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Jung: a ciência revolucionária

A psicologia analítica de Jung é um caso curioso na ciência. Pode-se dizer que suas idéias
muitas vezes são melhor assimiladas entre o público médio que dentro do meio acadêmico. Hoje,
quatro décadas após sua morte, suas teorias a respeito da psique humana, do inconsciente e dos
sonhos ainda são consideradas revolucionárias e um tanto místicas.
E o que é mais estranho: elas são, a cada dia, mais assimiladas por áreas distintas da
psicologia como a física subatômica, a sociologia, a antropologia e até mesmo a ufologia. O que
afinal possuem as idéias de Jung que tanto incomoda os acadêmicos ortodoxos, cativa os leigos e
aproxima as ciências?
Neste artigo você vai conhecer um pouco sobre a vida e as idéias deste que é considerado o 1º
pensador da pós-modernidade e o mais revolucionário pesquisador da consciência.

Carl Gustav Jung nasce em 1875, em Kesswill, na Suíça. Forma-se médico e especializa-se em
psiquiatria, ciência em formação. O interesse pelos distúrbios mentais o faz desenvolver profundos
estudos sobre a mente e suas conclusões o aproximam de Freud em 1907.
O já famoso psicanalista judeu-austríaco é persona non grata no meio universitário e enfrenta
dificuldades para ter levadas a sério suas idéias sobre o inconsciente. Freud logo reconhece o alto
valor do suíço e vê nele, no não-judeu, a cabeça ideal para levar adiante a psicanálise. Jung, chefe
de clínica do famoso hospital psiquiátrico de Zurique, mesmo ciente dos riscos que corre sua
carreira e vendo limitações comprometedoras nas teorias do mestre vienense, toma defesa de
Freud em público e assim tornam-se colaboradores.
Seus estudos, porém, levam-no a divergir da Psicanálise e a dolorosa ruptura acontece em
1912. Freud sente-se traído. E Jung vê-se em apuros pois conhecidos e amigos o abandonam.
Inicia-se aí o período mais difícil e delicado de sua vida onde ele abandona as atividades
acadêmicas e parte para um solitário, terrível e decisivo confronto com o inconsciente - que levará
anos e quase lhe será fatal.
Mas ele emerge dessa fase revigorado e prossegue, mesmo consciente que dificilmente a
mentalidade científico-ocidental levará a sério coisas como inconsciente coletivo, mitologia e
alquimia - para ele fundamentais na compreensão de certos processos psíquicos. Morre aos 86
anos, em 1961, deixando uma instigante obra, ainda hoje revolucionária.
A maioria dos cursos de psicologia de hoje dedicam, quando muito, uma ou duas disciplinas às
idéias de Jung. Assim como a medicina tradicional ainda está presa ao paradigma mecanicista
newtoniano, nossa psicologia "oficial" ainda é freudiana/psicanalítica. No entanto alguns
pesquisadores apoiaram as teorias do suíço, inclusive físicos (!) que viram em suas inusitadas
descobertas no mundo das partículas subatômicas, incríveis semelhanças com as teorias
junguianas. Para esses cientistas o mundo dos átomos revelava uma espécie de consciência e, de
repente, era como se mente e matéria não fossem tão distintas assim e se influenciassem
mutuamente - como afirmava Jung, desafiando o paradigma newtoniano/descartiano vigente.
Sociólogos e antropólogos também o apoiaram e a Psicologia Transpessoal surgiu a partir dele.
Como pesquisador da consciência, terapeuta, antropólogo e pensador, Jung levou suas
descobertas a uma abrangência notável, refletindo sempre sua preocupação com o futuro da
humanidade. Suas idéias estão cada vez mais presentes em livros, grupos de estudo e nas novas
maneiras de se interpretar a realidade. E de algum tempo para cá o público médio, buscando
novos modelos de entender a vida, passou a se interessar por ele.
Ciência e Eu Superior

Jung afirma que o inconsciente não é subproduto da consciência nem mero depósito de
desejos recalcados e frustrações sexuais, como pensava Freud. Para ele o inconsciente é uma
entidade viva, independente de nossa percepção dele, acima das noções dualistas de bem e mal. É
a outra parte de nossa psique que o ego (consciência superficial) desconhece. Ele está sempre
atuando e faz com que os sonhos, em sua linguagem simbólica, sejam a representação fiel da
psique - nossa razão crítica é que se afastou da linguagem dos símbolos e não mais a entende.
Para Jung a vida tem sentido sim, e sua grande finalidade é a individuação: processo de
profundo autoconhecimento onde tomamos a coragem de nos confrontar com velhos medos e o
que desconhecemos de nós próprios. Os sonhos então revelam-se como um importante guia para
esse conhecimento. Uma vez que alguém se entrega a esse caminho nada racional, sua vida
parecerá ser magicamente conduzida por uma sabedoria maior que Jung denominou self (o si-
mesmo), o centro de cada um de nós. Individuar-se significa fazer o ego (a consciência da
superfície) ir ao encontro desse centro. Representa separar-se da massa, do turbilhão inconsciente
e adquirir autonomia; representa tornar-se uma totalidade psicológica, una e entrada, sem divisões
internas, autoconsciente: um in-divíduo. Este é o caminho para a personalidade total e a buscada
realização pessoal. Para Jung, o futuro da humanidade dependerá diretamente da quantidade de
pessoas que conseguirem se individuar.
Não é difícil imaginar o quanto isso deve ter soado místico a certas mentalidades. Quer dizer
então que se eu entrar nessa, meu eu superior passa a cuidar de mim? - gozam os mais céticos.
Os não-céticos preferem pagar para ver.

Ovnis - Nos Céus da Alma

Jung foi ousado ao valorizar o estudo da mitologia, das religiões e também da sabedoria
oriental (ela e seu modo tão anti-ocidental de pensar), mostrando-nos a ponte para ligar dois
modos distintos - mas não excludentes - de interpretar a realidade.
Seu conceito de sincronicidade (a coincidência entre estados psíquicos e acontecimentos físicos
sem relação causal entre si) trouxe à mentalidade científica a chance de conhecer o mecanismo
das grandes coincidências, dos oráculos e de eventos ditos ocultos. Sugeriu que, assim como a
idéia taoísta de unicidade, nosso inconsciente forma com todos os outros um inconsciente, único e
coletivo - assim, sem percebermos, estão nossos pensamentos todos interconectados. Chegou à
corajosa conclusão que a humanidade guarda em seu inconsciente o registro de todas as suas
vivências, mesmo as mais arcaicas - mitos e arquétipos - e assim o passado de um torna-se
patrimônio de todos (viria daí, afinal, a idéia de que já fomos alguém em outra vida, presente em
tantas culturas?). Mostrou que o I Ching, o milenar livro chinês das mutações, constitui a primeira
tentativa documentada de relacionar o inconsciente e o Universo, e assim a mentalidade oriental
deveria ser vista com menos preconceito... Jung falava de intercâmbio, não de descarte, entre
distintas percepções da realidade. Mas a ciência tradicional deu risinhos.
Seus estudos da alquimia mostraram que ela é precursora da nossa ciência do inconsciente. A
relação mente/matéria já era conhecida dos alquimistas, que se valiam de uma linguagem
simbólica para descrever processos psíquicos. Sobre isso, diz a psicóloga Nise da Silveira, uma das
mais respeitadas estudiosas da obra de Jung no mundo: "A exploração em profundeza do
inconsciente levou ao curioso achado de que os mais universais símbolos do self (si-mesmo)
pertencem ao reino mineral. São eles a pedra e o cristal. Se o psicólogo, nas suas investigações
através das camadas mais profundas da psique encontra a matéria, por sua vez o físico, nas suas
pesquisas mais finas sobre a matéria, encontra a psique."
As idéias de Jung influenciam até mesmo a Ufologia. Hoje pesquisadores de todo o mundo
debruçam-se intrigados sobre o drama psicológico dos contatados e abduzidos (pessoas que dizem
ter contatos com extraterrestres), encarando-o sob outro enfoque - o que faz a Ufologia tomar um
caminho surpreendentemente novo. Já em 1958, em seu livro Um mito moderno, Jung alertava
que é preciso pensar nesse discos-voadores mais abrangentemente e entender o aspecto
metafórico das aparições, sejam verdadeiras ou não. É preciso entender o drama dessas pessoas à
luz dos arquétipos e da mitologia - o mito da jornada do herói. Muito além da importância de
tentar provar a realidade física do fenômeno, estaria a necessidade de entender que contatados e
abduzidos são como heróis que a vida escolheu para viver, como pioneiros, certas experiências
que conduzirão a humanidade a uma nova e mais abrangente compreensão da realidade e de si
mesma.
O fenômeno dos discos-voadores, mito recente de nosso século, será então uma projeção, nos
céus, de um intenso anseio coletivo de salvação num momento crucial de desespero. Será a
representação simbólica do mais profundo arquétipo de unificação e totalidade psíquica dos
homens de todos os tempos e lugares: o círculo. Com isso Jung não pretende reduzir o fenômeno
ao seu aspecto interior mas sim alertar para a relação entre o que ocorre na alma da humanidade
com o que está acontecendo nos céus de nosso planeta.

Dormindo com o Inimigo

Jung deu o nome de psicologia analítica à sua psicologia. Ela difere da psicanálise em muitos
pontos mas ele mesmo não descarta a importância dessa para alguns tipos específicos de terapia.
A psicologia de Jung incentiva o indivíduo a descer os degraus escuros do inconsciente e, uma
vez lá, reconhecer o que ele na verdade é e integrar esses conteúdos à consciência. Assim como
alguém que decide fazer um curso de computação para investir em seu futuro, muitos procuram
uma terapia para... autoconhecer-se, saber de suas potencialidades. Aí está um grande
investimento: conhecer-se melhor.

Para viver melhor.

O processo de individuação será sempre algo difícil. Mas ele é a base da existência. Durante
muito tempo nós o vivemos apenas superficialmente, mas em algum momento da existência a
psique chama o ego a voltar-se para si, a conhecer-se, a vasculhar no interior as verdades até
então buscadas fora. A partir daí novos horizontes se abrem para a realização pessoal. Entretanto,
se o ego se recusa a tal autoconscientização, a vida tende a se encaminhar a um conflito
insustentável. Poderão vir daí certas doenças, fracassos e até mesmo a morte. A psique é então
uma entidade que se regula a si mesmo.
Acessar o inconsciente nos faz ver que os conflitos da humanidade acontecem primeiro dentro
de cada um, sutilmente, para depois se exteriorizar. Para Jung, entendermo-nos com aquilo que
não conhecemos de nós mesmos é o grande passo que falta ao Homo sapiens. Só assim
deixaremos de ver o inimigo no outro e o reconheceremos onde sempre esteve: dentro de nós
mesmos. Esta é uma verdade simples que poucos enxergam.

Haverá revolução maior?

Ricardo Kelmer

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