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Marcello Musto

OS MANUSCRITOS ECONOMICO-FILOSÓFICOS DE 1844 DE


KARL MARX: dificuldades para publicação
e interpretações críticas1

Marcello Musto* (https://orcid.org/0000-0003-0911-5907)

Os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 constituem um dos escritos de Karl Marx mais célebres e
difundidos em todo o mundo. Todavia, este texto, tão debatido e tão presente nos debates marxistas per-
maneceu desconhecido por muito tempo. As leituras instrumentais, que um e outro grupo fizeram sobre
os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, são um claro exemplo de como a obra de Marx tenha sido
constantemente objeto de conflitos teórico-políticos. Para melhor evidenciar tal realidade, o segundo e o ter-
ceiro parágrafo deste artigo reconstroem as dificuldades editoriais ligadas à sua publicação. Os parágrafos
quarto, quinto e sexto apresentam, no entanto, uma breve resenha. Uma análise filológica dos Manuscritos
econômico-filosóficos de 1844 foi desenvolvida no sétimo e oitavo parágrafos, tendo por base a nova edição
históricocrítica MEGA. Na conclusão, segue uma tabela que reconstrói a cronologia da elaboração dos ma-
nuscritos e dos cadernos de extratos do período.
Palavras-chaves: Manuscritos Econômico-Filosófico de 1844, Jovem Marx, Marxismo, Alienação, MEGA.

1 INTRODUÇÃO sentavam a base filosófica do pensamento de


Marx, que permeia toda sua obra e que foi se
Os Manuscritos econômico-filosóficos de enfraquecendo durante o longo período de ela-
1844 constituem um dos escritos de Karl Marx boração de O Capital? Esse conflito interpreta-
mais célebres e difundidos em todo o mundo. tivo teve valor político. A primeira interpreta-
Todavia esse texto, tão debatido e tão presente ção foi sustentada pelos estudiosos soviéticos
nos debates marxistas, pela exaustiva interpre- de Marx e por grande parte dos intérpretes que
tação da concepção de seu autor, permaneceu tinham um forte vínculo com os partidos co-
desconhecido por muito tempo. Na verdade, munistas ligados ao chamado “bloco socialis-
de sua redação a quando foi publicado, pas- ta” ou que faziam parte dele. A segunda, no

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sou-se quase um século. entanto, foi apresentada pelos protagonistas de
A publicação, ocorrida em 1932, não um marxismo crítico, que encontraram, exata-
pôs fim, no entanto, às dificuldades. Com ela, mente nesse texto, as fontes textuais e as mais
iniciou-se a longa discórdia relacionada a seu eficazes argumentações (em particular, o con-
caráter. Os Manuscritos econômico-filosóficos ceito de alienação) para romper o monopólio
de 1844 eram escritos que expressavam con- que a União Soviética tinha adquirido, até en-
cepções típicas da esquerda hegeliana, portan- tão, sobre a obra de Marx.
to, ainda pouco desenvolvidos se forem rela- As leituras instrumentais que um e ou-
cionados à crítica da economia política que tro grupo fizeram sobre os Manuscritos econô-
Marx desenvolveu em seguida? Ou eles repre- mico-filosóficos de 1844 constituem um claro
exemplo de como a obra de Marx tem sido
1
constantemente objeto de conflitos teórico-po-
* Associate Professor of Sociological Theory. Department líticos e frequentemente manobrada em razão
of Sociology.
2060 Vari Hall. York University. 4700 Keele Street. To- desses interesses, com interpretações distor-
ronto, ON, Canada M3J 1P3. marcello.musto@gmail.com
cidas. Para melhor evidenciar tal realidade, a
1
Tradução do italiano por Margareth Nunes, professora da
Faculdade de Letras da UFG. Revisão Técnica: David Maciel. segunda e a terceira parte deste artigo recons-

http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v32i86.25803 399
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troem as dificuldades editoriais ligadas à sua intelectual (Cf. Marx, 1927).4 Não obstante o
publicação. Nas quarta, na quinta e na sexta grande rigor dos estudos feitos por Rjazanov,
seçã, apresenta-se uma breve resenha – consi- essa hipótese interpretativa se revelou equivo-
derando os volumes escritos por tantos intér- cada. As indicações de Marx e o conteúdo das
pretes desse texto – com suas interpretações. páginas dos Manuscritos econômico-filosóficos
Uma breve análise filológica dos Manuscritos de 1844 testemunham que eles foram, de fato,
econômico-filosóficos de 1844 é desenvolvida um estudo preparatório para A sagrada famí-
nas sétima e na oitava partes, tendo por base lia, mas também um trabalho anterior e dife-
a nova edição histórico-crítica MEGA², e são rente, dedicado à sua primeira análise crítica
apresentadas algumas indicações sobre a ne- da economia política. Em 1929, La Revue Mar-
cessidade de se lançar uma nova edição italia- xiste publicou a tradução francesa desse tex-
na desse texto. Na conclusão, segue uma tabela to, que apareceu em dois números diferentes
que reconstrói a cronologia da elaboração dos e com títulos diferentes. No primeiro número,
manuscritos e dos cadernos de extratos do pe- de fevereiro, apareceu uma parte intitulada
ríodo (outono de 1843 a janeiro de 1845). Notes sur le communisme et la propriété privée
(Notas sobre o comunismo e a propriedade pri-
vada), enquanto no quinto número, em junho,
AS DUAS EDIÇÕES DE 1932 saiu a parte seguinte com o título Notes sue les
besoins, la production et la division du travail
A primeira publicação parcial dos Ma- (Notas sobre as necessidades, a produção e a
nuscritos econômico-filosóficos de 1844 foi fei- divisão do trabalho) (Marx, 1929a,b).5 Os tex-
ta em língua russa, sob a responsabilidade de tos foram apresentados como fragmentos da
David Borisoviĉ Rajazanov. Em 1927, na ver- obra de Marx do ano de 1844 e divididos em
dade, no meio do terceiro volume do Archiv vários subtítulos, que os separavam em partes
K. Marksa i F. Engel’as, o famoso estudioso de para simplificar a leitura do conjunto.
Marx, na época diretor do Instituto Marx-En- Ainda em 1929, na K. Marx – F. Engels
gels (IME) de Moscou, publicou grande parte Soĉinenija (Obras) (1928-1947), a primeira
do que viria a ser denominado “terceiro” ma- edição soviética das obras de Marx e Engels,
nuscrito,2, com o título Trabalhos preparatórios foi feita uma segunda edição russa do texto. O
para a “Sagrada Família” (Marx, 1927).3 O tex- manuscrito foi inserido no III tomo, da mesma
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to foi precedido de uma introdução do próprio forma fragmentária e com o mesmo título er-
Rjazanov, que destacou a importância do perí- rado de 1927 (Marx, 1929c). Além disso, em
odo no qual foram escritos esses manuscritos, 1931, a revista “Unter den Bannern des Mar-
caracterizado por um rapidíssimo avanço teó- xismus” publicou a primeira versão em língua
rico de seu autor. Segundo o estudioso russo, alemã do fragmento Kritik der Hegelschen Dia-
o valor das notas publicadas era excepcional, lektik und der Philosopnie überhaupt (Crítica
pois, longe de representarem uma mera curio- da dialética e em geral da filosofia de Hegel)
sidade bibliográfica, elas constituíam uma (Marx, 1931).6
etapa importante do caminho de Marx e per- A primeira edição completa em língua
mitiam entender melhor seu desenvolvimento alemã foi lançada em 1932. Na verdade, no
4
A esse respeito veja também Albert Mesnil, Note sur le
2
O que foi preservado dos Manuscritos econômico-filosófi- communisme et la propriété priée (1929).
cos de 1844 são três manuscritos (com 27 partes do primei-
ro, 4 do segundo e 41 do terceiro), aos quais se deve acres- 5
Todos os títulos das obras ou artigos não traduzidos para
centar uma folha de 4 partes, que contém um prospecto do o italiano aparecem no texto com o título original seguido
último capítulo da Fenomenologia do Espírito de Georg W. pela tradução entre parênteses.
F. Hegel, inserido por Marx no terceiro manuscrito. 6
Os títulos das obras dos autores estrangeiros incluídos
3
Os títulos das obras em russo foram traduzidos pelo autor neste artigo, assim como as citações delas retiradas, foram
diretamente no texto e citados em transliteração em nota. traduzidos pelo autor.

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mesmo ano, as versões publicadas foram duas, texto foi acompanhado por pouquíssimas indi-
e tal circunstância ajudou a alimentar a confu- cações filológicas, contidas no prefácio dos or-
são em relação ao texto. Os estudiosos social- ganizadores, que indicavam o provável perío-
democratas Siegfried Landshut e J. P. Mayer do em que foram redigidos os manuscritos, no
publicaram uma coletânea das obras juvenis arco de tempo entre fevereiro e agosto de 1844.
de Marx em dois volumes, Der historische Ma- Inicialmente, o texto deveria ter sido publica-
terialismus. Die Frühschriften (O materialismo do em uma única edição, com o título Über den
histórico. Os escritos juvenis) (Marx, 1932a), Zusammenhang der Nationalökonomie mit der
na qual também foram inseridos os Manuscri- Staat, Recht, Moral, und bürgerlichem Leben
tos econômico-filosóficos de 1844. Tal edição ti- nebst einer Auseinandersetzung mit der Hegels-
nha sido antecipada no ano anterior por um ar- chen Dialektik und der Philosophie überhaupt
tigo do próprio Mayer, que anunciava a edição (Sobre o vinculo da economia política com o
de um importantíssimo “texto de Marx até en- Estado, o direito, a moral e a vida burguesa
tão desconhecido” (Mayer, 1931, p 154-157).7 com uma disputa com a dialética hegeliana e
Nessa coletânea, no entanto, os manuscritos a filosofia em geral), sob os cuidados de Mayer
de Marx foram publicados só parcialmente e e de Friedrich Salomon, sendo o primeiro res-
com diversas e graves imprecisões. O “primei- ponsável pela parte interpretativa e o segundo
ro” manuscrito não estava presente; o “segun- pela parte editorial.
do” e o “terceiro” foram publicados em total No entanto, após a segunda revisão dos
desordem; e foi ainda inserido um suposto originais, o texto foi inserido na coletânea an-
“quarto” manuscrito, que era, de fato, somente teriormente citada, sob os cuidados do próprio
o compêndio do capítulo final da Fenomenolo- Mayer e de Landshut (Cf. Landshut; Mayer,
gia do Espírito de Hegel, sem qualquer comen- 1932a). Não obstante os graves erros editoriais
tário de Marx. Além do mais, a ordem das vá- e interpretativos até agora expostos, essa ver-
rias partes foi alterada (os manuscritos foram são foi bastante divulgada na Alemanha e foi
publicados na sequência III, II, IV) tornando a base da tradução francesa, feita em 1937 por
sua compreensão ainda mais difícil. Mais gra- J. Molitor.
ve ainda é que a tradução do original continha A segunda versão dos Manuscritos eco-
numerosos erros, e o título escolhido também nômico-filosóficos de 1844, publicada em 1932,
foi definitivamente equivocado. O título Natio- apareceu no terceiro volume da primeira seção

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nalökonomie und Philosopie. Über den Zusam- da edição das obras completas de Marx e En-
menhang der Nationalökonomie MIT Staat, gels, a Marx Engels Gesamtausgabe (MEGA),
Recht, Moral,und bürgerlichem Leben (1844) organizado pelo Instituto Marx-Engels de Mos-
(Economia política e filosofia. Sobre o vínculo cou. Foi a primeira edição integral e científica
da economia política com o Estado, o direito, desse texto, ao qual foi dado o título que se tor-
a moral e a vida civil) não correspondia ao que nou célebre posteriormente: Ökonomisch-phi-
afirmara Marx no prefácio: “poderá ser obser- losophische Manuskripte aus dem Jahre 1844
vado, no presente texto, que o vínculo da eco- (Marx, 1932b). Pela primeira vez, os manus-
nomia política com o Estado, o direito e a mo- critos foram publicados na disposição exata, e
ral será levado em consideração apenas na me- os originais foram traduzidos de modo acura-
dida que a própria economia política leva em do como não tinham sido na edição realizada
consideração ex professo esses temas” (Marx, na Alemanha. Uma introdução, embora muito
1968, p. 3). Um último e importante detalhe: o circunscrita, reconstruiu a gênese do texto, e
cada manuscrito foi precedido por uma bre-
7
As citações retiradas dos textos que não foram traduzidas ve descrição filológica. Mais precisamente,
para o italiano e que aparecem neste artigo são de respon-
sabilidade do autor. no volume, havia o subtítulo Para a crítica da

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economia política. Com um capítulo exclusi- qual ele tinha redigido esses textos somente
vo sobre a filosofia hegeliana, os três manus- após ter lido e compendiado as obras de eco-
critos ficaram com os seguintes subtítulos: I. nomia política (Cf. McLellan, 1974). Na reali-
Salário – exploração do capital – Renda fun- dade, o processo de redação se desenvolveu de
diária – Trabalho estranhado; II. A relação da modo alternado entre grupos de manuscritos e
propriedade privada; III. Propriedade privada resumos (Cf. Lapin, 1974). Aliás, esses últimos
e trabalho – Propriedade privada e comunismo intercalaram toda a produção parisiense, dos
– Necessidade, produção e divisão do trabalho ensaios escritos para o Deustsch-französiche
– Dinheiro – Crítica da dialética e, em geral, Jahrbücher até A sagrada família.
da filosofia de Hegel. O “quarto manuscrito”, Em todo caso, a edição da MEGA se
como era chamado, que continha os excertos apresentou como a melhor e se tornou a base
de Hegel, foi publicado em um apêndice com de grande parte das traduções que se segui-
o título Excertos de Marx do último capítulo da ram. As duas diferentes versões publicadas em
‘Fenomenologia do espírito’ de Hegel.8 1932 entravam em conflito, não só por algu-
Todavia, também os editores da MEGA, mas questões de filologia. Com o passar dos
tendo de dar nome a esses manuscritos, colo- anos, o confronto entre “marxismo ocidental”
cando um prefácio no início do texto (na ver- e “marxismo soviético” foi se tornando sempre
dade, se encontra no terceiro manuscrito) e mais áspero, e a interpretação dos Manuscritos
de reorganizar o conjunto, deram a entender econômico-filosóficos de 1844 se apresentou
que Marx teria tido, desde o princípio, a ideia como um dos principais objetos da disputa.
de escrever uma crítica da economia política Victor Adoratskij, o diretor da MEGA – subs-
e que os manuscritos seriam uma obra origi- tituto de Rjazanov em 1931, após os expurgos
nariamente dividida em capítulos (Cf. Rojahn, de Stalin, que também atingiram o IME, o qual,
1983, 2002). Particularmente significativa, nesse meio tempo, tinha se tornado o Instituto
nessa edição, foi, no entanto, a publicação dos Marx-Engels-Lenin (IMEL), – apresentou o tex-
cadernos de anotações de Marx. Desde o perí- to como um escrito fragmentário, cujos temas
odo universitário, na verdade, ele tinha adqui- eram o salário, a exploração do capital, a renda
rido o hábito, que manteve por toda a vida, de fundiária e o dinheiro, no qual Marx tinha ela-
colocar em cadernos os resumos dos livros que borado uma análise da estrutura econômica do
lia, intercalando-os com as reflexões que eles capitalismo recorrendo ainda à terminologia
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suscitavam. Aqueles relativos ao período pari- filosófica feuerbachiana (Cf. Adoratskij, 1932).
siense foram publicados na segunda parte do Por outro lado, Landshut e Mayer9 escreveram
volume apresentado como Aus den Exzerpthef- uma obra que, “na essência, antecipa[va] já O
ten. Paris, anfang 1844 – Anfang 1845 (Dos ca- Capital”, e que era, “em um certo sentido, a
dernos de resumos. Paris, início de 1844 – iní- obra central de Marx, [que] forma[va] o ful-
cio de 1845) e incluíram os resumos, até então cro de todo seu desenvolvimento conceitual”
inéditos, das obras de Friendrich Engels, Jean (Landshut; Mayer, 1932a, p. 33-38) e que não
Baptiste Say, Fréderic Skarbek, Adam Smith, apenas devolvia ao leitor a terminologia filo-
David Ricardo, James Mill, John R. MacCullo- sófica marxiana dos primeiros escritos, mas
ch, Antoine L. C. Destutt de Tracy e Pierre de expressava também a necessidade de recon-
Boisguillebert. Essa edição apresentou ainda a duzir as teorias econômicas subsequentes aos
descrição dos nove cadernos e um índice al- conceitos desenvolvidos durante esse período.
fabético de todas as obras compendiadas (Cf. Ou seja: explicitava o conteúdo filosófico da
Marx, 1932b). Os intérpretes de Marx assu-
miram, no entanto, a tese, inexata, segundo a 9
A introdução assinada pelos dois organizadores, na ver-
dade, foi feita somente por Landshut, que também a pu-
8
Tradução livre do autor. blicou como opúsculo, em separado (Cf. Landshut, 1932).

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teoria econômica da maturidade. Não obstante lidade somente de Landshut, foi publicada a
a ausência de fundamento, essa interpretação versão de 1932, com o novo título de Ökono-
obteve grande sucesso e pode ser atribuído mische-philosophische Manuskripte (1844). Os
exatamente a esse ensaio o nascimento – facili- erros de 1932 foram repetidos, e as únicas al-
tado, posteriormente, por muitos, como Louis terações se referem à substituição de algumas
Althusser, que não compartilhavam essa tese traduções do original, que estavam erradas,
– da invenção do “jovem Marx”. com base na edição MEGA. Dois anos depois,
surge a coletânea K. Marx – F. Engels. Kleine
ökonomishe Schriften (Marx, 1953) (Breves
TRADUÇÕES E PUBLICAÇÕES escritos econômicos), que apresentou os Ma-
POSTERIORES nuscritos econômico-filosóficos de 1844 sem o
capítulo final sobre a “Crítica da dialética e em
Graças à sua superioridade filológica, a geral da filosofia de Hegel”. Além do mais, o
versão MEGA se destacou particularmente, e texto foi revisado, sem algumas imprecisões
quase todas as traduções que apareceram de- contidas na versão MEGA de 1932.
pois se basearam nela – no Japão, em 1946, na Paralelamente aos limites dessas novas
Itália, em 1949, sob os cuidados de Norberto edições alemãs – que representaram, todas,
Bobbio, e, em 1962, também na França, após um retrocesso em relação àquela da MEGA –,
a versão filologicamente pouco confiável de deve-se ressaltar a grande “perseguição” sofri-
1937, citada anteriormente. da pelos Manuscritos econômico-filosóficos de
A melhor qualidade da edição MEGA foi 1844 na União Soviética e, mais amplamen-
reconhecida também pelo estudioso e teólogo te, no Leste da Europa. Em 1954, o Instituto
evangélico Erich Thier, na introdução à reedi- para o Marxismo-Leninismo (IML) de Moscou,
ção alemã organizada por ele em 1950 (Marx, nova denominação do IMEL, diante da prepa-
1950). Todavia sua nova edição dos Manuscri- ração da nova edição russa das obras de Marx e
tos econômico-filosóficos de 1844 acabou sen- Engels (K.Marx – F.Engels Soĉinenija), decidiu
do um híbrido das duas primeiras versões, na não incluir, em seus volumes, os manuscritos
qual algumas partes da versão MEGA se alter- incompletos dos “fundadores do socialismo
navam com outras provenientes daquela orga- científico”, ou seja, muitos daqueles impor-
nizada por Landshut e Mayer, levando, assim, tantíssimos trabalhos, graças aos quais teria

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à produção de maiores mal-entendidos. O tex- sido possível uma mais correta interpretação
to publicado, na verdade, foi o da MEGA, mas da gênese do pensamento de Marx. Dentre os
– como tinham já feito anteriormente os estu- textos idosexcluídos, havia não somente os
diosos – Thier decidiu não inserir o “primeiro” Manuscritos econômico-filosóficos de 1844,
manuscrito. Da edição MEGA foram retomadas mas também as Linhas fundamentais da crítica
muitas notas explicativas referentes ao texto, da economia política, mais conhecidos como
mas Thier conservou também as imprecisões Grundrisse. Tal escolha editorial foi, porém,
de Landshut e Mayer como, por exemplo, a muito contraditória. Nessa edição, de fato, foi
convicção de que o “Prefácio” estaria colocado dado espaço para outros manuscritos de Marx,
no “primeiro” e não no “terceiro” manuscrito. dentre eles os trabalhos juvenis – Sobre a crí-
No que se refere ao título, por fim, manteve-se tica hegeliana do direito, inserida no primei-
a escolha errada dos estudiosos alemães. Deve- ro volume, e A ideologia alemã, que ocupou
-se ressaltar que tais erros continuaram sendo todo o terceiro volume. Ainda nessa “segunda”
repetidos, mesmo em publicações feitas duas Soĉinenija (1955-66), havia um número maior
décadas após a edição MEGA. de textos do que na primeira (1928-47), e a de-
Em 1953, dessa vez sob a responsabi- cisão de não publicar os Manuscritos econômi-

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co-filosóficos de 1844 revelou uma clara inten- e para não atribuírem a ele frases que, na verda-
ção de censura. de, eram citações de outros autores.11
Eles apareceram, no entanto, como publi- Assim como para a edição soviética,
cação individual, intitulada Excertos das obras também a coletânea dos escritos de Marx e En-
juvenis (Marx; Engels, 1955) com uma impressão gels publicada na República Democrática Ale-
de somente 60.000 exemplares, em 1956 (Marx; mã, a Marx Engels Weke (Obras) (MEW), lança-
Engels, 1956). Para que os Manuscritos econô- da em 39 volumes entre 1956 e 1968, excluiu
mico-filosóficos de 1844 fossem inseridos na os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844
“segunda” Soĉinenija, foi preciso aguardar qua- do grupo de volumes numerados. Eles, na ver-
se vinte anos, ou seja, a publicação do volume dade, não foram inseridos no volume 2, publi-
anexo XLII ocorreu em 1974 (Cf. Brouchlinski, cado em 1962, onde deveriam ter sido coloca-
1960). A preparação dessa edição exigiu um dos por razões cronológicas, tendo sido publi-
novo processo de verificação das fotocópias dos cados somente em 1968, como volume anexo
originais (que eram mantidos no Internationa- (Ergänzungsband) (Cf. Brouchlinski, 1960). Tal
al Instituut voor Social Geschiedenis, IISG, de volume, depois de ter aparecido com esse for-
Amsterdam, onde estão guardados dois terços mato até 1981, em quatro edições sucessivas,
do Nachlas de Marx e Engels). Tal escolha se foi publicado em 1985, com o título Schriften
revelou fundamental, pois permitiu realizar um und Briefe, November 1837 – August 1844 (Es-
grande número de correções não secundárias critos e Cartas, de Novembro de 1837 a Agosto
da versão MEGA de 1932. Por exemplo, a frase de 1844), como o tomo 40 da MEW. A edição
contida na última linha do “segundo” manus- publicada foi a versão MEGA de 1932, com o
crito, anteriormente traduzida como “Kollision acréscimo das correções feitas às traduções
wechselseitiger Gegensätze”, foi corretamente dos originais e pelo aparato crítico da edição
traduzida como “Feindlicher wechselseitiger Kleine ökonomische Schriften de 1955.
Gegensatz”. Em muitas partes, foi modificada Após a MEGA de 1932, a primeira edi-
a palavra “Genus”, no lugar da “Geist” (Marx; ção das obras de Marx publicada no “campo
Engels, 1974). Procedeu-se, por fim, à correção socialista” a inserir os Manuscritos econômi-
dos erros cometidos por Marx. Serve de exem- co-filosóficos de 1844 nos seus volumes nu-
plo a citação de Smith “Von den drei primitiven merados foi a Marx-Engels-Gesamtausgabe
Klassen”, corretamente usada nos cadernos de (MEGA²). Sua publicação começou em 1975,
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resumos, mas errada nos Manuscritos econômi- e os manuscritos parisienses foram impressos
co-filosóficos de 1844, onde aparecia como “Von no volume I/2, em 1982, exatamente 50 anos
den drei produktiven Klassen”.10 Além do mais, após a primeira publicação. Nestsa nova for-
todas as citações feitas por Marx, muito longas, ma, surgiu uma edição histórico-crítica, e os
especialmente no “primeiro” manuscrito, foram manuscritos foram publicados em até duas
publicadas com uma fonte menor, para facilitar versões:. Uma primeira (Erste Wiedergabe) re-
a identificação da paternidade das várias partes produziu a organização dos papéis originais de
Marx e propôs, então, uma divisão em colunas
10
Na versão italiana de Bobbio, ao contrário, foi mantida
a primeira transcrição errada, traduzida como “colisão de de partes do texto do “primeiro” manuscrito.
oposições recíprocas” (Cf. Marx, 1968, p. 97). O mesmo Uma segunda (Zweite Wiedergabe), no entanto,
ocorre na versão feita por Della Volpe nas Obras, onde a
expressão foi traduzida como “colisão de recíprocas opo- utilizou a divisão em capítulos e a paginação
sições” (Cf. Marx, 1976). A tradução correta seria: “adver-
sários de recíproca oposição”. A correção do termo Genuss adotada por todas as edições anteriores (Marx;
(gozo) no lugar de Geist (espírito), no entanto, é mostrada
por Bobbio, que inclui também as correções de Selten (ra- Engels, 1968). Foram acrescentados outros me-
ramente) no lugar de selber (mesmo) e Prinzip (princípio)
no lugar de Progress (progresso). A propósito, ver a nota
à tradução da p. 18. Na sua versão, presente nas Obras, 11
Ver MEGA I/3 (1932, p. 472, linha 2) e MEGA I/3 (1932,
Dalla Volpe optou por outra tradução para o termo Genuss, p. 68, linha 19). Tradução italiana: “das três classes ele-
que, em português, ficou como “fruição”. mentares” e “das três classes produtivas”.

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lhoramentos à tradução dos originais, dessa pressão de uma fase juvenil, ainda negativa-
vez com particular atenção ao Prefácio (Marx- mente condicionada pela impostação filosófica
-Engels-Gesamtausgabe, 1982). Confirmando (Adoratskij). Por outro lado, ao contrário, hou-
as dificuldades de se realizar uma classificação ve aquela que entrevê, exatamente na elabora-
entre os vários manuscritos marxianos (diante ção filosófica do primeiro Marx, a essência de
também de alguns limites postos pela edição toda a sua teoria crítica e a expressão mais ele-
MEGA²), o prospecto do capítulo final da Fe- vada de seu humanismo (Landshut e Mayer).
nomenologia do Espírito de Hegel foi inserido, As duas teses colocaram no centro do debate
tanto nesse volume como no IV/2, contendo os a questão da “continuidade”: havia dois Marx
cadernos de resumos do período.12 Em 1981, de diferentes entre si – um jovem e um maduro –,
fato, a MEGA² tinha publicado também os ca- ou existiu um único Marx que, não obstante o
dernos com os resumos parisienses, alguns dos passar dos anos, tinha substancialmente con-
quais (aqueles das obras de Carl W. C. Schüz, servado suas convicções?
Friendrich List, Heirnrich F. Osiander, Guillau- A oposição entre essas duas correntes
me Prevost, Senofonte, Eugene Buret) não foi se radicalizando cada vez mais. Em torno
tinham sido publicados na primeira MEGA, da primeira se juntou a ortodoxia stalinista e
sendo editados pela primeira vez. A publicação alguns outros, na Europa Ocidental, que com-
dos Pariser Hefte foi completada, por fim, com partilhavam os mesmos princípios oteóricos
o volume IV/3 de 1998, que incluiu os com- e políticos e que minimizaram ou rejeitaram
pêndios marxianos referentes à Jean Law, a um totalmente a importância dos escritos iniciais,
manual de história romana de autoria incerta e considerados superficiais se comparados às
àqueles referentes a James Lauderdale. obras posteriores (Cf. McLellan, 1998).13 Para
Com a MEGA², os Manuscritos econô- a segunda tese, apresentou-se uma realidade
mico-filosóficos de 1844 e todos os cadernos mais variada e heterogênea de autores, e todos
de resumos de 1844 foram publicados na ín- tinham como denominador comum a rejeição
tegra. Todavia, antes de desenvolver algumas ao dogmatismo do “comunismo oficial” e que-
considerações filológicas a esse respeito, é útil riam romper a suposta relação direta que os
retornar às principais interpretações críticas expoentes desse último estabeleciam entre o
surgidas em relação a eles. pensamento de Marx e a realidade política da
União Soviética.

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As afirmações de dois protagonistas do
UM OU DOIS MARX? A disputa sobre debate marxista daquele período evidenciam,
a “continuidade” do pensamento de mais do que qualquer outro comentário, a im-
Marx portância da questão. Segundo Louis Althus-
ser (1967, p. 35-37):
As duas edições de 1932 e as duas di-
O debate sobre as obras juvenis de Marx é, antes de
ferentes interpretações que as acompanharam mais nada, um debate político. É preciso repetir que as
deram início a uma multiplicidade de contro- obras juvenis de Marx [...] foram exumadas pela social
vérsias, de caráter hermenêutico e, natural- democracia e exploradas contra as posições teóricas
mente, também político, do texto marxiano. do marxismo-leninismo? [...] Eis, pois, o campo da
Por um lado, como si viu, houve a interpreta- discussão: o jovem Marx. A posição: o marxismo. Os
termos: se o jovem Marx já é completamente Marx.
ção voltada a entender esse texto como a ex-
12
Segundo os organizadores da nota de introdução do vo- Iring Fetscher (1969, p. 312), no entanto
lume I/2, houve “correções essenciais relativas às edições
até então publicadas” ver MEGA² I/2, p. 35. Para todas as afirmou:
informações relativas às novas traduções, deve-se consul-
tar a lista das variantes da Vorrede, incluído no volume
MEGA² I/2, p. 842-852. 13
Ver MEGA² I/2 e MEGA² IV/2 (1981).

405
OS MANUSCRITOS ECONOMICO-FILOSÓFICOS DE 1844 ...

Nos escritos juvenis de Marx, a libertação do ho- bert Marcuse chegaram a conclusões análogas
mem de toda forma de exploração, de domínio e àquelas de Landshut e Mayer.
de alienação tem uma importância tão central, que,
O primeiro sublinhou que o texto pari-
na época do domínio staliniano, um leitor soviéti-
co teria tomado estes argumentos exatamente como
siense já continha as avaliações sobre as quais
uma crítica à sua situação. Por esta razão, os escritos Marx havia fundado todo o seu projeto teórico
juvenis de Marx nunca foram publicados em russo subsequente e avançou a hipótese de que Marx
em edições baratas e de grande tiragem. Eles eram estava presente nos dois marxismos – o huma-
considerados como trabalhos relativamente pouco nista da juventude e o da maturidade – e que o
significativos daquele jovem hegeliano que ainda
primeiro era superior ao segundo, esse último
não chegara ao marxismo, que seria, então, Marx.
atingido pelo declínio das energias criativas
Nessa contenda, ambas as partes distor- (Cf. Man, 1932). Marcuse sustenta ainda a tese
ceram o texto de Marx. Os ortodoxos negaram de que os Manuscritos econômico-filosóficos de
o valor dos Manuscritos econômico-filosóficos 1844 evidenciavam os fundamentos filosófi-
de 1844, chegando a censurá-los e a excluí-los cos da crítica da economia política (Cf. Mar-
das edições dos textos de Marx e Engels. As cuse, 1975). Além do mais, naem sua opinião,
leituras do chamado “marxismo ocidental”, ao a descoberta de uma presença assim tão forte
contrário, conferiram – de maneira evidente- da filosofia hegeliana no pensamento de Marx
mente forçada – a esse primeiríssimo esboço enriquecia a sua antropologia decom uma di-
incompleto de Marx, um valor superior ao da mensão histórico-social ausente em Ludwig
obra que fora publicada após vinte anos de es- Feuerbach (Cf. Marcuse, 1997).
tudos e pesquisas: O capital. A descoberta da importância do “jovem
Nesse confronto ideológico, porém, qua- Marx” decorreu, cada vez mais, dos estudos
se todos os autores se comportaram do mesmo de sua relação com Hegel, e, tal circunstância,
modo e consideraram os Manuscritos econômi- foi favorecida pela publicação, ocorrida um
co-filosóficos de 1844 como um texto comple- pouco antes daquela dos Manuscritos econô-
to, orgânico e coerente, como uma verdadeira mico-filosóficos de 1844, dos manuscritos de
obra. Desse modo, apesar de incompletos e Jena de Hegel (Cf. Hegel, 1923, 1931). Um dos
com a forma fragmentária que os caracteriza- principais autores que empreendeu estse per-
va, eles foram lidos sem que se desse muita curso foi György Lukács, quando, em seu texto
importância aos problemas filológicos neles de 1923, História e consciência de classe, sur-
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, p. 399-418, Maio/Ago. 2019

presentes, que foram ignorados ou considera- preendentemente tinha antecipado muitos dos
dos pouco importantes (Rojahn, 1983). temas do futuro debate hegelo-marxiano. No
Não é possível aqui dar um relato com- seu livro de 1938, O jovem Hegel e os proble-
pleto da vasta literatura crítica sobre os Ma- mas da sociedade capitalista, Lukács (1950)14
nuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. Em estabeleceu uma relação entre estudos juvenis
vez disso, vamos nos concentrar nos principais dos dois autores – sendo que os de Marx eram
trabalhos e tentar mostrar as principais limita- filosóficos e os de Hegel eram econômicos – e
ções do debate anterior sobre esse assunto. estabeleceuidentificou as afinidades que havia
encontrado neles. Em particular, ele destacou
que as referências marxianas sobre Hegel, nos
AS PRINCIPAIS INTERPRETAÇÕES Manuscritos econômico-filosóficos de 1844,
estavam presentes muito além das passagens
Logo após a publicação das duas versões
14
O testemunho autobiográfico de Lukács (1971a, p. 57)
de 1932, numerosos estudiosos se debruçaram em relação à leitura dos Manuscritos econômico-filosófi-
sobre os Manuscritos econômico-filosóficos de cos do ano 1844 é muito importante: “lendo os manuscri-
tos, mudei completamente a minha relação com o marxis-
1844. Os autores alemães Henri de Man e Her- mo e transformei a minha perspectiva filosófica”.

406
Marcello Musto

nas quais ele fora citado textualmente. Na sua fico por Marx. A França foi, sem dúvida, o país
opiniãoEm sua opinião, diversas análises eco- onde esses estudos proliferaram e se difundi-
nômicas tinham sido motivadas pela crítica da ram e no qual o pensamento juvenil de Marx
concepção filosófica hegeliana: foi colocado como a base da crítica filosófica e
política, ao contrário do dogmatismo stalinista
... a conexão entre economia e política é [...], nestes
manuscritos de Marx, uma clara necessidade meto-
e do marxismo oficial (Cf. Faracovi, 1972).16 O
dológica, a condição de uma efetiva superação da estudo dos textos juvenis de Marx foi, na Fran-
dialética idealista de Hegel. Por isso seria superficial ça, “o evento filosófico decisivo daquele perí-
e extrínseco acreditar que o debate de Marx com He- odo” (Lefebvre, 1957, p. 114). Constituiu um
gel comece somente na última parte do manuscrito, processo variado, que caracterizou todos os
que contém a crítica da Fenomenologia. As partes
15 anos do pós-guerra francês, no qual muitos
anteriores, puramente econômicas, em que Hegel
nunca é lembrado diretamente, contêm o funda-
autores, diferentes entre si pela cultura filosó-
mento mais importante deste debate e desta crítica: fica e pelas tendências políticas, tentaram en-
o esclarecimento econômico dos principais fatos do contrar uma síntese filosófica entre marxismo,
estranhamento. (Lukács, 1950, p. 760).15 hegelianismo, existencialismo e cristianismo.
O debate produziu muita literatura ruim, base-
Nas aulas sobre a Fenomenologia do
ada mais nas convicções pessoais dos autores
espírito, dadas na École Pratique des Hautes
do que no texto marxiano, o que levou a ver-
Études de 1933 a 1939 e, depois, reunidas e
dadeiras distorções da obra de Marx. Os Ma-
publicadas por Raymond Queneau no livro
nuscritos econômico-filosóficos de 1844 foram
Introdução à leitura de Hegel, Alexandre Ko-
apresentados como o melhor texto de Marx e
jève (1996) – outro autor destinado a exercer
foram violentamente confrontados, em nome
grande influência – aprofundou essa relação,
da sua presumível unicidade, ao pensamento
embora a sua leitura da obra de Hegel tenha
posterior e, em particular, a O capital, texto
sidofoi feita à luz da interpretação marxiana. O
que – muito provavelmente – muitos desses
vínculo entre Hegel e Marx foi desenvolvido,
autores não tinham estudado suficientemente.
por fim, também por Karl Löwith no célebre
Em Sentido e não sentido, de 1948, após
e muito difundido texto De Hegel a Nietzsche
estudar os Manuscritos econômico-filosóficos
(Löwith, 1949).
de 1844, e mediante a influência exercida pela
Associados ao vínculo com Hegel, sem-
leitura de Kojève, Maurice Merleau-Ponty de-

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pre na República Federal da Alemanha, após a
clarou sua convicção de que o pensamento
segunda guerra mundial, textos como Die An-
juvenil de Marx era existencialista (Cf. Mer-
thropologie dês jungen Marx nach den Pariser
leau-Ponty, 1962).17 Poucos anos depois, Jean
ökonomisch-philosophischen Manuskripten (A
Hyppolite, em seus Ensaios sobre Marx e He-
antropologia do jovem Marx nos manuscritos
gel, um dos melhores livros dentre aqueles
econômico-filosóficos de Paris) de Erich Thier
escritos naquele contexto, insistiu muito no
(1950), Der entfremdete Mensch (O homem
vínculo entre os trabalhos juvenis e O capital,
alienado) de Heinrich Popitz (1967) e O Eros da
sublinhando como a relação entre eles era exa-
técnica, de Jacob Hommes (1970) divulgaram a
tamente Hegel. Ele colocou em evidência a
opinião de que os Manuscritos econômico-filo-
sóficos de 1844 eram o texto fundamental de ... necessidade, para a compreensão de O capital,
toda a obra marxiana. Pouco depois, surgiu, de fazer referência às obras filosóficas anteriores,

em toda a Europa, um grande interesse filosó- 16


Ver Faracovi (1972, p. 9), em particular as páginas 12
a18, onde se destaca que “a cultura filosófica francesa do
15
Ver Georg W. F. Hegel, Jenenser Logik, Metaphysik und pós-guerra se interessou por Marx durante muito tempo,
Naturphilosophie, (organizado por G. Lasson), Felix Mei- de maneira quase que exclusiva, na forma do pensamento
ner, Leipzig 1923 e Georg W. F. Hegel, Jenenser Realphilo- juvenil”.
sophie, (organizado por J. Hoffmeister), 2 v., Felix Meiner,
Leipzig 1931. 17
Ver, em particular, o capítulo “Marxismo e filosofia”.

407
OS MANUSCRITOS ECONOMICO-FILOSÓFICOS DE 1844 ...

além dos estudos econômicos de Marx. – A obra goria foi o objeto central da principal contro-
de Marx pressupõe um substrato filosófico do qual vérsia político-filosófica sobre Marx naqueles
nem sempre é fácil reconstituir os diferentes ele-
anos: estabelecer a relação que existia entre as
mentos. – Profunda influência de Hegel, que Marx
conhecia profundamente. [...] Creio [...] que não se
teorias “juvenis” dos Manuscritos econômico-
possa entender a obra essencial de Marx, ignorando -filosóficos de 1844 e aquelas da “maturidade”,
as principais obras de Hegel, que contribuíram para ou seja, de O capital. Os vários autores se divi-
a formação e o desenvolvimento do seu pensamen- diram em três principais posições: 1) continui-
to, a Fenomenologia do Espírito, a Lógica, a Filosofia dade entre os Manuscritos econômico-filosófi-
do direito. (Hyppolite, 1963, p. 153, 155).
cos de 1844 e O capital; 2) contraposição entre
Os textos de Jean-Paul Sartre também os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 e
seguiram nessa direção. Ao mesmo tempo, o O capital e superioridade teórica dos primeiros
Marx “filosófico” tornou-se também um Marx sobre o segundo; 3) importância limitada dos
“teológico” (Cf. Langset, 1963). Na verdade, Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, in-
nas obras dos autores cristãos Pierre Bigo e terpretados como uma etapa meramente tran-
Jean Yves Calvez, a primeira intitulada Mar- sitória no processo de elaboração de Marx.20
xismo e humanismo (Bigo, 1963) e a segunda O A primeira posição pode ser sintetizada
pensamento de Karl Marx (Calvez, 1966), com no reconhecimento de uma continuidade en-
base em uma interpretação particular dos Ma- tre as teses dos Manuscritos econômico-filosó-
nuscritos econômico-filosóficos de 1844, o pen- ficos de 1844 e aquelas de O capital. Aos traba-
samento de Marx se revestiu sempre mais de lhos já citados de Bigo e Calvez pode-se agre-
valores éticos, devidos à religião cristã e com gar, nessa linha de interpretação, o texto de
uma clara oposição às políticas da União So- 1957 de Maximilien Rubel, Karl Marx. Ensaio
viética. Roger Garaudy também demonstrou a de biografia intelectual, e o de Erich Fromm,
presença de influências humanísticas nos pri- Marx’s concept o f Man. Segundo Rubel, com
meiros textos de Marx e se colocou como su- a categoria de trabalho alienado (entfremdete
porte de um marxismo aberto ao diálogo com Arbeit) tem-se “a chave de toda a obra poste-
outras culturas, em particular com aquela cris- rior do economista e do sociólogo [Marx]” e “a
tã (Cf. Garaudy, 1969). Por fim, no panorama tese central de O capital foi aqui antecipada”
francês, teve grande importância a tradução, (Rubel, 2001, p. 130). Do mesmo modo, alguns
anos depois, Fromm afirmou (1961, p. 54): “o
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, p. 399-418, Maio/Ago. 2019

mesmo que tardia, do texto História e consci-


ência de classe de Lukács, publicada, sem a conceito de alienação sempre [foi] e permane-
autorização do autor, em 1960.18 ceu o ponto central do pensamento do ‘jovem’
O principal conceito filosófico que fun- Marx que escreveu os Manuscritos econômico-
damenta essas interpretações é o de alienação -filosóficos de 1844 e do ‘velho’ Marx que es-
(Entäusserung – Entfremdung), e foram vários creveu o Capital”. Outro importante livro que
os volumes dedicados exclusivamente a esse pode ser arrolado nessa linha de interpretação
tema, que apresentaram uma nova interpreta- é Marx e o marxismo, publicado em 1967, na
ção de todo o pensamento de Marx.19 Tal cate- pensador da técnica ([1961] 1963), Istvan Meszaros, A te-
oria da alienação em Marx (1970); Adam Schaff, A alie-
18
Após a publicação de 1923, o autor húngaro reviu várias nação como fenômeno social (1979), Giuseppe Bedeschi,
das suas antigas posições filosóficas que tinham sido cri- Alienação e fetichismo no pensamento de Marx (1968) e
ticadas, nesse meio tempo, nos países ditos socialistas. A Bertell Ollman, Alienation. Marx’s conception of man in
mais importante correção feita foi assim resumida na nova capitalist society (1971).
introdução escrita por ocasião da reimpressão de 1967:
“História e consciência de classe segue Hegel na medida
20
Para uma breve resenha sobre o assunto, veja Ernest
em que, também nesse livro, a alienação é colocada no Mandel, A formação do pensamento econômico de Karl
mesmo plano da objetivação (para usar a terminologia filo- ([1967] 1970), em particular o capítulo X “Dos Manuscritos
sófica dos Manuscritos econômico-filosóficos do ano 1844 de 1844 aos Grundrisse: de uma concepção antropológica
de Marx)” (Cf. Lukács, 1971b). a uma concepção histórica da alienação”. Uma análise das
diferentes interpretações encontra-se também no muito
19
Ao lado do já citado Jean Yves Calvez, O pensamento citado Jürgen Rojahn, em O caso dos chamados “manus-
de Karl Marx (1956), deve-se recordar Kostas Axelos, Marx critos econômico-filosóficos do ano 1844”.

408
Marcello Musto

Alemanha ocidental, pelo estudioso alemão lharam dessa leitura outros autores alemães,
Iring Fetscher. O seu propósito, na verdade, foi dentre os quais os já citados Henri De Man,
exatamente o de demonstrar como: Heinrich Popitz, Jacob Hommes – além de Eri-
ch Thier, no opúsculo de 1957 Das Menschen-
... as categorias críticas que Marx tinha elaborado nos
seus Manuscritos de Paris e nos cadernos de resumos
bild des jungen Marx (Their, 1957) (A visão de
constituem a base da teoria da economia política no homem do jovem Marx). Análoga convicção
Capital e não foram de modo algum renegadas pelo foi apresentada por Kostas Axelos (1963, p.
Marx ‘adulto’. Com isso deveria estar provado que as 56-57), que, na obra Marx pensador da técnica,
obras juvenis não apenas permitem entender quais afirmou: “o manuscrito de 1844 é e continua a
foram as motivações que levaram Marx a escrever a
ser o texto mais denso do pensamento, dentre
crítica da economia política (O capital), mas que a
crítica da economia política contém, implicitamen-
todas as obras marxianas e marxistas”.
te, e, em parte, explicitamente, a crítica à alienação e A terceira posição, por fim, foi defen-
à reificação, que constituem o tema central das obras dida por todos aqueles que consideravam os
juvenis. (Fetscher, 1969, p. 30). Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 so-
mente uma etapa transitória do pensamento de
A tese da grande importância dos Ma-
Marx. Nesse texto, que foi definido como de
nuscritos econômico-filosóficos de 1844 tam-
amadurecimento teórico, ele teria sido capaz
bém conquistou um marxista próximo aos
de recolher as principais contradições da so-
cânones interpretativos soviéticos, Palmiro To-
ciedade burguesa, mas com uma impostação
gliatti, que – em uma contribuição publicada
ainda filosófico-humanista e uma linguagem
no volume XXX e inserida, em tradução para
influenciada pela obra de Feuerbach. Um dos
o francês, em uma importante coletânea de en-
principais limites dessa interpretação foi o de
saios sobre o jovem Marx – afirmou que, nos
considerar as concepções juvenis de Marx em
Manuscritos econômico-filosóficos de 1844,
função dos futuros e já conhecidos desdobra-
... foi aberta a estrada para a crítica de toda a socie- mentos de sua obra. Segundo essa leitura, a ca-
dade burguesa, que será feita nos anos e nas obras tegoria de alienação já estava presente exclusi-
seguintes e que culminará no Capital, mas pode-se
vamente nas obras “juvenis”, mas totalmente
dizer que em grande parte já está completa [...]. Ape-
ausente nas obras da “maturidade”. Enfim, os
sar da sua forma, que não é simples, se nota que
todo o marxismo já está contido aqui. (Togliatti, autores que sustentaram essa posição – prin-
cipalmente os expoentes da ortodoxia “mar-

Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, p. 399-418, Maio/Ago. 2019


1961, p. 48-49).
xista-leninista” – consideraram que as etapas
A segunda interpretação se baseou, ao da evolução do pensamento de Marx foram as
contrário, na contraposição entre o “jovem” indicadas por Lênin, convicção que, além de
Marx e o “maduro” e na superioridade e maior ser, em muitos aspectos, discutível, não permi-
riqueza teórica do primeiro em relação ao se- tia levar em consideração a grande importân-
gundo. Os precursores dessa linha foram os já cia dos inéditos de 1932 publicados depois da
mencionados Landshut e Mayer, que, no pre- morte do líder bolchevique.
fácio da edição de 1932, tinham declarado que Entre os expoentes mais importantes
os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 dessa escola interpretativa, podemos citar Au-
eram a revelação do autentico marxismo: “em guste Cornu que, primeiramente em 1934, com
certo sentido a obra mais central de Marx”, a publicação de sua tese de graduação Karl
que contém “o ponto crucial do desenvolvi- Marx – L’homme et l’oeuvre. De l’hégélianisme
mento do seu pensamento, onde os princípios au matérialisme historique (Cornu, 1934) (Karl
da análise econômica derivam diretamente Marx – O homem e a obra. Do hegelianismo
da idéia da ‘verdadeira realidade do homem’” ao materialismo histórico), primeiro embrião
(Landshut; Mayer, 1932a, p. 13). Comparti- da sua futura obra em quatro tomos intitulada

409
OS MANUSCRITOS ECONOMICO-FILOSÓFICOS DE 1844 ...

Marx e Engels21) colocou os Manuscritos eco- texto – os Manuscritos econômico-filosóficos


nômico-filosóficos de 1844 no trilho da inter- de 1844 – e, portanto, no seu período “ideo-
pretação soviética. Vincularam-se também a lógico-filosófico”: “o jovem Marx nunca foi
ela o já citado ensaio de Jahn, o de Manfred hegeliano, mas, inicialmente, foi kantiano-fi-
Buhr (1966), publicado na prestigiosa revista chtiano e, depois, foi feuerbachiano. A tese em
da República Democrática Alemã Deustsche grande voga do hegelianismo do jovem Marx,
Zeitschrift für Philosophie, e as introduções às em geral, é um mito. Em compensação, às vés-
reedições do texto de Cornu (1968) e de Emile peras da ruptura com a anterior consciência
Bottigelli (1962). Mais tarde, Cornu, no tercei- filosófica” (Althusser, 1970, p. 18) é como se
ro volume de sua obra (Marx em Paris), consi- Marx, recorrendo pela primeira e única vez na
derada a biografia intelectual mais completa já juventude a Hegel, tivesse produzido uma ex-
escrita sobre essa fase da vida de Marx, evitou traordinária “aberração” teórica indispensável
a comparação com outros escritos posteriores à eliminação da sua consciência “delirante”
e se limitou a uma avaliação menos ideologiza- (Althusser, 1970).25
da do texto (Cornu, 1962a).22 Desse modo, para Althusser, os Manus-
Merece particular atenção, enfim, a obra critos econômico-filosóficos de 1844 são “o
de Althusser. A coletânea de ensaios publicada texto mais distante que existe, teoricamente
por ele em 1965, com o título A Favor de Marx, falando, da aurora que estava para surgir” (Al-
certamente representou o principal texto dessa thusser, 1970, p. 19).
polêmica, e estimulou o maior número de re-
O Marx mais distante de Marx é justamente este
ações e discussões. Althusser sustentou que, Marx aqui, ou seja, o Marx mais próximo, o Marx
em A ideologia alemã e nas Teses sobre Feuer- da véspera, o Marx do limiar: como se, antes da rup-
bach, estava claramente presente uma ruptu- tura, e para realizá-la, ele tivesse tido a necessida-
ra epistemológica (coupure èpistémologique)23 de de dar à filosofia todas as suas possibilidades, a
“que constitui a crítica da sua antiga consci- última possibilidade, este império absoluto do seu
contrário e este imenso triunfo teórico: ou seja, a sua
ência filosófica (ideológica)” (Althusser, 1970,
derrota. (Althusser, 1970, p. 137).
p. 16). Com base nessa cesura, ele subdivide
o pensamento de Marx “em dois grandes perí- A paradoxal conclusão de Althusser
odos essenciais: o período ainda ‘ideológico’, (1970, p. 65) foi a de que “não se pode abso-
anterior à ruptura de 1845 e o período ‘cien- lutamente dizer que ‘a juventude de Marx per-
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, p. 399-418, Maio/Ago. 2019

tífico’, posterior à ruptura de 1845.” (Althus- tence ao marxismo’”.26 Dessa forma, sua posi-
ser, 1970, p. 17).24 Também nesse caso, um dos
principais pontos de divergência foi a relação 25
A esse respeito, é interessante o breve testemunho bio-
gráfico-intelectual sobre a relação entre Althusser e os
entre Marx e Hegel. Para Althusser, na verda- Grundrisse, presente no recente texto de Lucien Sève,
de, Hegel tinha inspirado Marx em um único Penser avec Marx aujourd’hui. I. Marx et nous (2004). A
propósito da velha polêmica sobre a presença ou não do
21
Auguste Cornu, Marx e Engels ([1955] 1962). Os volumes conceito de alienação no O capital, o estudioso francês
III e IV, que não foram traduzidos para o italiano e que, nota como Althusser, com exceção da Introdução de 1857,
portanto, não foram incluídos nessa edição, foram publi- nunca tenha lido os Grundrisse. Para maiores detalhes ver
cados em Paris pela Presses Universitaires de France em p. 29. Pode-se acrescentar ainda que os Grundrisse, o texto
1962 e em 1970. mais hegeliano do Marx maduro, foram escritos logo após
a Introdução de 1857, considerada pelo filósofo francês a
A esse respeito, veja, em particular, as pági-
22 quintessência do método marxista maduro. A esse propó-
nas 172-177. sito, deve-se ver o capítulo “L’objet Du Capital” em Louis
Althusser, Ler o Capital ([1965] 1971).
23
A respeito do conceito de “ruptura epistemológica”, re-
mete-se a Étiénne Balibar, Para Althusser, (1991), em parti-
26
Muito eficaz a esse respeito é a breve e polêmica referên-
cular o último capítulo “O conceito de ‘ruptura epistemo- cia de Maximilien Rubel sobre o “marxismo” de Althusser.
lógica’ de Gastón Bachelard a Louis Althusser”, p. 65-97. Em uma breve nota de introdução a um dos volumes sobre
Marx, publicados por ele na prestigiosa coleção Plêiade,
24
A “subdivisão” do pensamento de Marx realizada por Rubel declarou ironicamente que, com a sua afirmação,
Althusser foi articulada em quatro fases: as obras juvenis Althusser tinha dito somente uma “meia verdade [...] uma
(1840-1844); as obras da ruptura (1845); as obras do ama- boa leitura das obras da maturidade conduz à verdade por
durecimento (1845-1857); as obras da maturidade (1857- inteiro, ou seja: Marx nunca, em nenhum momento de sua
1883), (Althusser, 1970, p. 18). carreira, pertenceu ao marxismo.” (Rubel, 1968, p. 63).

410
Marcello Musto

ção, embora concebida por pontos de partida que produzia diversas contradições. Com po-
opostos, contribuiu, especularmente, com a de sicionamento similar a esse respeito, também
Landshut e Mayer, ou de outros autores fran- se apresentava o precedente trabalho de Pierre
ceses precedentemente já citados , para criar o Naville, Da alienação ao gozo (Naville, 1978).
mito do “jovem” Marx.
Essas concepções se basearam numa
contraposição filologicamente infundada dos AS INTERPRETAÇÕES NO “CAMPO
textos de Marx. Sem entrar, aqui, no mérito SOCIALISTA” NO MUNDO ANGLO-
da polêmica relativa à presença ou não das -SAXÃO E NA ITÁLIA
categorias filosóficas juvenis e da influência
hegeliana nas críticas da economia política de Inicialmente, o marxismo oficial igno-
Marx, é preciso ressaltar um limite de grande rou os Manuscritos econômico-filosóficos de
parte dessas interpretações. Esse limite está 1844 ou foi totalmente incapaz de analisá-los
em considerar os Manuscritos econômico-fi- com seriedade. Georg Mende, por exemplo, no
losóficos de 1844 como uma obra concluída, seu texto Karl Marx’ Entwicklung Von revolu-
um texto coerente, escrito de modo sistemáti- tionären Demokraten zum Kommunisten (O
co e pré-organizado. As tantas interpretações desenvolvimento de Karl Marx de democráti-
que quiseram atribuir a eles o caráter de uma co revolucionário a comunista), não fez refe-
orientação acabada, tanto aquelas que reco- rência a eles nem na primeira edição de 1954,
nheciam neles a completude do pensamento nem na segunda edição de 1955. Somente na
marxiano (Landshut e Mayer ou os filósofos terceira edição, em 1960, ele admitiu que es-
Frances) quanto as que os tinham como uma ses “trabalhos preparatórios de Marx [...] para
concepção definida e oposta àquela da matu- uma obra maior” (Mende, 1960, p. 132) não
ridade científica (Althusser) foram refutadas podiam ser ignorados. Dessa forma, os escritos
pelo exame filológico. e as categorias juvenis de Marx que, no chama-
Um dos primeiros autores que interveio do “marxismo ocidental”, ocuparam um lugar
a esse respeito foi Ernest Mandel, que, em seu de destaque desde os anos trinta, por causa do
texto de 1967, A formação do pensamento eco- dogmatismo staliniano e da hostilidade em re-
nômico de Karl Marx, disse que a razão do erro lação ao conceito de alienação, estrearam no
de Althusser se originava no seu “esforçar(se) campo soviético com enorme atraso.

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em vão para apresentar os Manuscritos eco- Ao lado dos pouquíssimos textos rus-
nômico-filosóficos de 1844 como o fruto de sos, a primeira publicação que difundiu, na
uma ideologia concluída ‘pertencente a um Europa, um bom número de ensaios sobre os
todo’” (Mandel, 1973, p. 175).27 Para Mandel, Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 dos
os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 estudiosos soviéticos foi a coletânea Sur le
espelhavam a transição de Marx e, portanto, jeune Marx (Sobre o jovem Marx), publicada
apresentavam, no seu interior, elementos típi- em 1961 como número especial da revista Re-
cos do passado e temas futuros, circunstância cherches Internationales à la lumière du mar-
27
Ernest Mandel, A formação do pensamento econômico em xisme.28 Aos textos dos russos O. Bakouradze,
Karl Marx, (1973). Segundo Mandel, Althusser “tem razão
em se opor a todo método analítico-teleológico que conce-
ba a obra juvenil de um determinado autor exclusivamente 28
Outra interessante publicação a respeito foi a coletânea
com o intento de saber até que ponto tenha-se aproximado em língua inglesa editada pela Academia das Ciências da
ao ‘objetivo’ constituído pela obra da maturidade. [Mandel União Soviética Philosophy, science and man. The soviet
se refere à crítica feita à “pseudoteoria da historia da filo- delegation reports for the XIIIth World Congress of Philoso-
sofia no ‘futuro anterior’”. Ver Louis Althusser, Para Marx, phy, Moscou (1963), assinala, em particular, o ensaio de
(1970, p. 38). Nota do Autor] Mas está errado em contra- T. I. Oiserman, Man and his alienation. Sobre temas aná-
por um método que secciona arbitrariamente em formações logos, em italiano, há A sociedade soviética e o problema
ideológicas coerentes, as sucessivas fases evolutivas de um da alienação. Uma polêmica entre E. M. Sitnikov e Iring
mesmo autor, com o pretexto de considerar ‘cada ideologia Fetscher no Iring Fetscher, Marx e o marxismo: da Filosofia
como um todo’” (Althusser, 1970, p. 175-176). do proletariado à Weltanschaaung proletária (1969).

411
OS MANUSCRITOS ECONOMICO-FILOSÓFICOS DE 1844 ...

Nikolai Lapin, Vladimir Brouchlinski, Leonide mento da doutrina econômica de Marx e Engels
Pajitnov e A. Ouibo foram acrescentados ar- nos anos quarenta do século XIX), de D. I. Ro-
tigos de alguns dos principais estudiosos de senberg. Despertou maior interesse, ainda An-
Marx da Polônia (Adam Schaff) e da República tes de O Capital, de Walter Tuchscheerer, sem
Democrática Alemã (Wolfgang Jahn e Joachim dúvida o melhor estudo feito no Leste sobre o
Hoeppner), além do texto de Togliatti, citado pensamento econômico do jovem Marx, que
anteriormente. Mesmo com conotações da teve o mérito de examinar criticamente, além
abordagem ideológica da época, esses textos dos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844,
constituem a primeira tentativa, do lado socia- também o conteúdo dos principais cadernos de
lista, de se enfrentarem quanto às problemá- resumos parisienses (Althusser, 1967).
ticas relativas ao “jovem” Marx e de disputar Aos Manuscritos econômico-filosóficos
o monopólio interpretativo com os marxistas de 1844 foi reconhecido um papel relevante
“ocidentais” (Althusser, 1967, p. 35). Algumas também no marxismo anglo-saxão. No entanto,
contribuições apresentaram ideias interessan- também ali, o estudo desse texto foi iniciado tar-
tes, dentre elas o ensaio “Les manuscrits eco- diamente em relação a outros países. A primei-
nomico-philosopiques de 1844” de Pajitnov ra edição que despertou um interesse bastante
(1960, p. 98), no qual ele afirmava que amplo surgiu nos Estados Unidos, com a obra
de Erich Fromm e com tradução de Tom Botto-
... as ideias fundamentais de Marx estão ainda por
vir, e juntamente a notáveis formulações, nas quais
more, lançada em 1961. O ensaio de introdução,
está germinando uma nova concepção de mundo, também publicado no mesmo ano, no livro de
há também muitos pensamentos ainda não amadu- Fromm, apresentou os Manuscritos econômico-
recidos, que são marcados pela influência das fon- -filosóficos de 1844 como “o principal trabalho
tes teóricas que serviram de material para a reflexão teórico de Marx”29 (Fromm, 1961, p. 5), e pre-
de Marx e das quais ele partiu para a elaboração da
valeceram, de maneira difusa, os estudos que
sua doutrina.
analisaram a influência hegeliana sobre o jovem
A formulação teórica de base, sustenta- Marx. Foi precursor, nesse aspecto, Sidney Hook,
da por grande parte dos autores, estava, no en- que, em 1933, com seu trabalho Towards an Un-
tanto, errada. Contrariamente às interpretações derstanding of Karl Marx (Hook, 1933) (Para uma
em voga, que reliam os conceitos de O capital compreensão de Karl Marx). Nos anos sessenta,
através daqueles encontrados nos trabalhos foram publicados diversos volumes que apresen-
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juvenis, muitos destes estudiosos seguiram o taram uma interpretação análoga. Dentre eles, os
percurso contrário: analisaram os textos juvenis principais textos foram Philosophy & Myth in
a partir dos desenvolvimentos posteriores da Karl Marx (Tuchscheerer, 1980) (Filosofia e mito
teoria de Marx, ou seja, “ler os textos juvenis em Karl Marx), de Robert Tucker, e o livro, na
pelo filtro dos textos da maturidade” (Althusser, verdade mais histórico-político do que filosófico,
1967, p. 41). O que veio antes do pensamento do estudioso israelita Shlomo Avineri O pensa-
de Marx impediu, assim, de captar o significado mento político e social de Marx (Fromm, 1961).
e o valor da elaboração daquele período. Não faltaram as opiniões contrárias,
Em seguida, no entanto, o estudo dos também nesse caso, até mesmo muito radicais.
Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 Segundo Daniel Bell, a insistente aproximação
ganhou força também nos países socialistas de Marx a Hegel nada mais era do que a “cria-
e obteve alguns resultados relevantes. Den- 29
Contra essa postura, é bom lembrar uma passagem de
Althusser que é muito significativa: “Certamente nós sa-
tre eles, deve-se destacar o trabalho de 1958, bemos que o jovem Marx se tornará Marx, mas não quere-
mos viver mais depressa do que ele; não queremos viver
Die Entwicklung der ökonomischen Lehre Von no lugar dele, romper por ele ou descobrir por ele. Não o
Marx und Engels in den vierziger Jahren dês 19. esperaremos à frente no final da corrida, para lançar so-
bre ele, como sobre um fundista, o manto do descanso,
Jahrhunderts (Rosenberg, 1958) (O desenvolvi- porque, afinal de contas, chegou” (Althusser, 1967, p. 53).

412
Marcello Musto

ção de um novo falso mito”, pois “identificada juvenis para o “novo” inédito. Nos anos oiten-
na economia política a resposta aos mistérios ta, período em que a Marx-Forschung (a pes-
de Hegel, Marx esqueceu-se totalmente da filo- quisa sobre Marx) vivenciou um forte esvazia-
sofia.” (Bell, 1959, p. 935, 944). mento, surgiram, no entanto, alguns estudos
Quanto ao panorama italiano, por fim, sobre a relação entre Hegel e Marx, nos quais
deve-se destacar a influência da obra de Gal- os manuscritos parisienses tiveram importân-
vano della Volpe, especialmente de seu livro cia crucial. Dentre tais estudos, citamos Pour
de 1956, Russeau e Marx, ao ressaltar que o lire Hegel et Marx (Instituto Giangiacomo Fel-
mais importante, dentre os escritos juvenis de trinelli, 1964)31 (Para ler Hegel e Marx) e Retour
Marx, fora, durante muito tempo, a Crítica da sur le jeune Marx. Deux études sur le rapport
filosofia hegeliana do direito público. Segundo de Marx à Hegel (Instituto Giangiacomo Feltri-
Della Volpe (1971, p. 150), esse texto continha nelli, 1965)32 (O retorno do jovem Marx. Dois
“as premissas mais gerais de um novo método estudos sobre a relação de Marx com Hegel),
filosófico”, enquanto que os Manuscritos econô- de Solange Maercier-Josa e Dialectics of labour.
mico-filosóficos de 1844 foram definidos como Marx and his relation to Hegel (Dal Pra, 1977)
uma espécie de “confusão” econômico-filosófi- de Cristopher Arthur. Trata-se de uma de-
ca. Uma das melhores análises dos manuscritos monstração do grande e permanente fascínio
parisienses, porém, foi feita pouco depois. Entre exercido por essas páginas. Alguns recentes
1960 e 1963, Mario Rossi publicou, em quatro estudos sobre Marx, mesmo que em número
volumes, o notável estudo De Hegel a Marx, e a muito reduzido, se comparado ao passado, se
parte final do terceiro tomo – A escola hegelia- debruçaram sobre o seu valor (Musto, 2008).33
na. O jovem Marx (Tucker, 2001) – foi dedicada
aos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844.
Além do mais, o volume dos Anais do Instituto MANUSCRITOS E CADERNOS DE
Giangiacomo Feltrinelli de 1963 (Avineri, 1997) RESUMOS: os papéis de 1844
e, sobretudo, o de 1964/65 (Bell, 1959), que foi
inteiramente dedicado ao “Marx jovem”, repre- Apesar da evidente incompletude e da
sentaram uma das mais importantes publica- fragmentação dos Manuscritos econômico-filo-
ções internacionais sobre o tema. As contribui- 31
Nesse volume, havia muitos ensaios sobre “Marx e
Engels. A formação do pensamento deles. O ambiente
ções publicadas foram, no entanto, em grande

Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, p. 399-418, Maio/Ago. 2019


intelectual e político”. Dentre eles podem ser destaca-
parte, de estudiosos estrangeiros. Deve-se citar, dos: Emile Bottigelli, Karl Marx et la gauche hégélienne;
Auguste Cornu, La formation du matérialisme historique
por fim, o interessante volume de Mario Dal dans “L’Idéologie allemande”; Claudio Cesa, Figuras e pro-
blemas da historiografia filosófica da esquerda hegeliana.
Pra A dialética de Marx: dos escritos juvenis à 1831-1848; Andrej Walicki, Hegel, Feuerbach and the Rus-
sian “philosophical left”. 1836-1848.
“Introdução à crítica da economia política” (Cf.
Della Volpe, 1971), que contém, também nele,
32
O volume continha os seguintes ensaios: Adam Schaff,
Découverte nouvelle de notions anciennes du marxisme;
uma parte dos manuscritos parisienses. Rudolf Schlesinger, Les “Manuscrits économico-philos-
ophiques” de Marx replacés dans leur perspective histori-
A divulgação dos Grundrisse – os impor- que; Predrag Vranicki, La signification actuelle de l’huma-
nisme du jeune Marx; Henri Lefebvre, Propositions pour
tantíssimos manuscritos econômicos de Marx une nouvelle lecture de Marx; Lucien Goldmann, Phi-
de 1857-58 – que aconteceu na Alemanha em losophie et sociologie dans l’oeuvre du jeune Marx; Iring
Fetscher, La concrétisation de la notion de liberte chez Le
1953 (Rossi, 1977),30 e a partir do final dos jeune Marx; Roger Garaudy, Fichte et Marx; Ivan Dubsky,
Zur Feuerbach und Marx; György Márkus, Der Begriff dês
anos sessenta, na Europa e nos Estados Uni- “menschlichen Wesens” in der Philosophie dês jungen
Marx; Enrique Gonzáles Pedrero, O humanismo do jovem
dos, deslocou a atenção dos comentaristas do Marx. Enriquecem o volume duas importantes “Contribui-
texto marxiano e militantes políticos das obras ções bibliográficas”: L’oeuvre de jeunesse de Marx et Engels
dans lês études publiées de 1945 a 1963/64 e Marx et En-
gels et la gauche hégélienne (organizado por Bert Andréas).
30
Mario Rossi, De Hegel a Marx. III. A escola hegeliana. 33
Uma primeira edição de 1939-41 permaneceu quase des-
([1963] 1977). Os Manuscritos econômico-filosóficos de conhecida; ver Marcello Musto, Dissemination and recep-
1844 foram analisados nas páginas 456-584. tion Critique of Political Economy 150 Years (2008).

413
OS MANUSCRITOS ECONOMICO-FILOSÓFICOS DE 1844 ...

sóficos de 1844, a confusão que se seguiu às de economia. A única anotação é posterior e,


diferentes versões publicadas e, sobretudo, a como estava habituado a fazer, se concentra na
consciência da ausência de grande parte do parte direita da folha destinada a essa função.
“segundo” manuscrito, o mais importante e, Mesmo os compêndios da Recherches sur la
infelizmente perdido, ninguém, dentre os in- nature et les causes de la richesse des nations
térpretes críticos e curadores de novas edições, de Smith (Cf. Musto, 2006), cronologicamen-
se ocupou em reexaminar os originais que, por te em seguida, buscavam a análoga finalidade
aquele texto que tanto pesava no debate entre de consolidar a base das noções econômicas.
as diferentes interpretações críticas de Marx, Na verdade, embora eles sejam os mais lon-
se revelava tão necessário. gos, não têm quase nenhum comentário. Não
Escritos entre maio e agosto, os Manus- obstante isso, o pensamento de Marx se mos-
critos econômico-filosóficos de 1844 não po- tra claro pela mesma organização dos resumos
dem ser considerados uma obra. Sem homoge- e, como com frequência acontece em outras
neidade e longe de apresentarem uma estreita partes, pela sua maneira de colocar em con-
vinculação entre as partes, são muito mais trapoposição teses divergentes de diferentes
uma evidente expressão de uma concepção te- economistas. Apresentam um caráter dife-
órica em fase de desenvolvimento. A forma de rente, porém, os resumos de Des principes de
assimilar e utilizar as leituras de que ele se nu- l’économie politique et de l’impôt de Ricardo,34
tria fica demonstrada em um atento exame dos nos quais surgem suas primeiras observações.
nove cadernos de resumos que chegaram até Elas se concentram nos conceitos de valor e
nós, com mais de 200 páginas de compêndios preço, concebidos ainda como perfeitamen-
e comentários (Mercier-Josa, 1980). te idênticos. A igualdade entre valor e preço
Nos cadernos parisienses, foram encon- das mercadorias parte do conceito inicial de
trados traços do contato que Marx fez com a Marx, que conferia realidade só para o valor de
economia política e do processo de formação troca produzido pela concorrência, deixando
de suas primeiríssimas elaborações sobre a teo- o preço natural na esfera da abstração. Dando
ria econômica. Da comparação desses cadernos continuidade aos estudos, as notas críticas não
com os textos do período, publicados ou não, foram mais esporádicas, mas se intercalaram
fica evidente a importância dessas leituras no nos resumos das obras, aumentando, com o
desenvolvimento de suas ideias. Circunscre- avanço do conhecimento, de autor para autor.
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, p. 399-418, Maio/Ago. 2019

vendo a lista somente para os autores de econo- Frases isoladas, depois considerações mais
mia política, Marx elaborou resumos de textos longas, até que, concentrando-se, nos Élemens
de Say, Schüz, List, Osiander, Smith, Skarbek, d’économie politique de James Mill, na crítica
Ricardo, James Mill, MacCulloch, Prevost, Des- da intermediação do dinheiro como completo
tutti de Tracy, Buret, de Boisguillebert, Law e domínio da coisa alienada ao homem, a rela-
Lauderdale (Mercier-Josa, 1986). Nos Manuscri- ção se inverteu, e não foram mais seus textos
tos econômico-filosóficos de 1844, nos artigos e que se intercalavam aos resumos, mas ocorreu
na correspondência da época, apareceram refe- exatamente o oposto (Cf. Marx, 1998).35
rências a Proudhon, Schulz, Pecquer, Loudon, Por fim, para evidenciar, mais uma vez,
Sismond, Ganihl, Chevalier, Malthus, de Pom- a importância dos resumos, convém destacar
pery e Bentham (Arthur, 1986). que eles foram utilizados mesmo após terem
Marx elaborou os primeiros excer-
tos a partir do Traité d’économie politique de
34
Naquele período as obras dos economistas ingleses fo-
ram lidas por Marx em francês.
Say (Cf. Khan, 1995; Oishi, 2001; Rockmore, 35
Nos textos que Marx possuía em sua biblioteca pessoal
2002), do qual transcreveu partes inteiras, en- e naqueles que tinha intenção de adquirir, veja Karl Marx,
“Notizbuch aus den Jahren 1844-1847”, MEGA² IV/3
quanto assimilava conhecimentos elementares (1998).

414
Marcello Musto

sido redigidos. Parte deles foi publicada em cheios de elementos teóricos derivados de ante-
1844, no Vorwärts!, o bi-semanal dos emigra- cessores e contemporâneos. As observações que
dos alemães em Paris, para auxiliar na forma- ele desenvolveu não foram, pois, o fruto de uma
ção intelectual dos leitores (Cf. Marx, 1981a). súbita intuição, mas o primeiro resultado de um
Sobretudo, por serem muito abrangentes, fo- intenso estudo. A hagiografia marxista-leninista
ram depois utilizados por Marx, que tinha o dominante no passado, apresentando o pensa-
hábito de reler suas anotações de tempos em mento de Marx com uma urgência impraticável
tempos, para a composição dos Grundrisse, e pré-organizando um resultado final de forma
manuscritos de 1861-63, conhecidos mais instrumental, maculou o percurso para conhe-
como Teorias sobre o mais valor, e do primeiro cê-lo e tornou a reflexão mais pobre. É neces-
livro de O capital (Cf. Marx, 1981b). sário, pois, reconstruir a gênese, as influências
Concluindo, Marx desenvolveu seus intelectuais e as conquistas teóricas dos traba-
pensamentos tanto nos Manuscritos econômi- lhos de Marx, evidenciando a complexidade e a
co-filosóficos de 1844 quanto nos cadernos de riqueza de uma obra que ainda contribui para o
resumos de suas leituras. Os manuscritos estão pensamento crítico dos nossos dias.
repletos de citações, e o primeiro é quase uma
coletânea. Os cadernos de compêndios, mesmo
Recebido para publicação em 02 de março de 2018
que sobremaneira voltados para os textos que Aceito em 18 de março de 2019
lia, são acompanhados de seus comentários. O
conteúdo de ambos, a forma de escrita – carac-
terizada pela divisão das folhas em colunas –, a REFERÊNCIAS
numeração das páginas e o momento da anota-
ADORATSKIJ, V. Einleitung. In: MEGA 1/3. Berlin: Marx-
ção confirmam que os Manuscritos econômico- Engels-Verlag, 1932.
-filosóficos de 1844 não são uma obra isolada, ALTHUSSER, L. Para Marx. Roma: Editori Riuniti, 1967.
mas uma parte da sua produção crítica que, p. 35-37.

nesse período, se caracteriza pelos resumos dos ______. Per Marx. [1965]. Roma: Editori Riuniti, 1970.

textos que estudava, pelas reflexões críticas a ______. “L’objet Du Capital”. [1965]. In: ______. Ler o
Capital. Milão: Feltrinelli, 1971.
respeito deles e pelas elaborações que, espon- ARTHUR, C. J. Dialectics of labour. Marx and his relation
taneamente ou fruto de raciocínio, fixava no to Hegel. Oxford: Basil Blackwell, 1986.
papel (Cf. Marx, 1981c).36 Separar esses manus- AVINERI, S. O pensamento politico e social de Marx.

Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, p. 399-418, Maio/Ago. 2019


[1968]. Bologna: Il Mulino, 1997.
critos do resto, retirá-los de seu contexto, pode
AXELOS, K. Marx pensador da técnica. [1961]. Milão:
induzir a erros de interpretação (Marx, 1981d; Sugar, 1963.
Marx; Engels, 1976; Cf. Rojanh, 1983). BALIBAR, E. “O conceito de “ruptura epistemológica”
de Gastón Bachelard a Louis Althusser”. In: ______. Para
O conjunto dessas notas e a reconstitui- Althusser. Roma: Manifestolibri, 1991. p. 65-97.
ção histórica de seu amadurecimento mostram BEDESCHI, G. Alienação e fetichismo no pensamento de
Marx. Bari: Laterza, 1968.
o itinerário e a complexidade de seu pensamen-
BELL, D. The “rediscovery” of alienation – Some notes
to crítico durante esse intenso período de tra- along the quest for the historical Marx. The journal of
balho (Cf. Grandjonc, 1974).37 Os Manuscritos Philosophy, v. 24, p. 935-944, 1959.

econômico-filosóficos de 1844 e os cadernos de BIGO, P. Marxismo e humanismo. [1954]. Milão: Bompiani,


1963.
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Marx se firmou: a economia política. Eles estão BROUCHLINSKI, V. Note sur l’histoire de la redaction et de
la publication des “Manuscrits economico-philosophiques”
36
Karl Marx, Exzerpte aus David Ricardo: des príncipes de de Karl Marx. Recherches Internationales à la lumiere du
l’économie politique et de l’impôt; tradução para o italiano marxisme: Sur le jeune Marx, n. 19, V-VI, 1960.
na obra A descoberta da economia (1990). BUHR, M. Entƒremdung – philosophische Antropologie –
Marx Kritik. “Deutsche Zeitshrift für Philosophie”, n. 7, p.
37
Veja a carta de K. Marx para H. Börnstein, escrita no mais 806-834, 1966.
tardar em novembro de 1844, em Marx Engels Obras (1972).

415
OS MANUSCRITOS ECONOMICO-FILOSÓFICOS DE 1844 ...

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OS MANUSCRITOS ECONOMICO-FILOSÓFICOS DE 1844 ...

THE ECONOMIC AND PHILOSOPHIC LES MANUSCRITS ÉCONOMICO-


MANUSCRIPTS OF 1844 BY KARL MARX: PHILOSOPHIQUES DE KARL MARX DE 1844:
publishing difficulties and critical interpretations Les difficultés pour l’édition et les interprétations
critiques

Marcello Musto Marcello Musto

The Economic and Philosophic Manuscripts of Les manuscrits économico-philosophiques de 1844


1844 constitute one of Karl Marx’s most renowned constituent l’un des écrits les plus célèbres et les
and widespread writings worldwide. However, this plus répandus de Karl Marx dans le monde. Ce
much debated and present in the Marxist debates’ texte si controversé et si présent dans les débats
text, remained unknown for a long time. The marxistes est cependant resté longtemps méconnu.
instrumental readings which different groups made La compréhension des textes des Manuscrits
on the Economic and Philosophic Manuscripts économico-philosophiques de 1844, réalisée par
of 1844 are a clear example of how Marx’s work l’un ou l’autre groupe, montre bien la manière dont
was constantly the object of theoretical-political les travaux de Marx ont constamment fait l’objet de
conflict. To better highlight this reality, the second conflits théorico-politiques. Pour mieux souligner
and third paragraphs of this article reconstruct the cette réalité les deuxième et troisième paragraphes
editorial difficulties associated with its publication. de cet article reconstituent les difficultés de
The fourth, fifth and sixth paragraphs, however, rédaction liées à la publication de son œuvre.
provide a brief review. A philological analysis of Les quatrième, cinquième et sixième paragraphes
the Economic and Philosophic Manuscripts of en présentent toutefois un bref aperçu. Une
1844 based on the new historical-critical MEGA analyse philologique des Manuscrits économico-
edition was developed in the seventh and eighth philosophiques de 1844 est présentée dans les
paragraphs. In the conclusion, follows a table that septième et huitième paragraphes sur la base de la
reconstructs the chronology of the elaboration of nouvelle édition historique et critique MEGA. Dans
the manuscripts and notebooks of excerpts of the la conclusion un tableau reconstruit la chronologie
period. de l’élaboration des manuscrits et des cahiers
d’extraits de la période.

Keywords: EPM of 1844, Young Marx, Marxism, Mots-clés: Manuscrits économico-philosophiques


Alienation, MEGA. de 1844, le jeune Marx, Aliénation, MEGA.
Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 86, p. 399-418, Maio/Ago. 2019

Marcello Musto – Professor Associado de Teoria Sociológica na York University (Toronto - Canadá).
Autor de: Ripensare Marx e i marxismi. Studi e saggi (Carocci, 2011); Another Marx: Early Manuscripts
to the International (Bloomsbury, 2018); Karl Marx. Biografia intellettuale e politica 1857-1883 (Einaudi,
2018); The Travels of Karl Marx (Europa Editions, 2020); e The Last Years of Karl Marx: An Intellectual
Biography (Stanford University Press, 2020). Entre seus volumes editados estão: Karl Marx’s Grundrisse:
Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later (Routledge, 2008); Marx for Today
(Routledge, 2012); Workers Unite! The International 150 Years Later (Bloomsbury, 2014); The International
After 150 Years: Labour Versus Capital, Then and Now (com George Comninel e Victor Wallis, Routledge,
2015); Marx’s Capital after 150 Years: Critique and Alternative to Capitalism (Routledge, 2019); Karl
Marx’s Life, Ideas, Influences: A Critical Examination on the Bicentenary (com Shaibal Gupta e Babak
Amini, Palgrave, 2019); The Marx Revival: Key Concepts and New Critical Interpretations (Cambridge
University Press, 2020, no prelo); e The Routledge Handbook of Marx’s ‘Capital’: A Global History of
Translation, Dissemination and Reception (com Babak Amini, Routledge, 2020, no prelo). Seus artigos
apareceram em muitas revistas, incluindo as revistas International Review of Social History, Science
& Society, Critique, Review of Radical Political Economics, Socialism and Democracy, Economic &
Political Weekly, e Contemporary Sociology. Seus escritos - disponíveis em www.marcellomusto.org -
foram publicados mundialmente em mais de vinte idiomas. Ele também é o editor da série Marx, Engels,
Marxisms (com Terrell Carver, Palgrave).

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