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CEM N.º 6/ Cultura,
ESPAÇO & MEMÓRIA
«real-empirista», e criticado pelo seu alegado torno de Braudel. Poderia ter desenvolvido
revisionismo. No quarto capítulo, Rancière uma perspetiva mais abrangente.
procura a genealogia da Nova História e Existem alguns trabalhos sobre As palavras
encontra um precursor que esta assume com da História. Desde logo, em 1993, Sophie
reservas, mas que marca a forma «annaliste» de Wahnich, numa recensão, considera que o
se posicionar. Trata-se de Michelet. No enten- autor não se detém exaustivamente a apresen-
der de Rancière, com Michelet a narrativa do tar alternativas sistemáticas e sistematizadas
acontecimento revolucionário torna-se narra- aos Annales, embora se percebam determina-
tiva do seu sentido. O discurso faz-se narrativa das diferenças fundamentais. Por outro lado,
para que esta se possa fazer discurso. Em Gérard Noiriel, em 1994, dedica significativa-
seguida, no quinto capítulo, o pensamento do mente uma atenção escassa à obra. No mesmo
historiador romântico ajuda a perceber e situar ano, o labor de Rancière no texto em análise foi
«o lugar da fala dos Annales» e, sobretudo, de ampliado por Philippe Carrard, no seu estudo
Braudel. No sexto capítulo, depois de se debru- Poetics of the New History: French Historical
çar sobre a importância de Michelet para os Discourse from Braudel to Chartier. Por seu
Annales e para Braudel em particular, Rancière turno, em 2002, Pierre Campion, num estudo
procura entender o espaço do livro braudeliano mais aprofundado, analisa o ensaio de Ran-
interpenetrando-se a «historialidade e a litera- cière, problematizando foucaultianamente a
riedade» do Mediterrâneo através dele e por respectiva Ordem do Discurso. Em 2010, Phillip
seu intermédio. No derradeiro capítulo, Jac- Wats desenvolve uma intuição certeira desde o
ques Rancière parece defender que a História, título do seu artigo, considerando que o ensaio
sendo ciência, literatura e política, deve cen- de Rancière configura, de certo modo, uma
trar-se nos acontecimentos, muitas vezes «heré- Heretical History and the Poetics of Knowledge.
ticos», solidarizando-se com essas «heresias», Fora do âmbito mais restrito da análise de As
na medida em que configuram uma voz pró- palavras da História, convém assinalar a exis-
pria, resistente aos poderes dominantes. tência de um número da revista Labyrinthe,
Efectivamente, a atitude de desmontagem e publicado em 2004, sobre Jacques Rancière,
desmistificação crítica e informada de alguns ou as biografias intelectuais acerca do autor
preceitos e certas actuações dos Annales fora escritas por Oliver Davies (2010) e Joseph Tan-
prodigalizada por J. H. Hexter (no artigo deno- keray (2011), ou a colectânea de artigos coor-
minado Fernand Braudel and The Monde Brau- denada por Jean Phillipe Deranty: Jacques Ran-
dellien), e por Hervé Coutau- Bégarie, na sua cière: Key Concepts. Em Portugal, realizou-se,
dissertação doutoral, publicada em 1983 e inti- no ano de 2014, um encontro para discutir a
tulada Le Phénomène «Nouvelle Histoire»: Stra- obra de Jacques Rancière. Os organizadores da
tégie et ideologie des nouveaux historiens. iniciativa publicaram, igualmente, uma anto-
Do nosso ponto de vista, Rancière consegue logia genérica do Pensamento crítico contempo-
demonstrar em As palavras da História que o râneo. O artigo sobre o pensador francês é da
discurso historiográfico é construído pela rea- autoria de Manuel Deniz da Silva, que acentua,
lidade histórica e dela construtor. O autor rela- acertadamente, a complexidade do trabalho
ciona, de modo proveitoso, três domínios do analisado.
saber: a Literatura, a Filosofia e a História.
Acresce que Rancière comprova que os Annales NUNO BESSA MOREIRA*
comportam dimensões narrativas. Todavia, o (CITCEM/FLUP)
filósofo francês centra-se talvez em demasia na
segunda geração Annaliste, afunilando-a em * E-mail: Knunocliomail@gmail.com.
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