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Manoella de Souza Soares

A geografia regional – tema central desta obra – tem, historicamente, uma po- GEOGRAFIA REGIONAL
sição central na geografia. Há reflexões que consideram o conceito de região
DO BRASIL

GEOGRAFIA REGIONAL
DO BRASIL
o meio pelo qual a geografia percorreu para se consolidar como uma ciência
moderna. De produto-síntese do conhecimento geográfico a conceito curinga Manoella de Souza Soares
da geografia, a região, como ferramenta analítica, ultrapassa a noção de área e
representa de maneira mais ampla o espaço geográfico.
Aqui, buscamos aproximar você, leitor, desse tema que é ao mesmo tempo
teórico – devido a correntes de pensamento e visões de mundo – e prático, em
razão da concretude das regionalizações, dos planejamentos e ordenamentos
territoriais e representações cartográficas.

Educação

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6391-8

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Geografia Regional
do Brasil

Manoella de Souza Soares

IESDE BRASIL S/A


Curitiba
2018
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S655g Soares, Manoella de Souza


Geografia regional do Brasil / Manoella de Souza Soares. - 1. ed. -
Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018.
184 p. : il. ; 21 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6391-8

1. Brasil - Geografia. 2. Geografia regional. I. Título.


17-46717 CDD: 918.1
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Sumário

Carta ao aluno  |  5

1. O conceito de região  |  7

2. Planejamento regional  |  23

3. O Estado e a escala regional  |  47

4. O IBGE e a regionalização oficial do Brasil  |  65

5. A regionalização do território brasileiro  |  89

6. Divisão regional do Brasil  |  103

7. As regiões brasileiras: caracterização e reflexões  |  121

8. A questão regional para além da regionalização  |  141

Gabarito | 157

Referências | 169
Carta ao aluno

A geografia regional – tema central desta obra – tem histo-


ricamente uma posição central da geografia. Há reflexões que con-
sideram o conceito de região o meio pelo qual a geografia percorreu
para se consolidar como uma ciência moderna. De produto-síntese
do conhecimento geográfico a conceito curinga da geografia, a região,
como ferramenta analítica, ultrapassa a noção de área e representa de
maneira mais ampla o espaço geográfico.
Aqui, buscamos aproximá-lo desse tema que é ao mesmo
tempo teórico – devido a correntes de pensamento e visões de mundo
– e prático, em razão da concretude das regionalizações, dos plane-
jamentos e ordenamentos territoriais e representações cartográficas.
No Capítulo 1, trazemos o conceito de região sob as diferen-
tes abordagens existentes no pensamento geográfico e sua relação
com outros importantes conceitos. Ainda em um caminho teórico,
Geografia Regional do Brasil

apresentamos no Capítulo 2 a região como unidade de escala para o planeja-


mento. Para tanto, utilizamos o método regional como alicerce teórico.
O Capítulo 3 apresenta a interface territorial do conceito de região e dis-
cute a ação da administração pública no planejamento regional, que faz surgir
a noção de poder e do papel do Estado como agente planejador.
Com base no papel desempenhado pelo Estado e nas monografias regio-
nais, o Capítulo 4 discute a importância do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) no desenvolvimento e na difusão de conhecimento. Além
disso, verificamos a proposta oficial de regionalização brasileira empreendida
por esse mesmo órgão.
No Capítulo 5, compreendemos como as regionalizações são desenvol-
vidas e nos apropriamos de ferramentas analíticas, com o objetivo de criar
habilidades para regionalizar na qualidade de futuros geógrafos.
Além do IBGE, a geografia regional brasileira conta com propostas de
importantes autores, como Roberto Lobato Corrêa e Milton Santos. No
Capítulo 6, demonstramos a importância e as diferenças dessas propostas.
A visão de um mosaico, com partes distintas, mas que formam um con-
junto coerente e harmônico é comum na geografia. Com base na classificação
proposta pelo IBGE, apresentamos no Capítulo 7 uma caracterização das
regiões brasileiras. Com isso, ultrapassamos a simples criação de um compi-
lado de dados e almejamos uma reflexão da realidade socioespacial brasileira.
Concluímos esta obra com uma reflexão sobre o potencial do conceito
de região proposto pela geografia cultural – que perpassa questões de plane-
jamento regional e abordagens territoriais – e a visão humanística do espaço
geográfico. Assim, o Capítulo 8, além de apresentar uma proposta de regio-
nalização com base em obras literárias brasileiras, propõe uma provocação:
entender a questão regional para além da regionalização.
Por fim, não concluímos o debate acerca da geografia regional. Pelo con-
trário, buscamos subsidiar você, leitor, com ferramentas analíticas e reflexivas
para atuar como importante agente de transformação, seja como pesquisador,
planejador, cidadão ou professor. Este último, em especial, tem o potencial
de unir todas essas habilidades, principalmente para a formação de crianças
e adolescentes.

– 6 –
1
O conceito de região

O conceito de região é uma das principais ferramentas ana-


líticas da geografia. Sua história está diretamente ligada à formação
da geografia como ciência moderna, sendo considerado por vezes
o próprio saber geográfico. No passado, dominar esse conceito era
dominar o conhecimento geográfico. Sua posição central em dis-
cussões da geografia fez com que sua interpretação fosse modificada
ao longo dos séculos. Desse modo, neste capítulo não apresentamos
uma definição fechada e acabada do que significa região, mas sim
uma reflexão sobre esse conceito ainda tão presente em trabalhos e
no discurso da geografia.

1.1 A região na história do


pensamento geográfico
O uso de um termo que busque explicar eventos ou fenô-
menos da realidade reflete o momento histórico e os personagens
envolvidos na geração desse conhecimento – e com o conceito de
Geografia Regional do Brasil

região não poderia ser diferente. Assim, no decorrer desta seção vamos conhe-
cer a origem desse conceito e como ele foi modificado.
No Império Romano, o termo região emergiu como um conceito impor-
tante. Originado do latim regere, estava relacionado, além das noções de loca-
lização e extensão, à centralização do poder em uma porção do espaço de alta
diversidade social, cultural e espacial.
No auge de suas conquistas, o Império Romano foi um exemplo per-
feito do surgimento do poder centralizado e, com isso, das complexas rela-
ções entre o poder político e administrativo, áreas sujeitas a essa hegemonia.
Com seu declínio, houve a fragmentação de seu território. Assim, as antigas
regiones foram subdivididas e deram forma ao poder autônomo dos feudos,
que predominaram na Idade Média.
Mapa 1 – Divisão do Império Romano em regiões no ano 117 d. C.
CALEDÔNIA MAR
GERMÂNICO
HIBÉRNIA Eboraco

Deva

BRITÂNIA
Londínio

MAGNA
OCEANO GERMÂNIA
INFERIOR Colônia
Agripina GERMÂNIA
BÉLGICA
Lutécia Augusta
Treveroro
1. ALPES PENINOS
2. ALPES COTIOS
LUGDUNENSE
GERMÂNIA
Augusta
Vindelicoro Vindobona
SARMÁTIA
SUPERIOR
3. ALPES MARÍTIMOS Limono Lauriaco
RÉTIA Aquinco
AQUITÂNIA Lungduno NÓRICA PANÔNIA
SUPERIOR
Napoca REINO DO
Ólbia
Burdigala Mediolano BÓSFORO
Aquileia Apulo
PANÔNIA
INFERIOR
DÁCIA IBÉRIA
NARBONENSE Cremona MÉSIA
Sarmisegetusa
Massília DALMÁCIA INFERIOR
Salamântica César Augusta Narbo Márcio
Naisso
Tomis
PONTO EUXINO
LUSITÂNIA TARRACONENSE ITÁLIA Salona Durostoro
Trapezo ARMÊNIA
Toleto CÓRSEGA MÉSIA
Emerita Augusta Tarraco SUPERIOR Filípolis
BITÍNIA E Artaxata
Aléria PONTO
Itálica Nápoles
TRÁCIA Bizâncio CAPADÓCIA
Dirráquio
MACEDÔNIA GALÁCIA
Córduba
SARDENHA Tessalônica
Gades
BÉTICA ÉPIRO Niceia Ancira ASSÍRIA
Nova Cartago Tarento
Butroto Cesareia IMPÉRIO
Caralis ACAIA ÁSIA
Edessa
PARTO
Panormo Nisibis
Cesareia Éfeso
Tingi CILÍCIA
Útica Antioquia MESOPOTÂMIA
MAURITÂNIA MAURITÂNIA SICÍLIA Corinto Atenas Mileto
Tarso
TINGITANA
Cartago
Siracusa LÍCIA E SÍRIA
CESARIENSE Cirta
ÁFRICA PANFÍLIA Ctesifonte
Tarso
CHIPRE Salamis

PROCONSULAR Mare Nostrum CRETA


Babilônia

GETÚLIA Tiro

E JUDEIA
Léptis Magna Jerusalém

Províncias senatoriais Cirene


Alexandria
ARÁBIA
Petra
CIRENAICA ARÁBIA
Províncias imperiais FAZÂNIA Mênfis
PÉTREA

Estados clientes
EGITO

Fonte: Andrei Nacu/Wikimedia Commons.


Contudo, as questões sobre essa noção persistiram e não desaparece-
ram com o tempo. Assim, desde o surgimento desse conceito, é possível
– 8 –
O conceito de região

estabelecer relações entre a sua etimologia e a noção de um espaço delimitado


e organizado por um governo local. Percebe-se que sua origem é relacionada
à necessidade de um momento histórico, cuja principal característica era a
centralização do poder (GOMES, 1995).
Com a formação dos Estados modernos, novamente surgiu a necessi-
dade de relacionar o poder centralizado às diversas unidades administravas.
Assim, a mesma questão da Antiguidade Clássica ressurgiu. Gomes (1995)
elenca três importantes consequências da origem do conceito de região nesse
contexto. A primeira se deu na esfera do debate político sobre a formação
e dinâmica do Estado, por meio da organização cultural e da diversidade
espacial das unidades administrativas. A segunda consistiu no modo como
a região representava, nesse momento, as projeções de soberania, direito e
autonomia e atribuía um componente espacial inquestionável ao conceito.
Por fim, a terceira consequência acarretou a eminência da formação da geo-
grafia como ciência moderna, tornando a região um de seus conceitos-chave.
Na linguagem cotidiana do senso comum, podemos verificar a palavra
região em expressões vagas, incertas, em que não existe a necessidade de esta-
belecer um limite para sua abrangência. Nesse sentido, reflexões são deixadas
de lado, apenas um impulso momentâneo indica as diretrizes de sua utilização.
Assim, os princípios de localização e de extensão são os únicos condicionantes
do emprego da palavra. Não há uma especificação, fato que impossibilita o
discernimento na diferenciação entre região, local, espaço e território, por vezes
tratados como a sinônimos.
Na metade do século XIX, as ciências passaram por um momento de con-
solidação. Com base nas ideias de Immanuel Kant (1724-1804), segundo o
qual o conhecimento verdadeiro seria aquele verificável e seu princípio básico
seria a causalidade, vários estudiosos qualificaram os métodos e os objetivos de
suas respectivas ciências. No caso da geografia, Karl Ritter (1779-1859) foi o
responsável por essa consolidação. Por meio de sua obra Geografia comparada,
os objetivos e os métodos geográficos tornaram-se mais concisos. Nesse con-
texto, a região estava fortemente relacionada com a discussão das influências
do meio natural na sociedade, uma corrente que se baseava em um domínio
do ambiente sobre a orientação do desenvolvimento social.
– 9 –
Geografia Regional do Brasil

Foi também nesse momento que surgiram dois importantes autores


da geografia moderna: Friedrich Ratzel (1844-1904), com o conceito de
espaço vital – por vezes interpretado, de maneira equívoca, como sinônimo
de região –; e Paul Vidal De La Blache (1845-1918), com o conceito de
região natural, discutido em sua obra Tableau de la géographie de la France
(1903). Em ambos os autores, o ambiente atua como limitante na conti-
nuidade regional. E apenas pelos meios técnicos o homem poderia superar
as barreiras do ambiente. A vida social seria construída pela possibilidade
do homem de atuar como agente de organização espacial das sociedades.
No entanto, os pontos de vista desses dois autores eram opostos. Ratzel
era rotulado como determinista, enquanto Vidal de La Blache era conside-
rado possibilista. Na perspectiva possibilista, a região seria o produto das ati-
vidades humanas sobre o ambiente físico. Entretanto, o nome possibilismo foi
dado por Lucien Febvre (1878-1956), como verificamos no texto de Mercier
(2009, p. 7):
Tal oposição provém, em larga medida, do comentário partidário de
Lucien Febvre (1922) que, para melhor condenar os presumidos erros
de Ratzel, caricaturou seu pensamento confinando-o a algumas sen-
tenças lapidares revestidas sob o pejorativo título de “determinismo”.
Inversamente, para garantir o triunfo de Vidal sobre Ratzel, atribui ao
francês a paternidade de uma doutrina – o “possibilismo” – cuja prin-
cipal qualidade era, justamente, invalidar o falacioso determinismo.

A categoria de região natural – que representava um produto, uma por-


ção do espaço delimitada por aspectos relacionados à geografia física, com
forte influência da geologia –, ajudou na delimitação das regiões por bacias
hidrográficas, consideradas demarcadores naturais (CLAVAL, 1976).
Uma das construções práticas e teóricas que permanecem até hoje sobre
essa categoria foi postulada por Andrew John Herbertson (1865-1915). Em
sua proposta de regionalização da Terra, ele a dividiu em: polar, temperada
fria, temperada quente, tropical, montanhosa subtropical, terras baixas e
úmidas equatoriais. O IBGE, fortemente influenciado por essa noção, deli-
mitou as macrorregiões naturais também desse modo. Trabalharemos mais
sobre essa questão nos próximos capítulos.
Com a emergência do pensamento possibilista, o conceito de região pas-
sou a ser trabalhado como região humana, e com a escola francesa, o gênero
– 10 –
O conceito de região

vida passou a fazer parte dos conceitos vinculados à região. Essa seria uma
região de enfoque cultural, mas que teria como subsídio a base física e natu-
ral, elevada pela ação do homem em sua organização por meio da técnica.
Nesse sentido, região e paisagem por vezes se tornam sinônimos. Essa união
de aspectos físicos e humanos a fazem um produto e ao mesmo tempo uma
síntese do saber geográfico. Desse modo, surgiu então a região geográfica:
A região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial,
onde se entrelaçam de modo harmonioso componentes humanos e
natureza. A ideia de harmonia, de equilíbrio, evidente analogia orga-
nicista que Vidal de La Blache adota, constitui o resultado de um
longo processo de evolução, de maturação da região, onde muitas
obras do homem fixaram-se, ao mesmo tempo com grande força de
permanência e incorporadas sem contradições ao quadro final da ação
humana sobre a natureza. (CORRÊA, 2000, p. 28)

A região geográfica passou a ser o produto-síntese da geografia, que conden-


saria as ações transformadoras da sociedade sobre o ambiente. Podemos observar
que apesar da mudança de enfoque, o conceito de região ainda é considerado um
produto, uma realidade concreta e física. Assim, o papel da geografia não estava
necessariamente na delimitação de regiões, mas sim na busca de uma personali-
dade, uma assinatura que a diferenciasse das demais e a tornasse particular.
Vidal de La Blache (1921) ressurgiu como expoente quando afirmou
que apenas a descrição do espaço permitiria compreender a complexa estru-
tura dinâmica do espaço. Nesse período, a criação de monografias regionais
foram um dos principais objetivos da geografia. Eram quase como receitas
de bolo, que iniciavam com a descrição das características físicas (como geo-
logia, vegetação e clima), passavam pela descrição estatística da população e,
por fim, suas atividades econômicas. Para tal, o trabalho de campo se tornou
parte fundamental, tanto para aproximação do pesquisador na área quanto
para o levantamento detalhado de informações para essas monografias.
Essas características de estudo ficaram conhecidas como Escola Francesa
de Geografia, que permaneceu no auge do cenário acadêmico europeu por cerca
de 50 anos e foi amplamente incorporada por outros países, entre eles o Brasil.
No método regional, trabalhado especialmente por Hartshorne (1978,
p. 138), “a região é uma área de localização específica, de certo modo distinta
de outras áreas, estendendo-se até onde alcance essa distinção”. Hartshorne foi
– 11 –
Geografia Regional do Brasil

discípulo de Hettner, um dos mais importantes geógrafos alemães do século


XX. Sua geografia foi marcada por uma forma corológica1, que ultrapassou os
antigos sistemas ideográficos (baseados em particularidades e descrições sem
abstrações) e nomotético (com base em leis e normas generalistas). Lencioni
(1999, p. 189) destaca:
Para Hettner a geografia não seria nem ideográfica nem nomotética.
Era ambas. A essência da geografia estaria no estudo das diferencia-
ções da superfície terrestre. Assim afirmou a vertente corológica da
disciplina geográfica, ou seja, o estudo regional. A região não era
autoevidente. Os limites regionais são consequentes de um exercício
intelectual, uma construção intelectual do observador.
A revolução teorética-quantitativa da década de 1950, conhecida tam-
bém como nova geografia, impôs uma lógica matemática e formal às ciências
sociais – entre elas a geografia. Nessa transição (da geografia como ciência),
a região deixou de ser um produto-síntese para um meio e uma maneira de
demonstrar hipóteses. Regionalizar se tornou um método de dividir o espaço
com base em critérios, hipóteses e teorias previamente estabelecidas e orien-
tadas pelas indicações de cada pesquisador (GRIGG, 1967). Para Corrêa
(1986, p. 32), região tornou-se “um conjunto de lugares onde as diferenças
internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer
elemento de outro conjunto de lugares”.
Desse modo, na análise regional, a região passou a ser uma classe espa-
cial, cuja delimitação se deu pela classificação por critérios e variáveis arbitrá-
rias estabelecidas pela retórica científica. Por vezes ela era limitada a métodos
e técnicas estatísticas descritivas, o que tornava o uso de planilhas, cartogra-
mas e pesquisas em gabinete mais importantes do que o trabalho de campo.
Ao contrário do paradigma possibilista e da geografia hartshorniana,
a nova procura leis ou regularidades empíricas sob a forma de padrões
espaciais. O emprego de técnicas estatísticas, dotadas de maior ou
menor grau de sofisticação – média, desvio-padrão, coeficiente de
correlação, análise fatorial, cadeia de Markov etc. –, a utilização da
geometria, exemplificada com a teoria dos grafos, o uso de modelos
normativos, a adoção de certas analogias com as ciências da natureza e
o emprego de princípios da economia burguesa caracterizam o arsenal
de regras e princípios adotados por ela. (CORRÊA, 2000, p. 18)

1 De corologia: estudo da distribuição geográfica dos seres vivos.


– 12 –
O conceito de região

Foi nesse momento que surgiram importantes autores, como Walter


Christaller (1893-1969) e sua teoria das localidades centrais, John Friedmann
(1926-2017) com a teoria do centro-periferia e François Perroux (1903-
-1987) com a Teoria dos Polos de Crescimento.
Foi nessa perspectiva que surgiu o termo regiões homogêneas. Essas eram
subdivididas em regiões funcionais (relacionadas ao dinamismo do espaço e
seus diversos fluxos, diretamente relacionadas à noção de rede) e tinham carac-
terísticas fixas e homogêneas determinadas estatisticamente, especialmente para
fins de planejamento territorial e compreensão do uso e ocupação do solo.
E foi com base nas regiões funcionais que foi criada a escola geográfica
das regiões polarizadas. Essa escola considerava a cidade como o comando de
organização do espaço e tinha Pierre George (1909-2006) como um impor-
tante teórico (GOMES, 1995). As regiões polarizadas valorizavam a vida eco-
nômica das cidades e buscavam estabelecer organizações espaciais embasadas
em teorias macroeconômicas de inspiração neoclássica, especialmente na obra
de Perroux2.
Em contraposição a esse movimento, surgiu a geografia crítica ou radical,
especialmente após os anos 1970, quando o materialismo histórico-dialético
adentrou as Ciências Humanas. Para essa vertente, as regiões polarizadas natu-
ralizavam o capitalismo e causavam a desigualdade também na esfera espacial.
Assim, o espaço seria diferenciado devido à divisão territorial do trabalho e
o processo de acumulação de capital. No Brasil, Milton Santos (1926-2001)
trouxe à tona a ideia de região como uma totalidade socioespacial, em que
as sociedades produziriam seus espaços de maneira dialética, influenciando e
sendo influenciados ao mesmo tempo pelo espaço. De acordo com o teórico,
“a região é, pois, nesta perspectiva a síntese concreta e histórica desta instân-
cia espacial ontológica dos processos sociais, produto e meio de produção e
reprodução de toda a vida social” (SANTOS apud GOMES, 1995, p. 66).
Para a geografia crítica, a região é não é apenas o resultado das diferentes
formas de reprodução do capitalismo na sociedade e no espaço, mas também
elucida o papel político da análise regional. Nas palavras de Corrêa (1986,
p. 45), ela é “o resultado da lei do desenvolvimento desigual e combinado,
2 Como mencionamos anteriormente, Perroux apresentou a teoria dos polos de crescimento,
cujas prerrogativas principais consistiam na interdependência e na desigualdade.
– 13 –
Geografia Regional do Brasil

caracterizada pela sua inserção na divisão nacional e internacional do trabalho


e pela associação de relações de produção distintas”.
Contrária à geografia crítica, temos a geografia humanística e a geografia
cultural. Essas linhas concebem a região novamente como um produto. Elas
existem tanto como um quadro de referência na consciência coletiva da socie-
dade quanto definidoras de um código social comum com base no território.
Para os humanistas, a região deve ser vivida, e, com base nessa concepção, os
trabalhos em campo voltaram à cena acadêmica com força. Isso fica claro na
obra A região, espaço vivido, de Armand Frémont (1976).
A geografia humanística buscava uma visão holística para a conceituação
e o enriquecimento da organização espacial, logo, também para o conceito de
região. Essa vertente tentou definir esse conceito pela sua multi-interpretação,
ou seja, tentou explicá-lo de modo subjetivo, embasado na avaliação da iden-
tidade de determinado grupo social e sua espacialidade, o que ocasionou uma
alta dependência da fenomenologia3.
A geografia cultural – de caráter mais filosófico e com concepções de gênero
de vida e paisagem – baseou-se no estudo de paisagem. Nessa vertente, o conceito
de região assumiu outra interpretação, como um somatório de inter-relações,
comportamentos, decisões, apreensões e valorações. Com isso, esse conceito é
caracterizado como intersubjetivo, uma vez que possui um código próprio (e por
isso não pode ter um único modelo regional), que ultrapassa o pessoal e recebe
sentido coletivo. A cultura é fundamental para a interpretação desse espaço.
Como alternativa à geografia crítica, temos a geografia do poder, que con-
tou com as contribuições de Michel Foucault (1926-1984) e têm nomes como
Yves Lacoste (1929-), Paul Claval (1932-) e Claude Raffestin (1936-). Esses
teóricos pensam na construção de redes de poder e políticas que transformam
o espaço e constroem conexões regionais. Essas conexões não se explicariam
apenas por relações econômicas, mas também pelas relações de poder, centrali-
zadas no papel do Estado ou em tramas mais sutis, como o poder exercido por
milícias e/ou grupos de poder político e sociedades organizadas. Especialmente
na obra de Lacoste, a região adquire um papel político e demonstra as contra-
dições do Estado-nação. Em suas palavras:
3 Para a fenomenologia, é por meio de suas experiências vividas que os indivíduos são capazes
de compreender o objeto.
– 14 –
O conceito de região

Enquanto seria politicamente mais sadio e mais eficaz considerar a


região como uma forma espacial de organização política (etimologi-
camente, região vem de regere, isto é, dominar, reger), os geógrafos
acreditam na ideia de que a região é um dado quase eterno, produto
da geologia e da história. Os geógrafos, de algum modo, acabaram
por naturalizar a ideias de região. [...] eles utilizam a noção de região,
que é fundamentalmente política, para designar todas as espécies de
conjuntos espaciais. (LACOSTE, 2005, p. 36)

Nos próximos capítulos, veremos como a geografia do poder e a região


como ação política – seja no ato de planejar, ou seja, no ato de regionalizar –
estão presentes na atual geografia regional. Esses conceitos serão trabalhados
com foco em nossa formação como pesquisadores dessa disciplina.

1.2 Construindo um quadro-síntese


No item anterior, observamos que o conceito de região foi ressignificado
em diversos momentos. Ele sempre foi um tópico central das discussões geo-
gráficas e sofreu modificações de aporte teórico e metodológico. Porém, de
modo geral, os estudos relacionados a esse conceito tinham como premissa o
fenômeno espacial, que refletia as maneiras como as sociedades organizavam
e materializavam suas relações sociais e com o meio natural.
Nesse sentido, nossa intenção não é criar uma forma reducionista ou
linear de compreender essa concepção ou estabelecer juízos de valor sobre
as diferentes abordagens. Nosso objetivo é, com base em um quadro-síntese,
evidenciar os aspectos mais relevantes sobre esse conceito na geografia. Esta
seção visa justamente corroborar o conceito de região no qual novas e anti-
gas definições coexistam e atribuam novos significados constantemente para
construir um abrangente e complexo cenário científico para a geografia.
Nas discussões sobre as definições de região natural e região geográfica,
está em evidência o modo como a diversidade social é interpretada e sua
relação com o meio natural. Assim, a importância dada às condições naturais
na organização das sociedades e na sua espacialização dominam o discurso da
delimitação da região. Nesse momento, a geografia se reafirma como a ciência
responsável por refletir a relação homem-natureza, mesmo com variações de
elementos na formulação de fenômenos espaciais. Sua análise busca relacio-
nar esses elementos em um mesmo quadro analítico.
– 15 –
Geografia Regional do Brasil

Especialmente após a década de 1950, houve discordâncias em conside-


rar elementos humanos e físicos como conjuntos estruturantes do espaço geo-
gráfico (GOUROU, 1973) e a região deixa de assumir seu papel de síntese.
Gomes (1995, p. 69) resume esse processo:
Em outras palavras, a lógica que preside a divisão regional sob o
ângulo de uma ordem natural não pode ser enxertada à ordem social
e vice-versa, o que resulta em uma renúncia da geografia moderna em
ver a região como um objeto sintético que poderia resolver o velho
problema dicotômico entre a geografia física e a geografia humana.

Outro modificador do conceito de região é a compreensão de ciência.


Como consequência dessa modificação, está o importante debate entre geo-
grafia geral ou sistemática e geografia regional, que é o foco de nosso livro.
A Geografia geral, baseada na concepção de ciência geral4, vê a região
como um resultado obtido por meio de um sistema explicativo e critérios
analíticos de extensão espacial (GRIGG, 1967). Ela é fundamentada em um
modelo sintético de ciência do singular, no qual uma categoria é embasada
em um determinado fenômeno. Para a geografia geral, esse fenômeno não
pode ser desmembrado e sua totalidade deve ser compreendida como caso
concreto. Nessa perspectiva, a região é uma realidade autoevidente e sua deli-
mitação está ligada a um quadro de referência que não é necessariamente
lógico, mas sim relacionado ao sentimento de pertencimento e de identidade
(FREMONT, 1976). Gomes (1995) exemplifica muito bem essa relação:
Existem pois duas abordagens diferentes da realidade geográfica,
uma que se aproxima da ecologia e, consequentemente, incorpora
antes de mais nada os dados das ciências naturais e da sociologia; a
outra está ligada sobretudo ao funcionamento do espaço territorial e
dá destaque aos dados da economia política [...] Longe de excluírem
uma a outra, estas duas abordagens se esclarecem mutuamente, mas
somente a segunda permitirá talvez ultrapassar a enfermidade congê-
nita da geografia: sua inaptidão para a generalização. (JUILLARD,
1974 apud GOMES, 1995, p. 70)

Por fim, ainda podemos compreender esse conceito à luz de sua uniformi-
dade ou sua capacidade de mutação. Assim, região pode ser um fenômeno espa-
cial – derivado da classificação, uniformidade e hierarquização de um sistema
4 O objetivo dessa concepção é alcançar leis gerais e conceitos abstratos e generalistas de uma
realidade sistemática.
– 16 –
O conceito de região

espacial submetido às mesmas variáveis – ou uma relativização de variáveis que


pertencem a dado fenômeno e atribuem um caráter demonstrativo.
Embora tenham ocorrido todas essas transformações, o conceito de região
e a regionalização ainda representam em si o sentido do saber geográfico. Como
diz Haesbaert (1999), esse conceito permite à geografia se aproximar de sua maior
vocação: de realizar sínteses baseadas na realidade espacial, nas quais a relação socie-
dade-natureza se representa nas mais complexas materializações. Ser capaz de se
apropriar dessa concepção e de suas possibilidades teórico-metodológicas é essencial
para o geógrafo. A Figura a seguir demostra nossa síntese do conceito de região.
Figura 1 – Quadro-síntese do conceito de região.
Região

Regionalizar
Origem do termo
Análise regional
• Império Romano
• Região homogênea
• Idade Média
• Região funcional
• Criação dos Estados-modernos
• Região polarizada
• Senso comum
• Poder centralizado e diversidade Geografia crítica ou radical
social, cultural e espacial
• Relação com a definição da Antigui- • Método histórico dialético
dade – localização e extensão • Totalidade socioespacial

Geografia como ciência Geografia humanística e cultural


• Relação homem-natureza Fenomenologia
• Região natural x região geográfica • Espaço vivido
• Pertencimento e identificação
Escola Francesa
Método regional
Geografia do poder
• Monografias regionais
• Trabalho de campo • Estado-nação
• Relações de poder multiescalares
Região como produto-síntese
Contemporaneidade

Escola Americana • Globalização


• Global/local na noção de região
• Revolução teorética quantitativa

Fonte: Elaborado pela autora.


– 17 –
Geografia Regional do Brasil

1.3 A região na contemporaneidade


Com o desenvolvimento do sistema capitalista e especialmente o pro-
cesso de globalização, houve autores que levantaram a possibilidade de
“morte“ do conceito de região. A homogeneização e a uniformidade dos espa-
ços e das relações sociais ocasionadas pela globalização marcariam o fim desse
conceito (LIPIETZ, 1977). Com base nesse ponto de vista, os movimentos
regionais seriam instâncias de resistência a esse processo.
No entanto, uma outra vertente indicaria justamente o contrário. A região,
por meio da globalização, poderia emergir como escala para a interpretação de
conflitos e problemas na relação global/local. Segundo Santos (1999), a com-
plexidade pertinente à região na contemporaneidade é única e parte inerente
dos processos de globalização e fragmentação de maneira concomitante. Sobre
essa dualidade, Santos ainda destacou: “não pensamos que a região haja desapa-
recido. O que esmaeceu foi a nossa capacidade de reinterpretar e de reconhecer
o espaço em suas divisões e recortes atuais, desafiando-nos a exercer plenamente
aquela tarefa permanente dos intelectuais, isto é, a atualização dos conceitos”
(1994, p. 102).
Desse modo, em uma perspectiva ampliada, o conceito de região pode se
dar pela complexa rede de fenômenos multiescalares, isto é, que ultrapassam
uma única escala geográfica do mundo contemporâneo. Seu resgate e sua
ressignificação, com a ideia de região rede5, podem ser estabelecidos por meio
das relações sociais e do modo de produção capitalista. Além disso, o con-
ceito pode perpassar as construções simbólicas de identidade regional, criar
teias de relações espacialmente expressas e chegar até a necessidade do uso
de região natural e regionalizações baseadas em aspectos físicos da paisagem
(NOBREGA, 2015).
Desse modo, essa concepção passa a ser fenômeno espacial da realidade,
mas que existe como fenômeno geográfico. Assim, assume-se, concomitan-
temente, uma dualidade em seu uso como ferramenta analítica da geografia,
no aspecto concreto de território, na questão escalar, na pós-modernidade e
na fenomenologia.

5 Noção de fluxos e inter-relações do conceito de rede, apropriado para a análise de região.

– 18 –
O conceito de região

Sem nos limitarmos, mas pensando em bases para as reflexões propos-


tas nesta obra, nos principais estudos de geografia regional da atualidade e,
especialmente, no enfoque aqui dado em relação à divisão regional brasileira
e ao planejamento regional, ainda podemos buscar um caminho teórico. Para
Gomes (1995, p. 73),
De qualquer forma, se a região é um conceito que funda uma refle-
xão política de base territorial, se ela coloca em jogo comunidades de
interesse identificadas a uma certa área e, finalmente, se ela é sempre
uma discussão entre os limites da autonomia face a um poder central,
parece que estes elementos devem fazer parte dessa nova definição em
lugar de assumirmos de imediato uma solidariedade total com o senso
comum que, neste caso da região, pode obscurecer um dado essencial:
o fundamento político, de controle e gestão de um território.

Assim, a materialidade desse conceito é relevada por mecanismos mais


flexíveis e ele deixa de estar vinculado diretamente, por exemplo, à continui-
dade espacial, estabelecendo relações com ajustes nas escalas global e local no
contexto de globalização.

Conclusão
Podemos finalizar nossa discussão sobre esse assunto? Temos uma defi-
nição estabelecida do que é hoje o conceito de região na geografia? Esperamos
que não. Esperamos também que isso não seja um problema. Entender que a
definição de um conceito é cíclica e contextualizada; é a principal mensagem
que deve ser compreendida aqui.
A problemática de pesquisa, as transformações na sociedade e no espaço,
os avanços teóricos e metodológicos modificaram, modificam e continua-
rão modificando nossas ferramentas analíticas. E não podemos esperar outra
coisa do conceito de região. De qualquer forma, isso não significa que qual-
quer explicação é suficiente para compreendê-lo, senão corremos o risco de
fortalecer seu uso no senso comum, ou utilizá-lo de maneira inadequada.
Assim, é sempre importante deixar claro qual é a vertente em que determi-
nado autor embasa sua definição e, especialmente, para qual finalidade você
utilizará esse conceito em uma análise.

– 19 –
Geografia Regional do Brasil

Este foi um capítulo teórico e introdutório de nosso livro. Nos próxi-


mos, veremos outros conceitos e métodos relacionados à geografia regional
brasileira, com mais exemplos práticos e possibilidades de linhas de pesquisa.

Ampliando seus conhecimentos


Sempre que possível, devemos ler também os autores aqui trabalhados.
Para pensarmos melhor o conceito de região, sugerimos a leitura do artigo
“Região, diversidade territorial e globalização”, de Rogério Haesbaert, pro-
fessor da Universidade Federal Fluminense. Disponibilizamos a seguir um
trecho do texto em questão.

Região, diversidade territorial e


­g lobalização
(HAESBAERT, 1999, p. 32-33)

[...]
A região enquanto conceito, na interação sujeito-objeto, não
pode cair nem na visão de região como algo autoevidente a ser
“descoberto” (seja como realidade “natural”, seja como “algo
vivo percebido pelos homens”) nem como simples recorte
apriorístico, definido pelo pesquisador com base unicamente
nos objetivos de seu trabalho. Assumimos aqui a posição, já
comentada, da região enquanto conceito, veículo de inter-
pretação do real, e regionalização enquanto instrumento de
investigação, de forma análoga ao método de periodização
dos historiadores.
Região, enquanto conceito, não deve, entretanto, ser vista
como uma simples ideia lançada pelo geógrafo como uma
rede produzida na e para a sua teoria regional. Esta “rede”
apreende características efetivamente existentes. A região
não é apenas uma construção intelectual, ela também é
– 20 –
O conceito de região

efetivamente construída pela atividade humana (SMITH,


1988), em sua constante produção da diversidade territorial.
Se o conceito, enquanto ideia mais elaborada e geral que
temos sobre o mundo, nunca esgota o entendimento da
realidade e muito menos a substitui, ele também participa
dela, na medida em que sua construção acaba sempre inter-
ferindo não só na nossa leitura como também na nossa ação
sobre o mundo.
A questão principal será sempre a de perceber quais são os
agentes e os processos que devem ser priorizados para enten-
der as razões da diferenciação espacial e, somente a partir daí
qual a escala em que ela se manifesta com maior clareza (ou
coerência). [...]

Atividades
1. Quando pensamos na história do pensamento geográfico e na definição
do conceito de região, pode nos vir à mente momentos históricos e
espacialidades que influenciaram ressignificações. Essas transformações
são discutidas por vários teóricos, considerados representantes de diver-
sas vertentes. Mais do que apenas listá-los, relacione a definição do con-
ceito de geografia com a temporalidade e espacialidade de seus estudos.

2. Podemos dizer que diversos agentes influenciaram a transformação


do conceito de região. Alguns desses são diretamente relacionados
à ciência geográfica, outros são vinculados às novas formulações das
ciências. Reflita sobre esses aspectos e escreva os principais eventos e
teorias que proporcionaram essas mudanças de paradigmas.

3. O conceito de território é uma ferramenta analítica da geografia, o qual


busca compreender as relações de poder que configuram e reconfigu-
ram as organizações espaciais. Apesar do conceito de região – especial-
– 21 –
Geografia Regional do Brasil

mente na contemporaneidade – ser influenciado pelas relações de po-


der e o ato de regionalizar ser uma ação política, tratam-se de conceitos
distintos. O que diferencia esses conceitos? Com base nesse princípio,
como o conceito de região auxiliaria na compreensão da realidade?

4. A globalização é fundamental para compreender as configurações do


espaço geográfico, que é o objeto da geografia. Desse modo, escreva
como esse processo pode ser entendido quando relacionado ao con-
ceito de região.

– 22 –
2
Planejamento regional

Como vimos no primeiro capítulo, o ato de regionalizar é em


si um ato político que evidencia, sobretudo do ponto de vista territo-
rial e do Estado, como a representação no espaço se dá por meio das
relações de poder. Assim, neste capítulo sustentamos que o planeja-
mento e o desenvolvimento econômico são idealizados e realizados
na escala regional, principalmente em economias emergentes e peri-
féricas, como é o caso do Brasil. Além de relacionarmos conceitos,
fazemos um breve levantamento histórico do planejamento regio-
nal brasileiro. Por fim, abordamos também a influência do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é
até hoje o principal órgão de referência para o planejamento regional
no Brasil.

2.1 A região como escala


de planejamento
O planejamento é a ação de planejar, de estabelecer metas
e diretrizes que pretendem manter ou modificar as ações sobre
Geografia Regional do Brasil

uma determinada situação. Quando referimo-nos ao planejamento regional,


mais do que uma delimitação de escala (nesse caso a região), referimos-nos a
um planejamento econômico e territorial, especialmente no caso do Brasil,
de base capitalista. Assim, é interessante relembrarmos de qual conceito de
região estamos nos referindo. Como já vimos, esse conceito pode ser apren-
dido e utilizado de diferentes maneiras. Aqui, ele será trabalhado com base
na definição de Gomes (1995), que relaciona a região a aspectos sociais, de
fundamentação política, de controle e gestão de um território.
Podemos dizer que o planejamento regional pode ser entendido de duas
maneiras. A primeira se dá quando esse planejamento objetiva o desenvolvi-
mento ligado ao capital. Para atingir essa finalidade, suas ações são focadas na
redução de incertezas do processo capitalista em determinada área do espaço.
Assim, essa ação estará centrada na diminuição das disparidades causadas pelo
desenvolvimento econômico na distribuição espacial dos polos econômicos.
A segunda possibilidade ocorre quando o planejamento regional busca garan-
tir interesses ligados às populações afetadas por ele. Nesse caso, haverá um
enfoque no controle do capital e no modo de extração de recursos da natu-
reza, além de aspectos sociais e econômicos da população (THEIS, 2016).
Segundo Bomfim (2007), a geografia como ciência adotou de maneira
ampla diversas bases teóricas para refletir o ato de planejar o espaço. Nessa
perspectiva, a região se aproximaria de uma área programada, na qual a divi-
são teria como premissa a maximização da eficiência de um programa de
desenvolvimento territorial. Para tanto, a regionalização seria parte desse pro-
cesso, no qual suas delimitações estariam fortemente relacionadas às inten-
ções e pretensões do planejamento regional.
A expressão planejamento regional surgiu com o urbanista irlandês Patrick
Geddes (1854-1932). Com forte influência da definição de região estabele-
cida por Vidal de La Blache, as monografias regionais e seus levantamentos
sobre a região natural deram subsídios para a compreensão e elaboração de
metas de desenvolvimento do espaço. Entretanto, a primeira experiência de
planejamento regional teve origem nos Estados Unidos, como parte do pro-
grama New Deal durante o governo Roosevelt1. Esse programa tinha como

1 Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) foi presidente dos Estados Unidos de 1933 até sua
morte, em 1945.
– 24 –
Planejamento regional

objetivo a recuperação da economia norte-americana após a crise de 1929.


Para tanto, foram adotadas medidas de combate ao desemprego, recuperação
da agricultura por meio da criação de agências de crédito e fomento para agri-
cultores, controle de preços para impulsionar a indústria, além de legislações
que controlassem de maneira enfática o setor financeiro e tributário.
O vale do Rio Tennessee (afluente dos rios Ohio e Mississipi), que tinha
sua economia voltada para agricultura, era considerada umas regiões menos
industrializadas dos EUA na década de 1930. Para suprir essa questão, foi
criada a Tennessee Valley Autorithy (TVA), uma autarquia de planejamento
econômico e territorial que existe até hoje. Baseada em uma política econô-
mica do keynesianismo2, foram realizadas nesse rio obras de navegabilidade,
usinas hidrelétricas, pontes e rodovias, bem como o gerenciamento de recur-
sos hídricos e o desenvolvimento de energia nuclear. A TVA não influenciou
apenas o modo como orientamos o planejamento regional brasileiro, mas
também nossa matriz energética e a criação de grandes empreendimentos,
principalmente pela política econômica dos governos de Getúlio Vargas3
(1882-1954) e Roosevelt, como verificaremos adiante.
Figura 1 – Barragem de Guntersville (cidade do estado do Alabama, nos
EUA) no Rio Tennessee.

Fonte: Jeffrey Schreier/iStockphoto.

2 Veremos essa concepção detalhadamente nas próximas páginas.


3 Getúlio Dornelles Vargas governou o Brasil por 15 anos contínuos, no período de 1930 a
1945. Posteriormente, Vargas também foi presidente de 1951 a 1954.
– 25 –
Geografia Regional do Brasil

Outro exemplo de planejamento regional é a Cassa per il Mezzogiorno,


organização do governo italiano baseada no exemplo da TVA para o desenvol-
vimento da Região Sul da Itália. O sul italiano é considerado a região menos
desenvolvida economicamente do país. Entretanto, apesar da transferência de
recursos, melhorias de infraestruturas e incentivos fiscais para a instalação de
indústrias, essa ainda é uma região fortemente agrícola. Aspectos relacionados
à corrupção e à máfia são entraves para seu desenvolvimento, fato que oca-
siona, inclusive, o fechamento de importantes fábricas, como da Fiat.
Figura 2 – A paisagem da Sicília (Itália) exemplifica sua forte relação com a
agricultura. Essa é uma das áreas econômicas menos desenvolvidas do país
até os dias de hoje.

Fonte: Studioraffi/iStockphoto.
Podemos observar que as teorias e dinâmicas envolvidas na ação de
planejar estão implicitamente ligadas às teorias e políticas econômicas.
Teoricamente, no capitalismo, o espaço é compreendido de maneira inte-
grada e articulada – é daí que surge, por exemplo, a definição de globalização.
Assim, a regionalização é sempre entendida como um corte arbitrário e está
relacionada com a interação entre pontos do espaço sob uma ótica capitalista.
– 26 –
Planejamento regional

A dinâmica regional, desse modo, estaria relacionada aos movimentos de


capital entre diferentes pontos do espaço. A direção e a motivação seriam
elementos para a formulação de teorias.
Entre os principais autores dessa concepção estão François Perroux,
Jacques Boudeville (1919-1975) e Douglas North (1920-2015). Destes,
Perroux foi o mais importante para a compreensão e delimitação de políticas
para o planejamento regional no Brasil. Autor da expressão polos de desenvol-
vimento, sua teoria se baseou na industrialização como processo gerador de
polos de aglomeração econômica. Com forte influência da revolução teoré-
tica quantitativa, para Perroux, o espaço era abstrato, euclidiano4 e poderia
ser compreendido pela matemática e estatística. Para ele, as relações que ocor-
riam no espaço econômico não eram refletidas completamente no território
nação, mas sim no domínio de alcance dos planos econômicos de governo e
dos indivíduos, especialmente instituições econômicas. Além disso, os com-
plexos industriais viabilizariam o crescimento econômico por meio de polos
de desenvolvimento.
Na busca de uma aproximação com a interpretação geográfica, pode-
mos encontrar em Santos (1996, p. 63) um modo de compreender a orga-
nização espacial:
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e tam-
bém contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a his-
tória se dá. [...]
Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os
sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de
outro, o sistema de ações leva a criação de objetos novos ou se realiza
sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâ-
mica e se transforma.

Para o autor, o espaço era formado pela interação entre sistemas de obje-
tos e sistemas de ações. Dessa forma, podemos perceber que – especialmente
no caso brasileiro – o planejamento e a formulação de mudanças nos sistemas
de objetos tinham como essência as transformações do sistema de ações no
âmbito econômico e de desenvolvimento. Esse desenvolvimento deve ser aqui
compreendido com base nas premissas do sistema capitalista.
4 Referente a Euclides, geômetra que viveu na cidade de Alexandria no século III a.C.
– 27 –
Geografia Regional do Brasil

2.2 Planejamento regional e


desenvolvimento econômico no Brasil
O planejamento regional e o desenvolvimento econômico no Brasil
estão intimamente relacionados. Eles derivam dos processos de acumulação
de capital de economias emergentes, que resultam em contrastes e depen-
dências da concentração geográfica do capital, ou seja, acarretam o desenvol-
vimento regional desigual (OLIVEIRA, 1981). Nesse sentido, verificamos
que parte considerável das experiências de planejamento regional realizadas
no Brasil buscaram a manutenção dos processos de concentração capitalista.
Essas visavam corrigir desigualdades de distribuição de capital, mas não cor-
rigiam necessariamente a mitigação de desigualdades socioespaciais relacio-
nadas à extração desenfreada de recursos naturais e humanos. Assim, essas
regiões não permaneceram dependentes e periféricas apenas daquelas mais
desenvolvidas economicamente, mas também continuaram dependentes de
economias centrais, em escala global.
Antes de analisarmos detalhadamente os projetos existentes no Brasil,
devemos compreender quais paradigmas foram absorvidos pelas políticas
regionais e pelo ordenamento territorial e como esse processo incidiu sobre a
ocupação territorial brasileira.
Um dos primeiros paradigmas do planejamento regional brasileiro foi
a política econômica conhecida como keynesianismo5, que compreendia
que o Estado deveria assumir um papel intervencionista, isto é, que con-
trolasse e ordenasse a economia. Esse pensamento perdurou dos anos 1950
até meados dos anos 1990, quando o neoliberalismo passou a dominar as
políticas de governo.
No neoliberalismo, o Estado deveria atuar de maneira restrita – como
Estado mínimo –, no qual o mercado se autorregularia. Assim, caberia ao
Estado apenas funções reguladoras sociais e assistencialistas (COSTA, 2008;
CARDOSO JÚNIOR, 2011). Essa doutrina esteve muito presente no
governo de Fernando Henrique Cardoso6 (1931-), caracterizado por políticas

5 Nome dado à teoria do economista inglês John Maynard Keines (1883-1946).


6 Popularmente conhecido como FHC, Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil
de 1º janeiro de 1995 a 1º janeiro de 2003.
– 28 –
Planejamento regional

de privatização. Essa mudança refletiu também no modo de compreender o


desenvolvimento durante o período keynesiano. Nessa época, ele foi atrelado
ao Estado, especialmente na criação de polos industriais, no projeto conhe-
cido como nacional desenvolvimentista. Durante o neoliberalismo, o enfoque
foi modificado. Depois dos anos 2000, com os governos de centro-esquerda
de Luís Inácio Lula da Silva7 (1945-), foi retomada uma ação mais ativa do
Estado, que estabeleceu um neodesenvolvimentismo8.
Antes da Constituição Federal de 1988, o desenvolvimento e cresci-
mento eram considerados apenas do ponto de vista econômico. A infraes-
trutura ou sistema de objetos era voltada apenas para a melhoria de aspectos
dessa ordem. Com instrumentos de preservação do meio ambiente, bem-es-
tar social e cultural, a Constituição foi um agente modificador das políticas
de planejamento regional.
Os anos de 1980 também foram decisivos para a agricultura mundial.
Após a Revolução Verde9, a industrialização e mecanização da agricultura,
a emergência do mercado financeiro, a venda de commodities10 e os plane-
jamentos regionais com enfoque no meio rural adquiriram novas facetas.
Inicialmente, com o objetivo de criar novas fronteiras agrícolas e ocupar
“vazios territoriais” (principalmente durante o Regime Militar, com o des-
matamento de grandes áreas e a expansão da extração mineral), o agrone-
gócio passou a ser visto como um motor da economia brasileira, especial-
mente pelo superavit da balança comercial, gerado pela venda de commodities
(SIQUEIRA, 2013).

7 Luiz Inácio Lula da Silva foi presidente do Brasil de 1º janeiro de 2003 a 1º janeiro de 2011.
8 De acordo com Sampaio Júnior, o neodesenvolvimentismo consiste “em conciliar os aspectos
‘positivos’ do neoliberalismo – compromisso incondicional com a estabilidade da moeda, aus-
teridade fiscal, busca de competitividade internacional, ausência de qualquer tipo de discrimi-
nação contra o capital internacional – com os aspectos ‘positivos’ do velho desenvolvimentis-
mo – comprometimento com o crescimento econômico, industrialização, papel regulador do
Estado, sensibilidade sócia” (SAMPAIO JR., 2012, p. 679).
9 A Revolução Verde – iniciada nos anos 1960 – orientou a pesquisa e o desenvolvimento
de sistemas de produção agrícola com o objetivo de aprimorar e elevar a capacidade de pro-
dução de cultivos.
10 Entendemos por commodities todo produto (matéria-prima em estado bruto) produzido em
larga escala destinado ao comércio.
– 29 –
Geografia Regional do Brasil

Essa importância dada ao meio rural brasileiro sempre esteve presente


nos projetos de planejamento regional, seja por obras de irrigação e créditos
de financiamento a produtores, seja como agente dos processos migratórios,
pelo êxodo rural e a migração de regiões menos desenvolvidas para aquelas
com maior industrialização. Especialmente nos últimos anos, a visão sobre
o meio urbano e a qualidade da infraestrutura social e cultural mudaram as
necessidades em relação às cidades e às dinâmicas populacionais.
Os anos 1990 também foram um marco temporal para as relações esta-
belecidas pelas economias mundiais. Antes, a relação centro-periferia refletia
a assimetria/desigualdade das relações econômicas. Após a globalização, em
meados dos anos 1980, essas relações se tornaram muito mais complexas e
diversificadas (UDERMAN, 2008).
A Constituição Federal de 1988 incluiu ainda dois importantes pontos
focais nos debates regionais: a importância da preservação do meio ambiente
e das comunidades tradicionais e como o turismo poderia atuar como agente
modificador de economias e regiões periféricas. A necessidade de incluir no
planejamento a opinião da população, por meio de audiências públicas e pla-
nejamentos participativos, trouxe uma nova visão para os objetivos esperados
do planejamento regional. Caberia muito mais controlar o capital do que
apenas a criação de novos polos de desenvolvimento econômico.
Esses paradigmas foram absorvidos de diferentes modos pelas políticas
de planejamento regional viabilizadas por meio da criação de agências de
desenvolvimento regional. A maioria foi criada na década de 1950, extintas
durante a década de 1990 e recriadas na década de 2000 especialmente com
a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), no ano de 2007.
Antes voltadas à criação de polos de desenvolvimento, essas políticas nos últi-
mos anos têm incentivado a criação de distritos industriais, incubadoras para
empresas de desenvolvimento e parques tecnológicos. Financiamentos e fun-
dos de crédito ainda são mecanismos utilizados, e um dos principais agentes
desse processo é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), sobre o qual trataremos no próximo capítulo.
Entretanto, apesar das tentativas, os resultados ainda estão longe dos
esperados. Como poderíamos explicar o baixo alcance das metas de planeja-
mento regional? Algumas das explicações estão fundamentadas em problemas
– 30 –
Planejamento regional

políticos de superposição de órgãos, guerras fiscais entre estados, municípios


e governo federal, o peso dado à criação de centros de desenvolvimento forte-
mente ligados à industrialização (sem analisar se o mercado econômico estava
favorável ou disposto a se relacionar com esses polos), além de fraudes e cor-
rupções. Atualmente, uns dos grandes entraves para a geração de políticas de
planejamento regional estão também na falta de metodologias eficientes de
participação popular nos processos decisórios e avaliativos.
De maneira resumida, podemos verificar que as inseguranças políticas
e democráticas pelas quais o nosso país passou ao longo do tempo ocasiona-
ram a burocratização das instituições e as sobreposições de interesses e ações.
Baseado especialmente na criação de agências, superintendências e adoção
de planos plurianuais, o planejamento regional brasileiro pouco evoluiu nas
projeções que se propunha. Notamos que ele ainda é fortemente influenciado
pela concentração de renda e pela economia dependente das oscilações do
mercado internacional. Ainda neste capítulo, veremos como se deu o surgi-
mento dessas agências e superintendências, e posteriormente analisaremos os
planos plurianuais.
Quadro 1 – Linha do tempo dos principais planos, agências e superintendências
relacionadas ao planejamento regional brasileiro.

Ano de
Nome
criação
1909 Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IOCS)
1938 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
1945 Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS)
1948 Comissão do Vale do São Francisco (CVSF)
1950 Banco de Crédito da Amazônia
Banco do Nordeste do Brasil (BNB)
1952 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
1953 Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SPVEA)
Plano de Metas
1956 Superintendência do Desenvolvimento do Sul (Sudesul)
1959 Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)
1963 Plano trienal
– 31 –
Geografia Regional do Brasil

Ano de
Nome
criação
1964 Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG)
Superintendência do Desenvolvimento da
1966 Amazônia (Sudam) e Banco da Amazônia
Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale),
1967 Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco)
e Superintendência do Desenvolvimento do Sul (Sudesul)
1972 I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND)
Companhia de Desenvolvimento dos Vales do
1974 São Francisco e do Parnaíba (Codevasf)
1975 II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND)
1980 III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND)
1986 I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (I PND-NR)
1987 Plano de Ação Governamental
1990 Extinção da Sudeco e da Sudesul
1991 Plano Plurianual
1996 Programa Brasil em Ação
2000 Programa Avança Brasil
2001 Extinção da Sudam
Criação da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA)
2001 Extinção da Sudene
Criação da Agência do Desenvolvimento do Nordeste (Adene)
2004 Programa Brasil de Todos
Extinção da ADA
Recriação da Sudam
2007 Extinção da Adene
Recriação da Sudene
Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR)
2009 Recriação da Sudeco
Fonte: Elaborado pela autora.
– 32 –
Planejamento regional

O Nordeste brasileiro sempre esteve no centro das políticas de desen-


volvimento econômico e no planejamento regional. Muito dessa questão
está relacionada às especificidades físicas, como grandes estiagens, solos sali-
nos e deficit hídrico. Esses aspectos dificultaram o desenvolvimento econô-
mico, baseado especialmente na agricultura convencional, fato que ocasio-
nou o empobrecimento da população e movimentos migratórios de êxodo.
Desse modo, criou-se o imaginário de “região problema” já nos primeiros
governos republicanos.
Em 1909, no governo de Nilo Peçanha, foi criada a Inspetoria de Obras
Contra as Secas (IOCS), com o objetivo de coletar dados referentes aos aspec-
tos físicos, principalmente meteorológicos e geológicos, que dessem os subsí-
dios necessários para obras governamentais. Entretanto, essa ainda não pôde
ser considerada uma proposta de planejamento regional, tendo em vista o
enfoque paliativo das consequências das estiagens, e não necessariamente um
plano de desenvolvimento regional.
Foi somente após o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945),
com a adoção do modelo de Estado intervencionista na ditadura do Estado
Novo, que foi incorporada a ideia de planificação da política econômica
governamental. Emergiu daí a concepção de política pública, que tornou a
administração pública complexa, planejada, regular e duradoura (PESSOA,
2006). É nesse contexto político-econômico brasileiro que houve a criação
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fundamental para a
implementação de políticas em escala regional e início do planejamento regio-
nal brasileiro11. Surgiu também nesse momento o Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas (DNOCS), em 1942.
No entanto, foi apenas no final do Estado Novo e com a Constituição
dos Estados Unidos do Brasil de 1946 que o planejamento regional brasileiro
sofreu sua grande transformação. Na Constituição estava presente uma série
de designações ao desenvolvimento regional. Uma delas era o art. 29, que
tratava do vale do São Francisco e teve como desdobramento a Comissão do
Vale do São Francisco (CVSF), em 1948, empresa pública com autonomia
administrativa e financeira diretamente ligada à presidência da república.

11 Aspectos relacionados à criação e ao desenvolvimento do IBGE serão abordados em capí-


tulos futuros.
– 33 –
Geografia Regional do Brasil

Seu objetivo consistia na criação de planos de aproveitamento para regula-


mentação dos recursos hídricos e fomento econômico, principalmente com
indústrias e irrigação para a agricultura. O início dos anos de 1950 foram mar-
cados pela criação do Banco de Crédito da Amazônia, em 1950, e o Banco do
Nordeste Brasileiro (BNB), em 1952. No segundo governo de Getúlio Vargas,
foi criada a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA),
no ano de 1953.
Durante o governo de Juscelino Kubitschek12, foi criada, em 1956, a
Superintendência do Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste (SPVESUD)
e, em 1959, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
Dentre as atribuições destacavam-se estudar e propor diretrizes para o pla-
nejamento e o desenvolvimento regional. Para tanto eram criados projetos e
programas de assistência técnica.
Durante a ditadura militar, houve o fortalecimento dos órgãos de
planejamento econômico. Em 1966, foi criada a Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), destinada ao planejamento e desen-
volvimento da então chamada Amazônia Legal. Em 1967, foram criadas a
Superintendência do Vale do São Francisco (SUVALE), a Superintendência
do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) e a Superintendência
do Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul). Em 1974 foram criados o
Conselho de Desenvolvimento Econômico e a Secretaria de Planejamento da
Presidência da República (Seplan). Nesse ano também foi criada a Companhia
de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf ), que além de gerir
o aproveitamento dos recursos hídricos e do uso do solo, tinha por atribuição
a promoção do desenvolvimento integrado da economia e a implantação de
distritos agroindustriais.
Após inúmeras críticas ao modo de organização dessas agências, casos
de corrupção e ineficiência dos projetos, foram extintas no ano de 1990 a
Sudeco e a Sudesul. A Sudene também foi extinta e substituída pela Agência de
Desenvolvimento do Nordeste (Adene) e a Sudam foi sucedida pela Agência de

12 Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) foi presidente do Brasil no período de 31 de


janeiro de 1956 a 31 de janeiro de 1961.

– 34 –
Planejamento regional

Desenvolvimento da Amazônia (ADA)13, desdobramento das políticas neolibe-


rais do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em 2000, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
alterou sua razão social para Companhia de Desenvolvimento dos Vales do
São Francisco e do Parnaíba (Codevasf ). Em 2010 sua área de atuação foi
ampliada e a Companhia é até hoje um importante agente no processo de
transposição do Rio São Francisco. A retomada de uma visão neodesenvolvi-
mentista durante os governos de Luís Inácio Lula da Silva fez com que antigas
superintendências fossem recriadas: a Sudam e a Sudene, no ano de 2007, e a
Sudeco, em 2009. Nos mapas a seguir podemos verificar as sobreposições de
órgãos de desenvolvimento e sua variabilidade espaço-temporal na história do
planejamento regional brasileiro:
Mapa 1 – Delimitação da área de atuação do IOCS (1909), antecedente dos
planos de planejamento regional brasileiro.

Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Inspetoria de obras
Contra Secas (IOCS -1909)

Fonte: Elaborado pela autora com base em IBGE e SILVA, 2014.


13 As principais atribuições da ADA consistiam em gerir seus respectivos fundos de desen-
volvimento regionais, implementar estudos e pesquisas, promover e fortalecer as estruturas
produtivas e implementar programas de capacitação.

– 35 –
Geografia Regional do Brasil

Mapa 2 – Área de atuação atual da Codevasf.

Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Companhia do Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba

Fonte: Elaborado pela autora com base em SILVA, 2014.


Mapa 3 – Área de atuação atual da Sudene.

Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene)

Fonte: Elaborado pela autora com base em SILVA, 2014.


– 36 –
Planejamento regional

Mapa 4 – Área de atuação atual da Sudam.

Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Superintendência de Desenvolvimento
da Amazônia (Sudam)

Fonte: Elaborado pela autora com base em SILVA, 2014.


Nos três primeiros mapas (1, 2 e 3), podemos compreender como
foram alteradas as áreas de atuação das diferentes agências governamentais
criadas para a atual região Nordeste, sempre com o objetivo de combater
os efeitos climáticos da seca sob a economia e a sociedade. É interessante
destacar a modificação da Codevasf, não apenas com a inclusão da bacia do
Rio Parnaíba, mas também com as áreas influenciadas pela transposição do
Rio São Francisco. Com relação ao Mapa 4 da Sudam, verificamos que nos
dias atuais sua abrangência ultrapassa os limites da regionalização oficial do
IBGE por estados brasileiros. O estado do Mato Grosso é incluído oficial-
mente na região Centro-Oeste e parte do estado do Maranhão é delimitado
como Amazônia Legal.

2.3 O planejamento regional brasileiro


para além das superintendências
Nos itens anteriores, verificamos que o planejamento regional brasileiro
sempre foi marcado por um enfoque economista de desenvolvimento. Essa
– 37 –
Geografia Regional do Brasil

questão foi fortemente influenciada por mudanças políticas – especialmente


crises democráticas, como o golpe militar de 1964. Desse modo, o Brasil
estabeleceu uma correlação direta com a economia internacional, porém per-
maneceu como uma economia periférica. Nesta seção, analisamos as políticas
de desenvolvimento, seus desdobramentos e outras espacializações do plane-
jamento regional do país.
Apesar de terem existido outros planos, foi o governo de Juscelino
Kubitschek, com seu o Plano de Metas, o primeiro a estipular objetivos para
o setor privado e estimular estudos relacionados ao diagnóstico da economia
brasileira. Com forte influência da criação do BNDES, Kubitschek criou um
programa de governo baseado na frase “50 anos em 5”. O Plano de Metas foi
um conjunto de objetivos – 31 no total – que os setores-chaves da economia
deveriam alcançar.
Já no governo seguinte, de João Goulart14 (1918-1976), em que o cená-
rio econômico apresentava dificuldades, foi necessária a elaboração de outro
plano econômico, o Plano Trienal, que tinha como premissa o combate à
inflação baseado na controle do deficit público. Esse plano foi interrompido
pelo Golpe de 1964. Apesar da intervenção, esse foi um importante marco
para a ampliação da visão dos planos de desenvolvimento e agregou uma
visão global da economia.
O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) – elaborado
em 1970 com base na ideologia política de segurança e desenvolvimento –
criou um modelo de organização que consistiu em moldar as instituições
por meio do poder do Estado. Esse plano objetivava a implementação da
teoria de polos de crescimento e compreendia que a industrialização seria o
meio ideal para alcançar o desenvolvimento econômico. Por meio da teoria
de Perroux, os governos militares se aproximaram da relação entre o para-
digma da industrialização como polo de desenvolvimento e a presença de
um Estado desenvolvimentista.
No I PND houve um forte estímulo para a instalação de indústrias de
bens duráveis, em especial automobilística. Até hoje encontramos reflexos
desse momento, como a forte influência das rodovias e do sistema rodoviário
14 João Goulart, popularmente conhecido como Jango, foi presidente do Brasil de 7 de setem-
bro de 1961 a 1º de abril de 1964.
– 38 –
Planejamento regional

de transporte de cargas no modal brasileiro. Além da instalação de indús-


trias, houve grande investimento na criação e ampliação do sistema rodoviá-
rio nacional. No II PND (1975-1979) ocorreu a mudança no enfoque das
indústrias instaladas (siderúrgicas, de eletrônica pesada15 e de fertilizantes)
– foram priorizadas as relacionadas aos bens de capitais – e a manutenção
das altas taxas de crescimento econômico alcançadas no I PND (na ordem de
10% ao ano).
Apesar do aumento da inserção brasileira na divisão internacional
do trabalho (FURTADO, 1981), a inconsistência financeira do BNDES
naquele momento não garantiu a estabilidade de financiamentos necessá-
rios, bem como a crise política com o fim do período da ditadura militar.
No Mapa 5 verificamos, por exemplo, o planejamento do II PND com
o Poloamazônia, com investimentos nos setores mineral, metalúrgico e
agropecuário. Esse período foi fortemente marcado pelo genocídio de
populações indígenas nessa região, o que causou graves problemas sociais
e ambientais e a intensificação das desigualdades. Nesse mesmo mapa
também podemos compreender a espacialidade desses polos. Com a frag-
mentação dos planos e das ações, esses polos eram compreendidos como
pontos focais dos quais o desenvolvimento se estenderia para o entorno.
Essa expansão seria possível por meio da infraestrutura de ligação dos
polos, que foi um forte argumento para altos investimentos no setor rodo-
viário, por exemplo.
Como resultado desse suposto milagre, houve um enfraquecimento
do planejamento regional no Brasil. A necessidade de redução do defi-
cit público, a renegociação das dívidas externas e o controle da inflação
dominaram o cenário no início dos anos 1990. Além disso, a sobreposição
do Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (I
PND-NR) em 1985, o Plano de Consistência Macroeconômica (PCM) e o
Programa de Ação Governamental (PAG) de 1987 causou a limitação das
ações programas.
15 Indústrias pesadas são aquelas cuja produção é absorvida por outras indústrias, isto é, são
indústrias que produzem máquinas ou matérias-primas. Dentre os principais ramos, podemos
destacar as indústrias metalúrgicas, petroquímicas e de cimento.
– 39 –
Geografia Regional do Brasil

Mapa 5 – Programas econômicos de integração nacional no período da


Ditadura Militar (1964-1985).

Região geoeconômica de Brasília


Sudesul
Bacia do Paraguai
Polocentro
Poloamazônia
Polonordeste

Fonte: Elaborado pela autora com base em THÉRY; THÉRY, 2008, p. 269.
Com as novas influências neoliberais dos governos FHC e após o Plano
Real houve um forte empenho na manutenção da estabilidade monetária.
O Programa Brasil em Ação, embasado na criação de eixos nacionais de
integração e desenvolvimento – que compreendiam a geografia econômica
do país, os fluxos de bens e serviços –, por vezes ultrapassava os limites
estaduais e regionais com base na divisão regional oficial do IBGE. O

– 40 –
Planejamento regional

planejamento consistiu na busca por ligações entre os polos que já recebiam


investimentos em outros governos e por isso possibilitavam uma maior
troca de fluxos de bens e capitais. Com uma visão neoliberal de economia
governamental, nesse período muitas rodovias foram privatizadas, o que
ocasionou o aumento do número de postos de pedágios.
Baseado no mapeamento dos fluxos de mercadoria, os eixos delimi-
tavam áreas geográficas com um viés regional de mercado (influência da
lógica da produção) e pensavam a rede urbana de maneira hierarquizada,
pela ótica do consumo de bens e serviços. Assim, apenas algumas áreas
eram de interesse para o capital e, consequentemente, para a internacio-
nalização econômica. Seria o surgimento de uma nova geografia econô-
mica para o país.
O Programa Avança Brasil (2000-2003) foi marcado pelo termo custo
Brasil, que consistiu em um conjunto de ineficiências e distorções que
atingiram a competitividade do país em relação a outras nações. Fatores
como sistema tributário desproporcional e injusto, malha rodoviária em
más condições, administração pública corrupta, os altos encargos traba-
lhistas, elevadas taxas de juros, altos índices de violência, inadimplência
e burocracia estatal eram aspectos a serem combatidos. Desse modo, bus-
cou-se a otimização de resultados, sempre com vistas à redução de prazos
e custos federais.
Com forte caráter economicista e um modelo gerencial de planeja-
mento econômico nacional, esse período foi marcado pela guerra fiscal
entre estados e municípios, com o objetivo de arrecadar mais impostos e
centralizar investimentos públicos. Como resultados desses anos de ten-
tativas de planejamento regional voltado ao desenvolvimento econômico,
obtivemos muitas mudanças nos sistemas de objetos com grandes obras de
engenharia, mudanças no uso e ocupação do solo, reorganização demo-
gráfica e conflitos pela terra cada vez mais violentos. O mapa de frentes
pioneiras de Théry e Théry (2008, p. 286) evidencia esses fatores.

– 41 –
Geografia Regional do Brasil

Mapa 6 – Frente pioneira de desenvolvimento regional, início do século XXI.

Arco de desmatamento
Mortes em Conflitos
rurais (1985-1991)
Progressão de produção
de soja (1977-1999)

Fonte: Elaborado pela autora com base em THÉRY, THÉRY, 2014, p. 289.
Com a eleição de governos de centro-esquerda, houve o retorno ao desen-
volvimentismo, ao neodesenvolvimentismo e às políticas de planejamento
regional. A Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) – por
meio do Plano Brasil de Todos, do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), do Programa Bolsa Família e do Plano de Desenvolvimento da
Educação – estimulou a inclusão social e a redução das desigualdades. Essa
política ocasionou o crescimento de emprego e renda de maneira ambiental-
mente sustentável, reduziu as desigualdades regionais e possibilitou desen-
volvimento da cidadania e da democracia. No mapa a seguir, observamos
um novo modo de regionalização, não embasado administrativamente em

– 42 –
Planejamento regional

Estados federativos, mas sim em macrorregiões, formadas por agrupamento


de municípios.
Mapa 7 – Macrorregiões da PNDR.

Boa Vista

Macapá

Santarém São Luis


Belém

Fortaleza
Manaus
Marabá
Boa Vista
Tabatinga Itaituba
Imperatriz
Macapá
Sousa

Crajuba - Santarém São Luis


Araguaína Crato - Recife Belém
Cruzeiro do Sul Juazeiro do Norte -
Eliseu Martins
Manaus
Barbalha Fortale
Porto Velho Marabá
Tabatinga Juazeiro Petrolina Itaituba
Imperatriz
Rio Branco Palmas
Sousa

Crajuba -
Araguaína Crato -
Sinop Cruzeiro do Sul Barreiras Salvador Eliseu Martins Juazeiro do No
Barbalha
Porto Velho
Juazeiro Petrolina
BrasíliaRio Branco Vitória da Conquista Palmas

Sinop Barreiras Salva


Cuiaba Montes Claros

Goiânia Teófilo Otoni Brasília Vitória da Conquis

Cuiaba Montes Claros


Uberlândia
Goiânia Teófilo Otoni

Belo Horizonte
Campo Grande Uberlândia

Belo Horizonte
Rio de Janeiro Campo Grande

Rio de Janeiro
São Paulo
São Paulo
Cascavel
Curitiba Cascavel
Curitiba

Chapecó Chapecó

Santa Maria Porto Alegre

Santa Maria Porto Alegre

Legenda: Macrorregiões
Macropolos consolidados Belém-São Luís
Legenda: Macrorregiões Novos macropolos Belo Horizonte
Brasil Central Ocidental
Aglomerações sub-regionais Brasil Central
Macropolos consolidados Belém-São Luís Aglomerações locais Extremo Sul
Novos macropolos Belo Horizonte Aglomerações geopolíticas Fortaleza
Brasil Central Ocidental Manaus
Aglomerações sub-regionais Brasil Central Recife
Rio de Janeiro
Aglomerações locais Extremo Sul Salvador
Aglomerações geopolíticas Fortaleza São Paulo
Territórios estratégicos
Manaus
Recife
Rio de Janeiro
Fonte: BRASIL, 2008b, p. 37.
Salvador
São Paulo
Territórios estratégicos

– 43 –
Geografia Regional do Brasil

Segundo Uderman (2008), esse foi um período de desenvolvimento endó-


geno, com as primeiras experiências de sistemas participativos no estabeleci-
mento de metas, especialmente fóruns de participação social. Nessa época tam-
bém foram recriadas as superintendências da Sudene, da Sudam e da Sudeco.

Conclusão
Como verificamos, os contextos histórico, político, democrático e eco-
nômico nacional/mundial influenciam diretamente os caminhos que o pla-
nejamento regional – de caráter econômico desenvolvimentista – percorreu.
Na atualidade, as incertezas nesses campos claramente influenciam o planeja-
mento regional. Neste momento, cabe a nós avançarmos na compreensão dos
processos históricos e nas ferramentas analíticas da geografia para analisar o
presente e, por que não, futuramente contribuir para o planejamento regional
brasileiro como geógrafos.

Ampliando seus conhecimentos


Para pensarmos melhor o planejamento regional no Brasil, sugerimos
a leitura de um trecho do artigo “Desenvolvimento desigual e planejamento
regional no Brasil”, de Ivo Marcos Theis, professor da Universidade Regional
de Blumenau (FURB).

Desenvolvimento desigual e ­planejamento


regional no Brasil
(THEIS, 2016, p. 81-83)

[...] o Brasil é uma formação social periférica, submetida à


lógica do desenvolvimento desigual do capital. O que isso
significa? Que o processo de desenvolvimento que vem
tendo lugar no Brasil, fortemente, condicionado pela própria
formação do País (FURTADO, 1977; PRADO JÚNIOR,
1981; PRADO JÚNIOR, 2000; FERNANDES, 2005),
– 44 –
Planejamento regional

repousa na reprodução de desigualdades socioeconômicas e


de disparidades inter-regionais. A industrialização acelerada,
indissociável de uma igualmente rápida urbanização, cuja con-
trapartida seria justamente o dramático esvaziamento do rural
(BAENINGUER, 2003), daria novo impulso ao desenvol-
vimento geograficamente desigual no meio século entre 1930
e 1980. No início dos anos 1990, o Sudeste ainda era res-
ponsável pela geração de mais de 58% do Produto Interno
Bruto e o Sul por mais de 17%, de modo que em ambos
se concentravam mais de ¾ da riqueza produzida no País.
Ao longo do último decênio houve uma pequena variação
em favor das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. No
entanto, a essas macrorregiões, que compreendem mais de
82% do território, e onde vivem mais de 43% da popula-
ção, cabia, em 2008, apenas 27,4% do PIB brasileiro (IBGE,
2010). Assim, as desigualdades que persistem – nas diversas
escalas, entre campo e cidade, entre pequenas cidades que
também esvaziam e metrópoles que (embora, no período
recente, menos) ainda crescem, entre a faixa litorânea e o
interior, entre as macrorregiões (e, evidentemente, as micror-
regiões) – têm sido o resultado (que não se pode ocultar) do
avanço desigual das forças produtivas numa formação social
periférica típica.
[...]

Atividades
1. O Nordeste brasileiro sempre foi alvo de políticas voltadas ao pla-
nejamento regional e ordenamento territorial. Essa centralidade está
diretamente ligada à figura de “região problema”. Contextualize as
características que tornam essa região peculiar no contexto nacional
e quais tipos de experiências foram realizadas. Referencie também a
transposição do Rio São Francisco em sua argumentação.
– 45 –
Geografia Regional do Brasil

2. Elenque os principais eventos históricos, políticos e econômicos que


afetaram o estabelecimento das políticas de planejamento regional no
Brasil desde a década de 1930.

3. O Mapa 6, referente aos marcadores de fronteira pioneira, traz infor-


mações importantes sobre como a mudança de orientação econômica
de uma determinada região reflete em seus indicadores. Elabore um
texto-síntese acerca das principais questões que emergem na análise
crítica desse mapa.

4. O planejamento regional brasileiro foi fortemente influenciado pelo


período da Ditadura Militar. Quais objetivos, ferramentas e resulta-
dos, especialmente em relação aos sistemas de objetos, este período
ocasionou no cenário brasileiro atual?

– 46 –
3
O Estado e a
escala regional

Nos capítulos anteriores, observamos a intrínseca rela-


ção entre o conceito de região e território. Verificamos também
que regionalizar e planejar regionalmente são atividades histori-
camente atribuídas ao Estado, e este exerce seu poder territorial
e econômico por meio desses mecanismos. Neste capítulo, apro-
fundamos as discussões referentes a Estado, território e ordenamento
territorial. Além disso, vamos conhecer melhor o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), importante
agente do Estado no ordenamento territorial.
Geografia Regional do Brasil

3.1 Estado e poder por meio


do conceito de território
Ao longo dos dois primeiros capítulos, verificamos que o conceito de
região se modificou ao longo do tempo e do espaço. Além disso, na atualidade,
essa concepção é em parte compreendida – quando nos referimos ao planeja-
mento regional e à regionalização para esse fim – com um enfoque territorial.
Depois, analisamos os processos de planejamento regional, principalmente no
Brasil, e constatamos que a instabilidade democrática e a política econômica
de cada governo influenciaram diretamente esse processo. Assim, a noção de
Estado e como ele exerce seu poder perante o planejamento regional faz parte
do objeto de pesquisa da geografia regional. Agora, vamos aprofundar nossos
conhecimentos em relação ao Estado e o poder e verificar como eles estão rela-
cionados ao conceito de território e, consequentemente, ao conceito de região.
Quando falamos de Estado, referimo-nos à definição de Estado-nação
ou à unidade político-territorial do sistema capitalista em que Estado e
território se impõem de maneira soberana. A sociedade politicamente
organizada, na qual destino e história são compartilhados, é o âmbito da
nação. O Estado é, assim, uma organização soberana e uma ordem jurídica
(­BRESSER-PEREIRA, 2017). Esquematizamos essa definição a seguir:
Figura 1 – Componentes de nação e Estado-nação.

Povo Cultura Território Nação

Nação
Governo
Identidade Estado-nação
Leis próprias
Nacional

Estado
País
Aspecto Estado-nação
Aspecto físico
­político

Fonte: Elaborada pela autora.


– 48 –
O Estado e a escala regional

Estado-nação e base territorial são os conceitos importantes abordados


pela geografia do poder. Na Figura 1, verificamos seus componentes e pode-
mos nos afastar do senso comum.
Território é um conceito também absorvido por outras ciências, como
sociologia, psicologia e biologia. Na geografia, ele é abordado principalmente
na geografia humana. Castro (1992) traz a dimensão territorial como objeto
social, em que seus limites são estabelecidos pela sociedade nele inserida. Para
Raffestin (1993), o território se define primeiramente pelo poder. Assim,
quando buscamos esse conceito em nossa narrativa, exaltamos as relações de
poder que se estabelecem em uma dada porção do espaço.
Raffestin (1993) ainda diferencia os termos Poder e poder. O Poder (com
P maiúsculo) é fenômeno visível, concreto e identificável, em que o territó-
rio é delimitado por complexos processos de controle de recursos e fluxos
demográficos e de bens. No entanto, o poder (com p minúsculo) é fruto das
relações, das trocas e das comunicações. Ele é muito mais sutil e estabelece
teias que, por vezes, podem se sobrepor às relações de poder institucionais.
Assim, o território é compreendido como apropriação e domínio de
um espaço socialmente compartilhado. Na apropriação, são exaltados aspec-
tos simbólicos, enquanto no domínio há um enfoque político-econômico
concreto. Os indivíduos, o Estado e as organizações (públicas/privadas) são
agentes de produção dos territórios, por meio das redes de circulação e comu-
nicação, das relações de poder e das ações políticas, das atividades produtivas
e das representações simbólicas. No entanto, não devemos cair na tentação de
compreender a apropriação e o domínio como um palco para ações de poder
institucionalizado, pois território é em si um elemento das relações sociais e
econômicas em diferentes escalas.

3.2 Ordenamento territorial e


planejamento regional no Brasil
A natureza institucional com a qual o ordenamento territorial e o pla-
nejamento regional vêm sendo compreendidos no Brasil acaba gerando defi-
nições e aplicações vinculadas com a prática e a operacionalidade desses pro-
cessos. Contudo, como geógrafos, podemos e devemos “pensar fora da caixa”.
– 49 –
Geografia Regional do Brasil

Nesse sentido, precisamos ser capazes de compreender as noções empregadas


pelas instituições, mas também problematizá-las e aplicá-las. Desse modo,
separamos esta seção em dois momentos: o primeiro aborda o tema com base
na concretude das instituições; o segundo pelo ponto de vista científico.
O ordenamento territorial é um instrumento de ação do poder público,
que busca – por meio da articulação transetorial e interinstitucional – alcan-
çar um planejamento integrado. Essa articulação viabiliza a ação conjunta das
políticas de forma compatível com seus resultados na organização espacial.
Não devemos, porém, confundir ordenamento territorial com regulamen-
tação do uso e ocupação do solo1. Esses são processos que ocorrem em diferen-
tes escalas espaciais e de ações, com competências executivas e legislativas
distintas. Cabe ao ordenamento territorial uma visão macro do espaço e uma
escala de planejamento que compreende integridade do território nacional,
com biomas, macrorregiões, redes de cidades, zonas de fronteira, reservas
indígenas, instalações militares etc. Ele tem um caráter mais amplo, propor-
cionando ao planejamento dados como a densidade da ocupação, as redes
instaladas e os sistemas de engenharia (MORAES, 2005).
Com base em diagnósticos regionais, a especificação desses territórios,
suas demandas e potencialidades são levantadas. O planejamento ou ordena-
mento ocorre pela valorização dos espaços e a compreensão dos fluxos demo-
gráficos, de bens de capital e de produtos. Ordenar o território consiste no
controle regular da organização instituída na base espacial dos movimentos
globais da sociedade. Nas palavras de Moreira (2007, p. 77): “o ordenamento
não é, pois, a estrutura, mas a forma como a estrutura espacial territorial-
mente se autorregula no todo das contradições da sociedade, de modo a man-
ter a sociedade funcionando segundo sua realidade societária”.
Moreira (2007) destaca ainda a noção de que toda proposta de orga-
nização e ordenamento do território busca na realidade a expressão da ação
centralizadora do Estado por meio do poder. Para nortear estratégias de ações
1 A regulamentação do uso e ocupação do solo se dá, por exemplo, com o Plano Diretor de uma
cidade, que estabelece o gabarito dos empreendimentos e os tipos de atividades que poderão
ser realizadas em cada bairro. A regulamentação faz parte da Lei Orgânica dos municípios. Já
o ordenamento territorial está vinculado a uma questão de planejamento voltada para o desen-
volvimento de uma área, não apenas aos aspectos de forma.
– 50 –
O Estado e a escala regional

planejadoras, cabe ao Estado o decisivo papel de organizar e implementar ini-


ciativas de desenvolvimento. No Brasil, essas ações são explicitadas no Estudo
da Dimensão Territorial para o Planejamento (BRASIL, 2008), que propõe,
entre outras coisas, a organização de novos arranjos para políticas públicas.
Na figura a seguir, verificamos o modelo teórico para sua elaboração.
Figura 2 – Esquema teórico para a produção do Estudo da Dimensão
Territorial brasileira.

1 Definição de objetivos

• Políticas públicas Planejamento


• Diretivas estratégicas
• Foco estratégico
Objetivos estratégicos • Horizonte temporal
• Abrangência espacial
• Mobilização institucional e de especialistas
• Duração e custos
2 Seleção de Tópicos •

Metodologia (métodos e técnicas)
Consulta (público-alvo, extensão, frequência e alcance)
• Planos e programas de governo
• Temas prioritários • Parceiros
• Questões críticas • Relacionamento com iniciativas em andamento
• Infraestrutura disponível
Tópicos
• Estratégias de disseminação

3 Implementação de estudos
­prospectivos

Fase inicial • O que está acontecendo?

• O que parece estar acontecendo?


Exercício principal • O que está realmente acontecendo?
• O que deveria acontecer?
Fase de disseminação
• O que se pode fazer?

• O que será feito?


4 Tomada de decisão
• Como será feito?
Estratégia

Fonte: BRASIL, 2008, p. 22.


– 51 –
Geografia Regional do Brasil

Esse estudo propõe uma regionalização baseada em indicadores econômi-


cos/sociais – como densidade populacional e produtiva – e distingue agrupa-
mentos de mesorregiões (Mapa 1). A homogeneização de regiões e territórios é
necessária para os objetivos metodológicos do planejamento, no entanto, elas
são construções arbitrárias que podem esconder desigualdades sociais, eco-
nômicas e ambientais. Como vimos no capítulo anterior, a PNDR (Política
Nacional de Desenvolvimento Regional) foi baseada nessa nova regionalização.
Mapa 1 – Regionalização proposta pelo Estudo da Dimensão Territorial.
Guiana
Guiana Francesa
Colômbia Suriname

Boa Vista

Macapá
Belém
Sao Luís
Manaus
3B Fortaleza

1 Teresina Natal
2B1 João Pessoa
Recife

Rio Branco Porto Velho Maceió


Palmas
2B2 Aracaju

Peru Salvador

Bolívia Cuiabá
Goiânia Brasilia
2A
Campo Grande Belo Horizonte
Vitória
3A
Paraguai Rio de Janeiro
São Paulo
Curitiba
Chile
Florianópolis

Porto Alegre

Argentina Uruguai

Fonte: BRASIL, 2008c, p. 54.


A diferenciação espacial entre cidade e campo e entre espaço rural e
espaço urbano é objeto de estudo da geografia há anos. Esse tipo de aborda-
gem – focada na centralidade de cidade – é questionada por pesquisadores,
como Veiga (2002), Moraes (2005) e Moreira (2007) e estudiosos da geografia
agrária. Dentre algumas inconsistências, destacam-se problemas envolvidos
na correlação direta entre desenvolvimento e urbanização (VEIGA, 2002).
As complexidades inerentes ao espaço rural podem representar desigualdades
internas muito mais significativas do que as envolvidas da dicotomia rural/
– 52 –
O Estado e a escala regional

urbano. Para Veiga (2002, p. 8), “o desafio é, portanto, entender as várias


dinâmicas socioeconômicas, das mais efêmeras às mais duráveis, distinguindo
bem as reversíveis das irreversíveis, pois algumas podem ser duráveis sem que
sejam necessariamente irreversíveis”.
Uma estratégia de desenvolvimento regional centrada especialmente no
espaço rural é o programa Territórios da Cidadania (BRASIL, 2008a), que
objetiva o desenvolvimento econômico e a universalização dos programas
básicos de cidadania. No programa, um território rural representa a identi-
dade socioeconômica/cultural e atende os seguintes critérios de espacialização:
conjunto de municípios com até 50 mil habitantes; densidade populacional
menor que 80 habitantes/km²; organização em territórios de identidade inte-
grados a outros setores do governo, como Consórcios de Segurança Alimentar
e Desenvolvimento Local (Consad) – do Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS) – e/ou de Mesorregiões, do Ministério da Integração Nacional
(MI). Em seu ano de criação, 2008, foram realizadas mais de 177 ações e
o investimento foi de R$ 12,9 bilhões. No site2 do Sistema de Informações
Territoriais (SIT) você pode obter mais informações sobre esses territórios.
Figura 3 – Organização das atividades do programa Territórios da Cidadania
no ano de 2008.
AÇÕES DO PARTICIPAÇÃO E EXECUÇÃO E
1 ­GOVERNO 2 INTEGRAÇÃO 3 CONTROLE
FEDERAL

Governo
federal
177 ações
• 6.000 obras e serviços
pactuados
19 ministérios do
Governos Colegiados
governo federal
estaduais territoriais • Controle público
através do portal
R$ 12,9 bilhões

Governos
municipais

Fonte: BRASIL, 2008a, p. 18.


2 Para saber mais, visite o site do SIT: <http://sit.mda.gov.br/mapa.php>. Acesso em: 22 nov. 2017.
– 53 –
Geografia Regional do Brasil

É importante ressaltar que entre a concretude estabelecida pelo Estado


(e seus ordenamentos territoriais) e a realidade (complexa, globalizada, lique-
feita) pode existir um abismo interpretativo para o geógrafo. A condição pós-
-moderna é em si uma condição histórico-geográfica, em que o espaço é ana-
lisado de modo complexo e deixa de ser encarado como algo a ser moldado
(HARVEY, 1992). De acordo com essa condição, a economia atualmente é
mais flexível, com Estados fragilizados, identidades mais fluídas (e instáveis)
e espaços mais fragmentados.
Assim, valorizam-se micropoderes em detrimento de macropoderes3.
O mesmo ocorre com a subjetividade em detrimento da objetividade e tam-
bém com as escalas locais em relação às escalas globais. Assim, as crises dei-
xam de ser encaradas como uma ameaça e começam a ser entendidas como
uma manifestação de uma nova ordem. É sob essa perspectiva que Haesbaert
(2006) reflete sobre a “ordem” que o ordenamento emana. A desordem, antes
de combatida, deve ser analisada como uma reorganização, o início de um
novo ordenamento. Algo similar pode ser aplicado ao conceito de território.
Mais que uma definição de classe de área, essa concepção estabelece uma rede
de relações e revela importantes questões acerca da territorialidade.
Segundo Sack (1986), o controle dos fluxos de pessoas, objetos e infor-
mações no espaço e pelo espaço – pela dominação e apropriação deste –,
constitui a territorialização. Em Haesbaert (2006), encontramos a noção
de des-re-territorização. Nesse sentido, a formação do território se dá por
processos concomitantes de desterritorização, desconstrução, reconfigura-
ção, novas relações e, por conseguinte, novas territorizações. Esses proces-
sos estabelecem uma complexa rede de dinâmicas econômicas, políticas,
sociais, culturais e naturais.
As dinâmicas econômicas privilegiam pontos (unidade fabris, portos e
sistemas de transportes) e linhas (espaços baseados no conceito de rede) e se
apropriam do espaço de modo reticular (territórios-rede). Um exemplo são as
3 Os macropoderes estão relacionados aos poderes institucionalizados pelo papel do Estado.
Os micropoderes são aqueles existentes dentro da sociedade moderna, seja nas relações privadas,
familiares e interpessoais, seja nas relações públicas dos indivíduos. Para melhor compreensão
desses conceitos, sugerimos a leitura da obra Microfísica do poder, de Michel Foucault (2014).
– 54 –
O Estado e a escala regional

empresas transnacionais4. A dinâmica política – diferentemente da econômica


– prioriza a formação de territórios-zona em que superfícies e áreas com limi-
tes bem definidos são privilegiados na gestão. No campo das dinâmicas sociais,
estariam os aglomerados de exclusão (favelas, comunidades periféricas, peri-
ferias) – formados pela condição de exclusão socioespacial5 – e as desigual-
dades (HAESBAERT, 1995). A dinâmica natural é diretamente vinculada às
relações sociedade-natureza, ultrapassa as escalas local/regional e estabelece
complexas ligações globais. Sobre essas diversas dinâmicas , Haesbaert afirma:
Esse emaranhado de condições e as complexas combinações daí resul-
tantes acabam dificultando enormemente a construção das políticas
de “ordenamento territorial” – que são, na verdade, sempre e mais do
que nunca, políticas de “des-ordenamento” territorial. Administrar a
des-ordem – e a exclusão ou precarização das condições sócio-espa-
ciais da população que a constitui – passa a ser o grande dilema a ser
enfrentado. (HAESBAERT, 2006, p. 121)

Um reordenamento mais eficiente, que leve em consideração essas dinâ-


micas, deve ter como objetivos a diminuição das desigualdades socioespaciais
e da exclusão socioeconômica por redes de articulação multiescalares, isto é:
Um “reordenamento territorial” integrado, hoje, é necessariamente
multiescalar e multiterritorial, no sentido da combinação não sim-
plesmente dos espaços político, econômico, cultural e “natural”, mas
das múltiplas escalas e formas espaciais (incluindo os territórios-rede)
em que eles se manifestam. Ignorar esta complexidade é retornar mais
uma vez a políticas paliativas e setoriais de pensar a relação entre a
sociedade e seu espaço. (HAESBAERT, 2006, p. 123)

Assim, são necessárias uma maior representatividade popular e, con-


sequentemente, a democratização dos processos políticos envolvidos no
4 Conhecidas também como multinacionais, as empresas transicionais são aquelas que pos-
suem matrizes em seus países de origem e filiais em tantos outros. São exemplos de multinacio-
nais corporações como Adidas (Alemanha), Toyota (Japão), Nestlé (Suíça), Motorola (Estados
Unidos) etc.
5 Na geografia há um debate intenso acerca da grafia de termos técnicos. A palavra socioespacial,
por exemplo, levanta grandes debates sobre sua grafia (se o ideal é sócio-espacial ou socioespacial).
Devido a aspectos de adequação à língua e ao Acordo Ortográfico, aqui adotamos a grafia
socioespacial. Para saber mais, recomendamos a leitura do artigo “Socioespacial ou sócio-
espacial: continuando o debate”, de Igor Catalão, disponível no link: <http://revista.fct.unesp.
br/index.php/formacao/article/viewFile/597/1226>. Acesso em: 16 jan. 2018.
– 55 –
Geografia Regional do Brasil

reordenamento. É também importante a compreensão das diversas identi-


dades culturais/locais e a integração com múltiplas escalas. Para Haesbaert
(2006), devem ser considerados no ordenamento brasileiro: municípios,
mesorregiões, macrorregiões6 e Estados.

3.3 O BNDES como agente do


planejamento regional brasileiro
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) – antes Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – foi
fundado em 20 de junho de 1952, com o intuito de criar e desenvolver
políticas para o desenvolvimento econômico do país. Sua inauguração
acompanhou o processo de industrialização no qual o Brasil encontrava.
Até então, o país tinha uma economia basicamente agrícola, muito depen-
dente do café e do açúcar, fato que denotava vulnerabilidade, pois a pro-
dução não era diversificada. Desse modo, o deficit produtivo era negativo,
isto é, importava-se muito mais do que se exportava.
A década de 1950 foi caracterizada por grandes transformações no país,
o que causou entusiasmo e otimismo na população. No campo político-eco-
nômico, as discussões giravam em torno do monopólio do petróleo. Foi nesse
período que o então presidente Getúlio Vargas criou, em 1953, a Petróleo
Brasileiro S. A – popularmente conhecida por Petrobras – e delegou a ela o
monopólio de exploração e produção do petróleo. Assim, o BNDES surgiu
como um impulso à estrutura produtiva do país, para promover e incentivar
o desenvolvimento econômico nacional e a industrialização e dinamizar cada
vez mais a produção em território brasileiro.
Inicialmente, o BNDES se propôs a negociar empréstimos externos para
o Plano de Reaparelhamento7, com vistas à industrialização e modernização do
país. Um exemplo dessa questão foi o Fundo Rodoviário Nacional, criado com
6 As macrorregiões são constituídas por territórios extensos e também apresentam característi-
cas – físicas, humanas, sociais etc. – comuns.
7 Conhecido também como Plano Lafer – sobrenome do então ministro da Fazenda Horácio
Lafer (1900-1965) –, tratava-se de um plano de desenvolvimento a ser implementado com a
cooperação financeira dos Estados Unidos.
– 56 –
O Estado e a escala regional

a finalidade de ampliar a malha rodoviária e estabelecer projetos de incentivo


à produção de novas fontes de energia elétrica, como o Plano Nacional do
Carvão e o Fundo Nacional de Eletrificação8. A Figura 4 explicita essa questão:
Figura 4 – Evolução da malha rodoviária pavimentada e não pavimentada
entre os anos 1960 e 1999.

70 000
60 000
50 000
40 000
30 000
20 000
10 000
0
60

62

64

66

68

70

72

74

76

78

80

82

84

86

88

90

92

94

96

98
19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19
Pavimentadas   Não-Pavimentadas

Fonte: PROSDOCIMI; LINHARES, 2006.


Durante o governo de Juscelino Kubitschek, o Plano de Metas (1956-
1961) foi um período de grande desenvolvimento, principalmente nos seto-
res de bens de produção e bens duráveis, o que promoveu um crescimento
econômico de aproximadamente 80% (CANCIAN, 2006). A partir dos
anos 1970, o Banco teve grande importância na política de substituição de
importações, com investimentos nos setores de bens de capital e insumos
básicos, que fizeram o parque industrial brasileiro se tornar o mais completo
da América Latina.
Já na década de 1980, a crise econômica e as ideias neoliberais repre-
sentadas pelas privatizações fizeram com que a participação do BNDES nas
8 O Plano Nacional do Carvão (Lei n. 1.886, de 1953) visava à produção de energia por meio
da exploração do carvão mineral. Já o Fundo Nacional de Eletrificação (Lei n. 2.308, de 1954)
propôs a criação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras).
– 57 –
Geografia Regional do Brasil

políticas de desenvolvimento fosse reduzida. No entanto, ainda houve inves-


timentos em agricultura e energia; além disso, foram feitos investimentos na
área social, o que incorporou o caráter social da entidade, que passara a se
chamar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O período
seguinte – governos Fernando Henrique Cardoso – foi marcado por uma
forte redução na política de financiamento, no qual a instituição encarregou-
-se de gerir o Plano Nacional de Desestatização (PND)9.
Nos governos Lula (2003-2011), o Estado teve grande importância
no incentivo ao crescimento econômico. Programas governamentais como
a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tiveram participação ativa e
importante do BNDES. Além disso, o Banco promoveu a modernização de
diversos setores produtivos, o desenvolvimento social e urbano e o incentivo
às micros, pequenas e médias empresas.
Nas regiões brasileiras, o BNDES tem a finalidade de promover o desen-
volvimento regional e a integração territorial. Por meio de programas, preten-
de-se diminuir as desigualdades sociais e de renda em parcerias com agentes
públicos e privados. Os instrumentos utilizados para fomentar o desenvolvi-
mento regional são explicitados na página web10 da instituição:
22 elaboração de análises socioeconômicas, que utilizam informa-
ções estatísticas, mapas e imagens de satélite para identificar as
oportunidades de desenvolvimento local e mitigar os possíveis
impactos que o crescimento pode provocar no meio ambiente e
na vida daquela sociedade;
22 articulação de grupos de trabalho interdisciplinares dedicados a
buscar sinergia entre as ações apoiadas pelo BNDES em locais
geograficamente próximos, nos diversos setores;

9 Sancionado pela Lei n. 9491, de 1997, o PND tinha como objetivos: transferir à iniciativa
privada algumas atividades do setor público; contribuir para a reestruturação econômica do
setor público; permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades transferidas para
a iniciativa privada; contribuir para reestruturação do setor privado; permitir que a adminis-
tração pública se concentrasse apenas em atividades fundamentais a ela; e contribuir para o
fortalecimento do mercado de capitais. Para ler o documento na íntegra, acesse: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9491.htm>. Acesso em: 10 jan. 2018.
10 Disponível em: <https://www.bndes.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2018.
– 58 –
O Estado e a escala regional

22 georreferenciamento das intervenções do BNDES para acom-


panhamento da evolução física de projetos, mapeamento de
impactos e construção de marcos para a avaliação;
22 políticas específicas para o Desenvolvimento Regional e
Territorial como a Política de Dinamização Regional (PDR),
que incentiva investimentos em regiões menos favorecidas e a
Política de Atuação no Entorno de Projetos, que propõe apoiar
o protagonismo local nos territórios que receberão os projetos
apoiados pelo Banco;
22 fomento constante para elevar o valor dos financiamentos nas
regiões menos favorecidas em proporção maior que sua contri-
buição para a formação do PIB (produto interno bruto) do país.
(BNDES, 2018)

Nesse contexto, diversos programas foram criados com a finalidade de


promover o desenvolvimento regional. Segundo Burns (2012), os primei-
ros programas dessa natureza estiveram vigentes até 2005. No entanto, o
desenvolvimento regional era tratado sob a ótica das grandes regiões e não
se fazia distinção entre as microrregiões de cada estado. Dentre esses, pode-
mos citar o Programa Amazônia Integrada (PAI), o Programa Centro-Oeste
(PCO), o Programa Nordeste Competitivo (PNC) e o Programa de Fomento
e Reconversão Produtiva da Metade Sul do Rio Grande do Sul (Reconversul).
O Programa de Dinamização Regional (PDR), criado no ano de 2005,
mudou de maneira considerável o foco de atuação dos programas de desen-
volvimento regional. Por meio do PDR seriam beneficiadas microrregiões e
municípios considerados de baixa renda (de acordo com o PIB per capita)
e programas localizados nas regiões Norte e Nordeste. De acordo com
Colombo (2014, p. 10), “o Programa de Dinamização Regional foi o alicerce
para a criação [...] da Política de Dinamização Regional. Embora os objeti-
vos fossem os mesmos que o Programa, esta Política apresentou o diferencial
que é próprio de uma política de desenvolvimento regional”. A Política de
Dinamização Regional apresentou dois importantes diferenciais: “(i) flexibi-
lizou, para micro, pequenas e médias empresas, a necessidade de garantias e
a importância da classificação de riscos, além de seguir ofertando os mesmos
benefícios a empresas de todos os portes, e (ii) ganhou um caráter perene, ao
evoluir de programa para política” (BURNS, 2012, p. 14).
– 59 –
Geografia Regional do Brasil

Como afirma Colombo (2014), a Política de Dinamização Regional reco-


nhece as desigualdades entre regiões e dentro de regiões e notabiliza a escala
microrregional como forma de promover o desenvolvimento regional de
maneira homogênea. Já a Política de Atuação no Entorno de Projetos – men-
cionada na página da instituição – atua para integrar as áreas que estão rece-
bendo grandes projetos por meio da utilização de instrumentos ao desenvolvi-
mento econômico e social nas áreas de entorno de grandes empreendimentos.
Quando um projeto se enquadra nesse perfil, recursos do BNDES
podem ser utilizados para proporcionar investimentos sociais e a interlocução
entre agentes públicos, privados e representantes locais para a elaboração da
Agenda de Desenvolvimento Territorial (ADT). A ADT é um conjunto de
investimentos e ações com o objetivo de potencializar impactos positivos de
grandes projetos. Podemos verificar o montante desses investimentos a seguir.
Figura 5 – Investimentos realizados pelo BNDES entre os anos 2008 e 2014.

PORTOS AEROPORTOS RODOVIAS, TRANSPORTE TERMINAIS DUTOS DE ESTALEIROS, SIDERURGIA E


PONTES PÚBLICO MULTIMODAIS, TRANSPORTE NAVIOS MINERAÇÃO EM
E FERROVIAS DE ARMAZENAMENTO (PETRÓLEO, E REBOCADORES LARGA ESCALA
E CONDOMÍNIOS ETANOL, GÁS),
LOGÍSTICOS PLATAFORMAS
MARÍTIMAS,
REFINARIAS

INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA

44%
(R$ 289,4 BI)

68,5 EM R$ BILHÕES R$
654,1
BILHÕES

*GRANDES
PROJETOS
56%
(R$ 364,7 BI)
(acima de
36,6 500 MW)
* **
PEQUENOS INVESTIMENTOS DO BNDES
27,7 E MÉDIOS 27,9 (2008-2014)
24,5 23,2 PROJETOS
EM INFRAESTRUTURA, LOGÍSTICA
(abaixo de 19,3
500 MW) E ENERGIA
11,5 11,7 INVESTIMENTOS DO BNDES
9,5 8,9
6,5 ** 6,1 (2008-2014) EM OUTRAS ÁREAS
2,4 4,5

ENERGIA

PROJETOS PROJETOS PROJETOS PROJETOS PROJETOS NOVAS LINHAS


HIDRELÉTRICOS DE TERMELÉTRICOS NUCLEARES EÓLICOS SUCROALCOOLEIROS DE TRANSMISSÃO
GRANDE, MÉDIO E
PEQUENO PORTE

– 60 –
O Estado e a escala regional

PORTOS AEROPORTOS RODOVIAS, PONTES TRANSPORTE TERMINAIS DUTOS DE TRANSPORTE ESTALEIROS, NAVIOS SIDERURGIA E
E FERROVIAS PÚBLICO MULTIMODAIS, (PETRÓLEO, ETANOL, E REBOCADORES MINERAÇÃO EM
DE ARMAZENAMENTO E GÁS), PLATAFORMAS LARGA ESCALA
CONDOMÍNIOS MARÍTIMAS, REFINARIAS
LOGÍSTICOS

INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA

ENERGIA
PROJETOS HIDRELÉTRICOS DE
GRANDE, MÉDIO E PEQUENO PORTE

PROJETOS TERMELÉTRICOS

PROJETOS NUCLEARES

PROJETOS EÓLICOS

PROJETOS
SUCROALCOOLEIROS

NOVAS LINHAS
DE TRANSMISSÃO

Fonte: IBASE, 2018. Adaptado.


Por fim, é notória a participação do BNDES como importante agente
na promoção do desenvolvimento regional de nosso país. Em um primeiro
momento, o Banco agiu ativamente no processo de industrialização e
modernização da economia. Com o passar do tempo – ao adquirir tam-
bém uma função social –, o BNDES passou a promover ações por meio de
políticas específicas de integração e financiamentos voltados para o desen-
volvimento regional em diversas escalas, com vistas à diminuição de desi-
gualdades sociais e econômicas.
– 61 –
Geografia Regional do Brasil

Conclusão
Até aqui, verificamos as principais correntes de pensamento relaciona-
das à geografia regional e seus principais conceitos. Região, território, plane-
jamento regional e ordenamento territorial são conhecimentos que devemos
compreender e se apropriar para a análise sob a ótica da geografia regional.
As definições de Poder, poder, Estado, Estado-nação e pós-modernidade tam-
bém devem ser absorvidas para não cometermos erros interpretativos.
Agora, cabe-nos detalhar os estudos sobre as regionalizações oficiais brasi-
leiras, compreender como um geógrafo é capaz de realizar de maneira analítica
trabalhos dessa natureza e, por fim, refletir sobre como o estudo da geografia
regional influenciou e influenciará nossa visão geográfica do mundo.

Ampliando seus conhecimentos


A relação central das cidades no planejamento regional e no ordena-
mento territorial fica evidente no discurso de pesquisadores e instituições.
O texto de Maria Lúcia de Oliveira Falcón, produzido para a coleção Textos
para Discussão, do BNDES, discorre sobre essa relação. Sempre que possível,
leia o texto completo, acesse as referências bibliográficas e amplie sua busca
por autores correlatos.

A rede de cidades e o ordenamento


territorial
(FALCÓN, 2015, p.36-37)

[...] a urbanização intensiva e rápida pela qual o Brasil passou


nos últimos cinquenta ou sessenta anos apresenta característi-
cas de reprodução das desigualdades sociais, econômicas e
de não preservação do meio ambiente, apesar de as políticas
públicas dos últimos 12 anos tentarem reverter esse quadro.
Em segundo lugar, que os instrumentos hoje utilizados para
planejar e apoiar o desenvolvimento regional e territorial,
– 62 –
O Estado e a escala regional

pelos ministérios, estados e municípios (salvo exceções que


confirmam a regra), além dos bancos públicos, são estáticos
e conservadores, além de criarem um arcabouço restritivo e
inadequado quanto a prazos, condições e percepção dos
resultados para que os atores locais (públicos ou privados)
assumam o protagonismo do processo.
Em terceiro lugar, um instrumento mais moderno e que
observa o território em sua dinâmica já existe, podendo ser
naturalmente aperfeiçoado para subsidiar o trabalho de plane-
jamento do desenvolvimento regional e territorial: é a pesquisa
Regic, executada pelo IBGE. Sua maior contribuição é regis-
trar a rede urbana em relação a áreas de influência dos centros
de gestão do território, definidas pelos fluxos que a eles che-
gam ou que deles partem, com decisões, informações, cultura,
dinheiro e mercadorias. Assim, as questões da reforma agrária,
da produção rural, da reforma urbana e da produção urbana
convergem para um mesmo instrumento de transformação que
fala uma língua mais compreensível, sem nenhuma barreira de
linguagem pseudocientífica: mapas com linhas e pontos que
mostram onde se está e aonde se quer chegar. [...]

Atividades
1. A cidade, como ponto focal do espaço urbano, é colocada como
protagonista na compreensão de relações econômicas, e, consequen-
temente dos projetos de planejamento regional e ordenamento ter-
ritorial. Quais discussões no campo da geografia essa centralidade
levanta? Relacione-as e argumente criticamente.

2. O que é condição pós-moderna e como ela modifica a compreensão de


ordenamento territorial especialmente na geografia?
– 63 –
Geografia Regional do Brasil

3. Qual a importância do BNDES no planejamento regional brasileiro


realizado até os dias atuais? Discuta sobre como essa instituição repre-
senta as visões de governo acerca da macro e da microeconomia, bem
como sobre aspectos socioculturais.

4. Conceitue Estado-nação e relacione seu significado no sistema capita-


lista com as propostas de planejamento regional no Brasil.

– 64 –

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