma de aulas tradicionais.

Por ser o ato de brincar associado imediatamente ao público infan-


til, foi inevitável que se concretizasse a tendência de incluir jogos no
currículo dos cursos de nível fundamental, um movimento percebido
com mais ênfase nas instituições particulares de ensino. Tem-se perce-
bido um movimento no sentido de aproveitar os jogos educativos como
estratégias de ensino em disciplinas centrais, como é o caso da Mate-
mática, da Língua Inglesa e da Língua Portuguesa (BEAVIS; MUSPRATT;
THOMPSON, 2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016).

A educação infantil, potencializada pelos jogos educativos, faz com


que as crianças mal percebam que as atividades em que estão ocupa-
das têm cunho de aprendizado; não raro, ao se perguntar como foi o
dia para uma delas, a resposta é algo como “Ah, foi legal! Muitas brin-
cadeiras o dia todo”. E isso ocorre mesmo em meio aos cálculos exe-
cutados, às iniciativas de planejamento e controle, à negociação entre
Os mais variados jogos colegas e aos demais processos cognitivos de alto nível: os jogos educa-
digitais convivem com os
tivos permitem aprender sem perceber que se está aprendendo.
clássicos jogos off-line,
como o tradicional xadrez.
Contudo, o uso do lúdico, mesclado a atividades mais tradicio-
tock
p hoto/Sh
utters nais, é algo passível de ser explorado
Romrod
em todas as faixas etárias, que,
usualmente, respondem bem à
proposta. Entre jovens e adul-
tos, é evidente que esse tipo
de abordagem metodológica,
eventualmente adotada pelo
professor, vai ser inequivoca-
mente compreendida pelos
estudantes como uma for-
ma de promover a mediação

102 Novos caminhos para profissionais da educação


pedagógica, de modo diferente das crianças, que não têm ainda o
pensamento crítico que lhes permita refletir sobre o que é conteúdo
central e o que é método para fazer o conteúdo ser melhor assimi-
lado. As pesquisas em educação, como as de Watson e Yang (2016),
Beavis, Muspratt e Thompson (2015) e Dicheva et al. (2015), por sua
vez, têm mostrado que essa consciência do jogo não torna os partici-
pantes menos engajados. Essa adesão é proporcional ao nível de qua-
lidade da atividade proposta em sala de aula. Além do mais, é certo
que jovens e adultos têm uma maior sensibilidade quanto à necessi-
dade de se alternar momentos de concentração e descontração para o
bem de sua própria aprendizagem e retenção de conhecimento.

A autorregulação é um efeito prático bastante interessante como


proposta pedagógica, pois, em determinadas situações, quando os
alunos procedem seus cálculos ou julgam e decidem em meio ao in-
formal e espontâneo clima da brincadeira, o docente tem uma carga
de controle atenuada. Afinal, ele não precisa policiar em demasia se
determinado resultado atingido por um estudante está ou não correto,
porque muitas das situações são percebidas e alertadas pelos próprios
colegas. Se é uma atividade com disputa entre equipes, por exemplo,
é natural que os membros do time zelem pelo desempenho da equipe
pela qual respondem como corresponsáveis. Se é uma atividade em Atividade 1
que a refutação da proposta ou do resultado de outra equipe faz parte
No que diz respeito aos
do jogo, por meio da devida fundamentação no conteúdo ministrado participantes de um jogo
em aula, isso será feito sempre que necessário a fim de se garantir educacional, explique o aspecto
de autorregulação.
pontos na competição.

Competição, aliás, é um aspecto bastante importante para ser ana-


lisado no que se refere a jogos educacionais. De fato, há muitos edu-
cadores incomodados com esse tipo de atividade justamente por se
promover, efetivamente, uma concorrência em sala de aula – e a figura
de vencedores e vencidos pode ser demasiada cruel. Contudo, é mais
que evidente que a competição não deve ser o elemento que protago-
niza uma atividade de jogo educativo – talvez, a única exceção, mais
que justificada por motivos óbvios, seja o ensino do empreendedoris-
mo. Além disso, existem formas de organizar os jogos educacionais de
modo que, de várias etapas a serem cumpridas, a competitividade se
concentre preferencialmente em apenas uma delas, deixando as de-
mais explorarem o lúdico e o conteúdo de conhecimento, alvo daquela
ação (FOSTER; ESPER; GRISWOLD, 2013; WATSON; YANG, 2016).

Inovações na educação 103


Psicologicamente, o que se desperta, por meio do estímulo dos jo-
gos, é o desejo de vencer, muito mais do que um prêmio a usufruir
por causa dessa vitória. A recompensa pode ser (e muitas vezes é) tão
simbólica quanto uma mera salva de palmas; outras vezes, nem isso.
Portanto, o que anima os participantes nesse tipo de atividade é saber
que se aprende, mas com o adicional de se desfrutar da sensação de
1 vitória e de buscá-la, pouco importando, efetivamente, se ela será al-
Música da banda Motörhead, cançada ou não. É como o insinuado em uma antiga música da banda
lançada em 1980 como parte do 1
álbum Ace of Spades. Motörhead: “the chase is better than the catch [...]” (perseguir é melhor
que conquistar, em tradução livre).

Reforça-se que o bom planejamento preza por um dimensiona-


mento adequado das atividades, evitando excessos. As recomen-
dações práticas, por um lado, chamam a atenção a fim de não se
perder em demasia no aspecto lúdico, deixando que este ofusque o
conteúdo a ser ministrado; por outro lado, há de se evitar exagero
de regras no jogo que possam comprometer a própria diversão ine-
rente à atividade planejada.

Muitas questões de ordem prática só são contempladas efetiva-


mente após algumas experiências não tão bem-sucedidas, fazendo
com que a experimentação e o erro sirvam de aprendizagem ao pro-
fessor condutor dos jogos. Por exemplo: caso determinada atividade
faça uso de cálculos, não sendo de Matemática e afim ao conteúdo
principal da disciplina, é necessário ajustar o nível de dificuldade; do
contrário, pode-se incorrer no real risco de os alunos com mais facili-
dade para contas serem privilegiados.

Qualquer professor com alguma experiência em mesclar jogos


educativos com os conteúdos de suas aulas sabe (muitos por vivência
própria) que nenhum jogo educativo é bem-sucedido se a motivação
de alguns participantes custar a desmotivação de outros. Não é a mais
fácil das tarefas, mas a competência de se saber trabalhar com jogos
educativos passa justamente pela de dosar adequadamente a compe-
tição entre os estudantes.

Com dezenas de alunos em sala de aula, é estatisticamente espera-


do que se encontrem no grupo diferentes perfis de alunos, cada qual
com seus próprios níveis de capacidade cognitiva e poder de atenção.
Nesse sentido, uma proposta de aula que combine parte do ensino
convencional com jogos educativos tem a vantagem de aumentar a

104 Novos caminhos para profissionais da educação


probabilidade de que todos os estudantes encontrem os seus devidos
momentos de maior identificação e engajamento com o que é pratica-
do em classe (CHARMAN et al., 2011; BEAVIS; MUSPRATT; THOMPSON,
2015; DICHEVA et al., 2015; WATSON; YANG, 2016).

Quanto a essa diversidade, é necessário destacar que algumas pa- Saiba mais
tologias têm sido cada vez mais recorrentes na sociedade, como é o Segundo dados oficiais, no
final dos anos 1980, uma
caso da condição conhecida como transtorno de espectro autista. Por
em cada 500 crianças era
espectro, deve-se entender que não há um diagnóstico simplório de diagnosticada com autismo.
um indivíduo ser autista. Sem dúvida, os casos de autismo moderado Na atualidade, essa taxa
evoluiu para uma em cada 68
a severo são muito mais facilmente evidenciados, o que leva os indiví-
crianças. Para saber mais, acesse:
duos nessa condição (especialmente em idade escolar) a um mais rápi- https://nacoesunidas.org/
do tratamento – embora se discuta que tratamento seja algo destinado rejeitar-pessoas-com-autismo-
-e-um-desperdicio-de-poten-
a doentes, e autismo não é uma doença passível de cura, mas, sim, uma cial-humano-destacam-repre-
condição neurológica tipificada (CHARMAN et al., 2011). sentantes-da-onu. Acesso em:
14 fev. 2020
Na prática, a grande preocupação é voltada aos graus mais leves ou
tênues de autismo, pois, na distribuição na sociedade, eles são muito
mais frequentes e, ao mesmo tempo, de muito mais difícil percepção.
Não raro, docentes, pais e o próprio aluno em questão podem nem
mesmo desconfiar de viver essa condição. Por analogia, do mesmo
modo que etnias puras na raça humana simplesmente não existem,
é possível considerar que, em estrita análise, todas as pessoas são au-
tistas em algum grau. Obviamente, a maior parte da população é por-
tadora de nível insignificante dessa condição e, assim, são tidos, para
todos os efeitos, como indivíduos normais.

Segundo Charman et al. (2011), essa é uma discussão oportuna ao


menos por duas razões. Primeiramente, o autismo implica uma gran-
de dificuldade de comunicação, prejudicando diretamente, por conse- 2
quência, o desempenho na forma convencional de se assistir às aulas. Para exemplos de jogos educa-
A segunda razão é que são justamente os jogos educacionais que os tivos voltados especificamente
para o público autista, considere
especialistas recomendam como uma das melhores propostas didáti-
as opções disponíveis em portais
cas que podem ser desenvolvidas em turmas nas quais se encontram especializados, como é o caso
autistas (de todos os níveis). do Whiz Kid Games. Geralmente,
esses jogos são compostos por
Para esses alunos especiais, os jogos costumam ser a maior moti- opções mais restritas ou simples
vação para o aprendizado, resultando, assim, em uma ótima respos- para tomada de decisão do
2
jogador/estudante.
ta deles às atividades. É verdade que existem, no mercado , jogos
Disponível em: http://www.
educacionais especialmente projetados para o público autista, mas, whizkidgames.com. Acesso em:
em determinadas situações (dependendo da condição dos indivíduos 21 fev. 2020.

Inovações na educação 105


envolvidos), o mesmo jogo, seja ele digital ou convencional), pode ser
aplicado tanto aos alunos autistas quanto aos seus colegas com capa-
cidade cognitiva plena.
Livro Ainda quanto à explicação dos fatores de sucesso dos jogos para
No livro Gamificar: como a gami- atividades educacionais, há de se considerar que o gosto das pessoas
ficação motiva as pessoas a fazerem
coisas extraordinárias, que conta com pelo ato de jogar, somado ao momento histórico atual de digitalização
um grande número de exemplos e generalizada do mundo, resultou em um interessante fenômeno co-
miniestudos de caso, são analisados
os resultados do uso da estratégia nhecido por gamification – em português, ludificação, ou também a im-
da gamificação, permitindo provisada forma gamificação, que se tornou a mais difundida. Surgida
constatar o que pode ser feito para
envolver pessoas na obtenção de em 2008, a gamification é o uso do ambiente de jogos em um contexto
objetivos individuais e comuns, algo alheio a essa finalidade, como na indústria, na escola ou até mesmo
de particular interesse no campo da
educação. nas academias de ginástica (DICHEVA et al., 2015).
BURKE, B. São Paulo: DVS, 2015.
Sua proposta é que qualquer atividade humana possa ser tomada
como um jogo: estudar, trabalhar, cuidar da saúde, acumular patrimô-
nio etc. Isso levaria, então, a uma maior motivação na busca por atingir
os objetivos pretendidos, e o que ocorreu no mundo corporativo foi
uma rápida difusão da prática em ambientes organizacionais dos mais
diversos, começando pelas grandes empresas. A gamification transfor-
ma o trabalho do dia a dia em campanhas motivacionais, com o ape-
lo de um jogo: existem pontuação, objetivos a serem conquistados e,
também, as devidas recompensas no caso de sucesso.

De fato, o sucesso da gamification no mundo das grandes corpora-


ções se tornou tão substancial que, no mercado, já são encontrados
softwares especialmente dedicados a essa finalidade. Usualmente,
apresentam-se como redes sociais corporativas. Nesses ambientes,
desenhados para oferecer, simultaneamente, descontração e pro-
fissionalismo, os funcionários ganham seus perfis individuais, quase
sempre como avatares (personagens) de jogos eletrônicos. Eles são,
mediante essa plataforma, recrutados pelos colegas para campanhas
(projetos da empresa), acumulam pontos, aparecem em rankings lista-
dos publicamente, contam com bônus e poderes especiais concedi-
dos pelo “jogo que não é jogo”, entre outras amenidades. Ao mesmo
tempo, esse sistema provê os recursos convencionais de uma rede
social interna (incluindo o curtir/comentar/compartilhar). Boa parte
do sucesso desses sistemas junto aos funcionários se explica em
função da característica de mobilidade. Como apps em smartphones,
o jogo está sempre presente nas atividades profissionais da pessoa
(dentro ou fora da sede da empresa).

106 Novos caminhos para profissionais da educação


Sendo assim, inevitavelmente, a gamification acabou por encontrar
fértil terreno também na indústria da educação. No geral, as platafor-
mas de e-learning costumam ser adaptadas para o visual de jogo, em
ação parecida com o que ocorre nas redes sociais corporativas das em-
presas em geral. Tendo, entre seus avatares, professores e alunos, os
ambientes educacionais eletrônicos gamificados, mesmo nas modali-
dades de EaD e Mooc, proporcionam uma experiência lúdica e pedagó-
gica, simultaneamente. Nesses termos, a grande recompensa é o nível
de qualidade de aprendizado que se garante aos estudantes.

6.2 Aula invertida e ensino híbrido


Vídeo Aula invertida é uma tradução literal do termo original em inglês
flipped classroom, que se refere a uma estratégia de ensino e aprendi-
zagem que altera o tradicional pressuposto de ir para aula para apren-
der e fazer atividades extraclasses para consolidar o conhecimento.

Na aula invertida, o que ocorre é que, fora da sala de aula, o estu-


dante estabelece seu primeiro contato com um novo conhecimento e,
em seguida, dentro da sala, esse conhecimento é melhor trabalhado
em discussões e atividades de mais alto nível. Na prática, isso significa
uma preparação prévia do aluno para poder aproveitar o encontro pre-
sencial (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017).
Atividade 2 Essa alteração traz importantes impactos sobre o papel do estudante
Explique qual e do docente. Aliás, é interessante observar que a aula invertida, em seu
é a “inversão” conceito central, não está relacionada, necessariamente, ao emprego da
proposta pela
aula invertida. tecnologia da informação. Contudo, na prática, o maior nível de informa-
tização costuma ser associado a condições mais favoráveis para explorar
essa modalidade de ensino. Isso se explica em função das tecnologias
digitais oferecerem uma ampla gama de alternativas, tanto para a pre-
paração do estudante para o encontro presencial (estudo prévio) quanto
para dinamizar as próprias atividades em sala de aula.

Da mesma forma que essa modalidade exige mais do aluno, ao


professor, também é demandado um melhor preparo para o exer-
cício de sua atividade de ensino. Afinal, nos encontros presenciais,
se, por um lado, o docente pode melhor aproveitar o tempo, alivia-
do da carga de transmitir um conteúdo básico, a contrapartida é
oferecer atividades de mais alto nível, que se traduzem em contex-
tualizar o conhecimento junto à turma, fomentar a análise crítica

Inovações na educação 107


do conteúdo, promover discussões em grupo e estimular ações de
significar o aprendido; enfim, uma mentoria que explora o máximo
do potencial do profissional de educação.

A aula invertida aposta no esgotamento do modelo clássico de instrução,


conhecido por colocar o professor como foco de atenção. Na aula expositiva
convencional, o conteúdo é essencialmente transmitido pelo docente, sen-
do o final da aula destinado a esclarecer eventuais dúvidas. A desvantagem
é que, normalmente, há pouco espaço para atividades mais elaboradas no
encontro presencial, uma vez que a prioridade é aproveitar o tempo dispo-
nível para repassar o conteúdo da disciplina; para alunos que não tiveram,
até então, contato com o objeto do conhecimento, praticamente a totalida-
de da aula é consumida nessa atividade de instrução básica.

Por outro lado, a aula invertida não significa a condenação absoluta do


modelo tradicional que imperou ao longo das últimas décadas. É fato que
muitas pessoas de grande sucesso foram educadas segundo a forma con-
vencional de ensino. Não existem modelos absolutamente perfeitos e, em
resposta a críticas associadas a uma maior passividade dos alunos na aula
tradicional, a aula invertida se propõe a, deliberadamente, deslocar a instru-
ção para uma alternativa mais centrada no estudante, o que é importante,
sem abrir mão da função do professor. Essa nova abordagem pedagógica
se destaca justamente pelo aproveitamento do tempo em sala de aula para
uma exploração mais aprofundada e de maneira contextualizada do con-
teúdo disciplinar (KING, 1993; ROEHLING et al., 2017).
Na aula invertida, o estudante Artigo
estabelece seu primeiro contato
com um novo conhecimento
http://periodicos.pucminas.br/index.php/arquivobrasileiroeducacao/article/view/P.2318-7344.2015v3n6p65/10170
e, em seguida, dentro da sala,
esse conhecimento é melhor
No artigo Contributo das tecnologias digitais para o desenvolvimento de compe-
trabalhado em discussões e
tências do século XXI em uma aula invertida, da autora Adelina Silva, publicado
atividades de mais alto nível.
na revista Arquivo Brasileiro de Educação, em 2015, a transformação digital
do ensino e da aprendizagem é avaliada pela perspectiva da aula invertida,
revelando importantes pontos de atenção para o educador contemporâneo.

Acesso em: 14 fev. 2020.


Syda Producti
ons/Shuttersto
ck

108 Novos caminhos para profissionais da educação


A informatização realmente potencializa as formas como o aluno
trabalha o conteúdo fora de sala de aula. Prova disso são os vídeos on-
-line, com recursos bastante avançados, como alta definição, interativi- 3
3
dade, dublagem ou tradução multilíngue (o que inclui Libras e demais Libras é a sigla para Língua
línguas de sinais), apenas para citar algumas das possibilidades. Para Brasileira de Sinais, adotada pela
maioria dos surdos brasileiros e
muito além dos vídeos, outras práticas recorrentes são utilização de
reconhecida pela Lei Federal n.
discussões colaborativas em ambiente on-line, pesquisas pela internet 10.436/2002.
e acesso a material para leitura com design responsivo, ou seja, quando
a tela do dispositivo utilizado, como TV, tablet e smartphone, adapta-se
automaticamente para oferecer uma melhor leitura.

A discussão sobre melhor efetividade entre o método conven-


cional e a aula invertida precisa considerar o grau de educação
envolvido. Uma vez que o propósito da alternativa pedagógica é o
desenvolvimento de uma capacidade intelectual avançada, em tese,
o público universitário responde melhor que estudantes em nível
de educação infantil básica. Para crianças, não parece fazer muito
sentido uma preparação, fora de sala de aula, para conteúdos como
matemática básica ou mesmo alfabetização fundamental.

Existem alguns pontos desfavoráveis na modalidade de aula inverti-


da; um deles é a questão da inclusão digital. Em regiões mais carentes
do Brasil, por exemplo, ter acesso a computador e internet ainda é um
luxo que muitas pessoas só podem usufruir, quando muito, dentro do
ambiente escolar. A consequência é que uma aula invertida pautada em
recursos informatizados implica o risco de se excluir uma parcela dos es-
tudantes, que não poderiam realizar sua preparação extraclasse. Nesses
casos, não parece haver muita alternativa ao professor, senão fornecer
materiais impressos para seus alunos lerem em casa, o que se traduz em
custos indesejáveis à instituição de ensino e, sem dúvida alguma, custos
inviáveis para que o professor absorva por conta própria.

Críticos também apontam o despreparo de alguns estudantes, so-


bretudo nos níveis iniciais, em ter que assumir, subitamente, a res-
ponsabilidade pelo autodesenvolvimento, principalmente se já estão
habituados, há um bom tempo, com o modelo convencional de en-
sino. Teme-se que, caso eles fiquem desmotivados com a nova pro-
posta, abandonem o curso. Visando evitar a evasão escolar por esse
motivo, é recomendável que os professores e as instituições de ensino
promovam, gradativamente, a adoção da aula invertida (KING, 1993;
ROEHLING et al., 2017; TONDEUR et al., 2017).

Inovações na educação 109


Os professores também se veem desafiados a uma melhor prepara-
ção para lograr êxito com essa modalidade didática. Afinal, o tempo de
preparação de aula pode ser muito maior que o utilizado para as aulas
convencionais, porque a tarefa envolve desenvolvimento de materiais,
como conteúdos multimídia. Não se pode ignorar que precisa ser de-
vidamente contabilizado o treinamento docente em novas tecnologias
digitais, por exemplo, para operar lousas eletrônicas e sistemas de edi-
ção de vídeo, quando houver.

Esses pontos sensíveis justificam a cautela com que a aula invertida


deve ser trabalhada nas instituições de ensino. Não raro, haverá uma
sensação de estranheza, mesmo que temporária, por parte de docen-
tes e discentes nessa nova forma de realizar a aula. O novo contexto
educacional faz com que o aluno se veja obrigado a “aprender a apren-
der” nessa modalidade, bem como o professor precisa se preocupar
em “aprender a ensinar” nesses termos.

Essa ponderação entre vantagens e desvantagens leva a uma con-


clusão importante: melhor que optar pela exclusividade de um ou ou-
tro modelo, parece ser bastante útil saber como mesclar o melhor de
ambas as propostas, visando somar os pontos favoráveis e anular ou
minimizar os aspectos desfavoráveis. Por isso, a discussão a respeito
de aula invertida conduz, invariavelmente, à análise do assim chama-
do ensino híbrido (LINDER; WEHLBURG, 2017; ROEHLING et al., 2017;
TONDEUR et al., 2017).

A pedagogia de abordagem híbrida faz uso da tecnologia para ofe-


recer uma ampla variedade de ambientes de aprendizagem para os
alunos. Os docentes, ao adotarem essa linha de trabalho, podem fo-
mentar a capacidade de aprendizado dos estudantes quanto à sua di-
versidade de preferências e costumes. Na aula híbrida, combinam-se
atividades presenciais com outras mediadas por tecnologias digitais.
Isso proporciona melhor aproveitamento dos momentos presenciais,
ao mesmo tempo que se garante uma orientação mais precisa das
atividades extraclasse. Assim, os cursos híbridos também buscam a
redução do tempo investido em encontro presencial, preservando ao
máximo a sua qualidade.

A diversidade dos perfis de estudantes em uma turma é melhor


atendida com o modelo híbrido de aula. Quanto mais numeroso é
um grupo de alunos, mais comum é encontrar os tipos extremos: de

110 Novos caminhos para profissionais da educação


um lado, aqueles que são exageradamente comunicativos; de outro,
aqueles que nunca se manifestam. Existem alunos que podem ter o
raciocínio mais ágil até mesmo que o do professor que ministra deter-
minado conteúdo. Já outros estudantes podem necessitar de muitas
explicações e demonstrações para conseguir entender o tema estu- Atividade 3
dado e, mesmo assim, talvez, sem a garantia de uma compreensão Explique o motivo de o
plena. Nesses termos, o que se conclui é que o uso de diversas tecno- modelo de ensino híbrido atingir
logias educacionais em classe é bastante oportuno, pois as necessida- melhores resultados em turmas
com perfis diversificados de
des pontuais dos diferentes perfis de alunos são atendidas, mesmo estudantes.
que em momentos distintos.

A proposta híbrida é interessante aos professores por oferecer op-


ções no gerenciamento do aprendizado de seus alunos, principalmente
no que se refere à realização de atividades extraclasse. Algumas das
iniciativas à disposição são comunidades on-line de aprendizagem, de-
bates síncronos e assíncronos, entre tantas outras formas de colabo-
ração digital, para estimular os alunos a um melhor aproveitamento
do material didático. Uma tática que costuma ser bem-sucedida é, por
exemplo, depois de uma palestra ou exposição gravada na internet, o
docente indicar material complementar, como sites, infográficos, vídeos
de curta duração, canais especializados no YouTube, textos opcionais,
entre outras possibilidades, para que os estudantes possam ir mais a
fundo na exploração de determinado tema.

Na ótica dos estudantes, um atrativo do ensino híbrido é o self-pace


(autorritmo, em português), uma forma de respeitar as condições in-
dividuais de aprendizado de cada indivíduo. Colocar a ideia em ação
envolve algumas iniciativas simples. Por exemplo: ao se dispor de um
material didático on-line, destinado a ser acessado fora do horário do
encontro presencial, um aluno consegue repetir seu estudo tantas ve-
zes quanto seja necessário para garantir seu aprendizado. Dessa for-
ma, em uma abordagem híbrida, mesmo que o “cada um no seu ritmo”
tenha seus limites (pois sempre existe um conteúdo mínimo e um pra-
zo máximo a serem atendidos), deixar cada aluno ajustar ou regular
seu progresso de aprendizado justifica a boa receptividade que o ensi-
no híbrido encontra na sociedade.

Em suma, a proposta híbrida pode ser entendida como um momen-


to histórico de transição na história da educação. Nos dias atuais, ocorre
um inegável confronto entre as promissoras (mas talvez utópicas) novas
tecnologias e a realidade socioeconômica de países em desenvolvimen-

Inovações na educação 111


to, como o Brasil. O híbrido é, essencialmente, uma etapa estratégica
nesse movimento de gradual digitalização da sociedade, que envolve
por completo e irreversivelmente a indústria da educação. De qualquer
modo, alguns dos fundamentos essenciais do processo de ensino e
aprendizado convencionais devem perdurar ainda por muito tempo.

6.3 Convivência com dispositivos móveis


Vídeo Os tempos são outros. Jogos eletrônicos e sistemas portáteis de
som são apenas alguns dos recursos que, nos dias atuais, apresentam-
-se com acesso instantâneo por meio de um único dispositivo portátil:
um smartphone, onipresente nas mãos dos estudantes. Mas existe uma
boa variedade de equipamentos eletrônicos, dos próprios alunos, que
Glossário
transitam de modo cada vez mais frequente nos ambientes escolares.
gadget: termo em inglês
que descreve qualquer tipo de
No geral, são tratados como gadgets. Os gadgets levam as instituições
equipamento eletrônico portátil de ensino ao fenômeno da clandestinidade tecnológica: os ambientes
de uso individual. passam a contar com equipamentos trazidos e mantidos pelos estu-
dantes à revelia do professor e da escola. Esses equipamentos intera-
gem fortemente com os próprios dispositivos oficiais da instituição de
ensino, causando, por exemplo, uma sobrecarga no wi-fi ou na rede
local da escola (ELLOUZE et al., 2015; OSICEANU, 2015; SONG; KONG,
2017).

Há uma série de implicações disso sobre o processo de ensino e apren-


dizagem, revelando um quadro complexo que não permite uma resposta
tão trivial à questão sobre continuar, ou não, proibindo o uso desses equi-
pamentos e penalizando aos que desobedecerem a essa norma. De todo
modo, é uma questão sobre a qual os professores da atualidade precisam
se envolver, pois, da complexidade mencionada, emanam vantagens e
desvantagens na política de tolerar esses equipamentos.

O fato é que um smartphone nas mãos de quase todas as pessoas es-


pelha a realidade da computação móvel e ubíqua (onipresente) na socie-
dade. Esses equipamentos acompanham seus proprietários não apenas
na escola, mas virtualmente em todas as atividades do dia a dia. Já há
muito tempo, o objeto não se resume mais a um aspecto de ostentação
efêmera, mas sim de um aliado essencial para a comunicação cotidiana.

Existem evidências que sustentam esse estilo de vida digital ubíquo,


de estar conectado com tudo e todos a todo momento, e cada vez mais

112 Novos caminhos para profissionais da educação


os alunos também procuram usar seus
equipamentos para buscar informações
relacionadas à aprendizagem. A tolerân-
cia do professor, portanto, deve ser na
medida da percepção de responsabili-
dade da turma sob seus cuidados.

O simples veto inegociável ao uso


desses equipamentos acaba por se
mostrar contraproducente na prática.
Isso ocorre por uma razão bastante contun- karelnoppe/Shutterstock
4
dente: vive-se a era da Internet das Coisas . Nesse cenário, não há Jogos eletrônicos e sistemas
portáteis são apenas alguns
medidas de controle absoluto sobre tudo o que um indivíduo – o dos recursos que, nos dias
aluno, nessa análise – carrega consigo que representa uma conexão atuais, apresentam-se com
acesso instantâneo por meio de
à internet (e a tudo o que por ela se acessa). um único dispositivo portátil.

Diante de uma tendência irrefreável e totalmente envolvente em 4


termos da sociedade em geral, melhor que um pontual e inútil comba- Internet das Coisas é um
te reacionário à novidade que se apresenta é utilizá-la para os fins que termo que designa uma nova
fase da computação móvel,
se deseja. Isso é especialmente aplicável aos professores, que podem transformando qualquer artefato
aproveitar para “surfar na onda” do tsunami tecnológico da Internet das em um objeto conectado à rede;
por exemplo: canetas, relógios,
Coisas (KIM; MAUBORGNE, 2014; SONG; KONG, 2017).
roupas, eletrodomésticos,
Nesse tocante, as oportunidades são as mais variadas possí- automóveis, entre outros.

veis. A começar pela questão da comunicação dentro e fora da


sala de aula. Os docentes ganham mais opções para se comunicar
com os estudantes a qualquer tempo e em qualquer lugar. Alguns
exemplos são as mais diversas plataformas de redes sociais (sen-
do a maior delas o Facebook) e os sistemas de gestão de aprendi-
zagem (Moodle e congêneres).

Há algum tempo, muito se discute nos círculos pedagógicos so-


bre o melhor uso da aprendizagem baseada em problemas (do inglês
problem-based learning). Os gadgets podem, então, representar uma
excelente oportunidade para expandir a aprendizagem baseada em
problemas dentro e fora da sala de aula, com os professores exploran-
do esse recurso ao longo de todo o curso.

Um fato que chama a atenção é a possibilidade de melhor en-


gajamento dos estudantes nas apresentações e nos eventos de

Inovações na educação 113


grande porte. Afinal, os docentes podem melhor se comunicar com
sua plateia; de outro modo, era até então pouco provável que um
aluno mais tímido ou inseguro se manifestasse em uma palestra
ou aula magna com 200 ou mais pessoas. Com um smartphone em
mãos, em uma situação como essa, todos na plateia ficam com as
mesmas oportunidades de, por exemplo, mandar uma mensagem
com uma questão e serem atendidos.

Os gadgets podem, certamente, diminuir a eventual defasagem


entre as aulas e as tutorias, pois respostas on-line, como as que são
obtidas em questionários eletrônicos, podem ser imediatamente apro-
veitadas para conduzir discussões nos tutoriais, ajudando a regular o
nível das aulas ao perfil dos alunos que assistem a elas.

Não restam dúvidas sobre o potencial de melhoria do monitoramen-


to do processo de aprendizado dos alunos. Isso se justifica porque as
respostas on-line conseguem ser utilizadas para acompanhar o progres-
so de aprendizado dos alunos, permitindo que se façam ajustes na for-
ma de conduzir o curso ou a disciplina sempre que isso seja necessário.
Atividade 4
O apelo lúdico das novas tecnologias também prevalece para con-
Discorra sobre explorar o lado tribuir com a motivação dos alunos, tendo em vista seu aprendizado.
lúdico dos gadgets dos alunos
Nesse sentido, os docentes motivam a turma para aprender ao permi-
em sala de aula.
tir que seus apps favoritos sejam empregados para experimentação,
construção, criação e demonstração das entregas das atividades de
aula (ELLOUZE et al., 2015; OSICEANU, 2015; SONG; KONG, 2017).

Recursos como Dropbox e Google Drive são alguns dos exemplos em


que se podem conceber atividades mais colaborativas, o que ajuda no
envolvimento dos alunos mediante seus próprios dispositivos de acesso.
As demais sugestões práticas são:
•• oferecer aos estudantes acesso a recursos e informações rela-
tivos ao curso ou à disciplina, dentro e fora da sala de aula, em
regime permanente (24 horas por dia, 7 dias por semana);
•• melhorar a interação dos estudantes com o trabalho dos seus co-
legas, dentro e fora da sala de aula, mediante compartilhamento,
revisão e comentário do resultado das atividades uns dos outros;
• • garantir a continuidade do trabalho da turma após o encon-
tro presencial.

114 Novos caminhos para profissionais da educação


Em compensação, os inevitáveis aspectos negativos de conviver com
os gadgets dos alunos exigem uma grande desenvoltura do professor
para endereçar algumas questões de ordem técnica, social e pessoal.
No que se refere à natureza técnica, é preciso reconhecer os limites de
funcionalidades dos aplicativos. Ocorre que algumas versões de apps
móveis, como planilhas eletrônicas e editor de texto, por exemplo, não
se mostram totalmente funcionais, especialmente no que diz respei-
to aos recursos mais avançados, quando comparados aos aplicativos Glossário

originais para desktop. Isso pode levar alguns alunos a encontrarem desktop: computador de mesa.
dificuldade na realização de determinadas atividades.

Outro problema relevante é que muitos sistemas eletrônicos de ges-


tão de aprendizagem não foram projetados originalmente para outros
dispositivos que não a tradicional estação de trabalho fixa, ou seja, não
são mobile-friendly, termo original em inglês que designa a abordagem
que adapta o uso para dispositivos móveis. Além do mais, ocorre que
os aplicativos em versão de navegador web podem, algumas vezes,
não exibir corretamente caracteres especiais, como letras gregas, por
exemplo, muito presentes em disciplinas como Matemática e Física.

O tamanho limitado das telas dos dispositivos móveis é algo


realmente relevante: uma vez que os gadgets são usualmente me-
nores que computadores convencionais, o tamanho das telas pode
implicar em problemas de visualização e/ou navegabilidade para
o usuário, devido à menor capacidade de apresentar informações
simultâneas. Por exemplo, não é possível ler adequadamente um
questionário eletrônico ou documento PDF.

Não é só no Brasil que a infraestrutura de wi-fi é um problema de


ordem prática; é bastante comum que redes corporativas de wi-fi não
sejam estáveis (devido à imensa quantidade de acessos simultâneos
e à área muito grande de cobertura de sinal). O que o professor deve
sempre considerar como plano de contingência é o uso de conexões in-
dividuais (3G/4G), visando evitar problemas como carregamento lento
de conteúdo on-line e falhas repetitivas de conexão.

Às vezes, os obstáculos surgem das situações mais impensadas,


como a quase sempre estrutura insuficiente para recarga de bate-
rias, pois simplesmente não há tomadas para todos. A autonomia
das baterias é um problema de ordem maior dos dispositivos mó-
veis. Eles exigem recargas frequentes e, usualmente, as salas de

Inovações na educação 115


aula não dispõem de uma relação 1:1 entre número de alunos e
número de tomadas disponíveis.

Ainda na categoria técnica, o poder computacional se revela um


problema que não se pode ignorar. Principalmente em cursos da área
de tecnologia da informação, os alunos tendem a preferir os tradicio-
nais desktops dos laboratórios de informática, tanto em razão da ca-
pacidade de hardware (armazenamento/processamento) quanto pelo
conforto ergonômico de um teclado convencional.
Glossário Na categoria social, a equidade, o suporte técnico e a menor comu-
equidade: respeito à igualdade nicação presencial são os principais elementos a considerar. Quanto à
de direitos.
equidade, é preciso reconhecer que, quando os estudantes são deman-
dados a trazer seus próprios dispositivos, é provável que alunos em
melhor situação socioeconômica disponham de máquinas melhores,
e a diferença de desempenho entre elas é uma questão a ser adminis-
trada. No tocante ao suporte técnico, o que ocorre é que os setores de
suporte de informática das escolas precisam, inevitavelmente, dispor
de mais pessoal para atender aos chamados de docentes e discentes.
Finalmente, quanto à menor comunicação presencial, não há dúvidas
de que a interação pessoal diminui à medida que a digital aumenta,
com riscos, por exemplo, de uma maior burocratização das relações
entre as partes envolvidas.

Finalmente, as questões de ordem pessoal envolvem, primeiramen-


te, analisar a competência técnica da equipe de professores. É claro
que será mais difícil para aqueles docentes que não têm muita intimi-
dade com a informática ter que, subitamente, conviver com estudan-
tes que se acostumem cada vez mais a usufruir de recursos originados
desses novos canais digitais de relacionamento.

Não se pode fazer vista grossa à própria questão da competência


técnica dos alunos. Afinal, os estudantes, provavelmente, demanda-
rão algum tempo para que fiquem familiarizados com seus próprios
dispositivos móveis sendo utilizados na aula a que assistem. Normal-
mente, os celulares inteligentes possuem muito mais recursos do que
aqueles que são usados de fato no dia a dia. Muitos desses recursos,
portanto, existem, mas são obscuros para os proprietários dos apa-
relhos. Pode ocorrer que algum aluno seja um exímio digitador de
mensagens em redes sociais ou WhatsApp no seu equipamento, mas,
ao mesmo tempo, nunca tenha passado pela situação de digitar uma

116 Novos caminhos para profissionais da educação


equação no seu celular durante uma atividade na aula de Matemática Vídeo

(ELLOUZE et al., 2015; SONG; KONG, 2017). No vídeo Estamos ficando mais
burros?, publicado pelo canal
É inegável, também, que existem professores naturalmente Nerdologia, são discutidas
mais resistentes ou desconfortáveis em utilizar dispositivos móveis questões como foco, nível de
atenção, presença de dispositivos
para atividades em sala de aula, pelos mais variados motivos. Isso eletrônicos em sala de aula,
pode ser razão suficiente para nunca elevar uma política de re- flexibilidade mental e algumas
ceptividade aos gadgets em classe como algo institucionalizado de ponderações sobre o efeito
Flynn (o aumento constante
maneira geral em uma escola. do índice de acerto médio da
população mundial nos testes
O professor precisa ter alguns critérios bastante práticos; por
de QI), permitindo direcionar
exemplo, o fator do consumo de tempo. Sem dúvida, algumas si- debates mais assertivos sobre a
tuações podem despender mais tempo para sua realização em questão dos gadgets em ensino
e aprendizagem.
dispositivos móveis do que nos computadores convencionais, uma
Disponível em: https://www.
típica situação em que é necessário ponderar se uma atividade youtube.com/watch?v=nW-
nesses meios ajuda ou atrapalha. -Mqe9Tgjc. Acesso em: 21 fev.
2020.
Finalmente, reconheça-se que nem todo curso ou disciplina pode
comportar essa prática com os mesmos bons resultados esperados.
Mais uma vez, é uma atribuição do docente se antecipar quanto a cená-
rios indesejados dos gadgets dos alunos no processo de ensino e apren-
dizado, sob o risco de comprometer a qualidade de sua aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Jogos educacionais, aula invertida, ensino híbrido e gadgets como re-
cursos a serem utilizados em sala de aula são apenas algumas das inova-
ções que se observam no cenário da educação nos dias atuais.
O profissional da educação precisa ter em mente que modismo e
inovação são conceitos diferentes; enquanto o primeiro é pueril e insus-
tentável, o segundo demonstra que uma determinada prática foi verda-
deiramente incorporada em definitivo pelo mercado, que ganhou difusão
e estabeleceu-se como um novo padrão. A importância de se estar cons-
ciente disso é a garantia de manter a competitividade do professor no
mercado de trabalho, buscando as competências adicionais que subi-
tamente se façam necessárias, mas que o profissional ainda não tenha
desenvolvido. Assim, é vital que o professor acompanhe periodicamente
o que vai surgindo de inovação no seu campo de atuação, um monitora-
mento que, evidentemente, nunca tem fim.

Inovações na educação 117


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ROEHLING, P. et al. The benefits, drawbacks and challenges of using the flipped classroom
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learning and teaching in higher education: teachers’ perspectives. The Internet and Higher
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learning. Journal of Interactive Learning Research, v. 27, n. 2, p. 153-170, 2016.

GABARITO
1. Com a autorregulação, os alunos ficam naturalmente inclinados a zelar pela disciplina
em sala de aula e a contribuir com as colocações dos colegas.

2. Na prática, a aula invertida pressupõe uma melhor preparação do estudante para o


encontro presencial, pois o contato inicial com o conhecimento é feito fora da sala de
aula, e o aprofundamento conceitual se dá no encontro com o professor.

3. Quanto mais numerosa for uma turma, maior é a probabilidade de se encontrar perfis
distintos de alunos, dos mais comunicativos aos mais introvertidos. Uma diversidade
de ofertas tecnológicas, portanto, tem mais chance de atender às necessidades pon-
tuais dos estudantes.

4. A liberdade que o professor dá aos alunos para que eles empreguem seus próprios
apps favoritos no desempenho de suas atividades de aula é um importante aspecto
motivacional que explora o apelo lúdico das novas tecnologias.

118 Novos caminhos para profissionais da educação


7
Novas competências
comportamentais
É possível elaborar uma lista virtualmente infindável de quali-
dades a serem desenvolvidas no aspecto comportamental para
que um professor seja um profissional de reconhecida distinção.
Muitas dessas qualidades são inter-relacionadas e é admissível
que alguns atributos sejam mais valorizados em determinadas si-
tuações profissionais do que em outras.
Assim, este capítulo se ocupa em focar três competências abso-
lutamente universais para os professores do século XXI: liderança,
relacionamento interpessoal e motivação. Juntas, elas promovem
a formação de educadores do mais alto nível e bem-sucedidos em
suas carreiras profissionais. À parte da discussão sobre vocação, o
que importa é que são competências que podem ser aprendidas e
desenvolvidas por qualquer perfil de profissional docente.

7.1 Liderança
Vídeo Uma vez que as atividades de docência podem ser categorizadas
entre as funções de ensino, pesquisa, gestão e extensão, muitos pro-
fessores deduzem, com razão, dois fatos incontestáveis: o primeiro é
que a maior responsabilidade em gestão normalmente significa me-
lhor remuneração; o segundo é que as oportunidades de trabalhar com
gestão vão naturalmente surgindo, conforme o grau de liderança que
o profissional consegue desenvolver ao longo da sua atuação. Assim,
grande parte dos profissionais da educação associam a necessidade de
Glossário
aprimorar sua liderança a um mais profícuo plano de carreira, em que
profícuo: que é frutífero;
alguma posição de chefia seja um marco determinante (WILKERSON,
proveitoso.
1999; DONALDSON JR., 2007; ARENDS, 2014).

Novas competências comportamentais 119


Enganam-se, porém, aqueles que pensam que apenas os profes-
sores gestores são efetivamente líderes. Diferentes atributos levam
um professor a ser verdadeiramente um líder, qualquer que seja sua
frente mais destacada de atuação entre ensino, pesquisa, gestão e
extensão. Em todos os campos profissionais, é sabido que nem todos
os perfis de indivíduos são compatíveis com posições de gestão; isso
não é diferente no ramo da educação. Então, o que acontece é que
muitos professores conseguem ser muito bem-sucedidos em seu tra-
balho, mesmo que não tenham atribuições de gestor. Essa liderança
mais ampla, que excede as atribuições meramente administrativas, é
a que merece ser analisada.

Segundo Donaldson Jr. (2007), talvez poucos profissionais tenham


uma oportunidade tão clara de desenvolvimento de liderança no seu
dia a dia quanto o professor no exercício de suas atividades em sala
de aula. Diante da turma de alunos, o seu papel de conduzir as ati-
vidades em classe naturalmente determina que ele é a maior autori-
dade naquele ambiente. Algumas autoridades se impõem pelo medo
que os alunos têm de serem repreendidos ou penalizados; outras são
conquistadas por meio do sentimento de respeito genuíno transmitido
Líderes são seguidos pela conduta adotada em classe. Esse é um bom indicativo preliminar
espontaneamente por seus
liderados, que entendem que de liderança para o professor: quanto mais ele precisa impor seu poder
faz sentido escolher seguir disciplinar para controlar uma turma, pedindo silêncio, repreendendo
alguém que lhes inspira algo
positivo. e penalizando, menor parece ser seu poder de liderança efetiva.

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120 Novos caminhos para profissionais da educação


Diz-se que, nas profissões em geral, líderes são difíceis de serem Livro
encontrados. Afinal, eles exibem uma mistura singular de carisma, vi- No livro Ensinando
inteligência: manual de
são e caráter, o que faz com que as pessoas de seu convívio se sintam instruções do cérebro de
atraídas para segui-los. Então, no ambiente de sala de aula, com uma seu aluno, sustenta-se a
tese de que inteligência
convivência intensa e constante entre professor e alunos, é bastante aprende-se, estimula-
natural que os docentes que fazem seu trabalho com qualidade sejam -se e ensina-se. Essa
perspectiva é bastante
reconhecidos como líderes pelos estudantes. Nesse aspecto, preservar interessante para os
um bom relacionamento com os alunos é fundamental para o docente líderes educacionais.

que busca aprimorar continuamente a sua liderança. PIAZZI, P. São Paulo: Aleph, 2009.

A liderança não é um papel que alguém clama para si sem a devida


legitimação dos liderados, mas não é por isso que o líder fica alheio a
essa sua condição de escolhido. Os líderes reconhecem que eles pre-
cisam, sim, atrair seguidores. De fato, os seguidores são o fator-chave
para se compreender a liderança. Afinal, para seguir alguém, as pes-
soas precisam confiar na direção para a qual o líder aponta e, para que
proporcionem esse nível de confiança, os líderes precisam, sobretudo,
comunicar claramente o propósito da direção que seguem, os resulta-
dos almejados naquela empreitada e as principais estratégias a adotar
para que tais resultados possam ser realmente alcançados.

De acordo com Donaldson Jr. (2007), um professor líder é aquele


que convence seus alunos não por manipulação, mas por persuasão.
Ele os engaja no propósito do curso ou da disciplina que ministra. Um
aluno engajado está sensibilizado quanto ao que precisa ser feito,
como fazê-lo e o significado de atingir o resultado planejado de seu
aprendizado. Reconhece-se, ainda, que se as melhores oportunidades
de desenvolver a liderança do docente nascem em meio aos seus alu-
nos na sala de aula, tal capacidade de influência para um propósito
comum pode ser estendido aos seus pares (os colegas de profissão),
seja para o aprimoramento profissional ou qualquer outro propósito
que o grupo tenha interesse.

Ainda de acordo com Donaldson Jr., diante dos problemas do cotidia-


no, uma das virtudes do líder – qualidade, aliás, imediata e facilmente per-
cebida por seus seguidores – é que seu foco de interesse está no fato e
no processo deficiente, e não nas pessoas a se culpar. Com efeito, um dos Glossário
maiores temores das pessoas subordinadas a lideranças autocráticas lideranças autocráticas:
é o clima de “caça às bruxas” que é instaurado, o que é ruim, pois quem tipo de liderança em que o poder
de decisões está centralizado
se sente ameaçado tende a acobertar problemas para evitar maiores
no líder.
desconfortos. As lideranças legítimas, por sua vez, conduzem à situação

Novas competências comportamentais 121


oposta, pois as pessoas se sentem incentivadas a relatar ocorrências e
até a identificar problemas, porque sabem que serão amparadas pela
filosofia de melhoria contínua que o líder procura trabalhar perma-
nentemente. Em suma, mais importante do que “quem cometeu esse
erro?” é “o que podemos fazer para resolver isso?”.

Tal abordagem não é útil apenas para manter a qualidade, mas tam-
bém para buscar a inovação nas atividades propostas. Afinal, a tolerância ao
erro e à experimentação (que pode, na maior parte das vezes, não produzir
resultados desejados) é fundamental para que inovações sejam desenvol-
vidas. Atingir os resultados, em algum momento, é o que se busca; então, o

Glossário líder precisa ser hábil em dosar seu estímulo à experimentação e tolerância
ao erro com o pragmatismo de se buscar e realmente atingir aquilo que
pragmatismo: ponto de vista
prático. foi proposto. Enfim, em um ambiente escolar, como durante a realização
de uma aula ou de uma pesquisa científica, os meios podem ser os mais
variados, mas o fim deve ser garantido.

Para Donaldson Jr. (2007), o líder genuíno conhece as expectativas


de seus liderados e sabe que precisa gerenciá-las. Os seguidores preci-
sam estar seguros de que, ao final da jornada, o líder irá reconhecer e
recompensar a contribuição de cada um deles. Isso, portanto, vai muito
além da mera aprovação por atribuição de nota. A recompensa envolve
mexer nos brios dos liderados (os alunos), mostrando-lhes o que ga-
nham ao atingir um determinado intento de aprendizagem, seja a en-
trega de um mero trabalho acadêmico ou a própria conclusão do curso.

Por tudo isso, o líder é, sobretudo, muito mais que um motivador; é um


estrategista. Sendo assim, é importante para o professor que busca desen-
volver sua liderança conhecer alguns aspectos essenciais relacionados à es-
tratégia, a começar por sua definição. Estratégia pode ser sintetizada como
a arte de posicionar recursos de tal forma que os objetivos sejam atingidos.
Evidentemente, uma pesquisa pela literatura revela inúmeras outras defini-
ções, embora todas se alinhem, de alguma forma, com esse pensamento.
Segundo Chiavenato (2008), um líder não adota um mero discurso de al-
cance de metas, ele é, de fato, um realizador dessas metas, mais um motivo
para que existam seguidores, pois eles percebem que há no líder coerência
entre o que pensa, fala e faz.

Outro aspecto essencial do estrategista é ter em mente uma defini-


ção clara de propósito em termos de missão (o papel presente do gru-
po liderado) e a visão (o vislumbre do futuro que se deseja alcançar).

122 Novos caminhos para profissionais da educação


Para tanto, o líder trabalha constantemente o comportamento missio-
nário das pessoas (relembrá-las de quais atribuições elas são respon-
sáveis por meio do trabalho e da atividade conjunta), bem como zelar
pelo caráter visionário. Mais produtivo que controlar pessoas por re-
gras burocráticas e hierarquia de comando é compartilhar um compro-
misso com a visão compactuada. Quando as pessoas conhecem a visão
pretendida e concordam com ela, os líderes se ocupam muito mais em
acalmar a ansiedade dos liderados do que empurrá-los para agirem.

O Quadro 1 apresenta uma síntese dos atributos de liderança do-


cente, conforme o papel de liderança que os professores ocupam.

Quadro 1
Síntese dos atributos de liderança docente

Professores líderes natu- Professores líderes formal- Administradores ou direto-


rais ou informais mente designados res escolares
(+) Pessoas compartilhando
(+) Acontece naturalmente; há (+) Pequenos times; a colabo-
uma concessão comum; valo-
um forte senso voluntário e ração emerge do trabalho em
rização institucional dos rela-
permissivo. comum.
cionamentos.
Construção
(-) O poder intimida; a equipe
de relações sociais (-) Ocorre em “panelinhas”; (-) As equipes podem se sentir
subordinada é demasiadamen-
não garante uma colabora- forçadas a colaborar; há uma
te grande para se confiar ple-
ção generalizada com toda a percepção de autoridade
namente; os relacionamentos
escola. incerta.
tendem a ser abertos.

(+) Dão forma à missão dos (+) Têm a atenção de todos;


(+) Os grupos se formam na-
times de trabalho; mantêm podem patrocinar propó-
turalmente em torno de inte-
os membros das equipes sitos bem mais ambiciosos
resses em comum.
focados. ou vanguardistas.
Aumento do
comprometimento (-) Conseguem mais confor-
junto a um propósito (-) O interesse pode não es- midade do que comprometi-
(-) Podem desenvolver propó-
tar necessariamente alinhado mento; a equipe subordinada
sitos cruzados, alheios à equi-
aos propósitos institucionais é muito grande para testar o
pe ou instituição.
oficiais da escola. propósito e reafirmar com-
prometimento.
(+) Promoção e coordenação
(+) Compartilhamento e apoio de aprendizado e inovação
naturais levam à inovação e (+) As equipes de trabalho ino- em nível institucional; com-
ao crescimento; ação espon- vam juntas; acesso a recursos. prometimento em fornecer
Fomento de tânea. recursos para viabilizar as
ações em comum ações.
(-) Podem desenvolver novas
(-) Aleatoriedade; não se inclui (-) Conformidade em lugar de
práticas que conflitam com ou-
todo mundo; pode não refor- aprendizado; conseguem coer-
tras equipes; podem resistir a li-
çar a melhoria dos estudantes. ção e não inspiração autêntica.
deranças e prioridades formais.

Fonte: Adaptado de Donaldson Jr., 2007, p. 138.

Novas competências comportamentais 123


No Quadro 1, os elementos são apresentados de forma análoga a
um demonstrativo contábil, em que o (+) significa um ativo (um aspec-
to favorável) e o (-) significa um passivo (um aspecto desfavorável). Os
papéis de liderança vão desde uma posição informal e espontânea, de
um lado, até as designações formais dos cargos de chefia, de outro. As
atribuições de liderança foram agrupadas, essencialmente, em cons-
trução de relações sociais, aumento do comprometimento com um
Glossário
propósito e fomento de ações em comum, mas a principal mensagem
fomento: estímulo, impulso.
desse quadro é que o trabalho conjunto entre as lideranças é essencial
para o sucesso das instituições de ensino; não há como depender ape-
nas do trabalho dos altos gestores em lideranças institucionalizadas,
tampouco das lideranças informais que surgem espontaneamente na
Atividade 1
equipe. O alinhamento de iniciativas entre todas as lideranças tende a
Em síntese, quais são os atribu-
minimizar os aspectos desfavoráveis listados no quadro e a potenciali-
tos da liderança docente?
zar os aspectos favoráveis.

É importante observar que, apesar de a liderança ser uma virtude


que pode ser desenvolvida em qualquer profissional, os perfis indi-
viduais tendem a inclinar os líderes para algum tipo determinado de
atuação. Por exemplo: é comum que lideranças informais surjam na-
turalmente em meio aos professores mais destacados junto às suas
respectivas turmas de estudantes. Contudo, elevar automaticamente
um professor que é de liderança informal para um cargo de chefia (li-
derança institucionalizada pela escola) não é prudente, pois a liderança
espontânea não garante a ninguém aptidão para gestão. Todo gestor
precisa reunir competências de liderança, mas também uma série de
outras qualidades específicas para a função. De outro modo, corre-se
o risco de que a instituição de ensino, agindo sem maiores critérios,
possa perder um excelente professor e, ao mesmo tempo, ganhar um
péssimo gestor (DONALDSON JR., 2007).

É possível listar uma série de características indispensáveis ao


professor líder. Entre elas, estão: escolher ser um líder, portar-se
como uma pessoa que os outros escolham seguir, oferecer uma
visão de futuro ao grupo, inspirar os demais, fazer as pessoas se
sentirem importantes e reconhecidas, viver seus valores de manei-
ra ética e dar às pessoas oportunidade para crescer.

124 Novos caminhos para profissionais da educação


7.2 Relacionamento interpessoal
Vídeo Seja no campo pessoal ou profissional, saber se relacionar com ou-
tras pessoas é aspecto decisivo para o sucesso de qualquer indivíduo e,
é claro, isso não seria diferente na perspectiva profissional da carreira
de um professor. Trabalhar na área da educação conduz, naturalmen-
te, a excelentes oportunidades de aprimorar a capacidade e a qualida-
de do relacionamento com os demais, e a sala de aula é um dos mais
evidentes laboratórios nesse sentido (FRYMIER; HOUSER, 1999; ALMEI-
DA; PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012).

Para esses autores, há toda uma corrente pe-


dagógica que sustenta que o bom relacionamento Glossário

entre professor e aluno acaba por ser obliterado obliterado: destruído,


eliminado.
pela relação de poder e autoridade que natural-
mente prevalece entre eles. Contudo, uma visão
mais ampla do relacionamento social leva ao en-
tendimento de que o bom convívio entre os indivíduos não se dá
exclusivamente quando estes são nivelados em rigorosas condições
de igualdade (que, em última análise, inexistem). Um bom relacio-
namento não se traduz necessariamente em amizade íntima. O que
é suficiente para uma harmoniosa convivência entre as pessoas não
é que todos sejam amigos por igual, mas, sim, que haja a empatia
necessária, mesmo entre diferentes níveis, como é o caso da figura
do professor e do aluno.

Ainda segundo esses autores, o fato incontestável é que existe um


fluxo principal de construção e transmissão de conhecimento em classe
que vai do professor ao aluno, embora existam inúmeras circunstân-
cias em que o docente também aprende e que o discente também ensi-
na; mas são fluxos secundários em intensidade e importância. O canal
principal é estabelecido pelo professor que conduz e os alunos que são
conduzidos. Portanto, há sim a prevalência de um indivíduo em meio
aos demais na sala de aula, com poder e autoridade diferenciados, o
que pode afetar, mas não dinamitar por completo, a sustentação de um
bom relacionamento entre professor e aluno. A boa relação entre eles é
tão natural e possível quanto a boa relação entre patrão e empregado,
médico e paciente ou entre um policial e um cidadão qualquer.

Novas competências comportamentais 125


Artigo

https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5631468.pdf

No artigo Bullying e relação professor-aluno: percepções de estudantes do ensino


fundamental, dos autores Karen Lamas, Eduarda Freitas e Altemir Barbosa,
publicado na revista Psico, em 2013, avalia-se a afinidade e o conflito dos alu-
nos com os professores. A pesquisa sugere que as intervenções devem ser
focadas nos papéis dos professores em sala de aula e devem ser adaptadas
às necessidades de cada ano.

Acesso em: 21 fev. 2020.

Obviamente, a empatia com os alunos começa a ser construída pela


prática do diálogo. Impor explicitamente a autoridade que é conferida
ao professor traz prejuízo ao bom relacionamento; deixá-la implícita,
sem que tenha que se recorrer a ela, é algo aprendido na competên-
cia de liderança. O professor não pode se colocar na posição de quem
sabe tudo (até porque isso nunca corresponde à estrita verdade), em-
bora seja notório que, normalmente, o docente saiba muito mais que o
aluno a respeito do conteúdo desenvolvido em aula. Isso não é para ser
traduzido em opressão, mas, sim, em motivação para o aluno aprender
mais a respeito do tema desenvolvido.

Visto ser o maior responsável por tudo o que ocorre em classe, cabe
ao professor, naturalmente, tomar a iniciativa no sentido de nutrir boas
relações com os alunos, desde o momento do primeiro encontro com a
turma. É por isso que algumas das ações típicas de um primeiro dia de
aula são, antes de iniciar com o conteúdo propriamente dito, destinar
um tempo às apresentações mútuas e ao fomento de um bom clima de
trabalho junto aos estudantes.

Dados os diferentes perfis de indivíduos em classe, sempre have-


rá os mais receptivos às intenções de proximidade que o professor
manifesta, assim como os mais refratários e contestadores. Inde-
pendentemente dos motivos desse último grupo de alunos, a boa
prática docente é a de procurar dar a todos o mesmo tratamento
respeitoso e a atenção necessária. Jamais se pode cair na armadi-
Atividade 2
lha de isolar o grupo dos mais amigos do professor, dedicando-lhes
Visando ao bom relacionamento
interpessoal, quais são as exclusividade ou preferência na interlocução durante a aula. Da
boas práticas em um primeiro mesma forma, é inconcebível que o professor passe ao embate, à
encontro do professor com a perseguição ou à discriminação, mesmo que de modo sutil, contra
turma de alunos?
os eventuais detratores da turma.

126 Novos caminhos para profissionais da educação


O aprendizado certamente é percebido como mais atrativo quando
o aluno se sente competente; isso pode ser conseguido pelas atitudes
e métodos adequados de motivação. Reconhece-se que o prazer pelo
aprender não é algo que brota espontaneamente nos estudantes. Para
eles, o aprendizado é uma obrigação, portanto, o relacionamento entre
professor e aluno é mediado pelas táticas de empatia e de despertar
a curiosidade nos estudantes, tanto sobre as atividades quanto sobre
os resultados delas decorrentes. O bom relacionamento do professor
com os alunos se expressa também pela relação que o docente tem
com a sociedade e com a cultura em geral.

Por esse motivo, a relação entre professor e aluno depende bas-


tante do clima que se estabelece em classe. O desenvolvimento de um
bom ambiente de aula envolve a relação empática com os estudantes,
a aptidão em ouvir, refletir e discutir o nível de compreensão da turma,
assim como algo que pode ser chamado de “criação de pontes” entre o
conhecimento do docente e o conhecimento da turma. Neste mundo
em acelerado ritmo de mudanças e inovações, os alunos precisam se
sentir seguros de que podem confiar em seu professor como o orien-
tador de ações para plena cidadania e busca de novos conhecimentos
no ambiente externo desafiador que se apresenta. Daí nasce, senão a
genuína amizade, ao menos um tipo de relacionamento mais perma-
nente, que excede o mero tempo destinado às aulas.

É certo que a relação entre professor e aluno em sala é um processo


Glossário
complexo, a despeito da boa vontade do professor. Afinal, é preciso que
consecução: realização,
sejam considerados inúmeros aspectos que vão além da consecução conquista.
dos objetivos determinados no plano de aula.

Tal relação é amparada pelo reconhecimento dos progressos e dos


sucessos, pelo estímulo à autoconfiança dos estudantes, bem como pela
manutenção de cordialidade e respeito no trato com a turma. É certo
que nenhum professor tem a obrigação de se portar como um humoris-
ta ou ser excessivamente afetivo. Fundamentalmente, cada aula tem um
objetivo a ser atingido, e é isso que precisa ser garantido. Durante um
curso ou disciplina, é natural que haja momentos de maior relaxamento
e de trabalho mais árduo intercalados.

Destaca-se que a participação ativa em sala de aula, com o claro


engajamento dos alunos naquilo que se apresenta em classe, é um
dos momentos mais almejados pelo docente. Isso, de fato, parece co-

Novas competências comportamentais 127


roar os esforços do professor em busca de se estabelecer e manter
um bom relacionamento com a turma. Também serve de importante
alerta, pois, caso haja participação muito baixa da turma nas atividades
propostas, isso pode ser um indício de que o bom relacionamento está
apenas nas aparências, comprometendo a qualidade do trabalho de-
senvolvido em sala de aula.

A dosagem entre capacidade técnica e apreço pelos outros é bas-


tante importante para o professor desenvolver seu bom relacionamen-
to interpessoal. Ocorre que, dificilmente, algum estudante aponta um
professor como bom profissional se o docente não demonstrar amplo
conhecimento de sua matéria de ensino e maestria na forma de orga-
nizar e conduzir as aulas. Contudo, é muito mais raro que um professor
seja apontado como o preferido entre os alunos se ele não lhes for
simpático. Os professores de predileção dos alunos, normalmente, são
elogiados como amigos, compreensivos, que demonstram preocupa-
ção com a turma, acessíveis mesmo fora de horário, em prontidão para
ajudar quem os acione, entre outros.

Distinguem-se a participação, a colaboração, o incentivo e o es-


tímulo como elementos determinantes para a manutenção do bom
relacionamento entre docentes e discentes. Tais competências,
usualmente, são mais bem consolidadas com a prática. Não raro,
professores iniciantes, mesmo que de inquestionável capacidade
técnica no campo de conhecimento específico que lecionam, costu-
mam passar por dificuldades no que se refere a animar a turma nas
atividades desenvolvidas em classe.

Existem mais algumas atitudes que podem ser entendidas como


facilitadoras da construção da melhor relação entre professor e alu-
no. A começar pelo aspecto da congruência, conceito que implica
estar em concordância com a percepção que a pessoa tem de si
mesma e da sua própria atividade no mundo, garantindo que haja
entre elas consistência e coerência. De outra forma, a pessoa incon-
gruente demonstra traços de tensão e confusão interna. Por isso, o
bom professor não age apenas por aparências; os sentimentos que
Atividade 3
ele vivencia são compartilhados com seus alunos. Apesar da distân-
Explique a importância da cia hierárquica ou funcional entre professor e aluno, a comunicação
congruência no relacionamento
interpessoal.
se dá, nesse aspecto, de uma forma direta, sem barreiras, de ser
humano para ser humano.

128 Novos caminhos para profissionais da educação


Uma atitude de veracidade do docente melhora a comunicação en-
tre as partes. Para além dos fatos e dados, os sentimentos, ideias e
inquietudes comunicados aos alunos legitimam o relacionamento in-
terpessoal em sala de aula. Isso promove, ainda, uma reciprocidade,
estimulando que o aluno também se manifeste quanto ao que pensa
e ao que sente. Uma vez que esses dois papéis – de professor e de alu-
Glossário
no – existem em classe, o diálogo é o que permite que as atividades de
ensino e de aprendizagem se coadunem, e todo diálogo legítimo não coadunar: harmonizar; ato de
se juntar; incorporar.
deixa de carregar também o teor de sentimentos dos interlocutores.

O relacionamento interpessoal estabelece uma percepção de mú-


tua credibilidade entre as partes. Essa aceitação ou consideração posi-
tiva é a crença de que o outro é digno de confiança. O professor, assim,
respeita o estudante, envolvendo-o em um regime de confiança, dife-
rentemente, porém, de um mero gesto de piedade ou de uma atitude
paternalista (ALMEIDA; PLACCO, 2004; WUBBELS et al., 2012).

Um elemento que nutre o bom relacionamento entre as partes


é, sem dúvida alguma, a empatia. Quando o professor é sensível
no que diz respeito a compreender as reações e a situação geral do
aluno, é certo que a probabilidade de se conseguir oferecer uma
aprendizagem significativa aumenta. É importante, de qualquer
modo, reconhecer a dificuldade de o docente praticar, de manei-
ra contínua, essas atitudes, afinal, em determinadas situações, isso
pode se traduzir em conflitos internos com seus valores pessoais e
sua própria identidade.

Desse modo, não há, na prática, como ser impecavelmente em-


pático e congruente sempre. De outra forma, aceitar incondicional-
mente as demandas do aluno em todas as suas manifestações seria
negar a própria natureza de individualidade humana – nesse caso, a Glossário
do professor. Ser comedido no que aceitar e no que não abrir mão, comedido: moderado, contido.
então, parece ser mais uma indispensável qualidade a desenvolver
para melhor efetividade da relação entre as partes.

Em suma, quando se prescreve como boa prática compartilhar o po-


der em sala de aula, mediante atitudes facilitadoras – especialmente as
que se referem à empatia e à aceitação –, não se cogita que o professor
perca a sua legítima autoridade. A autenticidade como atitude facilita-
dora que é traz à tona a possibilidade de diálogo que contemple esta-
belecer ou negociar limites na situação de aprendizagem. Sem dúvida

Novas competências comportamentais 129


alguma, é mais que desejável que isso fique suficientemente explícito
por todo o tempo do curso ou da aula.

Alerta-se, porém, quanto a uma possível má interpretação que


o conceito de autenticidade possa ganhar nesse contexto, o que
pode desfavorecer a implementação das atitudes facilitadoras ana-
lisadas. Visto que a autenticidade do educador é um ativo valioso,
todo professor deveria ser um profissional muito bem preparado
em trabalhá-la. Mas não se pode confundir autenticidade com inva-
são da vida particular do profissional. De fato, a distinção entre as
dimensões pessoal e profissional precisa ficar transparente para o
professor e explícita na relação professor-aluno. Por certo, não é a
exposição de questões particulares do professor que garante sua
autenticidade como profissional. A sua coerência nas atividades de
educador é o que determina essa qualidade.

7.3 Motivação
Os motivos que levam à ação docente surgem ainda antes de o
Vídeo
educador ingressar nessa ocupação profissional. Do ponto de vista da
socialização, é inegável que isso remete à infância, na época em que o
então professor era um aluno em sua escola de formação fundamental
(JESUS; SANTOS, 2004; ARENDS, 2014).

Segundo Jesus e Santos (2004), as motivações docentes são variadas


Vídeo
ao longo da carreira profissional, correspondendo a fases do desenvol-
No vídeo Raciocínio motivado: vimento da profissão – ao menos quatro delas costumam ser mais evi-
por que o juiz sempre rouba
mais para o time adversário?, dentes. A primeira dessas fases é a chamada pré-formação, época em
publicado pelo canal Minutos que ainda se é aluno, recebendo, então, forte influência dos modelos
Psíquicos, é demonstrado
de ensino a que se é submetido. A segunda fase pode ser chamada de
como a motivação pode ter
um viés racional, algo útil para pré-serviço, no momento da formação específica que precede as pri-
educadores terem em mente, a meiras aulas ministradas. Nela, ocorre a aquisição da base de conheci-
fim de melhor desempenharem
suas funções. mento teórico subjacente ao que será ensinado. A chamada indução é a
Disponível em: https://www. terceira fase, que acontece nos anos iniciais de atividade como profes-
youtube.com/watch?v=qLuYX- sor e é caracterizada pelo desenvolvimento de estratégias particulares
pVJ18s. Acesso em: 21 fev. 2020.
de ensino, considerando o modo peculiar como o professor endereça
os problemas enfrentados no seu dia a dia. Finalmente, a quarta e úl-
tima fase pode ser denominada serviço pleno, que é todo o restante
da carreira docente, com os educadores aperfeiçoando continuamente
sua competência profissional.

130 Novos caminhos para profissionais da educação


As sequências do desenvolvimento do profissional da educação se su-
cedem conforme a trajetória percorrida ao longo da carreira, tomando di-
ferentes caminhos mediante sucessos e fracassos enfrentados. A primeira
delas, de exploração, dá-se logo no período de início da profissão, notada-
mente durante os primeiros dois a três anos de docência. Nela, o professor
experimenta diferentes papéis, a fim de avaliar por si mesmo sua compe-
tência profissional. O resultado são três possíveis configurações motivacio-
nais: sobrevivência, descoberta ou indiferença.

A sobrevivência se associa ao confronto problemático com a rea-


lidade escolar, com insucessos na dinâmica estabelecida de ensino
e aprendizagem. Por sua vez, a descoberta é caracterizada pelo su-
cesso, pelo entusiasmo e pela satisfação diante das experiências.
Finalmente, o professor que escolhe esse seu ganha-pão por falta
de outras alternativas profissionais retrata indiferença e até mesmo
uma certa frustração (JESUS; SANTOS, 2004).

Na prática, as motivações de descoberta e de sobrevivência inter-


calam-se: a primeira tolera a segunda, mas quase sempre há a pre-
valência de um desses perfis. À primeira vista, pode parecer possível
estabelecer correspondência entre essas três perspectivas motivacio-
nais e o padrão comportamental dos docentes, desde aqueles insatis-
feitos, que adotam uma conduta inconstante, até os que se sentem
verdadeiramente realizados por serem professores, incluindo os que
não se envolvem além do mínimo necessário nas suas atribuições pro-
fissionais. Mas é importante não ser excessivamente reducionista na
análise, pois o comportamento não ocorre de forma estritamente li-
near, afinal, muitos dos docentes hoje desmotivados podem ter se en-
contrado altamente empolgados no início de suas carreiras.

A estabilização, algo que ocorre entre quatro e seis anos no


exercício da função, traduz-se no definitivo compromisso com a
profissão escolhida. É quando o “estou professor” se transmuta no
“sou professor”; ou seja, assume-se uma identidade profissional
que é claramente comunicada socialmente. Esse é o momento da
carreira que é coroado pelos sentimentos de segurança e autocon-
fiança profissional. Encontra-se e vivencia-se um estilo pessoal de
exercer a função de educador, com consequente relativização dos
insucessos. O professor entende que não é responsável por literal-
mente tudo o que ocorre na sala de aula e passa a conviver melhor
com as expectativas e frustrações típicas desse trabalho.

Novas competências comportamentais 131


Para Jesus e Santos (2004), é certo que alguns professores al-
cançam a estabilidade mais cedo e outros, mais tarde; há também
aqueles que jamais se estabilizam por nunca se identificarem de fato
com a profissão de educador. Contudo, para quem se estabiliza, ou-
tras frentes motivacionais se apresentam. Entre sete e vinte e cinco
anos de exercício da profissão, o professor experimenta um salto
em dinamismo, o que realça suas qualidades profissionais, adotan-
do definitivamente seu próprio estilo de trabalho. Isso pode levá-lo
a ser reconhecido ou alcançar prestígio entre alunos, colegas e insti-
Atividade 4 tuição de ensino. Contudo, diversos fatores (inclusive problemas na
Em termos motivacionais, como vida pessoal) podem minar essa escalada na carreira, situação que
funciona a fase de estabilização normalmente se percebe pela inibição generalizada do educador e
do professor?
mero cumprimento da rotina de trabalho.

No período entre 25 e 35 anos acumulados como educador, há uma


maior tendência de se predominar uma postura de conservadorismo e
rigidez. Nesse momento, são frequentes as lamentações, especialmen-
te sobre os alunos e sobre a política e pode ocorrer um maior distancia-
mento no relacionamento interpessoal com os alunos. Essa é a fase da
carreira associada à serenidade e à autoaceitação. O investimento na
carreira diminui porque os professores entendem não ter que provar
mais nada a ninguém (nem a si mesmos).

A derradeira fase é o desinvestimento, o que ocorre até os 45


anos de serviços prestados. É o momento de um balanço geral da
carreira. Isso pode se dar de uma forma serena, sem grandes la-
mentações ou, então, de maneira amarga, caso impere nessa re-
trospectiva o sentimento de desilusão e frustração por nunca ter
atingido determinado objetivo profissional e já ser demasiado tar-
de para fazê-lo. A integridade ou o desespero nessa fase da vida
correspondem, enfim, a esse desinvestimento.

O desinvestimento profissional dos docentes mais experientes, em


comparação àqueles em início de carreira, decorre principalmente da
falta de incentivos que permitiriam mantê-los na ativa. O que se obser-
va como quadro geral é que, com o passar dos anos, os professores di-
minuem a sua dedicação e o seu envolvimento profissional, passando
a ser mais suscetíveis aos aspectos negativos do ambiente organizacio-
nal. Nesse enrijecimento emocional, céticos, os professores passam a
um desinvestimento progressivo, no qual a inovação é cada vez menor.

132 Novos caminhos para profissionais da educação


As limitações aos recursos gerais de trabalho e a remuneração não tão
atrativa conduzem muitos educadores a direcionar esforços para ativi-
dades fora da escola, sejam elas em outros campos profissionais (como
consultorias), atuação na comunidade (como voluntários) ou maior
tempo dedicado à família, empenhando-se, então, somente o mínimo
para manterem suas posições como professores.

Para Lens, Matos e Vansteenkiste (2008), manter professores moti-


vados é, em última análise, uma importante questão de responsabili-
dade social devido a um legítimo e evidente motivo: os professores são
grande fonte de motivação para os estudantes. Neles, fundamentam-
-se o “quê” e o “porquê” da aprendizagem dos alunos. Esse efeito de
viralização da motivação – se consideradas as proporções típicas entre
professor e alunos em uma sala de aula (algo como 1 para 30 ou 1 para
40, por exemplo) – é a chave para o sucesso dos modelos de educação.

Não se discute que é importante, para os estudantes de todos


os graus, sentirem-se suficientemente motivados para seu trabalho
de estudar. O que precisa ser considerado não é apenas a eviden-
te constatação de que a motivação influencia diretamente o tempo
dedicado pelas pessoas em seus estudos e os seus resultados de
notas e frequências e as próprias conquistas acadêmicas que vão se
acumulando em suas vidas.

A motivação é aspecto-chave também no que se refere à satisfação


pela vida que se leva, ou seja, pessoas que se sentem realizadas não
apenas pelo que já conquistaram, mas também pelo próprio caminho
que trilham em busca de seus objetivos perseguidos. Disso decorre que
o sentimento de frustração e insatisfação, traduzido, muitas vezes, em
um comportamento antissocial, pode nascer justamente de estudantes
desmotivados, obrigados a passar muito tempo na escola e em sala de
aula em meio a atividades que não lhes despertam grande interesse.

O que precisa ser esclarecido é que a motivação não é traço estável


da personalidade de uma pessoa. Não há dúvida de que ela é fruto de
um processo psicológico no qual interagem as características ambientais
com as mais diversas características de personalidade. Alguns exemplos
são anseios, razões, interesses, habilidades e visão de futuro. Então, a
implicação direta é que a motivação dos estudantes seja passível de
alteração pela mudança na própria mentalidade dos alunos (como ao

Novas competências comportamentais 133


conseguirem reduzir a ansiedade em época de provas e aumentar a au-
toconfiança quanto à eficácia escolar); bem como por meio de modifica-
ções no ambiente de aprendizagem, o que inclui a cultura escolar (por
exemplo, conteúdo curricular e clima motivacional em sala de aula, sen-
do esse último aspecto um fator primordial de atenção dos professores).

Os profissionais da educação como um todo – não somente os pro-


fessores em sala de aula, mas também diretores, orientadores educa-
cionais, entre tantos outros – têm em suas mãos o poder de modificar
os níveis de motivação dos alunos. Com suas ações, podem influir nos
aspectos determinantes para a motivação dos discentes, o que merece
ser lembrado quanto ao seu conjunto de responsabilidades.

É preciso considerar que a motivação pode ser entendida como


uma força psicologicamente dirigida. Assim, na distribuição de perfis
entre os estudantes, existem os mais e os menos motivados para
estudar, bem como os diferentes cursos produzem diferentes moti-
vações. Mas é preciso assumir que distinguir entre motivação mais
intrínseca ou mais extrínseca é tarefa menos relevante quando se
consideram os diferentes tipos de regulação comportamental.

Sem dúvida nenhuma, aquilo que mais importa é justamente o


que regula a ação de um determinado indivíduo. É de se questionar:
qual seria a causa ou a razão envolvida? A reflexão considera as al-
ternativas entre ser uma parte integrada própria do sujeito em si (a
chamada motivação autônoma) ou algo que se experimenta como
externo ao indivíduo (portanto, a motivação controlada).

Resumidamente, o que realmente importa não é apenas a força mo-


tivacional que os próprios alunos trazem por si. As instituições de ensi-
no, no geral, e especialmente os professores atuantes em suas salas de
aula devem se ocupar de zelar por um ambiente de aprendizagem que
ressalte a mais alta qualidade em motivação. Na prática, isso pode ser
feito ao se ajudar os estudantes a conseguirem ser mais autônomos
em seu processo de aprendizado, assim como ao vivenciar as boas prá-
ticas em liderança e relacionamento interpessoal.

134 Novos caminhos para profissionais da educação


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Liderança, relacionamento interpessoal e motivação se intercalam
como aspectos decisivos para um professor bem-sucedido em sua car-
reira. O exercício dessas competências comportamentais, ao longo dos
anos, vai produzindo uma rica experiência, que é preciosa aos profissio-
nais de educação já em nível sênior e tão ambicionada pelos educadores
mais jovens. A teoria a respeito dessas qualidades docentes pode, no má-
ximo, inspirar os profissionais a darem mais atenção a esses fatores de
desenvolvimento de carreira, mas, por sua natureza, é apenas a prática
contínua que proporciona trilhar o caminho do docente. Não há contro-
vérsias sobre isso, pois inexistem profissionais de alto quilate que se sus-
tentem apenas em competência de domínio técnico de um determinado
conhecimento. O segredo de muitos renomados educadores é sua exce-
lência comportamental.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N. de S. As relações interpessoais na formação de professores.
2. ed. São Paulo: Loyola, 2004.
ARENDS, R. I. Learning to teach. New York: McGraw-Hill Higher Education, 2014.
CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2008.
DONALDSON JR., G. A. What do teachers bring to leadership? In: Uncovering teacher
leadership: essays and voices from the field. Thousand Oaks: Corwin, 2007.
FRYMIER, A. B.; HOUSER, M. L. The teacher student relationship as an interpersonal
relationship. Communication Education, v. 49, n. 3, p. 207-219, 1999.
JESUS, S N. de.; SANTOS, J. C. V. Desenvolvimento profissional e motivação dos professores.
Educação, Porto Alegre, v. 27, n. 52, p. 39-58, 2004. Disponível em: http://revistaseletronicas.
pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/373/270&gt. Acesso em: 21 fev. 2020.
LENS, W.; MATOS, L.; VANSTEENKISTE, M. Professores como fontes de motivação dos
alunos: o quê e o porquê da aprendizagem do aluno. Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 1,
p. 17-20, 2008. Disponível em: revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/
download/2752/2100+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 21 fev. 2020.
WILKERSON, J. M. On research relevance, professors’ “real world” experience, and
management development: are we closing the gap? Journal of Management Development,
v. 18, n. 7, p. 598-613, 1999.
WUBBELS, T. et al. Interpersonal relationships in education. Rotterdam: Sense
Publishers, 2012.

Novas competências comportamentais 135


GABARITO
1. Construir relações sociais, aumentar o comprometimento junto a um propósito e fo-
mentar ações em comum.

2. Visto ser o maior responsável por tudo o que ocorre em classe, cabe ao professor,
naturalmente, tomar a iniciativa de nutrir boas relações com os alunos, desde o mo-
mento do primeiro encontro com a turma. É por isso que algumas das ações típicas
de um primeiro dia de aula são, antes de iniciar com o conteúdo propriamente dito,
destinar um tempo às apresentações mútuas e ao desenvolvimento de um bom clima
de trabalho com os estudantes. A boa prática docente é a de procurar dar a todos o
mesmo tratamento respeitoso e a atenção necessária. Jamais se pode cair na arma-
dilha de isolar o grupo dos mais amigos do professor, dedicando-lhes exclusividade
ou preferência na interlocução durante a aula; da mesma forma, é inconcebível que o
professor passe ao embate, perseguição ou discriminação, mesmo que de modo sutil,
contra os eventuais detratores da turma.

3. A congruência é um conceito que implica estar em concordância com a percepção que


a pessoa tem de si mesma e da sua própria atividade no mundo, garantindo que haja
entre elas consistência e coerência. De outra forma, a pessoa incongruente demonstra
traços de tensão e confusão interna. Por isso, o bom professor não age apenas por apa-
rências; os sentimentos que ele vivencia são compartilhados com seus alunos. A despei-
to da distância hierárquica ou funcional entre professor e aluno, a comunicação se dá,
nesse aspecto, de uma forma direta, sem barreiras, de ser humano para ser humano.

4. A estabilização, algo que ocorre entre quatro e seis anos no exercício da função, tra-
duz-se no definitivo compromisso com a profissão que se escolheu. É quando o “es-
tou professor” se transmuta no “sou professor”, ou seja, assume-se uma identidade
profissional que é claramente comunicada socialmente. Esse é o momento da carreira
que é coroado pelos sentimentos de segurança e autoconfiança profissional, afinal,
encontra-se e vivencia-se um estilo pessoal de exercer a função de educador, com
consequente relativização dos insucessos. O professor entende que não é responsá-
vel por literalmente tudo o que ocorre na sala de aula e passa a conviver melhor com
as expectativas e frustrações típicas desse trabalho.

136 Novos caminhos para profissionais da educação


8
Noções de gestão
para o professor
Independentemente de ocupar ou não uma posição formal
de chefia, convém a todo professor dispor de um mínimo de
competências gerenciais, a fim de conduzir com maior eficácia
e eficiência suas atividades diárias. Sob certa perspectiva, é
possível afirmar que todo professor é gestor de seus próprios
projetos e processos, mas quando o docente não provém da
área de formação de administração, até mesmo os jargões e
termos recorrentes em gestão soam confusos. Afinal, qual é
a diferença entre projeto e processo? Assim, é importante co-
nhecer as noções essenciais de gestão, para que seja possível
extrair o máximo de sua atividade profissional – mesmo que
ela esteja restrita à sala de aula – e transitar melhor entre os
gestores educacionais aos quais os professores respondem.

8.1 Qualidade e produtividade


Vídeo Segundo Campos (2002, 2004), cabe ao professor, olhando com
as lentes de gestão, reconhecer que a escola é primordialmente
uma organização empresarial como qualquer outra, seja ela uma
instituição privada ou pública. A partir daí, convida-se à reflexão
sobre a mais básica das questões no mundo corporativo: afinal de
contas, para que serve uma empresa? Qual é o propósito, qual é a
finalidade de um empreendimento? Pensando a respeito, uma con-
clusão se torna evidente: independentemente do porte ou do ramo
de atuação, todas as empresas, sem exceção, servem a um único
objetivo: atender às necessidades de seus clientes.

É importante ter em mente que a função das empresas não é gerar


dinheiro. O lucro, nesse caso, é o meio, não o fim; ele é o modo pelo

Noções de gestão para o professor 137


qual o propósito maior é permanentemente garantido. É necessário es-
clarecer que não se está questionando qual é o objetivo de um empre-
sário, ou qual é sua intenção (explícita ou não). Embora as pessoas, em
geral, sejam motivadas a trabalhar por dinheiro, o propósito de qual-
quer organização empresarial é estar sempre alinhada e corresponder
1
às expectativas de seus clientes, e isso ocorre tanto para empresas pri-
Terceiro setor é o termo utilizado vadas e públicas quanto para o terceiro setor .
1

para definir organizações de


iniciativa privada, sem fins Para Campos (2002, 2004), as empresas existem para satisfazer as
lucrativos e que prestam serviços
necessidades dos consumidores do negócio. Então, faz sentido pergun-
de caráter público.
tar: quem são esses consumidores? Quais são exatamente essas neces-
sidades? Naturalmente, o que primeiro vem à tona quando se fala de
consumidores do negócio são os clientes externos, os quais, no final do
processo, pagam pelo produto ou serviço. No caso das escolas, eles são
os alunos, e também seus pais ou responsáveis. Embora eles não se-
jam os únicos consumidores do negócio, convém pensar, em primeira
análise, a respeito desses clientes externos. Eles esperam, e não podia
ser diferente, receber seus produtos comprados ou serviços contrata-
dos. Só isso? Não; esperam também que esses produtos ou serviços
tenham qualidade.

Esses clientes desejam receber os produtos ou serviços (aulas, no


caso de estudantes) da melhor forma, ou seja, com o melhor preço, o
melhor desempenho funcional e um atendimento cortês e simpático.
Os clientes externos querem a devida atenção que merecem em vários
atributos. Isso, por si só, já leva a uma profunda reflexão sobre o que
se faz necessário para que um negócio ou uma marca seja visto com
simpatia pelo público consumidor.

Porém, o desafio, na perspectiva empresarial, é muito maior. Quem são


os consumidores do negócio? São os clientes externos? São eles, mas não
apenas. Os colaboradores e a equipe interna da empresa também são con-
sumidores do negócio; são os chamados clientes internos. É inegável que
as pessoas que trabalham na empresa também esperam algo dela, como
oportunidade de crescimento profissional, um bom ambiente para se tra-
balhar (saudável e seguro), condições salariais dignas e motivadoras, reco-
nhecimento pelas pequenas conquistas cotidianas e pelas grandes metas
do ano etc. (CAMPOS, 2002, 2004).

Existem mais consumidores do negócio? Sem dúvida, sim. Os acio-


nistas e os donos do negócio, por exemplo, também possuem necessi-

138 Novos caminhos para profissionais da educação


dades legítimas a serem atendidas. O dono do negócio é um investidor
que poderia aplicar seu dinheiro em qualquer outro tipo de serviço
financeiro, mas escolheu colocá-lo na empresa – e em uma empresa
específica. Não o faz, claro, por filantropia; há, portanto, uma justa ex-
pectativa de retorno sobre o investimento. Os acionistas esperam que
suas necessidades de rentabilidade sobre a aplicação e a trajetória de
crescimento sejam as maiores possíveis.

Por fim, deve-se reconhecer que a sociedade como um todo é uma


legítima parte interessada, sendo ela certamente uma consumidora do
negócio. Afinal, quantas pessoas trabalham em determinada empresa?
Em função disso, quantas famílias são mantidas? Quantas crianças pos-
suem chances de alimentação, educação, saúde e segurança adequa-
das? O que as comunidades onde essas pessoas vivem ganham pela
existência daquela organização no mundo? Quanto o poder público
arrecada de tributação? Quantos postos de trabalho indiretos surgem?
O que o mundo perderia se aquela empresa desaparecesse amanhã?
São reflexões suficientes para deixar claro o que se quer dizer com a
afirmação de que o objetivo de qualquer organização empresarial é
atender às expectativas dos consumidores do negócio. É realmente
algo bem amplo e, sem dúvida, altamente desafiador.

É diante desse contexto que se introduz o tema qualidade para apreen-


são pelo professor. Afinal, o que essa palavra representa de fato no mundo
corporativo? Ocorre que se trata de algo subjetivo, sujeito, assim, a várias
interpretações. A mais subjetiva de todas é: “não sei ao certo em que con-
siste a qualidade, mas eu a reconheço quando a vejo”. Uma pessoa pode
até não conseguir se exprimir com precisão por palavras, mas certamente
tem toda a capacidade de sentir, detectar e avaliar algo que tem qualidade
e algo que não tem. Outra definição, de natureza baseada no produto, é o
que este possui de valor que os produtos similares não têm. Essa definição
é fundamentada na perfeição: deve-se fazer a coisa certa, na primeira vez
e sempre. Há, ainda, uma definição baseada no valor, a qual considera o
produto ou serviço que tem a maior relação custo-benefício; afinal, nem
sempre o mais caro é o melhor. Já a definição de qualidade baseada na ma-
nufatura industrial se baseia na conformidade às especificações técnicas e
aos requisitos declarados, além da ausência de defeito funcional.

Não dá para ignorar, por fim, a qualidade baseada no cliente,


que é a perfeita adequação ao uso ou consumo, ou a conformidade

Noções de gestão para o professor 139


às exigências do consumidor. Em suma, qualidade significa entre-
gar aquilo que se comprometeu a fazer.

O entendimento conceitual sobre qualidade leva à compreensão de


outro termo bastante relacionado a ela: produtividade. A produtividade
é sempre expressa por um valor (número), sendo uma fração mate-
mática. É o que se consegue de resultado, dividido pelo que teve de
ser colocado como recurso. Para exemplificar, suponha que uma ins-
tituição de ensino da rede privada disponha hoje de um faturamento
de R$ 100 mil por mês. Faturar todo mês um valor desses parece ser
algo bastante interessante. Entretanto, quanto custa esses R$ 100 mil?
Nesse exemplo, considere que, somando tudo – encargos, salários, tri-
butação, estoque, infraestrutura, financiamentos etc. –, gaste-se R$ 88
mil. Gastar todo mês R$ 88 mil já não parece ser tão atrativo assim. No
entanto, é uma relação de troca: o que se coloca e o que se retira.

Considerando a situação exposta nesse exemplo, qual é a produtivi-


dade da instituição de ensino? Embora seja possível mensurar por uma
série de aspectos, tome, por ora, apenas a dimensão financeira: 100 divi-
dido por 88 resulta no número 1,14. Esta é a produtividade: 1,14.

E como a qualidade afeta a produtividade? É possível resumir


em dois aspectos: impacto no numerador (resultados) e impacto no
denominador (custos). Produtividade é o quociente entre o que a
organização produz e o que ela consome. Por meio do trabalho per-
manentemente orientado à qualidade, a escola tende a produzir mais,
ganhando mais capacidade produtiva. Ao mesmo tempo, no mercado,
a marca é vista com simpatia e transmite confiança; mais e mais alu-
nos são angariados, aumentando a necessidade de produzir mais – e
melhor. A qualidade aumenta o numerador da equação. Se, em uma
fração, o numerador aumenta, qual é o resultado geral? O quociente
aumenta também.

Por outro lado, no denominador custos, o trabalho essencial da


qualidade é cortar esses custos. Cabe aqui um alerta importante, uma
Glossário
vez que a expressão cortar custos causa calafrios em muitas pessoas.
autofagia: comer a si mesmo. Não se está, evidentemente, falando de autofagia corporativa, nem
de cortar aquilo que é recurso produtivo essencial, desfazendo-se de
máquinas e de pessoas, ao simples acaso de uma equação matemática.

140 Novos caminhos para profissionais da educação


A finalidade da qualidade é cortar os custos improdutivos, que existem
em qualquer negócio.

Em suma, se o denominador diminuir, o que acontece com o resulta- Atividade 1


do da equação da produtividade? Mais uma vez, aumenta. A qualidade Qual a relação existente entre
ataca a produtividade em duas frentes, aumentando consideravelmen- qualidade e produtividade?

te seu resultado. Ela corta custos desnecessários ao mesmo tempo em


que aumenta os resultados comerciais do negócio.

Uma vez entendidos esses dois primeiros conceitos (qualidade e


produtividade), avança-se para um terceiro, que é mais uma daquelas
palavras largamente utilizadas no dia a dia das organizações: competi-
tividade. Aos olhos da qualidade, o que significa ser competitivo? Não
resta dúvida de que o termo está associado a uma forma de compe-
tição, a corrida comercial. Do ponto de vista do cliente (por exemplo,
um aluno escolhendo uma instituição de ensino para estudar), trata-se
da situação mais cômoda possível, pois ele sempre tem opção (mais
de um fornecedor a cogitar). Nessa guerra comercial, quem ganha é o
cliente, pois o mercado nivela preços e outros atributos de qualidade,
como prazo, forma de entrega, garantias, desempenhos funcionais etc.
Compete-se, portanto, pelo cliente.
Livro
Aqui, leva-se o conceito para o seguinte raciocínio: ser compe-
No livro 100 Indicadores
titivo é ter maior produtividade que os concorrentes. O que real- da gestão: key performance
indicators, além de ser
mente garante, no longo prazo, a sobrevivência das empresas e a
mostrada a importância
satisfação de todos os consumidores do negócio é a garantia de da medição de desem-
penho para tomada de
sua competitividade. Fica, então, estabelecida a relação entre qua-
ações da qualidade, são
lidade, produtividade e competitividade. examinadas diferentes
formas de realizar esse
É importante que o professor perceba que, da mesma forma que monitoramento nos
mais diversos processos
uma organização empresarial (como a escola) se organiza para tra-
de uma organização
balhar com qualidade, produtividade e competitividade, os conceitos empresarial, servindo,
então, de referência para
apresentados se conformam perfeitamente à condição individual do
que o professor mapeie
profissional. É possível, então, traçar estratégias para ser um docente seus próprios indicadores
prioritários.
de alta qualidade, produtividade e, também, competitividade – ao con-
siderar que existe um mercado de trabalho e uma disputa que envolve CALDEIRA, J. São Paulo: Actual,
2012.
mais candidatos que vagas disponíveis (ARENDS, 2014).

Noções de gestão para o professor 141


8.2 Gestão de projetos
Vídeo
Existe uma importante diferença entre processo e projeto. Processo
é a denominação que se dá ao serviço contínuo, ou seja, uma ativida-
de de duração permanente e/ou indeterminada – as rotinas diárias de
uma empresa. Por isso, são exemplos de processos o recrutamento e a
seleção de pessoal, as contas a pagar, as contas a receber, a produção
e as atividades que ocorrem cotidianamente. Nas instituições acadê-
micas, o ensino e a pesquisa são típicos processos inerentes a essas
organizações (ARENDS, 2014; PMI, 2017).
2
2
Segundo o Project Management Institute (PMI, 2017), projeto é
O PMI (em português, Instituto
de Gerenciamento de Projetos) sempre um esforço temporário que é empreendido para criar um pro-
é uma das maiores associações duto, serviço ou resultado exclusivo. Curiosamente, se um determinado
no mundo para profissionais
de gerenciamento de projetos. processo ainda não existe em uma empresa (por exemplo, a separação
Essa instituição busca formular de lixo para gestão ambiental), é possível criar um projeto para o desen-
padrões internacionais de gestão volvimento e lançamento desse processo – o novo processo, então, é a
de projetos e oferece certifica-
ções por meio de cursos. entrega oferecida por tal projeto.

É importante ressaltar que, dada a natureza temporária associada


ao conceito de um projeto, ele sempre tem um início e um término
determinados. Não existe um projeto contínuo, que nunca termina. A
conclusão se dá quando os objetivos daquele projeto forem atingidos,
ou quando o projeto é abortado porque os seus objetivos não têm mais
condições de serem realizados. Às vezes, por mudanças internas na
organização ou no mercado ao qual ele atende, o projeto deixa de fazer
sentido, sendo essa outra razão pela qual ele é cancelado. Um projeto
também pode ser encerrado no caso de uma das partes interessadas,
como o cliente, o patrocinador ou o financiador, assim o desejar.

Mas é importante esclarecer que algo temporário não implica ne-


cessariamente uma atividade de curta duração. O termo temporário
diz respeito ao engajamento do projeto e à sua longevidade. Alguns
projetos podem durar anos ou décadas (cenário típico de alguns am-
bientes de negócios mais complexos, como nos casos da indústria
farmacêutica e da indústria petrolífera). No campo educacional, os
Glossário
esforços organizados para que uma faculdade ou universidade eleve
vindouro: que está por vir ou sua nota no Ministério da Educação e/ou seja bem-sucedida em uma
por acontecer.
vindoura auditoria de avaliação podem ser entendidos, sem dúvida,

142 Novos caminhos para profissionais da educação


como um projeto. Outro exemplo de projeto nesse âmbito é toda a
mobilização que envolve a criação de um novo curso.

Artigo

http://centrorecursos.movimentoescolamoderna.pt/dt/1_2_2_trab_proj_coop/122_b_04_proj_preescolar_mguedes.pdf

No artigo Trabalho em projetos no pré-escolar, da autora Manuela Guedes,


publicado na revista Escola Moderna, em 2011, são analisados três tipos de
projetos aderentes à educação básica: os temáticos de estudo e/ou de inves-
tigação científica, os técnico-artísticos e os de intervenção social, fornecendo
importantes subsídios e critérios a serem observados pelo professor em
suas atividades.

Acesso em: 21 fev. 2020.

Por outro lado, segundo o PMI (2017), esse caráter temporário da


realização do projeto normalmente não é aplicável ao produto, servi-
ço ou processo por ele lançado. O fato é que a maioria dos projetos
são concebidos visando criar um resultado razoavelmente duradou-
ro. Por exemplo, um projeto de construção de um curso escolar cer-
tamente objetiva que ele perdure por alguns bons anos no portfólio
da instituição de ensino. É interessante observar, ainda, que os pro-
jetos costumam oferecer impactos sociais, econômicos e ambientais
com duração muito mais longa que o tempo ocupado pela execução
daqueles mesmos projetos, o que justifica, em última análise, todo o
esforço (incluindo o financeiro) envolvido.

Uma nota importante: não existe, estritamente, a possibilidade de


fazer de novo um mesmo projeto. Isso se justifica pelo fato de que
cada projeto acaba por criar um produto, serviço ou processo de ca-
ráter singular. E apesar de alguns elementos poderem se repetir em
projetos parecidos, essa repetição não é suficiente para comprome-
ter as características fundamentais e exclusivas de um determinado
projeto. Por exemplo, a implementação de novos campi de uma uni-
versidade em diferentes regiões de um estado ou país pode envolver
processos similares e até mesmo ser realizada pelas mesmas equipes
de trabalho. Entretanto, cada campus é inegavelmente único, envol-
vendo endereço diferente, circunstâncias e situações das mais varia-
das, partes interessadas distintas etc.

O professor precisa considerar que, em função dessa natureza ex-


clusiva dos projetos, é quase inevitável que existam incertezas ou dife-

Noções de gestão para o professor 143


renças quanto aos produtos, serviços ou processos criados por eles. Na
prática, as atividades do projeto podem não ser tão familiares para os
integrantes de uma equipe relacionada, e isso costuma requisitar um
planejamento muito mais delicado e minucioso do que outro trabalho
de rotina (como é o caso dos processos, normalmente regidos por pro-
cedimentos padrões). No processo, caso exista um erro qualquer de
execução, há alguma chance de repará-lo no ciclo seguinte; por exem-
plo, se uma fatura foi paga no setor financeiro sem o devido lançamen-
to no sistema, a próxima fatura despertará atenção quanto à falha, o
que serve até de treinamento e avaliação dos operadores. Contudo, no
projeto, não há uma próxima vez, de tal forma que erros podem ser
fatais para o objetivo almejado.

De acordo com o PMI (2017), pela amplitude de seu conceito,


projetos podem ser planejados e executados em qualquer nível da
organização. Evidentemente, dada a escala envolvida, um projeto
pode se restringir a uma única pessoa ou envolver uma vasta equi-
pe de profissionais e, da mesma forma, pode ser conduzido por
uma única organização ou mesmo por múltiplas empresas, como
no caso dos consórcios empresariais e projetos de inovação aberta
em um ecossistema de negócios.

Especialmente útil ao visar aos projetos de pesquisa científica –


com os quais muitos professores se envolvem, principalmente nos
programas de pós-graduação stricto sensu das instituições acadê-
micas – é reconhecer que o conceito de projeto oferece diferentes
possibilidades de entrega de resultado. Pode ser um produto (item
físico) na forma de componente de item alheio, uma melhoria de
um item ou o próprio item como um todo. Pode ser a entrega de
um serviço ou até mesmo a entrega da capacidade de realizar um
determinado serviço, por exemplo, um processo organizacional que
dê suporte à produção ou à distribuição da empresa.

As melhorias, em geral, de produtos e serviços são alternativas le-


gítimas para a estruturação de projetos. Ainda, é possível admitir um
resultado na forma de produto ou documento. Um exemplo possível
é um projeto de pesquisa científica que desenvolva o conhecimento
a empregar para determinar se uma tendência é real ou se um novo
processo industrial tem condições de beneficiar a sociedade, na forma
de um artigo científico publicado em algum periódico especializado.

144 Novos caminhos para profissionais da educação


Diante da complexidade organizacional (incluindo situações típicas
do ambiente acadêmico), pode ser necessário trabalhar com conceitos
complementares ao projeto, como o portfólio e o programa. Há um es-
trito relacionamento conceitual entre portfólios, programas e projetos.
Segundo o PMI (2017, p. 9),
um portfólio é um grupo de projetos, programas, subportfólios
e operações gerenciados em conjunto para se alcançar objeti-
vos estratégicos. Por sua vez, programas são agrupados em um
portfólio, englobando subprogramas, projetos ou outros traba-
lhos que são gerenciados de maneira coordenada para dar su-
porte ao portfólio.

Os projetos individuais que estejam dentro ou fora do programa são,


para todos os efeitos, parte integrante de um portfólio. Muito embora
projetos e programas do portfólio possam não se encontrar necessaria-
mente interdependentes ou relacionados diretamente, eles estão, em úl-
tima análise, conectados ao plano estratégico da organização (realização
da missão e visão organizacional) por meio do seu portfólio. Aliás, uma
reflexão importante reside nessa análise, pois os processos ajudam fun-
damentalmente na realização da missão de uma organização, mas são
os projetos criadores de algo novo que sustentam a possibilidade de se
atingir a visão organizacional, isto é, o estado desejado, que, obviamen-
te, é uma perspectiva futura justamente porque determinadas iniciativas
precisam ainda ser elaboradas.

É diante desse esclarecimento conceitual que se apresenta a


função de gestão de projetos. Gerenciá-los significa aplicar os de-
vidos conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas às ati-
vidades do projeto, no intuito, essencialmente, de se atender aos
seus requisitos (possibilitar a entrega dos resultados esperados
nas condições determinadas). Entre os cinco grupos de processos
de gestão de projetos estão: iniciação; planejamento; execução;
monitoramento e controle; e encerramento. Saiba mais
O trabalho de um gerente de projetos envolve, principalmente: Embora cada projeto seja
identificar os requisitos aplicáveis; abordar e endereçar adequa- estritamente único, a forma de
conduzir diferentes projetos
damente as diferentes necessidades, preocupações e expectativas pode ser padronizada, razão
das partes interessadas quanto ao planejamento e à execução da- pela qual é costume se referir à
expressão processos de gestão
quela empreitada; estabelecer, manter e executar a comunicação de projetos.
de modo ativo, eficaz e colaborativo entre as partes interessadas;

Noções de gestão para o professor 145


gerenciar as partes interessadas tendo em vista o atendimento aos
requisitos do projeto e a garantia de suas entregas; e equilibrar
restrições eventualmente conflitantes do projeto.

Aliás, é necessário ressaltar que todo projeto é um trabalho


complexo, pois sempre imperam restrições. As principais – foco de
atuação obrigatória de todo gerente de projeto – dizem respeito a
escopo, qualidade, cronograma, orçamento, recursos e riscos. Em
projetos mais simples e em ambientes organizacionais mais infor-
mais, ao menos três elementos concentram toda a atenção no que
diz respeito ao gerenciamento de projetos: escopo (o que é para ser
feito e o que não é para ser feito), tempo (cronograma) e custo (or-
çamento), considerados muitas vezes como o tripé básico da condu-
ção de um projeto qualquer. Os conflitos, na prática, costumam ser
inevitáveis, pois se espera a maior qualidade possível de um projeto,
mas a restrição de tempo impede seu alcance; a expectativa é de
entregar no menor tempo, mas a limitação orçamentária costuma
alongar prazos, e assim por diante.

Segundo o PMI (2017), a complexidade da gestão de projetos se


explica, ainda, devido a um fator altamente impactante e, na prática,
bastante recorrente: mudanças que ocorrem durante o planejamento
e execução. Por conviverem com essa expectativa sempre iminente,
os responsáveis por desenvolver o plano de gerenciamento do proje-
to sabem que essa atividade precisa ser iterativa, ou seja, elaborada
de uma forma progressiva ao longo do ciclo de vida do projeto, es-
tando sempre sujeita a ajustes e correções. A elaboração progressiva
precisa considerar a melhoria contínua e o detalhamento do plano de
trabalho, tendo em mente que estimativas mais exatas e informações
mais detalhadas e específicas acabam por surgir, muitas vezes, quan-
Atividade 2
do o projeto já foi iniciado (muitas vezes, quase finalizado). Então, a
Qual prática se adota diante da
probabilidade quase certa de elaboração progressiva permite que a equipe de trabalho defina e ge-
mudanças que ocorrem ao longo rencie suas atividades com um nível suficiente de detalhes (e de se-
do planejamento e da execução gurança quanto ao que e como fazer), à medida que o projeto evolui,
de um projeto?
minimizando desperdícios de tempo e dinheiro.

Assim, é importante desmistificar o papel do gerente de proje-


tos em uma organização qualquer (como uma escola). Fundamen-
talmente, deve-se ficar claro que não é apenas o profissional que
ocupa uma posição gerencial na descrição de cargos e/ou organo-

146 Novos caminhos para profissionais da educação


grama da empresa que pode atuar como um gerente de projetos. Saiba mais
Por definição, assim como um projeto tem início e fim, o trabalho Para ficar claro, o gerente admi-
nistrativo se ocupa da supervisão
de um gerente de projetos também encerra-se com aquele proje-
de uma unidade funcional ou
to (embora o profissional possa receber a atribuição de cuidar de de negócios, e os gerentes de
outro). Por isso, um professor que não tenha qualquer atribuição operações são responsáveis
pela eficiência das operações de
administrativa em uma instituição de ensino pode, com toda legiti-
negócios.
midade, exercer o papel de um gerente de projetos. Obviamente, a
despeito do cargo que tenha, alguns atributos são importantes en-
tre as competências que cada profissional oferece. Afinal, o gerente
de projeto é a pessoa alocada pela empresa para servir de líder à
equipe responsável por realizar os objetivos de dado projeto. É por
isso que o papel do gerente de projetos é claramente diferente do
de um gerente administrativo ou de operações.

8.3 Gestão de conflitos


Vídeo A competência gerencial de saber administrar conflitos é essencial
no âmbito das organizações da atualidade e algo especialmente útil para
a realidade de trabalho dos professores em geral. Primeiramente, con-
vém entender do que se trata exatamente esse fenômeno sociológico
e organizacional comum em qualquer tipo de empresa. Tome conflito
como todo posicionamento divergente ou forma alternativa de ver ou
interpretar um acontecimento qualquer. Diante disso, é inevitável que
qualquer um que conviva em sociedade experimente recorrentemente
situações de conflito, das mais tênues às mais intensas. Afinal, desde os
conflitos tão típicos da infância, passando pelos dilemas pessoais da fase
de adolescência, até a maturidade da vida adulta, as pessoas continuam
a se digladiar com as formas intrapessoal e interpessoal de conflito.

O conflito intrapessoal é caracterizado pelos dilemas de ir ou não


ir, fazer ou não fazer, falar ou não falar, comprar ou não comprar, en-
tre outros. Mas o foco de atenção, quando se refere à competência de
gestão de conflitos para a atividade docente, são os embates diretos
entre indivíduos, como desentendimento no trânsito, brigas familiares,
guerras entre nações, além do desentendimento entre e com alunos.

Para Chrispino (2007), é preciso reconhecer que o conflito é um


componente que integra a vida em geral e a atividade social da
humanidade desde tempos imemoriais. À luz da interpretação do

Noções de gestão para o professor 147


conceito, é possível afirmar que a origem do conflito reside na di-
ferença de interesses, desejos e aspirações. Percebe-se, portanto,
que não prevalece, nesse contexto, um inequívoco juízo de erro e
de acerto. O fato é que existem pessoas defendendo posições fren-
te a entendimentos divergentes.

Segundo o autor, um exemplo bastante contundente da dificul-


dade enfrentada pelos profissionais ao tentar lidar com o conflito é
precisamente a incapacidade de se identificar as circunstâncias de-
rivadas da situação conflituosa, ou que nela redundam. Em franca
análise, tanto no ambiente escolar quanto na vida em geral, a nítida
percepção do conflito só ocorre quando surgem as indesejáveis e
quase inevitáveis manifestações mais violentas.

Ao menos duas lições são aprendidas dessa forma. A primeira


delas mostra que a manifestação se torna violenta porque, em mo-
mento anterior, já prevalecia alguma forma de divergência ou anta-
gonismo, que acaba por ser agravada – e as pessoas envolvidas não
sabem ou não têm preparação para identificar essa situação. Outro
aspecto é que a reação mais natural diante de um conflito que se
manifeste é agir visando apaziguar de imediato a manifestação vio-
lenta. Contudo, ao proceder dessa forma, ignorando as causas que
levaram ao fato, alimenta-se o risco de que problemas mal resolvi-
dos se repitam, talvez de modo ainda pior.

Então, ao se assumir a perspectiva de definir conflito como o resul-


tado do choque de opiniões ou de interesses de duas ou mais pessoas,
ou de todo um grupo social, pode-se transportar essa ideia ao ambien-
Vídeo te escolar, onde a divergência de opiniões entre estudantes e profes-
No vídeo O que é a sores, entre alunos e entre os próprios professores se torna a causa
personalidade histriônica?,
publicado pelo canal objetiva de conflitos nas instituições de ensino (CHRISPINO, 2007).
Minutos Psíquicos, o dis-
túrbio da grande necessi- Uma análise mais a fundo revela que uma causa essencial dos con-
dade de ser o centro das flitos é a dificuldade de comunicação. Falta nas pessoas maior assertivi-
atenções é examinado.
Esse é um conhecimento dade, o que mina as condições para o estabelecimento de um diálogo.
importante para que o
professor se capacite No mundo acadêmico, observa-se que se, por um lado, a mas-
para ser um melhor sificação da educação (em grande parte, pelo advento das novas
gestor de conflitos.
tecnologias digitais) democratizou o acesso universal dos alunos
Disponível em: https://www.you-
tube.com/watch?v=ucEfefkq470. às escolas, é preciso reconhecer, em contrapartida, que as institui-
Acesso em: 21 fev. 2020. ções de ensino ficaram expostas a um contingente de estudantes

148 Novos caminhos para profissionais da educação


cujo perfil bem mais diversificado não encontrou respaldo para
uma mais adequada e completa absorção.

Segundo Chrispino (2007), deve-se reconhecer que, antigamente, um


perfil mais padronizado de estudante buscava a escola, com correspon-
dente padronização em suas expectativas e em suas trajetórias de vida, o
que conformava sonhos e limites mais aproximados. Em suma, os grupos
de alunos costumavam compartilhar perfis pessoais bastante similares.
Com o fenômeno contemporâneo da educação em massa, a implicação
foi trazer, para dividir o mesmo espaço, alunos com as mais diferentes
vivências, expectativas, sonhos, valores, hábitos e, até mesmo, culturas
(considerando, inclusive, a internacionalização do ensino). Porém, nesse
meio tempo, a escola permaneceu, essencialmente, a mesma.

Não é difícil concluir que esse conjunto de diferenças é uma causa


básica de conflitos. Pode não ser a única, mas, quando tais diferenças
não são reconhecidas e devidamente trabalhadas, podem resultar em
manifestações realmente violentas. Portanto, identifica-se, nesses ter-
mos, uma das causas primordiais do fenômeno da violência escolar.
Nos infelizes episódios de grandes massacres em escolas nos EUA (com
um inequívoco reflexo em casos semelhantes nos estados do Rio de
Janeiro e de São Paulo, há alguns anos), tal fato parece ficar frequente-
mente obliterado por discussões que talvez não sejam tão consisten-
tes, como discutir o desarmamento da população civil.

Felizmente, a grande maioria das divergências nos relacionamen-


tos entre as pessoas não evolui para as vias de fato. Pode-se esperar,
com toda naturalidade, que, devido à diferença de mentalidade en-
tre os indivíduos, sempre existam situações de conflito no ambiente
escolar para serem tratadas. Um conflito tem origem na diferença de
conceito ou pelo valor diferente que se atribuiu ao mesmo ato, como
a qualidade da entrega de um determinado trabalho escolar. Pro-
fessores e alunos podem dar valores diferentes à mesma ação (uma
prova, por exemplo), reagindo de maneira distinta em função das
expectativas criadas. Eis aí um conflito dos mais frequentes. Como
a instituição de ensino convive historicamente com um tipo padrão
de estudante, ela tende a apresentar a mesma regra, normalmente
inegociável, com os demais alunos, na forma de um enquadramento
automático, que nem sempre é o mais adequado.

Noções de gestão para o professor 149


Não restam dúvidas de que quanto mais diversificado for o per-
fil dos estudantes e dos docentes, maior a probabilidade de con-
flito manifestado ou de uma diferença de opinião que tome corpo
até uma futura manifestação mais contundente. Isso ocorre em
ambiente institucional normalmente orientado à inibição do con-
flito, por ele ser entendido como algo fundamentalmente ruim e
anômalo ao controle social.
Atividade 3 Ao professor que desperta para a necessidade de se tornar também
Quais vantagens são obtidas um gestor de conflitos, é importante saber que há algum tempo come-
com o fomento controlado
çou a ruir o mito criado em termos de que conflito é sempre algo ruim.
de conflitos em ambiente de
trabalho, como nas instituições Ou seja, nas abordagens mais atualizadas de gestão, o conflito pas-
de ensino? sou a ser entendido como uma manifestação eminentemente natural.
Dessa forma, ele é tido como absolutamente necessário no sentido do
pleno estabelecimento de relações entre as pessoas, os grupos sociais,
os organismos políticos e as próprias nações.

O bom gestor de conflitos não é aquele que abafa essas ocorrên-


cias ao menor sinal de sua existência no ambiente de trabalho. Afinal,
o conflito é inevitável, sendo equivocado tentar suprimir seus motivos.
O conflito, ressalte-se, dispõe de inúmeras vantagens, que dificilmente
poderiam ser percebidas por aquelas pessoas que enxerguem nele algo
a ser evitado a qualquer custo. A lista dessas vantagens é extensa.

Primeiramente, o conflito ajuda na regulação das relações so-


ciais, pois, por mais irônico que pareça, ele pode nutrir a empatia, ao
ensinar a enxergar o mundo pela perspectiva da outra pessoa. Ele
permite o mapeamento e reconhecimento das divergências, não sob
a forma de ameaça, mas como fruto do processo de interação social.
O conflito é especialmente útil no que tange à definição das identi-
dades das partes envolvidas na defesa de suas respectivas posições.
Não se pode desprezar a utilidade em permitir perceber que outros
indivíduos possuem percepções diferentes. Algo bastante nobre que
pode ser percebido no conflito é a racionalização de estratégias de
competência e de cooperação nas equipes de trabalho. Enfim, ele
proporciona o aprendizado de que a controvérsia é uma legítima
oportunidade de crescer e de amadurecer socialmente.

Outro mito que foi construído em relação ao conflito, igualmente


superado de modo gradativo, é a ideia de que ele é contrário à ordem.

150 Novos caminhos para profissionais da educação


O que ocorre é que o conflito surge como manifestação da ordem em
que ele próprio se originou, derivando daí suas consequências associa-
das. Em uma visão política, é possível assumir o conflito como uma das
mais puras manifestações de natureza democrática; por assim dizer, o
conflito garante e sustenta a democracia.

A conclusão não pode ser outra: a ordem e o conflito são resultado


natural e previsível da interação entre os seres humanos. A ordem, va-
lor tão bem quisto em toda a sociedade humana, é, em última análise,
nada além de uma normatização do conflito. O conflito de ordem po-
lítica pode servir de exemplo, pois, ainda que pareça uma ruptura da
ordem anterior, existe continuidade e regularidade em determinados
aspectos, considerados indispensáveis pela sociedade, pela exigência
de ordem. Dessa pretensa e idealizada ordem, emergem os embates.

Somente o estudo e a compreensão das relações que existem den-


tro da ordem podem permitir o entendimento completo dos conflitos
que nela se originam e que, por fim, são a razão de sua existência. Por
exemplo, quanto aos sócios que brigam, é necessário ver as condições
em que se fez a sociedade e as expectativas de seus fundadores.

O conflito está permeado nos relacionamentos interpessoais, nas


mais diversas situações, de tal modo que nem sempre parece tão evi-
dente. Exemplos são as competições esportivas, em que a violência não
é admitida, com determinação de um modelo de comportamento coo-
perativo, mas que convive com interesses explicitamente conflitantes.

Contudo, em muitas situações, o conflito é deflagrado e não há con-


dições de se identificar exatamente o que o provocou. Daí o ditado que
afirma que, em uma guerra, a primeira vítima fatal é sempre a verdade.
O interesse é a motivação mais objetiva ou mais subjetiva de uma de-
terminada conduta. Essa conduta se estrutura e se afasta da posição
tomada, a forma exterior do conflito, resultando, assim, em omissão ou
ocultamento do real interesse envolvido. Nos treinamentos de técnicas
de negociação, os interlocutores têm interesses absolutamente confli-
tantes: o vendedor deseja vender o mais caro que puder, enquanto o
comprador faz questão de pagar o valor mais baixo possível. Todavia,
tais interesses são claros e definidos para tais personagens. Isso é bem
diferente do que ocorre no conflito causado por crianças disputando
um pirulito – que o disputam mesmo tendo ao seu alcance doces até

Noções de gestão para o professor 151


melhores. Objetivamente, a posição de possuir o pirulito tenta escon-
der um interesse implícito: a sensação de vitória sobre o adversário,
que é o prêmio usufruído por quem o ganhar.

Quanto às causas, os conflitos podem ser classificados em es-


trutural, de valor, de relacionamento, de interesse e quanto aos
dados envolvidos, conforme a Figura 1.

Figura 1
Classificação de conflitos

De estrutura
Padrões destrutivos de comportamento ou interação; controle, posse ou distribuição
desigual de recursos; poder e autoridades desiguais; fatores geográficos, físicos ou
ambientais que impeçam a cooperação; pressões de tempo.

De valor
Critérios diferentes para avaliar ideias ou comportamentos;
objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; modos de
vida, ideologia ou religião diferentes.

De relacionamento
Emoções fortes; percepções equivocadas ou estereótipos;
Conflito comunicação inadequada ou deficiente; comportamento
negativo/repetitivo.

De interesse
Competição percebida ou real sobre interesses
fundamentais (conteúdo); interesses quanto a
procedimentos; interesses psicológicos.

Quanto aos dados


Falta de informação; informação errada; pontos de vista
diferentes sobre o que é importante; interpretações
diferentes dos dados; procedimentos de avaliação diferentes.

Fonte: Adaptado de Chrispino, 2007, p. 18.

152 Novos caminhos para profissionais da educação


Uma tipologia ainda mais abrangente é apresentada na Figura 2.

Figura 2
Tipologia de conflitos

De relações pessoais
Habitualmente os indivíduos não se De estrutura
De interesses entendem como pessoas. Problema cuja solução
Interesses ou desejos são requer longo prazo, esforços
contrários aos do outro. importantes de muitos e meios,
além de possibilidades pessoais.
De valores
Os valores ou as crenças
fundamentais estão em jogo. De identidade
O problema afeta a maneira
íntima de ser quem se é.
De autoestima
O orgulho pessoal se sente
ferido. De expectativas
Não se cumpriu ou se fraudou o
De poder que um esperava do outro.
Alguém quer mandar, dirigir ou Conflito
controlar o outro. De inadaptação
Modificar as coisas produz uma
De recursos escassos tensão indesejável.
Algo que não existe em
De informação
quantidade suficiente para
Algo que se disse ou não se
todos.
disse ou que se entendeu de
maneira errada.
De norma
Valores ou crenças fundamentais
estão em jogo. De inibição
Claramente a solução do
De legitimação problema depende do outro.
O outro não está de alguma
maneira autorizado a atuar De atribuição
como o faz, tem feito ou O outro não assume sua
pretende fazer. culpa ou responsabilidade em
determinada situação.

Fonte: Adaptado de Chrispino, 2007, p. 19.

Parece plausível que as características peculiares da instituição es-


colar ou do sistema educacional considerado favoreçam essa proposta
de categorização, devido ao universo conhecido e formado por partici-
pantes permanentes (alunos, professores, técnicos e comunidade) que
dispõem de rotinas já definidas. O que irá variar é o modo de lidar com
o conflito em âmbito escolar, uma vez que uma determinada escola
perceba o conflito como instrumento de crescimento ou como uma
ocorrência inadmissível que deva ser abafada.

Noções de gestão para o professor 153


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um professor com aptidões gerenciais, independentemente de ocu-
par ou não alguma função administrativa na escola, é um profissional
melhor preparado até mesmo para as atividades restritas à sala de aula.
Afinal, o ensino e a pesquisa, por si só, demandam uma coordenação de
atividades com os alunos que pode ser muito melhor desempenhada por
meio das abordagens de natureza gerencial. Além disso, é evidente que
uma eventual ambição por um cargo formal de gestão é favorecida pelas
experiências bem-sucedidas no gerenciamento das atividades pelas quais
se é responsável na instituição de ensino onde trabalha, sobretudo nas
perspectivas de qualidade, produtividade, gestão de projetos e gestão de
conflitos – competências que se mostram absolutamente indispensáveis.

REFERÊNCIAS
ARENDS, R. Learning to teach. 10. ed. New York: McGraw-Hill Higher Education, 2014.
CAMPOS, V. Gerenciamento da rotina do trabalho do dia a dia. São Paulo: INDG, 2002.
CAMPOS, V. Gerenciamento pelas diretrizes. São Paulo: INDG, 2004.
CHRISPINO, A. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos
de mediação. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, v. 15, n. 54, p. 11-28,
jan./mar. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n54/a02v1554.pdf.
Acesso em: 21 fev. 2020.
PMI. PMBOK: a guide to the project management body of knowledge. 6. ed. Philadelphia:
Project Management Institute, 2017.

GABARITO
1. A qualidade tem uma atuação dupla na equação da produtividade: por um lado, au-
menta as entregas; por outro, reduz custos – assim, o efeito de aumento da produti-
vidade é potencializado.

2. Por conviverem com essa expectativa sempre iminente, os responsáveis por desen-
volver o plano de gerenciamento do projeto sabem que essa atividade precisa ser
iterativa, ou seja, elaborada de uma forma progressiva ao longo do ciclo de vida do
projeto, estando sempre sujeita a ajustes e correções. A elaboração progressiva pre-
cisa considerar a melhoria contínua e o detalhamento do plano de trabalho, tendo
em mente que informações mais detalhadas e específicas e estimativas mais exatas
acabam por surgir, muitas vezes, quando o projeto já foi iniciado (muitas vezes, quase
finalizado). Então, a elaboração progressiva permite que a equipe de trabalho defina e
gerencie suas atividades com um nível suficiente de detalhes (e de segurança quanto
ao que e como fazer), à medida que o projeto evolui.

154 Novos caminhos para profissionais da educação


3. Primeiramente, o conflito ajuda na regulação das relações sociais, pois, por mais
irônico que pareça, ele pode nutrir a empatia ao ensinar a enxergar o mundo pela
perspectiva da outra pessoa. Ele permite o mapeamento e reconhecimento das diver-
gências, não sob a forma de ameaça, mas como fruto de processo de interação social.
O conflito é especialmente útil no que tange à definição das identidades das partes
envolvidas na defesa de suas respectivas posições. Não se pode desprezar a utilidade
em permitir reconhecer que outros indivíduos possuam percepções diferentes. Algo
bastante nobre que pode ser percebido no conflito é a racionalização de estratégias
de competência e de cooperação nas equipes de trabalho. Enfim, ele proporciona o
aprendizado de que a controvérsia é uma legítima oportunidade de crescer e de ama-
durecer socialmente.

Noções de gestão para o professor 155


9
Tópicos especiais
para o professor
Um mundo que caminha para a plena digitalização da so-
ciedade, nesses tempos de hiperconexão de tudo e entre to-
dos, não é, por isso, um mundo sem desafios. De fato, há quem
pense que hoje se vivem os tempos mais complexos de toda
a história da humanidade, considerando-se esse choque entre
alta tecnologia e baixa cultura.
A complexidade proveniente da combinação de toda ambigui-
dade, incerteza e volatilidade presentes na vida das pessoas traz,
contudo, novas oportunidades de atuação para o professor do
século XXI. Sua carreira pode ganhar direções talvez nunca antes
cogitadas, sendo algumas possibilidades exploradas nas seções
deste capítulo, que examinam a internacionalização da carreira
docente, a função que se pode exercer junto a um ecossistema de
inovação e, também, a agência política do educador.

9.1 A carreira internacional do professor


Vídeo
A classe dos professores é somente mais uma a perceber as conse-
quências da globalização que vem tomando o mercado de trabalho. Se,
por um lado, as oportunidades de posição de alto nível parecem proli-
ferar em quantidade e qualidade, o fato é que, por outro, os empregos
se tornaram muito mais exigentes e instáveis. Como consequência do
aumento da competitividade, o cenário geral é de que profissionais de
todas as áreas são continuamente obrigados a adquirir conhecimentos
e competências diferenciados para que possam ter oportunidade de
acessar ou manter os melhores empregos.

Tal fenômeno é bastante característico da atualidade, marcada


pela transição não tão suave entre a terceira e a quarta revoluções

156 Novos caminhos para profissionais da educação


industriais. No topo desse movimento de instabilidade do mercado, Vídeo
estão as chamadas carreiras transnacionais, que correspondem às No vídeo Indústria
4.0: preparados para
pessoas que procuram estar preparadas tanto para um trabalho lo- revolução?, publicado
cal quanto para um que exija mobilidade total, em nível internacional pelo canal Deloitte Brasil,
são apresentadas cada
(­POHLMANN; VALARINI, 2013; SCHWAB, 2016). uma das revoluções
industriais, com ênfase
O professor também está sujeito às possibilidades e exigências de um à que corresponde ao
cenário transnacional. Para os educadores, a probabilidade de se conse- momento atual (quarta
revolução), que não está
guir internacionalizar a carreira se torna mais forte em nível s­ tricto sensu limitada à tecnologia da
(mestrado e doutorado). Mesmo em nível de educação básica, algumas informação e tampouco
à linha de produção de
oportunidades se viabilizam – no ensino de línguas estrangeiras ou no manufatura.
trabalho com escolas internacionais e/ou ensino bilíngue, por exemplo. Disponível em: https://www.you-
tube.com/watch?v=DL-DS9A8nvE.
Um fato interessante é que esse movimento é visto com bons olhos
Acesso em: 21 fev. 2020.
pelas instituições de ensino, afinal, à medida que os professores conse-
guem alçar atividades de cunho internacional, além da evidente melhoria
que essa experiência causa na competitividade desses profissionais, seus
contratantes passam a usufruir de melhor reputação no mercado educa-
cional. Essas instituições passam a ostentar que possuem em seu quadro
professores de quilate global, o que não é um marketing efêmero, mas
um diferencial no que diz respeito à qualidade dos cursos e das atividades
oferecidos (POHLMANN; V
­ ALARINI, 2013; ARENDS, 2014).

Cumpre observar que viajar para o exterior, seja por estudos ou


demais vivências acadêmicas, não é a única forma de proporcionar
competências internacionais a um educador, pois pode-se afirmar que
existem níveis de intensidade de internacionalização. Por exemplo,
quando o professor participa, via internet, de um curso ministrado por
um profissional ou instituição estrangeira, ele já alcançou um pequeno
grau de internacionalização, mesmo sem nunca ter saído do país. Ou-
tro aspecto que não pode ser ignorado é o fato de ser corriqueiro que
os cursos de pós-graduação das instituições de alto nível do Brasil apre-
sentem uma proposta de estudo baseada em negócios internacionais
e temas globais. Portanto, o professor que pesquisa e leciona nesses
campos também se ocupa de atividades de âmbito internacional, inde-
pendentemente do deslocamento físico para fora do país.

Na perspectiva global, a conexão permanente entre os países


é sustentada pelo comércio internacional de produtos e serviços.
Esse intercâmbio contínuo envolve, naturalmente, preparo para o
tratamento de novas necessidades, não apenas de demandas do

Tópicos especiais para o professor 157


mercado, mas também de aspectos culturais que podem ser deter-
minantes para viabilizar ou não um negócio. A globalização exige
das empresas novos posicionamentos, embora o fenômeno não se
restrinja unicamente a essa questão.
1 Devido ao avanço e ao uso frequente das tecnologias digitais, or-
As born globals são empresas de ganizações de grande porte perderam a exclusividade de serem po-
pequeno ou médio porte que
buscam ser internacionais desde tencialmente globais da qual usufruíam, visto que os tempos atuais
1 2
a sua fundação, alcançando oferecem as born globals , companhias ou startups de base tecnoló-
destaque em nichos globais. gica que já iniciam suas operações em diversos países. Muitas dessas
empresas digitais, inclusive, têm seu modelo de negócio pautado em
2 oferecer soluções para a indústria da educação (desenvolvedores de
As startups são novas empresas, apps educacionais, por exemplo). Não é raro que professores e outros
normalmente de base tecnológi- profissionais da área da educação trabalhem nessas organizações, sen-
ca, que têm potencial de escalar
do, às vezes, seus próprios fundadores.
(até mesmo exponencialmente)
a lucratividade caso seja assegu- Isso, entre outros exemplos, revela como as carreiras profissionais
rado o devido financiamento das
operações. são diretamente afetadas pela atual dinâmica tecnológica e econômica.
As trocas de valor se dão em um mercado sem fronteiras, resultando
em mais oportunidades de crescimento profissional. A engrenagem é
movimentada pelo desenvolvimento de novos conhecimentos, novas
competências e experiências diversificadas vivenciadas nas organiza-
ções internacionalizadas, o que agrega valor às profissões do pessoal
envolvido e mantém, em última análise, o mercado ativo.

Assim, o conceito de uma carreira sem fronteiras é uma consequên-


cia da vida na era globalizada. Trata-se de percorrer uma trilha profis-
sional do mais alto nível, o que exige, em contrapartida, desenvolver
habilidades diferenciadas. Nesse novo horizonte de carreira, o profis-
sional não mais fica limitado ao atendimento de uma única organização,
já que as jornadas exclusivas, com dedicação integral a determinada
empresa, passam a ser substituídas por trabalhos diversificados, conci-
liando múltiplas ocupações profissionais simultaneamente.

Não é incomum que um professor se converta também em con-


sultor empresarial, palestrante, autor de livros, instrutor corporativo,
divulgador científico ou empreendedor do próprio negócio. As com-
panhias tornam-se simpáticas a essa ideia, principalmente devido à
possibilidade de transferência de tecnologia e compartilhamento de
profissionais entre empresas. Mas, ao mesmo tempo, muitas organiza-

158 Novos caminhos para profissionais da educação


ções ainda ficam receosas em relação a questões sensíveis, como a do
segredo industrial do negócio.

Dado o impacto das multinacionais no mercado de trabalho (des-


de as tradicionais grandes corporações até as enxutas startups de su-
cesso), a carreira profissional de nível superior deixou de ficar restrita
às possibilidades de atuação no país natal de uma pessoa. Por outro
lado, o profissional precisa ficar ciente de que sua relação de trabalho
não é mais majoritariamente regida pelas normas e valores nacionais,
havendo a necessidade de ser receptivo a novas condições até então
alheias à realidade que ele conhece (GUNZ; EVANS; JALLAND, 2000;
POHLMANN; VALARINI, 2013).

Antigamente, muitos profissionais aceitavam mudar de cidade ou


de região do país diante de uma melhor e irrecusável oferta de traba-
lho. Hoje, isso se expande para além das fronteiras nacionais, desenca-
deando, assim, o fortalecimento das carreiras transnacionais. Uma das
possibilidades atuais é de que um indivíduo empregado em uma única
organização que seja uma multinacional com operações em diversos
países (ou fornecedor de uma multinacional dessas) tenha sua rotina
de trabalho totalmente internacionalizada. Pode ser solicitado que ele
percorra o mundo para cumprir suas atribuições, como treinar pessoal
e auditar instalações das várias unidades da empresa. No caso especí-
fico de um professor, vislumbra-se, por exemplo, seu aproveitamento
na estrutura das universidades corporativas mantidas internamente
nessas grandes empresas para capacitação do quadro funcional.

A grande novidade é a introdução do novo paradigma de trabalho


aberto: o contrato do trabalhador pode não ser destinado a servir uma
única empresa, mas a um consórcio de organizações, com prestação
de serviço especializado que atenda a essa coletividade em paralelo.
Muitas vezes, em indústrias de alta tecnologia, tais consórcios envol-
vem empresas provenientes de diferentes países. Com isso, crescem
as chances de o profissional contratado nessa modalidade laboral al-
ternativa ter trânsito internacional para o exercício de suas funções.

Evidentemente, uma restrição que deve ser considerada é a legisla-


ção trabalhista dos países envolvidos, e o Brasil ainda é um dos países
resistentes a essas configurações inovadoras de trabalho. No país, o
que mais frequentemente se observa, no caso dos professores, é o ex-

Tópicos especiais para o professor 159


pediente da multijornada: não raramente, um educador atende a mais
de uma instituição de ensino, em horários parciais, com contratos de
prestação de serviço terceirizado. Cientes dessa realidade, dificilmente
as instituições de ensino vetam o trabalho do professor em um grupo
educacional concorrente.
Glossário Ainda que isso não seja uma garantia pétrea de longevidade da car-
pétreo: resistente; duro como reira profissional em uma empresa, dispor de um histórico de traba-
uma pedra. lhos desenvolvidos no exterior costuma ser algo muito bem recebido
nos processos de recrutamento e seleção. Além disso, nos dias de hoje,
as carreiras conduzidas junto a um único contratante são absoluta-
3 3
mente raras .
De todo modo, observa-se que
os indivíduos que alcançaram Na prática, é comum observar que o currículo de altos executivos
as mais altas posições ainda de grandes empresas, entre elas instituições de ensino, é enrique-
são aqueles que vivenciaram
cido por vivências internacionais. Hoje, dificilmente se encontram
mais tempo de empresa do que
os que ostentam uma série de ­vice-presidentes e diretores executivos de grandes companhias que
experiências internacionais no não tenham pelo menos um curso de curta duração no exterior. A con-
currículo.
clusão é que a experiência internacional, por mais breve que seja, é
reconhecida com distinção no momento de preencher vagas estratégi-
cas, seja por contratação ou até mesmo para promoção interna.
Atenção Em suma, a globalização acena para uma maior diversidade de op-
Nível executivo à parte, reco- ções na carreira profissional. Isso, evidentemente, tem seu custo: os
nhece-se que um professor de profissionais precisam transparecer ao mercado de trabalho, perma-
língua estrangeira se destaca no
nentemente, a mais alta qualificação. São pessoas que pagam um preço
processo de contratação em uma
instituição de ensino, em função alto por seu nível de competitividade profissional e que, naturalmente,
de vivências no país do idioma não se darão por satisfeitas com trabalhos e remunerações medianos.
ensinado.
Observa-se que a mobilidade de pessoal com alta qualificação sofreu
um salto drástico nos anos mais recentes, e as próximas décadas devem
ser de intensidade similar nesse aspecto. Resulta daí que a transposição
das fronteiras nacionais no mercado de trabalho dá origem ao que pode
ser denominado elite transnacional, isto é, indivíduos de alta cultura, com
forte empregabilidade e elevada capacidade de se adaptar a mudanças
– perfis bastante requisitados por organizações internacionais.

O profissional mais estrategista sabe que não pode depender uni-


camente de investimentos de seu empregador para aprimoramento na
carreira. Muitos planejam, como iniciativa de desenvolvimento de car-
reira, encontrar oportunidades internacionais e investir nelas por conta
própria. Por mais modesta que seja uma oportunidade dessa natureza,

160 Novos caminhos para profissionais da educação


o autofinanciamento de viagens e de estadias internacionais costuma
ser, sem dúvida, algo caro e inacessível para a maior parte das pessoas,
especialmente professores brasileiros (POHLMANN; VALARINI, 2013).

Contudo, dependendo das circunstâncias, a estratégia de t­ ornar-se


transnacional pode exigir muito mais que uma simples experiência de
treinamento no exterior, pois, às vezes, é indispensável que se viva
como um nativo em outro país. Isso proporciona aprender muito mais
do que conhecimento técnico especializado; trata-se de uma prova pro-
fundamente transformadora. Qualquer pessoa que tenha vivido algum
tempo no exterior relata que volta com outra visão de si e do mundo.
Então, principalmente no caso de profissionais que estejam interessa-
dos em aprimorar a competência em liderança e relacionamento in-
terpessoal, esse tipo de empreitada sempre é um investimento que dá
retorno, mesmo que não financeiro ou imediato.

O termo guerra de cérebros é normalmente utilizado para designar o


cenário resultante da concorrência mundial inflamada, sobretudo pe-
las novas tecnologias, causada pela globalização. Organizações de todo
o mundo disputam talentos humanos que se encontram virtualmente
em qualquer lugar – isso tanto nas modalidades de trabalho presencial
como não presencial. Mais recentemente, porém, outro fenômeno sur-
giu à sombra da guerra de cérebros: a circulação de cérebros. O termo é
usado para explicar que muitas regiões do mundo, que se notabilizaram
por “drenar” os melhores recursos humanos do planeta, observaram que
nem sempre a migração é definitiva. O que ocorre é que alguns migran-
tes com perfil mais empreendedor partem para o estrangeiro visando
Atividade 1
investir em capacitação e, depois, retornam aos seus países de origem
Explique o fenômeno da
para fundar novos negócios e semear novos ecossistemas de inovação,
circulação de cérebros.
geralmente na linha do empreendedorismo de alto impacto.

Nesse contexto, não apenas os indivíduos disputam posições no


mercado, mas também as empresas se preocupam em reter seus
melhores talentos. Portanto, a política de retenção de talentos das
empresas ganha mais importância (SAXENIAN, 2007; ORTEGA, 2013;
POHLMANN; VALARINI, 2013).

Analisando o universo acadêmico, a carreira docente é conhecida


Glossário
por sua indelével característica de treinamentos contínuos e progres-
sivo desenvolvimento profissional e pessoal. Mas chama a atenção o indelével: durável;
permanente.
fato de que educadores são formados não somente por suas trajetórias

Tópicos especiais para o professor 161


Glossário acadêmicas, mas também pelo conjunto de crenças, idiossincrasias e
idiossincrasia: peculiaridade; história de vida que se acumulam, e tais experiências como que impri-
aquilo que é próprio de uma
mem sua marca no trabalho realizado. Essa integração de competên-
pessoa.
cias pessoais e profissionais se estende pelas quatro frentes de atuação
docente – ensino, pesquisa, gestão e extensão.

As experiências internacionais podem levar os profissionais da edu-


cação ao caminho da excelência docente. Mesmo um perfil aparente-
mente mais costumeiro de educador, como um professor iniciante de
educação básica atuante em uma escola mais simples, já está, em algum
grau, usufruindo da experiência internacional ao realizar uma capacita-
ção via plataforma Mooc, Coursera ou congêneres (WILKERSON, 1999;
GONÇALVES, 2009; ARENDS, 2014).

É preciso reconhecer que o próprio processo de internacionalização


das escolas depende substancialmente da vivência estrangeira de seus
educadores. A análise histórica permite constatar que esse movimento
é um tanto quanto recente, uma vez que foi apenas a partir dos anos
1990 que o currículo internacional dos professores passou a ser aspec-
to fundamental para a estratégia das instituições de ensino, pautada
em um relacionamento institucional mais aprofundado e em projetos
de mútua colaboração entre instituições de vários países.

Em suma, segundo Bartell (2003), a internacionalização da educação


resulta da globalização, da regionalização das sociedades e do comércio
internacional. Em uma análise mais ampla, o grau de internacionaliza-
ção pode ser mensurado, por exemplo, pela presença de estrangeiros
(alunos e professores), celebração de acordos entre universidades, pro-
jetos cooperativos de pesquisa internacional, associações internacio-
nais entre instituições de ensino e grupos empresariais, universidades
privadas que declaram abertamente o propósito institucional interna-
cional, colaboração entre conselhos e universidades e o grau de imersão
em currículo internacional.

Na prática, internacionalizar as instituições de ensino (principalmen-


te as universidades) não é simples artimanha publicitária para atrair
alunos de alto padrão, mas uma necessidade estratégica – até mesmo
para que as nações progridam. Há uma interdependência entre educa-
dores e instituições de ensino que se lançam à progressão internacio-

162 Novos caminhos para profissionais da educação


nal, sustentada em alguns níveis: o primeiro deles é a transformação
dos currículos, para melhor compatibilizá-los à realidade internacional;
na sequência, segue-se com a formação no exterior; o terceiro nível
envolve a prática da docência além das fronteiras nacionais, como le-
cionar e ministrar cursos e palestras no exterior; finalmente, o mais
alto nível é efetivamente a produção científica internacional, atestada
pelas publicações de artigos em periódicos científicos de alto impacto
(MOROSINI, 2006; GRIPP; TESTI, 2012).

9.2 O papel do professor nos


ecossistemas de inovação
Vídeo A inovação é o motor da economia mundial. De fato, o capitalismo
só pode ser entendido como um processo evolutivo de inovação con-
tínua e de destruição criativa. Essa última expressão tornou-se famosa
nos estudos sobre inovação econômica e ciclo econômico, servindo para
descrever o processo de mutação industrial constante, uma força que
revoluciona incessantemente a estrutura econômica por dentro, des-
truindo continuamente a forma antiga e criando uma nova. Como re-
sultado, economias renovadas são mantidas com novo sangue injetado
na forma de tecnologias modernas e novos negócios. A prosperidade é
algo que se cria, não que se herda (SCHUMPETER, 1942; PORTER, 1990).

Esse poder de criar e ao mesmo tempo destruir é característico


da inovação. Afinal, tão inovadora quanto uma organização que
A educação a oferece uma nova proposta de valor é deixar de oferecer aquilo
distância rompe que a concorrência insiste em manter no portfólio. Por exemplo,
com o tradicional
e traz a inovação. há tempos não poderia sequer ser cogitado que uma escola funcio-
nasse sem salas de aula físicas – aí aparece a modalidade de edu-
AA
AAAA
AA
AAA cação a distância (EaD) para quebrar as regras artificialmente
AA

assumidas pelos mercados tradicionais.


AAA
AAAAAAAAAAAA

Normalmente, tomar esse tipo de decisão ousada de parar de


oferecer o que todos os competidores do setor ofer-
tam se traduz em um importante
corte de custos, o que proporciona
condições financeiras para investir
em novas proposições de valor.

Tópicos especiais para o professor 163


Por isso, organizações inovadoras não são aquelas que acumulam no-
vos lançamentos, aumentando o portfólio indefinidamente, mas, sim,
as que têm a capacidade de sempre substituir produtos e serviços por
opções mais interessantes ao cliente (KIM; MAUBORGNE, 2015).

É importante observar que o próprio processo de produzir as ino-


vações foi inovado. Tradicionalmente, as empresas sempre depende-
ram dos seus próprios esforços de pesquisa e desenvolvimento para
poderem ofertar algo novo no mercado. Contudo, em um movimento
que remonta há poucas décadas, o paradigma que vem imperando é
o da inovação aberta: por meio de parcerias e atuação em rede, as
empresas buscam oportunidades mais viáveis para inovar, ao mesmo
tempo em que oferecem apoio para que seus parceiros também ino-
vem. Trabalha-se, no cenário atual, em uma rede de relacionamentos
denominada ecossistema de inovação.
4
4
O ecossistema de inovação é um tipo específico de ecossistema
A expressão ecossistema é retirada
do jargão da Biologia e usada aqui de negócios. De maneira geral, o conceito de ecossistema de negócios
como metáfora, pois o ambiente é simples: é uma grande estrutura de relacionamentos, envolvendo
de negócios pode ser comparado
uma determinada empresa e todos os seus clientes e fornecedores,
ao mundo natural, em que
organismos (empreendimentos), bem como demais parceiros (distribuidores, por exemplo), em que
a despeito, muitas vezes, de suas fundamentalmente se estabelece um círculo virtuoso de geração e
diferenças e conflitos de interesse,
precisam coexistir e mesmo coe- agregação de valor.
voluir, seja para sua sobrevivência À luz dos aspectos de interdependência e cooperação que lhe são
ou para seu desenvolvimento a
longo termo. determinantes, a expressão ecossistema de negócios vem sendo desdo-
brada, com toda legitimidade, em outras situações e contextos, entre
os quais se destaca a função de ecossistema de inovação. Nesse caso,
a rede envolvida tende a um cenário bem mais amplo e com relações
mais complexas, incluindo, entre outros, atores como concorrentes,
institutos tecnológicos, startups, investidores, mentores, acelerado-
ras, incubadoras – e, de modo indispensável, instituições acadêmicas
(MOORE, 1997; ENKEL; GASSMAN; CHESBROUGH, 2009).

Se, por um lado, é na empresa que a tecnologia aplicada é inte-


grada para se tornar uma inovação, por outro, é na academia que
a ciência e a tecnologia de base são produzidas. A academia é, por
assim dizer, um importante fornecedor da indústria, pois fornece
conhecimento essencial para que a empresa administre os negócios
atuais e crie novas frentes de negócio. É por essa perspectiva de par-
ticipação das instituições de ensino e pesquisa no ecossistema de

164 Novos caminhos para profissionais da educação


inovação, envolvidas com as empresas (os principais realizadores de
inovação) e demais participantes do ecossistema, que se analisa o
papel do professor nesse cenário. Sua atuação pode se dar nas mais
variadas formas, desde as mais ligadas à estrita atividade de ensino
até as iniciativas empreendedoras do próprio docente (ENKEL; GAS-
SMAN; CHESBROUGH, 2009; WANG; LIU, 2016).

Considerando níveis a partir da graduação, os professores podem


lecionar disciplinas e cursos voltados à gestão da inovação. Embora o
conjunto de conhecimentos mais específicos do empreendedorismo
encontre maior respaldo em cursos na área da Administração e afins,
a inovação ecoa de modo transdisciplinar em praticamente todos os
domínios do conhecimento. Qualquer estudante de Engenharia, Medi-
cina, Arquitetura, Direito, entre tantos outros ramos de especialização,
deveria receber inspiração de seus professores para que as disciplinas
específicas estudadas possam lhe fornecer subsídios de conhecimento
para criar novos produtos, processos e serviços. Os alunos não deve-
riam ser formados com um conhecimento restrito à aplicação daquilo
que já existe, mas principalmente do que precisa ser criado.

Uma das críticas que a comunidade dos inovadores faz ao siste-


ma educacional é que o ensino da inovação se dá muito tarde – nor-
malmente apenas na graduação e, ainda assim, de maneira muito
tênue. Quem busca uma melhor capacitação como profissional ino-
vador precisa, frequentemente, optar por cursos de pós-graduação
especialmente voltados a essa temática. Por isso, é necessário que
estratégias de negócios, inovação e empreendedorismo sejam te-
mas trabalhados desde tenra idade.

Um entendimento apropriado da inovação permite con-


cordar com a ideia de que a sensibilização para esse tipo de
competência pode ser alvo até mesmo de atividades na pré-
-escola. Afinal, inovação tecnológica é apenas uma das possi-
bilidades de inovação, pois o maior propósito da inovação é
solucionar problemas que ainda não tenham sido resolvidos
ou que precisem de uma solução mais adequada e, portanto,
Atividade 2
mais barata, rápida, ambientalmente sustentável, segura e
O que justifica a participação das
socialmente responsável.
instituições acadêmicas em um
ecossistema de inovação?

Tópicos especiais para o professor 165


É evidente que nenhuma criança terá condições de criar, tal como
um engenheiro, um novo dispositivo com tecnologias experimentais
para brincar de inovação, mas a proposta que se faz é que o foco não
seja em validar soluções técnicas, mas, sim, explorar os problemas que
ainda demandam respostas satisfatórias e ideias para atendê-las.

A inovação nasce com a criatividade, embora não se limite a ela.


Por isso, distinguem-se inovação e invenção: inventar é bem mais fá-
cil, basta fazer diferente. Contudo, fazer com que a proposta diferente
seja aceita pelo mercado (ou seja, validada comercialmente, encon-
trando pessoas que paguem/adotem/usem aquilo) é a verdadeira ino-
vação. Então, no ensino infantil, mesmo de modo lúdico, o professor
tem muitas oportunidades para fomentar essa competência. Podem
ser trabalhados exercícios de criatividade, com as crianças podendo
dar sugestões que respondam a um dado desafio; pode-se até mesmo
pensar em criar protótipos com materiais, como cartolina e recicláveis.
Pode ser proposto que uma das crianças, representando o cliente ou o
mercado, escolha a melhor solução apresentada e, assim, elas enten-
dam o real mecanismo da inovação.

Artigo

https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/4753/0

No artigo Inovação e criatividade na educação básica: dos conceitos ao ecossis-


tema, de David Cavallo et al., publicado na Revista Brasileira de Informática na
Educação, são descritas diferentes manifestações de inovação e criatividade
Figura 2 na educação básica nacional e é proposto um modelo ecossistêmico para
As crianças podem ser en- habilitar, apoiar e promover atividades inovadoras e criativas por meio de
sinadas desde cedo a lidar planejamento pedagógico.
com situações que exijam
Acesso em: 21 fev. 2020.
criatividade e inovação.

Fazer isso na infância


wavebreakmedia/Shutterstock

mostra-se importante, já que


­
mesmo alguns adultos têm di-
ficuldade de absorver esse en-
tendimento. Há profissionais
que, se solicitados a posiciona-
rem uma função de inovação
para sua empresa, automati-
camente decretariam que isso
seria papel do departamento
técnico, de engenharia ou de

166 Novos caminhos para profissionais da educação


pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que é equivocado. Outros tal-
vez localizem a inovação na área de recursos humanos, já que isso diz
respeito à inventividade, à criatividade e ao talento de pessoas (outro
erro); tampouco cabe enclausurar a inovação na área de marketing.

O professor tem a grande responsabilidade de influenciar a for-


mação de jovens que, futuramente, trabalharão como funcionários,
executivos ou até mesmo empreendedores nas empresas. O fomento
da mentalidade empreendedora e da valorização de atuação em um
ecossistema de inovação é um trabalho contínuo. Em uma perspecti-
va social, uma economia mais inovadora sempre proporciona melhor
condição de vida para a população, e esse tipo de trabalho encontra as
bases mais consistentes não apenas em políticas públicas, tais como in-
centivos fiscais e afins para que as empresas se animem a serem mais
inovadoras, mas também na conscientização dos indivíduos – algo mui-
to oportuno de ser praticado o mais cedo possível, enquanto as pes-
soas estão nos seus bancos escolares.

Para responder à crítica de que o sistema educacional produz mais


empregados do que empreendedores, as instituições de ensino preci-
sam elevar a inovação a um valor pedagógico a ser desenvolvido. Quem
está na linha de frente, podendo agir em nome das escolas junto ao
público matriculado, é o professor. Obviamente, trabalhar o tema do
empreendedorismo inovador não pode implicar em vender a ilusão de
que todo estudante deva incondicionalmente abrir seu próprio negócio.
Dos variados perfis de alunos, há neles uma diversidade de vocações,
competências e condições financeiras para fazê-lo ou não. Mas algo que
deveria ser universalmente trabalhado – e que, por sinal, é quase desco-
nhecido por completo no Brasil – é o chamado intraempreendedorismo.

Entre ser funcionário ou ser empreendedor, há uma terceira al-


ternativa, que é o do funcionário empreendedor. O intraempreende-
dor é o funcionário com visão empreendedora, pois, embora trabalhe
para uma empresa e sua maior responsabilidade seja compactuar
com aquela missão e visão organizacional, ele consegue articular,
junto ao seu empregador, formas (mais sutis ou mais generosas)
pelas quais aquela empresa apoie a estruturação de seu negócio Atividade 3
particular, da sua ideia pessoal de como resolver determinado pro- Discorra sobre a importância
blema do mundo, negociando, para isso, possível participação so- de o professor estimular seus
alunos para a inovação em sua
cietária futura ou outro tipo de composição em troca desse apoio atividade pedagógica.
(GAIKWAD; SUBBARAMAN, 2016; WANG; LIU, 2016).

Tópicos especiais para o professor 167


Outras possibilidades de engajamento do professor no ecossis-
tema de inovação em que está inserido são: orientação de ­estágios
dos alunos em empresas que ofereçam atividades voltadas à ino-
vação; articulação com empresas para que elas comuniquem seus
interesses de apoio acadêmico a fim de os alunos das instituições
de ensino produzirem seus trabalhos de conclusão de curso, mo-
nografias, dissertações e teses em temas alinhados aos interesses
industriais; negociação de recursos e subsídios das empresas para
os trabalhos de seus grupos de pesquisa em troca de priorização de
determinados temas para serem explorados científica e tecnologica-
mente; organização de excursões e visitas técnicas dos alunos para
conhecer os centros de pesquisa; desenvolvimento e inovação das
organizações que integram o ecossistema de inovação, entre outros.

Finalmente, considerando que a escolha da carreira docente não


implica um voto de “castidade empreendedora”, o professor pode
aproveitar todo o seu envolvimento com os diferentes agentes do
ecossistema de inovação para começar a planejar seu próprio ne-
gócio pautado em empreendedorismo de alto impacto. Caso tenha
sucesso nesse tipo de empreendimento próprio, serão as circuns-
tâncias que levarão o docente a acumular e integrar trabalhos (como
professor e empreendedor) ou, eventualmente, até abrir mão de sua
trajetória de educador para se lançar exclusivamente à vivência pro-
fissional em novos desafios, conforme o momento, a vocação e a
satisfação própria sinalizarem.

9.3 O professor como agente político


Vídeo Será que o proselitismo ideológico é aceitável em sala de aula? Sob
o pretexto de despertar a consciência crítica dos estudantes, formar
cidadãos, promover a justiça social ou qualquer outro nobre propósito
evocado, teria o professor o direito de aproveitar o momento do apren-
dizado, que envolve a audiência massiva e não exatamente voluntária
Glossário
da turma, para levar os estudantes em direção a uma determinada cor-
proselitismo: esforço em rente ou agenda política ou ideológica (SANTOS, 2017)?
converter alguém a uma deter-
minada religião, doutrina etc. A resposta a essa indagação reside antes na legalidade do que na
mera opinião de quem quer que seja consultado a esse respeito. No
Brasil, a Constituição Federal vigente, em seu artigo 206, determina que

168 Novos caminhos para profissionais da educação


o ensino seja ministrado com base em certos princípios – um deles é o
da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamen-
to, a arte e o saber” (BRASIL, 1988). A interpretação, portanto, é que
existe a liberdade de ensinar dos professores (a assim chamada liber-
dade de cátedra ou liberdade acadêmica). Contudo, coexiste a liberdade
de aprender dos estudantes.

Então, é indiscutível que limites se aplicam a essa relação entre pro-


fessor e aluno. Há que se compreender o direito do aluno de que a Glossário
sua percepção da realidade não seja manipulada por dolo de seus pro- dolo: fraude, má-fé.
fessores. Ou seja, o direito de aprender precisa se harmonizar com o
direito do aluno de não ser doutrinado por seus mestres.

Legalmente, reflete-se no campo da educação a liberdade de cons-


ciência, principal liberdade assegurada pela Constituição Federal – ar-
tigo 5º, inciso VI (BRASIL, 1988). Com efeito, a liberdade de consciência
é absoluta: as pessoas são inteiramente livres para terem e apresenta-
rem suas convicções e opiniões a respeito do que quer que seja, desde
que isso esteja de acordo com os direitos humanos. Assim, não se pode
obrigar um cidadão, de maneira direta ou não, a acreditar ou deixar de
acreditar em algo. É verdade que o Estado, com o poder suprapessoal
que tão bem o caracteriza, pode obrigar qualquer um a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa. Entretanto, mesmo o Estado não pode preten-
der invadir a consciência do indivíduo a ponto de conseguir forçá-lo
ou induzi-lo a uma linha de pensamento – panorama típico de regimes
totalitários. Não obstante, independentemente das convicções (religio-
sas e políticas) pessoais do professor, ele é compelido a sempre ir além
de si mesmo, independentemente de espectro político, e contribuir,
segundo os parâmetros legais, para a formação plena de seus alunos.

É evidente que abusar da liberdade de ensinar traz graves impactos


na liberdade política dos estudantes. Uma vez que o propósito maior
da doutrinação é induzir o sujeito a determinada inclinação política e
ideológica, esse resultado é alcançado por meio da sistemática desqua-
lificação de todas as correntes políticas e ideológicas que se conheçam
– exceto uma: justamente aquela pela qual o professor nutre simpatia.
Não se caracteriza, pois, pela estratégia de promover a própria visão
de mundo, mas primordialmente de desconstruir as demais, para que
a alternativa restante seja interpretada com toda naturalidade como o
único caminho correto a tomar (NAGIB, 2013; SANTOS, 2017).

Tópicos especiais para o professor 169


5 É importante observar que um professor doutrinador não se
Antonio Gramsci nasceu na Itália vale de força ou violência física ao constranger seus alunos. Em uma
no final do século XIX e estudou 5
abordagem gramsciana , por exemplo, a revolução é pela cultura,
Teoria Política, Sociologia,
Antropologia e Linguística. Ele paulatinamente, não pelas armas, imediatamente. Contudo, quando
ficou conhecido por sua teoria da o educador execra determinadas linhas políticas e ideológicas diante
hegemonia cultural, a qual des-
da turma, abre espaço para o surgimento de uma forma muito menos
creve a forma com que o Estado
usa as instituições culturais para sutil de constrangimento: o bullying político e ideológico, que passa a
preservar o poder. ser praticado pelos alunos contra seus próprios colegas. Em determina-
dos ambientes, um estudante que assume publicamente uma postura
Glossário contrária à corrente dominante fica sujeito ao isolamento, a agressões
paulatinamente: algo verbais e até mesmo físicas pelos seus colegas de escola. Isso se explica
produzido de modo lento, aos pelo ambiente de sectarismo agudo que se produz com a doutrinação
poucos.
(NAGIB, 2013; SANTOS, 2017).
sectarismo: intolerância,
intransigência. Fenômeno que sempre varreu o mundo e parece ter chegado com
atraso ao Brasil, a polarização política que divide a sociedade é criticada
quanto aos perigos a ela associados. Não discutir política alguma parece
muito menos inteligente do que discutir o contraste de todas as políticas.
Mas substituir, por exemplo, a análise racional a respeito de maior ou
menor presença do Estado por uma defesa intransigente e apaixonada
de uma ideologia ou outra é muito mais grave – beirando a criminalidade
quando isso se dá em sala de aula. Não é sensato que estudantes sejam
manipulados para fazerem determinadas escolhas se essas beneficiem,
diretamente ou não, movimentos, organizações, partidos e candidatos
de escancarada militância do professor (NAGIB, 2013).

Não é exagero alertar sobre o caráter criminoso dessa prática. So-


bretudo nos graus mais básicos do sistema educacional, há ainda outro
agravante: alunos manipulados e explorados politicamente por seus
professores configuram prática ofensiva ao artigo 5º do Estatuto da
Criança e do Adolescente, para o qual “nenhuma criança ou adolescen-
te será objeto de qualquer forma de exploração” (BRASIL, 1990).

É perfeitamente possível que um professor seja um agente político


ou estimule a conscientização política de seus alunos sem promover
doutrinação. Discute-se, aqui, a estratégia de persuasão: a educação
pressupõe que as pessoas precisam ser convencidas, não manipuladas.
Entende-se, como docente doutrinador, aquele que aproveita suas aulas
visando transformar seus alunos em meras réplicas ideológicas de si, e
que a prática deliberada da doutrinação ideológica representa dano ao

170 Novos caminhos para profissionais da educação


próprio regime democrático; afinal, assim, ela instrumentaliza o sistema
público de ensino, contribuindo para desequilibrar o jogo político em fa-
vor de um dos competidores (NAGIB, 2013).

A boa agência política do professor favorece, por outro lado, um


quadro de menos alienação política com seus estudantes. Uma das
medidas que podem ser tomadas é o professor informar aos seus alu-
nos sobre o direito que eles têm de não serem doutrinados nem por
ele, nem pelos demais colegas professores. Isso se traduz, ademais,
em exercício do princípio constitucional da cidadania, pois permite que
uma pessoa conheça seus próprios direitos.

O movimento Escola sem Partido, iniciativa surgida no Brasil para o en-


frentamento do problema da doutrinação na escola, defende um conjunto
de cinco preceitos a serem trabalhados nas instituições de ensino, suge-
rindo que sua comunicação se dê por simples fixação de cartazes em lo-
cais onde possam ser vistos tanto por estudantes quanto por professores:
1. O professor não abusará da inexperiência, da falta de conheci-
mento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-
-los para esta ou aquela corrente político-partidária, nem adotará
livros didáticos que tenham esse objetivo.
2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em
razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da
falta delas.
3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de
aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos
públicos e passeatas.
4. Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o
professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a
mesma profundidade e seriedade – as principais versões, teorias,
opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimi-
dação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação
de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal
atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros
professores. (NAGIB, 2013)

Cabe ao professor, ciente de suas responsabilidades, refletir sobre


esses preceitos e avaliar a sua prática docente. O tema não é imposto,
mas lançado ao convite do devido exame, para que seja analisado e
discutido. Afinal, não há verdades absolutas e é preciso um cuidado
ainda maior quando se trata de educação.

Tópicos especiais para o professor 171


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fórmula do sucesso para ser um professor de classe mundial talvez
seja, atualmente, ainda algo em constante proposição e experimentação,
dada a complexidade dos fatores de influência na carreira do docente.
Contudo, um professor que não tenha qualquer pretensão de interna-
cionalizar a carreira, despreze o apelo à inovação e não esteja atento ao
campo político pode ser uma fórmula para o fracasso. Se um dia o nível
de automação das máquinas inteligentes chegar à categoria da docência
(hipótese que se torna menos fantasiosa a cada dia que passa), não res-
tam dúvidas de que será esse o perfil dos educadores que desaparecerão
primeiro do mercado de trabalho.

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172 Novos caminhos para profissionais da educação


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development: are we closing the gap? Journal of Management Development, v. 18, n. 7, p. 598-
613, 1999.

GABARITO
1. Trata-se dos talentos que circulam pelas regiões mais inovadoras do globo e que,
quando retornam aos seus países e locais de origem, semeiam novos ecossistemas de
inovação com base nas experiências absorvidas dos ecossistemas originais.

2. O ambiente acadêmico produz a ciência e a tecnologia que são absorvidas e emprega-


das pelo setor produtivo nos ecossistemas de inovação.

3. O ímpeto empreendedor e inovador das pessoas nasce, muitas vezes, do primeiro


estímulo recebido dos professores, que precisam estar sensíveis à importância do fo-
mento ao empreendedorismo de alto impacto para a construção de uma sociedade
mais desenvolvida.

Tópicos especiais para o professor 173


10
A excelência docente
Diferente de algumas profissões, o professor costuma ser mais
valorizado à medida que avança em sua senioridade. Em um mer-
cado de trabalho no qual, muitas vezes, as oportunidades vão se
esvaindo conforme a pessoa vai ficando mais velha, no caso da do-
cência, a tendência é a oposta. Essa valorização não está atrelada à
idade em si, mas, sim, à excelência de determinadas aptidões que
costumam ser alcançadas com a experiência acumulada ao longo
das décadas de atuação no campo da educação.

Por isso, desde cedo, é importante que os educadores tenham


em mente ao menos três aspectos que serão decisivos para seu
reconhecimento profissional ao ficarem mais velhos: a leitura, a es-
crita e a oratória – competências que são exigidas já no momento
presente, mas que podem se tornar diferenciais cruciais à medida
que são aprimoradas pelos anos de trabalho à frente.

10.1 Leitura crítica


1
Vídeo Habilidade totalmente indispensável à vida social de qualquer
indivíduo, a leitura se torna uma obrigação mais que óbvia ao pro-
fessor, que tem a necessidade de ler provavelmente muito maior
do que qualquer outro profissional. Afinal, é pela leitura que se
entende o mundo e que os seres humanos melhor interagem uns
1
com os outros – seja isso no ambiente acadêmico ou na comunica-
Esta seção foi escrita com base
ção na vida pessoal ou na profissional.
no estudo de Cavalcante Filho
(2011). A leitura dá forma à expressão do que alguém deseja comunicar,
viabilizando a transmissão e difusão do conhecimento. A onda de
digitalização hoje vivenciada (a chamada quarta revolução industrial)
acentua ainda mais essa necessidade: se antes se lia muito mais pelo

174 Novos caminhos para profissionais da educação


papel, agora isso ocorre pelos meios eletrônicos. Independentemen-
te do meio, a necessidade de ler e dominar a linguagem escrita na
sociedade é bastante sentida.

Na atualidade, as mais diversas situa-


ções exigem que as pessoas disponham de
habilidades suficientes em comunicação,
capacidade de leitura e de interpretação,
além de uma boa desenvoltura para reda-
ção. Para a função docente, o desenvolvi-
mento desse conjunto de competências é
indispensável; por isso, o professor precisa,
primeiramente, reservar algum momento
para revisitar o processo de leitura.

Normalmente, as pessoas apenas dão


mais atenção às técnicas envolvidas na lei-
Georgejmclittle/Shutterstock
tura na época da alfabetização, quando
crianças. Contudo, em especial para os pro-
Os meios eletrônicos permitem a leitura em qualquer lugar.
fissionais da educação, cabe explorar uma
série de aspectos, como a leitura informativa (ou de estudo) e a leitura
crítica. Assim, o professor fica mais bem capacitado a transitar pelos
mais diversos gêneros textuais que costumam circular no âmbito esco-
lar – além, naturalmente, de reunir condições para orientar mais ade-
quadamente seus próprios alunos a lerem mais e melhor.

A leitura é, portanto, um processo denso. Seu conceito ultrapassa


a mera decodificação de símbolos escritos. A habilidade de ler não se
resume a reconhecer e traduzir sílabas ou palavras (os signos linguís-
ticos da comunicação humana) em sons. De modo isolado, tal tarefa
chama-se decodificação, algo já razoavelmente automatizado nos dias
atuais. Contudo, o intelecto humano ainda é o único elemento capaz de
atribuir toda a complexidade de significados àquilo que é lido.

Uma busca em dicionários permite identificar esse grau progressiva-


mente mais profundo e complexo da leitura. Dentre as definições encon-
tradas, figura o ato de decifrar signos gráficos que traduzem a linguagem
oral, a arte de ler. Também a ação de tomar conhecimento do conteúdo
de um texto escrito, para se distrair ou se informar. De maneira mais avan-
çada, uma maneira de compreender, de interpretar um texto, uma men-

A excelência docente 175


sagem ou um acontecimento. Finalmente, menciona-se o ato de decifrar
qualquer notação – incluindo o resultado desse ato (HOUAISS, 2009).

Para além das definições dicionarizadas, propõe-se levar em con-


sideração que ler não é um jogo de decifrações do sentido de um tex-
to; trata-se, em essência, da capacidade de atribuir ao texto lido um
significado. Isso denota conseguir relacioná-lo aos outros textos que
sustentem tal significado, reconhecendo, no objeto lido, as pretensões
explícitas e veladas de seu autor. Esse esforço é coroado pela decisão
de, por critério do próprio leitor, entregar-se à mensagem dessa leitura,
aceitando-a como verdadeira, ou mesmo rebelar-se contra ela, apre-
sentando a si mesmo as contrarrazões de fazê-lo.

Em suma, a leitura pode ser entendida como uma atividade de inter-


locução entre o leitor e o autor, pela mediação oferecida pelo texto. Por
isso, há como se considerar alguma forma de encontro com o autor,
que, obviamente, está ausente fisicamente no ato da leitura, contudo,
mediado pelas palavras escritas. É interessante observar que o sentido
nasce do interesse do leitor: embora quem escreva o texto seja o autor,
quem lhe dá vida é o leitor.

A excelência na leitura vai muito além da capacidade de decodificar se-


quências de caracteres linearmente perfilados em textos. Afinal, quem lê
de modo tão superficial assim é incapaz de perceber o teor de ironia nos
escritos, bem como expressões de duplo sentido e mesmo indiretas suge-
ridas pelo autor. Essa capacidade de associar o componente subliminar é
que torna possível, por exemplo, a existência de piadas e peças publicitárias.

Desse modo, atingir uma capacidade de leitura efetiva é fruto de, ao


menos, dois fatores: os propriamente linguísticos (significados literais
das palavras, fatores sintáticos etc.) e os contextuais (ou situacionais),
de natureza muito mais ampla. Por causa desse último fator, é eviden-
te que nem todos os tipos de texto podem ser lidos de uma mesma
maneira. Por fim, um bom leitor é aquele que tem a capacidade de
integrar, na interpretação de um texto, ambos os fatores.

Por exemplo, em uma manchete de jornal do tipo “Tiroteio na porta do


banco após assalto: três suspeitos foram mortos pela polícia”, a interpre-

176 Novos caminhos para profissionais da educação


tação linguística permite a constatação factual inequívoca: houve tiroteio
e a ação foi deflagrada por conflito entre ação policial e de bandidos. Ao
mesmo tempo, o cuidado jornalístico de usar o termo suspeitos denota
o contexto politicamente correto de tentar se eximir de pré-julgamento
do jornalista. A eventual substituição do termo suspeitos por jovens ou víti-
mas revelaria, ainda, direcionamento contextual, por exemplo, por falta de
qualquer tipo de destaque no título de que inocentes foram salvos.

Há de se considerar os propósitos da leitura relacionados às


diversas modalidades envolvidas. As pessoas leem por diferentes
motivos, podendo ser para a aquisição de conhecimentos ou por
puro lazer e entretenimento. Então, a forma como se lê um jornal
ou revista, ao buscar informação sobre fatos e notícias, não vai ser
a mesma forma de se ler um romance, situação em que o que se
procura é a distração e o entretenimento.

Isso posto, é possível sintetizar que os tipos de leitura a se consi-


derar são a leitura recreativa, a leitura técnica, a leitura de informação
e a leitura de estudo. No caso da leitura recreativa, o propósito está
voltado à satisfação intelectual, bem como momentos de distração,
entretenimento e lazer. Um exemplo é a leitura de romances e gibis.
Por sua vez, a leitura técnica implica a habilidade de entender e inter-
pretar tabelas e gráficos – é a situação típica de relatórios e textos de
teor científico. Quanto à leitura de informação, sua finalidade orbita em
torno da cultura em geral, tendo como exemplos os jornais e revistas.
Enfim, a leitura de estudo se propõe a uma tarefa muito mais meticulo-
sa, visando coletar informações para um determinado propósito, nota-
damente o da aquisição e ampliação de conhecimentos, como quando
é necessário se preparar para uma prova escolar (ANDRADE, 1999 apud
CAVALCANTI FILHO, 2011).

No contexto da realidade da profissão do educador, cabe um apro-


fundamento a respeito da leitura de estudo, sendo conveniente enten-
der as fases e características associadas a essa atividade.

A excelência docente 177


Figura 1
Fases da leitura de estudo

1. Leitura de 2. Leitura seletiva 4. Leitura


reconhecimento interpretativa
Caracteriza-se por seu objetivo claro de realizar
Sua finalidade é fornecer uma triagem nas informações mais importantes, A atividade exige o estudo
uma visão mais global do aquelas que efetivamente interessam à aprofundado das ideias
assunto. Ao mesmo tempo, elaboração do trabalho pretendido. principais. Busca-se
permite ao leitor verificar esclarecer o que realmente
a disponibilidade ou não o autor está afirmando,
de informações úteis para bem como posicionar-se
o objetivo pretendido ao a respeito dos dados
acessar aquele texto, de e informações por ele
modo que o material possa oferecidos. Nessa leitura, há
ser selecionado para a a necessidade de se procurar
sequência do estudo ou já
3. Leitura crítica uma correlação entre
descartado nessa filtragem. afirmações do autor no texto
Na prática, é uma leitura Investe-se muito mais tempo na atividade. Isso com os problemas ou temas
rápida, feita “por alto” e se deve à necessidade de análise e avaliação das em questão.
visa permitir um primeiro informações, intenções e motivações do autor. A
contato com o material em reflexão é possível justamente em função da análise,
questão. da comparação e do julgamento das ideias presentes
no documento.

Fonte: Cervo, Bervian, 1983 apud Andrade, 1999, citado em Cavalcante Filho, 2011.

Ao realizar a análise e o juízo do que foi lido, é recomendável ao


leitor que faça uma síntese de tudo o que a leitura proporcionou, com
o objetivo de, efetivamente, integrar as descobertas oferecidas pela lei-
tura ao seu domínio pessoal de conhecimentos.

Na prática, é comum que o leitor enfrente dificuldade no primeiro


contato com um texto qualquer, no sentido de encontrar unidade para
além dos tantos significados que o documento apresenta na superfície.
Então, visando à leitura mais proveitosa possível, é preciso reconhecer
os níveis pelos quais se passa para o alcance do objetivo pretendido.

Figura 2
Níveis de leitura

1 Elementar
2 Inspecional
3 Analítico
4 Sintópico
Leitura básica ou inicial. Prevalece o critério de tempo Envolve uma tarefa muito Reside na leitura comparativa,
Para o leitor, cabe a tarefa estabelecido para a leitura. mais minuciosa, de atenção habilidade mais presente
de reconhecer cada palavra Pode ser entendido como a arte completa, exigindo o melhor em vorazes leitores, que
de uma página e nada mais de folhear sistematicamente. que o leitor for capaz de fazer. conseguem mais facilmente
profundo que isso. É o exercício Trata-se de uma leitura ativa correlacionar as suas leituras
da decodificação que qualquer em elevado grau, pois visa, mais variadas, já realizadas.
pessoa alfabetizada consegue basicamente, a garantir o É, sem dúvida, o mais ativo e
desempenhar. entendimento. laborioso nível de leitura.

Fonte: Adler, Van Doren, 1940 apud Medeiros, 2004, citado em Cavalcante Filho, 2011.

178 Novos caminhos para profissionais da educação


Um leitor de alto quilate, como um professor, precisa respeitar crité-
rios na análise dos materiais lidos. O primeiro desses critérios é a aná-
lise textual em si; é a primeira abordagem do texto, com o objetivo de
preparar uma melhor leitura na sequência. O que se busca, portanto, é
uma visão panorâmica, que dê ao leitor essencialmente a percepção do
estilo de escrita daquele autor e a estrutura por ele adotada na produ-
ção do texto. Algo muito útil é buscar algumas informações a respeito
do perfil do autor do documento, o que muitas vezes é benéfico para
se elucidar ideias expostas no texto.

Dependendo da complexidade que se evidencie, cabem ainda,


em paralelo, um estudo do vocabulário, para esclarecer termos téc-
nicos, jargões e conceitos presentes, sua esquematização (em busca
da visão do conjunto da unidade) e, ainda, o resumo do texto, com
destaque às ideias mais relevantes.

O segundo critério – análise temática – é voltado ao propósito de se


ouvir o autor e apreender o conteúdo da mensagem que ele pretende
comunicar. Nessa análise, o leitor precisa dialogar com o texto, lançando
perguntas do tipo: O que é abordado no texto? Como o texto está pro-
blematizado? Que dificuldade se procura resolver? Por que tal problema
proposto precisa ser resolvido? Quais caminhos o autor optou por per-
correr para endereçar o problema ou tema em questão? Quais são as
ideias paralelas (ou secundárias) subjacentes ao tema central?

Por fim, ao realizar a análise interpretativa, o leitor assume tomar po-


sição própria com respeito às ideias expostas, incluindo o que reside nas
entrelinhas. Nessa etapa, bastante desafiadora, o leitor precisa, primei-
ramente, situar o texto no contexto da vida e da obra daquele autor, bem
como no contexto da cultura de sua especialidade – tanto por uma pers-
pectiva histórica quanto pela teórica. Também é necessário o trabalho
de associar as ideias do autor a outras ideias que costumam se vincular
à mesma temática. Cabe ao leitor exercer uma atitude crítica diante das
posições tomadas ou defendidas pelo autor, no tocante à validade dos
argumentos adotados, originalidade do endereçamento do problema
em discussão, profundidade temática, consistência e coerência de suas
conclusões, além da reflexão sobre as consequências das ideias defendi-
das. É fundamental, na leitura crítica, tratar da problematização (na dis-
cussão do texto, pelo levantamento e debate de questões explícitas ou
implícitas) e ainda da síntese pessoal – uma reelaboração da mensagem
proposta, fundamentada na reflexão pessoal do leitor.

A excelência docente 179


Seguir alguns passos pode ajudar sobremaneira a realizar essa for-
ma de leitura com a melhor qualidade possível. O primeiro é delimitar
a unidade de leitura. Essa seleção visa estabelecer a parte do texto que
oferece uma totalidade de sentido. Pode-se considerar um capítulo,
uma seção ou outra subdivisão qualquer, atendo-se apenas à parte do
conteúdo que efetivamente interessa.
O passo seguinte é a identificação do tema do texto. Aqui, convém
questionar: de que trata o documento? Qual é seu foco principal? Qual
grau de conhecimento prévio o leitor detém sobre o tema? Se alto, é
possível avaliar o que é apresentado no texto; se médio, há possibili-
dade de obter as informações ainda ignoradas; mas, se baixo, fica evi-
dentemente difícil julgar qualitativamente o que é fornecido pelo texto.
Como terceiro passo, cumpre localizar o texto no tempo e no espa-
ço. As questões associadas são: quem é o seu autor? Quando o texto
foi escrito? Quais eram as condições da época da realização da obra?
Quais são as linhas ideológicas seguidas pelo autor? Quais influências
esse autor recebeu e quais exerceu?
Posteriormente, é uma boa prática elaborar uma síntese do texto.
Cabe fazer uma seleção e organização dos componentes mais impor-
tantes daqueles escritos, o que permite estabelecer objetivamente
um critério de relevância.
Na sequência, naturalmente, é preciso organizar as próprias ideias
com relação aos elementos que se mostraram relevantes. Aqui cabe
um posicionamento do leitor com base no que o texto defende, nos
critérios adotados ao elaborar a síntese. Os conhecimentos prévios do
leitor são confrontados: é possível concordar ou discordar das informa-
ções do documento lido? Quais são os motivos para fazê-lo?
No penúltimo passo, é necessário aferir a capacidade para interpre-
tar dados e fatos apresentados. Isso se dá pela tentativa de resposta à
seguinte questão: que sentido faz o que se acabou de ler?
Finalmente, o derradeiro passo é o de elaborar hipóteses explicativas
que fundamentem a análise das questões tratadas no texto. Leitor crítico,
o professor é demandado a procurar uma explicação para a razão de elas
serem o que parecem ser. Esse trabalho de elaborar hipóteses explicativas
vai muito além do que está explicitamente redigido pelo autor, permitin-
do construir novos conhecimentos acerca da questão abordada. Esse é o
ápice da construção de sentido do texto, entendido como a devida apro-
priação e internalização do material acessado pelo leitor.

180 Novos caminhos para profissionais da educação


Figura 3
Aspectos de uma boa leitura

Tema
Ideia central ou
assunto tratado pelo
autor, ou fenômeno
que aborda.
Ideias centrais Problema
Essências Aquilo que levou
argumentativas do o autor a se
texto. manifestar.

Objetivo Tese
Finalidade que o Afirmação do autor a
autor busca atingir, respeito do assunto,
explicitamente ou Aspectos sua posição ou
não. de uma defesa.

boa leitura

Fonte: Abaurre, Pontara, Fadel, 2003, citados em Cavalcante Filho, 2011.

Não resta dúvida de que dominar a leitura, da forma como é neces- Atividade 1
sário, é um exercício que demanda tempo e dedicação. Por isso, é um Em síntese, de que se ocupa uma
atributo que se conquista a longo prazo, perfazendo toda a carreira boa técnica de leitura?
profissional dos educadores.

10.2 Maestria na escrita


2
Vídeo Escrever bem não é escrever difícil. De fato, o maior desafio de um
escritor não é deixar um tema mais complexo, mas, justamente, simpli-
ficá-lo. A frase atribuída a Leonardo da Vinci – “a simplicidade é o último
grau de sofisticação” – parece suficientemente esclarecedora, mas cum-
pre observar que uma escrita simples é diferente de uma escrita pobre.
2
Normalmente, os profissionais da educação escrevem regidos por
Esta seção foi escrita
rigorosas normas de estilo, impostas pelos periódicos
com base em Bruni Site
e Andrade (1989) e nos quais buscam publicar seus artigos científicos,
Brasil (2018). No site Manual de Reda-
pelas editoras que publicam seus livros, ou mesmo
ção, é possível consultar
pelas próprias instituições de ensino a que estão gratuitamente as mais
diversas dicas e orien-
vinculados. Dicas de estilo e estratégias de escrita
tações sobre escrita em
podem ser encontradas também em manuais de re- língua portuguesa. Tra-
ta-se de uma importante
dação, como os jornalísticos ou institucionais. Em-
ferramenta para o dia a
bora não sejam destinados especificamente ao dia do professor.
contexto das publicações didáticas, trazem uma sé- Disponível em: https://www.
rie de boas práticas e critérios perfeitamente aplicá- estadao.com.br/manualredacao/.
Acesso em: 21 fev. 2020.
veis à realidade das produções docentes.

A excelência docente 181


Assim, pode-se assumir que existe um conjunto de pre-
ceitos no que se refere à boa redação, que se estabelecem
muito antes de uma análise minuciosa das regras específicas
de formatação para um determinado veículo de publicação.
Para começar, é importante ter em mente que, qualquer que
seja o tipo da produção (resenha, análise, resumo, projeto
etc.), o primordial é escrever do modo mais claro, preciso,
conciso e adequadamente alinhado ao idioma culto. Uma
arte que se desenvolve principalmente com a prática recor-
rente é conseguir exprimir a mensagem simultaneamente
simples e elegante. Por isso, não há outra maneira de escre-
ver bem a não ser escrevendo sempre.

Algo bastante acentuado na língua portuguesa, quando comparado,


por exemplo, à escrita em inglês, é a tendência à complexidade das
sentenças encadeadas no texto. O texto precisa se desenvolver por
Glossário meio de encadeamentos lógicos; os nexos de argumentação devem
prolixa: com uso de palavras ser absolutamente evidentes. Por melhor que seja a ideia a ser comu-
em excesso; sem síntese das nicada, caso ela se dê por meio de uma escrita prolixa, imprecisa e/ou
informações. desorganizada, certamente não será possível contar com a atenção do
leitor – às vezes, sequer com seu respeito.

Como consequência, quem lê (ou tenta ler) um texto desprovido das


mais básicas qualidades jamais se convencerá das hipóteses defendi-
das e das teses que as sustentam. Desde os recém-alfabetizados até
os mais vorazes leitores, é certo que ninguém gosta de ler algo mal
escrito. Em suma, um texto que requer do leitor um esforço despropor-
cional de compreensão é, para todos os efeitos, ineficaz e inadequado.

Site Visando à simplicidade e à elegância, é importante que as frases se-


jam tão curtas quanto possível. Uma sentença é espaço para não mais
No Aulete Digital, além
do dicionário, há uma que uma ideia. Na boa redação, os parágrafos têm a função de arti-
gramática básica do pro-
cular os raciocínios trabalhados. Por esse motivo, a relação entre um
fessor Celso Cunha para
consulta. parágrafo e o próximo deve ser suficientemente evidente e linear para
Disponível em: http://aulete.com. tornar a leitura fluida e agradável. A mudança de parágrafo deve acon-
br/. Acesso em: 21 fev. 2020. tecer à medida que se desenvolve o raciocínio, o que implica determi-
nar com precisão o término de uma argumentação e o início de outra.

182 Novos caminhos para profissionais da educação


No momento de construir os argumentos, é preciso coibir, por um lado,
o excesso de parágrafos (quando cada frase fica praticamente em um
parágrafo à parte) e, por outro, a ausência dos parágrafos (aglutinar
tudo em um único bloco).
Os manuais de redação costumam orientar, com toda razão, que
sejam evitados expressões coloquiais, gírias, jargões, termos técni-
cos em demasia, pedantismos, barbarismos, assim como expres- Glossário
sões e raciocínios de senso comum, supostamente eruditos, que se pedante: aquele que ostenta
mostrem meras redundâncias. Por outro lado, o uso comedido de conhecimentos que não possui.
exageros e figuras de linguagem pode ajudar a marcar o estilo pró- barbarismo: sinônimo de
estrangeirismo; prática de
prio de redação de um autor. empregar palavras estrangeiras
Um texto gramaticalmente correto pode ser considerado um texto como nacionais ou com sentido
que não lhes cabe.
bem escrito. Em tempos de edição eletrônica de textos, com softwares
que sinalizam automaticamente desvios gramaticais e ortográficos, não
há o que justifique infringir as regras gerais da boa escrita – incluindo
pontuação e acentuação.
A reforma ortográfica da língua portuguesa, mesmo após alguns
anos, também ainda causa dúvidas mesmo entre os mais experientes
escritores. Essas incertezas sempre precisam ser sanadas no ato da es-
crita; uma rápida consulta a sites confiáveis na internet costuma ser
suficiente para atender a essa tarefa. Uma boa prática é sempre ter
livros de gramática e dicionários à disposição – existem, aliás, inúmeras
opções gratuitas em meio eletrônico.
Todo bom escritor detém os predicados de concisão e de clareza.
Mais que uma característica do texto bem elaborado, considera-se que
a concisão é, sobretudo, uma qualidade de estilo. Um texto conciso é
aquele que possui o poder de transmitir o maior número de informa-
ções com a menor quantidade de palavras. O segredo para se escrever
de maneira concisa é, além do óbvio domínio do conhecimento empre-
gado na redação, dispor de tempo suficiente para revisão do texto após
sua escrita: a simples releitura faz com que eventuais redundâncias ou
repetições desnecessárias sejam reconhecidas.
É importante esclarecer que a concisão é uma aplicação do prin-
cípio de economia linguística – esse esforço por manter os textos
tão enxutos quanto possível. Contudo, essa estratégia de modo al-
gum representa poupar o esforço de pensamento: para reduzir um
texto, jamais se deve eliminar trechos substanciais que comprome-
tam a essência do que é comunicado.

A excelência docente 183


O escritor deve ficar atento, sobretudo em textos mais complexos,
que sempre se aplica uma hierarquia das ideias ali tratadas; um rápido
exame permite constatar que existem as ideias fundamentais e as se-
cundárias. É certo que essas últimas usualmente servem para o escla-
recimento do sentido das ideias principais (na forma de detalhamento,
exemplos etc.). Contudo, é de bom tom que as ideias secundárias, que
não acrescentem efetivamente valor ao texto ou que estejam descone-
xas das ideias fundamentais, sejam eliminadas.

Por sua vez, a clareza é qualidade básica de que qualquer texto de-
veria dispor. Uma redação clara proporciona compreensão imediata
pelo leitor. Porém, fazer que um texto seja suficientemente claro é uma
tarefa relacionada fortemente a vários outros atributos de redação; a
impessoalidade é um deles. No geral, um texto escrito em terceira pes-
soa é mais apropriado, ao evitar o problema de eventual duplicidade de
interpretações, algo normalmente mais provável de acontecer quando
tratamentos personalistas são empregados.

Formalidade e padronização costumam garantir a perfeita unifor-


midade dos textos, ajudando ainda no atributo de concisão, visando
eliminar excessos linguísticos do texto escrito. O seguimento desse
conjunto de critérios favorece sobremaneira uma escrita com clareza.
Vale frisar, mais uma vez, a importância da releitura. Além da releitura
Atividade 2
imediata ao término de cada parágrafo, uma releitura final, do início
Discorra sobre a importância da
ao fim do texto, é uma das melhores oportunidades para se detectar
concisão no ato da escrita.
trechos obscuros e erros no geral.

Um procedimento
útil é revisar/reler
aquilo que foi
escrito ao término
de cada parágrafo,
para assegurar
que o texto esteja
bem escrito, claro,
conciso e sem
k
erros ortográficos e oc
terst
gramaticais. Sh
ut
/
ov
op
_P
ey
dr
An

184 Novos caminhos para profissionais da educação


Por fim, é importante que o escritor se coloque no papel do seu
leitor. Afinal, quem é seu público-alvo? É indispensável avaliar as
chances de uma compreensão correta por quem lerá seus textos.
Afinal, o que parece óbvio para uns pode ser de difícil compreen-
são. É preciso lembrar que o domínio que se adquire a respeito
de determinados temas, ao longo da experiência profissional e de
vida, muitas vezes, faz com que esses assuntos sejam equivocada-
mente presumidos como de conhecimento geral. Então, da mesma Glossário
forma como o professor costuma fazer nas exposições orais em salutar: que busca melhorar,
sala de aula, é bastante salutar explicitar, desenvolver e esclarecer aperfeiçoar.
os termos técnicos, as siglas, as abreviações e os conceitos especí-
ficos ao longo do desenvolvimento do texto escrito.

10.3 Domínio da oratória


3
Engana-se quem pensa que apenas os cantores e atores sejam os
Vídeo
profissionais da voz. Os professores também se juntam a essa catego-
ria, porque eles dependem bastante desse instrumento vocal para o
exercício de suas atividades no dia a dia. Isso é motivo suficiente para
que os educadores se preocupem em preservar e melhor utilizar sua
3 capacidade de expressão falada.
Esta seção foi escrita De fato, os professores estão envoltos em trabalhos que favorecem
com base nos estudos o desenvolvimento de distúrbios vocais, o que acontece, frequente-
realizados pelos
seguintes teóricos: mente, pela falta de consciência sobre o uso da voz. Algumas particu-
Vieira e Behlau (2009), laridades do ambiente de trabalho e a constante necessidade de usar
Gustafon (2012) e
tom elevado são alguns dos elementos complicadores, regularmente
Thatcher, Amant e
Sides (2017). ignorados. A soma de condições ambientais e acústicas inadequadas,
de turmas com muitos alunos, estresse pelos problemas de comporta-
mento e alta carga de trabalho costuma resultar em problemas como
afonia, isto é, a perda temporária ou permanente da voz.

É verdade que outras circunstâncias de caráter individual precisam


ser consideradas também, como predisposição genética, hábito de fu-
mar, postura incorreta etc. Tais fatores aliados a um despreparo vocal
certamente são condições limitantes da carreira docente, causando
prejuízo tanto na vida profissional como na pessoal.
Os professores são submetidos a uma elevada demanda vocal
porque precisam falar de modo intenso, geralmente em sobreposi-

A excelência docente 185


ção a um permanente ruído de fundo (barulho generalizado) e em
longas jornadas de trabalho. Em sala de aula, eles adotam um tom
de voz mais forte do que em outras atividades de seu dia a dia e,
usualmente, ficam incomodados devido à competição sonora. Os
professores apresentam maior incidência de queixas vocais espe-
cíficas e de desconforto físico generalizado quando comparados a
outros profissionais. Estudos epidemiológicos mais recentes estão
confirmando que transtornos vocais são as lesões ocupacionais
mais comuns entre os docentes, afetando de maneira generalizada
o desempenho profissional e a assiduidade no trabalho.

Artigo

http://www.scielo.br/pdf/rcefac/v18n1/1982-0216-rcefac-18-01-00158.pdf

No artigo Sintomas vocais e causas autorreferidas em professores, publicado


na Revista CEFAC, as autoras Gislayne da Silva et al. analisam como fatores
externos, como exposição ao barulho, interferem na produção vocal, assim
como aqueles relacionados à saúde e à voz (alergia, infecções respiratórias
e uso intensivo da voz). Esse conhecimento permite ao professor zelar pela
sua saúde no exercício das funções.
Acesso em: 14 fev. 2020.

É inerente à profissão docente exercer boa comunicação, sobretudo


Glossário oral. Existe a necessidade constante de transmitir um expressivo vo-
lume de informações, além de que alguns subterfúgios precisam ser
subterfúgio: pretexto para
evitar dificuldades. explorados também por meio da voz para manter turmas numerosas
controladas, atentas e motivadas.
A comunicação em sala de aula é um processo que envolve diversos
aspectos, entre eles, a comunicação oral e postural, combinadas para
compor o discurso necessário. Sendo assim, todo professor precisa
considerar a necessidade de apresentar e desenvolver competências
comunicativas muito específicas. Tais competências facilitam o melhor
emprego dos recursos vocais e corporais durante a exposição oral das
aulas, despertando, assim, o interesse do aluno e facilitando a memo-
rização e potencializando seu aprendizado. Ocorre que o padrão de
articulação, com sons bem definidos, desperta no ouvinte o desejo de
compreender as ideias expostas. Por outro lado, uma articulação defi-
ciente pode ser interpretada como desorganização mental ou falta de
vontade de se comunicar.

Em meio aos diversos elementos relacionados ao processo de ensi-


no e aprendizagem, figuram o domínio do conteúdo a ser transmitido,

186 Novos caminhos para profissionais da educação


a adoção de recursos didáticos e o esforço por despertar o interesse do
aluno. Por isso, saber o que e como dizer algo aos alunos é uma atribui-
ção essencial da comunicação do professor.

No que se refere à voz, ela deve ser empregada de modo


saudável, fluindo de maneira eficiente e sem esforço exage-
rado. Um tom de voz alto e claro é suficiente para garantir
a atenção da maior parte dos alunos. Contudo, é preciso
lembrar que os movimentos do corpo, incluindo posição das
mãos, direcionamento do olhar e circulação em sala de aula,
também transmitem importantes informações, complemen-
tando a mensagem principal. A postura do corpo como um
todo, mas principalmente da cabeça, reflete na aceitação vi-
sual dos interlocutores e no correto funcionamento da mus-
culatura da laringe.

Gestos complementam a mensagem transmitida, sendo importante


também estar atento à expressão facial durante a interlocução e man-
tendo contato visual com os estudantes. De fato, a forma de usar os
gestos e o contato visual reflete a personalidade própria de um profes-
sor – algo que talvez seja apreendido de modo inconsciente e imediato
pelos alunos. É importante que os movimentos corporais sejam flui-
dos e estejam em consonância com a comunicação oral, favorecendo a
transmissão correta da mensagem.

Os movimentos aliados à voz do


professor fazem com que a aula se
torne mais interessante e que os
riscos à saúde sejam menores.

wavebreakmedia/Shutterstock

A excelência docente 187


Um aspecto crucial para a efetividade da mensagem é a velocidade
adotada na fala. Se muito lenta, a conexão com o ouvinte pode ficar cor-
tada, chegando a passar uma impressão de lentidão de pensamento.
Por outro lado, a excessiva rapidez da fala usualmente reflete ansiedade
e tensão – além da incômoda sensação de não se dar espaço para o in-
terlocutor. É interessante notar que as pessoas que sorriem de maneira
espontânea, com uma voz agradável e que sinalizam receptividade por
meio de seus gestos, atraem naturalmente a atenção dos interlocutores.

Deve-se considerar, como um investimento na carreira, consultas ao


fonaudiólogo para um check-up das condições e hábitos vocais do pro-
fessor. No Brasil, essa prática ainda é rara, apesar de bastante saudável.
Falar em público com perfeição, além de requerer as condições clí-
nicas ideais, também envolve um conjunto de técnicas de oratória.
Muitas delas são bastante simples e, com prática, preparação e es-
forço, é possível se destacar como um educador reconhecido por
dominar a arte de falar.

A boa prática se inicia com a máxima de sempre dar ao público


“algo para levar para casa”. Ou seja, ao proferir uma aula ou pa-
lestra, é recomendável sempre se lembrar de oferecer algum con-
selho prático, que as pessoas possam começar a fazer quase de
imediato. Do ponto de vista do aluno ou do espectador, fica a sen-
sação de que comparecer à exposição daquele professor sempre
resultará em receber algo muito útil ao seu cotidiano, criando um
envolvimento emocional essencial à boa oratória.

Além disso, jamais um professor pode se esquivar de responder


perguntas. Mesmo que o protocolo oficial adotado seja o de perguntas
ao final, caso alguém na turma ou na plateia indague algo no meio da
apresentação, isso deve ser entendido como um excelente sinal de que
há pessoas prestando atenção. Então, não se pode perder a oportuni-
dade de responder a tal questão da melhor forma possível.

Um dos aspectos mais decisivos para uma comunicação eficiente é


o de se criar pontes de interação quando se fala ao público. Outra regra
de ouro é sempre repetir as perguntas lançadas. Quando o professor é
interpelado por uma indagação, primeiramente, precisa demonstrar que
está ouvindo com atenção e, antes de responder à questão, deve repeti-
-la. Repetir sempre dá algum tempo a mais para pensar na melhor forma
de estruturar uma resposta.

188 Novos caminhos para profissionais da educação


Criar planos alternativos também é uma medida prática indispensá-
vel para os bons oradores – falha no projetor multimídia e computador
travado são episódios recorrentes na vida de qualquer professor. Con-
vém sempre desenvolver também uma rotina de pré-apresentação. Isso
faz com que todas as questões logísticas envolvidas estejam normaliza-
das, de modo que o professor possa então focar apenas na fala.

Por mais técnico que seja o conteúdo a ser exposto, é bom ca-
tivar o público pela emoção. É situação corriqueira que oradores
contem histórias engraçadas, muitas vezes de situações embaraço-
sas que já vivenciaram.

Uma forma certeira de perder a atenção do público em apresenta-


ções é ler os próprios slides. Eles precisam ser utilizados para oferecer
suporte ao público no que se refere ao acompanhamento da narrativa.
São úteis, claro, para que o professor consiga se situar na apresentação,
mas, em hipótese alguma, devem ser a própria base da exposição oral.
Assim, o segredo do bom desempenho também é dominar suficiente-
mente a apresentação, tendo uma ideia clara da ordem dos slides.

Outro equívoco em apresentações é pedir desculpas. Jamais se


pode iniciar uma apresentação desculpando-se porque não teve
mais tempo para se preparar ou por não entender suficientemente
o assunto. Fazê-lo assegura que o público passará automaticamen-
te a esperar o pior daquele professor, comprometendo seriamente
o trabalho desempenhado.

Algo vital é enfatizar as frases mais importantes proferidas, dei-


xando claro que tais trechos são a essência das mensagens trans-
mitidas. Então, a repetição de frases, o aumento no tom da voz, a
mudança no ritmo da narrativa e o uso de pausas estratégicas são
excelentes alternativas para pontuar com a plateia aquilo que seja
necessário destacar.

É bastante apreciável também compartilhar algo que talvez ninguém


mais saiba. A sensação é excelente quando se sai de uma apresentação
sabendo de uma novidade ou algo inusitado. As pessoas sempre ficam
gratas a quem lhes fornece informação desse modo. Para o professor
valer-se dessa estratégia, pode explorar, por exemplo, uma curiosidade
sobre o tema desenvolvido, uma estatística de pouca divulgação, ou
mesmo um fato histórico desconhecido pela maioria das pessoas.

A excelência docente 189


O papel do orador é conquistar a atenção do seu público – seja da
plateia que assiste a uma palestra ou de poucos alunos em um encon-
tro convencional em sala de aula. Em um mundo hiperconectado, é
tarefa infrutífera e desgastante ficar pedindo às pessoas para desligar
o celular, parar de mandar mensagens e não entrar em redes sociais.
Na prática, as distrações são uma realidade onipresente, cabendo ao
orador reconhecer e lidar bem com isso. Contudo, quem domina as
técnicas de oratória conquista naturalmente a atenção do público, não
sendo necessário pedir por isso.

Finalmente, é importante lembrar sempre que menos é mais. Um


dos princípios fundamentais da oratória é o poder de síntese. A boa
prática então é de rever quantas vezes for necessário o discurso pla-
nejado, visando cortar o que puder ser cortado sem que a essência da
mensagem seja prejudicada. Não raro, a cada revisão, surgem várias
Atividade 3
oportunidades nesse sentido. Afinal, sempre é possível se comunicar
Cite um dos piores erros ao
com as pessoas sem ter que exigir tanto tempo delas. Respeitar o tem-
realizar uma apresentação oral.
po alheio nutre naturalmente um apreço pelo orador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ser um professor reconhecido por estar acima da média entre seus
pares envolve um conjunto muito amplo de habilidades e competências,
mas não existe docente que alcance esse tipo de distinção se não for
alguém que leia, escreva e fale muito bem. Na prática, as pessoas que in-
gressam na docência têm os mais variados perfis e inclinações, mas o fato
é que qualquer um consegue se desenvolver nas trilhas da leitura, da es-
crita e da oratória, caso sigam as respectivas boas práticas nesse sentido.

REFERÊNCIAS
BRUNI, J. C.; ANDRADE, J. A. R. Introdução às técnicas do trabalho intelectual. Araraquara:
Unesp, 1989.
CAVALCANTE FILHO, U. Estratégias de leitura, análise e interpretação de textos na
universidade: da decodificação à leitura crítica. In: XV CONGRESSO NACIONAL DE
LINGUÍSTICA E FILOLOGIA, Anais [...], v. 15, n. 5, p. 1721-1728, 2011. Disponível em: http://
www.filologia.org.br/xv_cnlf/tomo_2/144.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020.
GUSTAFSON, S. M. Eloquence is power: oratory and performance in early America. Chapel
Hill: UNC, 2012.
HOUAISS, A. Houaiss eletrônico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

190 Novos caminhos para profissionais da educação


BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Manual de redação da Presidência da República.
MENDES, G. F. et al. (coord.). 3. ed. Brasília: Presidência da República, 2018. Disponível
em: http://www4.planalto.gov.br/centrodeestudos/assuntos/manual-de-redacao-da-
presidencia-da-republica/manual-de-redacao.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020.
THATCHER, B.; AMANT, K. S.; SIDES, C. H. Teaching intercultural rhetoric and technical
communication: theories, curriculum, pedagogies and practice. New York: Routledge, 2017.
VIEIRA, A. C.; BEHLAU, M. Análise de voz e comunicação oral de professores de curso pré-
vestibular. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, v. 14, n. 3, p. 346-351, 2009.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsbf/v14n3/v14n3a10.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020.

GABARITO
1. Ler bem passa pela apreensão do tema, do problema, da tese, do objetivo e das ideias
centrais.

2. Para conseguir produzir um texto conciso, o professor deve ter em mente que “menos
é mais”, garantindo a essência do que precisa ser comunicado.

3. Erro crasso cometido em algumas ocasiões, até mesmo pelos professores experien-
tes, é a mera leitura de informação já projetada em slides, uma forma praticamente
infalível de desmotivar o público atendido e/ou transparecer falta de competência.
Isso é evitado com o devido preparo antecipado para realizar a exposição do que
precisa ser falado.

A excelência docente 191


Há algo em comum entre professores experientes e
novatos, concursados com carreira estável em instituições

NOVOS CAMINHOS PARA PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO


públicas e ocasionais prestadores de serviço em instituições
privadas, líderes acadêmicos e empreendedores educacionais:
neste momento vivenciado, todos, em absoluto, são
demandados a serem menos especialistas e mais generalistas.
O cenário atual impõe cada vez mais funções agregadas
ao papel de professor, que vê sua profissão passar por uma
rápida e firme transformação.
Diante dessa turbulência no campo profissional,
abrem-se, ao mesmo tempo, diversas novas possibilidades
de atuação do educador na sociedade atual, tema que é
exaustivamente debatido neste livro. Novos caminhos esses
que têm potencial de resultar em grande sucesso profissional
se bem aproveitados.
A expectativa é que essa obra possa contribuir
com a formação de professores diferenciados, ainda
mais competentes e que aproveitem todas as melhores
oportunidades ao seu alcance.

RODRIGO VINÍCIUS SARTORI


Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6609-4

59295
9 788538 766094

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