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Esta publicação foi possível graças ao apoio da Força-Ta-
refa Nutrição da Criança, subordinada ao Comitê de Nutrição e
este ao Conselho Científico e de Administração do ILSI Brasil.

Na página 44, encontra-se a lista dos membros do Conselho


Científico e de Administração do ILSI Brasil e na página 45, as empre-
sas mantenedoras da Força-Tarefa de Nutrição da Criança em 2020.

As afirmações e opiniões expressas nesta publicação são


de responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamen-
te, as do ILSI Brasil. Além disso, a eventual menção de determi-
nadas sociedades comerciais, marcas ou nomes comerciais de
produtos não implica endosso pelo ILSI Brasil.

O ILSI Brasil – International Life Sciences Institute do Brasil – é uma


organização mundial sem fins lucrativos e de integração entre aca-
demia, industria e governo. Sua missão e estimular a discussão e
aplicação da ciência em temas que visam a melhora da saúde e do
bem estar público e preservação do meio ambiente.
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

COORDENAÇÃO CIENTÍFICA:

Tulio Konstantyner
Médico e Pediatra, com área de atuação em Nutrologia. Mestre e Doutor em Ciências
Aplicadas à Pediatria (UNIFESP). Pós-Doutorado em Epidemiologia e Saúde Pública pela
London School of Hygiene & Tropical Medicine e em Medicina pela Universidade Fe-
deral de São Paulo. Professor Adjunto I e Vice Chefe da Disciplina de Nutrologia (EPM/
UNIFESP). Membro Titular do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de
Pediatria. Coordenador científico da força-tarefa de Nutrição da Criança do International
Life Sciences Institute (ILSI Brasil).

REVISÃO CIENTÍFICA:

Fernanda L. Ceragioli Oliveira


Médica (UNIFESP), Doutora em Pediatria (UNIFESP/EPM). Especialista em Pedia-
tria com área de atuação em Nutrologia Pediátrica e Nutrição Parenteral e Enteral em
Pediatria.Chefe do Setor de Suporte Nutricional da Disciplina de Nutrologia Pediátrica
do Departamento de Pediatria (UNIFESP/EPM). Pesquisadora da Pós-Graduação de Nu-
trição (UNIFESP). Vice- presidente do Comitê de Crianças e Adolescentes da Sociedade
Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral (BRASPEN). Coordenadora do Programa Na-
cional de Atualização em Pediatria (PRONAP/SBP). Membro Participante do Departa-
mento de Nutrologia e Suporte Nutricional da Sociedade de Pediatria de São Paulo e do
Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.

AUTORES:

Mauro Batista de Morais


Pediatra e Gastroenterologista Pediátrico (CRM-SP:32257). Professor Titular, Livre-
-docente da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica daEscola Paulista de Medicina,
Universidade Federal de São Paulo.

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

Antonio Carlos Pastorino


Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP – São Paulo. Chefe da
Unidade de Alergia e Imunologia, Departamento de Pediatria, Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP, São Paulo.

Ana Paula B.M. Castro


Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP – São Paulo. Assistente da
Unidade de Alergia e Imunologia e Coordenadora do Ambulatório de Alergia Alimentar, De-
partamento de Pediatria, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo.

Glauce Hiromi Yonamine


Nutricionista do ambulatório do ICr-HCFMUSP (Unidade de Alergia e Imunologia/
Gastroenterologia). Especialista em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil (UNIFESP).
Mestre em Ciências e Doutoranda pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de
Medicina da USP (FMUSP).

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

PREFÁCIO

A alergia a proteína do leite de vaca é apontada como um importante problema


de saúde pública com consequências clínicas e psicossociais para as crianças e para
suas famílias. Sua prevalência na população pediátrica é consideravelmente indefinida
pela complexidade dos recursos clínicos e laboratoriais utilizados na investigação diag-
nóstica, que levam a dificuldade de identifica a doença de forma precisa.

O texto deste fascículo foi desenvolvido com o objetivo de fornecer conteúdo


científico atualizado que municie os profissionais de saúde infantil, principalmente os
pediatras e nutricionistas, com o conhecimento e orientações práticas sobre manejo
clínico de crianças com suspeita ou já diagnosticadas com esta alergia alimentar.

Motivados pela oportunidade de sanar as frequentes dúvidas que podem ocor-


rer no consultório pediátrico na condução dos casos clínicos, a Força-Tarefa Nutrição
da Criança do ILSI-Brasil convidou especialistas da área para escrever este fascículo.
De forma didática, ele foi dividido de em três capítulos: (1) Definição e Diagnóstico (2)
Prevenção e Tratamento; e (3) Manejo Nutricional.

Assim, esperamos que a leitura deste documento contribua significativamente


com os profissionais que se dedicam a cuidar do grupo etário pediátrico e, também,
estimule o desenvolvimento de senso crítico aprimorado e sustentado sobre o conhe-
cimento científico atual dos aspectos que envolvem a alergia a proteína do leite de
vaca. Portanto, desejamos que o tempo dedicado a esta leitura promova melhorias na
prática assistencial com benefício direto a saúde das crianças.

Por fim, agradecemos aos colegas que contribuíram com a sua realização e, con-
sequentemente, para a manutenção ativa da educação continuada em nutrição infantil.

Tulio Konstantyner
Coordenador Científico da Força-tarefa de Nutrição da Criança

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

SUMÁRIO
1. Definição e diagnóstico 8
1.1 Introdução 8
1.2 Definição 9
1.3 Diagnóstico 10
1.4 Exames subsidiários 15
1.5 Conclusão 22
1.6 Referências bibliográficas 22

2. Prevenção e tratamento 27
2.1 Prevenção da APLV 27
2.2 Tratamento 29
2.3 Referências bibliográficas 33

3. Manejo nutricional 35
3.1 Introdução 35
3.2 Avaliação nutricional 35
3.3 O leite de vaca e a sua substituição na dieta 36
3.4 Cuidados para prevenção de transgressões à dieta 38
3.5 Avaliação de tolerância 39
3.6 Considerações finais 41
3.7 Referências bibliográficas 41

4. Diretoria e CCA - 2020 44

5. Força-tarefa Nutrição da Criança 45

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

1. DEFINIÇÃO E DIAGNÓSTICO

Mauro Batista de Morais

1.1 Introdução

A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) representa na atualidade um im-


portante problema de saúde pública ocasionando graves consequências não somente
para o paciente como também para sua família.1,2 APLV nos primeiros anos de vida pode
se associar com problemas futuros como os distúrbios gastrintestinais funcionais e, even-
tualmente, restrição do pleno potencial para o crescimento.3-6 As manifestações clínicas
mais comuns da APLV acometem o trato gastrintestinal e a pele apesar da doença ser sis-
têmica e poder acometer também o sistema respiratório e, ainda, provocar anafilaxia.1,2
A prevalência da alergia à proteína do leite de vaca ainda não é definida de for-
ma plenamente satisfatória nem no Brasil nem em outros países e continentes. Eviden-
temente, as estimativas de prevalência são totalmente diferentes quando se conside-
ram apenas informações parentais, sensibilização aferida com o emprego de dosagem
de imunoglobulina E (IgE) específica ou teste cutâneo, resposta à dieta de eliminação
e, finalmente, positividade do teste de desencadeamento (provocação ou reexposição)
oral. Considera-se que o teste de desencadeamento oral é o melhor método para
comprovação diagnóstica, entretanto, podem ocorrer tanto resultados falsos positivos
(manifestações clínicas durante o teste que não são secundárias à APLV mas que não
podem ser distinguidas com precisão) ou falsos negativos, quando o teste é realizado
após o paciente desenvolver tolerância às proteínas do leite de vaca (demora na indi-
cação do teste para diagnóstico ou desenvolvimento rápido da tolerância oral). A aná-
lise de uma pesquisa multinacional (EuroPrevall) realizada na Europa mostra resultados
interessantes.7 Foram admitidos no estudo 12049 lactentes nos primeiros cinco dias de
vida dos quais 9336 foram acompanhados até os 2 anos de idade. Suspeita de APLV
ocorreu em 3,8% (358/9336) dos lactentes, entretanto, o teste de desencadeamento
confirmou o diagnóstico em apenas 55, ou seja, 0,54%.7 É digno de nota informar que
os pais de 1928 (16,0%) dos 12049 lactentes pensaram que seus filhos apresentavam
alergia a algum alimento e necessitaram avaliação especializada subsequente.7 É in-
teressante discutir algumas observações do braço holandês do EuroPrevall no qual

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

foi verificado que 91 (9,3%) dos 976 lactentes admitidos naquele país apresentaram
suspeita de APLV.7 APLV foi confirmada por teste de desencadeamento em 49, ou seja,
prevalência de 5,0%. É interessante mencionar que a idade média destes lactentes era
6 meses e que menos de 20% apresentava sensibilização ao leite de vaca.7 Fica a per-
gunta, afinal a prevalência de APLV está mais próxima de 0,54% ou 5,0%. Estes dados
mostram a complexidade envolvida na estimativa da prevalência de APLV. No entanto,
na prática, aceita-se que cerca de 2 a 3% dos lactentes apresentam APLV,1,5 entretanto,
um percentual maior desenvolve manifestações clínicas que levam a hipótese diagnós-
tica de APLV mas são ocasionados por outras doenças.7,8
O objetivo deste texto é discutir a definição e o diagnóstico clínico e laboratorial
da alergia à proteína do leite de vaca (APLV).

1.2. Definição

Alergia alimentar é uma reação adversa decorrente de uma resposta imunológi-


ca anormal e reprodutível que é desencadeada pela ingestão de um ou mais alimen-
tos.1 Nos dois primeiros anos de vida, a alergia alimentar mais comum é desencadeada
pelas proteínas do leite de vaca (APLV). É distribuída, classicamente, em três catego-
rias: tardia (mediadas por células, ou seja, não mediada por IgE), imediata (mediada
por IgE) e mista envolvendo os dois mecanismos anteriores.
Portanto, a APLV está incluída na ampla definição de reações adversas aos ali-
mentos que contemplam todos os sintomas ou sinais desencadeados pelos alimentos
e que vão constituir diferentes síndromes e doenças.
As reações adversas aos alimentos podem ser classificadas em intolerância e
hipersensibilidade (Quadro 1). A intolerância é ocasionada por mecanismo, farmaco-
lógico (por exemplo, cafeína) ou por sua força osmótica/fermentação (por exemplo,
lactose e outros carboidratos não absorvidos). A lactose é o componente do leite de
vaca que pode causar intolerância com maior frequência. Os sintomas são dependen-
tes, basicamente, do efeito osmótico da lactose na luz intestinal e de sua fermentação.
Por outro lado, a alergia à(s) proteína (s) do leite de vaca é resultado, conforme já men-
cionado, de uma reação imunológica ao componente proteico do leite de vaca.1,2,9-11
Este texto não tem por objetivo avaliar os fatores e mecanismos envolvidos no
desenvolvimento da APLV. Basicamente, a APLV ocorre quando não se desenvolve o
esperado padrão de tolerância oral.1,2 É importante lembrar, também, que grande par-

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cela dos pacientes com APLV desenvolve, ao longo dos primeiros anos de vida, de
forma espontânea, tolerância ao leite de vaca.1,2,12 O desenvolvimento espontâneo de
tolerância é mais comum na alergia tardia mediada por células. Alguns pacientes, em
geral com APLV do tipo mediada por IgE, persistem por alguns anos sem desenvolver
tolerância oral.1,2,12

Quadro 1. Reações adversas aos alimentos

Fonte: Modificado de Lommer10 e Manuyakorn & Tanpowpong11

1.3. Diagnóstico

Diagnóstico correto é um ponto de grande relevância na assistência de um pa-


ciente com APLV, como acontece com várias outras doenças. O princípio básico de que
a exclusão da proteína alergênica se acompanhe do controle das manifestações clínicas
é um dogma que apesar de ser considerado por alguns como primitivo e rudimentar,
provavelmente, vai persistir na prática pediátrica como estratégia essencial por longo
período enquanto são exploradas fascinantes propostas de modulações do sistema imu-
nológico ou da microbiota intestinal para fins diagnósticos, terapêuticos e prevenção.
Mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, incluindo as

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técnicas de biologia molecular, que revolucionaram o panorama diagnóstico de muitas


doenças, ainda não existe nenhum exame subsidiário com aplicabilidade prática que di-
minua a importância da avaliação clínica e do acompanhamento para analisar a resposta
à dieta de eliminação.
Em resumo, o ponto inicial do processo diagnóstico é reconhecer o quadro clíni-
co compatível e levantar a suspeita diagnóstica de APLV. Deve ser lembrado que a apre-
sentação clínica da APLV é muito variável além de ser também muito inespecífica.1,2,13 No
Quadro 2 são apresentadas as principais formas de apresentação clínica da APLV. Vale
destacar que alguns pacientes podem apresentar um conjunto de sintomas e sinais que
não se restringe a apenas uma das categorias apresentadas no Quadro 2. Por exemplo,
um lactente com irritabilidade, choro excessivo, dificuldade para mamar e regurgitações
ou vômitos apresenta manifestações clínicas compatíveis com refluxo gastroesofágico
ou cólica do lactente secundárias a APLV. Entretanto, este quadro clínico pode ser com-
patível com doença do refluxo gastroesofágico não associada à APLV ou mesmo com a
associação de dois distúrbios gastrointestinais funcionais no mesmo lactente (regurgita-
ção do lactente e cólica do lactente).11,13,14

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Quadro 2. Formas de apresentação da alergia à proteína do leite de vaca (APLV) com


manifestações clínicas gastrintestinais.

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Fonte: Detalhamento pode ser obtido nas referências: 1,2,11,13,16-20

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Neste contexto, no Quadro 3 são apresentadas as manifestações clínicas de 159


lactentes na primeira consulta com Gastroenterologistas Pediátricos do Brasil.5 Cerca da
metade foi atendida no primeiro semestre de vida. Dos 159 lactentes, 74 (46,5%) apre-
sentavam apenas manifestações gastrointestinais. Apenas 18 (11,3%) lactentes não apre-
sentavam sintomas gastrointestinais. É importante destacar que o déficit nutricional mais
comum neste grupo de lactentes foi a diminuição nos indicadores derivados do compri-
mento para a idade.

Quadro 3. Manifestações clínicas e escores z de peso-idade, peso-comprimento e


comprimento-idade de 159 lactentes na primeira consulta por suspeita de alergia à
proteína do leite de vaca.

Legenda: A maioria dos lactentes apresentava mais de uma manifestação clínica. Segundo Vieira et al.5

Estas informações deixam clara a importância da anamnese completa e detalha-


da estabelecendo a relação temporal entre a ingestão da proteína do leite de vaca e

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o início das manifestações clínicas. Na hipersensibilidade gastrointestinal imediata, as


manifestações clínicas (diarreia e vômitos) aparecem até duas horas depois da exposi-
ção à proteína por serem decorrentes de mecanismo mediado por IgE. É importante
destacar que o acometimento de mais de dois órgãos em uma reação imediata me-
diada por IgE (por exemplo, manifestação digestiva e cutânea) caracteriza anafilaxia
que deverá ser tratada como uma emergência.21 Por sua vez, as manifestações clínicas
das reações celulares não mediadas por IgE são tardias, ou seja, existe um intervalo de
dias ou semanas entre o início da ingestão do alimento e o aparecimento das mani-
festações clínicas. Deve ser lembrado, também, que existem lactentes em aleitamento
natural exclusivo cuja APLV é desencadeada pela proteína do leite de vaca consumida
por suas mães que são veiculadas através do leite materno.
Frente ao quadro clínico que motiva a suspeita de APLV, é necessário verificar
se deverá ser ou não indicado algum exame adicional e, assim que possível, iniciar a
dieta de eliminação diagnóstica. Ou seja, realizar o teste terapêutico com a exclusão
das proteínas do leite de vaca da dieta do lactente. Com este procedimento devem
desaparecer as manifestações clínicas decorrentes da APLV. O tempo necessário para o
desaparecimento das manifestações clínicas é variável segundo o tipo de manifestação.
Ocorre desde poucos dias, mas pode demorar duas a quatro semanas. Neste período
deve correr recuperação do déficit ponderal.
Devem ser lembrados dois pontos fundamentais relacionados à resposta favorável
à dieta de eliminação para finalidade diagnóstica:
1. Apesar do controle das manifestações clínicas, o lactente continua com APLV,
ou seja, a dieta de eliminação deverá ser mantida até o desenvolvimento de tolerância.
A dieta de eliminação terapêutica vai ser discutida em outro capítulo ou artigo.
2. O desaparecimento das manifestações clínicas não significa que o diagnóstico
de APLV está confirmado. Estudos mostram que apenas uma parcela dos lactentes que
apresentam resposta favorável com dieta de eliminação diagnóstica apresenta teste de
desencadeamento positivo comprobatório do diagnóstico de APLV. Este aspecto tem
grande importância em termos de saúde pública especialmente quando as dietas hipo-
alergênicas são custeadas por programas governamentais.

1.4. Exames subsidiários

Não existe nenhum método que substitua o teste de desencadeamento oral no

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diagnóstico final de APLV do tipo tardia (mediada por células). Várias tentativas foram
feitas nas últimas décadas no sentido de identificar um método com poder para estabe-
lecer com segurança o diagnóstico de APLV. O mesmo pode ser dito para definir se um
paciente com APLV desenvolveu ou não tolerância oral e, assim, caracterizar o momento
exato para encerrar a dieta de eliminação e reiniciar a dieta sem restrição das proteínas
do leite de vaca (leite, derivados e produtos preparados com leite). Assim, na vida real,
frente a esta problemática é proposta, muitas vezes precipitadamente, a utilização de no-
vos métodos para os quais não se fez uma avaliação prévia de seu real valor diagnóstico.
Muitas vezes, a realização destes testes não validados é reivindicada por pacientes para
comprovar um diagnóstico improvável que não se sustentou com os conhecimentos atu-
ais. A seguir serão apresentados alguns comentários sobre alguns métodos disponíveis
para complementar a avaliação de um paciente com suspeita de APLV.

Avaliação da sensibilização às proteínas do leite de vaca


Em primeiro lugar, deve ser enfatizado que sensibilização não é igual a alergia ali-
mentar.1,11,21,22 Neste contexto, existem vários indivíduos sensibilizados que não apresen-
tam nenhuma reação adversa quando consomem os alimentos para os quais apresentam
sensibilização. Outro ponto fundamental é a associação específica da sensibilização com
alergia alimentar IgE mediada, ou seja, não tem papel nas apresentações tardias da APLV
(mediada por células, não relacionadas com a IgE).1,11,21,22 Entretanto, podem contribuir
na avaliação do paciente com APLV mista.
Para avaliação da sensibilização existem dois métodos: teste cutâneo de puntura
(teste “prick”) e dosagem de IgE específica.
O teste cutâneo tem a vantagem de proporcionar resultados em curto intervalo de
tempo. Entretanto, exige a utilização de técnica e extratos padronizados e nem todos os
profissionais estão habilitados para sua realização.1,11,21,22
Por outro lado, as imunoglobulinas específicas da classe IgE para as proteínas do
leite de vaca estão incluídas nas técnicas de rotina da maioria dos laboratórios clínicos.
Este exame pode ser solicitado por todos os médicos, mas deve ser interpretado com
cautela. Não existe vantagem na associação dos dois exames.1
O algoritmo da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutri-
ção em Pediatria (ESPGHAN)1 especifica que quando o paciente apresenta uma reação
imediata típica ou anafilaxia e apresenta sensibilização deve realizar dieta de eliminação
terapêutica por pelo menos 6 a 12 meses, ou seja, estes casos devem ser tratados com o

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diagnóstico fundamentado nestes dois parâmetros (quadro clínico típico e sensibilização


específica ao alimento suspeito) sem a realização do teste de desencadeamento para a
comprovação diagnóstica.1
Outro aspecto de grande relevância é a interpretação do valor obtido na determina-
ção da IgE específica em relação à intensidade da sensibilização e sua relação com a proba-
bilidade de que o paciente apresente teste de desencadeamento (provocação) oral positivo.
Com relação à APLV, existem determinações dos níveis de IgE específicas para o
leite de vaca propriamente dito e para as frações proteicas mais frequentemente relacio-
nadas com a APLV, ou seja: ∂-lactoalbumina, ß-lactoglobulina e caseína.1,11,21-23 A deter-
minação da IgE para o leite de vaca, não para suas frações, tem a vantagem teórica de
identificar eventuais sensibilizações às proteínas do leite de vaca pertencentes a outras
frações proteicas diferentes das três categorias previamente especificadas.
Levando em conta a associação entre a intensidade da sensibilização (por exem-
plo, valor da IgE específica) procura-se, na literatura, estabelecer os pontos de corte
para a IgE específica com capacidade preditiva de um teste de desencadeamento oral
positivo. Menciona-se em uma recomendação de um grupo de alergologistas22 e na li-
teratura11, os seguintes pontos de corte IgE específicos para casos de APLV imediatas
mediadas por IgE:

• Ponto de corte de IgE específica para o leite indicando o valor preditivo positivo
de pelo menos 95% para o teste de desencadeamento (provocação) oral positivo:
o Menores de 1 ano: ≥ 5 kIU/L
o Sem idade especificada: ≥ 15 kIU/L

• Ponto de corte de IgE específica para o leite indicando probabilidade semelhante a


50% para o valor preditivo negativo no teste de desencadeamento negativo
o Menores de 1 ano: ≤ 2 kIU/L

Estes dados merecem alguns comentários. Seria melhor se fossem informados


os valores de sensibilidade e especificidade para definição de pontos de corte, ao
invés de valores preditivos positivos e negativos. Estes últimos variam segundo a pre-
valência da doença no grupo estudado. Os valores preditivos podem ter variação na
dependência, por exemplo, do tipo de serviço onde é realizado o atendimento (con-
sultório pediátrico ou clínica terciária especializada). Neste contexto, é interessante

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relatar alguns dados obtidos em uma revisão sistemática que analisou o desempenho
diagnóstico dos indicadores de sensibilização para APLV.23 Foram incluídos na revisão
31 artigos. De acordo com os dados compilados foi considerado que quando o valor
de IgE é maior do que 5 KUA/L a possibilidade diagnóstica de APLV é elevada em
pacientes com idade inferior a 2 anos. Surpreendentemente, com base na revisão da
literatura os autores não conseguiram identificar um ponto de corte apropriado para
crianças com maior idade.23
Mais recentemente vem sendo oferecido para pesquisa e prática clínica o Immu-
noCAP ISAC que proporciona a pesquisa simultânea de mais de uma centena de diferen-
tes anticorpos específicos IgE, em pequeno volume de soro, incluindo vários antígenos
alimentares. Até o presente momento, não existem evidências de que possam contribuir
na investigação da APLV. Deve ser mencionado que a maioria das alergias alimentares são
decorrentes de um único alimento, como é o caso da APLV. Este método é indicado em
outros cenários clínicos nos quais podem ocorrer múltiplas ou inesperadas sensibilizações.

Determinação de IgE total, IgG específica, teste cutâneo de contato (“patch test”)
Frente a falta de contribuição da IgE específica para a avaliação de pacientes com
APLV tardia mediada por células, surgiram sugestões para utilizar estes métodos como
subsídio para o seu diagnóstico. Entretanto, não existe utilidade clínica comprovada.
Portanto, não devem ser usados na avaliação de crianças com APLV.1,11,21

Hemograma
O hemograma e a dosagem da ferritina podem ser úteis para verificar se o pacien-
te apresenta deficiência de ferro.1,21 A APLV pode ser acompanhada por perdas sanguíne-
as digestivas aumentadas como ocorre na protocolite eosinofílica. Estas perdas de san-
gue podem predispor ao balanço corporal negativo de ferro que é muito comum entre
os seis e 24 meses de vida, provocando anemia por deficiência de ferro. Este problema
pode ser mais grave em recém-nascidos prematuros.
Com relação aos leucócitos, alergias são consideradas uma das explicações para
eosinofilia. Em cerca da metade dos lactentes com colite eosinofílica, na vigência de
aleitamento natural ou artificial, é encontrada eosinofilia que pode, em conjunto com o
histórico e exame físico, vincular a presença de sangue nas fezes com APLV.
É interessante mencionar que de acordo com a ESPGHAN, perda de sangue ocul-
to nas fezes pode estar relacionada com a APLV.1 No passado, pesquisa de sangue oculto

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positiva no lactente era considerada uma indicação de APLV. Há cerca de 20 anos foi
disponibilizado um método de pesquisa de sangue oculto nas fezes, mais específico do
que os usados anteriormente. Trata-se de um método imunocromatográfico específico
para hemoglobina humana. Utilizando está técnica, foram investigados 98 lactentes de
uma cidade do interior do Brasil que recebiam dieta livre.24 Muitos consumiam leite de
vaca integral. Nenhum apresentava manifestações clínicas sugestivas de APLV. Entretan-
to, presença de sangue oculto nas fezes foi encontrada em 44,9% (44/98) destes lacten-
tes. Constatou-se relação entre a presença de sangue oculto nas fezes e menor média de
ferritina sérica. Assim, considerou-se improvável que a presença de sangue oculto tivesse
alguma relação com APLV.24
Apesar de não existirem evidências publicadas sobre o assunto, em minha opi-
nião, a utilização da pesquisa de sangue oculto no acompanhamento de pacientes com
colite eosinofílica não é necessária.
Outros exames realizados nas fezes objetivam determinar a concentração de pro-
teínas que potencialmente indicam inflamação no tubo digestivo. Portanto, trata-se de
um método inespecífico que poderia caracterizar a presença de inflamação alérgica no
tubo digestivo. No passado, foi utilizada a determinação de alfa-1-antitripsina, entretan-
to, este método diagnóstico foi praticamente abandonado no diagnóstico e acompa-
nhamento de pacientes com APLV. Pode ser útil na avaliação das enteropatias perdedo-
ras de proteínas.21 Mais recentemente vem sendo usada a calprotectina como indicadora
de inflamação no tubo digestivo. Trata-se de uma proteína ligadora de zinco produzida
basicamente por neutrófilos, monócitos e macrófagos.21 Na alergia alimentar, pode ser
observada diminuição na concentração fecal de calprotecina após o início da dieta de
eliminação. No entanto, não existe definição dos pontos de corte de calprotectina fecal
associados com teste de desencadeamento oral positivo.25-27

Endoscopia digestiva alta e baixa e biópsias do tubo digestivo


Em alguns pacientes é necessário indicar endoscopia digestiva alta ou baixa.1,11,21
A endoscopia digestiva permite a inspeção da mucosa do tubo digestivo e a realização
de biópsias. Na mucosa esofágica dos pacientes com esofagite eosinofílica podem ser
encontradas alterações sugestivas como pontilhados esbranquiçados, estrias e anéis
concêntricos. O fragmento da biópsia revela infiltração por menos 15 eosinófilos em
pelo menos um campo de grande aumento. Nas enteropatias induzidas pelas proteí-
nas do leite de vaca pode ser observado atrofia de intensidade variável das vilosidades

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intestinais associada com infiltrado inflamatório da lâmina própria com ou sem eosinó-
filos. Nas ileocolonospcopias podem ser observadas alterações mucosas indicativas de
inflamação e infiltração de eosinófilos na submucosa e no próprio epitélio intestinal. É
importante que a indicação do exame endoscópico seja discutida com o especialista.
O endoscopista deve ter experiência pediátrica e realizar biópsias mesmo quando o
aspecto macroscópico da endoscopia estiver normal.1,11,17,21

Teste de desencadeamento oral


O teste de desencadeamento oral é também denominado teste da reexposição
oral ou provocação oral. O teste de desencadeamento oral é o método mais apropriado
não somente para estabelecer o diagnóstico de APLV como também para definir quando
o paciente desenvolveu tolerância oral, ou seja, quando está apto para reintroduzir as
proteínas do leite de vaca em sua alimentação.1,11,21
Existem alguns pré-requisitos para a realização do teste de desencadeamento oral:
1. O paciente deve ter apresentado recuperação clínica e nutricional com a die-
ta de eliminação. Caso as manifestações clínicas persistam devem ser consideradas as
seguintes possibilidades: dieta prescrita inadequada ou realizada de forma errônea ou
as manifestações clínicas que motivaram a dieta de exclusão não eram ocasionadas por
alergia alimentar. Outro ponto importante é a confirmação de que o paciente realmente
se encontra em dieta de eliminação. Vale lembrar que mesmo pacientes orientados po-
dem ter dificuldades para realizar a dieta de eliminação.28 Anamnese cuidadosa sobre as
práticas alimentares podem revelar que o paciente pode estar consumindo proteínas do
leite de vaca regularmente contrariando a prescrição de dieta de exclusão. Estas infor-
mações são fundamentais para definir qual conduta deve ser adotada.
2. Não apresentar risco de desenvolver uma reação grave, como a anafilaxia, em
função do contato com o alimento. Pacientes com síndrome da enterocolite induzida
pela proteína (“FPIES”) do leite de vaca também podem desenvolver reações com maior
gravidade conforme destacado na literatura.16 Sugestões para o teste de desencadea-
mento nestes pacientes podem ser encontradas em uma publicação de 2017.16
A segunda consideração refere-se ao objetivo do teste de desencadeamento:
1. Confirmar o diagnóstico de APLV
2. Verificar o desenvolvimento de tolerância oral às proteínas do leite de vaca.
Isto significa que o teste de desencadeamento pode ser realizado em diferentes
momentos da história natural da alergia alimentar. Existem vários períodos preconizados

20
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

para a duração de dieta de eliminação antes da realização do teste de desencadeamen-


to oral para comprovação diagnóstica, variando entre 4 a 12 semanas. Conforme des-
tacado acima, o paciente deve apresentar-se recuperado do ponto de vista clínico. Em
minha opinião, para finalidade de diagnóstico da APLV, é razoável considerar que o teste
de desencadeamento oral seja realizado com a maior brevidade possível, por exemplo,
duas semanas após plena recuperação clínica e nutricional. Dentre as vantagens teóricas
para esta escolha, incluem-se: 1. Diminuição da chance de um resultado falso negativo
pelo desenvolvimento de tolerância oral durante a dieta de eliminação diagnóstica; 2.
Definição do diagnóstico com maior celeridade.
Após a comprovação diagnóstica de APLV, recomenda-se dieta de eliminação por
seis a 12 meses.1,11,21 Após este período, deve ser realizado o teste de desencadeamento
oral para verificar se ocorreu o desenvolvimento de tolerância oral.
Há mais de 15 anos foi apresentada no Brasil a primeira proposta para padronizar
a realização do teste de desencadeamento oral.29 Posicionamentos da ESPGHAN foram
publicados incialmente em 199230 e depois em 200731 e 20121. Outras propostas foram
apresentadas no Brasil21,32 onde foram realizados quatro estudos sobre o teste de desen-
cadeamento oral, três deles utilizando o teste de desencadeamento oral aberto33-36 e um
o teste de desencadeamento duplo-cego.36 Assim, cada serviço deve seguir seus proto-
colos lembrando que o teste de desencadeamento oral deve ser realizado com super-
visão médica, para o tratamento de eventuais reações graves que os pacientes possam
apresentar.1,21 Após o paciente completar o período inicial do teste, que se estende por
2 a 4 horas, o paciente deve continuar consumindo diariamente a proteína alergênica na
quantidade preconizada. Às vezes, alguns lactentes que se encontram bem adaptados
à dieta de eliminação não aceitam com facilidade e de imediato a fórmula infantil com
proteínas do leite de vaca.
O intervalo entre o início do teste de reaparecimento das manifestações de APLV
pode variar de minutos, nas reações IgE mediadas, a semanas, nas reações tardias me-
diadas por células (não IgE-mediada). Assim, preconiza-se que a duração do teste de
desencadeamento para reações tardias o período de observação deve se estender por
duas semanas.1
Outro ponto fundamental é a definição exata de quando o teste de desencade-
amento oral deve ser considerado positivo.37 É possível que um determinado paciente
desenvolva manifestações clínicas diferentes daquelas que apresentou por ocasião do
início da doença.33 Outro problema prático é a dependência, principalmente para as

21
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

reações tardias, das informações dos familiares para caracterizar a ocorrência de deter-
minadas manifestações clínicas a serem valorizadas ou não na definição do resultado do
teste de desencadeamento. Vale lembrar que, especialmente em lactentes, o teste de
desencadeamento oral aberto permite a definição do diagnóstico de APLV na esmaga-
dora maioria dos casos.
O teste de desencadeamento oral duplo-cego controlado por placebo não é
necessário na maioria dos casos de APLV. Em geral, pode ser necessário em crianças
maiores e adolescentes com reações IgE mediadas, especialmente para sintomas que
envolvam subjetividade em pacientes sugestionáveis. A administração do placebo e do
alérgeno devem ser realizados com intervalos mínimos pré-estabelecidos. Para as rea-
ções tardias, a exposição à proteína ou placebo deve se estender por pelo menos duas
semanas, o que é uma grande limitação para sua realização em lactentes, crianças e ado-
lescentes com APLV. Similarmente ao teste de desencadeamento oral aberto, pode apre-
sentar resultados falsos negativos (se realizado após desenvolvimento de tolerância oral)
e positivos (quando ocorrem manifestações clínicas atribuídas erroneamente à APLV).

1.5. Conclusão

A APLV, em geral, apresenta manifestações clínicas gastrointestinais e cutâneas


e acomete principalmente lactentes. Resposta favorável proporcionada pela dieta de eli-
minação é a primeira etapa do processo de diagnóstico. Os exames subsidiários isolada-
mente não permitem o diagnóstico definitivo ao contrário do que ocorre em outras do-
enças. A realização do teste de desencadeamento oral é o melhor método para diagnóstico
e exige que o paciente esteja recuperado em dieta de eliminação. Na APLV, especialmente
em lactentes, o teste de desencadeamento oral aberto é plenamente adequado para confir-
mar ou não a necessidade de dieta de eliminação na esmagadora maioria dos pacientes.

1.6. Referências blbliográficas

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26
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

2. PREVENÇÃO E TRATAMENTO

Antonio Carlos Pastorino

Ana Paula B.M. Castro

2.1 Prevenção da APLV

O aumento da prevalência das alergias alimentares (AA) nas últimas décadas tem se
tornado significante em muitos países do mundo, atingindo até 10% dos pré-escolares. O
aumento das AA associado ao aumento na prevalência de anafilaxia a alimentos, juntamente
com o maior conhecimento na patogênese das AA e o potencial para indução de tolerância,
fez com que se revisse o conceito de prevenção primária das AA1. Os pesquisadores enten-
deram que as intervenções dietéticas e nutricionais deveriam sofrer mudanças como estra-
tégias de reduzir ou manter a prevalência das AA. Recomendações internacionais no início
dos anos 2000 preconizavam evitar alimentos potencialmente alergênicos durante a gravidez
e amamentação, além de postergar sua introdução após o primeiro ano de vida em crianças
de famílias de risco, o que não se mostrou eficaz em estudos posteriores2.
Os oito alérgenos relacionados com mais de 90% dos casos de AA na criança são o
leite de vaca, ovos, amendoim, castanhas, trigo, soja, peixes e crustáceos. Apesar da APLV
ser uma das mais prevalentes, os estudos relacionados com o amendoim e ovo foram os pri-
meiros a mostrar benefícios na prevenção primária com a estratégia da introdução precoce
entre o 4º e 6º mês de vida do lactente. Desse modo, o estudo LEAP (Learning Early About
Peanut) publicado em 2015, foi o primeiro estudo randomizado e controlado a demonstrar
uma redução de até 80% da alergia a amendoim com a introdução precoce desse alimento
em crianças de risco3. Seguindo o mesmo raciocínio para prevenção a múltiplos alimentos,
em 2016 foi publicado o estudo EAT (Enquiring About Toleance) que randomizou 1303 crian-
ças normais da população em aleitamento materno exclusivo. O objetivo do estudo foi a
introdução precoce de seis alérgenos (amendoim, leite de vaca, peixe, trigo, ovo cozido e
gergelim), comparando sua introdução aos 3 versus aos 6 meses de vida em lactentes em
aleitamento exclusivo, e sua evolução para AA a qualquer um dos seis alimentos entre os 12
e 36 meses de idade. Embora a análise de intenção de tratamento não demonstrasse dife-
rença nas taxas de alergia entre os dois grupos, na análise “per-protocol” foi encontrada uma

27
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

redução significante de alergia com a introdução precoce apenas para o ovo e amendoim.
Mesmo com uma alta taxa de adesão de introdução precoce do leite de vaca de 85,2% na
forma de yogurt ,o estudo não demonstrou benefício na prevenção de APLV. De importância
no estudo foram as dificuldades das famílias participantes na adesão ao esquema de intro-
duções dos alimentos4.
Os estudos de prevenção para APLV com a introdução precoce de LV foram, até o
momento, todos observacionais e com resultados conflitantes. A introdução nos primeiros 3
meses de vida de quantidades regulares e diárias de LV em crianças, comparando a introdu-
ção de fórmulas de LV com o aleitamento materno tem sido uma das formas de intervenção.
Estudo de coorte na Finlândia em 2016 mostrou que a introdução de LV nos primeiros dias
de vida foi associado com o maior risco de APLV nos primeiros anos de vida5. Por outro lado,
estudo de coorte conduzido em Israel havia mostrado que a introdução nas duas primeiras
semanas de vida protegia versus a introdução aos 4-6meses que aumentava o risco de APLV6.
Uma análise recente nos dados do estudo Health Nuts na Austrália, mostrou que a exposição
precoce ao LV até os 3 meses de idade foi associada a uma redução do risco para sensibiliza-
ção, reações relatadas pelos pais e APLV presumida (OR=0,31; IC95%, 0,1-0,91) aos 12 meses
de idade, mesmo ajustando para história familiar de alergia. O ponto fraco deste estudo foi
a falta do uso de provocação oral para comprovação de APLV, que foi definida apenas com
base nas descrições dos familiares de sintomas compatíveis com reação IgE-mediada asso-
ciada a prick-test positivo para LV 7.
Uma revisão recente dos principais estudos que avaliaram a introdução precoce de
alimentos potencialmente alergênicos mostrou a grande heterogeneidade das populações
estudadas e dos desfechos de cada estudo. Apenas o estudo LEAP para introdução preco-
ce do amendoim encontrou consistência para seu uso em crianças e nenhum outro estudo
mostrou que a demora na introdução do leite e ovo trouxe maior risco do desenvolvimento
de alergia a estes alimentos8.
Os resultados de estudos que apontam para prevenção de doenças alérgicas, es-
pecialmente para a dermatite atópica, em especial na situação de privação do aleitamento
materno, vêm sendo discutidos com especial atenção para o uso de fórmulas de soro do
leite de vaca parcialmente hidrolisadas e fórmulas de caseína extensamente hidrolisadas em
lactentes com alto risco de doença alérgica. Metanálise que avaliou 37 estudos clínicos com
19.000 participantes não mostrou evidências na redução das doenças alérgicas9.
Outras intervenções para prevenção de alergias alimentares, como a exclusão de
alimentos potencialmente alergênicos durante a gravidez e aleitamento que foi consisten-

28
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

temente desaconselhado, o uso de probióticos e prebióticos, exposição ao microbioma


vaginal da mãe logo após o parto, vitamina D, entre outros, ainda não encontram dados
suficientes para sua recomendação10.
Permanece a orientação para o aleitamento materno exclusivo, sem outras introdu-
ções até os 6 meses de idade, não devendo ser retardada a introdução de outros alimentos
complementares após esse período, independente do risco familiar para atopias. Hábitos cul-
turais e alimentares de cada país e famílias devem ser respeitados e enquanto se desconhece
quando, como e quanto introduzir de determinado alimento, o consumo precoce não deverá
ser incorporado nos mais diversos consensos de prevenção às alergias alimentares 1,10-12.

2.2 Tratamento

O tratamento da alergia à proteína do leite de vaca inclui uma série de passos que
demandam método em sua implementação e uma enorme parceria com a família, espe-
cialmente na APLV que envolve primordialmente pacientes pediátricos. Para que o sucesso
terapêutico seja obtido os pilares do tratamento da APLV (Quadro 1) devem incluir:

A. Exclusão
Para o momento todos os consensos e guias para tratamento da APLV recomendam
a exclusão do leite de vaca como principal estratégia terapêutica. Como exclusão do leite
de vaca: entende-se a remoção de quaisquer alimentos que contenham leite de vaca ou de
qualquer outro mamífero. Produtos manufaturados com leite devem ser excluídos. Deve-se
ter atenção a cosméticos, medicamentos e vacinas que possam ter proteínas de leite em sua
composição12,13.
Nas nutrizes, a dieta de exclusão de leite deve ser adotada se a criança apresentou
sintomas durante o aleitamento materno exclusivo. No caso de aleitamento misto, deve-se
avaliar individualmente os pacientes lembrando que as manifestações através do leite mater-
no são mais frequentes nas alergias através de mecanismo não mediado por IgE.
Na produção ou cocção dos alimentos que não contenham leite como ingrediente
pode haver possibilidade de contaminação, ou seja, presença de pequenas quantidades de
proteína de leite de vaca. Alguns aspectos são necessários destacar:
• nem todos os pacientes reagem a esta pequena quantidade de proteína, sendo ne-
cessário individualizar os pacientes e o tipo de doença apresentada. Pacientes com alergias
não mediadas por IgE, em especial a proctocolite, em geral reagem a mínimas quantidades,

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

mas sem implicação na gravidade do quadro ou persistência dos sintomas. Pacientes com
alergia pelo mecanismo misto, por exemplo a dermatite atópica, toleram pequenas conta-
minações sem piora do quadro. Nas manifestações de alergia mediada por IgE, há possibili-
dade de reação até mesmo graves com pequenas quantidades de leite.
• Há dificuldades na quantificação de proteínas que podem possivelmente estar pre-
sentes em preparações assim como em se estabelecer um limiar de segurança 13.

B. Adequada nutrição
O leite de vaca é uma importante fonte proteica nos primeiros dois anos de vida espe-
cialmente entre lactentes cujo aleitamento materno não foi possível. Para estas crianças que
necessitam complementação, as fórmulas especiais são recomendadas. No Brasil as fórmu-
las especiais para cuidado dos pacientes com APLV incluem:
• Fórmula extensamente hidrolisada de leite de vaca. Este tipo de fórmula é pro-
duzido pela hidrólise extensa do soro de leite de vaca a pequenos peptídeos e acréscimo
de aminoácidos. Deve ser tolerada por 90% dos pacientes com APLV desencadeada pelos
vários mecanismos imunológicos (IgE mediado, Não IgE mediado ou misto).
• Fórmula de aminoácidos livres. Fórmula inclui aminoácidos livres, quando adequadamen-
te produzida, não inclui quaisquer traços de leite. Indicada nos casos de anafilaxia, nos pacientes
com alterações nutricionais e naqueles que não toleram a fórmula extensamente hidrolisada
• Fórmula de soja. Possibilidade de tratamento de pacientes com alergia IgE media-
da a partir dos seis meses de idade.
• Fórmula extensamente hidrolisada de arroz. Produzida a partir de proteínas do arroz
e acrescida de nutrientes necessários pode ser uma alternativa no cuidado de pacientes com APLV14.
É importante destacar que no primeiro ano de vida as suplementações devem ser
sempre feitas com fórmulas, que obedecem às recomendações do codex alimentar. Nas
crianças acima de um ano que já realizam refeições recomenda-se a adequação nutricional
completa que inclui a suplementação de cálcio. Nos casos mais graves, onde há restrições
múltiplas e alergias mais prolongadas, há suplementos específicos para crianças acima do
primeiro ano de vida12,13.

C. Orientação
Um importante momento de esclarecimento deve ser reservado no cuidado dos pa-
cientes com APLV, para informar sobre possíveis risco de um contato acidental com a prote-
ína do leite. Este contato pode ocorrer de maneira consciente ou por desconhecimento de

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

leite no produto, alimento, cosmético ou medicamento. Cabe à equipe orientar imensamen-


te para que estes escapes não ocorram e, se ocorrerem, a família e cuidadores devem estar
informados sobre como identificar e proceder frente a reação alérgica.
• devem ser gerados informes de esclarecimento e planos de ação para pais, fami-
liares próximos, cuidadores e todos os colaboradores da escola ou creche que convivam
diretamente com o paciente. Sempre que forem ingeridos alimentos industrializados deve-
-se proceder a leitura de rótulos, pois a presença de proteínas do leite nem sempre é óbvia.
Embutidos e enlatados podem conter em suas preparações o leite. Quando as refeições
forem realizadas fora de casa deve-se perguntar na cozinha se há condições do preparo dos
alimentos sem a possibilidade de contato com a proteína e, caso não haja certeza da segu-
rança, a refeição não deve ser realizada.
• Todos devem ser informados dos sintomas de uma crise de alergia, ressaltando o
caráter imediato da alergia mediada por IgE onde os sintomas ocorrem no máximo após
duas horas de ingestão do alimento. A percepção de uma crise é o primeiro passo para a
rápida e bem sucedida intervenção
• A criança deve sempre portar consigo um plano de ação com informações claras
para a identificação de uma crise e as condutas iniciais, quer seja uma anafilaxia, quer uma
reação mais branda15.

D. Modificação da história natural


Nos últimos 20 anos, foi observada uma mudança no padrão de desenvolvimento
de tolerância ao leite. Outrora a imensa maioria dos pacientes se tornava tolerante nos 3 a 5
primeiros anos de vida, mas dados mais recentes mostram que uma expressiva parcela dos
pacientes com APLV permanecem alérgicos por muitos anos, especialmente pacientes com
alergia IgE mediada que desenvolveram anafilaxia. A persistência da APLV traz transtornos
ao paciente e sua família e compromete sua qualidade de vida. Neste cenário, tem-se de-
senvolvido algumas estratégias para indução de tolerância por diversas vias, com destaque à
indução de tolerância oral. Trata-se de uma alternativa eficiente, mas ainda restrita a centros
de referência até que protocolos sejam validados. Entretanto, alguns conceitos são necessá-
rios. Sabe-se hoje que na imensa maioria dos pacientes submetidos a indução de tolerância
atingem a dessensibilização, ou seja, toleram quantidades de leite sem efeitos adversos, mas
se interromperem a ingesta periódica os sintomas voltam a aparecer. Há os que atingem a to-
lerância sustentada, não necessitam ingerir o leite diariamente, mas não se sabe ao certo se a
tolerância é definitiva. Há ainda a possibilidade de aceleração da tolerância natural através da

31
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

oferta de alimentos processados a altas temperaturas. O cozimento do leite em associação


ao trigo parece alterar sua alergenicidade e ser tolerado por 50 a 70% dos pacientes com
APLV que ainda reagem ao leite in natura. Existe a possibilidade de a ingestão constante
deste alimento acelerar a tolerância e modificar a história natural da doença16,17.

E. Avaliação da tolerância
É parte integrante dos cuidados em pacientes com APLV a avaliação da tolerância e,
neste contexto, é importante saber o mecanismo de alergia alimentar envolvido. Nas alergias
não mediadas por IgE, a tolerância ocorre mais precocemente, especialmente na proctoco-
lite ao final do primeiro ano. Na enterocolite associada aos alimentos ou na enteropatia os
sintomas podem permanecer por mais tempo, mas ao final do terceiro ano de vida a maior
parte dos pacientes já ingere leite sem sintomas. Nas alergias IgE mediadas, principalmen-
te em pacientes com anafilaxia, a tolerância pode ocorrer na adolescência ou mesmo na
vida adulta. Ainda que não seja um grande biomarcador, a presença de níveis elevados de
IgE específica para caseína se relaciona a um retardo na aquisição de tolerância. Ciente das
características de cada manifestação de APLV e compreendendo que a tolerância ao leite
ocorre de maneira escalonada, é parte do tratamento da APLV a reintrodução do leite. Nos
pacientes com proctocolite em aleitamento materno, a reintrodução pode começar através
da dieta materna e continuar ofertando quantidades crescentes da fórmula ou leite adequa-
do a idade. Nas crianças com alergias IgE mediadas, a avaliação de tolerância deve ocorrer
através de um teste de provocação que sempre deve ser realizado em ambiente adequado
ao manejo das reações adversas. A tolerância completa é atingida quando o paciente ingere
uma porção do leite in natura entre 150 e 250 ml de leite de acordo com a idade. Estágios
intermediários de tolerância podem ser testados e incluem oferta de alimentos processados
a altas temperaturas ou ingesta de quantidades menores de leite, estes procedimentos po-
dem contribuir para a melhora da qualidade de vida do paciente12.
Abordar o tratamento da APLV de maneira completa minimiza riscos, traz benefícios
nutricionais e melhora a qualidade de vida.

32
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

Quadro 1. Bases do tratamento da alergia a proteína do leite de vaca.

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34
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

3. MANEJO NUTRICIONAL

Glauce Hiromi Yonamine

3.1 Introdução

O tratamento da alergia à proteína do leite de vaca (APLV) envolve a retirada completa


de leite de vaca e derivados da dieta. Os objetivos do manejo nutricional são: aliviar os sinto-
mas, prevenir exposição acidental, prevenir a restrição desnecessária de alimentos, garantir
crescimento e desenvolvimento adequado para idade e sexo em crianças e prevenir desnu-
trição em adultos, através de dieta balanceada, adequada e saudável, fornecer alternativas
apropriadas para os alimentos removidos da dieta, minimizar o impacto sobre a qualidade
de vida e prevenir doenças crônicas na vida adulta1,2.
Uma revisão da literatura realizada por Meyer (2018)3 identificou 3 consequências
nutricionais em crianças com alergia alimentar: déficit de crescimento, dificuldades alimenta-
res e deficiência de micronutrientes. Diante destas constatações, o acompanhamento com
nutricionista especializado é fundamental e pode auxiliar a prevenir as consequências nutri-
cionais negativas. Este capítulo tem como objetivo fornecer orientações práticas e alertar
para possíveis práticas inadequadas relacionadas ao tratamento.

3.2 Avaliação nutricional

A avaliação nutricional detalhada é um dos primeiros passos a ser realizado. Esta en-
volve a avaliação antropométrica, da alimentação, dos exames laboratoriais e o exame físico4.
A partir desta avaliação pode-se verificar quais são as intervenções necessárias de acordo
com a idade, condição nutricional e contribuição do leite de vaca na dieta habitual4.
É importante ressaltar que o olhar para a antropometria deve ser para ambos os
desvios nutricionais, magreza e excesso de peso. Em geral, costuma-se considerar que as
crianças com APLV apresentam apenas o risco de desnutrição, entretanto, o excesso de peso
também pode estar presente, muitas vezes por substituições inadequadas na dieta5.

35
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

3.3 O leite de vaca e sua substituição na dieta

A escolha dos substitutos do leite de vaca deve considerar a faixa etária envolvida.
Crianças amamentadas devem ser estimuladas a manter o aleitamento. Este nunca deve ser
suspenso, mesmo na fase de suspeita diagnóstica. Na prática, muitas vezes, vemos condutas
de suspender aleitamento temporariamente para confirmação do diagnóstico. Esta conduta
é totalmente contraindicada, pois os riscos não superam os benefícios. O profissional de
saúde deve estar atento para que a facilidade de acesso para o uso de fórmulas especiais
substitutivas não sejam fatores que impactem negativamente no aleitamento materno6.
Outro ponto importante é que a dieta materna isenta de leite e derivados só deve ser
instituída quando houver sintomas pelo leite materno. Muitas crianças não apresentam reações
quando a mãe consome leite de vaca e derivados e amamenta, mas apresentam reações se
receberem diretamente a proteína do leite de vaca (por exemplo, pela fórmula infantil)7.
Na impossibilidade de aleitamento materno ou diante da necessidade de comple-
mentação, existem fórmulas especiais substitutivas, as quais podem ser à base de proteína
isolada de soja, extensamente hidrolisadas ou à base de aminoácidos. As indicações de uso
consideram aspectos da alergia (manifestações clínicas, segurança, eficiência), idade e as-
pectos nutricionais7. Neste contexto, algumas considerações podem ser realizadas:
Fórmulas à base de proteína isolada de soja: uso recomendado para as formas IgE
mediadas de alergia sem comprometimento do trato gastrintestinal, para maiores de 6 me-
ses. Existem preocupações com aspectos nutricionais, principalmente em relação ao conte-
údo de fitoestrógenos e ao uso de soja transgênica8,9.
Fórmulas extensamente hidrolisadas: uso recomendado como primeira opção para
menores de 6 meses com formas IgE mediadas ou em situações de má evolução com fórmu-
las à base de proteínas isoladas da soja em maiores de 6 meses. Existem opções sem e com
lactose e a escolha desta depende da presença ou não de intolerância à lactose. Atualmente,
a base proteica das fórmulas disponíveis no mercado é a proteína do soro do leite ou de ar-
roz, sendo que existem questionamentos quanto à segurança nutricional do uso de fórmulas
à base de arroz7. Estas são recomendadas como 2ª opção, quando há baixa aceitação ou
não tolerância às fórmulas à base de proteína do soro do leite. As fórmulas extensamente
hidrolisadas possuem alto custo e sabor residual amargo9.
Fórmulas à base de aminoácidos: primeira opção em lactentes com alto risco de rea-
ções anafiláticas (história prévia de anafilaxia e que não estejam em uso regular de fórmulas
extensamente hidrolisadas) ou para aqueles que apresentaram má evolução com fórmulas

36
Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

extensamente hidrolisadas10. Deve-se ter cautela quanto à sua indicação, pois na prática ob-
serva-se o uso abusivo deste tipo de fórmula, sem indicação apropriada. Geralmente é a
fórmula com maior custo e também apresenta palatabilidade ruim9.
O uso de fórmulas para necessidades especiais está indicado até 1 ano de idade,
preferencialmente até os 2 anos. As bebidas vegetais podem ser utilizadas a partir desta idade,
mas não são obrigatórias. A composição varia bastante entre marcas e fonte proteica, portanto,
deve-se atentar para o valor nutricional destas bebidas (energia, macronutrientes e micronu-
trientes) e a lista de ingredientes (por exemplo, conteúdo de açúcar e de aditivos alimentares)9.
Em relação à introdução alimentar, os demais grupos de alimentos devem ser intro-
duzidos normalmente, sem diferenciação em relação às recomendações gerais11. Receitas
podem ser fornecidas e exemplos de esquemas de cardápio, para maior praticidade, varie-
dade e adesão à dieta.
A adequação nutricional pode ser difícil, já que o leite de vaca e seus derivados estão
presentes na alimentação habitual da maioria das pessoas. Sua retirada da dieta pode levar à
monotonia alimentar, bem como ao consumo insuficiente de determinados nutrientes. É im-
portante considerar os nutrientes fontes do leite de vaca e derivados e se alimentos alternativos
estão presentes ou podem ser incluídos na dieta isenta de leite de vaca e derivados12 (Tabela1).

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

Tabela 1. Nutrientes presentes no leite de vaca e fontes alternativas.

Fonte: Adaptado de Groetch e Nowak-Wegrzyn 201312 e IOM, 199713

3.4 Cuidados para prevenção de transgressões à dieta

Orientações detalhadas para a prevenção de transgressões à dieta isenta de leite e


derivados envolvem os cuidados com ambiente de risco e leitura adequada dos rótulos de
produtos industrializados14.
Os principais cuidados em casa e fora de casa estão relacionados à prevenção de
contato cruzado, ao armazenamento, ao preparo e consumo de alimentos. Os utensílios uti-
lizados para o preparo das refeições devem estar bem higienizados, sem resquícios da pro-
teína do leite de vaca. A higiene das mãos também é outro fator fundamental15.
O nível de cuidados deve ser individualizado de acordo com a gravidade das mani-

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

festações clínicas e ao longo do acompanhamento. Deve-se ressaltar que cuidados extremos


como, por exemplo, trocar forno micro-ondas, geladeira e todos os utensílios da casa não
são recomendados. Também não é obrigatório que o alérgeno seja removido por completo
da casa. Cada caso deve ser avaliado individualmente14,15,16.
A leitura adequada dos rótulos de produtos industrializados é fundamental. O pa-
ciente deve ser orientado a reconhecer os termos sinônimos de leite (por exemplo, caseína,
caseinato, proteína do soro) e a procurar as declarações de alerta no rótulo dos produtos (por
exemplo: “alérgicos: contém leite”)7. A liberação de produtos com a inscrição “pode conter”
deve ser individualizada, de acordo com a manifestação clínica e gravidade do quadro14.

3.5 Avaliação de tolerância

A tolerância ao leite de vaca deve ser avaliada regularmente, por meio de teste de
provocação oral. Para as manifestações não IgE medidas, leves a moderadas, a reintrodução
pode ser programada quando a criança completar 9-12 meses de idade e 6 meses de dieta6,
com liberação do leite de vaca na dieta materna (se em aleitamento) ou transição gradual
da fórmula em casa. Nos quadros não IgE mediados e quando a idade for acima de 1 ano, a
introdução de leite pode ser realizada de forma escalonada (“milk ladder”)17.
Para crianças com alergia IgE mediada, pode-se avaliar primeiro a tolerância às pre-
parações assadas com leite (Baked) por meio de teste de provocação oral sob supervisão ao
longo do acompanhamento. Se a criança tolerar, poderá ser liberado o consumo de prepa-
rações assadas com leite12, desde que a família siga as condições descritas na Tabela 2.

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

Tabela 2. Recomendações para a introdução de “baked milk” após resultado negativo


de teste de provocação oral.

Fonte: Adaptado de Robinson et al. 201818 e Groetch et al. 201312, Bird et al. 202019.

É importante que o paciente e a família entendam quais são as preparações per-


mitidas e proibidas, para não colocar a criança em risco de reações. Por exemplo, deve-
-se manter a restrição a preparações cozidas (por exemplo, purê com leite), ingredientes
de recheios e coberturas com leite, gotas de chocolate que foram adicionadas após
assar a preparação, queijos, sorvete, iogurte e leite19. O paciente também não precisa ser
obrigado a consumir alimentos com leite diariamente, pois não perderá a tolerância se
não consumir. Ainda não está claro na literatura se o consumo diário acelera a aquisição
de tolerância total ao leite de vaca20.
Ainda nos casos IgE mediados, quando há suspeita de tolerância total ao leite
de vaca e derivados (independente da forma de preparo), esta deve ser avaliada também
por meio de teste de provocação oral. Este teste deve ser realizado sob supervisão mé-
dica e pode ser aberto, simples-cego ou duplo-cego controlado por placebo. É impor-
tante oferecer uma porção habitual de leite de vaca (em sua menor forma de processa-

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

mento), para garantir que o paciente está tolerante. Após a confirmação da tolerância, é
importante acompanhar a introdução de leite e derivados na dieta habitual, pois muitas
vezes a criança recusa o sabor ou não consegue consumi-los por medo de reações19.

3.6 Considerações finais

O tratamento adequado da APLV e o acompanhamento nutricional é fundamental


para melhorar a adesão, prevenir reações e proporcionar boa evolução nutricional. O papel do
nutricionista é essencial no manejo, pois auxilia as famílias a se adaptarem à rotina do dia a dia.

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Alergia à Proteína do Leite de Vaca: Uma Abordagem Prática / ILSI Brasil

4. DIRETORIA E CCA 2020


Diretoria e Conselho Científico e de Administração do ILSI Brasil
Board of Directors and Board of Trustees - ILSI Brasil

Presidente do Conselho Científico e de Diretoria Executiva


Administração Executive Director
Chair Flavia Franciscato Cozzolino Goldfinger
Franco Lajolo (Fac. de Ciências Farmacêu-
ticas/USP) Conselho Científico e de Administração
Board of Trustees
Vice-Presidente do Conselho Científico
e de Administração Adriana Arisseto (Fac. Eng. Alimentos/UNICAMP)
Vice-Chair Amanda Poldi (Cargill)
Paulo Stringheta (Universidade Fed. de Viçosa) Bernadette Franco (Fac. de Ciências Farma-
cêuticas/USP)
Presidente Executivo Carlos Nogueira-de-Almeida (Universidade
Executive President Federal de São Carlos)
Luiz Henrique Fernandes (Pfizer) Deise M. F. Capalbo (EMBRAPA)
Eduardo Nascimento Silva (Coca-Cola)
Vice-Presidente Executivo Fernanda de Oliveira Martins (Unilever)
Executive Vice-President Felix Reyes (Fac. Eng. Alimentos/UNICAMP)
Amanda Poldi (Cargill) Flavio Zambrone (Inst. Brasileiro de Toxicologia)
Franco Lajolo (Fac. de Ciências Farmacêuticas/USP)
Diretoria Financeira Helio Vannucchi (Fac. de Medicina de Ribei-
Executive Finance rão Preto/USP)
Luiz Henrique Fernandes (Pfizer) João Paulo Fabi (Fac. de Ciências Farmacêu-
ticas/USP)
Diretoria Luiz Henrique Fernandes (Pfizer)
Board of Directors Maria Cecília Toledo (CCFA Brazilian dele-
gation/UNICAMP)
Amanda Poldi (Cargill) Mariela Weingarten Berezovsky (Danone)
Bernadette Franco (Fac. de Ciências Far- Mauro Fisberg (Instituto PENSI e Pediatria
macêuticas /USP) EPM/UNIFESP)
Deise Capalbo (Embrapa) Neuza Hassimotto (Fac. de Ciências Farma-
Fernanda Martins (Unilever) cêuticas/USP)
Helio Vannucchi (Fac. de Medicina de Ri- Paulo Stringheta (Univ. Federal de Viçosa)
beirão Preto/USP) Renata Cassar (Tate & Lyle)
Maria Cecília Toledo (CCFA Brazilian delega- Silvia Maria Franciscato Cozzolino (Fac. de
tion/UNICAMP) Ciências Farmacêuticas /USP)
Mariela Berezovsky (Danone) Taiana Trovão (Mondelez)
Taiana Trovão (Mondelez) Tatiana da Costa Raposo Pires (DSM)
Thaise Mendes – Herbalife

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5. FORÇA-TAREFA NUTRIÇÃO DA CRIANÇA

Histórico e Justificativa
Com atividades iniciadas, em 2011, como um Grupo de Trabalho ligado a For-
ca-Tarefa Nutrição Clínica, a equipe consolidou seus objetivos e metas ate se tornar
uma Forca-Tarefa independente, em 2016. Atualmente, sua atuação é direcionada à
nutrição da gestante e lactente, prosseguindo na Primeira Infância expandida (ate os 5
anos de vida) e, posteriormente, na faixa etária escolar ate o início da adolescência (10
anos), considerando as peculiaridades destes grupos na promoção da saúde.
A proposta e estimular a discussão multidisciplinar neste universo, que envolve
profissionais de diversas especialidades, e contribuir para que a informação isenta e de
qualidade seja ferramenta importante na atualização científica do profissional atuante na
saúde, que envolve o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança,
contribuindo, assim, para a saude e qualidade do capital humano na vida adulta.

Objetivos
• Estimular a discussão de assuntos ligados as necessidades nutricionais de
crianças de 0 a 10 anos, levando conhecimento científico sobre o tema.
• Atuar como facilitador nas trocas de informacoes entre profissionais da area
de saúde, empresas, academia, orgaos cientificos e governamentais.
• Melhoria da qualidade de vida destes grupos populacionais.

Empresas mantenedoras 2020


Reckitt Benckiser
Danone
Piracanjuba
Abbott

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