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Bernard Rudofsky

e a Essência do Habitar

Marcos Dornelles dos Santos


Marcos Dornelles dos Santos

Bernard Rudofsky e a Essência do Habitar

Dissertação apresentada ao Programa de Pesquisa e


Pós-Graduação em Arquitetura da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, como parte dos
requisitos para obtenção de grau de Mestre em
Arquitetura.

Área de Concentração: Teoria, História e Crítica da


Arquitetura

Orientador: Prof Dr.a Maria Luiza Adams Sanvitto

Porto Alegre
2016
CIP - Catalogação na Publicação

Dornelles dos Santos, Marcos


Bernard Rudofsky e a Essência do Habitar / Marcos
Dornelles dos Santos. -- 2016.
193 f.

Orientadora: Maria Luiza Adams Sanvitto.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal do


Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura,
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Porto
Alegre, BR-RS, 2016.

1. Bernard Rudofsky. 2. Arquitetura Moderna. 3.


Habitar. I. Adams Sanvitto, Maria Luiza, orient. II.
Título.

Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da UFRGS com os


dados fornecidos pelo(a) autor(a).
AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, professora Maria Luiza Adams Sanvitto, que além de aceitar a tarefa de orientar-
me na condução deste trabalho, desde o período como Aluno Especial, mostrou-se sempre disponível,
atenciosa e precisa em seus comentários e sugestões.

À professora Cláudia Piantá Costa Cabral que, juntamente com minha orientadora, apresentou-me à
docência durante o estágio na disciplina de Projeto Arquitetônico Ill, e por ser uma referência
entusiasmada e contagiante de pesquisadora e professora de arquitetura.

Aos professores Fernando Freitas Fuão e Douglas Vieira de Aguiar pelas interessantes conversas,
discussões, lições e recomendações ao longo de suas respectivas disciplinas, que sem dúvida ajudaram
a conformar este trabalho.

À Rosita Borges dos Santos pela incansável atenção, disponibilidade, e bom humor.

Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, em especial à bibliotecária


Carmen Lúcia Rubin, pelo auxílio na localização e cópia de materiais de outras instituições.

Aos professores, colegas e demais integrantes do PROPAR, pelas conversas e pela constante troca de
experiências e de conhecimento.

Ao amigo e comparsa Francisco Emiliano Sampaio, pelas orientações acadêmicas e pelos projetos
delirantes e ingênuos que insistimos em elaborar.

À minha família, em especial aos meus pais, Rogério e Ana Lúcia, pelo incentivo, apoio e orientação
desde sempre, e pela oportunidade de poder realizar mais esta etapa com segurança e tranquilidade.

Ao Carlos, mais novo integrante da nossa família, pela genuína e intensa experiência da paternidade.

À Cláudia Soares Gordilho, pela paciência, confiança, incentivo e constante companhia.


RESUMO

Bernard Rudofsky é conhecido sobretudo em função da exposição Architecture Without Architects,


que organiza no MaMA de Nova Iorque em 1964. Mais além desta "Arquitetura sem Arquitetos",
Rudofsky possui uma ampla obra desenvolvida ao longo de uma vida itinerante, repleta de viagens e
de experiências em primeira pessoa com culturas do mundo inteiro, mas ainda em grande parte
desconhecida, sobretudo no Brasil. Seus interesses vão desde a evolução das peças de vestuário e sua
relação com o corpo humano; passando pelos ideais que conformam e são conformados pelo ambiente
doméstico; até os elementos que qualificam e dignificam os espaços urbanos desde a antiguidade até
os dias de hoje. Transcendendo a discussão usual de aspectos estilísticos, Rudofsky interessava-se em
difundir um certo estilo de vida, uma maneira de enxergar o mundo que fosse coerente com o andar
da história, que não esquecesse o passado e que enfrentasse os problemas do presente e do futuro com
a serenidade da experiência e do bom senso. Em uma análise provocativa a respeito das origens e da
evolução- tanto ao longo do tempo, como ao redor do mundo- de temas domésticos como a maneira
de comer, sentar, dormir, banhar-se, etc., Rudofsky busca educar tanto arquitetos quanto o público
em geral, para que estes encarassem suas realidades supostamente avançadas desde um ponto de vista
modesto, simples e frugaL Comer com as mãos ao invés de com talheres, sentar-se diretamente no chão
ao invés de em cadeiras, dormir em um tatame ao invés de sobre uma cama, banhar-se em grupo e de
forma gregária, enfim, estas são algumas das alternativas apontadas por Rudofsky como primárias e
supostamente "obsoletas", mas que ainda hoje poderiam oferecer uma nova forma de encarar os
impactos das forças modernizadoras sobre os corpos e sobre a arquitetura. O objetivo principal deste
trabalho é explorar o conteúdo de três dos livros publicados por Bernard Rudofsky - Behind the
Picture Window, de 1955; Now I Lay Me Down to Eat, de 1980; e Sparta/ Sybaris, de 1987 - que
tratam destes aspectos considerados por ele como "essenciais" para a questão do habitar, e comunicá-
los como forma de contribuir para as reflexões contemporâneas a respeito da vida doméstica e da
arquitetura como um todo, em especial a que se refere à habitação.
ABSTRACT

Bernard Rudofsky is best known for the exhibition "Architecture Without Architects", which he
organizes at Mo MA in N ew York in 1964. Beyond this, Rudofsky has a vast body o f work developed
during an itinerant life, filled with travelling and first-person experiences with cultures from ali over
the world, but stilllargely unknown, especially in Brazil. His interests ranged from the evolution of
apparel and their relation to the human body; passing through the ideais that conform and are
conformed by the domestic environment; to the elements that qualifY and dignifY urban spaces from
antiquity to the present day. Transcending the usual discussion of stylistic aspects, Rudofsky was
interested in spreading a cenain way o f life, a way o f seeing the world that was consistent with the
course o f history, not forgetting the past and facing the problems o f the present and the future with
the serenity o f experience and common sense. In a provocative analysis o f the origins and evolution -
both over time and around the world - of domestic themes such as eating, sitting, sleeping, bathing,
etc., Rudofsky seeks to educare both architects and the general public, so that they would face their
supposedly advanced realities from a modest, simple and frugal point o f view. Eating with your hands
instead of using cutlery, sitting directly on the floor instead of on chairs, sleeping on a futon rather
than on a bed, bathing in a group and gregariously, these were some o f the alternatives pointed out by
Rudofsky as primary and supposedly "obsolete", but which could still today offer a new way oflooking
at the impacts of modernizing forces on both the human body and architecture. The main objective
of this work is to explore the contents o f three of the books published by Bernard Rudofsky- "Behind
the Picture Window", 1955; "Now I Lay Me Down to Eat", 1980; And "Sparta I Sybaris", 1987-
which deal with these aspects considered by him as "essential" to the question of dwelling, and to
communicate them as a way of contributing to contemporary reflections regarding domestic life and
architecture as a whole, but specially housing.
LL

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

I. Introdução

O nom..; de ~cmard RudofSly (1905-19~t<} ~· normahu<.·nn· l..;:nbri"ldo Cll'. flmção da <.·mbh·mâcka


<.·xposiçll<l i'-rch~r<:-.·rnr<' Wirh...,nr A.r,;:hir~x:tJ (Arquin·tura s<.·m Arquin·tos), ot-gnnlzil.da por do,;<.' nbcLTn
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12

Mais além de Architecture Without Architects, Bernard Rudofsky possui uma ampla obra -composta
por projetos arquitetônicos, textos, peças de mobiliário, livros, exposições, etc.- desenvolvida ao longo
de uma vida itinerante, repleta de viagens e de experiências em primeira pessoa com culturas do mundo
inteiro, mas que ainda é em grande parte desconhecida, sobretudo no Brasil. Seus interesses vão desde
a evolução e o design das peças de vestuário e sua relação com o corpo humano; passando pelas crenças
e ideais que conformam e são conformados pelo ambiente íntimo e doméstico; até os elementos que
configuram, qualificam e dignificam os espaços urbanos e as cidades desde a antiguidade até os dias de
hoje. O tema desta dissertação é justamente esta variada obra de Bernard Rudofsky, suas influências,
seus itinerários ao redor do globo, e suas ideias a respeito da vida, da cultura e, principalmente, da
arquitetura: "Arquitetura não é apenas uma questão de tecnologia e estética, mas a moldura para um
modo de vida- e, com sorte, um modo inteligente de vida" 2 •

Com uma ótica peculiar que o diferenciava de grande parte dos arquitetos envolvidos diretamente
com a "Arquitetura Moderna", Rudofsky interessava-se pelos aspectos humanos, sensoriais e
psicológicos da arquitetura, e era bastante cético a respeito dos possíveis benefícios que haveriam
surgido em função dos avanços da tecnologia, sobretudo no contexto doméstico. Em uma série de
exposições, ensaios e livros, Rudofsky apresenta uma espécie de modalidade alternativa de
"funcionalismo" que, ao contrário do que se espera, não busca fazer com que a arquitetura ou as formas
construídas fossem diretamente determinadas e moldadas por uma série de "funções" estáveis,
predeterminadas e subentendidas, como "habitar", "comer", "trabalhar", "sentar", "dormir", etc. Seu
interesse era justamente em um outro "funcionalismo", um que se debruçasse antes de tudo em
compreender e questionar tudo que fosse possível a respeito destas "funções", buscando tanto ao longo
da história como ao redor do mundo exemplos e referências de como elas haviam se desenvolvido,
evoluído, ou estagnado, de modo a compreender suas qualidades mais "essenciais", para então buscar
alternativas ou soluções criativas que pudessem satisfazê-las de maneiras que fossem ao mesmo tempo
sensíveis, prazerosas e saudáveis. O bem-estar e a qualidade de vida dos habitantes foram sempre a
prioridade para Rudofsky, ao contrário da eficiência, da racionalização extrema, e dos aspectos
meramente matemáticos ou econômicos estudados e preconizados por parte dos seguidores mais
estritos da" Arquitetura Moderna".

Mesmo não tratando de maneira convencional de economia ou de eficiência, a preocupação com elas
é algo implícito no cerne das duas principais influências intelectuais de Rudofsky, que são a cultura e
a arquitetura do Mediterrâneo e do Japão, povos admirados por aliar ao mesmo tempo uma elevada
qualidade de vida com uma postura de simplicidade e frugalidade. Para poder exemplificar este
empenho em conciliar o máximo de conforto e prazer, com o mínimo de recursos e frivolidades,
Rudofsky empregava frequentemente o binômio Sparta I Sybaris, que faz referência à duas cidades da
antiguidade: a disciplinada, austera e comedida Esparta, cidade-estado da Grécia antiga; e a sensual,
luxuriosa e hedonista Síbaris, no sul da península itálica. Esta constante atenção ao que é
simultaneamente frugal e sensual é, para Rudofsky, a chave da busca de uma vida e de uma arquitetura

2
"Ar chitecture is not justa rnatter of techn ology and aesthetks but the fram e for a way of life - and with luck, an intelligent way oflife"
RUDOFSKY apud ARCH ITEKTURZENTRUM W IEN , 2007, p. 11. (' )
13

de qualidade. Além disto, a necessidade de valorizar a continuidade da história, e de aprender e evoluir


sobre os erros e acertos do passado, tornam a obra e as ide ias de Rudofsky extremamente relevantes no
contexto contemporâneo, onde a sociedade enfrenta-se continuamente com desafios como as
limitações físicas e ecológicas do planeta, e com a necessidade de aliar o desenvolvimento humano com
uma conscientização a respeito dos excessos do consumo e do desperdício.

A escolha do título "Bernard Rudofsky e a Essência do Habitar" busca descrever o que talvez seja um
objetivo implícito em grande parte dos textos e exposições de Rudofsky, que é a tentativa de comunicar
- através de um amplo e heterogêneo repertório conceitual e visual- uma espécie de "essência", ou
"substância", que estaria inerente ao longo da história e em diversas culturas, e que seria de alguma
forma comum ou "natural" à todas estas culturas, seja em relação à arquitetura, aos costumes ou às
atividades do cotidiano. Algo que trate mais das semelhanças do que das diferenças, mais de aspectos
éticos do que estéticos, mais do coletivo do que do autoral, mais do contínuo do que do efêmero. Com
isto, o principal objetivo desta dissertação é explorar o conteúdo de três dos livros publicados por
Bernard Rudofsky- Behind the Picture Window, de 1955; Now I Lay Me Down to Eat, de 1980; e
Sparta/Sybaris, de 1987- que tratam destes aspectos considerados por ele como "essenciais" para a
questão do habitar, e comunicá-los como forma de contribuir para as reflexões contemporâneas a
respeito da vida doméstica e da arquitetura como um todo, em especial a que se refere à habitação.

11. Revisão da Literatura

Ao longo dos últimos anos, principalmente após a morte de Rudofsky no final dos anos 1980, uma
série de publicações, sobretudo no âmbito internacional, vêm sido feita a respeito de sua vida e de sua
obra. As publicações encontradas vão desde um livro monográflco dedicado à Rudofsky, de 2003;
passando por uma série de artigos sobre temas bastante específicos; vários capítulos em livros; o
catálogo ricamente ilustrado de uma exposição sobre Rudofsky organizada pelo Archítekrurzentrum
de Viena, em 2007; uma publicação desenvolvida a partir do Seminário Bernard RudofSky:
Desobediencia crítica a la modernidad, organizado pelo Centro José Guerrero, em Granada, na
Espanha, em 2013-2014; entre outras. Dentre toda esta produção, três autores se destacam tanto pela
quantidade, quanto pela qualidade e precisão dos textos, sendo eles a americana Felicity Scott, e os
italianos Andrea Guarneri e Ugo Rossi.

Felicity D. Scott, atualmente Professora Associada e Diretora do Programa de Doutorado da


Universidade de Columbia, em Nova Iorque, apresenta em 2001 sua Tese de Doutorado sobre
Rudofsky na Universidade de Princeton, sob o título Functionalism 's Díscontent: Bernard RudofSky's
Other Architecture 3 • Antes disto, publica dois artigos que focam sobretudo nas estratégias de
Rudofsky para a exposição Are Clothes Modern?, sendo o primeiro em 1998, na revista Tbe]ournal

'S C OTT, 200 l.


14

ofArchitecture, de Londres4, e o outro em 1999, na Assemblage, do MIT, de Cambridge, EUN. Em


2000, é de sua autoria um capítulo6 no livro Anxious Modemisms, que traz uma série de ensaios sobre
um grupo de arquitetos e teóricos das duas décadas após a Segunda Guerra Mundial (Saarinen,
Rudofsky, o casal Smithson, os Metabolistas japoneses, etc.) que estariam determinados a renovar, ao
invés de abandonar ou renegar, o legado do movimento moderno. Além disto, Scott colabora com
capítulos em dois dos livros específicos sobre Rudofsky já mencionados acima, um deles o catálogo da
exposição do Architekturzentrum, de 2007 7 , e o outro a publicação posterior ao seminário de
Granada, em 20148• Por fim, Felicity Scott publica um pequeno livro sobre o cenário do pós-guerra no
Japão desde a ótica de Bernard Rudofsky, intitulado Disorientation: Bernard Rudofsky in the Empire
ofSigns 9, em 2016.

O arquiteto italiano Andrea Bocco Guarneti, atualmente Professor Associado da Universidade


Politécnica de Turim, é provavelmente o autor com maior número de publicações a respeito de
Bernard Rudofsky. É sua a primeira publicação monográfica sobre o arquiteto, o livro Bernard
Rudofsky: A Humane Designa, de 2003. Nesta obra, Guarneri apresenta uma abrangente visão da
vida e da obra de Rudofsky, incluindo capítulos individuais com a descrição de cada uma de suas obras
e dos seus livros, além de mapas-múndi contendo, por exemplo, os itinerários de rodas as viagens que
Rudofsky fez durante sua vida. O livro apresenta ainda ensaios e artigos anteriormente não publicados,
além de um material vindo diretamente dos arquivos pessoais do arquiteto, os quais Guarneri teve
acesso através do convívio com Berta, viúva de Rudofsky, antes de sua morte em 2005. Também é de
sua autoria um capítulo sobre Rudofsky no livro Modem Architecture and the Mediterranean:
Vernacular Dialogues and Contested Identities, de 2010 111 • O livro tem como objetivo explorar as
relações do vernáculo e da identidade mediterrâneos com a formação e desenvolvimento do
movimento moderno, tanto por arquitetos que viveram e trabalharam nos países banhados pelo
Mediterrâneo, quanto por arquitetos do centro e norte europeu que foram influenciados por ele
através de viagens e ocasionais encargos na região. Em seu texto, Guarneri faz um recorrido biográfico
de Rudofsky desde a sua educação na Áustria até seus contatos iniciais com o Mediterrâneo durante
suas primeiras viagens à região. Em seguida, são comentadas as influências mediterrâneas nos projetos
realizados na Itália nos anos 30 e a passagem de Rudofsky pelo Brasil, concluindo com a sua mudança
para os Estados Unidos e o posterior desenvolvimento de sua crítica ao movimento moderno através
da pesquisa sobre a arquitetura vernácula. Da mesma forma que Felicity Scott, Guarneri também
colabora com capítulos no catálogo do Architekturzentrum, de 2007ll, e na publicação referente ao

4
"'Primitive wisdom' and modern archítecture". SCOTT, 1998.

>"Undernearh Aeschecícs and Utílíty: The Unscransposable hcísh ofBernard Rudofsky". SCOTT, 1999.
6
"Bernard Rudofsky: Allegoríes ofNomadism and Dwdling". SCOTT, 2000.
7
"An Eye for Modem Ar chícecture". SCOTT, 2007.
8
"Instrumentos para vivir". SCOTT, 2014.

~ SCOTT, 2016.
10
"Bernar d Rudofsky and che Sublimatíon of ch e Vernacular". GUARNERI, 2010.
11
"The Art ofDwe lling". GUARNERI. 2007.
15

seminário de Granada, em 2013 12 • Além disto, em 2011 publica um artigo 13 na revista Firenze
Architettura, de Florença, onde comenta novamente sobre as relações de Rudofsky com o
Mediterrâneo; em 2015 um artigo 14 na revista Piano Progetto Citta, de Pescara, sobre os aspectos
antropológicos da obra de Rudofsky; e também em 2015 um capítulo 15 no catálogo da exposição Ways
to Modernism: ]osefHoffmann, AdolfLoos and Their Impact, organizada no MAK (Museu de Artes
Aplicadas), de Viena, sobre as relações entre a obra de Rudofsky e a do arquiteto austríaco Adolfloos
( 1870-1933).

Ugo Rossi, outro arquiteto italiano com significativo trabalho sobre a obra de Rudofsky, defende em
2012 uma tese de doutorado sobre o arquiteto austríaco com o tÍtulo Bernard Rudofsky: Le Antiche
Radici dei Moderno 16• Rossi possui também dois capítulos interessantes sobre a produção de Rudofsky
enquanto vivia na Itália. O ptimeiro 17 está no livro Abítare Con: Rícercarío per un 'idea collettiva
dell'abitare, e trata dos temas domésticos presentes em um projeto desenvolvido por Rudofsky
juntamente com Gio Ponti, em 1938, para um hotel em San Michele, Capri. O segundo 18 - um
capítulo do livro House and Site, de 2014 - é complementar ao anterior, já que faz um panorama
bastante amplo das três casas projetadas por Rudofsky na região de Nápoles e Capri, apresentando
uma descrição detalhada e ricamente ilustrada de cada uma delas. O hotel e as três obras descritas no
segundo texto compõem a totalidade das principais obras de arquitetura projetadas por Rudofsky
durante os anos em que viveu na Itália, entre 1932 e 1938. Além destes textos, Rossi publica em 2014
na revista austríaca Denkma{i]l um artigo 19 sobre as questões de preservação da casa que Bernard
Rudofsky constrói para si mesmo em Frigiliana, na Espanha, entre 1969 e 1971, apelidada de La Casa.
Também em 2014, Rossi comenta sobre a teoria expositiva de Rudofsky em um artigo 20 na revista da
AIS/ Design, da A ssociação Italiana da História do Design. Em 2015, publica na revista Firenze
Architettura, de Florença, artigo 21 sobre a Casa-Jardim Nivola, feita por Rudofsky em conjunto com
o artista plástico Constantino Nivola entre 1949 e 1950. Finalmente, em 2016, divulga em sua página
de internet uma amostra digital de um livro monográfico que pretende publicar no mesmo ano, com
uma versão em italiano e outra em inglês, com o tÍtulo Bernard RudoEky: Architect, mas que ainda
não está disponível na Íntegra.

12 "Un catálogo de posíbilídadcs. Un viaje por las ídcas rudof,kía.nas sobre la 'Lcbcnswcisc'". GUARNERI, 2014.
13 "Appuntí sul rapporto tra Bernard Rudosky e il Medíterraneo". GUARNERI, 2011.

,.., "Bernard Rudofsky. 'La progettazíone dovrebbe essere rivolta essenzíalmente all'insígníficante banalítà ddla víta quotidiana, che
trasccndc la moda'". GUARNERI, 2015a.

Jj , Loos'sche Denkweisen bei Bernard Rudofskl . GUARNERI, 20 1Sb.


1r, ROSSI, 201 2 .

17"Questo albergo euna casa. Gio Po nti, Bernard Rudofsky: albergo di San Michele a Capri '', 1938. ROSSI, 201 O.

1s "The Discovery of the Site- Bernard Rudofsky. Mediterranean Architectures''. ROSSI, 20 14a.

19, Haus Rudofsky in Frigiliana (Sp anien) - Bauen ohne zu t.e rsto1·en". ROSS I, 20 14b.

21
' "Per Gli Occhi e la Mente. La Teoria Espositiva di Bernard Rudofsky''. ROS SI , 20 15a.
21
"Bernard Rudofsky , Tino Nivola: Construire com pochi mattoni, quakhe blo cco di cemento e akuni pali. Casa-Giardino N ivola,
Long Island, NY (1950)". ROSSI, 201 5b.
16

Além de todo este conteúdo desenvolvido por estes três principais autores, no âmbito internacional
cabe também comentar dois textos da italiana Alessandra Como. Sobre a influência do hábito de viajar
na prática de arquitetura de Rudofsky, temos o artigo The Collector oflmages: Bernard Rudofsky's
Interpretation of Modernism through the Vernacular, de Como em conjunto com Rosemary
Dowden, publicado em 2006. Neste texto, é possível compreender como o interesse de Rudofsky pelo
vernáculo pode ser, antes de tudo, uma potente ferramenta de crítica a muitos aspectos da arquitetura
moderna. Além disto, segundo as autoras, a forma de vida peculiar do arquiteto, com um grande
interesse pela experiência cotidiana, pelas longas e documentadas viagens a destinos exóticos e
distantes, e também sua visão de mundo muito seletiva, acabaram por criar um repertório de temas e
elementos que poderiam ser identificados em sua obra na Itália, no Brasil, nos Estados Unidos e na
Espanha. Em 201 O, Alessandra Como publica também um pequeno livro 22 bilíngue, em italiano e
inglês, onde narra de forma bastante compacta e eficaz a história e as características da já mencionada
Casa-Jardim Nivola, de Rudofsky e Constantino Nivola.

Tão breve quanto precisa é a menção à Rudofsky no livro De~>pués dd movimento moderno:
Arquitectura de la segunda mitad dd sigla XX23, de 1993, do arquiteto e crítico catalão Josep Maria
Montaner. Em meio a um capítulo intitulado Arquitectura y Antropologia, Montaner insere a
influência da exposição Architecture Witlwut Architects no contexto de revisão e reflexão da
"Arquitetura Moderna" dos anos 1960 e 1970, colocando Rudofsky ao lado de uma lista tão
heterogênea de nomes como Claude Lévi-Strauss (1908-2009); Joseph Rykwert (1926);
Hundertwasser (1928-2000); E.F. Schumacher (1911-1977); Philippe Boudon (1941); Jane Jacobs
(1916-2006); Henri Lefebvre (1901-1991), entre outros. Todos estes, segundo Montaner, acabam
tornando-se altamente influentes nos movimentos populares, alternativos e ecologistas que
começaram a surgir a partir do final dos anos 1960.

Dentro do contexto das publicações nacionais, a obra e a importância de Bernard Rudofsky - mesmo
tendo o arquiteto vivido no Brasil em um momento de grande importância da "Arquitetura Moderna"
brasileira, como será detalhado mais adiante- ainda não foram devidamente exploradas, o que enfatiza
ainda mais a relevância desta dissertação. De qualquer forma, mesmo que de maneira rarefeita, é
possível rastrear menções à Rudofsky desde, por exemplo, a publicação do catálogo da exposição Brazíl
Builds24, de 1943 - que mesmo não sendo uma publicação genuinamente nacional, é amplamente
conhecida no cenário arquitetônico brasileiro- na qual participa como organizador, e que também
traz duas de suas obras em São Paulo. Além do próprio catálogo, um artigo25 de Marcos Carrilho sobre
os 55 anos da exposição na revista A U- Arquitetura e Urbanismo, comenta sobre o papel de Rudofsky
em sua organização, e especula o quão influente foi esta participação para a escolha de suas casas para

22
"Riflessioni sull'abitare. La casa-giardino a Long Island ( 1949-50) di Tino Nivola e Bernard Rudofsky". C0;\;10, 2010.
23
MONTANER 1993.
21
' GOODWIN, 1943.
25
"55 anos da exposição Brazil Builds". C ARRIL H O, 1998.
17

que fizessem parte da mostra. Em 2005, como parte do VI Seminário Docomomo Brasil, um artigo26
de Carlos Eduardo Comas disserta sobre o contexto e as repercussões de Brazil Builds, enquanto que
outro texto27 de Anat Falhei insere Rudofsky no grupo de arquitetos estrangeiros que participam e
influenciam o cenário da "Arquitetura Moderna" no Brasil entre as décadas de 1930 e 1950. As duas
casas de Bernard Rudofsky apresentadas em Brazil Builds - a Casa Arnstein e a Casa Frontini, de
1939-1941, em São Paulo- aparecem também no livro de Lauro Cavalcanti "Quando o Brasil era
Moderno: Guia de Arquitetura 1928-1960"28 , de 2001. Quase duas décadas antes disto, em novembro
de 1982, Hugo Segawa publica um pequeno artigo 29 na revista Projeto, onde comenta de forma
panorâmica a vida e a obra de Rudofsky, incluindo sua passagem pelo Brasil. Alguns meses depois, em
maio de 1983, Segawa publica na mesma revista uma curta nota30, onde complementa as informações
anteriormente fornecidas, segundo ele após uma conversa com o arquiteto Alberto Xavier, que havia
contatado Rudofsky à época em função de um livro no qual estava trabalhando, onde mencionaria
suas obras brasileiras. Além disto, em seu livro "Arquiteturas no Brasil: 1900-1990"31 , de 1997, Segawa
menciona a passagem de Rudofsky pelo Brasil, citando algumas de suas obras e também comentando
sua posterior ida para os Estados Unidos. Por fim, cabe mencionar o artigo 32 de José Tavares Correia
de Lira, publicado nos anais do II ENANPARQ, de 2012, em que comenta a respeito das viagens de
três arquitetos ao Brasil durante os primórdios da "Arquitetura Moderna" no país, sendo eles Grego ri
Warchavchik (1896-1972), Bernard Rudofsky e Richard Neutra (1892-1970). Sobre Rudofsky, a
quem chama de "Nômade Expatriado na Cidade Tropical", Lira traz uma sucinta mas precisa
biografia, comentários sobre suas casas em São Paulo, sobre a importância dos pátios em sua
arquitetura, além de alguns aspectos de sua personalidade cosmopolita e errante.

111. Metodologia

Entre 1938 e 1941 Bernard Rudofsky vive e trabalha no Brasil, com base sobretudo em São Paulo,
onde projeta e constrói duas casas que fazem parte da exposição Brazil Builds, de 1943. O legado e a
influência do arquiteto, no entanto, não se refletem em publicações sobre esta obra no contexto
nacional, com a exceção de curtas e pontuais menções em catálogos e publicações sobre a época, e
também em algumas outras mais recentes, sobretudo a respeito do princípio da "Arquitetura
Moderna" no país, e da influência nela de alguns arquitetos estrangeiros. Somado a isto, é bastante
difícil encontrar em livrarias ou nos catálogos de bibliotecas nacionais, as obras escritas e publicadas
pelo próprio Rudofsky, com exceção da mais popular delas, o catálogo da exposição Architecture

26
"Brazíl Builds e a bossa barroca: notas sobre a singularização da arquitetura moderna brasileira". C0;\;1AS, 2005.
27
"Arquitetos imigrances no Brasil: uma questão historiográfica ". FALBEL, 2005.
28
CAVALCANTI, 2001.
2
~ "Bernard Rudofsky e a Arquitetura sem Arquitecos (ou: um Velho Conhecido dos Brasileiros)". SEGA\'i7A, 1982.
10
"Bernard Rudofsky, ainda". SEGA\YfA, 1983.
11
SEGA\YfA, 1997.
32 "Redes, from ei ras e vetores: três arquitetos estrangeiros em São Paulo" . LIRA, 201 2.
18

Without Architects, de 1964, e da sua sequência mais elaborada sobre a arquitetura vernácula, The
Prodigious Builders, de 1977.

Dado isto, a primeira etapa desta pesquisa foi a realização de um levantamento completo de toda a
bibliografia disponível sobre Bernard Rudofsky, incluindo as referências feitas por outros autores em
artigos ou em capítulos de livros nacionais e estrangeiros, além de publicações disponíveis na Internet.
Em seguida, foi feita a busca e aquisição de algumas de suas obras mais raras e fora de circulação em
bibliotecas e livrarias no exterior- através de "sebos" virtuais- e também durante uma viagem em
outubro de 2015 aos Estados Unidos, incluindo uma visita à Biblioteca Pública de Chicago e também
à Biblioteca Pública de Nova Iorque. Em função deste esforço, durante os quase dois anos de pesquisa
foi possível colecionar, mesmo que através de cópias, todos os nove livros publicados por Rudofsky ao
longo de sua vida, além de grande parte de seus artigos em revistas como Domus, New Penei] Points e
Arts & Archítecture. Com isto em mãos, o próximo passo foi uma leitura aprofundada e metódica de
todo este material encontrado, com foco inicialmente em compreender as influências intelectuais,
culturais e arquitetônicas de Rudofsky ao longo de sua vida, e também de familiarizar-se com o
contexto por trás de toda sua obra projetual, escrita e visual.

Concluída esta etapa, adotou-se a estratégia de dividir o trabalho em duas frentes distintas. Por um
lado, recopílar, compreender e apresentar o máximo de informação sobre a biografia e a obra de
Rudofsky como um todo, m ontando assim um panorama que permitisse uma ampla compreensão a
respeito de seus precedentes, pensamentos e métodos. Pelo outro, investigar e apresentar suas ideias
sobre o contexto doméstico e sobre o habitar, que pareceu ser o tema mais rico, original e não explorado
dentro de toda a sua obra. Sendo assim, através da leitura e de uma análise visual detalhada de três de
seus livros: Behínd the Pícture Wíndow, de 1955; Now I Lay Me Down to Eat, de 1980; e
Sparta/Sybarís, de 1987 - que foi publicado somente em alemão e teve que ser, portanto,
rudimentarmente traduzido através de ferramentas eletrônicas e virtuais -sugere-se neste trabalho a
possibilidade de classificar este conteúdo no que decidiu-se chamar de "aspectos essenciais" do habitar,
seguindo cinco categorias principais: Comer; Sentar; Higiene; Banho e Dormir. Nestas três
publicações, cada uma destas categorias recebe ao menos um capítulo exclusivo, sendo que em alguns
casos mais de um. Da mesma forma, e de maneira mais dispersa, material sobre grande parte destas
categorias também pôde ser encontrado ao longo de alguns dos artigos publicados por Rudofsky nas
já mencionadas revistas de arquitetura, em alguns casos inclusive relacionando-as à algumas de suas
obras arquitetônicas.

IV. Estrutura do Trabalho

A dissertação se divide então em duas partes - além das considerações iniciais, finais e referências
bibliográficas- e cada uma destas partes está dividida em cinco capítulos. A primeira parte - "A Vida
como Uma Viagem, Viajar como um Estilo de Vida" 33 - refere-se tanto aos aspectos biográficos,

1
' Life as a voyage, trave! as a li festyle. RU DOFSKY em 1986 apud ARCHITEKTURZEN T RU i\f W IEN. 2007, p. 96. (")
19

quanto às obras arquitetônicas, vtsuats e escritas de Bernard Rudofsky, organizados de forma


cronológica, e apontando ao longo da sua vida as influências e os contatos com os contextos culturais
e arquitetônicos em cada época, sobretudo a relação de suas ideias com o avanço da "Arquitetura
Moderna" ao longo do século XX. O primeiro capítulo discute sua educação acadêmica inicial em
Viena, e os primeiros contatos com a Arquitetura Moderna e com a cultura do mediterrâneo. O
segundo refere-se de maneira específica ao papel do hábito de viajar em sua formação, e como isto acaba
moldando sua personalidade e sua visão de mundo. O terceiro capítulo narra a época em que, logo após
concluir seus estudos, Rudofsky deixa Viena e vive por alguns anos na Itália, onde de fato inicia sua
carreira profissional. O quarto capítulo apresenta a passagem de Rudofsky pelo Brasil, seus contatos e
suas obras durante um momento de grande importância na arquitetura brasileira. O quinto capítulo
relata a vida de Rudofsky após sua mudança para os Estados Unidos, seu contato com o MaMA, suas
viagens, e também os períodos que se muda para países como Japão, Inglaterra e Dinamarca, além da
segunda residência que constrói na costa do sul da Espanha.

A segunda parte- "A Essência do Habitar"- procura apresentar uma espécie de incursão nas ideias
de Rudofsky sobre a intimidade doméstica e sobre a evolução de uma série de aspectos culturais e
arquitetônicos relacionados ao habitar, através da apresentação e da discussão sobre o conteúdo de seus
três livros dedicados a este assunto. O primeiro capítulo fala sobre o "Comer", e como os costumes e
hábitos "à mesa" evoluíram ou "involuíram" ao longo do tempo, contrastando aspectos epicuristas e
saudáveis com as preocupações industriais e comerciais que acabam dominando este tema nos últimos
tempos. O segundo capítulo discute sobre o conforto utilizando-se o tema do "Sentar", onde Rudofsky
comenta sobre as reais necessidades humanas em comparação com a evolução do mobiliário, em
especial a cadeira. O terceiro capítulo aborda a "Higiene", que segundo Rudofsky é algo que serve
perfeitamente para ilustrar as confusas relações entre a cultura ocidental e a oriental, e como aspectos
modernos não necessariamente representam uma melhoria de questões primitivas. O quarto capítulo,
"Banho", questiona a visão fria e asséptica do ato de banhar-se na atualidade, e cogita as vantagens do
retorno do banho como uma atividade coletiva, conviva!, e de relaxamento ou contemplação, e não
somente a mera limpeza corporal. No último capítulo, "Dormir", é discutida a interferência da
tecnologia, da privacidade e da intimidade no cômodo mais Íntimo da casa, o quarto, e como este
ambiente e seu principal componente, a cama, alteraram-se ao longo do tempo, e também quais são
suas diversas formas em várias culturas.
1. A VIDA COMO UMA VIAGEM, VIAJAR COMO UM ESTILO DE VIDA
Figura 1.0 1 (página anterior) - Dia da mudança no Vianã. Fonte: RUDOFSKY, 1964, fh;ura . 142.
23

1.1. Viena: Uma Formação Moderna no Início do Século XX

Bernard3 '' Rudofsky nasce em Zauchtl (Suchdol nad Odrou), uma pequena comunidade na fronteira
entre as regiões da Morávia c da Silésia- na atual República Tcheca, ames parte do Império Austro-
H úngaro- em 19 de abril de 1905. Em 1906, sua famílía muda-se para Viena, onde o pai de Rudofsky,
médico veterinário, iria crabalhar como inspetor de gado importado no Mercado da cidade. Em 1915,
Rudofsky ingressa na escola secundária "Realsch ui e X:V", e em 1922 in ida os estudos de arquitetura e
engenharia na Tcclwischc Hochsclmlc \Fícn (Universidade Técnica de Viena).''

KA'-.DEL-\BER 11'-l KORL~THISCHEN STlL

Figura 1. 1. 01 - ( .":mdeL1bro tJO Lstilo Coríntio. Desenho de Rudof;}<y dur:mte os tswdos tu T erhnisre Hochschuk. em 192 4.
1-'ome: PLiU 'LEK, 2007, p. 15.

O currículo durante a formação universidria de Rudofsky na Technische Hochsc:nle nos anos 1920
ainda é predominantemente acadêmico c historicista, sendo a Escola, segundo ele, uma "cópia fraca da

' • Como era ~osmme em seu tempo, Rudof, ky traduzia .seu primeiro nome de acordo ~0111 o país em '!L\ e .se encontrava, logo é possivc.:l
encnmrar em diversos documemm l}emhard, l}ernardo, Hernard e até lhn,tdo, dependendo ,\e ele estava vivendo na Áu,\trÜ, Alem,tnha,
Itália, llrasil, .Estados Unidos on no Japão. GUAR.NEKI, 2003, p.l 4.

ls c;UARNFIU, 200.3, p.IS; PL:\TZFR, 2007, p. 12.


24

École des Beaux-Atts"36 • Mesmo que a reputação da Escola e de seu título lhe tenham sido um ótimo
cartão de visitas nos diversos países por onde viveu e trabalhou, Rudofsky não dá muita importância
para o conteúdo de sua formação universitária:

Os professores que nos ensinavam os truques do oficio eram em sua maioria aristocrat as,
confortáveis na sombra de suas robustas árvores genealógicas. No curso de suas vidas eles
haviam concedido asua nação sua cota de teatros neobarrocos, catedrais neogóticas e alguns
desses pseudomorfos. Claro, não era seu trabalho que nos cativava. r

Muito mais além desta instrução acadêmica formal, três outros aspectos são fundamentais para a
formação intelectual, profissional, e cultural de Bernard Rudofsky durante sua juventude: as viagens
que empreende desde cedo, que serão tratadas com maior detalhe no próximo capítulo; as suas
primeiras experiências profissionais; e um certo clima de renovação cultural em Viena desde o final do
século XIX e início do século XX.

Figura 1.1.02 - EdiHcio na Rua Herrengasse, em \1iena, 1930, projero de SigfÍ'ied Theiss & Hans Jaksch.
Fonrc: ROSSI, 2Ul6a. p. 2 6~

No final de 1928, último ano de sua graduação, Rudofsky muda-se brevemente para Berlin, onde
começa a trabalhar no escritório de Otto Rudolf Salvisberg. No verão seguinte, em meados de 1929,

16
"poor copyofrhc lcolcdc Bcatzx-Arts". RUDO!'SKY em 1986 apud PLATZER, 2007, p. 12. (•)

;; "T he professors who taught us the tricks of th e trade were mosdy arístocrats, snugin rhe shade of their stout fmnily trees. In the cotlfSe
of theír lífe they had bcstowcd upon thcir nation thcir lJUOta of n eo-baroque theaters. neo-gothic cathedrals and som e such
pseudomorphs. Of coLTrSe, ir wasn't their work that captivated us". RUDOFSKY em 1947 apud GUARNERl, 2003, p. 16. (')
25

Rudofsky viaja para a Grécia, onde vive por alguns meses na ilha de Santorini, e ao retornar para Viena,
no princípio de 1930, trabalha no escritório Theiss & Jaksch, então envolvido em alguns projetos no
estilo austríaco de "modernismo moderado", como por exemplo o Edifício na Rua Herrengasse, em
Viena38 •

Durante este período, Rudofsky é também encarregado de organizar o layout do setor austríaco da
Deutsche Bauausstellung Berlin (Edifício da Exposição Alemã de Berlin), onde tem a oportunidade
de expor algumas de suas fotografias de exemplos de "arquitetura espontânea", grande parte delas
tiradas durante seu período em Santorini. Siegfried Theiss, um dos sócios do escritório em que
trabalhava, é o orientador de Rudofsky em sua tese de doutorado "Um tipo primitivo de construção
em concreto nas Cíclades do Sul"39, defendida em 1931, sobre a lógica das técnicas tradicionais de
construção das ilhas Gregas, em especial as de Santorini, em comparação com as estruturas de concreto
modernas. Também em 1931, Rudofsky expõe uma série de suas aquarelas no KünstlerhatlS de Viena,
que retratam sobretudo as paisagens arquitetônicas da Itália, Turquia e Grécia, realizadas durante estas
suas primeiras viagens.

hgura 1.1.03 (esq.) - Oía, Santoríni. Foto datese de doutorado de Bernard Rudof;-ky, 1931. Fonte: Dt: 1,.'(7JT, 2007, p . 108.

Figura 1.1.04 (dir.)- O ia, Santorini. Aquarela de Bernard Rudof~ky, 1929. Fonre: DE \VIT, 2007, p. 109.

O interesse de Rudofsky por esta arquitetura "anônima" ou "espontânea" não é de maneira alguma
uma novidade no contexto intelectual e arquitetônico de Viena. Gottfried Semper (1803-1879) -
influente arquiteto e teórico de arquitetura alemão que trabalhou e viveu durante alguns anos em
Viena, sobretudo durante a construção da Ringstrasse- acreditava na possibilidade de reconhecer nas
construções rurais e vernáculas um descendente direto, sem grandes alterações ao longo dos anos, de

3
~ PLATZER,2007, p.l4.
3
~ "Eine primitive Betonbauweise auf den si.idlichen Kykladen". GUARNERI, 2010, p. 233. (*)
26

uma certa ideia primitiva e antropológica de arquitetura 40 • O arquiteto e teórico do urbanismo


vienense Camillo Sitte (1843-1903) em sua obra "Construção das Cidades Segundo seus Princípios
ArtÍsticos", uciliza como referência as cidades e praças de antigas cidades europeias que visita ao longo
de sua vida, sobretudo as italianas, como referência para seus argumentos contra os aspectos
pragmático~ do urhani~mo do final do século XIX, voltado para as grandes malha~ reguladoras e para
a estrita bidimensionalidade cartesiana do traçado urbano11 • .Josef Hoffmann ( 1870-1956) - arquiteto
nascido também na Morávia, um dos pupilos de Otto Wagner, e um dos precur~ores da arquitetura
moderna em Viena- já no ano de 1897 refere-se, em um artigo da revista Der Architekt, à forma como
eram construídas as casas na ilha de Capri, adaptando-se ao clima e às condições dos habitantes, e sem
um estilo formal predefinido, mas sim fruto de anos de uma evolução quase que natural.

AR011TtKrONISQIIE:i
VON bE.RJN5EL('J'\PRa.

t;ín Beitrng nlr rnAlerlscho ArchitekturempRndungcn,


Vom Afd1itcktco Jo•cr Uoflm• uo,
Die fnsel Cnprl ist allcn ltalienreisenden :lna Herz ge·
wachsen. lhre herrliche, meerumtpielte Lo.gt: 1::egenüher dem
Golfe \'On Neapel, illre abgeachlo&senc Naturschõnlleit lo Oerçen
und Grottcn, die merkwürdige Frcundlichkeit und zvfricdene
l~eittrkeit seiner Bewohner und, wa9 mich be:sonden reit.te,
dte fast durchweg!J: noch reine, volksthümliehe Bauweise ma.<:ht
sie jedem liett und unvergé:o;slich.
Dort stimmt der maJeriçch b~wegte Baugedan ke in
sc~n~r glatten Eiofachheit, frei von kiinstlicher Oberhãufung
m1t sch techt~n D~eorationen. noch herzet•rrischend in die
glühende Land:~chaJt und spricht rur jedermMn eine offene,
\·erstiindige Sprache. Die blendcnd weiBen \Viiode mit, des
übermiBigen .Lichtes wegen, klcinen, tiefen Fcru;tern um·
schlieBen den Haum (fast immer nur e inen). Diesen deckt die
gemauerte f'lache Kuppel odcr Tonne.
l.~inc {:er:.üunige !?rcitreppe mit Vnrplat:r. und Wein-
pergol:t führt zu demselben dureh den liof, und rin,;s in
mah:risclu~r, Yielen Schattc:n Oit:teruler (iruppierung ~;etzen díe gr06eren und kh:ineren Nutzniume an und
bildtn immer ein gant.e!l, llbgeãehlo~1'ents, eínheitl!ches Bild, welc:hes aiçh in seiner lichten Farbe und cinrac:hen
Sllhouette kiar und deutlich vom blauen HimmeJ oder dunkeln Hintcrgrunde der Berge abhebt.
Hier ist noçh Gotl sei l)a.nk dic BauspeculOLtion nícht cing:edrungen, und Villen neueren Ursprung:~t,
wie z. 13. die des Malcrs Allers, beh:llten jene vortrerllichen eigcnhdten bei und gliedern s ich dankba.r in die
reic:ende GeRammtheit.
D:~.s Deispiel \'On Volkskunst, wie $OIChe thatsãchlich hier in die~e n e infachen Landhãusern best~ht, ist
aur jedcs unbefnnJ;::cne Gcmüth von gro6t:r Wirkung und lã$St uns immer mehr fühlen, wie sehr wir bei u n~
zu 1-lauae daran Mang:el leid~n.
baren tp~~ :in~;c~o~ee:~=~ t':~~~~~~~!s ~~~1:n~!;~i~e~~~~nr:~tu~e;:r"~~r~a~u~~s:~: ~~:~b:~~k~~hs~h~ff~~:
t(olz de r übeq:roOc:n Am::ahl nc:uercr Villenunlagen.
D~ Ueispiel Capris und einiger anderer Orte, die ich noch Hp.iittr zu \Vo dic Landschaft (nrb·
he-sthrei~n mir wrbehaHe. soll a.ber nicht zur Nachahmung d ieser Bau"'eisc los und õde eNJc:heint, da.
ffihren, soodern e:> J>oll nur den Z.weck bab.oen, in uns einen anheimelnden \Vohn· mag auch dic Malcre i c:in
gedanken z.u wecken, der nieht in Vcrdecor.ierung: des !$Chlechtcn B.augerippes mil gewichtigea \Vort mitsprechc:n, liionst abcr 5ollte sie lieber mit den lnnenrãumen
lllcherlic:he:n, (abriksmaOig hcrgestcllten Cementgussornamenten, oder in a\lf- vorlieb nehmen, wo ihrer noch genug der Auff;aben ungt:lõst warten.
octroierten S c:hweizer-. und Giebelhausarchitekturen besteht, sondern in einer cin- Hoffentlích wird auch bei uns einmal d1e Stunde schlagen, wo man die
(n.chen, dem lndividuum an~c-passten, vcr~>tãndnis· und stinlmUo&at•ollen Gru.ppie- Tapete, die Deekenmalerei, wie dlc Mõbtl und Nuttgegcnstãnde nicht bcim
l'.un,ç:, gleichmãOiger, natürlicher Farbc: und, wo C!l der Reichthum gestattel, in Hiindler, sondem bcim Kün.stler bel!ltcllen wird.
heber weniger, aber dafUr von wirklicher K.tinstlerhand stammender Plaslik. E11gland geht uns llierio wcit vora.n, clcx.h solltc 15ein zumei$t a.n mittel ·
Die Natur, namentlich unsere, ist obnehin reieh an Gestaltllng, Mannig- aJt~rlic::be Formc:n sich anlehnender Gesch.mack oicht aucb für uns der ma6-
(ahigkeit in den 6aumg:~.ttungc:n 1 an Fárbe und Formcn, so das:,; die einfa.chen
lltrAden oder deeent gcL-rümmten Linit:n unserer Bauten mil denoelben glücklieh ~~~~~d~~e!~lg:"e~~~~ \~;k:~~~~e; ~~~~~~~h Ib~fr~= !::c~z~~~~~w~r::h:~.d aa~:~
-.nntral!litiercn werden. Nie 1.ber k.a nn man jene \'ielspit~:igen. vielgiebcligen unscre Kunstformen immer u nd immer wieder in unserem eigenen \Vesen zu
"t-l,windeln.rchilekturen ais zu unsercr Landschaft pusend bezeichnen. suchen traehten und endlieh dic hindernden S<:hr'ànken vcra.lteter Stilduselei
OlcSilhoueuierung mOge man licber in richtigerTerrain- und Platzausnützung kr!J.ftig von uns stoBen,
..____••. •1. _tn • til volle r Umgebung der Gãrten u.nd Villenlitra8en zu .lue.hen trac:hte.n.

Figura 1.1. 05 - A rtigo dr.:Jos(IH of{ mJJW n;J rr.:l'is·t;J Dn Ar~hi td<J III: "0/,·r.:rv;J~-tir.:s A rqtú tnôn i.-Js dJ Ilh a dr.: C<pri:
Uma conuiblliçío sobre as sensações pirorcsc1s na arquitcWnl ""J. Fome: PLATZI::R, 2007, p. 16.

Estas e outras influências criam em Viena uma certa atmosfera cultural que a diferenciava de outros
polos onde se desenvolvia o pensamento e a arquitetura moderna no início do século XX. Além da
"batalha" contra a tradição acadêmica e historicista, que havia transformado a face da cidade na
segunda m etade do século XLX- com edificações de vários estilos "pseudomorfos", como comenta
Rudofsky - em uma outra frente o conceito de "moderno" em Viena também ia de encontro à

40 G UAR,'IERl, 2010, p. 232


41 WHZlC;, 2007. p. H2.
42 "A rchitcctural obscrvations from thc island ofC,tpri: A contribmio n tow,ud piccurcsquc scnsario ns in architccturc". HOFFNIAN?\T
em 1897 apud l'LATZER, 2007, p. 16.
27

supremacia mecanicista do "Movimento Moderno", representado pelos CIAM (Congresso


Internacional de Arquitetura Moderna), pelo Existenzminimum, e pela valorização da
industrialização como a principal força delimitadora da arquitetura e, consequentemente, da vida
doméstica. Havia entre os vienenses, portanto, um certo ceticismo em relação à crença de que o
progresso perpétuo deveria guiar o avanço da arquitetura, que o passado deveria ser ignorado, e que
existiria uma tendência inevitável de universalização que não necessitava dar atenção aos contextos
locais e à diversidade cultural. Para compreender melhor como se expressava esta "modernidade
alternativa" vienense, e como ela influencia diretamente as ideias e o trabalho de Bernard Rudofsky, é
necessário referir-se ao trabalho de dois arquitetos em especial: Adolf Loos e JosefFrank.

AdolfLoos (1870-1933) possuía um olhar sensível e antropológico em relação à cultura. Muito mais
do que um arquiteto responsável por uma série de emblemáticos e influentes projetos, Laos assume
em Viena no princípio do século XX um certo papel de "reformador cultural". Além de seu conhecido
argumento a respeito da eliminação do ornamento como forma de possibilitar o progresso cultural43,
Adolf Laos opina e comenta sobre diversos assuntos cotidianos, tais como a comida, o vestuário, e
também o corpo humano. Como forma de ilustrar e validar seus conceitos, Laos lança mão de
exemplos de outras culturas que fossem contrários aos costumes de sua época, artifício este que se
mostrará fundamental em toda a posterior retórica de Bernard Rudofsky 44 • Uma das principais
preocupações de Laos- e que o diferencia da certa forma da tendência controladora da arquitetura da
época, sobretudo a moderna- é proteger ou resguardar o habitante da atuação do arquiteto dentro da
esfera doméstica, uma vez que, segundo Laos, este profissional buscaria sempre o protagonismo,
condicionando e submetendo a liberdade do habitante dentro de sua própria casa à uma suposta
obsessão com a "obra de arte total", ou seja, com o desenho e a definição de todos os aspectos da vida,
desde o desenho da cidade e da casa, até a decoração interior e a definição dos objetos pessoais e do
vestuário dos habitantes45 . Em uma linha similar, Laos também se mostra contra as invenções formais
"por si só", e acredita que "modificações da forma tradicional de construção são permitidas apenas se
constituírem uma melhoria; caso contrário, deve-se manter a tradição" 46 • Ou seja, a espécie de
"limpeza" que prega em seus projetos, e o purismo das construções sem ornamento, teria uma função
sobretudo ética, e não necessariamente estética. A simplicidade que possa já existir nas tradições
construtivas deve ser respeitada, e a arquitetura deveria submeter-se às necessidades dos usuários, à
melhoria de sua qualidade de vida, e de sua experiência pessoal e sensorial47 •

Durante os anos 1920, no período que Rudofsky é estudante universitário, a principal figura da
arquitetura de Viena é JosefFrank (1885-1967), uma vez que a partir de meados da década, Loos troca

4' ''Ornamento y Delito". LOOS, 2003a, p. 84-89.


44 \X!ELZlG, 2007, p.80.
4' ''Historia d e um pobre h ombre rico''. LOOS, 2003b, p. 18-21.

o f rhc tradicional way o f building are allowcd only if rhcy consritutc an improvemcnr; orhcn.visc, srick ro rradition "
46 "Modifications

LOOS em 193 1 apud GUARNERI, 2003. p. 42. (' )

..- "[Loos is] a n architect obsessed wi th th e imm ediate quality oflife in th e spaces built by man , th e quality of t he smell. che qua lity of
the texture, of every sen sation". RYK\VERT em 1972 apud GUARNERI, 2003, p . 57 . (•)
28

Viena por Paris. Seguidor de algumas das já mencionadas ídeías do final do século XIX, e também dos
ensinamentos de Laos, Frank é responsável por uma série de importantes projetos na cidade, como a
Villa Beer, de 1930, e o conjunto habitacional Werkbundsiedlung, de 1932. Apesar de seguir uma
linha formal claramente moderna - com volumes brancos e limpos, sem ornamento - F rank é um
f<.:roz crítico dos dogmas funcionalistas como justi.ficativa de um novo estilo, c da tendência estttko-
estilística que se contenta em criar uma arquitetura que "tenha a cara" de funcional, mas que negue ou
ignore os valores psicológicos, subjetivos, e até espirituais dos habitantes"i8• Sobre este foco excessivo
no funcionalismo, Frank acredita que a casa "não é f-eita p;tr;t cozinhar, comer, trabalhar e dormir, mas
para viver. Entre os conceitos de cozinhar, comer, trabalhar e dormir, e o conceito de 'viver', está o que
chamamos de arquíterura" 49•

1-"igura 1.1.06- "Casa P.ítiu Ideal", desmhada pm.JuscfFmnk., em 1927. Funrc W:'LLLIG, 2007, p. 84.

É possível traçar a1b'11mas relações, sejam estas diretas ou indiretas, entre a obra de Rudofsky e adeJosef
Frank. Ambos arquitetos possuem um confesso interesse na filosofia, arte, estilo de vida, e cultura
doméstica dos países orientais. Durante toda sua vida, Rudofsky guarda entre seus desenhos uma cópia
da "Casa Pátio Ideal", projetada por Frank em 1927, o que demonstra tanto a admiração pelo
arquiteto, quanto o paralelo entre esta tipologia com a maioria dos projetos realizados por Rudo(~ky,

"CUARNERl, 2003, p. 42.

• 9 "is no c mad.c for cooking. cating. working. and slccping, bur for living in. Bcrwccn rhc conccpt s o f cooking, caring:. working: and

slteping and rht concept of'livingin' srands rhar which we call archirecture." FRANK em 1931 apud GUARNERI, 2003, p. 84. (•)
29

ancorados em torno da relação entre espaços interiores e pátios. Além disto, é possível notar uma série
de semelhanças entre as plantas das duas casas projetadas por Rudofsky na cidade de São Paulo, entre
1939 e 1941 'io, e projetos de Frank em Los Angeles, do ano de 1930. Da mesma forma, pode-se
identificar nestes projetos similar preocupação de ambos com a presença de ar, luz e sol, e com o uso
de técnicas construtivas e de materiais tradicionais'il.

ffi tí1fipj rnrn ~1


1\0Tflt\ 'o\11(1 .._ ti...,

Nguras 1.1.07-08- Segunda (esq.) e rerceiDJ (dil'.) versões da casa dejosdFDmk em Los Angeles, 1930. De ionm semd/w~re à
pmrcriormcn rc adotada por Rudokky m1.ç cas<1s em Sáo l'aulo, cn trc 1939 c 1941, Frank articula ambientes c zonas intcrn<!s desta casa
com uma série de pátios isolados, criando 11ma complexa relação imeríor I exterior. Fome: W'iiL:LIG, 2007, p.85

Além de AdolfLoos e JosefFrank, cabe também citar as relações estre dois outros arquitetos austríacos
com o trabalho e o pensamento de Bernard Rudofsky: Oskar Strnad e Roland Reiner. Oskar Strnad
(1879-1935) é da geração de Frank, e assim como ele e Rudofsky, frequenta também a Technische
Hochschule, onde similarmente detende tese doutoral sobre a arquitetura tradicional do
mediterrâneo. Srrnad é urna figura chave no desenvolvimento da arquitetura vienense, principalmente
em função de sua preocupação e estudo em como um indivíduo se sentiria em um determinado espaço.
Como forma de analisar e entender isto, Strnad busca reduzir a arquitetura a alguns elementos
essenciais - como o pavimento, as escadas e os telhados - e explora os efeitos psicológicos que estes
elementos poderiam ter em seus usuários52• Roland Reiner ( 1910-2004), por outro lado, é cinco anos
mais jovem que Rudofsky, mas compartilha com ele uma série de interesses, como por exemplo a
arquitetura "anônima", e as culturas construtivas e de estilo de vida dos países orientais. Da mesma
forma, a casa pátio é para ambos a tipologia que se mostra como a mais interessante para promover a
privacidade e a relação com a natureza que tanto valorizam no ambiente doméstico. É possível,

~"Vnp. 56
~~ WELZIG, 2007, p.82-85

52 WELZIG, 2007, p.8 1


30

inclusive, notar semelhanças entre a Casa-Jardim que Rudofsky desenvolve com Constantino Nivola
em 1949-5053, com dois dos projetos de Reiner: a casa de verão em St. Margarethen, de 1958, com uma
relação simbiótica entre as paredes brutas de pedra e a natureza do entorno; e também a casa que
Reiner faz para si mesmo em Viena entre 1964 e 1966, onde a articulação da casa com uma árvore
existente no terreno lembra um elemento bastante marcante da Casa-Jardim de Rudofsky.

Figura 1.1.09 (esq.)- Casa de verão em Se. Margarechen, de Roland Reiner, 1958. Fonte: W'ELZIG, 2007, p. 90.

Figura 1.1.1 O (dir.) -Churrasqueira da Casa-Jardim Nivola, Amaganscct, Estados Unidos, de lkmanl Rudofsky c Constantino
Nivola, 1949-50. Fonte: SCOTT, 2014, p. 118.

Figura 1.1.11 (esq) - Casa Rciner, Vim a, de Roland Rciner, 1964-66. Fonte: \VELZIG, 2007, p. 91.

Figura 1.1.12 (dir.) - Parede auropoaanre com aberwra para passagem de um galho da m :Kieira. Casa-Jardim Nivola, Amaganserr,
Estados Unidos, de Rudofs},y c Constantino Nivola, 1949-50. Fome: R UDOFSKY 1952b, p. 1.

Tendo isto tudo em mente, é importante que estas diferenças entre o trabalho e as ideias de Bernard
Rudofsky - e dos demais arquitetos de Viena acima mencionados - em relação ao chamado

BVer p. 75
31

"Movimento Moderno" sejam devidamente esclarecidas, dada a complexidade deste "movimento", e


também a heterogeneidade de suas manifestações em diversos locais, e ao longo das primeiras décadas
do século XX. Apesar das afiadas críticas direcionadas à ótica mecanicista e tecnológica adotada por
grande parte dos arquitetos modernos de seu tempo, não há dúvidas que Rudofsky- assim como Josef
F rank, ou Roland Reiner, e também de alguma forma Adolf Loos - sejam eles mesmos arquitetos
"modernos":

Para ele, "moderno" significava: aquilo que, graças tamo à superação das limitac,:õcs habituais,
quanto às possibilidades oferecidas pela tecnologia, permite uma liberdade nunca antes
experimentada; aquilo que é derivado a partir de uma abordagem racional para perguntas,
sem nenhum condicionamento doutrinário. 54

Seus projetos apresentarão então uma identificação estética e estilística que os assemelha às
características formais deste "Movimento Moderno", mas os temas e conceitos com os quais
desenvolverá suas reflexões e sua crítica daí em diante buscará de alguma forma transcender a discussão
ou contestação destas características. As novidades estéticas apresentadas pelo "Movimento Moderno"
passam a ser subentendidas, como um fato dado a ser considerado e explorado, mas as forças que às
geraram, e também os impactos que estas venham a ter na vida dos usuários, habitantes e cidadãos, se
tornariam o cerne desta sua reflexão.

[A] linguagem de eomposic,:ão modernista é um dado que ele é capaz de usar com facilidade
e liberdade. Isto permite-lhe concentrar sua atenção sobre o que está além do estilo, sem
permanecer prisioneiro dos debates relacionados com o aspecto formal da arquitetura."

Sendo assim, o principal foco das críticas de Rudofsky- coincidentes com as de Josef Frank, por
exemplo - é o racionalismo e mecanicismo propagados sobretudo pelos arquitetos alemães e pela
Bauhaus, que configuraram provavelmente a vertente mais "enfeitiçada" ou "apaixonada" pela
tecnologia e pela glorificação da máquina. Já no final de sua vida, Rudofsky reflete sobre esta questão,
lembrando uma de suas primeiras viagens da época de estudante:

Os profetas e pioneiros da arquitetura moderna, cujas doutrinas foram incontestadas por


anos, eram quase sempre homens de mentes paroquiais, não viajados, e relutantes em
aventurar-se além da sua prancheta. Seu objetivo principal foi o de homogeneizar o mundo
da arquitetura, imprimindo nela um insípido "Estilo Imcrnacional". Enamorados pela
mecanização, viciados em desperdício, eles consideravam as nações que dependiam
principalmente da utilização da força do sol, do vento e da água como irremediavelmente
primitivas( ...). Um verão, a curiosidade levou-me a Weimar, onde a primeira exposição da
Bauhaus acabava de abrir. Esta foi a minha primeira premonição do mau vento que escava
prestes a soprar sobre o campo da arquitetura. Weimar, e posteriormente Dessau, descobri,
tinham todo o charme de um reformatório para delinquentes juvenis.

Por puro contraste, os primeiros escritos c edifícios de Lc Corbusicr foram uma revelação
para mim. Sua elegância latina de raciocínio, sua sofisticação nativa, fez o pronunciamento

54 "For him, "modern" meant: that which, thanks both to the overcoming of habitual limitations and to the possibilities offered by
rechnology. permits a freedom never before experimenred; thar which is derived from a racional approach co questions, wíth no
doctrinairc conditioning". GUARNERI, 2003, p.42. (')

"" [T hc] mod crnist compositionallanguagc is a givcn which h c is capablc of usin g >vith case and frccdom. This allows him to
con centrare his attention on what is beyond style, without remaining a prison er of th e debates conn ected with the formal asp ect of
architecture". GUARNERI, 2003, p.41. (')
32

pesado de seus colegas Teu tônicos parecer chato. Além disso, pintor e escultor que era, ele
admirava muiro as casas livrcmcnrc modeladas das Ilhas Gregas c das cidades do Norte
Ati·icano. 56

Como é possível notar na segunda parte do trecho aCima citado, Rudofsky aparenta claramente
preferir os "escritos e edifícios" deLe Corbusier ( 1887-1965) aos dos integrantes da Bauhaus. Isto não
o impede, de qualquer forma, de criticá-lo e de considerar as posteriores repercussões do seu conceito
de "machine à habiter" (máquina de morar) como algo maléfico e prejudicial, principalmente seu
legado na maneira como acaba evoluindo a arquitetura doméstica durante o século XX, mencionando
também a influência da frase "Menos é mais", atribuída a Mies Van der Rohe (1886-1969), que foi um
dos professores e diretores da Bauhaus:

Embora tenhamos lucrado com a mecanização em muitos aspectos, na casa nós perdemos a
batalha. Talvez tenhamos ardido muito tempo sob os frios e putativos slogans da arquitetura
moderna. "A casa como uma máquina de morar", um dito cspiricuoso espalhado
alegremente, tornou-se uma realidade terrível que afeta gravemente a vida doméstica,
enquanto que o igualmente cáustico "menos é mais", anunciado com arejada deliberação,
levou a um empobrecimento da expressão arquitetônica tal como o mundo nunca havia
conhecido. 57

A relação de Bernard Rudofsky com o "Movimento Moderno" é um dos temas que serão
repetidamente discutidos neste trabalho, mostrando como ao longo de sua vida Rudofsky oscila em
diversos momentos, e sobre diversos pontos, entre a proximidade e a distância com este movimento.
Aproveitando, no entanto, esta série de citações acima mencionadas, cabe acrescentar uma outra- que
possivelmente esclareça um pouco porquê esta "elegância latina de raciocínio" do mestre francês era
tão atraente à Rudofsky- quando em 1929 Le Corbusier reflete e comenta sobre seu próprio termo,
"machíne à habiter":
Eu gostaria de saber como você imagina a minha "máquina de morar". Você já pensou em
tudo? Viver: Chego em casa, como, c durmo, bom! !vias também penso. Eu quero algo que
sirva apenas p ara me agradar ou para despertar o meu entusiasmo. Porque eu não esto u
comendo e dormindo o tempo todo( ...). Eu quero me divertir. O que você chama de "inútil"
é Íltil para mim, talvez até indispensável, caso contrário, um abismo se abriria diante de mim
c cu me mataria (... ). Não é uma tcnrariva infantil de formular um sistema que tente superar

\ (i "M odem arehitecturc's prophcts and pion cer s, whose doctrines went unehallcngcd for ycars, werc almost invariably mcn of parochial

mind, untravded, and loath to venture beyond t heir d1·awing board. Their foremost aim was to homogenize the world of architecture
by impressing upon ir a vapid "Imernarional Sryle". Enamored of mechanization, addicred co waste, they considered narions rhar
depcnded mainly on the utilization of sun, wind and warerpower hopelessly primitive. ( ... ) O ne summer, curiosity led me to \'Veimar
where the first Bauhaus exhibition had just opened. This was my first premonition of t he ill wind tl•at was to blow over t he field of
archirecture. \Veimar, and larer Dessau, I found, had ali rhe charm of a reformarory for juveniles.

By sheer conrrasr, Le Corbusier's early wrirings and early buildings were a revdation co me. His Larin degance of reasoning, his narive
sophísricarion, made rhc pondcrous pronouneemcnt of hís Tcuronie colleagues sccm boring. Bcsides, paíntcr and sculptor rhat h e was,
he greatly admired the fredy modeled houses of the Greek islands and North African towns." RUDOFSKY em 1981, apud
GUARNERI, 2010, p. 247. (•)
7
' "Alrhough we have profited from m echanizarion in many r espects, in the house we lost the bartle. P erhaps we have smarted roo long
under rhc cilly sloganry of putatíve modem arehitceture. "Thc h ouse as a machine for living", a wittieism lightheartedly tossed off,
became an awful reality tl•at grievously affected life at home, while the equally caustic "Less is More", heralded with airy deliberation,
led to an impoverishment of architectu ral expression such as t he world had never known.'' RUDOFSKY, 1980, p. 13. (')
33

ao coração, de formular um sistema que não consiga medir o seu equilíbrio na alma
humana. 5 ~

hgura 1.1.13 (esq.)- Casa Domino, Le Corbusíer, 1914-1917, o modelo arquetípico da "máquina de morar" moderna, Focado
sohretudo nas po.~sihilidades oferecidas pela tecnologia construtiva. Fonte: LE CORB USIER, 2006, p . 162.

Figura 1.1.14 (dir.)- Capa da Revista Interiors de maio de 1946, desenhada por Rudofs],y. Esquema idealizado do "Cômodo ao ar-
liiTe", símbolo da arquirewra e das ideias sobre o habitar de Bernard R.udofsky. Fonte: GUAR.Nt:R.L 2007, p. 146.

sx 'Td likc to know how you imagine my "mad!ÍJ!c <l habitei'. H ave you rhought cvcryrhing rhrough? Living: I come homc, cat, and
sleep, good! Bur I also rhink. I wanr somerhing rhat serves only to appeal to me or arouse my enthusiasm. Because I'm nor eating and
sleeping all rhe rime; (...) I wanr to enjoy myself. \~'har you cal! 'useless' is useful to me, even indispensable, orherwise an ahyss would
opcn up bcforc me and l'd kill mysdf (...). Ir's nota childish attcmpr to formulare a sysrcm that arrcmpts to ovcrcomc thc hcart, to
formulare a system thar fails to measure its balance on the human sou!." LE CORBUSIER em 1929 apud WELZIG, 2007, p. 89. (' )
35

1.2. Peripatética: A Importância do Hábito de Viajar

---....._ _________

Figura 1.2.01 -Mapa das viagens de Bcrrwrd Rudofsky. Ponte: GUAR.''lERl, 2003. p. 99.

Eu ;tprendi muito viajando. ( ... ) A familiaridade com paises estrangeiros; com cidades
csrrangcíras, mortas c vivos, logo tornou-se um hábito para mim. Todos os anos, no final de
junho cu partiri;t par;t algum ponto ao sul, c não voltaria antes dos últimos dia.' de outubro. 59

O termo "peripatético" tem origem na palavra grega perípatetikós, que significa "ambulante",
"iti neran te", ou "dado à perambulação". A "Escola Peripatética'' foi fundada em Atenas por Aristóteles
no século IV a.C., e era assim denominada em função do hábito que o filósofo tinha de ensinar ao ar
livre, caminhando e perambulando pelo "Liceu", em1uanto transmitia as lições aos seus discípulos.
Pode-se dizer que Bernard Rudotsky, com sua vida errante e nômade, é um herdeiro "não-oficial" desta
tradição peripatética. A necessidade que Rudofsky sentia de deixar um lugar e mudar-se para outro,
seja por curtos ou por longos intervalos de tempo, é algo que está intimamente ligado com a sua ampla
e desconectada visão de mundo, e reflete-se diretamente em toda a sua obra, tanto escrita e visual,
quanto arquitetônica.

A viagem era p ara Rudofsky uma atitude perante a vida, uma experiência incelecmal e ffsica,
um meio de educa~ão e de desenvolvimenro pessoal. Não havia, na verdade, nenhum
objetivo acadêmico em .mas viagens. Ele não seguia um trajeto racionalmente umstruíJo a
fim de investigar a fUndo um aspecto específico Je uma determinada cultura, ao invés disso

;y "[ k arncJ a grcat dcal by travd. ( ...) Thc ae<JU<lÍntann with rÍJtcign muntrics; with forcígn towns, dcaJ and ali v c, carly b<:c.tmc a habít
for me. F.vcry ycar, at thc md ofJ une I would U<:part for poínt., south, and not r<:tutn hcforc thc last days o f Octobcr." R UDOFSKY em
1980 apud COMO; DO\VDEN, 2006, p. 4 10. (')
36

suas viagens respondiam a uma curiosidade imaginativa, e constituíam uma experiência


autêntica c uma total imersão em espa~os peculiares c em uma forma de vida. r,n

Este valor dado ao hábito de viajar é uma questão fundamental a ser considerada para a compreensão
da formação e do pensamento de Rudofsky.Já a partir de seu o primeiro ano na universidade, Rudofsky
lança-se regularmente em uma longa viagem todos os verões, influenciado talvez pelo costume europeu
do Grand Tour- a tradicional viagem de peregrinação educacional feita pelos jovens de classe-média
alta:

Durante séculos, e particularmente desde a descoberta de Herculano e Pompéia, a mais


genuína educação artística incluía o Grand Tour para a Itália. A partir do final do século
XVIII, a curiosidade do viajante expande seu tema, deixando os famosos e bem conhecidos
monumentos, rumo à arquitetura "anônima" de pequenas cidades c aldeias. Wolfgangvon
Gocthc, em suas cartas à Alexander von Humboldt c em sua "Italicnischc Rcisc", foi o
primeiro a comentar sobre a importância da arquitetura "cotidiana", cuja compreensão era
essencial para o entendimento do clássico. Mais tarde, no século XIX, os novos valores
morais que se filtraram a partir das páginas de William Morris e John Ruskin foram
fi.mdamentais para promover um interesse crescente na arquitetura vernácula.61

Figuras 1.2.02-03 - i\1csquita do Sul do Ahmcd, Istambul. Aquarcl;J de Rudot~ky, 1925 (esq.); c llc de la C:i ré, com vista para ;J
Catedral de Notre Dame, Paris (dir.). Aquarela de Rudofsky, 1926. Fonte: DE \VIT, 2007,p. 103.

Além de estar interessado em viagens que não fossem meros roteiros em busca de uma série de
monumentos clássicos e consagrados, e sim voltados para a cultura cotidiana e para alfabetizar-se na
"arquitetura anônima", Rudofsky tinha um estilo de viajar que buscava antes de mais nada satisfazer

61
' "The voyage was for Rudofsky an attitude towards life, an intellecrual and physical experience. a means to personal educatíon and
dcvclopmcnt. Thcrc is, in fact, no scholarly aim in his travcls. H c did not follow a rationally constructcd parh in ordcr to fully investigare
a specific aspect of a certain culrure, instead his travels respond to an imaginative curiosity, a nd constituted an authentic experience and
a cocal ímmersion in particular spaces and in a way ofliving." COMO; DO\'VDEN, 2006, p. 410. (')
61
"}or cemuries, and particularly since che discovery ofHerculaneum and Pompeií, mosc genuine artiscíc education induded the grand
tour to Iraly. ll From thc cnd of thc cightccnrh ccnrury onwards, thc curiosity of rhc voyagcr cxpandcd its subjcct, from famous and
well known monuments to t he "anonymous" architecture of small towns and villages. Wolfgangvon Goethe, in his letters to Alexander
von Humboldc and in his Iralienische Reise, was ch e Hrst co commem on che importance of the "everyday" archicecwre, the
comprch cnsion of>vhich was csscnrial to thc undcrstanding of rhc classical. Larcr in rhc nincrccnth ccntury, thc n cw moral valucs rhat
flltered out fr om the p ages of \Vi !liam i\f orri s and J ohn Ruskin were in strumental in furthering a gr owing interest in vernacular
architecture." GUARNERI, 201 O, p . 232. (•)
37

sua curiosidade antropológica. Durante o tempo que estivesse fora de seu contexto fàmiliar, Rudofsky
buscava aprender como seria possível a vida fora da "camisa de forças da sociedade ocidental"62 • Fruto
desta curiosidade é o fato de que quase a totalidade dos destinos escolhidos - e nmitas vezes repetidos
- por Rudofsky coincidem justamente com as áreas mais populosas c culturalmente diversas do
globo6\ ele não se interessava por lugares isolados, imaculados, e com natureza abundante e virgem.
Suas viagens tinham o objetivo de inseri-lo em contextos humanos complexos e variados, cheios de
surpresas e incertezas, onde não fosse possível prever rodos os tipos de encontros ou de informações
que seriam confrontados, tàrçando-o a estar constantemente revendo a maneira como vê e se relaciona
com seu entorno imediato, e também com seus paradigmas mais profundos: "Conhecer estranhos é
uma forma de conhecer a nós mesmos; aprender sobre a arquitetura de outra nação nos permite ver a
nossa própria arquitetura sob uma nova luz"64, comenta Rudofsky sobre este aspecto.

Figura 1.2.04- "A.urorrctrato" .\"obre uma vaca. Foro Jc KuJof;l<y na Índia, I 982. Fonte:[)!-. W'I"I ', 2007, p. 99.

Nascido em uma região que é hoje parte da República Tcheca, em uma família que tàlava alemão, e
que era originária de uma região da Polônia que hoje é parte da Bielorrússia, a origem Austro-Húngara,
multicultural, c multilínguc de Rudotsky diz muito a respeito de sua personalidade. Assim como uma

52
"the straigluj<teht ofWestern Society". DE \VIT, 2007, p. 101. (')
(,; Ver mapa da p.35.

"' "Meeting strangers is one way of getting to know ourselves; learning about orher nadon's archirecrure enables us to see our own
arclúrecture in a new lighc". RUDO fSKY em 1975 apud DE WIT, 2007, p. 97. (*)
38

inteira geração de conterrâneos e contemporâneos seus, sua vida diária sempre foi permeada pelos
aspectos de diversidade e de interação com uma certa relatividade social e cultural. Mas ao contrário
de provocar uma suposta desorientação, esta condição acaba condicionando-o e preparando-o para
um mundo onde estes valores são cada vez mais presentes e frequentes, em comparação com indivíduos
acostumados com contextos mais estáveis e homogêneos. Além disto, a posterior queda do Império
Austro-Húngaro, após a primeira guerra mundial, deixa o então jovem Rudofsky com a clara sensação
de não estar atado a nenhum lugar específico, de não estar obrigado a criar raízes em um local definido.
Assim como o resto de sua geração, que viu após isto a ascensão do nacionalismo e os riscos que este
pode trazer, Rudofsky compartilha com Josef Frank a ideia de que "Patriotismo e cultura são dois
conceitos que são incapazes de tolerar um ao outro"65 ; e da mesma forma uma aversão à dogmas e a
ideologias totalitárias: "Temos que estar em guarda contra todas as doutrinas. Na arquitetura, como
na política e na economia, slogans são muitas vezes um veneno para a mente". 66

Figuras 1.2.05-07- Desenhos ;i hípis dos cadernos de viagem de RudofSky, 1925. Fonre: DE \VIT, 2007, p. 104.

Rudofsky inicia então, desde os primeiros anos na universidade, uma rotina incansável de viagens
longas e frequentes. Já em 1923, aos dezoito anos, Rudofsky viaja pela Suécia e Alemanha, onde visita
Weimar e a exposição da Bauhaus. Em 1925 vai pela primeira vez ao sul da Europa, descendo o
Danúbio e passando pela Bulgária, Turquia, Mar Negro e Ásia Menor. Em 1926, 1927 e 1931, visita
a França e a Itália, e em 1929 retoma ao Mar Negro, Turquia e viaja pela Grécia, de Atenas até as Ilhas
Cíclades, onde instala-se por alguns meses em Santorini, conforme mencionado no capítulo anterior.
Em 1932, após concluir seus estudos, defender sua tese de doutorado, e já com alguma experiência
profissional adquirida nos escritórios de Viena e Berlin desde 1928, Rudofsky decide deixar
definitivamente a Áustria e muda-se para a Ilha de Capri, no sul da Itália.

61 "l'atriotism and culrure are nvo conecprswhich are unablc to tolerare cach othcr". FRANK em 1931 apud GUARNERI, 2003, p. 97 .
(')
r.r, "we have to be on guard agai nsr ali doctrin es. In architecture, as in p olitics and economics, slogan s are often poison for t he mind "
RUDOFSKT em 1975 apud GUARNERI, 2003, p . 97 . (')
39

1.3. Itália: Uma Imersão na Cultura Mediterrânea

Figura 1.3.01 -Desenho caric:~wral da Ilha de Capá, Bermrd RHdo{sky, 1933. Fonte: CUARNERI, 2003, p. 17.

Um confesso amante do mar e do sol, Rudofsky é encantado pela paisagem e pela cultura da região do
Mar Mediterrâneo, e busca então nas suas margens uma vida mais saudável e autêntica. Sua certa
curiosidade arquitetônica e antropológica o conduz ao longo de seus estudos e em suas primeiras
viagens, e ele considera que é chegado, portanto, o momento de vivenciar de maneira pessoal e direta
tudo aquilo que havia sido descoberto até então. Para Rudofsky, a questão da habitação é algo que
estaria diretamente ligada com a Lebensweise ("arte de viver") e, portanto, a arquitetura do cotidiano
poderia ter muito mais a lhe ensinar do que as maneiras formais, ortodoxas e elitistas de construir. É a
partir deste ponto que Rudofsky começa a descobrir que "a experiência existencial da essência da
arquitetura não era acadêmica e sim doméstica"67 • A relação de Bernard Rudofsky com a cultura e com
a arquitetura Mediterrânea é algo muito forte, e as marcas desta imersão na região se mostram durante
toda a vida e em sua produção, seja ela projetual, visual ou escrita:

Rudofsky muda-se para a região do Mediterrâneo justo quando os arquitetos modernistas


estavam descobrindo e enfatizando as ligações estéticas e éticas entre edificações vernáculas
locais e os seus próprios programas.

Por exemplo, Le Corbusier consegue impor as formas da "Ordem do llv1editerrâneo" como a


origem autêntica da arquitetura moderna. Ele "remia haver perdido o jogo contra os
Arquitetos do Norte, não tendo tomado parte no CIMI de Frankfurt em 1929, onde

67 "(...) thc existencial cxpcricncc of thc csscncc of architccturc was not acadcmic but dom estie." GU A RNERI, 20 I O, p. 234. (')
40

nenhuma atenção foi dada à forma, mas uma série de modelos de habitações mínimas
(projetadas de forma monótona) foi apresentada. Subsequentemente, Le Corbusier luta
para controlar o destino de arquitetura na Europa. No quarto CIAM, rcaliado em 1933,
[curiosamente a bordo de um navio que navegava no Mar Mediterdneo] não muitos
"Arquitetos do Norte" escavam presentes e o "grupo do Mediterrâneo" torna-se mais forte.
A estética do Mediterrâneo poderia agora aspirar a tornar-se a base de rodas as formas
modernas, e também a ideologia do Mediterrâneo foi ajustada como nm instrumen to de
contraste com base exacerbadamente mecânica e funcionalista da arquitetura moderna
a1emã.68

Figuras 1.3.02-03- Exposição "Archirerrura Rurale Iraliana", VI Trienal de 1\íilão, 1936. organizad<t por Giuseppe P agano.
"V,iri;JS vistas de casas com terraço "li9 (esq.) e Yista intem;t da t~~posiç;~o (dir.).
Fontes: GUARNERl, 2007, p. 131 c FERLENGA, 2014, p. 155.

Desta forma, o contexto da arquitetura italiana moderna, no qual Rudofsky encontrava-se inserido,
dialogava diretamente com este debate, onde a arquitetura moderna popular, sobretudo à da Baía de
Nápoles, era exaltada por uma série de arquitetos como forma de justificar suas preferências estilísticas.
Um destes arquitetos era Giuseppe Pagano (1896-1945), que em 1936 apresenta na Sexta Trienal de
Milão a exposição Archírerrura Rurale Iralíana (Arquitetura Rural Italiana)- um claro precedente da
posterior Archítecture Wíthout Architects, organizada em 1964 por Rudofsky, e que será detalhada
mais adiante. Sobre o contexto de como estuda esta arquitetura, e de como acumula ao longo de anos
todo o material fotográfico L}Ue nela apresenta, Pagano comenta:

Gosto de recorrer a Irália em busca de nova documentação fotográfica e fílmica para


adicionar à minha biblioteca, descobrindo novos aspectos de uma cidade, de uma paisagem,
de uma obra de arte. É assim que cu construí, pouco a pouco, meu vocabulário de imagens

611
"Rudofsky movcd ro rhe Mediterranean region justas modernisr architects were discovering and emphasizing the aesrhctic and erhical
connections hecween local vernacular buildings and cheir own programs.

For cxampk. Lc Corbusicr succccdcd in imposing thc forms of thc ";'vfcditcrrancan ordcr" as thc authcntic origin of modcrn
archirecrme. H e "feared ro have losr the march againsr norrhern archirecrs, nor having raken parr in rhe }rankfurr CIAM of 1929, where
no artcntion was paid ro form buc a numbcr of modds of mínima! habitations ( dcsigncd in a monotonous way) wcrc prcscntcd.
Subsequemly, Le Corhusier foughr to conrrol rhe destiny of architecrure in Europe. Ar rhe fourth C IA...\1, held in 1933, not many
"northcrn architccts" wcrc prcscnt and thc ";'vfcditcrrancan party'' bccamc strongcr. Thc Mcditcrrancan acsthctic could now aspire to
hecome rhe hasis of a.ll modern forms, and rhe Nfedirerr<mem1 ideology was ser as an insrrumenr ro contrast with the all-roo-mechanical
functionalist basis ofGcrman modcrn architccturc." GUARNERI, 2007, p. 129-130. (•)

,;~ "Diversi aspetri della casa a rerrazzo". GUARNERI, 2007, p. 131. (*)
41

'-JUI: falam da Itália ( ... ) uma Itália J~: puw:as palavras, t\:ita J~: paisagens J~:rivadas d~: uma

inesgotável hnrasia de formas: Itália provinciana c rúsüca, que nutre meu temperamento
moderno muitO mais do que as academias c os compromissos das grandes cidadcs.7°

As ideias e a posição de Pagano assemelham-se muito às de Rudofsky, e os textos que acompanham as


imagens de "arquitetura rural" e "arquitetura anônima" na exposição de 1936 possuem em sua essência
um conjunto de argumentos que incitam a reflexão e admiração a respeito desta arquitetura que serão
encontradas, anos mais tarde, nas obras escritas e exposições organizadas por Rudofsk"Y:

A análise desta enorme resetYa de energia construtiva(...) pode possibilitar-nos a alegria de


descobrir exemplos de honestidade, clareza, lógica c uma saudável prática de construçáo,
onde antes só víamos Arcádia e folclore. [~ como uma dieta de comida simples depois de ter
sido estragado por uma confeitaria de cariátides c perceber o grande espaço que existe entre
os clichês e a realidade. 71

---.......J.-.!.114:fJ» Rio.o dl X.. dtU..ll.bt. *~ lilldw .{';n~mQ,haq\IÍ!IdiC'i ltlc~tt~:t...,li""""'".tu.tw.a pianol..r.-.., ~

.ama e 'ni!>ópob.""" 1111 .,..;,..o p:ra!o da ti!nnl5. al •ud <.ttlr~ <10<1 b vllla ckl jloUo d• ML.fl(:l'OO lln9 D.d b<!~~

- ~"'·•--........~,.-~~'f~'"""" ""'"'"'"'''c- •""""""'

Figura 1.3.04- "i\. descoberta de uma Ilha", ardgo de Rudofsky na rCI'ist<~ Dmmts sohrc a ilha de l'rocida.
Fonte: RUDOFSKY, l938a, p. 2-.J.

7
" "Disfrmo r~wrrienJu Italia ~n bus<:a J~ n1.1eva Junun~nmóón futogrMka y filmk~> qu~ afi~>c.lir a mi bibliot~<.:a, J~~<:ubrienJo :!>pe<.:tus

nuevos d e una ciudad, un paisaje, una obra de <Ute. Así es como construí, poco a poco, mi vocabulario de im<ígenes que hablan de l calia
(...) una ltalia de pocas palabras, hccha de paisajcs derivados de una inagot ablc fantas[a de formas: Italia la provinciana y rústica, que
nutre mi temperamento moderno más que las academias y los compromisos de las grandes dudades." PAGANO em 1938 apud
FERLENGA, 2014, p. 153. (' )

·• ''El análisis de esta enorme rcscrv't de cncrgía constructiva (...) pucdc deparamos la a.lcgrh de descubrir cjcmplos de honcstidad,
1

daridad, lógica y una saludable pdctica consrrucriva, donde antes s6lo vei:l.mos Arcadía y folfdore. Es como hace1· una di era de comida
scncilla dcspués de habcr sido malcriados por una rcpostcría de cariátides y darsc cucnra de! gran cspacio que hay cmrc las frases hcchas
y la rcalidad." PAGA"~O em 1936 apud FERLENGA, 2014, p. 153. (')
42

Logo que chega à Itália, Rudofsky vive por quase dois anos em Capri. Durante este período, sua
principal preocupação era em "não desperdiçar a minha capacidade com uma assim chamada carreira,
mas sim 'aproveitar' meus melhores anos"72 • Inicialmente, para pagar suas contas, Rudofsky escreve
artigos para algumas revistas e jornais de Viena e Berlin, ensina alemão, e trabalha como desenhista em
algumas empresas de projeto e de construção. Nesta época, conhece o engenheiro napolitano Luigi
Cosenza (1905-1984), que em seguida o convenceria a mudar-se para Nápoles. Lá trabalham juntos
em alguns concursos, incluindo o do Auditório de Roma, e visitam as ilhas de lschia e Procida, onde
vão para conhecer sua curiosa paisagem arquitetônica, desenhá-la e fotografá-la. Em 1934, Rudofsky
conhece Berta Doctor, uma musicóloga vienense que mais tarde se tornaria sua esposa. No princípio
de 1935, inicia o processo de comprar um terreno em Procida, onde construiria uma casa para Berta.

No projeto da Casa de Procida- que em função de um desacerto com a autoridade militar local não
chega a ser construída73 - Rudofsky expressa ao máximo todas as suas ideias sobre o habitar em uma
espécie de "Casa Manifesto". Além das peculiares características do projeto da casa, o tom da descrição
e da narrativa criada por Rudofsky- publicada em um extenso artigo no n°l23 da revista Domus, em
março de 1938 - fazem deste o projeto mais idealista e representativo de todo o seu discurso sobre a
"arte de viver", e sobre a relação dos habitantes com o ambiente doméstico.

Figura 1.3.05- "Plama de Oriemação " da Casa na Ilha de Procida, na Irália, de Bernard Rudofsky, 1935.
Fonte: RUDOFSKY, 1938a,p. 5.

72
"nor to wasrc my capabilitics with a so-callcd carccr, but to 'cnjoy' my bcst ycars" RUDOFSKY em 1986 apud \'V'ELZIG, 2007, p.
78. (*)

73 GUARNERI, 2010, p.238.


43

Localizada no topo de uma colina - em um terreno murado, mas com vistas à sudeste para o
mediterrâneo- a casa é formada por um quadrado de 16m de lado, recortado por um pátio central de
8x8m, que é o núcleo articulador do projeto. Todos os ambientes voltam-se para este pátio, que em
sua face leste conecta-se com o jardim externo através de um cômodo que é coberto, mas sem paredes
- voltado tanto para o pátio quanto para o exterior. Em um pequeno anexo externo, ligado à casa por
um caminho pavimentado, encontra-se o tridínio74, ou a "sala de jantar ao ar livre", com privilegiada
vista para o mar, próximo ao penhasco. A construção da casa é simples, com um único pavimento, o
teto plano, e sem janelas- já que todas as aberturas são portas de altura inteira que permitem livremente
a passagem. Não há nenhum corredor, uma vez que todas as peças são intercomunicadas e articuladas
pelo pátio central, que tem também a função de "sala de estar ao ar livre" - pavimentado com grama e
com pedra, com um toldo parcial amenizando a luz solar, e uma lareira ao ar livre.

~ \r
..G~=-~~ ......

rigura 1.3.06- C orre e Planta fsq uemâticm da Casa na Ilha de Procida, na ltâlia, de Bemard R.udofSky, 1935.
Fonre: RUDOFSKY, 1938b, p. 9.

74
Sobre o triclínio, ver p. 123
44

Algumas das curiosas características do projeto- que serão ilustradas de forma mais aprofundada mais
adiante75 -exemplificam arquitetonicamente muitos dos conceitos preconizados por Rudof~ky para
o interior doméstico: a presença do triclínio; a qm1se total ausência de mobiliário; a separação da
banheira do vaso sanitário; o contato direto c tátil dos habitantes descalços com o solo, seja ele
pavimentado ou grama_do; a privacid:tde obtida pelo pátio central; o quarto principal sem mobília,
revestido inteiramente por um grande colchão, e coberto por um grande mosquiteiro. Enflm,
prati<.:amente todos os aspcctm que serão repetida c exaustivamente estudados c d.issccados por
Rudofsky ao longo de toda a sua obra escrita e visual sobre a "arte de viver", e1n sua crítica aos costumes
e tendências modernas, e também pontualmente em alguns de seus outros projetos, são pela primeira
vez levantados c defendidos na Casa de Procida.

TABELLA DELLE MATERIE PRIME DI PROCIDA

(f) MI~~M-'d!Md"-.10. Co.l"~...,-"'~di

,~ ll.'la~ ~ En.a. ,,..~-""" h.at.~ Go.ood""iJSJi.

Figura 1.3.07- "T:1hd« d«.> matérias prim'u de Pmcida". Fonte: R UDOFSk'Y, 193/!h, p. 14-/5.

Em 1935, após receber algum dinheiro do concurso que fez com Cosenza para o Auditório de Roma,
Rudofsky embarca com Berta para uma rao esperada primeira viagem aos Estados Unidos, que dura
cerca de nove meses. Saindo de Nápoles em setembro, Rudofsky faz uma patada em Paris, onde fica
por quase um mês e conhece Le Corhusier. Logo depois de chegar em Nova Iorque, no início de
novembro, vai à pretdtura e casa-se com Berca. Durante uma estada na cidade de Pittsburg, conhece
Frank Lloyd \Vright (1867-1959) através do empresário Edgar Kaufmann (1885-1955), que é o

"'Ve r planta ilustrada na p. 112.


45

responsável pela encomenda da Casa da Cascata, de W right, e também posteriormente da Kaufinann


Desert House, de Richard Neutra, em Palm Springs, na Califórnia. 76

Ao retornar para a Itália, em meados de 1936, Rudofsky encarrega-se de finalizar o projeto e


acompanha a finalização da obra da Casa Oro, projeto seu com Cosenza. Um dos prin cipais exemplos
da arquitetura moderna de Nápoles, a Casa Oro é talvez o projeto mais conhecido de Rudo fsky, além
de um dos poucos que é de fato construído na Europa. O destaque do projeto é a maneira como é
aproveitado o terreno - um lote estreito e acidentado, no topo de um penhasco à 40 metros do n ível
do mar- e como a casa, composta de uma série ricamente articulada de prismas brancos, claramente
dialogando com o contexto e com a tradição vernácula mediterrânea, relaciona-se tanto com esta
topografia, quanto com as ricas vistas para o mar. Através de um harmonioso jogo volumétrico, a casa
apoia-se - com três pavimentos à oeste, e dois à leste - em uma série de terraços e ambientes cobertos,
alguns deles francamente abertos e voltados ao mar, uma vez mais borrando os limites entre o interior
e o exterior, e claramente priorizando a franca entrada da luz solar e as magníficas e panorâmicas vistas
ao mediterrâneo.

Figuras 1.3.08-09 - V ista geral (acim a} c decai h c do miramc (abaixo}.


Casa Oro, N~ípolcs, Idlia, de Bcrnard Rtnlofsky c Luigi Coscm:a, 1935- 1937. Foncc: COSf.NZA, 2014, p . 266.

7 r. GUARNERI, 2003, p.19.


46

Figura 1.3. I O- Croqui d;l r;lrand;l ;ljardínada wm o mar ao f(mdo.


Casa Oro, Nápoles, Itália, de Benwrd Rudoúky e Luigí Cosema, 1935-1937. Fome: COSENZA., 2014, p. 266.

Figuras 1.3.11-12 (esq.) - Vist<t.(;cr;il da Ci!S<IIW pmhasco (<~eima) c vista superior em dircpío ao mar {ab;ti.w).
Cas;t Oro, J\T;ípoles, Jdl.ia, de Bemard RudofSky e ltiigi. CosellZa, 1935-1937. Fome: GUARI.V.ERI, 2007, p. 166-167.

Figuras 1.3.13-14 (dir.)- Terraço em um nivd, minmte 110 ourro (acim;t): ~·;mmda volr.tda p<~r<l o mar (aba.ixo).
Casa Oro, Nápoles. /roília, de lkmard RudoMcy e I.uigi Cosen7;J, 1935- 1937. Fonre: GUARNhRI, 2007, p. 168.
47

Figura 1.3.15 -Plantas Haixa." z,a,d superior. núd p•·incipa/ c nú-d infcrio•··
Casa Oro, ,\l;i.pob, Tdlia, d<.: lkmard Rlldofsky<.: r,,igi Co.1·çnza, 193.5-1937. Fonr<.:: GUARI';TERT, 2007, p. 169.

Após a conclusão da Casa Oro, Rudofsky une-se novamente à Luigi Coscnza na Villa Campanclla,
projeto de 1936 situado em uma encosta rochosa próxima à Positano, que possui uma origem curiosa.
Publicada pela primeira vez no n° 109 da revista Domus, de janeiro de 1937, apresenta-se no artigo
escrito por Gio Ponti da seguinte maneira:
48

Os arquitetos Cosenza e Rudofsky (... ) estudaram esta residência ideal para um amigo
imaginário, de corpo saudável c mente sã, sem prcconccicos, alegre c com um bom apetite. E
para este cliente ideal eles têm trabalhado conscientemente, sem ideias controversas e sem
utopias.··

O mais curioso, no entanto, é que esta casa é uma encomenda real de um cliente real- o empresário
Campanella, construtor da Casa Oro - mas que após a apresentação do projeto acaba recusando a
incomum proposta de Rudofsky e Cosenza: "Como se pode viver nesta casa?"78, foi a resposta dada
pelo cliente, como esclarece Cosenza em um texto de 1936: "Farsa Real de um Projeto Ideal" 79 •

Figuras 1.3 .16-17 - Anrcs c Depois: Fowmonragcm mosrrando a casa apoiada sobre a md1a, na cncosra.
\1illa Camp:Ulclla, l'osir:uw, ldlia, de Bcmard RudofÇJry c Lui,gi Cmcnza, 1936. Fonrc: ROSSI, 20 14a, p. 82-83.

O caráter espartano e mínimo desta casa expressam, uma vez mais, as ideias de Rudofsky a respeito da
frugalidade e do contato sensível com a natureza através de uma edificação que contenha o mínimo
necessário para a satisfação das necessidades essenciais de uma vida simples e saudável. Os poucos
desenhos e fotomontagens que ilustram o conceito do projeto representam de forma bastante clara
esta ideia de vida espontânea, reduzida à alguns poucos elementos construtivos delicadamente
articulados com o contexto ao seu redor. A casa configura-se pela articulação de dois volumes,
aparentemente maciços, apoiados sobre a rocha da encosta, em um terraço de pedra já existente,
próximo ao mar. Um dos volumes é branco, liso e rebocado; o outro é construído de pedra calcária
aparente, com aspecto mais bruto. Entre os dois volumes, um átrio aberto, de pé direito duplo, que se
volta para o mar, e é coberto por uma fina laje que conta com uma abertura circular que permite o

77
"Gii architetti C osenza e Rudofsky (... ) hanno stttdiata questa residenza ideale per un amico immaginario, sano di corpo e sano d i
mente, sema pregiudizi, allegro e di buon appetito. E per questo cliente ideale essi hanno lavorato conscienziosamente senza idee
polemiche e senza utopie" POKTI, 1937, p . 12. (')

; x How can onc livc in rhis housc? COSENZA; RUDOFSKY apud ROSSi, 20 14a, p. 76 (•)
79 "Farsa vcradi un progctto idcalc''. ROSSI, 1014a, p. lll (*)
49

crescimento e a passagem de um par de árvores. No pavimento inferior, ao norte e aberto para o átrio,
um cômodo mais Íntimo, com o acesso, uma lareira e a cozinha; do lado oposto, ao sul, uma espécie de
terraço coberto, entre o átrio e o mar. Um chuveiro ao ar livre localiza-se em um nicho semicircular de
pedra à leste, e um pequeno cômodo abriga um banheiro. No pavimento superior, acessado por uma
leve escada metálica que chega em uma passarela, há uma característica stanza ali'aperto (cômodo ao
ar livre), e o único ambiente fechado e com uma porta: o quarto, com vistas para o sul. No artigo acima
mencionado, Gio Ponti caracteriza a casa não como "a exibição da construção burguesa, mas um lugar
de habitação honesta para a fuga pura e feliz das preocupações urbanas"80•

ll PIANO DI SOTTO

( ' ._l~ L... - -

i'J ·~·

ll PIANO DI SOPRA

Figura 1.3.18- Plantas Baixa~·: Pavilncmo inferior (acima) c p;wimcnto superior (abaixo).
Villa Cllnpanclla, l'osira.no, ldlia, de Bcrnard Rudofçky c Luigi Coscnza, 1936. Fome: l'ONTI, 193 7, p. 14.

Figura 1.3.19- C orre Longitudinal. 'Vil/a Campanella, Positano, Itália, de Bernard RudoFsky e Luigi Cosenza, 1936~
Fonte: PONTI, 1937, p . 15

8
" "Non esíbízíoni edilízíe borghesí, ma una o nesta di mora per la pura e beata evasíone dalle preoccupazíoni cittadine" PONTI, 1937,
p. 12- 13. (')
50

Pigura 1.3.20- Visra desde a entrada mo.~rrando o pavimento inferior, o átrio e a cscad,l, com o mar <lO fundo.
Fiila Campancfla, Positano, Itália, de Banard Rudofsky c Lttigi Cosc11%a, 1936. Fonte: PONTI, 1937, p. 14

No final de 1937, o mesmo Gio Pond ( 1891-1979), arquiteto e designe r milanês, convence Rudofsky
a deixar Nápoles e mudar-se para Milão, onde trabalhariam juntos. Rudofsky colabora com Ponti na
revista Domus- funda por Ponti em 1928- nos volumes de fevereiro, abril e março de 1938, onde
tem a possibilidade de publicar algumas de suas ideias a respeito da arquitetura e da "arte de viver",
conforme já foi mencionado. Durante este período, Ponti e Rudofsky trabalham juntos no projeco do
Hotel San Michele, em Anacapri. Embora este projeto tenha sido amplamente desenvolvido e
avançado por ambos arquitetos ao longo do ano de 1938- mesmo após Rudofsky deixar a Europa- o
Hotel acaba nunca sendo construído, em função do ínício da Segunda Guerra Mundial.

rigura 1.3.21 - ImpLmtaç;io Geral. H otel S,m ;\iicbele, ; l.Jwclpri, Idlia, de Bawm-1 RlldofSky e Cio Po11ti, 1938.
Fonte: ROSSI, 2010, p. 71.
51

Ngur" l.J.22 - P~r>J'~<·riva. Hotel 5all Midu:k AzM<.aJ>ri, ir;íli<~, J~ Betll.~rJ Rud<Jf..ky e Ci<J Pcmti, 1.938.
Fonte: R OSST. 201 O, I'· 67.

O Hotd San !Vlichde insere-se no topo dos penhascos yue estão situados à norte da Ilha de Capri, à
300 metros de altitude. A implanr<IÇâO do Hotd é disp~~rsa, como urna vihl: um edifício principal form;t
o "centro da vila", com rodos os servi~os coletivos e técnicos- como entrada, recepçáo, restaurantes,
etc.- articuladm em torno de um pátio central que formaria uma espécie de praça; desde este edificio
tem-se acesso ao terreno onde encontram-se uma série de pe<.Juenas casas brancas, yue abl'igamum ou
dois dos quartos. Cada urna destas casas teria um projeto individuali:t.ado, nii.o há módulos ou
52

rt:petição. Mesmo contando com mais ou menos os mesmos elementos, e seguindo algumas regras
comuns, a ídeia é que cada hospede tivesse uma experiência distinta em cada uma destas" casas-quarto":

Cada edifício deve ter uma estrutura simples c uma planta sofisticada, c deve ser branco por
dentro e por fora, com pisos f-i·ios de majólica concendo ilustrac,:ões de artistas de renome em
grande escala. Os quartos têm nomes individuais recordando um ornamento ou uma
característica física ("Quarro dos Anjos", "Quarto das Sereias", e assim por di;ulte); no
interior, co dos são diferentes uns dos outros. [Para aproveitar o sol c as estrelas, todos os
quarros] têm um pátio com paredes protetoras, cri<uldo um pequeno recinto que engloba
alguns pinheiros e oliveiras. Todos os quartos têm um f()gão elétrko e um pequeno
refrigerador." 1

Figuras 1.3.23-26- Plant<is c pcrspcaÍI'as, "Qnarw dos Anjos v (oq.) '' ~Quarto d<1s Scrci<1s •· (dir.). ,".,'<ls piamas é possívd notar a
prcuwpaç:io em garantir as l'im•is aos pátio;- c ao cxrcrior desde o ponto de vista d<1s camas.
H utd San Afichck, Anacapl'i. Itália. de Bcmard Rtrdofsky c Giu Punti, 1938. Fume ROSSL. 201 O, p. 81.

1
' "Each btlilding is ro h<tv~ asimplc strucwr~ anda sophisticarçd plan, and is ro bc whitc both insidc and out, wirh wolm~jolica floot·s
fc~rnring hrgc·sc~k ilh1str~tions by rcnowncd ~l'ti\ts. T hc rooms h~ve indi,"i<h,~l namcs rccalling an omamcnt ora physic~l fc~rure
("Room o f thc Angelo'", "Room of the Sit·cns", ~nd so on); insidc, chey are ~li differenr fmm e~ch orhct·.[ T o r~ke ~dvanragc of chc stm
and. thc >tars, ~li rhc roomsj h ave~ pari o with procccting walls crcating <1 small cndosure r~king in a tcw pinc trecs ~nd olivc crccs. Ali
thc rooms h,wc ,m clcctric cookcr anda small rcfrigcrator." 1'001T I em 1941 apud c;Ui\RNERI, 2007, p. 160. (")
53

O projeto das casas-quarto apresenta uma série de elementos peculiares à arquitetura de Rudofsky,
como as grandes banheiras enterradas ao nível do solo, lavatórios em cômodos separados das banheiras,
camas e escadas de alvenaria, e também um pequeno armário onde roupas - um dos temas mais
estudados por Rudofsky ao longo de sua vida- especialmente desenhadas pelos arquitetos estariam
disponíveis para que os hóspedes pudessem usufruir de sua estada da forma mais confortável e livre
possível. A admiração mútua entre Rudofsky e Ponti, e a sensibilidade de ambos para as necessidades
dos usuários e habitantes, torna esta parceria um marco importante na carreira de ambos, levando à
uma relação que acaba se estendendo por muitas décadas. A ligação íntima que ambos mantinham com
a vida e arquitetura do mediterrâneo pode ser resumida em uma simples frase de Ponti: "O
Mediterrâneo ensinou Rudofsky, Rudofsky ensinou a mim" 82 . Em dezembro de 1938, Rudofsky, de
origem judaica, decide deixar a Europa após a anexação político-militar da Áustria por parte da
Alemanha Nazista. Ele emigra então para a América do Sul, passando brevemente por Buenos Aires e
pelo Rio de Janeiro, antes de finalmente se estabelecer em São Paulo.

2
" "Th e Medíterran ean taught Rudofsky, Rudofsky taught me" PONTI em 1954 ap ud GUARNERI, 201 O, p. 236. (•)
55

1.4. Brasil: A Passagem pelo "País do Futuro"

Figura 1.4.0 1 - ( :oL1gem do deralhe da F..!chad:l em comtruçiio do lvlinistério da l!dumç:io, de Lucio Cosra, com o modelo d,l
esculrura ~A mãe'', de frncsw de Fiorí. Forogr:.f/a., de Bern:ml Rudof,ky, 1939. Fome: RUDOFSKY, 1939, p.17.

Ao chegar ao Brasil, em meados de 1938, Rudofsky encontra o país em um momento de especial


desenvolvimento econômico, impulsionado pelos anseios modernizadores do governo do presidente
Getúlio Vargas, que deseja deixar sua marca na cidade do Rio de Janeiro - então capital federal -
através da construção de uma série de edifícios governamentais, como o Ministério da Educação e
Saúde, projetado pela equipe liderada por Lúcio Costa. Antes de fixar-se em São Paulo, Rudofsky vive
por seis meses no Rio de Janeiro, onde acaba criando uma rede de amizades importantes,
principalmente com outros europeus expatriados, como por exemplo Ernesto de Fiori (1884-1945),
escultor italiano do drculo de Gio Ponti que trabalha então nas obras do Ministério; e também Stefan
Zweig ( 1881-1942), escritor austríaco exilado no Brasil amor da tàmosa obra "Brasil, país do futuro".
Fascinado pela beleza da cidade, pela arquitetura nativa c moderna local, c pelo ritmo da constmção
civil naquele momcmo, Rudofsky publica em abril de 1939 na revista italiana Casabclla o artigo
Cantierí di Rio de janeiro (Canteiros do Rio de Janeiro) -possivelmente um dos primeiros textos
estrangeiros a exaltar a arquitetura moderna brasileira - onde destaca o ritmo e a qualidade da
produção construtiva carioca, em especial o edifício do Ministério, de Cosra, e a sede da ABI, dos
Irmãos Roberro81•
56

Em dezembro de 1938, Rudofsky aceita a proposta do marchand alemão Theodor Heuberger de


mudar-se para Sflo Paulo, onde montada c dirigiria a nov;dllial (k sua gakda "C<L~a &. Jardim".• aberta
dc.,dc 1926 no Rio de Janeiro. I'\esta época Sáo Paulo- destino popular para os imigrantes europeu,,,
sohrerudo em tl.mção do dima m,tís ameno. il. XOOrn acima do n ívd do mar - ramhém se enconrr,t em
pleno crescimento urhano e econômico. O êxito desta nova loja permitiu que Rudofsky e sua esposa
Berta logo se inserissem no círculo social de sua próspera clienteh8', e durante o período que aí viveram
Rudofsky concilia este emprego com alguns encargos imporrame.s, como o projer.o de alh'l.unas lojas no
centro da cidade.. mas sobretudo o projeto e a construção das duas casas que posteriormeme viriam a
f;JX<.:r parte.: dacxposiljf~o Bta.úl Buílds, abertac.:m 1943 no Mus<.:um (}{:\of(}dem 1\tr, o lv/o,'\:f!\ (Museu
J.c Arte NloJcrna) Jc Nova Iorque: a Casa Arnstcin c a Casa f.rontini.

l-';gm·.1 L4.02 -l'hnl;~. H.I.:Y:~- (~;~.....~ .4:-n~.·,;j:L .\;}~ J>:wlr), de lk.''J>:m~ Rudnfd:y, 19J9-1941.
r:,.,,te: GOODW'IN; 19-'J, I'· I 73.
!\Casa Arnstcin, projçtada para a t;~mília do imigr·~nte judeu.joflo ;\rnstdn, (Jç Tricste, situa-se.: c.:m
LLm ;tmplo !ore no Jardim i\mérica, na Rua Canadá, 714~'. Para esre projeto, RLt<.l.otsky desenvolve um<J.
concepção qLte une ramo a sua inflttênda mediterránea, através do ttso de pátios internos e Illltrados,
quanto a fascinação pelo clima tropical, ao optar pela exuberância da vegeração autóctone no interior
de cada um desres pádos. A casa rérrea- que cheg.~ a ser apelidada por Philip L. Goodwin de "pavilhão
ou residência de rec.reioXanadú""', no catálogo de. B1·azil Builds- é. isolada da rua por altos muros, e
estrutura-se ar.ravés da engenhosa arr.ímlação de cinco pár.ios internos isolados.. cada um deles

"CAVAI.CA1'TI. 2014. J>· 276.

"SEGAWA, 1982, p. 21.

"•GOODWIN. 1943.p. 170.


57

conectado diretamente à uma zona específica da casa. O estar volta-se para um amplo terraço coberto
que se estende até o maior d.os cinco pátios, chamado na planta baixa de "sala de estar ao ar-livre". A
sala de jar\tar, logo ao lado, volta-se pam outro pátio, der\omi11ado de ma11cira .~imilar como "sala de
jamar ao ar-lívrc". A suíte do casal recebe um jardim privado, ou "solário", c os demais dormir.órios
voltam-se para um quarto pátio, o ~playgro11nd dos filhos", que inclui um pergolado e um terraço
coberto para o desfrute das crianças do casaL Por fim, um quinto pátio volta-se para uma zona d.e
serviço, c é, port<Ulto, denominado "jardim dos empregados".

Figura lA. O.>- j,[;1quae :1prescnr;1da em Brazill\uilds, Jlo ~lo1IA. em ]';).j_;,


C15.1 i\mscôn, Siio Paulo, ,1.-lkm:m1 Rut1ofsk.y, l':J. ;!>J.J Y41. Fome: GUAR1\'ER1. 2007, p. 151.

Com base em seus estudos da arquitetura vernácula mediterránea, para Rudofsky o que ddlne um
espaço arquitetônico é o seu invólucro. Desta forma, cômodos cercados por paredes, mas sem o teto,
também deveriam ser considerados cômodos, ou como F mencionado, "cômodos ao ar livre". De fo~to,
estes cômodos- ou pátios- são p<tra Rudofsky justamente os que mais simbolizam toda <t idehl do que
de f.1w constituí uma casa, uma vez que representam o local onde a privacidade e a simplicidade
domésticas e~tariam mais concentradas. já que ndes ~eria possível usufruir do contato com o~
elementos naturais - tais como o sol, a luL, o ar, c a água - preservando-se ao mesmo tempo a
intímidadc de um lugar privado.

Como no Domus de Pompéi~, n~. C~s~. Arnstein ~ r.or~lid~de do lor.{' é~ moo·~di~. Emboo·~ ~
àrea .::obert:t correspomh a menos da metade do rodo, a ímera~·ào entre os ..:ômodos
hahírávds c os humanizados (isto é, artificiais), rcsnltam em diversos gram de ahcrrma c
prorcc;ão.~7

f;: "As in the Pumpdan domu.o,. in t'h~ Arnstdn I Jnus~ the cntin: Jot \\:as :.1. dwdling. Althnugh th~ <.:nver~J ar~a amuunt~J. tu l~ss ch:.~.n

half of th~ \\'hol~. rh~ int~rplt~.y of lnhabit:.Jblc :.md hnm<Lniz~d. (rhat is> ~urifid:.JJ) rnoms rtsn lttd in Y<Lrinu.~; dtgrces of op~nnt\S :md.
prot<t:don." c;UARNI·.RI, 2007, p. 150. (')
58

Figuras 1.4.04-06- "Sala de esmr ao ar-livre", S:~la de estar e Terraço.


Casa Amstein, São Paulo, de Bernard Rttdofsky, 1939-1941. ronte: GOODW'IN, 1943,p. 170-1 71.

Desta maneira, similar esforço é investido por Rudofsky tanto no projeto das áreas externas quanto
dos cômodos internos, e uma série de recursos, tais como a escolha da vegetação; dos materiais e
texturas dos muros, pilares, pisos, pérgolas e terraços; além do cuidado com a orientação solar e com
os jogos de luz e sombra; acabam qualificando tanto estes espaços externos quanto os seus
correspondentes cômodos ou zonas internas. Rudofsky, que enquanto vive no Rio de Janeiro tem a
oportunidade de conhecer e apreciar algumas das primeiras obras de Roberto Burle M arx, estranha a
aversão que os brasileiros ainda têm pelas espécies vegetais locais, e justamente por isto em seus p rojetos
no Brasil insiste na escolha de plantas nativas, contrariando o hábito da época de projetar edificações
modernas, mas ainda apresentando influências paisagísticas clássicas europeias.

Figura 1.4.07- Aquarela de Bcmard Rudofsky na Villa Calihuw, Idlia, 1932. Fonte: LOREN; R O MERO, 2014, p. 298.

Figura 1.4.08- \lista do.Janlim. Casa Amstcin, São Paulo, de lkrnard Rudofsk y, 1939-1941.
Fonte: LOREN; ROMERO, 2014, p. 299.
59

Além do aspecto da valorização da intimidade e da comodidade dos habitantes através da conexão


sensorial com os elementos naturais dentro do espaço privado; e da relação destes habitantes tanto
com os espaços externos quanto os internos da casa, na Casa Arnstein Rudofsky aposta na modéstia
ou discrição da arquitetura, que -lembrando os ensinamentos de Adolfloos- não deveria intimidar
ou impor-se aos usuários através de gestos ou espaços que os lembrassem constantemente da "mão do
arquiteto":

O projeto é tão informal quanto o de uma casa de camponês. A planta foi desenvolvida a
partir do desejo sincero dos proprietários por um máximo de privacidade. O arquiteto
procurou manter as vantagens de uma casa rural nos limites de um lote urbano. Tanto o
proprietário como o arquiteto eram indiferentes à aparência externa da casa.~~

Figuras 1.4.09-10- "Salário" da Suíre e Terraço do "Playground" dos flllws.


Casa Arnstcin, São Paulo, de Bcrnard Rudot;ky, 1939-1941. Fonte: GOOD\'í!IN, 1943, p. 171-172.

Assim, mantendo a linha de informalidade e valorização do conhecimento tradicional em um contexto


de vida moderno, a casa é construída com um misto de concreto e pilares de aço; com cobertura de
telhas de barro feitas à mão; pérgolas e assoalho de madeira; janelas e algumas portas de vidro liso e
com acabamentos em travertino romano e pórfiro89, explorando desta forma algumas das inúmeras
possibilidades oferecidas pelo repertório moderno para um clima tropical.

Figura 1.4. I 1 - Cadlogo com as formas de diversas ;Írvores rípieas do Brasil. Rudofsky era fascinado em como as silh uc:ras das folhas
projetam-se sobre a superfície das paredes brancas na arquitcwra mediterrânea c, de forma similar, nos volumes puros das casas
modernas. Foros de Bernard Rudofsky. Fonte: RUDOFSKY, 1943c, p. 54-55.

88 "Thc dcsign is as informal as that of a pcasant's h ouse. Thc plan dcvclopcd from thc owm:r's sinccrc dcsirc for a maximum of privac-y.
The architect rried to arrain rhe advanrages of a counrry house v:irhin the limits of a city lor. Borh own er and archirect were indifferenr
to thc outsidc appcarancc of thc housc." RUDOFSKY, 1943c, p. 48. (•)
89GOODWIN, 1943,p. 172.
60

A Casa Frondni, projetada para o italiano Virgílio Fromini, localizava-se no bairro de Perdizes, na
Rua Monte Alegre, 957, onde hoíe- ironicamente- situa-se um edifício de estilo "Medírerranée"~10 •
Ao mesmo tempo que na elaboração desta casa Rudofsky também lance mào do t•ecurso dos" cômodos
ao ar-livre", este projeto- diferentemente da Casa Arnstcin- desenvolve-se em dois pavimentos, c em
torno sohrewdo de um único pàtio principal. Além disto, a liberação do solo graças à crhtção desre
segundo andar permite que a casa se af:tste m;ús dos limites do terreno, sobretudo na fachada principal
virada para a rua, que se volta para um amplo jardim que ocupa quase a metade do lote. No andar de
b~úxo localiz;un-se as áreas de estar e de serviço, enquanto que no andar superior estão os dormitórios
e alguns terraços.

Figura.~ 1.4.12- Co1·rc em PcrspcccÍ\ra c Pcnpccciva arri.,rica do P:írio Ccnrral.


Cas~ rtolllini, Siío Paulo, de Hemard Rudolsky, 1939-1941. foJlle: GUARNI:;RI, 2007. p. 15.5.

O pátio cenrral é o elemenw que articula wda a distribuição da casa. em ambos os pavimento.s. Todas
as áreas sociais.• íntimas e de serviço voltam-se para ele, cuja intimidade por sua vez permanece
protegida da rua em função da sua dupla altura. Além das funções de iluminação e venrilação- e de
maneira semelhante à pensada para a Casa Arnstein - Rudof<>ky novamente caraCteriza este espaço
como uma espécie de "sala de estar ao ar-livre", instalando inclusive uma lareira simbolizando a
sensação dt: privacidadt: e aconchego de um núdt:o da casa, mesmo yue em um ambit:nte à céu abertoY 1•
Na Casa froncini, entretanto, a força arquitetônica deste ambiente é bastante marcante, com a
presença de uma grelha regular de quatro por cinco módulos de pilares que estruturam a transição
entre imerior e exterior, tal como uma loggia de dupla altura, com aspecto que lembra o pátio posterior
do Pavilhão Brasileiro da Feira Internacional de Nova Iorque, de 1939, projetado por Lucio Costa e
Oscar Niemever92.
'

90
SEGAWA, 1982,p. 21.

Sobre estt> tema, é possível t~~:;:er referêm:i<\ ao A~Mmunemo .1:\eisregui de Le Corbusier, em Paris, 1?31. que possui um rerra~~o gram,1do.
Y1

murado, c com uma simbólica. lareira para l'cfclfl;ar a idcia de intimidade simila1· à um espaço interior. GUARNERI, 200.3, p. 6.3.

•• Cl/ARJ\'ERI, 2003. p. 39 e LIRA. 2012, p. 14


61

~-

-
_[

Figura 1.4.1 J - Croqui esquemárico comparando o rirmo t.lrmttu·al do Pa.rilhão Bmsileim da Feira Intemacional de No\'a Iorque.
projetado em 1939 por Lucio Cosra e Oscar 1\'iemeyer, com o do Pátio CentDJ. da c,~s'~ Frontini, de Bemard Rt1doúky.
Fonte: c;U;\RNFRI, .2003, I'· 39.

Figura 1.4.14- Planta baixa, paYimenm térreo (abaixo) e Cone Longiwdinal (acima).
dé Runud J<udof~k)·· / 939·1 941. l'onre: GUA.J<i\IF!<l, 2007, Jl· 156.
C:Ha Frolltini, SJo P,w/o,
62

Figura 1.4. 15- Plantas baixas: pavimento superior (esq.) e por;ío (di r.), Fach;~da Fronra/ (;~cim;~)
CasaFrontini, São Paulo, de Bemard Rudofsky, 1939-1941. Fonte: GUARNLRI, 2007, p. 156.

No pavimento térreo, três das quatro faces deste pátio principal são envidraçadas, uma delas voltando-
se para a sala de jantar e as duas outras para uma circulação perimetral, que conectao acesso principal
às áreas de serviço. A quarta face -voltada para a sala de estar, e onde está posicionada a lareira e a
chaminé- é completamente opaca, fechada por alvenaria. No pavimento superior, a face contendo a
chaminé abre-se parcialmente envidraçada em dois dos seus quatro módulos; outras duas das faces são
envidraçadas; e por fim, a quarta face abre-se para um terraço fechado nas laterais, mas à céu aberto,
protegido por um teto de lona retrátil, semelhante à algumas casas mediterrâneas. Como é possível
notar, a complexidade espacial deste pátio central, contido por esta aparentemente simples grelha
reguladora, assume o protagonismo como pivô organizador do projeto, e acaba dotando esta
introspectiva casa com um forte caráter formal, como uma espécie de interpretação moderna de um
arranjo um tanto quanto clássico.

Mais além dos ambientes subordinados à predominância da chamada "sala de estar ao ar-livre",
Rudofsky utiliza-se também das áreas externas contidas entre o perímetro da casa e os limites do lote,
para mais uma vez propor um jogo de articulação e prolongamento do interior em direção ao exterior,
e vice-versa. Próxima ao hall de entrada, a sala de estar volta-se através de amplas portas envidraçadas
para o grande jardim frontal, protegido da rua tanto pela distância quanto pelo alto muro dotado de
uma p érgola e de alguns poucos elementos vazados. Na lateral, a sala de jantar abre-se para um extenso
63

terraço, que se volta para um jardim comendo outra pérgola e também a piscina, além de uma escada
externa que dá acesso aos terraços do pavimento superior. Por fim - novamente de maneira
semelhante à Casa Arnstein - Rudofsky cria nos fundos do lote um "jardim dos empregados", que
conecta e articula a zona de serviços da casa com a garagem e também com uma espécie de
prolongamento ou edícula que contém mais algumas áreas destinadas aos empregados, além da
lavanderia e de um depósito.

Figuras I .4. I 6- I 8 - Pátio Centrai: Visra desde o pavro. superior, mostrando o terraço descoberro (esq.), Perspecriva ;Jrrística
(ceJJtro}, Colagem de Fotografla com Croqui mostraJido a lareira exterior ( dir.). Casa Frontini, São Paulo, de Benwrd R udofsky,
1939-1941. Fontes: GUARNtRI, 2007, p. 154 (esq.), p. 155 (centro) e RUDOFSK'r~ 1943c, p. 61 (di r.).

Assim, é possível notar na Casa Frontini uma espécie de hierarquia dos chamados "cômodos ao ar-
livre", que vai desde o pátio central - prismático e predominante - até as demais áreas perimetrais
externas, não tão definidas e enclausuradas como este, ou como os múltiplos pátios da Casa Arnstein,
mas que de forma alguma são residuais ou menos importantes para a concepção espacial do projeto e
da articulação entre interior e exterior.

Figuras 1.4.19-20- fach;~da frontal, com SaL~ de Estar (esq.) e Termço Lateral, com a piscim ( dir.).
Ca>~1Frontini, São Paulo, de Hcrnard Rudofsky, 1939-1941. Fonrc: GUARNERl, 2007, p. 154 c 157.

Dentre todas as obras construídas de Rudofsky, as duas casas brasileiras descritas acima são
particularmente interessantes no que tange a questão do culto à privacidade, do respeito ao bem-estar
e à qualidade de vida de seus habitantes, e também pela hábil manipulação das possibilidades oferecidas
pelo clima e pela vegetação locais. Além disto - sobretudo no caso da introspectiva Casa Arnstein -
Rudofsky diferencia-se de seus contemporâneos modernos por evitar a criação de uma fachada externa
64

marcante, mas ao invés disto, conceber casas que "não possuam o vestido exterior ao qual nossa
civilização atribui tal exagerada importância. A arquitetura é meramente uma casca para o seu
proprietário( ... ), [e] é pouco perceptível em sua própria discrição" 93• De qualquer forma, ao passo que
o projeto da Casa Arnstein adota justamente esta postura discreta, modesta, e tenta na medida do
possível ocultar dos usuários a "mão do arquiteto", utilizando-se de materiais e estratégias tradicionais,
a Casa Frontini pode ser considerada um projeto desenhado por um arquiteto "moderno clássico",
com volumes cúbicos puros e brancos, superfícies envidraçadas e uma espécie de fachada interna do
pátio central composta por elementos formais fortes e expressivos. Em todo caso, ambas casas possuem
uma qualidade arquitetônica bastante elevada, fazendo com que a distribuição das plantas, o uso e
organização de pátios internos, e as engenhosas estratégias de integração do interior doméstico com o
exterior habitável e paisagístico as insiram entre as melhores obras residenciais de sua tipologia e
também de sua época:

Não existe exemplo tão homogêneo c bem-sucedida de casa-jardim moderna nas Américas
(... ).Durante os três anos de trabalho arquitetônico no Brasil, Rudofsky construiu algumas
casas, que foram considerados as melhores do continente americano.~4

l3crnard Rudofsky construiu um par de casas particulares que, de estão, al!:,'ll!Ua maneira,
entre os maiores sucessos de todo o movimento moderno. Os jardins dos templos de Daisen-
In e Ryuanji em Kyoto (... ) estão entre as maiores obras-primas estéticas do Japão, enquanto
[que os jardins Arnstein e Frontini] são a melhor arquitetura moderna do nosso tempo. 95

Como uma espécie de adendo à estas duas destacadas e aclamadas casas urbanas, Rudofsky constrói na
mesma época a Casa Hollenstein, em ltapecerica da Serra/SP, na fazenda de Henrique Hollenstein,
um "francês da Alta Saboia, que há dez anos visitou o Brasil e, encantado pelo seu clima, permaneceu
e dedicou-se à agricultura" 96 • De caráter relativamente mais modesto, esta pouco publicada e
mencionada casa apresenta uma interessante interpretação moderna da arquitetura tradicional do
interior do Brasil, unindo ao mesmo tempo elementos do repertório de Rudofsky- como os pátios,
os volumes prismáticos brancos, a lareira ao ar livre- com componentes inerentes à cultura construtiva
do local, como a cobertura em telhas de barro aparente, sem forro, e uma generosa varanda perimetral
voltada para a paisagem, típica das casas de fazenda por todo o interior do país.

A meia hora de carro da cidade, o preço da terra ainda é microscopico. A construção ali não
é sujeita à códigos, c um dólar compra 300 tijolos de primeira qualidade. Pedreiros c oucros

9'
"that lack the outer dress to which our cívilization attaches sue h exaggerated importance. The archítecture is merely a shell for its
owner (...) it is hardly noticeable in its unobtrusiveness." RUDOrSKY, 1943b, p.45. (')

94
"There is no such homogcnous and successful cxamplc of thc modem housegarden in thc Amcricas (... ). During rhrec ycars of
architectural work in B1·at.il, Rudofsky built some houses, which were considered t he best of t he American continent." GOOD\VIN,
1943, p. 100. (•)

~'"Bernard Rudofsky built a pair of privare houses rhac in cheir way are among rhe grearest successes of rhe whole mod.ern movement.
[T]he tcmplc gardcns ofDaisen -ln and Ryuanji in Kyoto (...) are among the grcarcsr acstheric masterpieccs ofJapan, >vhilc [ the Arnsrcin
and. Frontini gard.ens] are the best modem architecture of our time." SITWELL em 1944 apud GUARNERI. 2003, p. 33-34. (•)
96
"a Fren chman frorn Haute Savoie, visit ed. Brazil ten years ago and, enchanted by its dirnate, rernained and. started farming".
RUDOFSKY, 194 3c.p.64 (•)
65

especialistas raramente são necessários, uma vez que os trabalhadores do campo são hábeis o
sutlciente em especialidades da construção.97

Figura 1.4.21 - Perspecriva Isométrica. Casa Hollenstein, Itapecerica da Sem1/ SP, de Benw.rd Rudofsky, 1939-1941.
Fo11te: RUDOFSKY, 1943c, p. 64.

.
([)

1(;.•11 - •n,r

Figura 1.4.22 - Planta Baixa. Casa H ollemtein, ltapecerica da Serra/ SP, de Bemard Rudofçky, 1939-1941.
Fonte: RUDOFSKY, 1943c, p. 65.

97
"A halfhour's drive away from the cities, the price of land is srill microscopic. Building there is not subject to codes, and one dollar
buys 300 bricks of the first quality. Masons and other specialists are seldom necessary since farmhands are skilled enough in building
trades". RUDOFSKY, 1943c, p. 64 (•)
66

Figuras 1.4.23-26- Vi.~t'1 da varand,1 e vistas desde o exterior.


Casa Holfenstein, ltapecerica da Serra/ SP, de Bemard Rudofsky, 1939-1941. Fonte: RUDOFSKY, 194.3c, p. 64.

Em abril de 1941, após descobrir que havia sido premiado no concurso pan-americano Organic Design
- organizado pelo MaMA - com um projeto de mobiliário que associa tubos metálicos com fibras
locais, Rudofsky e Berta deixam o Brasil e mudam-se para Nova Iorque.
1.5. Estados Unidos, Japão, Espanha, Inglaterra, Dinamarca: Um Nômade Convicto

Figura 1._5.01 - Yencedon:-s Latino-Americanos do çoncurso Organic Design, no lvfoMA. Esq. par;! Dir.:}ohn Hay W'himey.
Presidente do Conselho do J..,fuseiJ; Tr,l A. Hírsdtrn;mn, Vir:e-Presídeme d.1 rede Rloomíngdafe's; X.1víer Guerrero, do ,\féxir:o;
Bcrn;mi Rudofsky. do Br;lsil; Julio V'i!l;tiobos. da ilrgcmim; 1Vf'rcdo .Frcsncdo. do Uruguai.
Fome: SCO TT, 2007, p. 179.

Em função da guerra- c de ter deixado a Europa recusando o passaporte alemão, perdendo assim ma
cidadania austríaca - Rudofsky viaja para Nova Iorque sem passaporte, somente com um documento
provisório de permissão de entrada. Além desta complicação burocrática, a decisão de viver nos
Estados Unidos - especula-se - é anterior à permanência do casal Rudof<>ky no Brasil, sendo sua
passagem pela América do Sul uma mera "escala" no objetivo final de alcanç<tr o país norte-americano,
planejada desde a saída da Europa9R.

Chegando na cidade, e aproveitando a oportunidade e visibilidade oferecidas pelo concurso do


i\1oiVIA, Rudofsky logo integra-se à cena arquitetônica local - tanto de arquitetos e artistas
americanos, quanto dos expatriados que aí sem encontravam - conhecendo assim o casal Charles
(1907-1978) e .R.1.y Earnes (1912-1988), \'7alter Gropius (1883-1969), Philip Johnson (1906-2005 ),
Eliel (1873-1950) e Eero Saarinen (1910-1961), Josep Lluís Sert (1902-1983), além de Philip L.
Goodv.rin e G. E. Kidder Smith, futuros organizadores da já mencionada exposição Brazil Builds.
Como parte do prêmio do concurso Organic Design, há uma viagem através do p aís até a costa oeste,
onde Rudofsky conhece também, entre outros, Serge Chermayeff( 1900-1996) e Richard Neutra9~.

A escolha de onde viver de Rudofsky h)i um fator determinante p;lra o desenvolvimento


posterior de sua carreira profissional. As possibilidades oferecidas p or Nova Iorque eram
diferentes Jat]uda> da Califórnia (ou du Bra>il). Na verJade, mesmo yue a mudan'ia para
J\Tova Iorque praticamente marque o fim de sua carreira como arquiteto, ele encontra lá uma
rica vida culmral na década de 1940 sem paralelos com qualquer outro lugar do mundo. 10"

"~ D.E \'I?H', 2007, p. 100.


'''' GCARNERL 2003, p. 20.
100
"Rndofsky's choice of where ro live was ;t determining f:tcror in rhe subsequenr developmenr of his professional carrer. The
possibilities offered b;' New York were different from rhose in Califomía (o,· Br;tt.il). In fitct, even though the move ro New Yorkalmost
68

De fato, mesmo depois de uma relativamente bem-sucedida carreira como arquiteto projetista tanto
na Itália quanto no Brasil, após a mudança para os Estados Unidos, Rudofsky - seja por falta de
oportunidades ou por uma opção voluntária- acaba projetando poucos ediflcios ou casas, focando a
maior parte do seu esforço na carreira de professor, pesquisador e crítico social, sendo a maior parte de
suas obras a partir deste ponto constituída por artigos, livros e exposições. Além disto, os temas e o
tom das inquietações que Rudofsky decide adotar em seu trabalho o colocam à margem da produção
acadêmica convencional- tanto em relação aos artigos e livros, quanto às exposições- uma vez que
seu discurso se dirige preferencialmente aos leigos e ao público em geral, e não tanto aos especialistas
ou profissionais da arquitetura.

Bernard Rudofsky não era nem um arquiteto nem um teórico no sentido usual. Sua
produção arquitetônica foi geralmente considerada demasiado restrita para ser apresentada
em qualquer compêndio abrangendo a hist6ria da arquitetura do século XX, e seus livros
não foram considerados eruditos o suficiente para o establishment acadêmico. 101

A primeira das exposições com a qual se envolve, pouco após sua chegada à Nova Iorque, é Brazil
Builds, entre 1942 e 1943. Philip L. Goodwin, então diretor do Departamento de Arquitetura do
MaMA, convida Rudofsky para participar da organização desta exposição, sobretudo em função de
sua familiaridade com o país, de onde acaba de chegar após quase três anos de permanência. Servindo
tanto a um certo interesse diplomático, ligado à "Política da Boa Vizinhança" do governo americano
durante a Segunda Guerra Mundial, quanto a curiosidade norte-americana a respeito da arquitetura
brasileira 102 , Brazil Builds: Architecture New and Oid 1652-1942, que teve a curadoria de
Goodwin com fotografias de Kidder Smith, foi aberta no MaMA em janeiro do 1943, e compunha-se
de uma série de painéis fotográficos acompanhados de textos explicativos, além de um conjunto de três
maquetes - do Ministério da Educação e Saúde, do Pavilhão Brasileiro na Feira Internacional de Nova
Iorque de 1939, e da Casa Arnstein de Rudofsky- e de material audiovisual combinando a projeção
de slides com textos gravados em fita 103 • Após a exibição em Nova Iorque, a mostra circula entre 1943
e 1945 por inúmeras cidades da América do Norte, Londres, e também algumas cidades brasileiras,
como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. O catálogo, com textos de Goodwin
e as fotografias de Kidder Smith, teve quatro edições, sendo a última de 1946.

Rudofsky, que conforme mencionado acima participa da organização e instalação desta mostra, foi
posteriormente encarregado de acompanhá-la dando palestras durante as aberturas em algumas das
cidades visitadas, sendo uma destas palestras- no Fogg Museum, de Boston- publicada em abril de

marked rhe cnd of his career as an architect, h e found rhere a rieh culrurallife in rhe 1940s unparallcled anywhere in the world. "
GUARNERI, 2003, p. 20-21. (' )

llli "Bernard Rudof'sky was neither an <u·chitect nora theorist in the usual sense. His architectural output was generally consi dered too

limited co be featured in any compendium encompassing the history of cwenriech-century archiceccure, and. his books were not
considered scholarly cnough for thc academic establíshmenr". PLATZER, 2007, p. 12. (')

HIZ "Além de servir à Política da Boa Vizinhança de Roosevclt, a mostra se recomenda pela própria carência de material para exposições

de arquitetura moderna, dada sua proscrição na Rússia de Stalin e na Alemanha d e Hitler tanto quanto a redução da atividade de
construção no hemisfério norte, abalado pela depressão e logo pela guerra". COMAS, 2005 , p. l.
1
"3 CARRILHO, 1998, p. 56.
69

1943 na forma de um artigo da revista New Pencil Points104, na qual Rudofsky posteriormente torna-
se um frequente colaborador. A presença das duas casas de Rudofsky- Casa Frontini e Casa Arnstein
- entre as obras selecionadas, apesar de sua alta qualidade, pode ser considerada, "por assim dizer,
acidental. Deve-se ao fato de ele se encontrar em Nova York e ter colaborado na organização da
n1ostra" 10~.

Figura 1.5.02 -Exposição Brazil Build s, no MoMA, Nova Iorque, em 1943. À csqriCn/a, maquctc c imagms da Casa Amstcin, c à
direita, imagens da Casa rron tini, ambas de Rudofsky, projetadas e construídas em Siio Paulo. 1939-41.
Fonte: hrtp://moma.org/calendar!exhihitions/2304

Em paralelo à esta primeira experiência em Brazil Builds, Rudofsky comenta que foi "convidado por
Philip L. Goodwin ( ... )para sugerir alguns temas originais para exposições" 106 . Sua resposta para este
convite é o envio de um portfólio pessoal com uma série de fotografias sobre a arquitetura vernácula
da região do mediterrâneo, apresentando assim o que considerava uma "bem-vinda fuga da rotina" 107
para o museu. A proposta é negada, uma vez que para o MoMA "o assunto era considerado inadequado
para um museu dedicado à arte moderna. De algum modo, pensava-se ser anti-moderno" 108, ponto de

104
"On Architccturc and Architccrs", RUDOFSKY, 1943a.
105
CARRILHO, 1998, p. 60.
106
"asked by Philip. L. Goodwin (...) ro suggest some unhackneyed subjecrs of exhibirions". RUOO~SKY, 1977, p. 366. (•)
107
"welcome deparrure from rontine". RUDOFSKY, 1977, p. 366. (*)
10
~ "the subject was considered unsuitable for a museum dedicated to modern art . If anyrhing, ir was rhought to be antimodern."
RUDOFSKY, 1977, p. 366. (*)
70

vista que contraria a própria formação de Rudofsky, onde a tradição vernácula e a arquitetura moderna
estão firmemente conectadas.

Após a lendária exposição de 1932, Modem Arch.itecture: International Exhibition (Arquitetura


Moderna: Exposição Internacional), organizada por Henry-Russell Hitchcock e Philip Johnson, que
lança ao mundo o chamado International Style (Estilo Internacional), o MoMA torna-se um dos
principais centros da discussão mundial sobre a "Arquitetura Moderna". Para Rudofsky, a
reembalagem estilística da arquitetura moderna europeia feita pelo MoMA a partir do "Estilo
Internacional" havia sido bem-sucedida no sentido de produzir uma estética arquitetônica que fosse
aceitável globalmente, mas sobretudo para o público norte-americano. Uma consequência disto, no
entanto, seria a intensiva comodificação da arquitetura, que ao ser adaptada para esta escala de
consumo em massa, havia perdido o que ele considerava como a sua principal qualidade, que era
justamente a sua dimensão tátil, sensual e humana 109•

Durante a década de 1940, enquanto a Europa era arrasada pela Segunda Guerra e suas consequências,
o MoMA organiza uma série de exposições didáticas sobre uma série de temas distintos, entre elas
What isModernArchitecture? (O que é Arquitetura Moderna?) de 1941; What is Modern Painting?
(O que é Pintura Moderna?) de 1943; What is Modern Industrial Design? (O que é Desenho
Industrial Moderno?) e What is Modern Interior Design? (O que é Desenho de Interiores
Moderno?) , ambas de 1946. Impedido de tratar diretamente de suas inquietações sobre o contexto
corrente da arquitetura m oderna, é justamente em meio a este conjunto de mostras que em 1944, de
forma astuta e provocadora, Rudofsky propõe a mostra Are Clothes Modern? (Seriam as Roupas
Modernas?) , finalmente aceita pelo MaMA, e que se utilizado tema da moda e da indumentária como
forma de confrontar e questionar este tão preconizado e comercializado conceito de "moderno" frente
às normas e aos costumes da época, incluindo os arquitetônicos:

Acravés de uma série de justaposições visualmeme atraentes, mesmo que pseudomórficas,


entre artefatos etnográficos e artefatos visualmente similares da cultura industrial, Are
Clorhcs lvlodcm? se propõe a desmascarar a ilegitimidade da oposição entre práticas
consideradas "primitivas" daqueles consideradas modernas. Além disso, invocando lições
oferecidas pelas ferramentas e preocupações disciplinares da antropologi a e da etnografia,
Rudof~ky propõe o "reajuste" do "Estilo Internacional" de arquitetura através da
incorporação de hábitos domésticos alternativos. A determinação histórica c cultural do
vestuário, juntamente com as práticas de decorar c deformar o corpo humano, abrem o
caminho para tal reajuste, ao insistir que tais hábitos não são tanto organicamente
necessários, mas sim culturalmente funcionais. O vestuário e a aparência do corpo devem
fornecer tanto lições alegóricas sobre arquitetura - expondo ambos como formações
culturais c, por conscquência, passíveis de rcfonnulação -quanto exemplos de relações mais
funcionais. 110

w~ SCOTT, 2007, p. 180.


110
"Through a series of visually compdhng, if pseud omorphic, juxcapositions between ethnographic artdàcts and visually similar
artcfacts from industrial culturc, Are Clothcs Aiodcm? sct out to cxposc thc illcgitimacy of thc opposition bcnvccn practiccs considcrcd
to be 'primitive' and those considered to be modem . i\foreover, invoking lesson s afforded by the tools and discipli nary concerns of
amhropolos'Y and ethnography, Rudofsky proposed che 'readjustmem' oflmernacional Sryle architecture chrough che in corp oration of
altcrnarivc domcstic habits. Thc hisrorical and cultural dctcrmination of appar cl, along >vith thar of practiccs of dccorating and
dcforming rhc human body, opcncd rhc way for such a rcadjusrm cnr, by insisring rhar sueh habirs wcrc no r so much organically n cccssary
71

C1Ut0 ,.,
low
"!'O•h
,;...,. of doy
<OUntry
IUI'TOurwfl""l
cli,...ote

======

.h gura 1.5.03- Exposição Are Clothes Modern?, no },rlo1V!A, Nov:~ Iorque, em 1944.
Fome: hrtp:/ / moma.org/calcnda.r!cxlJibitions/3 159

Esta curiosa justaposição entre costumes e objetos supostamente "primitivos", e hábitos ou produtos
ditos "modernos"- que a partir deste ponto estará presente em toda a obra de Rudofsky- tinha o
objetivo de desestabilizar o entendimento padrão do visitante, provocando assim uma
descontextualização tanto de um quanto de outro, fazendo com que os itens supostamente funcionais
e industriais fossem vistos como antiquados ou rudimentares, enquanto que algumas das soluções
supostamente arcaicas parecessem frescas ou revigoradas. Imagens da cruel tradição chinesa de atar os
pés femininos são comparadas com anúncios contemporâneos de sapatos com saltos altos e
pontiagudos; fotografias de nativos da Papua com as cinturas amarradas são comparadas com os ainda
correntes espartilhos; as mulheres de Myanmar cujos pescoços eram espichados através do uso de uma
sequência de anéis são mostradas ao lado de blusas do final do século XIX com colarinho alto e justo,
etc. Além disto, a exposição contava com uma série de instalações demonst rando uma série de aspectos
decorativos e não funcionais de roupas modernas, como um diagrama mostrando os 70 botões, 24
bolsos que adornam o traje do homem de negócios cosmopolita, curiosamente denominado por
Rudofsky de "exame de raio-x simulado das camadas sobre camadas de botões e bolsos inúteis que o
homem moderno considera necessários para a preservação da dignidade" 11 1.

as culmrally funcrional. Apparel and rhe appear;mce of rhe body were to provide borh allegorical lessons regarding architecrure -
cxposing both as cultural fo rmations and thcrcby availablc for rcworking- and instanccs of more functional rdations." SCOTT, 1998,
p. 241. (')
111
"simulared x-ray examination of rhe layers upon layers of useless burrons and pockers modern man considers necessary to preserve
digniry" RUDOFSKY apud SCOTT, 1998, p. 247. (')
72

...-4t•,.. toth
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14 rocam

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Figura 1.5.04- Exposição Are Clothes AJodem?, no Mo;\{A, Nova Iorque, em 1944. Diagramas ilustrando os 24 bolsos (esq.); 70
botões (centro); c as 7 camadas que cobrem a cintura (dír.} do traje do homem de negócios cosmopolita.
Fonte: hrrp:/ / moma.org/ e<!lendar/ exhibitíom/ 3159

Figura 1.5.05 (esq.) - O pé que cabe nosapara, de Bemani Pfi-iem, 1971 . Fonte: SCOTT, 2007, p. 188.

Ngura 1.5.06 (dir.) -Pé.> e sapaws simérrico.ç. r·ome: SCOTT, 2007, p . 189.

A exposição tinha grande parte de seu conteúdo voltado para o pé e para os calçados, incluindo
tornozeleiras, plataformas, sapatos de salto, sandálias, e imagens que similarmente demonstram a
inadequabilidade de uma série de produtos -o que vai inclusive inspirar Rudofsky a desenvolver, logo
após a exposição, uma marca de sandálias com o objetivo de propor alternativas para "libertar os pés",
o que será comentado mais adiante. Desta forma, Rudofsky utiliza-se de alguma maneira da lógica do
fetiche, supondo que, da mesma forma que o pé do cidadão moderno tem sido vítima de uma série de
73

deformações para se conformar aos requisitos de simetria dos sapatos modernos, por exemplo, este
mesmo cidadão estaria sendo sujeitado à alguns princípios igualmente rígidos por parte da lógica por
trás do "Estilo Internacional", na arquitetura. Assim, da mesma forma que "Rudofsky tinha a intenção
de libertar o pé em seus designs para o 'pé livre', na esperança de retornar sua forma à um estado pré-
embalado, assim também ele esperava que a capacidade sensorial do corpo pudesse ser reunida com a
arquitetura doméstica" 112•

Ao longo dos anos 1940, enquanto sua situação imigratória não fosse normali~ada e ele pudesse obter
um passaporte americano, Rudofsky permanece em Nova Iorque. Durante a primeira metade da
década, assolada pela Segunda Guerra Mund.ial, encomendas de projetas de arquitetura eram algo
escassos até para os próprios americanos, o que faz, que Rudofsky busque trabalho em algumas revistas.
Entre 1942 e 1943, ele trabalha como editor associado e diretor de arte da já mencionada revista New
Pendi Points, onde é o respons<í.vel por roda a parte gráfica, incluindo o desenho das capas. Em junho
de 1946, torna-se ed.itor de arquitetura e arte da revista lnteriors, e em junho do ano seguinte, seu
diretor editorial. Na Interiors, onde permanece até o início de 1949, é responsável pela parte gráfica,
mas coordena também a publicação de alguns dos artigos sobre o triunfo da arquitetura moderna nos
Estados Unidos, tratando de projetos e feitos de arquitetos como Buckminsrer Fuller ( 1&95-1983 ),
Charles e R.ay Eames, Mareei Breuer ( 1902-1981 ), entre outros, além de alguns artigos próprios sobre
os mais diversos remas, como mobiliário, cenografia e aR]Uiterura de interiores. 113

Interiors

l'igura 1. 5. 07 - Clp<l d:l R.evisra N ew Penei! Poin rs, de out. 1943.. de.~enllad:l por Rudofsky.
Fonr.ç: NEWPENCTT. POTNTS, 1943.
Figul"il 1..5.08- Capa ela Rçvisra Tn~çrio ..s, <k ja.n. 1946; <h·sr.:nhada por Rvdofsky. Fonr.ç: TNTERTORS, 1946:

117
· "jusr as Rudofsky had ser om ro libera te rhe foot in his designs for the "fi:ee foo(, hoping to remrn irs torm roa prepackaged stare. so

did h c hopc rhar thc bot!y's s.:nsuous capacity muld hc rcunír.:d wirh t!omcstíc architcctur.:". SCOTT, 2007, p. I Rlí. (•)
11 ' Gt..;ARNLRl, 2003, p. 22.
74

Após a exposição Are Clothes Modem? e sua subsequente repercussão -levantando na mídia da época
uma série debates a respeito dos temas tratados pela mostra, e também pela publicação do livro
homônimo em 1947 - Rudofsky e Berta percebem uma oportunidade de desenvolver uma linha de
sandálias de acordo com os princípios ilustrados no MoMA. Assim, inspirados por modelos de antigas
sandálias mediterrâneas, o casal lança em abril de 1946, no Hotel Ritz Carlton de Nova Iorque, a
primeira coleção das Bernardo Sandals. Com uma excelente recepção, as sandálias são publicadas em
uma série de ocasiões durante todos os anos 1950 e 1960 em revistas como Vogue e Harper's Bazar,
persistindo no mercado calçadista até os dias de hoje, podendo as Bernardo Sandals serem inclusive
consideradas como uma das principais responsáveis por financiar muitas das viagens e dos projetos
empreendidos pelo casal Rudofsky até o final de suas vidas. Em 1948, Bernard e Berta finalmente
tornam-se cidadãos americanos, e podem uma vez mais retomar sua rotina de excursões exploratórias
em torno do globo.

Figuras 1.5.09-1 O- Imagens publiciwrias das Bernardo Sandals, desenhadas por Berra e Bernard Rudofsky.
Fonte: GUARNERI, 2007, p. 137.

Rectangular Ready-madffi
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DRf~ IIO'"OIUW n. O:JJTI!no AIU! o~l-"'17.!. SIL\J'I::t lll \T rrr \."lu'-,;

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Figura 1.5.11- Reportagem da Re,·isca Life de mar. 1951 sobre as Bernardo Separates, desenhadas por Bcrnard Rudofslcy. Fonte:
SCOTT. 2007, p. 191.
75

Assim que recebe seu novo passaporte, Rudofsky visita a Europa novamente. Em 1948 visita a França
e Suíça, em 1949, Itália, França, Suíça e Áustria. Entre 1951 e 1952, faz uma longa viagem de carro até
o México. Além disto, nesta época Rudofsky desenha estampas para estofados e cortinas, algumas peças
de mobiliário, e também desenvolve as Bernardo Sepanltes, uma tentativa ousada de propor roupas em
formatos geométricos simples, com poucos cortes e poucas costuras, práticas de manufaturar e de
vestir, e que se encaixariam ao corpo livremente, em tamanho único e sem necessidade de serem feitas
"sob medida". Seu único projeto arquitetônico construído durante todo este período é a Casa-Jardim
Nivola, feita em conjunto com o amigo e artista italiano Constantino Nivola, e que é amplamente
publicada nas revistas The Archicectural Review, Arts and Architecture, Domus, e também na
japonesa Kokusai Kentiku.

Egura 1.5.12 - Implanmçiio Axonométrica, mostrando o soláio ou "cômodo ao ar-livre" (esq.); il parede ;wtoportante perfurada e
longo banco (centro); c a dwrrasqucira (dir.). Casa-Jardim Nivola, Amagansctt, Estados Unidos, de llcrnard Rudofsky c Constantino
Nú,ola, 1949-50. Fonte: ROSSI, 2015b, p . 135.

Figuras 1.5.13-14- Interior (esq.) e Yista Geral (dir.) do Solúio, ou "cômodo ao ar-livre", com murais de Nh,ola.
Casa}ardim Nivola, Amagansctt, Estados Unidos, de Bcmard Rudofsl,y c Constantino Nivola, 1949-50.
Fontes: GUARNERI, 2014, p. 97 e LOREN; ROj\-JJ:RO, 2014, p. 303.
76

Figuras 1.5.15-16- Vism geral do Pergolado com a clwrr,uqlleir:~ à esquerda e o salário ao fllndo (esq.); e enconrro de amigos em
rorno da churrasqueira (di r.). Casa-Jardim Nivola, Amagalhett, Estados Unidos, de Bernard Rudof"sky e Constalltino Nivola, 1949-
50. Fonte: ROSSI, 2015b,p.l38-139.

Os espaços desenhados no jardim de Tino Nivola- em Amagansett, Long Island, Nova Iorque, entre
os anos de 1949 e 1950 - são interessantes estruturas ao ar livre, numa espécie de experimentação
paisagística entre a arte e a arquitetura, que se desenvolvem a partir da experiência direta e vivida entre
a família de Nivola e o casal Rudofsky, frequentes hóspedes do artista em sua casa de praia. Ao mesmo
tempo que Nivela experimenta com os materiais, texturas e técnicas de pintura e grafitti, Rudofsky
expande suas ideias sobre habitação, sobretudo as relacionadas às relações entre interior e exterior, e à
delimitação de espaços com a utilização mínima e precisa de poucos materiais e de sua geometria. O
conjunto é composto por uma série de elementos que se articulam pela paisagem do jardim, tais como
algumas paredes autoportantes de várias dimensões, bancos, pérgolas, uma churrasqueira e, uma vez
mais, um salário representando o arquetípico "cômodo ao ar-livre" 114• A liberdade de expressão tanto
do artista quanto do arquiteto, e a maneira como eles buscam juntos expandir as maneiras de enxergar
e considerar tanto a arte como a arquitetura tal como estas são comumente consideradas, faz deste um
projeto singular na carreira de ambos, apresentando Rudofsky uma vez mais com um projeto
colaborativo que possibilita a demonstração plena de muitas de suas ideias e ambições arquitetônica.
Deste projeto nasce um dos mais conhecidos símbolos de toda a obra de Rudofsky, a parede bruta e
nua que permite, através de uma singela abertura, o crescimento de um galho de uma macieira:

Rudofsky utiliza esta imagem para expressar muitos conceitos: os p apéis complementares da
natureza e do artifício na construção de um ambiente habitável; a relação entre a forma
natural - dada, orgânica - e a forma criada pelo homem, que é o fruto da abstração

111
COMO, 2010, p. 14.
77

gcomctrica; arquitetura como uma forma pura da arte quando não tem nenhuma função
utÜicária. Rudofsky não foi o primeiro a incluir árvores em paredes ou em estruturas
horizontais semiabertas; mas ele foi, talvez, o único a apresentar uma justificação poética
convincente para fazê-lo. 11s

Figura 1.5.17- Parede <wtopommte wm aberwra para passagem de um galho da macieira. Casa-J<u·dim Nivola, Amagansctt, Estados
Unidos, de Bemard Rudofsky e Conmm rino Ni~·ola, 1949-50. Fome: ROSSI, 2015b, p. 134-135.

Sobre este projeto, Rudofsky publica em outubro de 1952, na revista Arts & Architecture, um dos seus
mais bem recebidos textos, The Bread of Architecture (O Pão da Arquitetura), onde discorre, por
exemplo, sobre a importância da parede:

Uma parede é o pão da arquitecura. No encanto, nunca ocorreu a ninguém celebrar a parede
como uma das grandes invenções do homem. Sem dúvida, o homem estava bem adiante no
seu caminho quando descobre como fazer ferramentas c armas, mas mesmo enquanto
pintava suas primeiras decorações, ele ainda vivia em cavernas naturais. Ao erguer a primeira
parede autoporrante ele chega a um ponto em sua evolução tão bem definido como quando
se levanca das quatro patas e fica de pé. Ao construir sua primeira parede, torna-se,
mentalmente, um bípede. Com a parede, o homem cria espaço na escala humana, e nos
muitos milhares de anos que se seguiram, ele chega por vezes muito perto do domínio do
espaço, a arqui tctura.lll'

111
"Rudo(,ky uses this image to express many conceprs: rhe complemcntary roles of nature and artífice in consrruction of a livahle
environment; rhc rdationshi p hcrwcen natural form · given, organic · and thc form creatcd hy man, which is the fruir o f geometrical
abstraction; architecture as apure formof art when it has no urilirarian function. Rudofo;ky was not the first to include trees in walls or
in semi-open horizontal strucrures; but he was, perhaps, the only one w provide a convincing poetkal justification for doing so."
GUARNERI, 2003, p. 51.(*)

li(• "A wall is rhe hread of archirccrurc. Yet ir has nevcr occnrred ro anyhody to cdebratc the wall as one of rhc grcat invcntions of man.

No doubt, man was wdl along his path when hc kncw how to make tools and wcapons, but evcn when h c paintcd his firsr decorations,
he was srillliving in natural caves. By erecting the flrst free-standingwall he arrived ata point in his evolutinn that was as sharply defined
78

Figu~a 1.5.18- Parede auwportante rcn:bcndo as somlmts das árvores c de um cesto de pcKaJor. Ca~·a-}artlim Nil·oht, Amagansctt,
Esrados Unidos, de Bemard Rudofçky e Con.mmrino NivoL1, 1949-50. Fonte: ROSSI, 20 15h, p. 138.

Ainda em 1947, enquanto publicava o já mencionado lívro Are Clothes Modem?, Rudofsky redige
um manuscrito chamado "Esboço preliminar de um livro sobre o abrigo humano em geral e sobre a
casa contemporânea, em particular, mas principalmente sobre o homem em seu papel como
habitante", variavelmente renomeado de "Estudos em Arquitetura Doméstica", "Os Prisioneiros", ou
então "Seriam as Casas Modernas?" 117 , projeto que daria continuidade à crítica de Rudofsky ao
modernismo consumista do "Estilo Internacional", iniciada na já mencionada exposição Are Clothes
Modem?. D esenvolvido desta forma até 1953, o "Projeto sobre a Casa" 118, como assim o denominava
Rudofsky em seus arquivos pessoais, foi então dividido. Uma parte daria origem à futura exposição e
catálogo Architecture Without Architects, de 1964, e à sua subsequente continuidade The Prodigious
Builders, de 1977 - que serão detalhados mais adiante - enquanto que a outra parte acaba
transformando-se na base para o livro que publica em 1955 denominado: Behind the Picture
Window: An unconventional book on the conventional modern house and the inscrutable
ways of its inmates119• O tema principal deste livro é uma crítica à "convergência dentro da casa de

as whm h e got up from ali fours and srood on bis legs. Building his Hrst wall, he became, mentally, a biped. \X' ich che wall, man created
space in a human scak and in che many thousand years that followed, he came somecimes quite dose co che mastery of space,
archiceccure." RUDOFSKY, 1952a, p. 28. (' )
11 7
"Tentati ve outline of a book on human shelter in general and on the contemporary house in particular but chiefly about Man in his
role as inhabitant"; "Studies in D omestic Architenure"; "The Inmates"; "Are H ouses Modern ?". SCOTT, 2000, p. 222. (')
11
~ "House l'rojcct''. SCOTT, 2000, p. 222 (*)
119
"Atrás da Janela Panoràmi(a: U m livro não convencional sobre a (asa moderna convenôonal e os aspect os inescrutáveis de seus
prisioneiros". RUDOFSKY, 1955. (•)
79

normas sociais codificadas e da etiqueta, o acúmulo de aparelhos mecanizados, bem como a expansão
das técnicas de publicidade e de tecnologia da informação, como a televisão" 120 • Em uma série de
capítulos organizados de forma a comentar sobre algumas das funções essenciais do ambiente
doméstico, cais como comer, sentar, a higiene, o banho e dormir - funções estas que serão o tema da
segunda parte desta dissertação - Rudofsky busca delinear os efeitos destas forças em cada um dos
cômodos da casa, acentuando as consequências físicas e psicológicas destas em seus habitantes.

Figura 1.5.19 (esq.) - Rua come1úal ;aponesa.fow de Rudofsky, 1955. Fome: GUARNERl, 2014,p.l01.

Figura 1.5.20 (dir.)- Bcmard Rudofskyvestindo um Quimo1w. Fonte: ARCHITEKTURZENTRUiVf W'JEN, 2007, p. 287.

Também em 1955, Rudofsky viaja pela primeira vez ao Japão, durante os três meses do verão. Este
primeiro contato - que será complementado por uma viagem posterior, mais longa, e que será
detalhada mais adiante- foi tão impactante e importante para Rudofsky quanto, por exemplo, o já
mencionado período que passa em Santorini, ou a primeira viagem sua em 1935-1936 para os Estados
Unidos. Mesmo sendo um admirador da cultura e da arquitetura japonesas desde sua época como
estudante, a influência deste contato faz-se notar pelo incremento no número e na frequência das
referências que Rudofsky faz ao Japão em suas subsequentes obras, e como sua atenta observação da
domesticidade e da sensibilidade japonesas acaba ampliando seu repertório conceitual.

120
"convergence within rhe house of codifled social norms and etiquette, rhe accumularion of mechanized gadgets, as well as the
cxpansion of tcchniqucs of advcrtising and information tcchnology such as tclcvision." SCOTT, 2007, jl. 193. (')
80

Após retornar aos Estados Unidos, no outono de 1955, Rudofsky é convidado pelo arquiteto Pietro
Belluschi ( 1899-1994) como professor e crítico no Massachusetts Institute o f Technology, o MIT
(Instituto de Tecnologia de Massachusetts), onde permanece até meados de 1957. Além disto,
participa em 1956 da organização da mostra Textiles, U.S.A., novamente no MaMA, como designer
de exposição. A mostra conta com 185 tecidos que são selecionadas através de um concurso com mais
de 3500 itens concorrentes. O design de Rudofsky para a exposição contava com uma série de
inovadores elementos que fugiam do padrão do MaMA em suas exposições - sempre preocupadas em
unir a estética à utilidade - e tentavam mostrar os tecidos com um certo tom dramático, retirando-os
do contexto de sua função ou finalidade específica. Mesclando materiais industriais com domésticos,
Rudofsky cria algumas colunas com formas irregulares, reveste paredes e forros inteiros, ilumina os
tecidos alternadamente pela frente ou pelo fundo, e insere no meio do salão um elemento em forma
de "guarda-chuva" gigante, como uma espécie de caleidoscópio de texturas e cores formado por
diferentes materiais.

Figura.s 1.5.21-22 -Exposição T extíles, U.S.A., no MoMA, Nova Iorque, em 1956. Fonre: SCOTT, 2007, p. 195-196:

Contando com a experiência na organização e design de algumas bem-sucedidas exposições, em


meados de 1957 Rudofsky é convidado, ao lado de Peter Harnden, para organizar as mostras que
seriam apresentadas no Pavilhão Americano da Feira Internacional de Bruxelas, em 1958. O tema da
feira era A New Humanism (Um Novo Humanismo), e Rudofsky e Harnden são encarregados de
organizar tanto o layout geral do interior do pavilhão, quanto quatro mostras específicas: Islands of
Living(Ilhas de Habitar), Streetscape (Paisagem das Ruas), The Face ofAmerica (A Face da América),
além de uma série de pequenos clipes de vídeo em "loop" representado cenas cotidianas. Em função da
recepção da mídia norte-americana, e das reações do público da Feira, este seria um dos trabalhos mais
controversos da vida de Rudofsky. Ao lançar mão das habilidades e do conhecimento que já possuía a
respeito da organização de exposições, Rudofsky ignora o projeto arquitetônico centralizador do
circular edifício do pavilhão - projetado por Edward Durrell Stone ( 1902-1978), arquiteto de
edifícios como a sede do MaMA e o Radio Cíty Music Hall, ambos em Nova Iorque- e distribui o
layout dos diferentes ambientes e das diversas mostras de uma forma solta, acentuando uma voluntária
falta de sentido organizado no fluxo dos visitantes, e incitando assim que cada um dos indivíduos
pudesse trilhar o seu próprio caminho, e visitar o pavilhão na ordem que quisesse. Além disto, as
expectativas que o público - menos os europeus, mais os americanos - tinham sobre as mensagens
81

apresentadas acabaram confundidas, causando uma certa frustração e gerando algumas acusações sobre
uma espécie de sabotagem de Rudofsky desde parte dos americanos que diziam não se identificar com
as formas de vida aí apresentadas:

Os objetos em exposição falharam (ou talvez devêssemos dizer recusaram-se) a exprimir as


normas culturais ou a apresentar as imagens esperadas de progresso, riqueza, e ideais
americanos; como muitos visitantes reclamaram, os ícones nacionalistas e slogans
propagandísticos habituais estavam ausentes. l'vfas este era precisamente o ponto. Como
Rudof~ky insistiu, "nós não tentamos nos vender'' 121•

Figura 1.5.23- Exposição Island of Living (esq.), no pavilhão americano da Feira Inremacional de Bmxelas, 1958, de Bemard
Rudofsky c l'ctcr Harndcn. Fome: SCOTT, 2007, p. 201.

Figuras 1.5.24-25- Exposição Streetscape (centro e di r.), no pa,,i/hão americano da Feira fntemacional de Bruxelas, 1958, de
Bcrnard Rudofsl..:y e Petcr Harnden . Fonre: SCOTT, 2016, p. 32.

Na exposição Islands ofLiving, Rudofsky apresenta uma espécie de casa fragmentada, vista desde uma
passarela elevada, com uma série de elementos domésticos que pretendiam fugir do usual e apresentar
sugestões de um estilo de vida um tanto quanto alternativo, que- como pôde ser notado em função
da recepção negativa do público - não representariam fielmente a realidade americana. Uma banheira
com pedais ou um vaso sanitário ao estilo turco, propostos por Rudofsky, são exemplos da razão pela
qual a organização da exposição foi obrigada a fechá-la e remodela-la alguns dias após sua inauguração,
inserindo então itens mais reconhecíveis, como batedeiras, freezers e lava-louças, transformando assim
a casa - que para Rudofsky deveria apresentar uma visão idealista, futurística e alternativa - em uma
mera vitrine para rnercadorias 122•

A segunda mostra organizada por Rudofsky, Streetscape, apresenta uma visão um tanto quanto
abstrata e conceitual do ambiente urbano americano, ao criar um cenário com uma floresta de placas

121
"Thc objccts on display failcd (or pcrhaps wc should say rcfuscd) to signify cultural norms or to prcsmt cxpcctcd imagcs ofAmcrican
progress, wealrh, and ideais; as many visirors complained, rhe usual narionalisric icons and propagandisric carchwords were absent. Bur
this was prccisdy thc point. As Rudofsky insistcd, 'wc did not try to scll oursdvcs'." SC OTT, 2007, p. 203. (')
122
SCOTT, 2007, p. 203.
82

de rua, bancos e outros itens de mobiliário urbano, além de sinais de trânsito, letreiros publicitários,
vitrines, hidrantes, etc., todos organizados de forma não literal, em uma profusão visual intensa,
complexa e fragmentária, uma vez mais agradando ao público europeu mas confundindo e
decepcionando os americanos que visitam a feira 123 .

Figura 1.5.26- Exposi~ão Thc:: Face of America, no pavilhão americano d:r Feira Internacional de Brm:das, 1958, de Bernard
Rndofsky c Pctcr Harndm. Fonte: SCOTT, 2007, p. 202.

The Face of America, a terceira mostra, busca apresentar um panorama antropológico do país. Coberta
por um imenso mapa dos Estados Unidos pendurado do forro, Rudofsky organiza, sob a área referente
à cada um dos 48 estados, uma pequena coleção de objetos que de alguma forma representaria este
estado. Para isto, e uma vez mais tentando fugir dos clichés, Rudofsky apresenta, por exemplo: o
cheque utilizado para comprar o Alaska; as 4 80 páginas da edição dominical do jornal New York
Times, uma ao lado da outra; uma fatia de cinco metros de diâmetro de uma sequoia gigante; a
primeira lâmpada de Thomas Edison; colchas tradicionais da Nova Inglaterra; um Ford Modelo A, de
1903; batatas do estado de Idaho, um uniforme completo de futebol americano; etc. Assim, uma série
de objetos banais são transformados em "exóticos", mas o suposto senso de humor e abstração
necessárias para a compreensão desta visão de Rudofsky t'lltam ao público, que novamente não se sente
representado por esta série de objetos simples, comuns e "sem graça".

Assim, durante a experiência de organização destas mostras em Bruxelas, é possível notar como
Rudofsky apropria-se de elementos familiares da mídia de massa - como vitrines, filmes, fotografias,
letreiros, que são usualmente utilizados na cultura popular para vender e transmitir mensagens de

"' SCOTT, 2016. p. 33.


83

comunicação homogêneas - para transmitir suas ideias, criando ambientes heterogêneos, reflexivos,
que incitavam uma série de"encontros" inesperados e que provocam uma certa inquietação intelectual
e perceptual nos visitantes. Este tipo de ferramenta é algo que Rudofsky utilizará a partir deste ponto
em toda a sua obra, sobretudo em suas publicações e exposições.

Figura 1.5.27- Capa dolú-ro The Kimono ;\find, ele Bcmard Rudofsky, 1965. Fonte: RUDOFSKY, 1965, capa.

Finalizado este encargo em Bruxelas, após quase um ano de trabalho, e graças ao dinheiro que por ele
recebe- além de uma Bolsa Fulbright que consegue por indicação de Neutra, Belluschi e Gropius-
Rudofsky e Berta embarcam em abril de 1958 para o Japão, onde ficam por quase dois anos, até janeiro
de 1960. Na viagem de ida, que dura quase um mês, aproveitam para conhecer Teerã, Nova Déli,
Bangkok e Hong Kong. Como já foi mencionado, Rudofsky tinha uma certa fascinação com o Japão,
uma vez que já conhecia quase toda a Europa, América do Sul, e também a América do Norte, e para
de, portanto, o país oriental representava uma cultura que - mesmo influenciada e de certa forma
"maculada" pelo contato com o ocidente- apresentaria ainda uma forte identidade que poderia ser
intrigante e estimulante. Alguns anos após seu período no país, Rudofsky publica em 1965 o livro The
Kimono Mind (A Mente de Quimono), onde narra algumas das suas experiências, percepções e
decepções a respeito da sociedade e dos costumes japoneses, vistas desde um visitante que não poderia
ser caracterizado nem como um turista, mas tampouco como um nativo ou alguém plenamente
integrado ao contexto local. É com base sobretudo no texto deste livro que é possível assimilar algo
desta experiência, como, por exemplo, uma descrição um tanto quanto erotizada do seu primeiro
contato com o Japão:

De muito maior importância fdo que a questão de quando ir para o JapãoJ é a escolha de um
cenário perfeito para passar a primeira noite sob um teto japonês. As circunstâncias do
primeiro contato físico com o Japão, o primeiro abraço por assim dizer, podem significar a
diferença entre o afeto e a aversão. Com alguma sorte, o neófito vai experimentar um certo
atordoamento, um toque de pânico, comparável com a sensação de conhecer uma mulher-
no sentido bíblico. A resposta às suas orações é uma hospedaria( ...). A hospedaria nativa eo
tão profundo ponto de penetração na vida japonesa quanto os ocidentais podem ter
esperança de alcançar.124

121
'"Offar grcatcr momcnc l chan rhc qucscion ofwhcn co go w Japan J is thc choicc o f a pcrfccc scningfor rhc first nighc undcr ajapancsc
roof. The circumstances of the 11rst physical contact withJapan, the 11rst embrace so to speak, may spell the difference between affection
84

Passados os primeiros meses, no entanto, o encanto de Rudofsky em alguns momentos transforma-se


em frustração. Ele e Berta, além de pouco familiarizados com o idioma, sentem dificuldades em
estabelecer contatos pessoais e amigáveis com nativos japoneses, mesmo os que falam inglês. Sem estes
contatos, não seria possível para eles o esclarecimento de uma série de dúvidas e inquietações
específicas que, por se tratarem de temas íntimos ou até óbvios sobre os costumes e o cotidiano, não
seriam verdadeiramente respondidas por alguém que não se sentisse confortável com eles. Para o casal,
o comportamento dos japoneses com visitantes breves -por menos interessados ou curiosos que estes
venham a ser - seria extremamente atencioso e cortês, mas a relação deles com estrangeiros que "vêm
para ficar", mesmo que por um ou dois anos, é desconfiada e distante. Assim, por mais que estivesse
aproveitando o país através de uma série de passeios e itinerários interessantes, o casal tem a impressão
de que não estaria tendo acesso a indicações de locais, bares, restaurantes, etc., que só os moradores
locais poderiam fornecer. Não obstante, Rudofsky ainda se mostra capaz de analisar e descrever uma
série de detalhes e nuances de uma maneira bastante refinada:

Observe a garçonete servindo a dois senhores uma garrafa de cerveja. Ambos levantam seus
copos quando ela serve. Cada um bebe meio copo; em seguida, um deles pega imediatamente
a garrafa e enche o copo do outro, mas não o seu próprio. O sq,'lmdo homem, em seguida,
pega a garrafa c reabastece o copo de seu parceiro. Exemplo perfeito como a forma
tradicional de beber saquê tenha sido transferido para a cultura de ccrvcja.m

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Figura 1.5.28 -Anot;Jções do Vário de Viagem de Rudofsky, 14 jul. 1958. Fonte: DE W'JT, 2007, p. 113.

and dislike. \Virh any luck. the neophyte will experience bedazemenr, a rouch of panic, comaparable to the sensation of knowing a
wom<U1- in the bihlical sense. The answer to his prayers is an inn ( ... ).A native inn is ahour as far a point of penetration in to Jap<u1ese
lifc as Occidcntals can hopc to rt:ach''. RUDOFSKY, 1965, p.22-24. (•)
121
"Observe waitress serving twn genrlemen a borde ofbeer. Both lifr their glasses when she pours. Each drinks half glass; then one o f
thcm immcdiatdy picb up thc huttlc and fills thc othcr's glass bur not his own. Thc sccund man thcn takcs thc bonlc and rcplcnishcs
his parrncr's glass. Pcrfcct cxamplc how tradicional usagc of sakc drinking has hccn carricd ovcr in to bccr culcurc". RUDOFSKY em
1958 apud DE WIT, 2007, p. 114. (•)
85

Em meados de 1959, durante o verão, Rudofsky e Berta têm a oportunidade hospedarem-se por cinco
meses na cidade de Tsuda, em uma casa disponibilizada a eles pelo prefeito local. Além disto, nesta
época Rudofsky também trabalha como professor e pesquisador na Universidade de Waseda, em
Tóquio. O método de aproximar-se e pesquisar a cultura japonesa utilizada por Rudofsky era, muitas
vezes, bastante similar ao que era normalmente utilizado por ocidentais que aí chegavam, tratando
uma série de temas como "estranhos", "diferentes" ou "exóticos". Por outro lado, a forma como
Rudofsky encarava a cultura japonesa era, em outra ótica, bastante distinta, posicionando-se de
maneira a traçar relações e paralelos entre as culturas japonesa e ocidentais que não as tratassem como
alheias ou destacadamente distintas. Ao buscar suporte financeiro para retornar ao Japão, após sua
primeira visita em 1955, Rudofsky enfatiza em uma carta à Fundação Rockefeller as relações que
buscava fazer deste país com a realidade americana do pós-guerra:

A arquitetura doméstica c a maneira de viver no Japão neste tempo de transH,:ao


proporcionam uma oportunidade única para o estudo; na verdade, (... ) a casa japonesa
representa, por assim dizer, o equivalente a um laborat6rio experimental em uma escala de
âmbito nacional, a partir do qual podemos obter, indiretamente, uma melhor compreensão
dos nossos próprios problemas de construção c de habitar. 126

Utilizando uma analogia que aplica também à outras circunstâncias- como será discutido na segunda
parte deste trabalho- Rudofsky considera que o Japão oferece um "espelho retrovisor" ao estilo de
vida norte-americano. O objetivo inicial de Rudofsky em sua pesquisa - que depois acaba frustrado
em função da complexidade sociocultural e econômica que acaba encontrando ao retornar em 1958
ao país- era de estudar a ocidentalização do Japão, sobretudo da casa japonesa, de maneira a montar
uma crítica alegórica entre a cultura consumista americana e sua expansão a partir do pós-guerra.
Durante seu período no Japão - e também antes, durante a preparação de sua viagem - Rudofsky
mantém um diálogo ativo e interessante por correspondência com o arquiteto Walter Gropius, um
dos responsáveis pela Bolsa Fulbright que possibilita à Rudofsky empreender esta viagem, e um
experiente conhecedor e interessado na cultura japonesa. Ao escrever à Rudofsky sobre este tema,
Gropius afirma que:

"alt,'llmas pessoas acreditam que a arquitetura moderna dos povos ocidentais é uma imitação
e
dos japoneses, mas, sendo um dos seus pioneiros, eu sei que isso não verdade, mas sim a
mais extraordinaria coincidência de desenvolvimento independente" 127

Rudofsky acaba sendo mais historicamente acertado, e afirma posteriormente que o Japão desenvolve
"padronização, pré-fabricação e de mobilidade como possibilidades de arquitetura( ... ) séculos antes" 128
dos arquitetos europeus. Ao considerar, portanto, o Japão como um "espelho retrovisor" da cultura

126
"Japan's domcsric archirccrurc and way of living at this time of transition affords a uniquc o pporrunity for srudy; indccd ( ... ) rhc
Japanese ho use represents, as it were, the equivalent of an experimenrallabot·atory on a nation-wide scale from which we might gain,
indirecdy, a better comprehension of our own problems ofbuilding and living". RUDOrSKY em 1956 apud SCOTT, 2016, p. 54. (•)
127
"some people bdieve rhat rhe modern architecture of western people is imitative of rhe Japanese, but, being one of rhe pioneers, I
knmv that thar is not truc, Bur ir is rhc most cxtraordinary coincidcncc of indcpcndcnt dcvclopmcnt." GROPIUS em 1955 apud
SCOTT, 2016, p. 64. (•)

tzs "standardization, prefabrication and mobility as architectural possibilities ( ...) cenruries before''. RUDOFSKY em 1965 apud
SCOTT, 2016, p. 64 . (•)
86

americana, Rudofsky busca não traçar o tipo de relação de similaridades ou coincidências entre a
arLJUitetura europeia e a japonesa apontadas por Gropius, mas sim compreender o impacto da
industrialização e da comodificação sofridas no país desde o final da Segunda-Guerra Mundial, e
relacionar este impacto com o que estava acontecendo naquele momento no ambiente doméstico
norte-americano- tal qual procura comentar em Behind the Picture Window. Assim, Rudofsky busca
traçar um paralelo entre como as influências da cultura ocidental invadem e alteram de forma
significativa os costumes e hábitos domésticos dos japoneses, anteriormente estritos, disciplinados e
regulados; e como a invasão da mecanização e do consumismo alienantes no ambiente doméstico
americano também trazem uma série de mudanças que poderiam ser analisadas de maneira
semelhante. Para isto, em sua obra mais completa sobre os resultados destes estudos, Tl1e Kimono
Mind, é possível encontrar alguns dos mesmos temas levantados e analisados por Rudofsky em Behind
the Picture Window, de 1955, tais como o banho, dormir, comer, etc.

Figura 1.5.29- Exposição}apa.nese V emacular Graphics, no lvfoMA, Nova Iorque, em 1961.


Fonre: brtp:!/moma.org/calenda.rlexbibitions/3413

No princípio de 1960 quando Rudofsky e Berta decidem deixar o Japão e retornar aos Estados Unidos,
após aproximadamente vinte meses imersos na cultura japonesa, o casal crê que um retorno direto à
Nova Iorque seria algo muito abrupto e chocante, e decide, portanto, retornar via Havaí, onde
permanecem por nove meses, voltando finalmente à metrópole americana no outono de 1960. Ao
chegar lá, Rudofsky é contatado por Arthur Drexler (1925-1987), então diretor do Departamento de
Arquitetura e Design do MoMA, que o convida a propor ao museu uma série de exposições
fotográficas didáticas e itinerantes. Assim, entre junho e julho de 1961 é aberta a exposição Japanese
Vernacular Grapb.ics (Desenhos Vernáculos Japoneses), "consistindo de mapas, livros ilustrados e
87

outros matcri:ti~ gr:ifico~ cxccut:tdos por (kscnhi>tas c típógrat(,s anônimo~ ao longo dos tíltímo~ 250
anus" ·13, provcnklltC> ua cuk\-ãu pc>sual U\: Ruuuf:.ky. Entre a~'USto" >Ctcmuru do IllCS1IIU :lllu_, aurc a
mustr.t Rol!ds (E>tr;l(h>), (JU(: "ilustr.t a complcxithtJ(: Jas t(:cém·cun>truíJas auto(:>tr;tda> c sugere yuc
podemos atu,úmeme ver um tipo tot;umeme novo de ;lrquitewm, inspir,tda e condicionada pebs
rodovia;"!.':·. E dois anos d..-pois, entre outubro e novembro de 1963, é inaugura~i.t <I exposiçiio Staics
(f. 5<~ad ~s;. que é des.~rita <~o mo "um trat~(io l~ment.oso sobre um elemento d ~ <l rqu it.etu r" em grande
par!e desço11heddo par~ os habiwés de .~\Jt!O fôlego da.s escadas rohnt:es e elevadores"'~·. :\lém dem1s
rrês. RndotSky ramb~m propõe Street~, An:ad.:s and Ga/Je1·ies (Rua.~. Arcadas e Galeria.~)- que deveria
ser ahe1·ra em 1967, mas é cancelada. porém uan<formacla por RmiotNky no livro Streets fi)r People,
publicado em 1969, c que sc1·á comentado mais adiante- c 'f'hc Ourdoor Rnom {O Cômodo ao Ar-
livre), que também é cancelada·~~- De roda torma. é deste mesmo conjunto de encomenda~ que
tlnalmcnrc nasce a mais famosa d.c rodas as cxposic;:ócs organi7.adas por Rudo&ky, Archirccrurc
\Vithout .Archirccr.Y (Arquitetura sem Arquitetos), que ahrc em novcmhro de 1964.

J:igur.l l.5.JCJ- I•.Jo.pd.,·i~,·.m l{l,,Jt~-., rw :V~u,\íA.. .•'\'4w;r hmjut:, e-; :o; J' 96 J.
Ji4 ~~ 1:x.:: 1, r.::1,:l/m< )f!I.!..C >t~;/,;;,·[;_·n d:J ;-lc..xI.~1,; ~irm.-./_~2 J

1
':' "..:on":slin~ uf nu.;-•.;. i:Ju;\lr:n-..;_: huof<...., anJ Ol;11.:1· ~r:\j>;li-. ltll.Li.ril'J ...:-..-..n.L..:J by :t:nm~·jll\.)U<; Jraii:-.111\.rl :t:1J prinl..:J·s uv..:r Lh..: p:i.'l 25U
y<a~·s·. \{O :VI.\, : ?61a. Jd. (')

u:: ":llusLra>.'!. Lhe ú)J~lpkxll ~· üÚ~(~l'.l.y :,llih hi~hways ~.nd su~~csu: Lll<H w~ :l'.a~· pl'CS~:nl~· !.~;_·a v,.hnl.y n..: \\.' kind oí afdtiL..::nhJ ~- l'l')ad
lmpir<d>:>dro>ckm:dilion<d... MOMA.I~6lb. p.l. (')
l;l "an clc~ilG n:c!l:is,· on a;l d~~1cnc of :uchilcccurc lm·~c:y \tnhuu:li<u :o chc sl:on·windcd habinés of csc.1lH'Ol'S <Uld d~·a:ors-.
MOJY..:\. 196.1. ?· I (')
,., CHARNI'IH. 2tlCJ3, r- 26.
88

fjsu•·• l.5._ll F.:.pusiç:ia SL:tir.... /J1J :\-fo.\.f..ot. :-._r()\·:i lon.;~cc.:.•:m 1963.


Fcu r! a:: Ú! l ~t:l.l:s!(.'li::u J.'·f.:/c. :t/a:J rJ:t;·/a. x!; jJ'ú L:~ J.'l :~·/j J.)6

A exposição A rch icccturc Wichouc Archicccc.• rem uma origem distante na vida c carreira de
Hernani Rndo~sky. Conforme já mencionado anrel'ionnenre, no princípio ela década de 1930,
Rudofsky expõe pela primeira vez alguma5 de suas fowgrafbs da chamalh "arquil:etur:a espotH:ân<"a"
no Deutsche B:wausscdlttll[l Berlin. Além disto, ;w mud:u:·se p:u:l 1\'ova Iorque.. l~erl'a de de:t. ;lnos
dcpuh, Rudutsky propõe pcht primeira va ao 1\-fu~\.fA. uma npusi~:ãu >ol>rc ,mruirctura vcm:\cula, l}IIC
é n,·gada sob o pn:rexto de ser supostamemc "anti·moderna". Emrc 1947 c 1953, em seu "Projeto
sobre a Casa"')\ Rudo&ky começa já a transcender a fascinação visual que obtinha destas imagens c
forogmtla$, e organ i1.a um a esrru rnra e uma relação çon çeí rua! d~ remas qne vão dando çorpo e
l~onsistê-ncia aot:5.o <"Sp<"t:ado projeto. que o pos5ibiliraria de dar continuid~de <1 sua r.etle'll':~o e l~tÍl:k~ <1
respeito da :u:qu itetura modern:l do •Esrilo lnrern,u:ional" - que jà mostrava enr:l.o alguns sinais de
dcsg;tst\:, ma~ nu ..:nmmu pcr~istí:t influ..:nrc nu >cnridu de rc.idt;tr a cumi11ukhtdc da história c de
prceoní:~.ar aspectos recnol6gkos c estéticos que, em sua opinião, alienavam o habitante moderno:

T <.)picos t1ue consram dc1 prupo~ra 1947 induían1: A an-a~ Abligo. não inthistlia, o prindpal
J.lvo na gut·rra modt:rna: Lar anccsrra[ c I li.:imatslü.·bt' [a. mor à casa. em alemão~: Sangut· t'
Solo: A t·asa de r~~oqne; A t'a!>a manufaturada~ O nomadi!>mo é um modo Je ,,..ida?~ O
o,•i;~~jantc dio\rio; T endi:ndas rnignn'Jria..~ nos lddmus t<::UljJOS~ Retorncu· pam tijJO~ de
habita~·ão plimitiHl.- Ca..~;.- r:ull<r. Cabanas ~issc:n c: Quonset~ lliroshima~ lmig:nuues no
nu\· o atnbienct:; c O ddculãu crnjJ~Koratlu. •:•

:•·• V('r ::· 25; p. (l9; r: p. 78.

· '' "''Jo!=ks appca::ing in th~ 1947 proposal1n~:m.h-d: l'h<.· ;uk; Shcl:..x. no r lluhtHI'}'· r~u· maln rarg<:c u: n:o(.k:n y.·m·; Ar:c~stral hom..;
~nd I /('i,;nrs·Jid.,<> Hloo,~;w,i S<:~il; Th: ·r,..,ile•· ~ouse:":·:~(' $hi'.lp-bllilr hcJu*-:; ls non1aclsn· ,., ·w;1y (lfli~e?; ·rhe o.lnWn\lrer; ,\lig•..,ro•)'
89

Os temas mostram uma clara influência de questões relativas ao pós-guerra, mas também aspectos que
vinham crescendo de importância no contexto cultural e arquitetônico, como o desenraizamento, a
mobilidade e o nomadismo, causados sobretudo pelos avanços tecnológicos das telecomunicações e do
transporte. Além disto, o panorama da chamada "Arquitetura Moderna" começa a ser alterado de
maneira importante após a Segunda-Guerra Mundial, abrindo espaço para uma série de questões que
pressionam a sua evolução. Segundo o crítico catalão Josep Maria Montaner (1954), esta evolução é
movida por cinco questões bem definidas. A primeira delas seria a contextualização das abordagens até
então genéricas - e que levavam em conta sobretudo aspectos tecnológicos e universalizadores - em
uma preocupação crescente com a cultura e com a tradição de cada um dos contextos que se pretende
intervir. O segundo aspecto é a renovação do repertório formal, superando os dogmas do "Estilo
Internacional", e enriquecendo as possibilidades compositivas, fugindo de qualquer forma de
maneirismo, formalismo e conformismo. Em terceiro lugar, superar a vontade de ruptura com a
continuidade e com a tradição, e situar os avanços e conquistas obtidos pela "Arquitetura Moderna"
no contexto histórico geral da cultura e da arquitetura. O quarto ponto é a inevitável reflexão e revisão
dos conceitos de urbanização racionalistas, e sobre a forma radical de separar as funções dentro da
cidade e a dependência em princípios cartesianos de planejamento. E por fim, a última questão seria a
mudança de concepção a respeito do usuário para qual a arquitetura deve ser pensada e projetada,
migrando de uma visão focada em um homem ou indivíduo ideal, e chegando na perspectiva do
homem ou mulher comum, humano, real. 135

No início dos anos 1960, quando a proposta de Bernard Rudofsky para a realização de uma exposição
sobre a arquitetura vernácula é finalmente aceita, esta série de questões já se encontram bem difundidas
na discussão dos rumos da cultura e da arquitetura, e, portanto, as possibilidades de relação e
interpretação do público- seja este leigo ou especializado- já poderiam ser recebidas de uma maneira
mais madura e frudfera. Após um longo esforço de convencimento, tanto do museu quanto dos demais
colegas de profissão, para Rudofsky:

A m are virou após Pietro Belluschi, reitor da arquitetura no Instituto de T ecnologia de


Massachusetts, ver o material gráfico. Em uma carta ao presidente da Fundação
Guggenheim, Gordon N . Ray, ele escreveu: "De alguma forma pela primeira vez em minha
longa carreira como arquiteto tive uma visão emocionante d a arquitetura como uma
manifesta~ ão do espírito humano que vai além de estilo c moda c, mais importante, além das
limitações da nossa tradição greco-romana". 116

Entre 1963 e 1964, Bernard Rudofsky é contemplado com uma bolsa da Fundação Ford, e duas da
Fundação Guggenheim 137 - uma vez mais em função das recomendações de arquitetos como "Walter

trends in recent times; Return to primitive dwelling types- Fuller house, N issen and Quonset hut; Hiroshima; Immigrants in the new
environmem; and The packaged citizen". SCOTT, 2000, p. 223 . (')

m ~10NTANER, 1993, p. 8-9,18.

nr, "The tid.e turned afrer Pietro Belluschi, dean ofarchitecture at rhe Massachusetts Institute ofTechnolob'Y• saw rhe picmre material.
In a lcrrcr ro the presidem of thc John Simon Guggenhcím Foundarion, Gordon N. Ray, he wrorc: 'Som ehow for the first time in my
long career as an architect I had an exhilarating glimpse of architecture as a manifestation of the human spirit beyond style and fashion
and., more im portamly, beyond the narrows ofour Roman-Greek tradiríon'." RUDOFSKY, 1977, p. 368. (' )
17
3 GUARNERI, 2003, p. 25.
90

Gropius, Pietro Belluschi, Josep Lluís Sert, Richard N eurra, Gio Ponti e Kenzo Tange [ 1913-2005 ], e
o diretor do Museu, René d'Harnoncourt [1901-1968], todos eles oriundos de países ricos em
arquitetura vernácula" 138, comenta Rudofsky na seção de Agradecimentos do catálogo da exposição-
que o possibilitam de realizar uma longa viagem por oito países para completar toda documentação
necessária para a exposição.

Figura 1.5.32- Exposição Architecture \Vithout Architects, no lvfoi\LA, Nova Iorque, em 1964.
Fonre: hrtp:// moma.org/calendar/ exhibitions/3 459

Archítecrure Wíthout Architects é de uma maneira o ápice de um longo processo de fascinação dos
chamados "arquitetos modernos" pelas estruturas exóticas e vernáculas dos povoados antigos,
sobretudo os do mediterrâneo, desde Adolfloos, Le Corbusier, Bruno Taut (1880-1938), Mies Van
der Rohe, Giuseppe Pagano, Josep Lluís Sert, entre outros. Após a Segunda Guerra Mundial, conforme
mencionado anteriormente, um certo despertar antropológico começa a surgir no meio arquitetônico,
sobretudo como forma de refletir e ponderar sobre os rumos da "Arquitetura Moderna". Desde as
questões de espontaneidade urbana levantadas nos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura
Moderna) a partir de 1951; passando pelo trabalho do casal Peter ( 1923-2003) e Alison Smithson
(1928-1993) e do Team 10 ao longo da década de 1950; pela obra Native Genius in Anonymous
Architecture (Gênio Nativo em Arquitetura Anônima), publicada em 1957 por Sibyl Moholy-Nagy

m "\Valter Gropius, Pietro Belluschi, Josep Lluís Sert, Richard Neutra. Cio Ponti e Kenzo Tange, and th e ivluseum's D irector, Ren é
d'Harnoncourt ali of whom hail from coun tries rich in vernacular architecrure". RUDOFSKY, 1964, p. 1.
91

( 1903-1971); até o trabalho de Aldo Van Eyck (1918-1999), também membro do Team 10, como por
exemplo um artigo sobre a "Arquitetura do Dogon", publicado em 1961. Apesar de tudo isto, o
impacto e a relevância desta questão tomam outras proporções a partir de Architecture Without
Architects. IJ 9

A estratégia de Rudofsky na organização e montagem desta exposição deve ser analisada com cuidado,
pois o objetivo de sua ideia e de sua crítica é muitas vezes confundida com aspectos nostálgicos e, como
já comentado, anti-modernos. Ao longo de toda sua carreira como organizador de exposições,
Rudofsky sempre busca ir além das possibilidades normalmente oferecidas por este meio - como a
coleção e amostragem precisa de uma série de imagens ou objetos- e utiliza-se destas oportunidades
para comunicar e reforçar uma certa ideia que o interessa transmitir. No caso de Architecture
Without Architects, esta estratégia vai desde a escolha do material fotográfico a ser exibido, passando
pela redação precisa e provocadora de legendas explicativas, e culmina na complexa montagem
tridimensional dos painéis no ambiente expositivo.

Durante a preparação da exposição, entre 1960 e 1964, Rudofsky se corresponde com sua ampla rede
de contatos para coletar material, sobretudo fotográfico, que seja interessante e que se encaixe com a
ideia que busca comunicar através da mostra. Com uma linha similar aos seus trabalhos anteriores,
Rudofsky busca traçar uma série de paralelos entre os conceitos de "moderno" e "primitivo",
descontextualizando-os ao comparar uma série de soluções a temporais e milenares, com a lógica formal
e os aspectos semânticos da linguagem "moderna" da arquitetura. Em uma carta ao designer italiano
Bruno Munari (1907-1998), Rudofsky comenta que não busca imagens exóticas ou pitorescas, mas
sim que:

Queremos apresentar o cipo de arquitetura que vá surpreender tanto o arquiteto moderno


quanto o visitante do museu. Tenho grandes esperanças de que você pode ter entre as suas
focogratlas algo verdadeiramente espetacular. O que cu estou pensando não é um
documento sobre arquitetura vernácula, mas edifícios modernos anônimos (ou detalhes),
que a sua câmera pode ter transformado em algo único. 140

ÀJosep Lluís Sert- um dos arquitetos modernos mais conectados à tradição vernácula, sobretudo a
Catalã e das Ilhas Baleares 141 - então coordenador da escola de arquitetura da Universidade de
Harvard, faz um pedido semelhante:

Durante os últimos seis meses temos examinado não apenas livros e periódicos, mas cada
biblioteca c arquivo dentro do nosso alcance, c, embora tenhamos encontrado uma grande
quantidade de material bastante adequado, o que realmente quero são fotografias

m SCOTT, 2000, p. 2 15-2 16.

14'1 "\Ve want to present the kind of architectuJ'e which will astonish bot h the modern architect and t he museum visitor. I have great
hopes thac you may have amongyour phocographs something cruly speccacular. \'i7hac Iam chinking ofis nota documem of vernacular
architecturc but rather anonymous modem buildings (o r dctails) which your camera may havc transformcd into something unique."
RUDOFSKY em 1962 apudSCOTT, 2007, p. 176. (')
141 Sert era um dos membros do GA TCPAC, Grupo dos Artistas e Arquitetos Técnicos Catalães pa1·a o Progresso da Arquitetura
Comemporânea, juntamente com Anconi Bonec i Casrellana, fernando Garda }vler cadal, e J osep T orres C lavé, que foi responsável pela
divulgação da arquitetura racionalista na Catalunha através da revista A C. DoctlillCiltos de Actívídad Contcmpodn ca, cnrrc 193 1 c
1937, que desde a primeira edi ção busca apresentar a arquitetura popula1· e vernácula da região d e uma maneira positiva e inspiradora.
M O NTANER, 1993, p . 16.
92

imaginativas tomadas por arquitetos ou fotógrafos com um olho para a arquitetura


moderna. H 2

Figuras 1.5.33-36- Exposição Architccturc \Víthom Architccts, no i\1oA1A, Nova Iorque, em 1964.
Fonte: hrtp:// moma.org! calendar/exhibitions/ 345 9

Ao artista e designer suíço Max Bill ( 1908-1994) explica ainda que "são bem-vindas fotografias de
casas individuais ou de grupos de casas que possuam interesse particular para o arquiteto moderno e
para o público do nosso museu" 143 • Assim, ao selecionar as imagens que iriam para a exposição dentro
desse amplo universo de fontes - fotografias pessoais, de amigos, arquivos e publicações
antropológicas, militares, geográficas, etc. - Rudofsky tinha em mente esta ideia muito clara do que
exatamente gostaria de comunicar, e para isto de uma certa forma abstrai o conteúdo literal, o contexto
e a origem de cada uma destas imagens, em busca de uma série de organizações e formas geométricas

12
' "!'ar the past six momhs we have scrutinized not only books and periodicals but every libr~lry and archive within reach, and although
we found a grear deal of quite suirable material what I really wanr are imaginative phorographs raken by architect s or phmographers
with an cye for modem architccturc." RUDOFSKY em 1962 ;~pud SCOTT, 2007, p. 176. (')

"wclcomc phorogr;~phs of individual houscs or groups of houscs which havc particular inrcrcst for rhc modcrn architcct and rhc
141

audience of our museum" RUDOFSKY em 1962 apud SCOTT, 2007, p. 176-177. (*)
93

que seriam atraentes e cativantes para o público do Museu, já acostumado- e de certa forma "treinado"
-na estética da arquitetura moderna.

Figuras 1.5.37-40- Exposição Archirecwre W'ithom Architecrs, no 2Hoi\1A, NoYa Iorque, em 1964.
Fome: hrtp://moma.org/calendar!exllihitions/ 3459

Assim, tanto a exposição quanto o seu catálogo apresentam uma série de aproximadamente duzentas
fotografias em preto-e-branco, apresentando uma espécie de "introdução ao mundo desconhecido da
arquitetura sem pedigree ( ... ) [que] por falta de um rótulo genérico, vamos chamar vernácula, anônima,
espontânea, indígena, rural" 144 • As imagens são fixadas em painéis de alumínio seguindo uma série de
145
tamanhos-padrão , e deveriam ser penduradas em uma série de montantes de alumínio
desmontáveis; alguns dos painéis na horizontal, outros na vertical; alguns inclinados, outros
rebaixados; alguns fixados altos, outros baixos. O objetivo era criar uma espécie de labirinto

144
"introducing thc unfamiliar world of non-pcdigrccd architccturc (... ) [that] for want of a gcncric labcl, wc shall cal! it vcrnacular,
anonymous, sponraneous, indigenous, rural". RUDOFSKY, 1964, p. 3. (*)
115 Um painel de título (30x9lcm); um painel com texto introdutório (9lx122cm); 45 painéis com textos e fotografias (9lx30cm); e 75

painéis fotográficos maiores (9lxl22cm e 122x9lcm). SCOTT, 2007, p. 172-175.


94

tridimensional de textos, imagens e vazios, sem uma sequência de circulação ou uma ordem de leitura
pré-definida, e criar assim uma experiência visual e conceitual que se assimilava ao que buscava
transmitir o conteúdo das próprias imagens.

Aberta no MaMA entre 11 de novembro de 1964 e 27 de fevereiro de 1967, a exposição é um sucesso.


Ao mesmo tempo louvada como uma sábia crítica da "Arquitetura Moderna", e rejeitada como um
ataque saudosista e desesperado à uma disciplina naquele momento bastante conturbada, a influência
e o êxito da mostra surpreendem o museu, que prepara imediatamente duas versões idênticas para que
viajassem pelo mundo. Após o MaMA, a mostra ainda circula o globo por quase 12 anos, sendo
apresentada em "oitenta e quatro dos principais museus e galerias desde a Austrália até por detrás da
Cortina de Ferro" 146 , e seu catálogo acaba sendo traduzido em sete idiomas.

Após Architecrure Without Architects, no entanto, a longa relação de Rudofsky com o MaMA
começa a entrar em crise. Como já foi mencionado, em 1967 as duas exposições nas quais Rudofsky
trabalhava- Streets, Arcades and Galleries e The Outdoor Roam- são canceladas, principalmente
em função de diferenças a respeito de seu tom e de seu conteúdo, além de questões financeiras. A boa
relação e a confiança entre Rudofsky e Renê d'Harnoncourt, então diretor do Museu, era o que
assegurava no final das contas sua liberdade e autonomia ao desenvolver este trabalho referente às
exposições. Alguns meses após D 'Harnoncourt morrer subitamente em agosto de 1968, Rudofsky
acaba se desentendendo com Arthur Drexler, e afasta-se dos trabalhos com o museu. 147

Em paralelo a todo este trabalho de organização de exposições, Rudofsky trabalha intensamente como
professor e palestrante durante toda a década de 1960. Em 1961, é convidado a participar da
Conferência de Design de Aspen, e também chamado por Serge Chermayeffpara ser Crítico Visitante
na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Yale. Em 1962, ministra uma série de palestras sobre
o Japão no Centro de Arte Walker, em Minneapolis; em 1965 torna-se Professor Visitante de Arte,
também em Yale; e em 1966 é um dos principais palestrantes durante a Conferência Anual da
American Institute ofArchitects, o AIA (Instituto Americano de Arquitetos), em Seattle.

Em 1969, Rudofsky publica a já mencionada obra Streets for People: a primer for Americans (Ruas
para Pessoas: Uma cartilha para os Americanos), oriunda do material que desenvolve durante a
organização da exposição Streets, Arcades and Galleries. O tema do livro segue uma linha de reflexão
das questões urbanas que surge já no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, em publicações como
"Morte e Vida de Grandes Cidades" da jornalista norte-americanaJane Jacobs (1916-2006), de 1961.
Nas metrópoles daquela época- muitas delas já saturadas em função de seu ritmo desenfreado de
crescimento- os congestionamentos, a poluição, a sujeira, a violência e a segregação social começam a
expor algumas das falhas do modelo racional, automobilístico e funcionalista que domina o
crescimento das cidades, sobretudo as europeias e norte-americanas, desde o final do século XIX.

Hó "eíghty-four major m useums and galleries from Australia ali the way co behind che Iron Curcain" RUDOFSKY, 1977, p. 368. (' )
147
GUARNERI, 2003. p.26.
95

fignra 1.5.41- Cow<n Vuwcci, Pcmghr, Td{i;J.. fnrn de Nrulnf.<ky. Fnntc: N lf[)()fSKY, 1%9,p. 107.

Em Screecs for People - como pode ser sugerido pelo subdrulo - Rudofsky consrrói uma crítica
sobretudo à realidade urbana e suburbana norte-americana, e nesta obra as "ruas americanas são
contrastadas com exemplos de uma dúzia de p;úses ocidentais, e com as ruas asiáticas e africanas,
aqueles grandes observatórios do comportamento humano" 148 • Ruas cobertas c elevadas, o uso de
fontes e bebedouros, e o desenho mais generoso de escadarias cujas fimçües transcendam a mera
circulação vertical, são alguns dos temas abordados por Rudofsky, além da valorização do hábito de
"tlanar'' pela cidade, e de comer e beber ao ar livre e em ambientes públicos e urbanos. A maior parte
dos relatos e imagens apresentados por Rudofsky - oriundos principalmente das milenares cidades
italianas, admiradas pela predominância da escala humana e peatonal- exaltam os aspectos sensoriais
e ambientais proporcionados pelas situações e percursos que os pedestres vivenciam neste tipo de
arquitetura urbana:

A Itália representa o espelho retrovisor da civilização ocidental. Assim como suas vilas foram
sempre estudos de caso de urbanidade, suas mas -aparentemente antiquadas, mas mesmo
em breve exame modelos ainda v~Hidos, e realmeme oriemados para o fumro- estão cheias
do tipo de in~piraçáo que díspen~a reorizaçáo. 14~

··'' • American st.reers ar·~ con~ras~ed wir.h ex;1mples from a do7.en \Vest~m counr.1·i~s. and wirh Asian and Afdcan sr.reer.s. t.hos~ g1·ear
oh.~crvatorics ofhuman bchavior'. RUDOFSKY, 196':1, p.20 (')
:·w~lr,Ü~ represc:-ms thc:- rc:-,1r-vi~w mirror of\Vc:-stern t~ivili:.:ation.Just ,1shc:-r rowns have always been rest t~ases of urb,uüry,her srreers-
sccrningly a.nti<)Uatcd bm cvcn on bricfcxamination srill valid, indccd fiuurc·oricntarcd modds- are full ofthcsort ofinspil·a.rion rhar
comes witho\r~ r.heori7ing". Rl;DOI'SKY, 1969, p.20. (•)
96

Como de costume, Rudof>ky passa alguns meses de todos os anos no velho mundo e, durante o verão
de 1969, encontra algo que busca há anos: o terreno ideal para construir uma casa para ele c Berta,
próximo à Málaga, na costa da Espanha. A casa é construída entre 1970 e 1971, e a partir deste
momento vira a base do casal Rudofsky para suas excursões pela Europa e pelo mundo, e também
refúgio de trabalho e descanso durante todos os verões dai em diante. Além de ser a última obra
arquitetônica a ser construída por Rudorsky, La Casa- que é como ele e Berra apelidam esta casa- é
a única obra que constrói para si mesmo. Assim - ao contrário de todas os projetos anteriores, que
deveriam antes de tudo respeitar e adequar-se às necessidades de seus habitantes - neste projeto
Rudofsky tem por fim a oportunidade de experimentar com grande parte dos aspectos referentes ao
habitar que estuda e busca divulgar ao longo de toda a sua carreira.

Figura 1.5.42- Trabalhos prévios,\ obra: a a;uda de Berra (ao ccnrro) no conhcdmcnro da ropograila.
La Ca,a, Frigiliana, Espanha, dt: Bcrnard RndofSky, 1969-71. Fonte: LOREN; ROAIERO, 2014, p. 55.

O lote escolhido por Berta e Bernard Rudofsky para a construção de sua casa, mesmo com suas
inúmeras referências ao Mar Mediterrâneo e aos benefícios da vida na costa, é situado em uma zona
rural, a cerca de três quilômetros do litoral. Aproveitando uma distante vista ao mar, e assentando-se
sobre um pedaço de terra coberto por um antigo olival, Rudof.~ky busca a serenidade da vida
Mediterrânea, mas afasta-se do burburinho turístico que já invadia a costa da Espanha nesta época150•
A implantação da casa se apega desde o início às características dadas do terreno, e para isto o casal
documenta exaustivamente através de fotografias e levantamento topográficos todas as nuances do
relevo e também a posição e natureza de cada uma das árvores do lote de cerca de quatro mil metros

'~0 LORF.N, 2014, p. 36.


97

quadrados. Assim, a locação da casa respeita os taludes agrícolas existentes, e insere-a de forma
articulada e fragmentada por entre as árvores, seja no corpo principal da casa, ou nos elementos que
avançam sobre o terreno, como a pérgola, os terraços e a piscina. A casa em si ocupa a cota mais alta da
propriedade, próximo à via de acesso, e alinha-se paralela ao eixo norte sul, abrindo-se para o leste, em
direção à descida do terreno, e fechando-se para o oeste, protegendo-se assim do sol poente e mantendo
a privacidade em direção à esta via de acesso.

Figura 1.5.43- Vista da casa desde o Oeste, com o 1\iar lvfediterrâneo ao firndo.
La Casa, Frigiliana, Espanha, de Bemard Rudof~ky, 1969-71. Fonte: GUARNERJ, 2011, p . 84-85.

Como não possui registro legal de arquiteto na Espanha, Rudofsky pede auxílio ao amigo e arquiteto
catalão Josep Antoni Coderch (1913-1984), com o qual mantém intensa correspondência durante
todo o processo de projeto e construção, e que assina para Rudofsky a autoria do projeto perante os
órgãos legais. Em toda esta comunicação, Rudofsky explícita desde sempre a intenção de não construir
um projeto autoral, mas sim uma interpretação contemporânea da arquitetura local. Na primeira
carta, em novembro de 1969, afirma que deseja construir uma "casa de quinta", rústica. Duas semanas
depois, explícita que a modéstia deve caracterizar a casa de qualquer maneira, definindo-a inclusive
como "casa sem arquitetura", uma arquitetura que não se mostre, e que nasça com a vocação de
desaparecer no contexto e na paisagem construída e natural da região 151 •

Assim, o projeto respeita de forma integral rodas as cotas do terreno, as pedras, a terra, as árvores, os
arbustos, e os taludes existentes de cultivo. Para tal, a casa implanta-se em uma sequência de cinco
níveis distintos, com uma série de volumes fragmentados e conectados, articulando-se por sobre a

1 1
5 LOREN, 2014, p. 36-37.
98

topografia e entre as oliveiras. Além disto, não há nenhuma intervenção paisagística artificial, tal como
o plantio de gramados, flores e outros elementos arbóreos, e a casa adapta-se quase que integralmente
à situação que encontram Berta e Bernard ao chegarem pela primeira vez ao terreno. No entanto, a
intenção do desenho não é de mimetizar a natureza ou de aproximar-se de forma orgânica ao projeto.
Os elementos construídos são todos planos, cúbicos, lisos, com arestas vivas, demarcando precisamente
a diferença entre o que é artificial e o que é natural, aspecto que sempre foi defendido, e que aparece
em toda a obra arquitetônica construída e não construída de Rudofsky.

Figuras 1.5.44 -45 (esq.) - Vista geral (acima) c aproximada da fachada leste (abaixo).
La Casa, Frigilúuw, Espanha, de Bermrd Rudofsky, 1969-71. Fonte: LOREN; R O MERO, 2014, p. 58.

Figuras 1.5.46-47 (dir.) - A1uro em "L" com aberturas para a passagem dos galhos de tJma Alfarrobcira.
La Casa, Frígi/iana, Espanha, de Bernard Rudof;-ky, 1969-71. Fonte: LOREN; ROMfRO, 201 4, p. 68.

Além do corpo principal da casa, uma retícula de delgadas vigas e pilares ocupa o terreno, formando
uma espécie de pérgola que domina e modula parte do solo, mas não constrói solidamente sobre ele -
com exceção da área da piscina - semelhante a pérgola desenvolvida por Rudofsky para a Casa-Jardim
Nivola 152• Uma tentativa de marcar a presença humana, mas de forma muito sutil, criando uma série
de itinerários e espaços ao ar livre que dialogam com o relevo e com a vegetação. Além da pérgola, outra
semelhança importante pode ser notada entre La Ca~·a e a Casa-Jardim Nivola, que é a parede
penetrada pelos galhos de uma árvore. Ao contrário deste precedente - que apresentava um muro
simples, autoportante, com uma única abertura para a passagem do galho de uma macieira - neste
projeto Rudofsky cria uma variação mais complexa, com um muro em forma de L, apoiado sobre a

152
Ver p. 75
99

topografia irregular, e com urna série de aberturas para a pa.ssagem de muitos galhos, tornando o dtito
ainda mais interessante. O fugaz ddto da sombra das tolhas na superfície branca do muro é capturado
por Rudof~ky em várias de suas ~otograflas.

()
Figura 1.5.411 -1'lama Haix.1 indicmdo a casa (acima); a pérgol::t (cmrm/; ;1 parede em «L'' com ::t L1lfãl'J'obcira (esq.); a piscina
{;li>:li~o); c ~l~ tÍI'\'0/'e.-. c~;..~renre.-. llO hne, en?l.OI'IlO dmt (JU<l;,o; rodo.'i. o.~ e.'ip;lç.o.'i ;tu.el'ior'e.'i e exl.CI'iorc." ...c ccm(ornhlH~.
L:l Ü1s:l, higili:m:1. üp:mh:t, d<: Rcrmrd Rudotik.y, 196.9..71. foJm:; G Ui\1{1\/l!RL 2007, p. 139.

O imerior da casa destaca uma vez mais a tendência frugal da arquitecura de Rudof~ky, e apresenta
uma série de elementos característicos tanto de sua obra arquitetônica, quanto do seu discurso sobre a
domesticidade. Além da já mencionada simplicidade construtiva- que respeita o contexto e a tradição
local, sem grandes invenções formais- a proposta de Rudofsky artkuh uma série de ambiente~ que
buscam responder à necessidade de liberação do indivíduo dentro da intimidade de sua casa, e também
às necessidades sen.soríais e sensuais tão valori:t,adas pelo arquiteto. A phl.nta da casa articula-se em duas
zonas: a mna mais pública situada à norrc, com cozinha, sala de estar c o vestíbulo de acesso; c a zona
íntima ao sul, com o dormitório, banheiro, c.~túdio, um pátio Íntimo, além da garagem. Ambas zona.~
são conectadas pelo amplo terraço coberto, uma espécie de loggia, que articula camhém os níveis e a
100

relação do corpo principal da casa com o espaço aberto e exterior, ditando o ritmo da já mencionada
pérgola que se estende pelo terreno, e escancarando uma de suas fàces - voltada para o leste - à
paisagem, às vistas e ao sol matutino.

Figura 1.5.49- Yisf<l inrema do esnídio de RudofSk}~ comum div<í emburido e tllll cnmboure junro <tmesa de rraballw.
Lt Casa, Frigiliana, E>p<ullw, de Bcmard RwlofSky, 1969-71. Fome: LOREN; ROMERO, 2014, p. 71.

Respondendo a cada um dos chamados aspectos essenciais do habitar- comer, sentar, higiene, banho
e dormir, que serão explorados em detalhe na segunda parte deste trabalho - Rudofsky usa La Casa
como uma espécie de consolidação de toda a sua crítica à vida doméstica, e para isto utiliza um refinado
cuidado com a ambientação c cenografia de cada um dos ambientes na hora de fotografá-los,
expressando em cada um deles, de maneira direta ou indireta, estas ideias que permeiam toda o seu
repertório conceitual. A cozinha é conectada à uma "sala de jantar ao ar-livre", que é fotografada com
elementos de uma dieta caracteristicamente mediterrânea, mas com alguns quimonos pendurados ao
fundo. Quase todos os ambientes aparecem mobiliados com tamboretes ou assentos embutidos de
alvenaria - especialmente a loggia - pontuando a rejeição de Rudofsky à cadeira convencional como
alternativa única e dominante para sentar-se. O banheiro - que separa o ambiente de banhar-se do
vaso sanitário, como pode ser observado na planta baixa - é dominado por uma ampla e espartana
banheira, solta em três dos seus lados e posicionada em alinhamento com uma janela, dotando-a de
uma dimensão l]Uase ritualística ou sagrada. E por flm, como sempre prega a intimidade e a privacidade
como um dos valores mais importantes - porém ignorados - na cultura ocidental da atualidade, não é
possível encontrar em publicação alguma fotografia ou l}ualquer referência ao quarto do casal
Rudofsk)' . Há' no entanto , uma valorizacão foroo-ráflca
b~
do pátio íntimo' um elemento imprescindível
em todos os projetos de Rudofsl'Y - neste caso relacionado diretamente com o quarto do casal.
101

Figura 1.5.50- espaço do pátio íntimo, conf(Jrmado pelas oli\'tiras existentes, definido no programa como "banho do sol da tarde", e
dcvid;uncJltc "mobiliado" com t;unborcrcs, uma esteira, um livro c saw-lâli<lS japonesas
La Casa, frigiliana, Espanha, de Bernard Rudofsky, 1969-71. rome: LORcN; ROMt.'RO, 20 I 4, p. 46.

Em 1971, Rudofsky publica o livro The Unfashionable Human Body(O Corpo Humano Fora de
Moda), onde revisita os temas trabalhados pela exposição e livro Are Clothes Modem?. No mesmo
ano, recebe uma nova bolsa da Fundação Guggenheim, e com ela tenta, sem sucesso, transformar seu
bem-sucedido livro Streets for People em uma exposição no Museu Whitney de Arte Americana, em
Nova Iorque. Na segunda metade de 1972, o maestro e violinista Yehudi Menuhin (1916-1999)- um
dos administradores da Fundação Edward ]ames, poeta britânico conhecido por ter sido patrono do
movimento de arte surrealista - convida Rudofsky para mudar-se para a Inglaterra, onde seria
responsável por organizar e abrir uma nova escola de arquitetura no West Dean College, próximo da
cidade de Chicester. Com isto, em abril de 1973 Rudofsky deixa Nova Iorque rumo à Londres, onde
teria a oportunidade de botar em prática muitas de suas ideias sobre o ensino da arquitetura,
principalmente após sua experiência em Yale, anos antes. No ano seguinte, no entanto, a primeira
turma do curso acaba cancelada, devido à pouca procura dos estudantes. Assim, em 1974 Rudofsky
muda-se novamente, desta vez para Copenhagen, onde trabalha como professor convidado de
arquitetura na Royal Academy ofFine Arts durante o ano de 1975. Entre o final deste ano e o início
de 1976, Rudofsky passa o inverno nas Ilhas Canárias, retornando logo em seguida aos Estados
Unidos, após uma ausência de quase três anos. 153

No ano de 1977, após o grande sucesso de vendas de muitos de seus livros- até o final de 1975, haviam
sido vendidas 65.000 cópias de Arcllitecture Without Architects; 8.000 cópias de The Unf1shionable

153 GUARNERI, 2003, p. 28.


102

Human Body, 16.700 cópias de The Kimono Mind; e 22.000 cópias de Streets for People- Rudofsky
decide lançar o livro The Prodigious Builders: notes toward a natural history o f architecture with
special regard to those species that are traditionally neglected or downright ignored 154, uma
versão mais ampliada e detalhada de toda a reflexão sobre a arquitetura vernácula que apresenta em
Architecture Without Architects, contando com 383 páginas e 311 imagens- sendo mais de 100
destas suas próprias fotografias - e com argumentos mais detalhados em forma de texto. No verão
deste mesmo ano, volta à Viena pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, e lá recebe a
Prechtl-Medaille da Technische Universitat, onde se formou. Em 1978 forma parte do Conselho
Consultivo da revista japonesa Process Architecture; em 1979 recebe da AIA sua Medalha para as
Artes Visuais; e em 1980 participa novamente como palestrante da Conferencia Internacional de
Design de Aspen, dirigida então por Moshe Safdie (1938). Entre 1978 e 1984 recebe uma série de
bolsas que o permitem desenvolver uma renovada e detalhada pesquisa sobre um de seus temas
favoritos: os pés e os calçados, cujo livro resultante- incompleto e não publicado- se chamaria Pieds
Nus, Pieds Chaussés (Pés Nus, Pés Calçados, em francês). 155

Como pesquisador do Instituto Smithsonian, Rudofsky organiza em 1980 no Museu Cooper-Hewitt,


de Nova Iorque, a exposição Now I Lay Me Down to Eat: Notes and Footnotes on the Lost Art
of Livingl 56 - com o apoio de Lisa Taylor (1933-1991), então diretora do museu- com um livro
homônimo publicado em conjunto. Tanto a exposição quanto o livro retomam a constante
preocupação de Rudofskycom a "Arte de Viver", presente em seu discurso desde os anos 1930, quando
vivia na Itália, e já levantada em seu livro Behind the Picture Window. A descrição de Now I Lay Me
Down to Eat, em sua contracapa, resume bem o conteúdo abordado, que será examinado com detalhe
na segunda parte desta dissertação:

"Now I Lay A-fe Down to Eat" é um comentário sobre a instabilidade das ideias e ideais que
moldam o nosso modo de vida. Modesto em tamanho, mas amplo em objetivo, este livro
examina cinco funções básicas - comer, dormir, sentar, limpar-se e o banho - no espelho
retrovisor do conhecimento acumulado da humanidade. Tomando seu cículo a partir das
maneiras i mesa na Última Ceia, que inevitavelmente levam ao endosso do Senhor de beber
vinho e comer co m os dedos. Discorre sobre o declínio do garfo desde um instrumento para
erguer o estrume até um para erg11er comida. Revela a nocividade das cadeiras e toca sobre o
papel dos balanços e cadeiras de balanço como auxiliares da masturbação. Fala da
necessidade dos mictórios de bolso; das vítimas em nossa batalha contra o bidé; do
abominável papel higiénico. Exalta o banho co nviva! do passado e do presente, mais
particularmente, os prazeres esquecidos de banquetes balneares. Contudo, não se destina
nem a espalhar heresias perigosas nem a minar o nosso direito de tomar a pior das decisões
possíveis. Pelo contrário, demonstra por meio de ilustrações persuasivas que a vida pode ser
menos chata do que a f.1zcmos.1s7

154
"Construtores Prodigiosos: notas sobr e uma história natUI·al da arquitetura com atenção especial para aquelas espécies que são
rradicionalmeme negligenciadas ou completameme ignoradas". RUDOFSKY, 1977. (•)
1
" GUARNERI, 2003, p. 28.

m "Agora me Deíro Para Comer: Notas e notas de rodapé sobr e a desaparecídaAne de Viver". RUDOJ-SKY, 1980. (' )

"Now I Lay k!e Down To ~·at is a commemary on the insrabíliry of rhe ideas and ideals rhar shape our way oflífe. Modesr in size but
1 7
'

broad in aim, this book examines fívc basíc function s - catín g, slccpíng. sírríng, clcansín g, and bathíng - ín rhc rcarvícw mírror of
humankínd's accum ularcd knmvlcdgc. Takíng irs ridc from chc rablc manncrs ar rhc Lasr Suppcr, ír incvirably lcads ro thc Lord's
103

Em 1985, Rudofsky viaja para a Índia para fazer parte do programa Golden Eye, uma colaboração
entre designers e arquitetos, americanos e europeus, com artesãos indianos. O programa, também
organizado pelo Instituto Smithsonian através do Museu Copper-Hewitt, se converte em uma
exposição, aberta no museu entre novembro de 1985 e fevereiro de 1986, contando com obras de
designers como Frei Otto (1925-2015), Ettore Sottsass (1917-2007), e o próprio Rudofsky, entre
outros, todas fabricadas na Índia em conjunto com os artesãos locais.

Figura 1.5.51 - Exposição Sparra/Sybaris, no lvfAK, Viena, em 1987. Instalação "Um lugar ideal para dormir".
Fome: \1?ELZJG, 2007, p. 79.

Entre o final de 1986 e o início de 1987, Rudofsky viaja à Viena, onde é convidado por Peter Noever
(1941)- então diretor do Musewn fiir angewandte Kunst, MAK (Museu de Artes Aplicadas) -para
organizar uma exposição sobre o tema que lhe era mais querido: a "arte de viver", incluindo o vestuário
e os calçados. Organizada como uma continuação dos argumentos tanto de Behínd che Picture
Window, de 1955, quanto de Now I Lay me Down to Eat, de 1980, esta viria a ser a última exposição
e publicação de Rudofsky, e a primeira em alemão. A exposição é denominada Sparta I Sybaris, uma
alusão à duas cidades da antiguidade que possuíam estilos de vida completamente opostos: a
disciplinada, austera e frugal Esparta; e a sensual, luxuriosa e hedonista Síbaris. Segundo Rudofsky, esta
tensão entre o frugal e o sensual é justamente o que deveria guiar a vida cotidiana, especialmente a
doméstica, e para isto baseia sempre seus argumentos sobretudo nas arquiteturas e no estilo de vida
dos povos do mediterrâneo e também do Japão.

endorsement of drinking wine and eating with one's 6.ngers. Ir expmiates on rhe fork's declin e from an insrrumem for pitching dung to
onc for pitching food. It rcvcals thc noxiousncss of chairs and touchcs upon thc role of swings and rockcrs as aids to masturbation. It
speaks of the need for pocket urinals; o f the casualties in our battle against rhe bidet; of the abominable toiler paper. Ir exrols rhe convivial
bath of past and present, more espedally the forgntten pleasures nf balneal banquets. \Vithal, it is meant neither to spread thmgerous
heresies nor to undermine our birthright to make the worst of possible choices. Rather it demonstrares by mem1s of persuasive
illustrarions rhat life can be less dull than we make it.'' RUDOFSKY, 1980, cont racapa. (•)
104

Além do seu conhecido repertório de Üustrações iconoclastas, para esta exposição Rudotsky planeja
deralhadamence algumas instalações que buscam, de uma maneira um tanto quanto teatral,
representar na escala real os conceitos sensuais e sensoriais que busca disseminar. Um exemplo é a
instalação "Um lugar ideal para dormir", composta de uma ampla superfície forrada de tacames, com
um fucon para dormir ao centro, coberto por um grande mosquiteiro, quase da dimensão de um quarto
convencional. Além desta, Rudofsky exibe também o que chama de "O banho convival", onde uma
série de manequins Üustram um banho coletivo e amigável, sentados confortavelmente em amplas
banhdras de madeira, com um forro de pitorescas pinturas renascentistas ou barrocas, c com uma
iluminação calorosa e dramática.

No livro Sparta/Sybaris -publicado em 1987, simultaneamente à exposição - com o subtítulo em


alemão, "Keine neue Bauweise, eine neue Lebensweise tut not", Rudofsky de alguma maneira acaba
fechando um parêntese que abre quase cinquenta anos antes, no título de um dos seus primeiros artigos
para a revista Donms, em março de 1938: "Non ci vuole un Imovo modo di costmire ci vuole un nuovo
modo di vívere". A tradução de ambos significa, à grosso modo, a mesma coisa, que talvez seja uma de
suas principais lições: ''Não é preciso um novo modo de construir, é preciso um novo modo de viver".

Figura 1.5.52" J.:xposiç;ío Sparta/.'iyharis, no ;\-1AK, "1/íena, em 19H7. lnsr,llaç5.o "()banho conviva/".
Funte CUARNERL 2007, p. 135.

Bernard Rudof~ky morre de câncer no dia 12 de março de 1988, aos 82 anos, em Nova Iorque. Após
sua morte, Berta vive alternadamente entre Viena, Nova Iorque e Frigiliana, morrendo em 22 de junho
de 2006, em Viena.
2. A ESSÊNCIA DO HABITAR

non ci vuole un nuovo modo di costruire ci vuole un nuovo modo di vivere


Figura 2 .01 (pJgúw anrerior) - "Niio é preciso llm novo modo de cmHrnzir, é preci so llm nm•o modo de viver''.
Fon te: RUDOFSJ\.'Y, 1938b, p. 6-7.
107

Como devemos falar dessas "coisas comuns", como ao invés disso rastreá-las, como expulsá-
las, arrancá-las da escória em que permanecem aroladas, como dar-lhes um sentido, uma
língua, para deixá-las, finalmente, falar do que são, do que somos.

O que é necessário talvez é finalmente fUndarmos a nossa própria antropologia, uma que
fàle sobre nós, que procure em nós mesmos o que há tanro tempo temos roubado dos outros.
Não mais o exótico, mas o endótico.

Questionar aquilo que parece tão corriqueiro que tenhamos esquecido as suas origens. Para
redescobrir algo do espanto que Júlio Verne ou seus leitores possam ter sentido ao se
depararem com um aparelho capaz de reproduzir e transportar sons. Pois o espanto existiu,
juntamente com milhares de outros, e são eles que têm nos moldado.

O que precisamos questionar é tijolos, concreto, vidro, nossos modos à mesa, nossos
utensílios, nossas ferramentas, a forma como gastamos nosso tempo, nossos ritmos.
Questionar aquilo que parece ter deixado para sempre de nos surpreender. Vivemos, é
verdade, respiramos, é verdade; nós caminhamos, nós vamos lá embaixo, nós nos sentamos
em uma mesa para comer, nós nos deitamos em uma cama para dormir. Como? Onde?
Quando? Por quê?m

O trecho citado acima, do escritor francês Georges Perec (1936-1982), incita uma perspectiva de
mundo crítica, curiosa, investigativa e desconfiada que se assemelha muito à visão da arquitetura e da
vida doméstica que possuía Bernard Rudofsky. A reflexão sobre a chamada "arte de viver" é um dos
temas mais constantes ao longo de toda a obra de Rudofsky, sobretudo em suas publicações e
exposições: desde artigos publicados na revista Donms, nos anos 1930; passando pelo livro Behind the
Picture Window, de 195 5; até as exposições e respectivos catálogos de Now I Lay Me Down to Eat-
aberta em 1980 no Museu Copper-Hewitt de Nova Iorque- e finalmente Sparta I Sybaris, aberta no
MAK de Viena, em 1987. Segundo o autor, a intenção inicial desta série de publicações teria sido dar
"um voto de não confiança contra os então profetas de uma arquitetura moderna espúria" 159 •

Um destes artigos, publicados na revista Domus de março de 1938 com tÍtulo "Não é preciso um novo
modo de construir, é preciso um novo modo de viver" 160, expressa justamente o foco desta questão
para Rudofsky, que acredita que os aspectos tecnológicos, industriais e construtivos que gradualmente
realizavam a máxima deLe Corbusier de que "a casa é uma máquina de morar", não necessariamente

J>i "How are we co speak of these 'common things', how co crack them down racher, how to flush them ouc, wresc chem from che dross

in which they remain mired, how to give them a meaning, a tongue, to lec them, finally, speak of what is, of what we are.

\X'hat's needed perhaps is finally to found our own anthropolob'Y• one thac will speak about us, w illlook in oursdves for what for so long
we've been pillaging fi'Om others. Not t he exotic anymore, but the en dotic.

To question what seems so much a matter of course that we've forgotten its origins. To rediscover somethingofthe astonishment that
Jules Verne or his readers may have fdc faced wich an apparacu s capable of reproducingand cransporting sounds. For che asronishmenc
cxistcd, alongwírh rhousands of othcrs, and it's thcy>vhích havc mouldcd us.

\Vhat wc nccd to qucstíon ís brícks, concrctc, glass, our rablc manncrs, our utcnsils, our tools, thc way w c spcnd our time, our rhythms.
To question t hat which seems to have ceased forever to astonish us. \Ve live, tnte, we breathe, true; we walk, we go downstairs, we sit at
a cable ín order to eac, we lie down on a bed on order to sleep. How? Where ? \Vhen? \Vhy?" PEREC, 2001, p . 178. (*)
1
'~ "a vote of no confidence agaínsc che chen prophecs of a spuriou s modem ar chicecture". RUDOFSKY, 1980, p . 5. (*)

Jr.l "Non ci vuole un nuovo modo di costrui re ci vuole un nuovo modo di vivere". RUDOFSKY, 1938b, p. 6. (')
108

melhorariam substancialmente a qualidade de vida das pessoas, cada vez mais condicionadas a atribuir
sua pretensa felicidade "à uma fonte interminável de coisas que [elas] não precisam" 161 •

Supondo-se que, no futuro, poderemos ser capazes de viver a vida de seres humanos, a casa
do homem terá de tornar-se uma vez mais um inscrumenw para a vida, ao invés de ser uma
máquina para morar. Isso tària toda a diferença em nossa atitude - a diferença entre tocar
um violino e uma jukebox. 11' 2

Figura 2.02 • "lvfachine à Habirer". Villa Savoye, d e L e Corbm·i<:r, o epíwme da "1\lfáquina d e Aiorar". Fonte: Acervo do Autor.

Com o passar dos anos, no entanto, Rudofsky- desacreditado talvez com os rumos da disciplina, ou
sentindo-se incapaz de comunicar suas ideias de forma eficaz aos arquitetos - desloca o foco de sua
produção para a conscientização dos leigos, dos cidadãos comuns, seja através de seus livros e artigos,
ou então das inúmeras exposições que acaba organizando. Muito mais do que uma discussão direta a
respeito de aspectos arquitetônicos, espaciais ou construtivos, o que realmente interessa à Rudofsky
são "certos aspectos da casa moderna convencional e da vida doméstica na medida que esta é afetada
por esta casa" 163 . Através da exposição, discussão e desconstrução destes aspectos domésticos - que
pouco são questionados ou contestados, e que raramente afastam-se do lugar-comum- o autor não

16 1
"ro an unending supply oh hings h e does no need". RUDOI:'SKY, 1980, p. 12. (")
1 2
~> Assuming rhat in rhe fmure we shall be able to live che lives of humans, rhe house of man will have to become once more an
inscrumcnt for living, instcad ofbcíng a machinc for living. This would makc ali thc diffcrcncc in our attitudc- th c diffcrcncc b ccwccn
playinga violin anda jukebox. RUDOFSKY, 1955, p. 201. (' )
103
"cerrain aspeccs of che convencional modem house and wich life ar home as fas as it is affecced by chac house". RU DOFSKY, 1955.
p.3.(*)
109

busca "dizer ao leitor o que é bom para ele, mas sim estimular suas faculdades críticas" 164• Nestas obras,
tais aspectos normalmente referem-se à algumas funções essenciais e protagonistas do ambiente
doméstico, como comer, sentar, dormir, a higiene, o banho, o lazer, etc. A estratégia crucial para que
seja cumprida esta missão didática do autor é- sempre que possível, e de forma bastante perspicaz-
deslocar estas funções de seus contextos familiares e provocar no leitor uma contestação reflexiva sobre
elas através de abordagens pouco usuais. Segundo Rudofsky, por exemplo, "nossa tendência de
confundir alimentar-se com comer, lavar-se com tomar banho, tédio com o lazer, acabou degradando
a substância da domesticidade" 165 . A exagerada ênfase na racionalização da vida doméstica a partir do
princípio do século XX acaba alienando o habitante dentro de sua própria casa, levando o autor
inclusive a referir-se a ele como "prisioneiro" no subtítulo de Behind the Picture Window: "Um livro
não convencional sobre a convencional casa moderna e os modos incompreensíveis de seus
prisioneiros" 166 •

Tão desorientado de está [em sua casa] que está perdendo o controle de suas próprias
funções. A cozinha é pouco mais do que um lugar para armazenar e aquecer alimentos. O
chamado banheiro serve apenas para lavar-se e evacuar. A sala de estar foi transformada no
tipo mais cruel de auditório, imprópria para o convívio, e provavelmente nenhuma outra
civilização produziu jardins tão melancólicos como o nosso; estética à parte, nossos
gramados frontais e quintais de fundos suburbanos são um gigantesco desperdício de
potencial espaço ao ar livre. 167

Uma das causas desta situação, segundo ele, seria a excessiva mecanização das tarefas e atividades
domésticas, que acabam deslocando as reais necessidades humanas indispensáveis para o bem-estar
para longe do contato tátil dos habitantes e entre eles. Em sua linha Epicurista de pensamento, este
bem-estar depende justamente da liberdade que somente o ambiente privado e Íntimo da casa pode
oferecer, e das possibilidades de usufruir dentro dela de prazeres naturais, sensoriais, e também
sensuais. Rudofsky preconiza, portanto, que há uma oportunidade de que estes aspectos humanos, da
intimidade e da privacidade, sejam uma vez mais retomados, e que as relações de sociabilidade se
tornem protagonistas no âmbito da casa. Para isto, no entanto, se faz necessário ponderar sobre todas
estas atividades essenciais de uma maneira distinta da frieza mecânica e do racionalismo que
caracterizam o pensamento moderno:

O centro das atenções é menos sobre as coisas feitas pelo homem do que sobre o próprio
homem. Não as amenidades de sua casa, mas o seu estilo de vida, entra para analise; não os
móveis de sentar, mas a postura; não a mecanização dos meios de limpeza, mas a própria
limpeza; não o que é mais avanr,:ado, mas o conforto c o bem-estar atcmporais. Em outras
palavras, a casa- ou para usar o jargão de construtores e corretores, O Lar- não é avaliada

11-4 "tell the reader what is good for him, butto st imulate hiscritical faculties". RUDOFSKY 1980, p . 12. (')

11>5 "ou r tendency to confuse feeding with eating. washing with bathing, bo1·edom with leisure, has debased t he substance of domesticity"
RUDOFSKY, 1980, p. 13. (*)
166 "An unconventional book on the conventional modem house and the inscrutable ways ofits inmates" RUDOFSKY, 1955. (*)

167 "So mixed up is he rhat h e is losing track ofíts very fimctions. The kitchen is lirde more rhan a p lace for stor ing and warming food.
T hc so-callcd bathroom mcrcly serves for washing and cvacuating. The livingroom h as becn turncd into rhc m can cst sort of auditori um,
unfit for conviviality, and p mbably no other civilization has produced gardens as melancholy as ours; aesthetics apart, our suburban
front lawns and backyards are a gigamíc waste of potencial outdoor líving space." RUDOFSKY, 195 5, p. 8. (')
110

como uma vitrine para o consumo conspícuo, mas sim como a arena de nossas travessuras
indizíveis. 168

Como em todas as outras vertentes da obra de Bernard Rudofsky, a base para esta estratégia didática
de conscientização do leitor é a utilização do que ele chama de "o espelho retrovisor da história" 169 •
Mesmo que este aspecto seja frequentemente mal interpretado por alguns de seus críticos- como a
respeito da exposição Architecture Without Architects - é importante que este uso de exemplos
históricos não seja confundido com um sentimento nostálgico ou saudosista, muito menos com uma
intenção catalogadora ou historicista, e sim com a finalidade de ampliar as fontes de inspiração e os
modelos de excelência: "A história é o grande armazém da sabedoria e da imbecilidade humanas; temos
portanto que separar o joio do trigo" 170 , afirma Rudofsky. Assim, mesmo que esta inspiração possa vir
da resiliência milenar de temas que atravessam eras sem alterações significativas, é necessário acima de
tudo encorajar o senso crítico, prevenindo assim os mal-entendidos ou erros de interpretação, que
acabam por apresentar no presente uma série de eventos históricos de forma completamente
equivocada e anacrônica, oscilando na tênue linha que acaba separando o fato histórico da ficção.

A história cultural, talvez mais até do que a história mundial, tende a causar perplexidade ao
estudante curioso. Aquela fina camada de ambiguidade que reveste o passado, em alguns
pontos endurece formando uma crosta fina que resiste a todos os solventes convencionais.
Além disso, um viés escrupulosameme alimentado na direção da historicidade obscurece
nosso sentido de orientação; o que vagamente, mas carinhosamente, refere-se como
património cultural frequentemente acaba por ser não só inútil, mas um obstáculo em nossa
luta para dominar a vida. 171

Outra característica recorrente em toda produção de Rudofsky sobre este tema é a referência e
discussão quase que exclusivamente sobre objetos e costumes atemporais e coletivos, não importando
tanto a questão autoral ou estilística, mostrando o quanto é importante para o autor a questão da
continuidade. O oposto disto, ou a obsessão por mudanças constantes - como a influência de
modismos, de "tendências" e do desperdício- acaba sendo para Rudofsky um sintoma do quanto os
habitantes das casas modernas buscam, através da perpétua substituição ou acumulação de objetos,
algo que realmente não sabem o que é.

Pela força da publicidade ou de boatos, descartamos mercadorias perfeitamente utilizáveis -


automóveis, esposas ou estadistas -por outras novas e ainda não testadas. Um carro novo
atesta prosperidade, assim como uma esposa nova o faz da sua exuberância taurina, seus
méritos especíFicos são de importância secundária. A mudança torna-se uma nota

16
' "Thc sporlighr is lcss on man-madc rhings rhan on man himsclf N or his housc' s amcnirics, bur his lifcsrylc, comes in for scruriny;

not sirring furnirure, but posture; not rhe mechanization of cleaning merhods, but cleanlíness irself; not up·to-dareness but timeless
crcarurc comforts. In orhcr ;vords, thc housc-or to dcfcr to rhc parlancc ofbuildcrs and brokcrs, Thc Homc, is asscsscd noras a dis-play-
ground for conspicuous consumption, but as t he arena of our ineffable antics.'' RUDOFSKY, 1980, p.U. (')
169
«Rückspiegel der Geschichte" RUDOFSKY, 1987, p. 7 . (')
170 «History is rhe g1·eat storage h ouse of human wisdom and imbecility; we have burro sort the grain from the chaff.'' RUDOFSKY,
1955, p.8. (*)
171 "Cultural h ístory. perhap s mor e so chan world h ístory. tends to perplex the inquisítive student. Thac fine layer of ambib'llity which
coars rhc pasr, in placcs hardcn s into a thín crusr that r csísrs ali convencional dissolvcnrs. Bcsídcs, a scrupulously nurturcd bías toward
histo1·icity befogs our sen se of orienration; what we vaguely, but fondly, refer to as cultural herirage frequently rums our to be not only
unhelpful bur a híndrance in our struggle for mastering life.'' RUDOFSKY, 1980, p. 11. (•)
111

promissória na felicidade e, devido à sua natureza de curto prazo, se encaixa perfeitamente


em nosso mundo acdcrado. 172

Tendo tudo isto em conta, pode-se estabelecer que o objetivo de Bernard Rudofsky é questionar as
crenças consolidadas sobre os aspectos essenciais da domesticidade, expondo as contradições de seu
tempo entre o conforto e os costumes, compreendendo a evolução histórica destes aspectos, e
buscando com isto expor que "as qualidades essenciais da habitabilidade da casa não são, ou são apenas
indiretamente, relacionadas com tecnologia e finanças" 173 • Desse modo, a expectativa é que surja no
leitor ou no visitante de uma exposição, a consciência da profusão de outras possibilidades que são
possíveis além das limitações atuais, e que é possível a partir disto que uma nova "arte de viver" nasça
na esfera doméstica.

Nos capítulos que seguem abaixo, os chamados aspectos essenciais do habitar serão apresentados
segundo cinco categorias principais: Comer, Sentar, Higiene, Banho e Dormir. Assim como nas
publicações acima mencionadas, além da interpretação dos provocativos textos de Rudofsky sobre
cada um destes aspectos em específico, serão apresentadas algumas das curiosas ilustrações selecionadas
pelo autor para demonstrar estas suas ideias. Sobre estas imagens, convém citar a introdução
apresentada por Rudofsky antes da primeira série de ilustrações em Behind the Picwre Window:

Partindo do pressuposto de que todos estão suficientemente familiarizados com a aparência


das casas c dos seus interiores, as ilustrações foram limitadas aos assu ntos menos familiares,
embora igualmente pertinentes. Elas são destinadas a auxiliar a memória do leitor ou, se for
necessano, a sua tmagmaçao. 171
I • " " -

A ambição didática de Rudofsky fica bastante clara quando os três livros do autor sobre a "arte de
viver" (Behind the Pictm·e Window, Now I Lay me Down to Eate Sparta/Sybaris) são analisados lado
a lado. Além da repetição dos temas - organizados quase sempre usando a mesma subdivisão utilizada
neste trabalho, apresentada acima- a repetição de uma série destas ilustrações em dois, ou em alguns
casos até nos três livros 175, demonstra o quanto Rudofsky acreditava na eficácia comunicativa de suas
ideias e de seu repertório iconográfico.

172
"On the strength of advertising or h earsay, we discard pcrfecrly scrviccablc commoditics - automobilcs, >vives o r statesmen- for ncw
and untried oncs. Thc ncw car tcstifics to one's prospcrity, as a ncw wifc does to onc's raurinc cxubcrancc, rhcir spccific mcrits are of
secondary imporran ce. Change becomes a p romissory note on h appin ess and, because ofits short-term nature, fhs ideally in to our fast·
movingworld." RUDOFSKY, 1955, p. 5. (')

m "rhe essential qualities of the livability of the h ouse are not, o r only indirccrly, rclated to tcchnology and financc" RUDOFSKY, 1955,
p. 8. (')
174
"On the assumption rhat eve1·ybody is suffl ci enrly acquainted with t he looks of houses and t heir insides, illustrations have been
limited to less familiar, if equally percinenc ma[[ers. They are meam to assist the reader's memory or, if need be, his imagin ation."
RUDOFSKY, 1955, p.55. (' )

n Para m elhor capturar esta r epetição - ou persistência - na utilização por parte de Rudofsky de uma m esma fotografia ou ilustração
em duas, ou até três d estas obras, as imagens mostradas nos capítulos abai xo poder ão p ossuir mais de uma fo nte, o que apontará
just amente em quantos e em quais dos livros Rudofsky ut iliza uma det erminada imagem.
112

Figura 2.03 · Plama Rli:m da Casa 11'1 Ilha de Pmcida, 11'1 ldlia, de Bernard Rudotsky, 1935.
'"'c.'m irn;1gcm •'posslvd ;!ponmr os cinco ;!>pcctoscssc:nci;!is do h;Jbimr rrilt;uim ncsrc texto: Comer, n11rc;-cnt;!do pelo rricl!nio n;!
varand:~; Scnrar, no did d:~ .\'ala de C.\Tar: Higimc. no s:~nidrio .l'cparado da hanhdra.: Banho. pela b:~nhcira cnrcrrada c com o' Í.I 'fa ao
jardim; c Analmcnrc Dormir, pelo quarto cobcrw por lllll grande colçhão c mosquiteiro.
Fonte l<.OSS1, 201U, p. 69, aclapt;Jdo de lUJDOFSKY, 1938b, p. 8-9
113

2.1. Comer

"O primeiro sinal de assentamento humano c descanso após a caça, a batalha, c vagar no
deserto é hoje, como quando os primeiros homens perderam o paraíso, a criação da f(Jb'lleira
c o acender da chama rcvigorantc, aquecedora, c preparadora da comida. Em torno do rogo
os primeiros grupos reuniam-se; em torno dele as primeiras alianças fi1rtnaram-se; em torno
dele os primeiros conceitos rudes de religião foram organizados nos moldes de um culto. Ao
longo de todas as fases da sociedade o fogo formou o foco sagrado em torno do qual o todo
criou ordem e forma . .É o primeiro e mais importante, o elemento moral da arquitetura." 17ó

Na passagem acima, o arquiteto e teórico de arquitetura alemão Gottfried Semper rastreia a origem
primitiva da arquitetura através de um viés antropológico, apontando o fogo- ou a fogueira- como
o "primeiro e mais importante" elemento arquitetônico, em torno do qual todos os demais seriam
organizados. De fato, ao aproximar-se de um viés etimológico, é possível constatar gue o termo "lar"
significa, de acordo com o Dicionário Michadis, ao mesmo tempo "Casa onde habita uma flmília;
domicílio, habitação", e também "Lugar na cozinha em que se acende o fogo; lareira" 177• A origem do
termo vem do latim lar, ou laris, que era o Deus ou o espírito romano que protegia a casa e a família.

I
• I
Figura 2.1.0 1 ·Cabana Primitiva, set,'Undo Gottfi·ied Sempr:r. O únic:o r:lemr:nto r:s><:nóalmr:ntr: ~imbóliw r: não edifkado (:o Fogo.
representado pda. Úlrcira u.:nrral, em rorno da qual rodos os o urros se <lrtinJam.
Fome: RYK\\Y.ERT, 2003, p.l5.

1' é"The tlrst sign o f human settlement and resr after rhe hum, the bacde, and wandering in the deserc is coday, as when the first men
losr paradise, rhe sercingup ofrhe flreplace and rhe lighringofrhe reviving, warming, and food preparing flame. Around rhe hearrh rhe
first groups asscmblcd; around ir th.:: ftrst ,tllhmccs formcd; around it thc fi.rst rude rdigious conccprs ;v.::rc put imo thc customs of a
cult. Throughom ali phases of society thc: hcarth fonnc:d rhat sa,;rcd focus around which thc: vd10le wok ordc:r ;md shape. Ir is the first
anJ mmt importam, thc moral dcmcnr of archírccturc." SEMI'I-:!{, lX5l , p. 102. (' )
1 '· :VfiCHAELIS, 2016.
114

178
Conforme mencionado anteriormente , as ideias de Gottfried Semper tiveram influência na
formação de Bernard Rudofsky, uma vez que as teorias do arquiteto alemão foram importantes para a
composição do contexto moderno de Viena no início do século XX, sobretudo esta possibilidade de
identificar alguns aspectos a temporais que permeariam a arquitetura, com pouca modificação ao longo
dos séculos 179 • Este aspecto sagrado do fogo domesticado mencionado por Semper é retomado por
Rudofsky como um dos argumentos para a reflexão em torno do papel das cozinhas:

A cozinha rem precedência sobre os demais cômodos em mais de uma maneira; da foi - c
por vezes ainda é -o centro da vida na casa. Em um passado distante, funcionava também
como uma espécie de capela- a lareira era tanto altar quanto pedra sacrificial. A oração e o
sacrifício de animais estavam intimamente relacionados, e a invocação dos deuses caia bem
ao lado do churrasco em t<mília. 1 ~ 11

Como insinua Rudofsky, as funções da cozinha e a sua relação com as demais atividades e cômodos da
casa foram ao longo da história bastante mutáveis. Inicialmente algo selvagem e primitivo, a
dominação do fogo possibilitou que os primeiros grupos humanos se reunissem em torno dele ao ar
livre, onde preparavam seus alimentos e realizavam seus diversos rituais de forma coletiva. Na medida
que estas sociedades foram ficando cada vez mais complexas, a tendência foi de que cada família fosse
responsável pela sua própria fogueira, até que em determinado momento este fogo foi devidamente
"domesticado", tornando-se, portanto, o centro do ambiente doméstico, tal qual comentam acima
tanto Semper quanto Rudofsky. Inicialmente a "lareira" era o centro da casa, tanto no sentido figurado
quanto no literal, uma vez que as demais funções tendiam a organizar-se ao seu redor para poderem
usufruir de seu calor. Uma única lareira cumpria a função de aquecer e iluminar a casa, além de permitir
o preparo dos alimentos e também as funções ritualísticas já mencionadas. Com o passar do tempo,
vários destes elementos puderam ser construídos dentro de uma mesma casa e foi possível, portanto, a
separação de um cômodo exclusivo para a preparação dos alimentos: a cozinha. Vale ressaltar que além
destas questões funcionais, muitos aspectos sociais também influíram - e ainda influem - nesta
oscilante separação e conexão da cozinha com as demais funções da casa, como as questões de gênero
e também a terceirização do trabalho doméstico.

Outro componente importante para a compreensão do pensamento de Rudofsky sobre a cozinha, e


sobre o ato de comer e beber, é a influência das ideias do filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.). Uma
vez que o pensamento deste filósofo está conceitualmente conectado com a busca do prazer, e com a
satisfação dos sentidos e dos desejos naturais, o termo "Epicurista" (Epicure ou Epicurean em inglês)
refere-se atualmente a algo ou alguém que tem prazer especial na comida, bebida, na gastronomia, mas
sempre de forma moderada, sem exageros e em um contexto de interação social e de fortalecimento de
laços de amizade e afeto. Como diz uma frase atribuída ao próprio Epicuro: "D evemos buscar
companhia para comer e beber antes de buscar algo para comer e beber, pois jantar a sós é levar a vida

nvcr p.25
179 GU ARNERI, 20 1O, p. 232

Jso "T h c kítchcn takcs prcccdcncc ovcr thc othcr rooms ín more than onc way; í t ·.vas, and som ct í mcs stíl! ís, thc lífc ccntcr of thc housc.
In the distant past it doubled as a kind of chapel - th e heanh was both altar and sacrifkial stone. Prayer and animal sacrifke were
inti mately retaled and the invocation of the gods went well together with a family barbecue." RUDOFSKY, 1955, p . I O. (')
115

de um leão ou de um lobo" 181 • No caso dos textos de Rudofsky analisados, tanto é possível encontrar
menções diretas aos termos Epicure e Epicurean em diversos dos exemplos apresentados pelo autor,
quanto associar suas prioridades e os seus valores com os que eram pregados pelo filósofo grego e seus
seguidores.

Hgura 2.1.02- Árc:1 de comer externa, l'ista da cozinha, La Casa, em 1-'rig iliana, na l~spanha, de Hem ard i{udof:&y, 1969-71. C omo
em rodas as demais frJto1· riradas por Rudofsky de .ma casa na E.1panha, nesra imagem é possívd nocar uma cerra cenografia que insinua
a dicra epicurista mcdircrr:lnc:J, :Jém da infonn:Jidadc c natllralidadc que ele busca rr:msmitir com este pmjcw, neste c:lSo em
referên cia ao aw de preparar o alímenw e comer. Fome: L ORE"l; RO~vfERO, 20 14, p. 66~

~~ ~ "\\:'c should look for som cone to car ~11d drink with bcforc looking for somcthir>g to cat <111d dri nk, for dining alonc is Icading thc lifc
ofa lion or wolf'. Fonte: http:/ /thinkexisr.com/guote~/epicurus/3.html. (')
116

A origem da inquietação de Bernard Rudofsky com os hábitos alimentares dos habitantes modernos,
assim como sua crítica às soluções de arquitetura e design disponíveis e adotadas por estes habitantes,
fica bastante clara quando o autor ampara alguns de seus argumentos com base nas reflexões "Cozinhar
ou não cozinhar" 182, e também "Por que comemos? " 183• O costume de terceirizar as tarefas domésticas
e de sobrevivência mais primárias é algo que importuna profundamente Rudofsky, que acredita que
deva haver tanto prazer na produção e preparo dos alimentos quanto no seu consumo. Da mesma
forma, a crítica às paranoias nutricionais, e à forma como a importância de um certo "ritual" durante
as refeições são menosprezados pela cultura moderna- ilustrada pelo hábito de comer de pé, com
pressa, no carro, no ônibus, etc. - são cruciais para as argumentações do autor.

Similar à abordagem adotada na reflexão sobre os demais aspectos essenciais do habitar, o foco de
Rudofsky no tema do "Comer" centra-se em uma detalhada argumentação contta o excesso de
mecanização e materialismo praticados na vida moderna, assim como na elaborada tentativa de
projetar ideais da "arte de viver" que provoquem o leitor a contestar seus hábitos mais ordinários, e a
cogitar alternativas mais prazerosas, frugais e atemporaís. Além das duas reflexões mencionadas acima,
a contraposição entre "Comer" e "Alimentar-se" acaba regendo a discussão que busca priorizar os
aspectos sensoriais, aprazíveis e "epicuristas", ao mesmo tempo que contraria a visão racional, fria e
industrial das soluções modernas. Para melhor situar esta crítica de Rudofsky no contexto social e
arquitetônico que ele está inserido, e contra o qual se posiciona, é importante discorrer um momento
sobre a evolução recente da cozinha, sobretudo entre meados do século XIX e o pós-segunda-guerra-
mundial, uma vez que Behind the Pictm·e Window, o primeiro dos três livros aqui analisados, é
publicado por Rudofsky em 1955.

Uma das primeiras tentativas de racionalizar a arquitetura e o funcionamento da cozinha, dentro da


casa do cidadão comum, é da influente educadora americana Catherine Beecher ( 1800-1878), que em
1843 publica o livro "A Treatise on Domestic Economy For the Use ofYoung Ladies at Home and at
School" 184(Um tratado sobre economia doméstica para o uso de jovens moças em casa e na escola). O
objetivo de Beecher é discutir o subestimado papel das mulheres na sociedade, e também buscar formas
de educá-las e de simplificar suas vidas e suas tarefas- na época ainda restritas aos âmbitos da casa e da
escola. O livro traz uma série de recomendações práticas, e incluí ilustrações com indicações
esquemáticas sobre posicionamento de janelas, padronização de alturas das superfícies de trabalho, e
também sobre a organização do armazenamento de todos os suprimentos e utensílios necessários
dentro de uma cozinha. Mesmo se tratando de uma iniciativa inovadora, o alcance de suas soluções é
bastante limitado, uma vez que poucas famílias teriam os recursos necessários para levar a cabo as
engenhosas sugestões feitas por Beecher.185

l Rl "To cook or noc to cook" RUDOrSKY 1955, p. 10. (')


1 3
R "Why do we eac?" RUDOrSKY 1955, p. 12. (')
l R• BEECHER, 1948.

I R; N O E, 20 ll a.
117

Figura 2.1.03- Diagrama esquemático para organiz;>~·iio d:1s wzinh;>s, de Cacherine Beeçher.
Fonre: T!IJ.CH J:R.; T!J:I:CHtR S'J 'OW't, 1869. p.J4.

Uma importante mudança neste cen:írio, a partir da virada do século ..X'X, é a instalação da eletricidade
em algumas das principais cidades norte-americanas e europeias, assim como a ampliação das
instalações de ;Ígua corrente, esgoto e gás. No entanto, independente de todas estas inovações, a estética
e a concepção de cada cozinha fica ainda- na absoluta maioria dos casos- por coma da" dona de casa"
que a operaria. É certo que a industrialização começa nesta época a disponibilizar produtos
estandardizados, como pias, fornos, fogões e alguns outros utensílios, mas a combinação e organização
destes produtos ainda depende em grande parte de seus usuários.

Na mesma época, o engenheiro americano Frederick Taylor (1856-1915) desenvolve seu modelo de
administração científica, posteriormente denominada de "Taylorismo", que consiste na análise
detalhada de cada uma das tarefas necessárias para a produção de um objeto - através de estudos de
tempo e movimento- com o objetivo de racionalizar cada uma destas tarefas, e organizar sua sequência
c posição na cadeia geral de modo a aumentar ao máximo a eficiência desta produção. 186

Em 1912, a jovem professora americana Christinc Frcdcrick (1883-1970)- casada com o empresário
J. George Frederick, conhecedor das teorias de administração científica de Taylor- decide organizar
em sua casa um laboratório para realizar experimentos tayloristas aplicados à esfera doméstica, que

m;NOE, 2011b.
118

chama de Applecroft Home Experiment Station (Estação Experimental Doméstica Applecroft).


Aplicando as técnicas de Taylor, Christine analisa em seu laboratório cerca de 1800 produtos, desde
eletrodomésticos até produtos alimentares, em busca da tal eficiência taylorista, trazendo então esta
nova lógica industrial para o contexto da cozinha doméstica. Em seguida, Christine começa a publicar
suas descobertas em uma coluna da revista Ladies' Home Journal chamada de New Housekeeping
(Nova Economia Doméstica), e logo as consolida em um livro chamado New Housekeeping:
Efflciency Studies in Home Management (Nova Economia Doméstica: Estudos de Eficiência na
Administração Doméstica), lançado em 1913. Em 1919, publica também Household Engineering:
Scientific Managemenc in the Home 187 (Engenharia Doméstica: Administração Científica na Casa),
que consolida seus estudos e suas descobertas, incluindo diagramas demonstrando a sequência de
tarefas dentro de uma cozinha tradicional, e como esta poderia ser otimizada para melhorar a eficiência
e a rapidez na realização de todas estas tarefas. 188

\
\
\

,
~..
I
...-:
I
I I
I I
: I
DIJIIIJIIÇ ROOM ~·
EFFICIENT GROUPING OF KITCHE~ EQUIPME~'T BADLY GROUPED KITCHEN EQUIPMENT
A. Preparlng route. B. Cleartnc away route.

Figura..ç 2.1.04-05- Diagramas de Agmpamento dos Equipamenws de Cozinha, de Chrisrine Frederick.


Fome: FRt.D.t:RICK, 1923, p .22.

O ápice deste processo de racionalização industrial da cozinha chega em 1926, quando a arquiteta
austríaca Margarete Schütte-Lihotzky (1897-2000) concebe a famosa "Cozinha Frankfurt", em um
projeto habitacional do arquiteto alemão Ernst May ( 1896-1970) na cidade de Frankfurt. Em fi.mção
da escassez de habitação na cidade, havia a demanda de desenvolver um modelo de cozinha que fosse
compacta, barata, eficiente, e que pudesse ser replicada em 10.000 unidades habitacionais. Para isto,
Schütte-Lihotzky utiliza como base as técnicas tayloristas publicadas por Christine F rederick, além de
conduzir uma série de experimentos próprios, incorporar importantes questões de ergonomia, e
também buscar inspiração em uma cozinha que havia visto em um vagão-restaurante de trem, que com
uma superfície mínima era capaz de alimentar 100 passageiros. O projeto incorpora precisamente

17
g FRED ERICK, 1923.

I ~s NOE. 20llc
119

dimensões otimizadas para todos os eletrodomésticos, alturas ideais para a realização das mais diversas
tarefas, espaços para o ordenado armazenamento de ingredientes, além de um banco e de uma
luminária com alturas reguláveis, tudo isto em uma área de apenas 1,9m x 3,4m, ou 6,5m2 • O design
de Schütte-Lihotzky é um sucesso, e a Cozinha Frankfurt permanece com um exemplo de otimização
e racionalização, sendo possível inclusive visitar réplicas suas em uma série de museus por todo o
mundo, como no 1..Tíctoría and Albert, de Londres, no Moi\1A de Nova Iorque, e no A1AK de Viena.

Figuras 2.1.06-07- Co7.inha Frankfi11-t. Fonte: www.mak.at/t;nlthe_Fr:mkf(trt_kit<:ht:n_]_

Quase trinta anos após este ápice de racionalização, Rudof<;ky publica em 1955 Behind the Picture
Wíndmv, uma espécie de manifesto contra a excessiva mecanização no interior doméstico, e a favor
dos j;í. mencionados ideais epicuristas. Nos Estados Unidos, onde Rudofsky vivia à época, o
aquecimento econômico após a Segunda Guerra Mundial tàz este processo chegar ao ápice, com uma
enxurrada de eletrodomésticos e utensílios disponibilizados no mercado, devidamente amparados por
um voraz aparato publicitário e ideológico que fomenta o consumo e a "modernização" como valores
quase patrióticos. Sobre esta onda d e racionalização, Rudofsky comenta:

Ultimamente, a cozinha tem recebido muita atenção por parte de grupos profissionais que
nao sao normalmente associados com carne assada c torta de maçi Professores de história
da arte c psicologia, engenharia c administração, uniram forças para deixar a cozinh a ter o
tratamento que está atualmente na moda: um chcck-up geral com todas as guarnições, c
análise.(... ) [Eles lidam] com padrôes de valor, relações entre motivação e energia, acústica,
até com o consumo de oxigênio dos trabalhadores, mas em nenhum lugar menciona-se
cozinhar. W'!

"''"I .ardy. rhe kirchen has been given a grear d.eal o f attenrion by professional groups rhat one does not usually connecr wirh pot roast
and applc pie Prot"t:,sors of art hisrory and psy~:hology, mgincning and managcmmt, joincd forces to kt thc kitchcn havc thc currcntly
120

hgura 2.1.08- Publicidade da General Elecrric. "A Ira perf(m11ance é conecrada com as metáf()ras visuais de limpeza, precisão,
afluência e convenção"'Y". Fonte: jt.NCKS; SIL VER, 1973, p. 58.

Esta busca pela cozinha perfeita, pela simples melhoria da performance, por encontrar atalhos e
economizar esforços, além da "preocupação com vitaminas e calorias, com fórmulas e regimes,
deslocou o interesse sensorial em cozinhar e comer" 191 , acredita Rudofsky. Os resultados deste processo
não são refletidos na qualidade do que é produzido nem na rotina das refeições, mas sim em um certo
isolamento entre os habitantes e a comida:

A discrepância entre a mágica cozinha moderna e seus resultados melancólicos é alarmante


-a não ser para o comedor industrialmente condicionado. É irônico que a refeição do árabe
- cozida na areia do deserto sobre estrume de camelo seco - não deixe nada a desejar,
enquanto que o que insensivelmente chamamos de 'cozinha dos sonhos' produza na dona
de casa um estado de euforia que seja no minimo destàvorávcl para comer. Sua crescente
dependência de alimentos prontos c a preocupação com o que da acredita ser eficiência não
a beneficiaram além de, talvez, amansar seus sentimentos hostis em relação a qualquer
trabalho de cozinha. 1n

fashionable rrearment: a general check-up wirh ali rhe rrimmings, and an analysis. (... ) [They deal] with value parrerns, morivarion-
energy relarionships, acoustics, and workers' oxygen consumprion, but nowhere menrions cooking." RUDOFSKY, 1955, p. 11. (')
1 0
~ "High performance is connected here with the visual metaphors of cbm liness, precision, affluence <md convention". JENCKS;
SILVER, 1973, p. 58. (')
'Y' "preoccupation wirh vitamins and calories, with formulas and regiments, has displaced rhe sensory interesr in cooking and eating"
RUDOFSKY, 1955, p. 12. (•)

m "Thc discrcpancy bctwccn thc magical modem kitchcn and irs mdancholy rcsults is alarming- cxccpt ro thc industrially conditioncd
earer. Irony will have it rhar the Arab's meal, cooked in th e desert sand over dried carne! manure, leaves noth ing to be desired, whereas
we callously call the dream kítchen produces in the housewífe a state of euphoría which is unpropitíous to eating, co say the least. Her
121

Como forma de ridicularizar a relação do habitante moderno com a comida - em especial o norte-
americano, alvo principal de Rudofsky em grande parte de seus textos - o autor argumenta que a
qualidade da dieta de um povo estaria diretamente relacionada à qualidade da arte produzida por este
povo. Neste ponto o autor aproveita para insinuar que a arte para o cidadão médio norte-americana
não é muito mais um produto, ou um remédio contra o tédio, do que uma autêntica expressão de
valores e ideais culturais. À durável e expressiva arte rupestre o autor relaciona a dieta paleolítica, rica
em proteína e em sabores e fragrâncias brutas e naturais. À arte renascentista de Leonardo da Vinci e
Ticiano, Rudofsky associa a qualidade da culinária italiana de Milão e Veneza, e à soberania francesa
na pintura desde o século XVIII ao valor dado por este povo à gastronomia.

E ATI NG BY M A C HI NE R Y

Figura 2.1.09- "Comer por m;Íquinas": Automação ;\ serviço da alímcntaç;ío. Cabines de autosscrviço c comer em pé.
Fonte: RUDOFSKY, 1980, p.39.

O mats interessante no rebatimento aos dias atuais desta e de várias outras críticas de Bernard
Rudofsky, mais de seis décadas depois, é perceber o quanto os valores altamente materialistas e
superficiais que o autor denuncia encontram-se atualmente globalizados, podendo ser possível ampliar
o foco destas críticas à grande parte do mundo ocidental, e cada vez mais também às sociedades
orientais. Sobretudo nas grandes cidades, a rotina estafante e acelerada de trabalho, e a cultura do Úst-
food, do desperdício e da comida pronta, industrializada e artiflcial- que na década de 1950 ainda era
uma peculiaridade dos Estados Unidos - com o passar dos anos acaba se espalhando por todo o
planeta.

O desperdício endêmico, a dependência exclusiva na mercearia c no açougueiro para todas


as suas necessidades culinárias, o esquecimento do que cresce livrememe na natureza - rudo
isto reflete a indiferença para com a frugalidade como uma virtude.193

Mais além da qualidade da comida, e da possibilidade de encarar todo o processo de sua preparação
desde uma ótica saudável e sensível, um dos principais temas em todo o comentário sobre o "Comer"

growing dcpmdcn cc on rcady-to-cat food and hcr conccrn with what shc takcs to bc cfficicm:y havc not bmcfitcd hcr bcyond, pcrhaps,
tenderizing her hostil e feelings toward ali kitchen work". RUDOJ-<'KSY, 1955, p.l3. (')
193
"Thc cndcmic wastc, thc cxdusivc rcliancc u pon thc groccr and thc butchcr for all his culinary nccds, thc obliviousncss to what grows
freely in the environmenr- do not these reflect his indifference to frugalicy as a vircue." RUDOFSKY, 1955, p.28-29. (')
122

de Bernard Rudofsky está relacionado com a postura dos comensais. Utilizando-se de uma alegoria um
tanto quanto iconoclasca, que traca da postura de Jesus Cristo e seus discípulos "à mesa" durante a
última ceia, o objetivo de Rudofsky é cridcar o hábito ocidental de realizar todas as refeições
obrigatoriamente sentados, em uma cadeira, diante de uma mesa.

Jiigura 2.1.10- "i\. Úlrima Ceia'', d~ Lnmardo da \finei, 149)-1498. J\ imagem mais difundida da últim;! rdciçi!o dcj~ws Cristo em
meio :ws sws "-pós rolos, ao longo d~ 11m ónko La/o d~ uma longa mes.< e s~ntados ~m cadeiros.
J·onte: http.>://en. ,dkipedia.org/"·ih1 '/ 'he_LJ<>t_Supper_(Leonardo_da_ '\'in ci).

Figura 2.1. li - "O/ti ma Ü.:i;J ", Ucçomç;í o em altar, 1633, I ngl:Jt(."rfil,


Fontes: RUDOFS.KY, 1980. capa: p. 18 (P&B); RUDOFS.K1~ 1987. p.W7 {P&B).
123

Na clássica imagem da "Última Ceia" retratada por Leonardo da Vinci, é possível ver Jesus Cristo ao
centro de uma longa mesa, com seis discípulos em cada um dos seus lados. O argumento de Rudofsky
-ciente da importância icônica e cultural desta imagem, e da origem puritana e fiel dos leitores norte-
americanos - é de que esta imagem é altamente anacrônica, e de que retrata a derradeira refeição do
Messias de forma completamente equivocada. Segundo Rudofsky- que em cada um dos três livros
aqui analisados dedica um capítulo praticamente completo a este tema- o costume à época de Cristo
era o de fazer as refeições reclinado, apoiando o corpo sobre um dos braços ou cotovelos, e utilizando
o outro para servir-se. "Para o nosso modo de pensar, se deitar para uma refeição canora deboche. No
entanto, essa era a maneira de comer na época de Cristo entre romanos e judeus de classe média e alta,
assim como o foi durante séculos antes e depois" 19\ lembra o autor.

Figuras 2.1.12-13- Triclínio, Casa de Caro, Pompéia. O lugar de destaque à mesa não é o centro, mas segue a indicaç;ío numérica do
diagrama, sendo o membro mais imporwnce o 1, ou XXX, e assim sucessivamence.
Fontes: RUDOFS.k'"Y, 1980, p. 20-21; RUDOFSKY, 1987, p.l 06.

Assim, lançando mão de uma série de ilustrações históricas da Última Ceia anteriores e posteriores à
de Da Vinci, e com exemplos históricos de ambientes de jantar do oriente e também de Pompéia e da
Grécia antiga, Rudofsky propõe- além da crítica aos modos à mesa atuais, e de "desmascarar" uma
cena emblemática da cultura ocidental- um "novo" modelo alternativo à tradicional sala de jantar: o
tridínio. O triclínio tradicional, de origem romana, "consiste em três leitos, cada um para três pessoas,
dispostos em três lados de uma mesa central e deixando o quarto lado livre para o serviço" 19S, explica.

1
~4 "To our way of thinking, lying down to a mcal connotcs dcbauch. Yct that was thc way to cat in Christ's time among middlc- and
upper-class Romans andJews, jusr as ir was for cenmries before and afrer." RUDOFSKY, 1980, p.l9. (')
195
"consisrs of three beds. each for three persons, arranged on rhree sides of a central table and leaving the fourrh side free for service"
RUDOFSKY, 1980, p. 20. (•)
124

Muito além de romper paradigmas ou de mera nostalgia, existem outras vantagens a favor desta
maneira de comer, argumenta Rudofsky:

Apesar ou por causa da profusão de livros de edqueta, nunca nos preocupamos em examinar
a fiabílidade dos nossos hábitos alimentares, mais precisamente a mecânica da ingestão.
Embora não tenhamos o desejo - c muito menos a malcabilidadc necessária- de mudarmos
para os sofás de jantar, seus méritos devem ser ponderados. O efeito benéfico sobre a digestão
é óbvio, uma vez que o estômago trabalha melhor quando não está comprimido. Além disso,
a ausênda de: facas c: garfos acaba wm o barulho à mc:sa. Com apenas uma mão livre: para o
transporte: de: comida à boca, pegam-se pedaços do tamanho de uma mordida com os
dedos. J%

hgura 2. I. 14- Pcr;pccriva on:úP' &1 Casa na ilha de Procid:1, na /d/ia, de Hcrnard R1Jdofsky; 1935. À csqucnh, R11dofsl<y propões
um tridínio externo, conectado por um passo pa,··imelJtado à casa, e com privilegiada ~·isra do 1viediterdneo.
Fonte: RUJJOFSKY, 1938b, p. 9.

1 6
~ "Despire or becausc of' a prof'usion of ctiqucttc books, we ncvcr bothcrcd w examine rhc soundncss of our earing habits, more
precisdy rhe mechanics of ingestion. Even dwugh we have no desire - stillless rhe required supplene.,s - ro swirch ro dining couches,
thór merits are worth pondering. The beneficiai diect on the digestion is obvious, since a stomach works best whenit is not compressed.
Resides, rhc abscncc oFknivcs and fórks does away with thc dartcr at rhc tablc. \X7ith but onc hand f'rcc fi.)r convcying f()od to the mouth,
one picks up bire-size bits with one's fingers." RUDOFSKY, 1980, p. 29-30. (')
125

Figura 2.1.15- Cmqui do Tticlínio Exremo da Casa na Tlha de Proôda, na Idlia, de Bernard RudofSky, 19.35.
Fonte: RUDOFSKI~ 1938b,p. 12.

Figura 2.1.16- Tticlínio na área de comer externa, em composição expositiva com quimonos, um mmbu:-ete, e verdu:-as.
La Casa, em Frigiliana, na 1'-spanlJa, de Bemanl Rudofsky, 1969-71. Fonte: LORl:N; R01vii'-RO, 2014, p. 67.

Dois itens mencionados no trecho acima assinalam outros alvos de Bernard Rudofsky na crítica a
respeito da relação com a comida e de suas implicações sociais e culturais: a etiqueta e os talheres. As
regras de etiqueta, assinala Rudofsky, influenciam de forma errônea a sociedade sobre o que realmente
significa saber comer. Para a maior parte das pessoas, "saber comer" está relacionado muito menos a
126

possuir um paladar aguçado, ou a ser um epicurista ou expert gastronômico, do que a "saber se


comportar à mesa". Ao citar o escritor inglês Archibald Lyall (1904-1964), Rudofsky esclarece:

A maioria das ''boas maneiras à mesa'' não são boas maneiras de modo algum, mas apenas
tabus codificados, urna vez que o ato de comer é cercado por um curioso ritual que, através
da sua observância ou não, os iniciados podem facJmenre aferir o status social do comedor.
Uma vez que este é, provavelmente, o objetivo inconfesso destas "boas maneiras à mesa",
como na maioria dos outros tabus, eles naturalmente assumem alguma forma difícil e
arbitrária de comer, ao invés da mais simples c natura1. 1 Y7

Um exemplo levantado por Rudofsky para ilustrar esta f.<lta de simplicidade e naturalidade à mesa é a
discordância entre várias vertentes da etiqueta a respeito da forma correta de segurar um garfo. Uma
regra diz que o "correto" seria segurá-lo na mão esquerda ao cortar, utilizando a faca na mão direita,
para em seguida repousar a faca no prato e levar a comida à boca com o garfo na mão direita. Outra diz
que o "correto" é evitar este "zig-zag" e que é necessário permanecer com o garfo na mão esquerda
durante toda a refeição, mesmo que isto represente uma dificuldade, com o objetivo de demonstrar
experiência social e elegância198• Estas absurdas regras também interferem com o bom senso do design,
como aponta Rudofsky em relação à utilização das colheres. "Uma pessoa que não se submete ao
costume de levar a lateral de uma colher à boca nunca será capaz de libertar-se do ônus de ser
malcriado" 199, afirma Rudofsky, referindo-se à incoerente regra de etiqueta que vai ao encontro do
próprio design da colher, ergonomicamente desenhada para ser inserida de frente na boca, e não
despejada ou sugada pela lateral de forma "perversa e ineficiente".

Figura 2.1.17- Segundo Rudofsky, a imagem mais antiga de pessoas comendo com garf(Js, em manuscriro do séc. XJ.
Fomes: RUDOFSKY, 1980, p.31 e RUDOFSKY, 1987, p.lll.

197
"Mose cablc manncrs are noc good manncrs at ali buc only cryptotaboos, for chc acc of cating is hcdgcd round wich a curious ritual by
thc obscrvancc or non-obscrvancc of which chc initiatcd can rcadily gaugc thc social status of chc catcr. Sincc this is probably thc
unconfessed object ofchese 'cable manners', as of mosc ocher raboos, they narurally rake rhe form ofeacing in some dítllcult and arbitrary
way instead of the simple and natural one." LYALL apud RUDOFSKY, 1955, p.43-44. (•)
19
g RUDOFSKY, 1955, p. 42.
199
"A pcrson wbo does not submit to thc usagc of approaching thc broadsidc of a spoon to his mouth willncvcr bc ablc to frcc bimsdf
from the onus ofbeing illbred." RUDOFSKY, 1955, p. 44. (•)
127

Mas para Rudof~ky, muito mais do que reprovar a futilidade deste tipo de discussão sobre o uso de
talheres à mesa, uma alternativa interessante seria a de banir o uso de talheres convencionais à mesa de
uma vez por todas, começando pelo garfo: "!vlenos de um quinto da humanidade usa garfos, um mau
hábito que, aliás, possui apenas alguns séculos de idade. César e Cleópatra, Tristão e lsolda, comiam
com os dedos, assim como, não esqueçamos, Jesus Cristo"200• O uso das mãos ou de outras alternativas
à utilização do garfo à mesa é trivial ao redor do mundo: "Indianos consideram os estrangeiros sujos
por comerem com garfos e facas" 201 , afirma a escritora americana de origem indiana Santha Rama Rau
( 1923-2009). Chineses e Japoneses utilizam palitos de madeira à mesa desde pelo menos o século IV
d.C. Os palitos chineses são denominados kuàizi, e são de seção circular e reutilizáveis, enquanto <.JUe
os japoneses denominam de hashi seus descartáveis palitos de bambu, ou madeira leve.202 Além das
mãos e de ferramentas alternativas, Rudofsky cita também "camponeses turcos que comem
habilmente e entusiasticamente com um pedaço de pão, sem nunca sujar suas mãos" 203 • O que
justificaria para Rudof~ky esta radical alternativa de abandonar os talheres de metal à mesa pode ser
uma questão de gosto, mas no sentido literal, do paladar:

O uso de ferramentas de metal à mesa, uma coisa natural para nós, é um anátema para uma
pessoa que tenha mantido suas Faculdades gustativas intactas. Qualquer· um que ao comer
queijo morda por acaso um pedaço de papel alumínio pode ter experimentado o horror que
sente um chinês ao usar um garfo de metal.104

Figura 2.1.18- "Hashi" japonês. Fonres: RUDOFSKr~ 1980, p.J4e RUDOFSk.l~ l987,p.Il2.

Outro trecho citado por Rudofsky, com a dara intenção de chocar e repugnar o cidadão comum
ocidental, refere-se à utilização de garfos de madeira por canibais:

200
,\'ílcnigcr J!s cin Fünfrcl der :\Jcnschhcir bcnützr GJbcln, cinc Unsittc. dic iibrigcns m1r cin paar Jahrhtmdcrrc alt ist. Cásar tmd
Cleoparra, TristatJund Isolde aRen mír den Fingern und. vergessen w ir níchr, so auch Jesus Chrisrus." RUDOFSKY. 1987, p. 11 O.(')

" " "Tndíans consider f'oreigners d.iny because rhey ear wirh knives and. f'orks" RAJvfA RAU apud. RUDOFSKY, 1980, p. 31. (')

" " RUDOFSKY, 1980, p. 34.

"c "Turkish p easanrs ear ably and enrhusiaHícally wirh a piece ofbread, neve r· dirrying rheir hands". RUDOFSKY, 1938b, p. 8. (')

" '" "The me of' meral rools ar rable, a marrer of course ro us, is anarhema. roa person who has kepr his faculry of rasre inracr. Anyone who
caring chccsc happcncd to gct a piccc of tinfoil into his mouth may havc cxpcricnccd some of rhc horror a C:hincsc fccls whcn ming a
mera! fork". RUDOFSKY, 1955, p. 45. (')
128

Lótures çarnivoros podem se surpreender ao saber '-JUe, en'luanto çanibais çomem todos os
dias com os dedos, por ocasião de um praro especial, como um assado de carne humana, sua
etiqueta exige uma forma mais elegante de comer; embora ele não se sente à mesa, um" hon
vivant" não renuncia ao prazer de empalar a carne. E assim como o oriental exigente não
~tceita colocar um instrumento de meu! em sua boca, o não menos exigente "dcvorador de
homens" lan~a mão de seu mdhor garfo de madt'ira, uma rdíquia dt' família, rdigiosamente
mantida em custódia c transmitida de pai para Hlho. 105

Pigura 2.1.19- Garfos milizados por canibais pam o consumo de carne humana.
Fontes: RUDOFSK'r", 1Y80.p.36c RUDOFSK'r~ 1987, p.l fU_

O último instrumento a ser desvirtuado por Rudofsky é a faca, ou melhor, o costume de utilizá-la para
cortar, desossar, ou esquartejar animais à mesa. Não necessariamente pregando o vegetarianismo,
Rudofsky acredita que - assim como o fazem todos os povos que não levam os talheres à mesa- carnes,
aliás toda a comida, devem ser previamente preparadas antes de serem levadas à mesa, de forma que
sejam apresentadas já em pedaços, ou de alguma outra forma que facilite a sua ingestão direta.
Novamente querendo preservar as qualidades sensoriais da refeição, o autor acredita que o hábito de
destrinchar as carnes à mesa - ou inclusive servir animais inteiros - é algo que desestimula uma boa
refeição, e que não se trata de um mero costume antigo, a ser preservado, mas sim de uma conduta

''!; "Carnivorous readers may be surprised to learn thac while cannibals eat everyday fare with d1eir fingers, on me occasion of a spedal
trc~t. sttch as a roasr ofhum~n fiesh , ctiqLtcttc calls for a more stylish way ofcating; alrhough h c may not si r down ~ta tablc, a bonvivcur
will noc t(ll'go r h~ pleasure o f impali ng rh~ m ear. A nd. jusr as rh e f.'1stidious Oriental çan no r bring hímself ro pu r a m eml insnumenr w
his mourh, rhc no lcss fastidious man-caccr rrocs ouc his bcst woodcn fork, an hcirloom, rcligiously hcld in trusr ,md handcd dmvn fathcr
to son_" RUDOFSKY, 1980, p- 36. (')
129

bárbara e sanguinolenta, que deveria ser extinta. Abaixo o trecho de um livro inglês da década de 1850,
citado por Rudofsky, para ilustrar esta posição:

Nada pode tornar uma junta elegante, mesmo t]Ut: a esconda o dono da casa, condenado it
ang\btia do dntrinc.:hamc:nto. A vc:rdadc: ~que: a mt:nos que: nosst}S apc:titn c:stejam muito
entusiasmados, a vista de muiu carne exalando em seu próprio suco é suficiente para destruí-
los totalmente, c uma enorme juma em especial é calculada para repugnar o Epicurista. 2u6

Ca.p: 2.1.

Figura2.1.2!)- Ilusrraçiio de um manual sohre a '',lrte de de.>trinchar".


Fome.>: RUDOFSKY, 1955. p.47 e RUDOFSKY, /9RO, p.37.

Para encerrar a "homilia epicurista" de Bernard Rudofsky, nada melhor do que uma taça de vinho. Da
mesma f(>rma iconoclasta (.1ue na discussão a respeito da "Última Ceia", o autor utiliza-se da figura de
Jesus Cristo para resgatar as vantagens aprazíveis do vinho, atacando novamente o puritanismo norte-
americano ao relembrar as diversas associações entre o cristianismo e a bebida. Desde a menção a Noé,
supostamente o primeiro a produzir, beber e embriagar-se de vinho de acordo com a Bíblia, passando
pela transformação da ~í.gua em Vinho realizada por Jesus durante o casamento de Canaã, até a menção
de tornar a divbão do pão c do vinho em um ritual, a eucaristia, Rudofsky sinaliza a suposta aprovação
do Senhor à esta bebida, que durante o período da "'Lei-seca" chega a ser proibida nos Estados Unidos.

'~ "Nothing can make a joinr degant, while it hid.es the mas ter of the house, and. condemns him to rhe misery of carving. The truth is,
that unless our apperites are very keen, the sighr o f mu.:h m eat reeking in its gravy is suftlcien t to descroy them entirely, ,md a huge joint
cspccially is calculaccd. to d.is!:,'l.tst thc cpicurc." RL:DOFSKY, 1955, p. 48. (•)
130

Abaixo um trecho atribuído à Benjamim Franklin ( 1706-1790), outro ícone para os norte-
americanos, transcrito por Rudofsky:

Não ofereça água, a não ser para as crianças; é um ato equivocado de cordialidade. E nem um
dos apóstolos ou santos padres jamais recomendou colocar água no vinho. Seja gentil e
benevolente, como Deus, c não estrague o seu bom trabalho. Ele fez o vinho p ara alegrar o
coração dos homens. 207

Figura 2.1.21- Cristo pisando uvas para produção de •'inho. Miniattua do séc XIII. Fonte: RUDOFSK'( 1980, p.40.

Figura 2.1.22- Pintura "O casamento de Can,Jã", do .~éc. XV; mostmndo o momento em que]e.ms tra11.çforma a ;1gu;~ em vinho.
Forne: RUDOFSKY. 1980, p.42

2
'F"Do not offer water, except to children; it is a mistaken piece of politeness. And not one of the apostles or holy fathers ever
recommended putting water to wine. Be kind and benevolent like God, and do not spoil his good work. H e made wine to gladden the
heart ofmen". FRANKLIN apudRUDOFSKY, 1980, p. 40-43. (•)
131

2.2. Sentar

Bernard Shaw [ 1856-1950] disse certa vez que um inglês sempre acha a si mesmo moral caso
se sinta desconfortável. Não há uma doutrina por trás dessa crença, mas é, de certa forma, a
essência do mal-estar anglo-saxão. Nossos antepassados energicamente repudiavam o
conforto, embora talvez não sem um arrependimento interior. Eles mantinham que o
conforto do corpo c o conforto da alma eram incompatíveis, ou melhor, irreeoncÜiávcis. Na
verdade, nada adequava-se melhor às suas teorias da salvação do que o desconforto Hsico; a
mortificação da carne era parte de seu esquema prudente de um seguro para a vida após a
morte. Conforto era imoral. 208

A suposta recusa voluntária do conforto sugerida por Bernard Rudofsky no trecho acima é uma das
proposições sugeridas em seus comentários sobre o habitar. De forma a poder tratar da maneira mais
alegórica e ilustrativa possível esta questão do conforto, e de todas as variáveis culturais que a
compõem, entre os "alvos" mais examinados e fustigados por Rudofsky em seus textos, está a cadeira.

J.'igura 2.2.01- Árabe estuda senrado ao chão de sua casa.


Fonrcs: RUDOFSKY, 1955,p.I74; RUDOFSJ..'Y, 198U,p.55 c RUDOFSKY, 1987,p.l9.

Um dos objetos mais característicos dos tempos atuais, a cadeira é, segundo o autor, antes de tudo um
artefato cultural. Enquanto grande parte dos povos ainda dispensa deste utensílio para o ato de sentar
- muito menos hoje do que quando das publicações de Rudofsky- no mundo ocidental ela é antes de
tudo um símbolo de status. É possível então separar o planeta naqueles que "sentam-se ao chão" e
aqueles que "sentam-se em cadeiras"? De acordo com Rudofsky sim, mas o que não seria correto é a
subsequente conclusão que se tende a chegar que estes são civilizados, enquanto aqueles são primitivos.
O seu objetivo com esta alegoria é justamente tentar romper o consenso de que é necessária uma
cadeira, com assento levantado do solo, e encosto para as costas, como algo inerente ou inevitável à
uma postura agradável, desvinculando assim o vínculo entre conforto e o objeto em si.

Sentar-se em cadeiras é um hábito adquirido, como fumar, c quase tão saudável. A suposta
indispensabilidade da cadeira, sua posição indiscutível como a grande marca da civilização

208
"Bernard Shaw li856-1950] once said that an Englishman always thinks himsdF moral ifhe Feds uncomfortable. There is no si ngle
doctrine hehind this belief but, in a way, it is the essence of the Anglo-Saxon malaise. Our forefathers emphatically abjured comfort,
though perhaps not without inner regret. They held comfort oFthe body and comforr ofthe sou! to be incompatible, nay, irreconcilable.
In fiKt, nothing suited their theories of ultima te salvation better than physical discomfort; the mortification of the flesh was part of
their prudem scheme of an after-life insurance. Comfort was immoral." RUDOFSKY, 1955, p. 53. (•)
132

ocidencal, torna-a praticamente imune aos pensamentos maldosos. De um artigo de


comércio, ela foi promovida a um artigo de fé. A existência "sem cadeiras", sentimos, pode
adequar-se ao selvagem, mas é incompadvel com o nosso modo de vida. 209

Figura 2.2.02 - l!.spaço de estar com uma espécie de divá de alvenaria coberto com almofadas, c um tamborete.
L1 Casa, em Frigiliana, na üpanha, de Bernard RudoFsl._-y, 1969-71.
Fonte: LOREN; ROALERO, 2014. p. 77.

No século XX, a cadeira- icone máximo do desenho de mobiliário- é um recurso muito utilizado
pelos arquitetos para simbolizar a modernização e a introdução das novas tecnologias na arquitetura,
mas principalmente, no interior do ambiente doméstico. A utilização de elementos industriais - como
o metal e os plásticos, aliada a uma estética limpa e sem ornamentos - em teoria simboliza uma

lOY"Sitting on chairs is an acquired habit, like smoking, and abouc as wholesome. The chair's supposed indispensabi liry, its indispucable
position as the very hallmark of\Vestern civilization, makes ir nearly immune to unkind rhoughrs. From an arricle of trade, ir has been
promoted ro an arei de offiuch. A ch<úrless existence, we feel, may suic che savage, bm is irreconcilable wich o ur way ofLfe." RUDOFSKY,
1980, p. 62. (')
133

preocupação sobretudo com a funcionalidade, e se propõe a apresentar um grau de inovação que, no


entanto, não resiste à uma análise mais essencial desta função, transcendendo a estética, como tenta
realizar Rudofsky.

Escultores c arquitetos sempre se interessaram na cadeira como um objeto escultural. Com


licença artística, eles tratam cadeiras como um problema escultórico de interseção de planos
e formas. Projetar uma cadeira apresenta problemas iniciais para estudantes, apresenta uma
oportunidade para que arquitetos experientes tirem proveito das calmarias em sua prática, e
faz parte do hábito de conceber todos os detalhes de um ambiente para este seja coerente
com suas ideias arquitetônicas mais amplas. Cadeiras são as favoritas dos arquitetos
ocidentais contemporâneos, que as amam por serem ao mesmo tempo antropomórficas
[uma cadeira possui braços, pernas e costas l e arquitetônicas. Quase todos os grandes nomes
da arquitetura do século X.X- Brcucr, Mies van der Rohc, Bcrtoia, W right, Corbusicr, Aalw
-desenharam cadeiras f.<mosas com as quais convivemos ainda hojc.210

Figuras 2.2.03-04- "O design industriallwje é funcionalmente motivado e segue os mesmos princípios da arquitetllra moderna: a
simplicidade da ndquina, a suavidade da .mpcdícic, c evita o om,uncnto"211, comen ta l'hilip}ohnson, curador da mostra "Objccts:
1900 and Today" aberta no lvfoiVfA, Nm·a Iorque, em I933. As duas imagens most:-ando a "evoluç;ío" do mobi/Utio, com uma cadeira
em estiloArr Noveau (de Elward Colonna, 1899. a esquerda), e uma moderna (de lvfies van der Rohe, 1927, à direita), demomtram
que cst'l suposta evoluçáo é sohrcwdo estética, c náo necessariamente funcional. Fonte: http:l/moma.org/ealendar/cxlúbitions/1789

Da mesma forma que outros objetos e costumes que habitam de forma disseminada e silenciosa a vida
doméstica, o hábito de sentar-se em cadeira é algo que se toma como certo, incontestável. Ao analisar
a história da cadeira, e de que forma ela se instalou na cultura, Rudofsky ao mesmo tempo que auxilia
na compreensão do quanto ela representa um símbolo de status, indica também algumas das inúmeras
alternativas utilizadas ao redor do mundo para fins similares, muitas vezes apresentando resultados-
segundo sua ótica particular - muito mais desejáveis.

lltl "Sculpto1·s and architects h ave always been interested in the chail' as a sculptul'al object. \'Vith anistie license, they treat chail's as a

sculpcural problem of íncerseccíng planes and forms. Chaír desígn poses ceechíng problems for scudents, presencs an opporcuníty for
scasoncd architccts to takc advantagc of lulls ín thcír practícc, and forms part of thc úshion for dcsígníng all thc dcrails of an
en vironment to be consistent with its larger architectural ideas. Chairs al'e the favol'ite of contemporal'y \V'estern architects, who love
chem because they are both anchropomorphíc and archícectoníc. N early all of che bíg names ín cwentíech-cencury archícecture- Breuer,
Mies van der Rohc, Hcrroia, \Vright, C:orbusícr, Aalto- havc dcsígncd famous chairs rhat wc livc >vith roday". C:RANZ, 1998, p. 23-24.
(' )
211 "T oday industl'ia l design is functionally motivated and fo llows the sam e prin cipies as modern architecture: machine-like simplicity,
smoothness of surface, avoidance of ornament" JOHNSON em 1933 apud MOMA, 1933. p. 4 .
l.H

i\ necessidade de semar-se com um apoio para as cosca.~ é, para Rudofi;ky, algo frívolo. Em ccmpos mais
('lll tigoo;, qu~tndo o~ ttlt.:o~to.-> ('end iarn '"1 ~er ve:ttkai ').a c:tiquc:-(a dt::~apro\'a\'â o o;c;~J w>o. in dtml(Jo ~<.In prc::

a posmra de coluna crcca ao semar. 1\a medida que se busca relaxar csca posmra, dando uma pequena
i ndi na~:~o a t'>t«:: c;n (:osto P"lt':.t. pr.opc.ltt.:iotHJT. ~J rn ~upott:c; ~uJ t::t.}~Jado il"lra a colu r1a, o t.}~Je ~e n.ltl.'>tg~Jc:' é
uma siruaçiio de cominuo desequilíbrio, que pode ser observada pelas .inúmeras vezes que se taz
n~cc::s~:trlo rc::stHhc::lc::cc::r-">c:: ou rc::aconTod:tr-~c: "lu:Ult.Jo sc:nt~uJo J)()f Jon~,~ intc::rv:.~.los c.lc: u::rupo t:Hl urna
cadeira comum.

1:;;.rvra 2.2.05 · A ua!'~JJ,,',1fd.:u~~ ii7e>rt'nrc- .? ,rm-.r!m~ rit' s~n!':'lr é :':'lnst:~J&}.; 1;c:<o!'.: ri::~õ:?.rr..r. ( k~dt'm:u's :~o;:rt'ci:~:m1 c~~·~ ê m!•it:u ~:aõ7s:m\·.:~
:':'l.:J.n!'cr·s~ n..i. o:e-rct'f:-:1 ;w.n'~·lo.l·cmrt': ( ;J<.A.~'\iL. j')Jji/S, p. 5'5.

(rn ~urua, a neçc:~'>idadt' de: liHl enc:u~tu dc:ri\'n de: lnn:l idt:l:l (.li"~(.:I.Hl&.:~bld~• d.., no'>SO
dc~arnpJ.1'(L Alguérn pod.~ i rn:tgi lU I' htn piJ.ni~tJ. d.i..::sk<t J.PI'~scnt.'l1'-(1;e em
llm:L pnltc•m:L? O ll
andar a canlo ~m uma sda C'l>lll um. encosto? (... ) JJcacpitudc real .: im.1ginâda â part~,
nossa!' ldciJ.s comcrdais conJicionadas do úcil c do belo sao raran1cncc amparadas por
t:ltvs. ~.,

O çoo;tunlc; c.r<: ~en(ar.-~t:: <.In ç;l,(.ltira - ou o ,-kio> o~J h~i.bito adqu iri<Jo~ <:onflxnlc; rnendon :«Jo :{d rn~1 -
tem muico mais a ver com uma quesrão de prcsrígio, ou reputação social.• do que com confono.•

o:
-·:.: 'ln s:wrc. che n~~d t(>r a b.:.c:ne..t :,t..:n'l:, hL:t from ,\ p:·~.:ur:cciv~J ide.\ our he:?Je.,o:r:c:s:,. ( ::~.n a:'l)·bod)' in1~b..: •'· .:oncc:n phnio:c
p~rhmnin~ in :tn ~;:.s~: ::I:.Ur~ Or horo;eha..:k r:din~ in :t:,aà~.:Je w::h a b.v.:lm:"'t~ ( ...) A::tu,:.: :tnd f.:.n::i~~.:. J.~..:ripicud~ apart. uur ..:om1:1erd.:J
n):dl:i'.>l:cd idL·ll.s -.~f C;t~· -~~·ful.ulJ ch:.. bc.mci:ül l'.:·c r.ud>· sub:.tmi.itd. b~· f:\<::.~." H.UDOl·SA.Y, r· 62. ::")
135

segundo Rudof~ky: "Sentar-se ao chão insinua uma linhagem pobre, faz lembrar à prisioneiros de
guerra"2n. Em países de origem oriental, membros de todas as classes sociais senram-se da mesma hHma
ao chão. Príncipes e camponeses comem com a comida ao chão, junto aos seus pés. E este costume não
se relaciona à uma ideia de ascetismo, de renúncia, e sim à intimidade das pessoas com o chão, com a
terra. De forma semelhante, eludda Rudofsky, as crianças "em seu estado indomado são nativas ao
chão; como a maçã de Newton, elas são irresistivelmente atraídas para o solo"2 H:

.,

Figuras 2.2.06-08 -Engenhocas para a imobilizaçâo de crian ças, permssoras das cadeiras alta>·de alimentaçâo.
Fomes: RUDOFSKY, 1980,p. 50cRUDOFSKY, l987.p. 26.

Crianças não escondem sua aversão às lcadeiras]. Elas gostam de .se deitar ou se sentar no
ch ão ( ...). [Crianças) abominam as cadeiras (...), particul armente as armadilhas
denominadas ''cadeiras altas de alimentação'', c não se submetem ao seu confinamento sem

21
' "Sirring on rhe ground smacks of poor pedigree, ir calls to mind prisoners of war" R UJXWSK Y, p.63. (' )
2 14
"in his untamcd statc hc is nativc ro rhc floor; likc K ewton's <lpplc, h c is irrcsistibly drawn to thc ground" RL'DOFSKY, 1980, p. 49.
(')
136

ao menos serem t(Jrçadas c amarradas dentro delas; são tão humilhantes para das como uma
coleira o é para um cão.215

Figura 2.2.09- Cadeira infantil clünesa, feita de barro cozido. Fontes: RUDOFSK}~ 1980, p. 53 e RUDOFSK}~ 1987, p. 25.

Figura 2.2.10- Cadeira escolar do séc. XIX com cintas para condicionar a poswra.
Fontes: RUDOFSKY, 1980, p. 51 c l{UDOFSKY, 1987, p. 27.

Para ilustrar de que forma este condicionamento auto infligido limita as possibilidades de posições e
posturas possíveis sem recorrer à cadeira, Rudofsky faz referência ao trabalho de Gordon W. Hewes
( 1917-1997), antropólogo americano que estuda, a partir de uma série de fotografias de povos ao redor
do globo, o diverso leque de poses que podem ser feitas para repousar ou trabalhar em perfeito
equilíbrio, e sem o uso de qualquer tipo de mobiliário. Segundo Hewes, "o número de atitudes
corporais significativamente diferentes capaz de ser mantido de forma constante é provavelmente da
ordem de mil" 216.

2 1
' "Childrcn make no sccrct ofthcir avcrsion to rchairs]. Thcy likc to licor sit on rhdloor. (...) rChildrcn]loathc chairs (...), particularly
the uaps called "high chairs" and do not submit to their confinement unless clapped and strapped into them; they are as humiliating tO
them as a leash isto a dog." RUDOFSKY, 1955, p. 63. (')
2 16
"rhc numbcr of significanrly diffcrcnr body artirudcs capablc ofbcing mainraincd stcadily is probably on rhc ordcr of onc rhousand"
HEWES em 1955 apud RUDOFSKY, 1980, p.57. (•)
137

Figura 2.2.11 · Algum.2.s da.< mai,, de mil po.<sibilidadcç de çcnmr-.,e .<em o auxílio de mobiliário, .Kgundo ( ;OI'don \lí'. Hcwe.<.
.hmr<:$; J{UDOFSKY, 198(1. p. 58 59 c RUDOFSKY. 1!187, p. 21.

Além deste vasto conjunto de possibilidades, em seus textos Rudofsky se propõe a enumerar de torma
elucidativa alguma.s da.s maneiras de sentar possíveis de serem idcntitkadas nas principais culwras ao
redor do globo. Ames disto, porém, o autor f.l:t. questão de desmístitlcar a imagem do crono, um
símbolo (]li C:: figura no topo dos t]UC:: podc::m reprc::sc::mar status ao L]Ut: se enwmra sc::ntado. J\iluito maís
138

do que um objeto- um assento elevado, com braços e encosto alterosos -o trono representa ao longo
da história nada mais do que um cargo, e Rudofsky prova isto com uma série de ilustrações mostrando
soberanos do Egito, da Assíria, da China e da Inglaterra, entre outros, sentados em humildes bancos
ou tamboretes. Uma vez mais uma imagem familiar, o pomposo trono com encosto, nada mais é do
que uma projeção anacrônica ao longo da história que é devidamente escancarada por Rudofsky.

Figura 2.2.12 (acima, esq.) -Família do Rei Akhenaton, da oitava dinastia, sentada em hanws. Fonte: RUDOFSKi~ 1980, p. 64

Figura 2.2.13 (acima, dir.) -A mera presença da Rainha tr,uHform'l um tamborete em um rrono.
Fontes: RUDOFSKY, I980,p. 68 c RUDOFSR."Y, I987,p. 14.

Figura 2.2.14 (abaixo) -Rei Eduardo em seu palácio, sentado em um banco.


Fontes: RUDOFSR."Y, 1980, p. 69 c RUDOFSKi~ 1987, p. 15.
139

Figura 2.2.15- Vism gemi do rermç-o com wmboreres. LJ Cas:J, em Frigiliana, na Espanha, de Henw.rd Rudof~ky, 1969-71. Nesr:J
imagem. Rudofsky dispôc de três tam:mhos distinros de ramborcrcs de madeira c p:JIIJ:J, além de a.lgnns Feicos somen rc çom palha.,
como forma de ilu.>tmr uma po8sihilidadc de habirar ou ocupar um espaço sem a neccssidnde de caddm8 ou cncosrm.
Fonre: LORFN: ROA·ikRO, 2014, p. 65.

Um elemento com importância similar à do trono nas culturas orientais é o "Estrado" (em inglês
Rudofsky refere-se como "dais"), que nada mais é do que uma plataforma elevada- um "pavilhão de
um homem só"217, segundo o autor- situada no interior de um cômodo, ou em meio a um jardim, e
que tem a função de dar dignidade c visibilidade a quem o ocupa. A autoridade ou o aristocrata que se
utiliza deste estrado normalmente senta-se nele com as pernas cruzadas, utilizando somente uma

·''' "<tone-nwn pavilion" RUDOFSKY. 1980, p. 74. (")


140

almofada ou um pequeno tapete como base, para poder situar-se em um nível superior aos demais
presentes.

Figura 2.2.16- Dais, ou o ''parilhiío de umlwm~:m só". Pimura lrani;uw, pm'odo do Xd Tahmasp (1524" 76).
Fome: RUDOFSKY, 1~80, p.74.

Com características similares, o "Divã" original - oriundo do .império Otomano, e não o tipo
convencional, similar à um sofá - trata-se de uma plataforma igualmente baixa, mas normalmente
posicionada ao hdo de uma parede, demarcando unu área onde não se deve ingressar calçando sapatos,
e que serve para sentar-se nas m<lis diversas posturas que forem desejadas. Rudof->ky aponra a presença
de uma forma primitiva deste divã nas escavações da cida.d e neolítica de Çatalhüyük- na atual T urguia
-supostamente a cidade mais antiga do mundo, datada de cerca de 6.700 a. em

8
'·' RVDOFSKY, 1980, p. 79.
141

Figura 2.2.17- A1ulher turca fuma e toma café sentada confortavelmente em um di,·ã, séc. XVIII.
Fomes: RUDOFSKY, 1980, p. 77 e RUDOFSK"t~ 1987,p. 31.

tlgura 2.2.18- Divas primitivos na cidade de Çaralhüyük, .mposramenre a mais amiga do mundo, darando de aprox.6700 a.C.
Fonrcs: RUDOFSKY, 1980, p. 79 c RUDOFSKY, 1987, p. 33.

Outro elemento curioso e versátil apresentado por Rudofsky é o que denomina Ur-platform
(Plataforma Ur)2 19, que une em um mesmo objeto sofá, cama, banco e mesa. Originária da China, mas
também encontrada em outros locais incluindo o Japão, esta polivalente estrutura é, segundo o autor,
difícil de definir:

A plataforma escapa a fácil definição. Muito grande para ser chamada de uma peça de
mobiliário, ela é demasiado despretensiosa para ser classificada como arquitetura. Pensando
bem, de se qualifka como "mini arquitetura", particularmente em p<lÍses com u m clima
benigno, como a Oceania, onde constitui a maior parte da estrutura de uma casa. Ao
contrário de muitas outras amenidades domésticas de tradição milenar, não mostra sinais de
fadiga estilística. Nunca ter sido submetida à invasão da decoração pode ser a explicação do
seu frescor perene. 22u

No Japão, segundo Rudofsky, a plataforma assume um papel de pretensa "segunda morada", tomando
a forma de um cômodo ao ar livre, protegido pelo jardim, porém a céu-aberto. Além deste aspecto
íntimo e doméstico, é possível encontrar exemplos destas plataformas em locais públicos e abertos,
criando magníficos espaços de estar em locais como no topo de montanhas, na beira de algum lago, ou
até no meio de um rio. 221

21 ' RUDOFSKY, 1980, p. 79.


210
"Thc plarform escapes f.-Kilc ddlnition. Too hugc w bc callcd a piccc of furnitu rc, ir is tuo unassuming tu bc classificd as architccturc.
On second rhoughr, ir does qualify as mini-architecrure, parricularly in counrries wirh a benign climate, such as Oceania; where ir
cunstitutcs thc major portiun ufa housc's srrucrurc. Unlikc many anothcr dumcstic arncnity uf millcnarian t radition, ir shows no signs
of srylisric fatigue. Never having been suhjecred to rhe encroachmenr of decorarion may accounr for its perennial freshness."
RUDOFSKY, 1980, p. 80. (')
221
RUDOFSKY, 1980, p. 80-85.
142

Figura 2.2.1 'J- Nohre peça de mohíli<Írío que .çc1Ye como escriY:minha, mesa, cadeira c sofí, m<tç d cKonhccida no ocidente. Fon rc:
RUDOFSKY, 1980, p.74.

Figura 2.2.20 ·Plataformas sobre o Rio Kamo em Kyoro, no]apiío. Fome: RUDOFSR.r~ 1'./!W, p. 84-85.
143

Retomando a discussão das relações culturais e corporais dos povos ocidentais com suas "engenhocas"
de sentar, Rudofsky introduz um tema que denomina de "Patologia do Balanço"222• A este respeito, o
autor novamente busca abalar as noções do que é conhecido ou não, c concentra-se em descrever de
forma provocativa a série de modelos de assentos, cadeiras ou atlns, que possuam algum tipo de
movimento em sua composição. O primeiro exemplo apresentado é o balanço, tipo de assento
normalmente associado à um brinquedo infantil. Segundo Rudofsky, o balanço possui um papel
terapêutico desde a Grécia antiga, onde eram utilizados por jovens mulheres em "festivais de balanço",
cuja trilha sonora claramente denunciava o teor sensual da sua finalidade. Em locais tão distintos
quanto no México, na Índia, em Roma, na Pérsia e na França, ilustrações mostram que o balanço
possuía a função de aliviar as tensões sexuais reprimidas de jovens que, por exemplo, estavam longe de
seus maridos por terem sido enviados à guerra223 • Segundo Rudofsky, "o balanço servia como um
escape para sentimentos reprimidos da natureza mais violenta. Ele transformava, por uma espécie de
alquimia, 'moção' em emoção"224 • Além do balanço, a bicicleta também poderia, segundo o psicólogo
inglês Havelock Ellis (1859-1939), incitar efeitos similares: "A maioria das autoridades médicas em
bicicleta são da opinião de que, quando o ciclismo leva a excitação sexual, a culpa é mais da mulher do
que da máquina"22".

Figura 2.2.21- G arota em um balanço. Detalhe de um \•aso grego de cerca de 4 70 a. C


Fontn: R UDOFSKY, 1980, p.SGe R UDOFSKY, 1987, p . 37.

121
"Parholo~;ie des Schaukelns" RUDOFSKY 1987, 1). 36. (•)

'?.l RUDOFSKY l9S7,p. 36-40.


22
~ "rhc s\ving servcd as an ourlet for pcnt-up feclings of a more violcnr naturc. Tt transformcd by a kind of alchcmy, motio n into
emocion." RUDOFSKY, 1955. p. 72. (' )
22
; Most m edicai authoritics on cyding are of the opinio n t hat whcn cyding lcads to sexual cxcitcment, rhc fault lics more v•irh thc
w om an rhan with the machíne" ELLIS apud RUDOFSKY, 1980, p. 92. (')
144

Figura 2.2.22 " Ga.rora fndia se balançando, de 1\lfrcd}acob Millcr, séc. XIX.
Font(;'s: RUDOFSKY, 1980. p.93 'RUDOFSKY. 1987, p. 39.

Seguindo pelo mesmo viés, o desenvolvimento de alguns modelos de "Cadeira de Balanço", afirma
Rudofsky, pode ter sido impulsionado pelas mesmas "propriedades terapêuticas" já mencionadas. A
chamada The Healtl1jolting Chair (Cadeira da Saudável Sacudida) é um dos modelos que, segundo
comenta o autor, "pertence ao ramo da neurologia, ao invés de mobiliário doméstico" 226 • Sobre a
cadeira de balanço convencional, desenvolvida sobretudo a partir do século XIX, Rudofsky observa:

A favorita das espécies instáveis, a cadeira de balan\o comum - dcsccndcncc assexuada do


balanço - carece complctamcncc da coragem de um cavalo. Trata-se em essência de uma
versão geriátrica do berço, dispensando tédio materializado. O viciado balança nela como se
exorcizasse alguma doença vagamente percebida. Quaisquer que sejam suas tencações, a
cadeira de balanço mantém-se o deleite do inculto.227

116
"bclongs in rhc provincc of ncurology, rathcr rhan homc furnishings" RUDOFSKY, 1980, p.95. (•)
117 "The favor ite of rhe unsteady hreeds, the common rocking chair- de,<exed de,scendant of the swing- complerely lacks a horse's mettle.
In es-;ence it is the gaiatric version of t he cradle, dispensing boredom incarnatc. The addict sways in it as if to exorcise some vaguely
percc:ived aílment. 'W'hatever íts enticements, the rockíng chair remained thc: lowbmw'o ddight." RUDOFSKY, 1980, p. 97. (*)
145

Figura 2.2.23 - Ferram ema de "sacía1nmto da libido feminina·~ a "Cadeira da Sa tHiávcl Sacudida".
Fontes: RUDOrSKY, 1955, p. 58; RUDOFSKY, 1980, p. 94 e RUDOFSKY, 1987, p. 44.

Por fim, unindo o tema da "patologia do balanço" com as alternativas à cadeira como suporte para o
repouso ou deleite, Rudofsky aponta a contribuição dos nativos americanos com a invenção da rede,
que após o descobrimento da América foi difundida por todo o globo, sobretudo pelas mãos dos pobres
marinheiros, que nela viram uma forma inteligente de renovar as opressivas acomodações dos navios
mercantes às quais estavam sujeitos228 •

Figura 2.2.24- A descoberca da América por América Vespuccio coincide com <I descoberta d,~ rede.
Fontes: RUDOFSKY, 1955, p. 59 c RUDOFSKY, 1980, p. 100.

m RUDOFSKY, 195S,p. 74.


147

2.3. Higiene

Por definição, higiene refere-se ao bem-estar físico e mental do homem. Isto envolve uma
série de disciplinas saudáveis e também assuntos tão corriqueiros como comer e beber; o
vesruario; o uso de medicamentos; a conduta da vida sexual; e por último - m as não menos
importante- a anaromia das habitações e de rudo o que p ;tssa com elas.229

Como é possível notar pela definição apontada acima, o conceito de higiene para Bernard Rudofsky
estende-se um pouco além dos aspectos de asseio pessoal ao qual o termo está normalmente associado.
Um equívoco fundamental da concepção atual de higiene, aponta Rudofsky, é a confusão entre
"limpar-se" e "banhar-se". Para ele, o que hoje é considerado "tomar um banho" seria apenas o passo
inicial de "lavar-se" como preparação para o que julga ser- assim como o fizeram e ainda o fazem
inúmeros povos não ocidentais - o verdadeiro "banho", que possui propriedades sociais, sensuais,
sensíveis e de bem-estar do corpo e da mente que vão bem além da mera necessidade de estar limpo230 •
Segundo Rudofsky, a manifestação mais clara desta suposta falha estaria no fato de que na casa
moderna todas as atividades relacionadas ao banho, limpeza e asseio do corpo são realizadas
normalmente em um mesmo local, que segundo ele estaria equivocadamente denominado de
"Banheiro" ou "Quarto de Banho" (Bathroom, em inglês). Em alguns locais da Europa, assim como
em grande parte do mundo oriental- em especial no Japão- esta junção nunca ocorreu, ficando a
"latrina" em um ambiente separado do local da limpeza e do banho até os dias atuais. Mantendo-se
esta importante separação, esta parte do texto tratará somente da limpeza e da higiene, e não dos
aspectos relacionados ao banho, que estarão melhor detalhados no próximo capítulo.

Figuras 2.3.01-02- "Falsa modéstia pwduz uma crise de identidade entre os utensílios de higiene, nada é bem o que parece ser"2 ",
comcn ta sobre esta foto Rudofslcy. l'enico de louça com rampa (esq.). Poltrona de rime com penico embutido ( dir.)
fontes: RUDOFSKY, 1980, p. 112 (esq.); p. 113 (dir.) c RUDOfSKY, 1987, p. 72 (esq.) c p. 73. (dir.)

229
"By deflnition, hygiene is concerned with man's physical and mental wdl-being. T his involves a numb er of wholesome disciplines as
wdl as such humdrum mattcrs as catíng and drinkíng; clothíng; thc use ofmcdicamcnts; thc conduct of onc's scx lifc; and la se not lcast,
the anawmy of dwellings and everythingthat goes with ir." RUDOrSKY, 1980, p. 108. (*)
2
"' RUDOFSKY, 1955, p. 119. (•)

m "False modescy produces a crisis of ídentícy among hygienic appliances; nothíng is quite what ic pretends to be" RUDOFSKY. 1980,
P· 72. (*)
148

Todas estas questões de higiene, para Rudofsky, têm a ver com a atitude que o cidadão ocidental possui
em relação ao seu próprio corpo: "Um encontro infeliz de circunstâncias- um clima rude, uma dieta
angustiante, e o nutrimento de sentimentos hereditários de culpa- causaram uma cisão entre mente e
corpo na qual nenhum dos dois ganhou"232 • Mais além de aspectos morais e religiosos, grande parte
das sociedades urbanas e industriais foram fundadas e desenvolveram-se em meio à sujeira e a poluição,
alimentadas por poeira e suor, como se a higiene em algum ponto pudesse ser considerada um peso ou
um estorvo ao progresso 233 • O distanciamento entre este pensamento e as raízes desta civilização
mostram o quanto este panorama foi alterado ao longo dos séculos:

Por mais que Grécia, Roma, e o mundo do Islã nos tenham fornecido a base para nossa ética
e filosofia, artes e ciências, em suma, para quase tudo o que nos deva acima da existência
animal, nós não parrJhamos das suas opiniôes sobre o mundo tangível. Nós nunca os
perdoamos em sua preocupação com o corpo humano. 2·H

Alguns exemplos da "Arquitetura Moderna" do século XX ilustram como esta questão do banho e da
higiene têm sido levada à alguns extremos, principalmente através de estudos sobre a pré-fabricação,
automação e mecanização de todos os seus aspectos. Dois destes exemplos, talvez os mais
emblemáticos, são o banheiro da Casa Dymaxion, de Buckminster Fuller, em 1936, e o banheiro da
Torre-cápsula Nagakin em Tóquio, no Japão, de Kisho Kurokawa (1934-2007), em 1971. O objetivo
de ambas soluções é agregar o máximo de equipamentos e atividades em um mínimo de espaço,
utilizando para isto cada cm3 disponível, e fazendo com que as inúmeras funções de limpeza e higiene
consideradas mínimas e saudáveis fossem realizadas da maneira mais racional, mecânica e eflcien te
possível. O resultado são ambientes frios, claustrofóbicos, sem entrada de luz natural, ou seja, nada
poderia estar mais distante dos conceitos valorizados por Rudofsky do que este tipo de raciocínio ou
resultado.

Figura.ç 2.3.03-06- Banheiro da Casa Dymaxion, de Huckminscer Fuller, 1936. Desenhos do registro de patente {esq.), e fotm de um
protótipo instalado no lvfuseu Henry Ford, em Detroít, 1\JicliÍgan ( dir.).
Fontes: MERIN, 2013 (esq.) e Acervo do Autor (dir.).

232
"An unhappy cncountcr of circumstanccs - a rude climatc, a distrcssing dict, and thc nursing ofinhcritcd fcclings of guilt - causcd a
schhm bccwccn mind and body from which ncichcr gaincd" RUDOFSKY, 1955, p. 119. (*)
233
RUDOFSKY, 1980, p. 106.
234
"Much as Greece, Rome, and che world ofislam have furnished us che basis for our ethics and philosophy, arts and sciences, in shorr,
for mosr everyching chac lifcs us above che animal exisrence, we do noc share cheir views on che cangib.le world. W/e never forgave chern
in their preoccupacion wich che human body." RUDOFSKY, 1955, p. 120. (')
149

161
hguras 2.3.07-09- Tone-dpsula N agakin em T óquio, no }apiTo, de Kisho Kurokawil, 1971.
Vista externa da Torre (esq.), Vista intcn1a (centro) c isométrico da cápsula, com o banheiro em deswque (dir.).
Fome.>: MONTAN.cR, 1993,p. 122 (e>q. e centro) e KOOLHAAS~ 201 4, p .J 161 (dir.).

Um dos tópicos escolhidos pelo autor para melhor caracterizar estas diferenças entre a abordagem
convencional e "moderna" a respeito da higiene, e as maneiras tradicionais e orientais de vida
doméstica é a escolha de posição para a "evacuação". Rudofsky defende que a "abdicação do trono de
porcelana está muito atrasada"235 , e em função deste trono a prisão de ventre- que comenta "perde
somente para o resfriado comum como causa de faltas à escola ou ao trabalho"236 - é um dos males que
mais aflige ao homem moderno, mas

No entanto o selvagem, como nós levianamente chamamos o ser humano sem cartões de
crédito ou número de seguran~a social, não tem dificuldades em esvaziar seu intestino. Ele
o consegue sem nenhum recurso à caixa de remédios ou ao homem da medicina, realizando
sua atividade tão rapidamente quanto um gato. Nem tanto para o homem industrialmente
condicionado. O que distingue radicalmente os dois é a sua postura de eliminação: o
chamado homem primitivo se agacha, enquanto que nós nos sentamos. 237

Se pressionados sobre uma opinião, afirma Rudofsky, grande parte dos médicos tendem a admitir que
a volta da postura de cócoras para a "evacuação" seria uma das melhores maneiras de amenizar este
problema, mesmo que a grande maioria deles não siga o próprio conselho238 •

m " Di e Abdankung des Porzellanthrons ist seit langem f.illig." RU DOFSKY, 1987, p. 72. (')
23
r, "ranks second to the common cold as a cause ofabsenteeism" RUDO~SKY, 1980, p. 109. (')

m "Yer rhe savage, as we lighrly cal! a human being wirhom credir cards and social securiry number, has n o difficulry emprying h is
bowds. Hc succccds without rccoursc to mcdicinc cabinct or mcdicinc man, pcrforming his busincss as brisldy as a cat. N oc so thc
indusrrially condirioned man. What radically disringuish es rhe rwo is their eliminarion p osrure: So-called primirive 111<111 squars, whereas
we sit." RUDOFSKY, 1980, p. 109. (•)
238 RUDOFSKY, 1980, p. 109. (•)
150

Figura 2.3.1 O- Vaso sanirário ao c.\rilo turco. Para o autor, a pmtura cmTcta para "e;vaziar o intestino" é de: cócoras.
Fonre: RUDOFSKY, 1987, p. 74

Desde um ponto de vista arquitetônico, ao separar-se a latrina das demais atividades relacionadas ao
banheiro, não seria necessário relegá-la a um local enfadonho e afastado, muito pelo contrário, sua
intimidade pode estar abrigada em um lugar tranquilo e agradáveL Rudofsky uma vez mais faz
referência à milenar e sábia cultura japonesa - onde inteiras gerações de imperadores e plebeus
agachavam-se ao defecar - ao apontar e descrever de forma poética e primorosa uma latrina clássica
pponesa:

Jamais foi inventado um cenário mais agradável para o visitante sem pressa do que a clássica
privada japonesa: um lugar para a contemplação, o recanto de um filósofo. Seu lema é a
escuridão. Através de uma pequena janela entra um fraco feixe de luz, revelando uma célula
curiosamente mobiliada. O grão do estuque da parede é do mais fino; as tábuas do teto são
perfeitamente combinadas (um sinal de padrões impecáveis); o piso é de laca preta. No lugar
de um trono vazio, há um furo oblongo no chão, forrado com porcelana e fechado por uma
tampa de madeira com uma longa alça. Chinelos de porcelana tão grandes quanto pedras de
pisar flanquciam seus lados.

Uma natureza morta composta por quatro objetos ocupa o topo de um armário baixo: uma
única flor, um pouco murcha, em um desses ti·ascos rústicos que normalmente associamos
com o bom gosto japonês; uma bandeja de onde espirala uma fumaça azulada, com não mais
do que um toque de perfume; um leque aberto com um poema inscrito em traços concisos,
ou um pensamento para o dia, ou uma amostra de humor escatológico. O leque não é para
só mostrar, mas para usar. Em nenhum lugar da terra pode o homem realizar sua atividade
mais humilhante com tanta dignidade c abandono. 219

z'• "No more congcnial sctting was cvcr contrivcd for thc unhurricd visitar than thc classical J apancsc privy: a p lacc for contcmplat ion,
a philosopher's den. Irs keynorc ís darkncss. Through a small window a weak shaft oflight entcrs, disdosin g a curiously appointed cdl.
T hc grain of rhc smccocd wall is of chc flncst; chc boards o f thc cciling are pcrfccdy matchcd (a sign of impcccablc standards); chc floor
151

Figura 2.3.11 - L;~rrina Cl;bsica];~poncs<>. R(.·consrrvç;io ck lkmarcl R11clof;ky para <I ç:<po!>iç;io
"Now I L;~y ;\·k Down w [ar", no ;\.fvscv Coppçr-Hnvirr ch- Nova fonJo'·· çm 1980.
Fonrç: RUDOFSKY, 1987, p. 81

Outra possibilidade de distinguir os costumes do oriente dos ocidentais seria pela maneira como se
limpam as pessoas após a "evacuação": lavar com água versus "lavagem à seco". De acordo com
Rudofsky, o resultado do mérodo ocidental com papel higiênico "não é melhor do lJUe o alcançado por
um limpador de para-brisas sem água"2 ·ío.

is black lacquer. ln lieu o( a hollow throne, there i.1 an ohlnng hole in rhe tloor, lined with porcehin and dnsed hy a wonden cover with
,1long hamUe. Porcdain slippers as bigas stepping stones fLmk its sides.

A srilllife comp osed o f four objecrs occu p ies rhe top o f a low m biner: a single tlower, a little drowsy, in one of rh ose m sric jars we h aw
come to idw rify wirh .J ap an ese lúgl1 raste; a tray from which spirals bluish smok e with no more than rhe su spkion o f a sc.em ; an open
fan inscribed in terse strok es wirh a poem . or a rhoughr for th e day, or a sample of scatological humor. The r:u1is no r for show bu t for
use. N owhere on earth does m an go <tbom his m o st humilia ring business wirh so mu ch dignity and abandon." RUDOFSKY. 1Y65. p.
Jü-J l. (')
11
" "i.\ no hcttcr than th:u of •l windshidd wipcr run d ry' RU J )() FSK Y, l 9RO, p. J J J. (')
152

Fjx"r<l 2..3.12- .. o~ i.U:~l\:i(.r.) d~ Jwllwr c:~·c:;:roi<'t~i<.;u du lwillt'lU odo'tm::•~I p<:rt:('~Ill <.:OillpC:.n:i<lr Q~ ~·enrimtnru~· iiH:<tiHc:it'Jit~~· dt'
ÜJiidClJUaç·~il> 20 lidar com .~ua hibricru: p!'.o;~·oa/"1 'i. Fonr!'; Rf}'f)()J:,.;J(f: 1.'.1.')(). p. 111.

Sobre as variedades e possibilidades do aro de urinar, Rudof~ky eira novamente Havelock Ellis: "Em
todo o mundo, o costume primitivo pil.rece em geral rer sido o inverso do que consideramos como
normil.l: A mulher de pé c os homens muitas vo.cs agachil.d.os,':!.->~. ScgLLIH.l.o o autor, as "m11pas de b,tíxo»
inro:á~n:m hasmntç n.;src çost1.11nç, já ~Jil<.: sç tratam de 1.1.111a invc.:nc;ão recente, utíli:.:adas somente a
p;tnir do final do sÇçu.Jo XIX. Sem as çalc;as de baixo, ç normalmc:nrç 1.1.tíli7,ando saias ou vc:stidos, o
hábiro feminino de urinar de pé 011 aré ao caminhar não seria considerado tão impossívd assim2 "J. Por
motivos distintos, Rudofsky defende que a "it.'l.laldade de gêneros" nesre aspeçro já tenha sido
alcan~ada, e que a mulher pode considerar-se emancipada pela possibilidade de urinar de pé:

As t~ü.:~ .üo c')hvh\s: t.(ual~u~r t:otltatu <.:om o cts~ento ~ a tampa Jo vaso sat1ititrio ndu C::

apenas <ksfa.vorh·cl. mas uma ameaça à sail<k Um limíl de pa.pd dobravd <JIW ê d<:sca.rta<lo
após o uso. pode servir como um subsrimto para o pénis, impedindo também, porranro.
qu~ti<JU~r tipt> de ~njdra tut."i roupas. Frn stuw1, o mit:túrit, é tã<• iudisp~nsáv~] <luant«) o hid~
em \1111:1 <.::l.Síl dvilizad:1.~

:oi ·•w:~~l~t·n n·.tn';; llts or s~.nnlügic;}( :wnwr sc~n· lfl Lflrnp..:rB:H.~ fot• th~ lJj~~ons.:iOIL-i f~ding.~ o( irl:ld~<:ll.~~y in d~:lling -.vüh P~l'.-i()j);}]
hygien<" Rl..'DOfSKY.l%0, p.lll. (')

~ 11 "Allcu:ound the' world, th< primich•< rustom SC'<ms gen<ntlly co hcwe' bt<er: tht' J:C'\'C'ISe of \lihm \\'C' rulv< come to regcu:d as nonn;tl~ The'
woman <eand and mcn ofcon «1uat- ELLT~ apud R UDO FSK Y, 1980, p. 111. ('')

.;, Rl!l )OJ'SKY, 1980, p. 112. ('')

:.i.. ·'l )i.: lkw~~~·rnd~ .-iind d n:cuducnd: jcd.w~-.k lk1·li lwu ng mil d.:rn K1ft(l;.:lt~ü z und Klosütd.c.:kd 1st nidu. rlllr .r.tt·,vi<.k1·. i-nrtdcl'n
bt'dru1tt e.lie Gc~uud~teit, Iin f.tltb.ttcr P•tplerttkhter, ~t'I 11ad1 Gebr•llldt ·N~g_~t'wuriCH winl. dit'nc ah Ennt:t ilir dt<n P~nis, \':urn:t .t.l<.:lt
j..;dc V'crunrc:nigung der .1\.lcidung vcrmicd<:n wir..:l. Kurz. das Urinb.:ckcn isc im zh:ilislcrccn Haush:tlt gcnau S() tul.:ncbchrlich ~'ic das
Bi.'.cc." J{t.:'Dm~KY. 1~~7. p. ~O.(<)
153

Figuras 2.3.13-14 - Um curioso berço com um furo para drcn:tgcm ao fundo, complcmcm:tdo com wbos em form;t de cachimbo -
com abertura oval para as meninas, ou circular para os meninos- fixados aos bebês com uma rira de tecido, possibilitam conduzir
dlcicnrcmcnrc a urina ;tré um recipiente colocado logo :lbaíxo do berço. Turlccstfio, séc. XIX.
Fontes: 1\.UDOFSKY, 1980,p. 1 14c RUDOFSKY, 1987, p.78"79.

O bidé, mencionado no trecho acima, é segundo Rudof,ky um objeto injustamente renegado na


cultura norte-americana: "Embora fabricados neste país, se destinam, como bombas, somente para o
154

consumo estrangeiro"245• A origem desta aversão seria, de acordo com o autor, o pudor religioso que
impede de l}Ue haja em uma casa um aparato que seja exclusivo para limpar as "partes de baixo".

Figura 2.3. I 5 - Bidês com ace~~órios. Pari~, Fran<_:a, cerca de 1770.


Fomes: lWlXWSKY, 1955, p. 100 c RUDOl-'K l', 1980, p.l20.

Outro tema que ilustra a preocupação de Bcrnard Rudofsky com a higiene- afastando-se da latrina c
do lavatório - é a qualidade c a limpeza do chão no interior das residências. Para o autor, "um bom
piso é mais do que um deleite para os olhos, ele apela para o mais sensual dos sentidos, o toque" 246•
Discorrendo sobre a sensação de tocar com os pés descalços os pisos acarpctados de uma mesquita, ou
o pavimento de ladrilhos da casa simples mediterrânea, Rudofsky lamenta que nas casas ocidentais os
pisos mais nobres estejam constantemente sujos ou então cobertos de mobílias c miudezas. Para traçar
a comparação entre estes pisos límpidos c a cultura de sujeira dos países anglo-saxões que busca
denunciar, Rudofsky transcreve um trecho de um livro dos amores Albcrt Bcmis c John Burchard,
chamado Til c Evolution o[til c H ouse (A Evolução da Casa), que descreve uma casa típica inglesa de
poucos séculos atrás:

A maior parrc da fumaça( ...) se estabelecia nas vigas como fuligem (...). Durante a. estação
úmida a fuligem absorv~::ria tanta umiJaJ~:: gut <.:aia wmo ~.:h uva. Por mais desagradável yue

w 'Though manufactunJ in this wuntry, it is intcntlcJ, !ih bombs, for forógn wnsumption only" RUDOFSKY, 1955, p. !46. (')
2'11' "a good floor is more th:m a dclighr fin- thc cyc, ir appcals to thc mosr scnsLious of scnscs, tm1ch" RUDOFSKY, 1955. p. 186. (' )
155

isso pudesse ser, melhorava o chão ao cobrir o refugo da refeição de ontem. Quando o piso
tlcava muito sujo, ele era coberto com um novo suprimento de palha. 247

.Figuras 2.3.16-18 - Piso de azulejos pintados à mão po1· Bernard Rudofsky, ilustrando a região da baía de Nápoles.
Casa Oro, N:ípoles, Idlia, de Bernard Rudofsky e Luigi Cosem:a, 1935-1937.
Fontes: LOREN: R O MERO, 2014, p. 288 {acima) c ROSSI, 2012, capa c coJltracapa (abaixo).

Os calçados- ou ausência deles- são para Rudofsky o fator mais importante para manter-se a limpeza
no pavimento de uma casa. Para ele, não retirar os sapatos ao entrar em casa é a maneira mais eficaz de
transportar a sujeira das ruas- incluindo o cada vez mais onipresente excremento de cachorro- para
o interior doméstico. "A advertência para tirar os sapatos antes de se entrar em uma casa (a casa
japonesa, por exemplo) é sentida, mesmo que muito vagamente, como humilhação - como se alguém
o alertasse sobre sua braguilha"24R, comenta Rudofsky. Para ele, além disto, ao andar calçado dentro de
uma casa perde-se completamente o contato tátil com o chão, que é fundamental para uma pessoa que
valorize os sentidos e as diferentes texturas e sensações provocadas por diversos tipos de materiais,
desde que devidamente adequados ao clima.

247
"Mosr of rhe smoke (...) serrled on rhe beams as soor (... ). During rhe damp season rhe soor would ahsorb so much moisrure rhar ir
fdl off and showcrcd down. Unplcasanr as this might bc ir improvcd thc fluo r by covcring thc rcfusc ofycstcrday's mcal. \V'hcn thc floor
grew roo foul, ir was covered \Vir h a fresh supply of rushes." BEMIS; BURCHARD, 1936 apud RUDOFSKY, 1955, p. 1S7. (*)

N "The admonírion to rake off our shoes before enreríng ahouse (a japanese house for example) ís felr, íf ever sovag11ely, as humílitaríon
-as i fone were told to adjust one's fly" RUDOFSKY, 1955. p. lS7-lS9. (*)
IS6

Figurn 2.3.19- "i\. !·.vm j.1p{mc1m dá1i.ska ~ il cpkonu· da limpa<t c dapLU'é'Z<t Jll<•r<:rilll ~ ~~~uttriYalll~lHc.
s. ~p~M 0$ de: J'Ui'i s.1o d<.'spn.·~~~dO$ ~~~<;$jm como c~~A.1ô:·~~~'Õ (,' c~~.m~~~'Õ ......,. ,..O.'II ('; 1{(..'DO,.. SK r, 1987. p.68.

~"" ..Da.~; Idasslsch.: japanlsch<· Haus isc der lnbcf:-'litl' von Rcinlichkclc und Rdnhdc im Juac.:ridlcn und übcr:ragcn.:n Sinn.
SCI':tf!cn.chu hc .<i nd d><n.<o vcrpi\nr. wic Scs<elu nd.lkrr<~:.' [{l; l lOI'SK Y, 19~7. p. 6R (')
157

2.4. Banho

Você poderia imaginar que algum dia comer em companhia possa ser declarado ilegal? Com
certeza, isso não seria lançado a nós tão de repente quanto um novo imposto; mas
provavelmente surgiria gradualmente. Inicialmente, as arbitrariedades da moda iriam esfriar
a respeito da grcgaricdadc na mesa de jantar c começar a olhar para da como gauchc ou fora
de moda. Livros de etiqueta talvez pressionem este ponto c pronunciem que a convivialidadc
é imprópria, ou melhor, desprezível e, mais cedo ou mais tarde, acabem por considerá-la
indecente. Além disso, como pode ser esperado que o mundo em geral mantenha o habito
de comer convivialmente, iremos reivindicar que comer en deux, ou em companhia,
especialmente em companhia mista, seja algo excêntrico. Uma coisa improvável de
acontecer? ( ... ).Quem descarta como absurda a probabilidade de que um jantar seja invadido
pela polícia- lembrem-se da Lei Seca- melhor pensar duas vezes. Basta refletir sobre o que
aconteceu com o banho! 25°

Na analogia mencionada acima, Rudofsky busca ilustrar de que forma o hábito de banhar-se foi
transformando-se ao longo do tempo de uma atividade coletiva e gregária, em algo isolado e individual,
normalmente realizado em um cômodo frio e solitário. Para o autor, o estranhamente que surge ao
insinuar esta analogia é o mesmo sentimento que poderia surgir se fosse mencionado a um Romano da
antiguidade, ou a um francês ou alemão da época medieval, que existiria a chance de ocorrer algo
semelhante com o banho. As termas para eles, aponta o autor, eram ambientes tão corriqueiros quanto
os atuais restaurantes.251

Além disto, conforme já mencionado no capítulo anterior, o que hoje é considerado "banho", para
Rudofsky refere-se na melhor das hipóteses a um eufemismo, ou no mínimo trata dos passos de
limpeza corporal que segundo ele antecederiam o ritual sensível e prazeroso que considera como digno
para uma pessoa con sciente da "arte de viver". Uma banheira, por exemplo, não é para limpar-se, e
seria, portanto, necessário já estar limpo antes de que se ingresse em uma: "Na Índia, as pessoas
consideram um banho de banheira comum um hábito extraordinariamente sujo. O pensamento de
sentar-se em sua própria água suja é totalmente revoltante para eles" 252 , explica Rudofsky, citando
novamente a escritora indiana Santha Rama Rau. Tanto a questão dos aspectos sociais anteriormente
relacionados ao banho, quanto os seu s benefícios sensuais, são os dois principais temas de Rudofsky ao
referir-se a este "aspecto essencial" d o habitar.

250
"Can you imagine that some day eatingin company will be dedared unlawful? To be sure, this would not be sprung on us as suddenly
as a new cax; ir probably would come abom gradually. As flrst, the arbicrers of fashion might cool coward gregariousness at che dining
tablc and bcgin to look upon ir as gauchc or unfashionablc. Etíqucttc books might pcrhaps prcss thc point and pronouncc convivialíty
improper, nay, despicable and, sooner or !ater, end up considering it indecent. Besides, as the wodd at large may be expected to stick to
che habic of convivia! eating, we shall claim eacing, or in company, especially in mixed company, to be oudandish. As unlikely ching co
happcn? ( ... ) \Vhocvcr dismisscs as prcpostcrous thc likclihood of a dinncr parry bcing raidcd by thc policc · r cmcmbcr prohibition -
betterthink twice.Just p onder what happened do bathing!" RUDOFSKY, 1955, p. 117-118. (')
251
RUDOFSKY, 1955, p. 11 8-119.
252
"In In dia, the p eople con sider an ordinal")' tub bath an extraordinary di rty habit. The tho ught of sitting in one's own soiled water is
altogether revolting to th em.'' RAMA MAU apud RUDOFSKY, 1980, p . 103. (' )
158

Figura 2.4.01- Banheira de madeira para dois, com vista para o mar, em um h ore/ no]apão.
Fonte: RUDOFSKY, 1980, p.122 e RUDOFSKY, 1987, p.84

As termas- ou banhos públicos- do mundo antigo eram ambientes alegres e que incitavam uma série
de questões sociais e cívicas na sociedade da época. "No século IV, a cidade de Roma isoladamente
contava com 856 estâncias balneares, seiscentos anos depois, Córdoba ostentava um número ainda
maior de banhos públicos" 25\ afirma Rudofsky. O autor cita o historiador Edward Gibbon ( 1737-
1794) - que publicou em 1776 de "A História do Declínio e Queda do Império Romano" - ao
descrever o quanto eram acessíveis estes ambientes à todas as camadas da população: "o Romano mais
medíocre poderia comprar, com uma pequena moeda de cobre, o gozo diário de um cenário de pompa
e de luxo, que poderia excitar a inveja dos reis da Ásia"2 'i4 • O fato de que uma série de historiadores
conecta diretamente este tipo de ambiente com o declínio do império Romano é - além de
reducionista, dada a complexidade deste fenômeno - uma das formas de constatar o quanto o hábito
de banhar-se de forma aberta e coletiva é visto pela sociedade moderno como algo obsceno ou perverso.

m "In thc fourrh ccnrury, rhc ciry ofRomc alonc counrcd 856 barhing csrablishmcnts, six hundrcd ycars !ater, Cordoba boasrcd an cvcn
larger number of public baths." RUDCWSKY, 1955, p. 118. (*)
21 1
"rhe meanesr Roman could purchase, with a small copper coin, the daily enjoymem of a scene of pomp and luxury, which mighr
'

excitethe envy of the kings ofAsia." GIBBON apud RUDOFSKY, 1955, p. 122. (')
159

Figura 2.4.02- "O espaçoso '1lanbo elo Sultão'' reflete as necessidades de tlm epicurista. Dezesseis fimcionários fluwam em sandálias
de banho no brilhante e quente piso de azulejos. Império Otomano.
Fontes: RUDOFSKY, 1980,p.131 cRUDOBKY, 1987,p. 89.

Figura 2.4.03 -Piscina do Sulrão, Palácio Toplcapi, Istambul, Turquia. Fonte: RUDOFSKY, 1980, p. 133.

Mas Rudofsky argumenta que o fim da glória de Roma não significou a extinção nem das termas, nem
do costume balnear. Pelos próximos mil anos após a queda de Constantinopla, durante a chamada
idade média - normalmente considerada uma época sombria e suja - o banho continuou uma parte
importante da vida social, sendo praticado tanto pelo povo comum quanto por reis, imperadores ou
príncipes. Inclusive a primitiva cultura cristã valorizava o banho como algo puro e sagrado, incluindo
por exemplo o batizado no interior de seus templos - muitos dos quais acabaram sendo construídos
dentro de estruturas dos antigos banhos públicos, como as Termas de Diocleciano, em Roma 255 •
Abadias e monastérios contavam com elaboradas estruturas balneares, incluindo saunas secas e à vapor,
que promoviam a saúde física dos sofisticados monges, notados e legítimos curadores da cultura e da
tradição antigas256 • O clima dos banhos medievais era bastante descontraído, como pode ser observado
por uma descrição de Rudofsky:

Um banho era um evento alegre. Todas as manhãs a abertura das termas à vapor era
anunciada com cornetas, um costume que provavelmente ceve origem na imitação das casas
da aristocracia francesa, onde os hóspedes eram convocados para a mesa por um floreio de
trombetas. Era o hábito dos cidadãos, homens e mulheres, despir-se em casa e caminhar para
o banho nus- exceto, talvez, por uma espada ou um colar- uma medida de precaução contra
ladrões que estavam sempre rondando as termas.

O Guardião da Terma era normalmente barbeiro, terapeuta c cirurgião, tudo de uma vez só.
Isto era de uma conveniência considerável ao público, uma vez que a maioria dos médicos
não aceitavam banhar-se e não chegariam perto de um banho. O notável D outor

211
RUDOFSKY, 1955, p. 122-123.
256 RUDOFSKY, 1987, p. RR.
160

Guarinonius condenava o banho, mesmo quando tomado em casa, como um ato imoral. O s
castelos c as casas dos bem-de-vida possuíam instalações de banho privativas, que incluíam
engenhosas "tubulações hidráulicas sccn:tas", c tubos de prata separados para áh'l.Ia quente c
fria. Na e~cação quence, o banho era praticado ao ar livre dentro de qualquer coisa que ia
desde uma tina de madeira a uma bacia ornamencada, completa~ com e~tátuas e um jardim
formal. Poetas cantavam o~ encanto~ de piscinas exteriores escavadas em rochas ou à ~ombra
de roseiras e videiras apoiadas sobre treliças douradas. Idade das Trevas, de fato! 217

Figura 2.4.04 (esq.) -Monges ao banho. Fonrcs: RUDOFSKY, 1980, p. 129 c RUDOFSKY, 1987, p. 87.

Figura 2.4.05 (dir.) - "Ao conrdrio da langllidcz corcografada do banho Oricnral, a armmfcra de ma conrraparrc curopcia era
dedaradamem e blJcólica. Alc:smo nesta rápida ilustração, esse idílio revela detalhes que comribHem para os prazeres do banho. O
único <.:opo de vinho signifka a intimidade nmjugal, o flautista fc.>rneçe a nota pastoral apropriada, a tenda ac..-c-,-çenta um roque de
luxo "2; 8. Driadeo d',mwre, de LHC<l Pulei, 1506.
Fomes: RUDOFSKY, 1955, p. 124: RUDOFSKY, 1980, p. 136 c RUDOFSKY, 1987, p. 91.

Através de uma série de ilustrações em manuscritos antigos apresentados por Rudofsky, é possível
identificar de que maneira estas funções sociais associadas ao banho permanecem a partir da
antiguidade até a era medieval. Nota-se, por exemplo, que homens e mulheres casados dividiam o
banho em suas casas, enquanto que indivíduos solteiros buscavam companhia nos banhos públicos.
Em algumas imagens, é possível observar indivíduos comendo e bebendo de forma relaxada e informal

257
"A barh wa~ a gay affair. Each morning thc: opc:ning of rhe m:am barh~ was announced with bugle calls, a w;;rom which probably
originared in imitarion of the houses of the F rene h arisrocracy where guesrs were summoned to rable by a flourish of rrumpers. Ir was
thc habit of the citízcns, mc:n and womc:n, to undrc:ss at home and walk to the barh nakcd - except, perhap>, for a ;;word ora nc:cklacc -
a precautionary measure against thieves who were forever hanging around the baths.

The bat hkeeper was usually barber, cupper, and surgeon, ali wrapped in one. T his was ofconsíderable convenience to the publicas most
physicians objccrcd to barhing and would nor go ncar a barh. Thc norcd Docror Guarinonius condcmncd rhc barh, cvcn if rakcn in
one's home, as an immoral act. The casdes and houses of rhe wdl-ro-do had privare faciLcies for baching, atrful insrallarions of''secrer
waterworks", and scparate pípcs of sílver for hoc and cold watc:r. In thc: warm season, the barh wa> takcn ourdoo rs in anything from a
wooden rub to an ornare basin, complete wirh st.uuary anda formal garden. Poets sang of the channs of ourdoor pools cut inro rocks
or shadcd by rase and vinc arbors on gilr rrcllis. Dark Ages, indccd!" RUDOFSKY, 1955, p. 123-125. (")
2
'~ "Unlikc rhc chorcographcd lang1wr of rhc Oriental barh, rhc armosphcrc ofirs Europcan counrcrparc was ourrighr bucolic. Evcn in
ir.> shorrhand rendering, chis idyll discloses derails chat contribme to rhe pleasures ofbarhing. The single wine cup stands for conjugal
ínrimacy, a rooding shawm providcs rhc apposirc pastoral note, rhc rene adds a whiff ofluxury." RUDOFSKY, 1980, p. 136. (•)
161

enquanto se banhavam, ao passo que outras chegam a retratar - por exemplo - uma festa de
casamento, onde os convidados reúnem-se nus, mas portando joias, adornos e turbantes, ao mesmo
tempo em que, sentados em uma série de banheiras, usufruem de um rico banquete259 •

Fit,'llra 2.4.06- Banho com banqtJctc no séc. XV. Fonte: RUDOFSKY, 1980, p. 140.

Figura 2.4.07- Banquere (presumidamente de casamenro) com os comensais usufmindo de um banho, cerca de 1740. Fontes:
RUDOFS.k"Y, 1980,p.l41 eRUDOFSKY, 1987, p. 93.

Todos estes hábitos, segundo Rudofsky, permanecem até a época da Reforma Protestante, quando
correntes puritanas começam a influenciar na condenação de uma série de aspectos corporais,
incluindo a suposta natureza promíscua dos banhos. A partir deste momento, durante a Era
Elisabetana, o contato do corpo com a água passa a ser algo pecaminoso, e uma série de recursos, como
a o aperfeiçoamento de essências e perfumes, são desenvolvidos para que as pessoas pudessem evitar
este contato impuro, e permanecessem o máximo de tempo possível sem se banhar60 • O ápice desta
visão é alcançado no século XVIII, quando banhar-se era considerado um tipo de remédio, que não
deveria ser utilizado sem prescrição médica. A água era considerada um elemento hostil, empregada
muitas vezes como punição, sendo recomendados - na melhor das hipóteses, e mantendo o duro clima
de penitência- apenas banhos frios, que acreditavam possuir efeitos purificadores, sobretudo na alma.
A invenção e instalação dos primeiros chuveiros modernos, atribuídas aos ingleses, dividia opiniões,

m RUDOFSKY, 1980, p. 139-144.


2,;0 RUDOFSKY, 1955,p.l23-127.
162

uma vez que as possibilidades terapêuticas e medicinais eram muitas vezes confundidas com o
consenso geral, que considerava o banho de água corrente como um instrumento de castigo261 •

,..X...,#>~~

-Madame .il va 1à votrt• tapi~slrr IT''i ~ t·man ~t· ~ ,·ous 11arlrr ,..,,
.._ Sapri....ti' . · un rrfanritr 1 il f~u\ "ynir d~s m~n.a~tomt>nh t'nm· )ui Lti" 1t·
cntrrr r\ mr\s mi couYert tlr llhi' .J'''·;no,; l1nn\n a llPJt'IHlt'l' .

Figura 2.4.08- Refeição sendo servida durante um banho. Litografia, Paris.


Fonres: RUDOFSIO~ 1980, p. 146 e RUDOFSIO~ 1987, p. 99.

"No continente americano, o banho era comumente praticado no ar, sol, mar e vapor - antes da
chegada do homem branco"262 , lembra Rudofsky. No entanto, nos Estados Unidos - colonizado e
fundado por cristãos puritanos- o real desenvolvimento da noção "civilizada" de banho não começa
a desenvolver-se antes do final do século XIX, através de uma série de iniciativas sanitaristas que visam
remediar a precária situação de higiene nas principais cidades grandes americanas. "Na década de 1860,
os hóspedes de hotéis encontravam apenas água para lavar as mãos e rosto, mas não o suficiente para
um banho" 26\ comenta o autor. Duas grandes instalações de acesso público foram concebidas de forma
simultânea na cidade de Nova Iorque, por exemplo, em meio a este contexto. A primeira foi o "Banho
Fleischman", construída pelo filantropo Joseph Fleishman, que continha além de um amplo conjunto
de termas, um salário com plantas, pássaros e estátuas, e uma equipe de 150 funcionários. A segunda
foi uma espécie de réplica das Termas de Caracalla, situada originalmente em Roma, mas que na
realidade nunca abrigaram nenhuma banheira ou piscina, e sim o saguão da Penn Station (Estação
Rodoviária Pensilvânia), demolida em 1963.264

2 1
r, RUDOFSKY, 1955, p. 132.
262
"On the american continent, bathing was commonly practiced in air, sun, sea and sream - before the a rrival of the white man."
RUDOFSKY, 1955,p.l32. (')

"In the 1860s, hotel guests found water only tix washing rheir hands and f~Ke, but not enough fór a barh" RUDOrSKY, 1955, p.
263

134. (•)
2
"" RUDOFSKY, 1955, p. 143-144.
163

As possíveis substitutas contemporâneas dos banhos públicos e termas da antiguidade, pode-se


acreditar, seriam as praias e as piscinas. Para Rudof-;ky, no entanto, as semelhanças não são tantas assim.
As condutas dos (_1ue frequentam as praias, segundo ele, diferem dos hábitos antigos no sentido de que
o clima fraternal não chega ao mesmo nível do passado; a imersão na água seria uma atividade
meramente opcional; e também por que as dificuldades logísticas de chegar e conseguir um lugar nas
normalmente lotadas praias dos grandes centros urbanos, não permitiriam o mesmo tipo de gozo
pleno e sensorial dos banhos urbanos antigos. De forma um pouco distinta, as piscinas permitem
propiciar um pouco mais a espécie de sociabilidade e sensibilidade atingida pelos antigos banhos, mas
na grande parte das vezes não passam de objetos distinção social, raramente desenvolvidos ou
usufruídos da maneira adequada, em sua opinião.265

....
4f~l
fl-.:. . :. ;~-'- ---+-1---·--~~-- .. - -

Figura 2.4.09- Corte c.Hjucmáth9 mostr;mdo ;1 rda~iio visual d ;1ba11hóra c11tcrrada n>m o p;itio ccntr;d.
Casam If11a de Procíd<J, m Irálía, de Bemnrd Rudoi'sky, 1935.
Fonrc: R UDOFSKY, 193Rb, p. R.

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1-'igura 2.4.10- Dr::ralile da Planta Baixa, m osn·ando o "B:uÚ1eiw ",
C11:~ m lfil<l de l'rocída, na l d lia. de Bermrd Rudot-;·k y. 193 5.
Fonre: RUDOFSKr: 1938b,p. 12.

2
"' RUDOFSKY, 1955, p. 144.
164

Figura 2.4.11 -l'iscin;J ;w ar-fine La C;Js<l, em .frigi/i;ma, n;J .bpanha, de Bananl Rudofsky, 1969·71.
Fonre: LOREN; ROMERO, 2014, p. 7.l

Figura 2.4.12- Vist<l inrun;l do Banheiro, wm ampla janela ;Jbcrta p;u·a ;1 entrada ,1;1 lw: cpa.r:t a vüra ;w cxtcâur. Vcralhcpara ;Js
sandália> p1ponesas ao lado da banheira. La Casa, em Frigi/iana, na Espanha, de Bemard Rculoi>ky, 1969·7 1.
Fome LORFN: ROMFRO, 2014, Jl· 42.

Como um raro sinal de otimismo e esperança, no início do capítulo The convi'lrül hath (O Banho
Convivia!) de Now 1 Lay Me Down to .t:at, Rudofsky menciona que o hábito de se banhar em grupo
havia ressurgido nos Estados Unidos a partir dos movimentos de contracultura dos anos 1960 c 1970,
com jovens a.dquirindo o costume de ba.nhar-se em banheiras de madeira (no Brasil normalmente
conhecidas como O.furô), calculando-se inclusive que em 1978 já haviam mais de oitenta mil destas
165

banheiras em uso na Califórnia e por toda a costa oeste americana. Este tipo de "heresia", aponta
Rudofsky, é um dos tipos de atitude que poderia acabar "minando as fundações da nossa hipocrisia"266 •
Até que ponto estas "banheiras de água quente" (hot tubs, em inglês) tiveram origem a partir de alguma
inspiração japonesa da parte de soldados americanos durante a Guerra do Pacífico, ou se tem a ver com
"a passagem de barris madeira para tonéis de aço nas vinícolas da Califórnia" 267, é algo que, especula
Rudofsky, será decidido pela história. Uma vez mais, e de forma semelhante aos demais "aspectos
essenciais" já apresentados, a influência da cultura e da arquitetura japonesa é novamente reverenciada
por Rudofsky, desta vez em relação ao banho. Além dos já mencionados Romanos ou também dos
povos islâmicos, a cultura d e banhar-se é algo que tem uma significativa influência na esfera doméstica
no Japão, tanto no aspecto social, quanto no sensorial:

Para um japo nês, o banho não é nada menos que um elixir, e nem a escassez de :igua nem de
combustível id. impedi-lo de seguir com sua ro tina de banho. Um banho pré-prandial é
oferecido ao invés de um coquetel ao convidado para jantar, ramo quanto nos tempos
Homéricos e na Idade Média. J á que como regra há apen as uma pequena banheira em cada
casa, o banho diário à noite é tomado em sucessão: Todos os membros da família, hóspedes
e funcion ários se banham sem uma única mudança de água. Não há nada de mau gosto sobre
este ato tão peculiar, uma vez que rodos entram na banheira impecavelmente limpos. 268

Figura 2.4.13- Banho Familiar japonês. Fonte: RUDOFSKY, 1987, p. 86.

266
"undcrmincs thc vcry foundations of our hypocrisy" RUD OFSKY, 1980, p. 123. (')
267
"thc changcovcr from woodcn to stccl casks ar California wincr ics" RU D OFSKY, 1980, p. 124. (' )
268
"To a J apancsc, thc bath is nothing short of an elixir, and scarciry ncithcr of watcr nor of ti.Jd will deter him from following bis
barhing rourine. A p re-prandial bath is offered in lieu of a cockrail ro rhe dinner guesr, much as ir was in Hom eric times and in the
Middle Ages. Since as a rule there is only one small rub co a house, ch e daily evening bar h is caken in successio n: Allmembers of che
household , guescs and servancs bache wichouc a change of wacer. T here is norhing discasceful abouc such a scaggered performance,
because everybody en ters rhe tub immaculately clean." RUDOFSKY, 1980, p. 124- 128. (')
166

Figura 2.4.14- "Os L rrinos cncont•·;un-sc socialmente no pasco, sua caminhada noturna; os austríacos ~·c reúnem em seu KafFcchaus
liabíwal; enquanto qrJc os japone;·cs fi:equenmm o ba.nlw conmnitá.río, não apenas por uma questão de limpeza, mas para o
intercâmbio de fofoca, par;~ cultivar amizadn, ou mtiio mctcr-.~c em uma brig<r"21i 9
Fonre; lUJDOfSKY, 1980,p.l27

Rudofsky acredita que a localização do banheiro no interior da casa moderna, considerando como
"banheiro" o local onde se toma banho, normalmente ao lado do quarto de dormir, não seria o mais
adequado, uma vez que sua intenção é incentivar o aspecto coletivo e de sociabilidade deste ato. Sendo
assim, Rudofsky sugere que "o novo banheiro deve estar conectado à sala de estar ou à sala de jantar"270,
além de permitir "uma quantidade excessiva de luz e ar e, mais ainda, a ausência de móveis"271 • Abaixo
outra descrição da casa Japonesa exemplifica algumas destas recomendações:

O japonês se banha várias vezes ao dia e gosta de companhia em seu banho. Se puder pagar,
ele possui um b;m.heiro com vistas ao seu jardim, uma vez que, durante o banho, ele desfruta
da contemplação das árvores, flores e arbustos, e de suas mudanças sazonais. O homem
pobre, por Edta de visra p;tra um jardim, coloca sua banheira onde ele possa observar a
agitaçào da rua e assim banha-se, muitas vezes, à vista dos transeuntes, sem constrangimento
a qualquer uma das p<trtes.272

' 61' "Latins meet sodally a c the paseo, the evening promen~de; Austrians gather at their habiwal Kaffeeham; whileJ apanese trequent the
communal bath, nor just for rhc sJkc of dcomlincss bm to cxchomgc gossip, cultivare fricndslüps. or carrr on a fcL1d." RL'DOFSKY.
1980, p. 127. (' )

"""rh e new ba.rhroom should wmmunícare wírh rhe lívíngroom or díníngroom." RUDOFSKY, 1955, p. 146. (' )
'
71
"a surplus otlíght a.nd aí r and, even more so, by rhe absence offumishín~." RUDOFSKY, 1955, p. 147. (' )
272
"The Japanese bathes severa! times a day and likes compa.ny wid1 his bad1. If he can afford ir, he has a barhroom wich a view of his
garden for, when bathíng, he enjoys contemplaring trees, flowers and shrubs, and rheir seasonal changes. T he poor man, for a lack of a
167

Figura 2.4.15- Japonês banhando-se em um O furô, 1776. Fonte: R UDOFSKY, 1980, p . 128.

Assim como a cultura Japonesa, as máximas e ideias de Benjamin Franklin são outra referência
repetidamente utilizadas por Bernard Rudofsky em todos os seus textos sobre a "arte de viver". Para o
autor, Franldin era um "experimentalista incansável"27 3, além de "prestigiado diplomata e linguista,
epicurista e nudista discreto, aficionado de camas frescas e banhos quentes, sempre ansioso para
'multiplicar as conveniências e os prazeres da vida'" 274 • Sobre uma curiosa vertente entre as diversas
possibilidades do hábito de banhar-se, incluindo seus inúmeros benefícios à saúde e ao bem-estar,
Rudofsky cita um trecho de uma carta de Franklin à um francês:

Vou aproveitar a ocasião ( ... ) para mencionar uma prattca com a q ual cu tenho me
acostumado. Você sabe que o banho frio tem estado em voga por aqui como um tônico; mas
o choque da água frü sempre me pareceu, de modo geral, muito violemo, e eu descobri que
é muito mais agradável para minha constituição se eu me banhasse em outro elemento,
quero dizer ar frio. Com esta visão eu acordo quase todas as manhãs, me sento em meu
quarto sem qualquer peça de roupa, por meia hora ou uma hora, dependendo da estação, e
leio ou escrevo. A prática não é nem um pouco dolorosa, mas pelo contrário, agradável (...).
Acredito que não existam consequências danosas de qualquer espécie dela decorrentes, e que
pelo menos não fere a minha saúde; mas que talvez contribua, de fato, para a sua preservação.
Sendo assim, vou chamá-lo no futuro de um banho estimuhnre ou ronificanre. 275

garden view, puts his tub where he can overlook rhe bustle of the street, and rhus bathes often in fu.ll view of passers-by, without
cmbarrassmcnr co cithcr." RUDOFSKY, 1955, p. 147. (' )

m "untiring experimentalisr" RUDOFSKY, 1955. p. 4. (•)

274
"rhe presrige-laden diplomar and linguisr, epicure <md discreer nu.disr, aficionado of cool beds and hor barhs, forever anxiou.s to
'mu.lriply rhe conveniences and pleasu.res oflife"' RUDOf SKY, 1980, p. 15. (')
275
"I will ta.ke occasion ( ...) to mention a p ractice to which I have accustom ed m yself. Yo u kno w rhe cold bar h has long been in vogue
here as a tonic; but t he shock of t he cold water has a.lways appeared to m e, gen erally speaking, as too violem , and I have found ir much
more agreeable to m y constitution to bat he in <mother element, I m ean cold air. \Xlirh rhis view I rise alm ost every m orning, and sit in
my chamber witho ut <U1Y clorhes whatever, half an hour o r <tl1 h ou r, according to t he season, either reading or writing. The p ractice is
n or in rhe least painful, but on the co nrrary, agreeable ( ... ) I find no ill consequences wharever resulting fi·om it, and rhat ar leasr ir does
n or in jure my h ealth; if ir does n or in LK t contribute much to its p reservarion. I shall t herefore call it fár rh e furure a bracing or tonic
barh." R U DOFSKY, 1955, p. 148. (')
169

2.5. Dormir

O quarto era o único ambiente que continha uma promessa de aventura. Se nascia nele e se
esperava morrer nele- para mencionar apenas os limites extremos da experiência humana-
ao passo que hoje ninguém gostaria de ser pego morto na cama, e só negligência ou pobreza
extrema poderiam ser invocadas como desculpa para que se nasça em casa. Para estas ocasiões
especiais - assim como para as núpcias - se acredita que quartos alugados sejam os mais
apropriados. Nascimento e morte são tratadas como os casos limite daquela indisposição
crónica, a vida, e consequencemence, a chegada e a saída são programadas em um hospital. 276

Chegando ao último dos "aspectos essenciais" do habitar, este capítulo trata de um importante tema
para a "arte de viver", segundo Bernard Rudofsky: a qualidade do sono e do ambiente para dormir.
Novamente buscando quebrar alguns paradigmas em relação à realidade moderna e contemporânea
dos interiores domésticos, o autor busca neste tema refletir sobre a influência da tecnologia e dos
utensílios e hábitos cotidianos no ambiente que talvez seja o mais íntimo de todos: o quarto. Para
Rudofsky, a falta de privacidade, tranquilidade e intimidade à qual encontram-se sujeitos estes
ambientes é uma das razões pelas quais afirma que "a qualidade do sono (... )não foi melhorada pelas
comodidades da vida moderna- longe disso. (... ) A cama é tão carregada de erotismo quanto uma
geladeira" 277 , denuncia Rudofsky, para quem os aspectos sensoriais, corporais e sensuais estariam
diretamente ligados ao bem-estar dos habitantes de uma casa, principalmente no ambiente que deveria
permitir-lhes o máximo de privacidade e intimidade. A interferência da tecnologia, além da intrusão
de visitantes ou crianças no interior dos quartos principais das residências, seriam as principais causas
deste problema, aponta o autor.

Sobre a tecnologia, além de contestar a necessidade e a forma supostamente imutável das camas- que
serão analisadas em detalhe mais adiante - os diversas "apetrechos" atualmente "requeridos" para
garantir a qualidade do sono contribuem, segundo Rudofsky, para justamente o oposto. Tampões de
ouvido, máscaras de dormir, cobertores elétricos, aparelhos de ar-condicionado, aquecedores elétricos,
lâmpadas terapêuticas, isqueiros, cigarros, telefones, relógios, ventiladores, etc. 278 , sem contar com as
inúmeras alternativas farmacêuticas disponíveis, enfim, muitas são as "necessidades" à mão de quem
encontra-se à cama, mas todas elas não passam de "paliativos", afirma o autor:

Quando se trata de necessidades básicas como dormir ou comer, nos encontramos


facilmente confundidos por ideias que estão atualmente na moda. Tanco nos dedicamos a
regozijar sobre o contorto comprado em prestações que nos esquecemos de como apreciar
as coisas boas que são de graça. Da mesma forma que a vida em casa está sujeita à melhoria

ni "Thc bcdroom was rhc onc room rhat hcld promisc of adventure. Onc was bom in ir and expccrcd to di c in ir - to mention just rhc
extreme limits ofhuman experience- whereas roday nobody would be caught dead in bed, and only negligence or extreme poverry could
be pleaded. as an excuse for one's being bom a chome. For these special occasions- and. for che nupciais as well- rented rooms are believed
to bc more appropriatc. Birth and dcath are rreatcd as bordcr cases of that chronic indispositíon, lifc, and accordingly, arrival and
departure are scheduled at the hospital.'' RUDOFSKY, 1955, p. 93. (')
277"rhe quality of sleep (...) has not been improved by the faci liti es of modem living - far from it. (... ) The bed is charged with eroticism
no more chan arefr igerator" RUDOFSKY, 1955, p. 94. (*)

m RUDOFSKY. 195 5, p.94e p.IOS.


170

mecânica introduzida em nome do progresw, da perde muito Ja satisfa<,ão derivada do que


são, essencialmente, os prazeres simples. 27~

Figura 2.5.01- Lxcmplo de mobilia cconomi7adora de espaço, o "piano-cama".


Fonres: RUDOFSKY, 191W.p.l82 eRUDOFSKY, 1987.p. 65.

Algo que também influencia este aspecto é a tendência de se questionar a necessidade de um cômodo
exclusivo para dormir. Em apartamentos de área reduzida, cada vez mais comuns, a necessidade de
tornar eficiente o pouco espaço disponível cria uma série de aparatos, tais como "truques de camas
desaparecendo em paredes ou armários; camas que podem ser içadas até o teto; camas que imitam não·
camas" 2~ 0; camas que se tornam banheiras; um piano que esconde uma cama dobrável, etc.; que acabam
tornando possível, mesmo que temporariamente, o desaparecimento do quarto de dormir. Rudof<>ky
argumenta, no entanto, que "a falta de um quarto é uma calamidade. Há algo humilhante em ir para a
cama em meio ao amontoado de nossas coisas diárias em um ambiente defumado" 2 R1•

2
"; "\\'7hen ic comts w basic netds like sleeping or eming, we find oursdves easily confused by currtndy fashionablt ültas. So much art
wc givcn to gloating ovcr comfort purch,lScd on thc installmcm plan that wc havc forgottcn how to cnjoy thc good things that are for
frcc. In thc samc way as lifc at homc bccomcs subjcct to mcchanical improvcmcm introduccd in chc namc o f progrcss, it loscs much of
tht satisfaccion derivd from what are, tssenrially, simple pleasures." RUDOFSKY, 195 ), p. 94. (')

lBO "Trick bds disappearingincowalls or dosets; beds char can be hoisred to rhe ceiling; beds rhar mim ic non-beds" RUDOFSKY, 1955,
p.l07. (')
2
~: "Thc lack of a bcdroom is a calamity. Thcrc is somcthing humiliating about going to bcd amidsr onc's daytimc jumblc in a smokc-
cured room." RUDOFSKY. 1955, p. 108. (')
171

Como em todos os outros "aspectos essenciais" do habitar, Rudofsky busca uma solução para este
problema na organização doméstica japonesa. O que torna a solução oriental mais interessante para
Rudofsky é justamente a ausência de mobiliário. Mesmo que a casa japonesa não possua um quarto
propriamente dito, ela pode abrigar mais pessoas do que uma casa ocidental do mesmo tamanho.
Como o chão na casa japonesa é capaz de fornecer uma superfície confortável para deitar, qualquer
cômodo é um quarto em potencial, bastando para isto somente lançar mão de dois ou mais fiztons,
sendo um servindo de base e os demais de coberta. Durante o dia, ou quando não estão sendo
utilizados, os fUtons são guardados em um armário, e outras atividades podem ser realizadas no mesmo
ambiente.

No verão, é adicionado um mosqmte1ro - uma tenda cúbica, que é tão etérea quanto
sumpmosa - pendurado em cordões de seda na estrutura da casa. Com suas paredes
enevoadas cingidas da cor da espuma do mar, ou em um gradiente de branco para o azul, ele
assemelha-se, como observou Pierre Loci, um enorme aquário com pessoas afogadas ao
fundo. 281

Figura 2.5.02- "Afulheres se preparando para dormir sob mosq tliteiro"2·' 3. )(i]ogravura, de Kimgawa Ur:1m:11·o ( 1753-1806).
Fomes: RUDOFSKY, 1980, p. 148 c RUDOFSKY, 1987, p. 60.

Figura 2.5.03 - Corte esquemático mostrando o qu:u·to (esq.) compleramenre coberro por colch:io!tarame, e por um grande
mosquiteiro convencional {vinte anos an tes da primeira visira de Rudoúky aoJap ão, em 1955) .
Casa na Ilha de Procida, na Itália, de Bemm·d Rudofsky, 193 5. Fonte: RUDOFSKY, 1938b, p . 8.

2 2
~ "In summer, a mosquito net is add ed - a cubical tem, as ethereal as ít ís sumptuous - hung on silk cords from the house's fi-amework.
\'Virh its misry walls dycd rhc color of sca-foam, or shadcd from whire to bluc, ir rcsemhles, as Picrrc Loti noted, an enormous aquarium
with drowned people ar the bot tom ." RUDOFSKY, 1980, p. 150. (")
2
" "\'Vomen preparing for bed under mosquito n et" RUDOFSKY, 1980, p. 148. (')
172

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Egura 2.5.04- Dnalnc Ja Planta Baixa, nw.~rrando o quarro.


Casa na Ilha Jc ProciJa, na It<ília, Jc Bcmanl.lücJof.~lcy, 1935.
tome RrJDOFSKY, 1938/,, p.l2.

Figura.• 2.5.05-06- !Vfcm;uirciro ao estilo japon/'.1· (após vil'itar c morar no_lapão) ao lado da pi.1cina.
La CJ..1a, em 1-'rigíli:ma, na f..I(Janlu, de Bernard Rmlof1·ky, 1969-71.
Fonte: LOREN: ROMERO, 2014, p. 77.

No Japão, durante o século XIX, as e<unas ocidentais eram consideradas artigos tão misteriosos e
peculiares, que as primeiras que surgiram faziam parte de bordéis, como uma novidade libertina e
extravagante: "() sarcófago de madeira com edredons e almofadas de pena não parecía menos
aventuroso do que uma igualmente exótica carruagem"28 ;. Da mesma forma, a estranheza era tanta que
inicialmente se acreditava que a função da cama "quadrúpede", bízarramente erguida do chão por
"quatro patas", era de servir como uma espécie de dossel para o penico.

3
; "Der holzerne S;trkophJg mie vederbecten und Kissen erschien ihnen nichc weniger abemeuerlich als der gleichfalls exotische
Pfer·dewagen." RUDOFSKY, l987, p.58. (')
173

Figura 2. 5.07- Um ohjcw exótico para o Japonês, a cama parecia sa simplcsmclltt: uma cohcrmra para esconda o pcnico. Fonte.\:
RUDOFSk"l~ 198U,p. 148 c RUDOFSK'r~ l987,p. 59.

Desconhecendo a liberdade oferecida pela casa japonesa, Benjamin Franklin - conta Rudofsky -
possuía o h,ibito de divertir-se pelas noites trocando frequentemente de cama, das quais possuía
quatro. Para os menos afortunados que não pudessem contar com tal quantidade e variedade, F ranldin
recomendava uma cama de tamanho avantajado, uma vez que "uma grande cama que admita uma
remoção, tão distante da primeira situação para que seja fresca e doce, pode em um certo grau
responder ao mesmo fim" 285.

Sabendo não ~er fácil a tarefa de persuadir um condicionado ocidental a abrir mão de sua cama,
RudotSky se lança à uma espécie de genealogia do objeto, buscando novamente através da história
desvendar alguns de seus aspectos supostamente desconhecidos, para então compreender suas
peculiaridades e sua influência na casa e na vida moderna.

Para o ocidental, dormir é algo vinculado a cama. Estrados elevados são indispensaveis em
casas onde as pessoas mantêm calçados seus sapatos de ma c nenhum arranjo de dormir
parece esur completo sem um andaime de madeira ou de metal para a elevação da cama. A
distância do chão é a nossa primeira linha de defesa contra a sujeira; mesmo uma pessoa
resisteme não gosta de ver seus lençóis tocarem o clláo. 2r5

Uma vez mais Rudofsky faz referência à fàlta de limpeza dos pavimentos, desta vez apontando-a como
um dos aspectos que têm influência no desenvolvimento do hábito de dormir em camas. A sujeira
extrema dos interiores domésticos da antiguidade seria a principal justificativa para elevar a superBde
onde se dormia alguns centímetros acima do chão, Com a criação de quatro patas, o que é inicialmente
somente um estrado torna-se uma cama. Para proteger-se da. sujeira que se detém nos tetos ou f<wros,

z:<; "A n:ry brgc bct1 (... ) th<lt will admira remova!, so dist:mt from rhc firsr situariun as ro bc cuol :md swcct, may in a dcgru· :mswcr thc
samc cnd" FRANKLI;'\ apud Rl.:DOFSKY, 19í!O, p. 150. (')

'%"To rhe \Vesrerner, sleeping ís bed-bound. Bedsteads are indi>pensable in h ouses where pcople keep rheir srreet shoes on and no
sleeping <lrrangement seems w be compltte wirhour :t wooden or meral sç,lft'l1lding f-'l1r rhe sleeper's devarion. The disrance r"rom the
tlom· is om first linc of dcfmsc against filrh; cvcn a hardy pcrson dislikcs to scc thc bcd shccn touch rhc tloor." RUDO~SKY, 1955, p.
110-111. (*)
174

uma espécie de cobertura é necessária, originando o dossel. Em seguida, como forma de proteger-se das
correntes de ar e também como forma de obter mais privacidade, os dosséis recebem cortinas. Não
basta muito para que camas mais elaboradas tivessem a aparência de tumbas ou capelas, sendo
prontamente cobertas com uma profusão de colunatas e ornamentos 287 • Outra curiosidade resgatada
por Rudofsky, de forma semelhante ao que foi comentado no capítulo anterior a respeito do banho, é
o costume de uma única cama abrigar uma grande quantidade de pessoas. Ilustrações medievais
mostram quatro ou seis pessoas dividindo uma cama, e um exemplo aponta inclusive que a famosa
"Grande Cama de Ware", em exposição no Museu Victoria and Albert de Londres, em cerra ocasião
chega a abrigar seis cidadãos e suas esposas288 •

Figura 2.5.08- Cama-armário. Fontes: RUDOFSKY. 1955, p. 97 e RUDOFSKY, 1980. p. 177.

hgura 2.5.09- llustração em Tapeçaria mostrando cena do Apocalipse com di,,ersas pessoas compartilhando a mesma cama. Fonte:
RUDOFSKY.198U,p.l56.

Nem os berços infantis escapam do escrutínio de Rudofsky, que ironiza a função simbólica que eles
podem expressar a depender do zelo dos pais em investir na sua decoração e embelezamento, algumas
vezes levadas aos extremos do rebuscamento. Com tom similar ao que utilizou para referir-se às
cadeiras, Rudofsky comenta também a prática de "Sacudir bebês até a morre", assim chamada pelo
antropólogo alemão Heinrich Ploss (1819-1885) 289 • Mesmo se tratando de uma figura de linguagem,
acrescenta o autor, a comunidade Shaker americana concebe a ideia de criar berços em tamanho adulto
para seus desfalecidos, e "utilizava os longos berços em forma de caixão, para, aparentemente, balançar
suavemente os Shakers moribundos até às recompensas de seu descanso celestial"290 •

2 7
8 RUDOFSKY, 1980, p.l77-180.
2
~R RUDOFSKY, l980,p.l54-155.
2 9
' "Shaking infanrs to death". RUDOFSKY, 1980, p. 158. (•)
290
"longcoffln-like cradles were used, apparently. co gendy rock the dyingshakers imo the rewards of their heavenly rest." RUDOFSKY,
1980, p. 158. (•)
175

hguras 2.5. lO-I I -Berços elaborados e relmscados. Fonre: RUDOFSKY, 1980, p. 159 e 161

A posição e a postura de dormir são outros dos aspectos curiosos levantados por Bernard Rudofsky.
Uma pesquisa conduzida há alguns anos em Nova Iorque conclui que seus cidadãos adotam uma série
de distintas posições ao dormir, incluindo 14% das mulheres casadas que reconhecem haver dormido
com a cabeça aos pés da cama "durante a última semana", e 31% assumem já ter dormido desta forma
em algum momento. Tornando ainda mais confusa esta conclusão, os pesquisadores não chegam a
questionar se os maridos às acompanhavam, ou se permaneciam com a cabeça na posição originaF91 • A
postura mais comum, sem surpresa alguma, é a mesma adorada pelos "defuntos" em seus caixões, com
o corpo esticado e a cabeça para cima. Algumas variações, no entanto, foram estudadas pelo psiquiatra
Dr. Samuel Dunkell, que através de uma série de desenhos, apresenta o que ele chama de "Linguagem
Noturna do Corpo"292, apresentados em combinação com seus respectivos e divertidos nomes, tais
como "Suástica", "Boxeador", "Esfinge" e "Macaco". Não de forma surpreendente, Rudofsky adiciona
uma pitada de humor negro à esta "linguagem" ao compará-la com as imagens dos moldes deixados
pelos corpos das vítimas de Pompéia.

Por fim, Rudofsky resgata um utensílio um tanto curioso, um primitivo apoio para cabeça, ou uma
espécie de travesseiro rígido, que é encontrado de diversas formas e em diversos locais ao longo da
história. Na China e no Japão, onde são encontrados os exemplares mais recentes, a sua utilização está
lígada ao costume de usar penteados elaborados, que através da paralisação e acomodação noturna,
permitiriam deixar as ditas criações intactas durante a noite293 • Um instrumento que "para nós pod e
realmente parecer com um instrumento de tortura, mas o mesmo acontece com sapatos para povos
descalços ou que usam sandálias"294.

291
RUDOFSKY, 19110, p.162-164.
292
"Night Languagc of rhc Body". RUDOFSKY, 1980, p.l68. (*)

m RUDOFSKY, 1980, p.l7 1-173.

29'1 "co us may indeed look like corture insrrumenrs, but so do shoes co barefoor and sandalled people." RUDOFSKY, 19RO, p. 170. (' )
176

157. Swastika

158. Boxer

159. Sphinx

160. Monkey

Figuras 2.5.12-13 - "Linguagem Nowma do Corpo", de Dr. 5amud Dunkdl, comparado com as vítimas de Pompéia. Fontes:
KUDOFSKY, 1980, p. 167 e 169

Figuras 2.5.14 -15- Dois tipos de apoio para c·abe~·a, !lm egípc·io. da Dinastia XIX ou XVIII (esg). e outro de Hong Kong (dir.).
Fontes: RUDOFSKY, 1980. p. 170 e 173: RUDOFSKY, 1987. p. 67.
177

CONSIDERAÇÕES FINAIS

"f~ preciso ter uma mente muito t~1ra do comum para analisar o óbvio". 2~ 5

Ao longo de toda a sua vida, Bernard Rudofsky dedica-se a estudar e refletir a respeito de uma série
bastante heterogênea de assuntos, que variam desde os detalhes mais minuciosos do vestuário e da
anatomia humana; passando por discussões a respeito dos hábitos, costumes e vícios da intimidade da
vida doméstica; até a observação de aglomerações ou ambientes urbanos, e de suas dificuldades ou
potencialidades para contribuir na construção de cidades mais interessantes e agradáveis. Tão diversos
quanto os temas enfrentados por Rudofsky, são as maneiras como de os percebe, analisa, e também
como comunica suas conclusões, ou melhor ainda, suas inquietações. Além de arquiteto e engenheiro
por ofício e diploma, Rudofsky é também, em algum momento ou outro, designer, professor,
cenógrafo, estilista, escritor, figurinista, fotógrafo, pesquisador, pintor, crítico social, curador, etc.

Apesar disto, tanto sua biografia quanto sua produção ainda permanecem amplamente desconhecidas,
sobretudo no Brasil. Talvez em função desta "demasiado" ampla gama de interesses, e também de sua
personalidade inquieta, Rudofsky raramente figura em qualquer lista ou compêndio sobre arquitetos
do século XX, ou tampouco entre os acadêmicos ou escritores de arquitetura mais influentes ou
comentados de sua época. Ao mesmo tempo que sua produção arquitetônica é bastante restrita,
sobretudo em número de obras construídas, Rudofsky tampouco chega a encaixar-se nas normas,
expectativas ou formatos das instituições acadêmicas tradicionais. Este trabalho tentou justamente
romper esta inércia, e procurou então resgatar tanto o contexto, quanto as influências, o conteúdo e
também algumas das possíveis repercussões deste complexo e vasto conjunto de material deixado tanto
por Rudofsky, como também por aqueles que já buscaram analisá-lo e compreendê-lo.

Justamente com o objetivo de retomar, assimilar, e transmitir ao máximo todo este material recopilado
a respeito de Bernard Rudofsky, a primeira parte desta dissertação mostrou uma visão global e
panorâmica de sua vida e de sua obra, apresentando-as de maneira paralela e cronológica, desde o seu
nascimento, em 1905, até sua morte, em 1988. Desta forma, como aponta o tÍtulo desta parte: "A vida
como uma viagem, viajar como um estilo de vida", a existência errante e nômade de Rudofsky é narrada
através de uma espécie de "biografia geográfica", onde cada um dos cinco capítulos comenta a respeito
de um período e de um - ou vários - dos lugares por onde Rudofsky viaja, vive e produz. Desde a
infância no então Império Austro-Húngaro; passando pela juventude em Viena; o início da vida
profissional e das descobertas existenciais na Itália; um breve período no Brasil; até a chegada aos
Estados Unidos, onde "mais ou menos" se estabelece, e também em períodos no Japão, na Espanha, na
Inglaterra e na Dinamarca; os projetos, obras, livros e exposições de Rudofsky ajudam a contar um
pouco de sua história.

295
WH ITEHEAD, Alfred. Fome: https:/ /pt.wikiquote.org!wíki/ Alfred_North_W hitehead
178

Tendo isto em mente, a segunda parte da dissertação, batizada de "A Essência do Habitar", buscou
aproximar-se- de forma inicial e curiosa- de um tema sobre o qual Rudofsky dedica grande parte de
seu esforço intelectual e criativo, que é chamada por ele mesmo de a "arte de viver". Desde o início de
sua carreira, através de uma série de ensaios publicados na revista Dom tis na década de 1930; até o final
de sua vida, com a exposição e publicação Sparta I Sybaris, de 1987; seus comentários a respeito da
vida doméstica, da relação dos habitantes com a privacidade e a sensualidade dentro da casa, e sobre
os impactos da tecnologia e de outras influências modernas e contemporâneas neste contexto íntimo,
estão entre as contribuições menos exploradas e mais originais e perspicazes de toda a obra de
Rudofsky. Sobretudo através da detalhada análise de três de seus livros: Behind the Picture Window,
de 1955; Now I Lay Me Down to Eat, de 1980; e o acima mencionado Sparta I Sybaris, de 1987,
buscou-se nesta segunda metade do trabalho extrair uma espécie de "essência" deste habitar tal qual o
entendia Rudofsky, que é então apresentada sob cinco aspectos - e em cinco capítulos - seguindo uma
divisão subjacente à estas três obras: Comer, Sentar, Higiene, Banho e Dormir. Assim, cada capítulo
tentou retomar as ideias de Rudofsky sobre estes temas, e também apresentar seu rico repertório
iconográfico, acumulado ao longo de anos de pesquisa, e que ilustra de maneira didática e estimulante
cada uma destas obras.

Através de uma análise provocativa e iconoclasta a respeito das origens e da evolução- tanto ao longo
do tempo, como ao redor do mundo - destes temas domésticos, como a maneira de comer, sentar,
dormir, banhar-se, etc., Rudofsky tinha a intenção de educar, tanto arquitetos quanto o público em
geral, para que estes encarassem suas realidades supostamente avançadas desde um ponto de vista mais
modesto, simples e frugal. Comer com as mãos ao invés de com talheres, sentar-se diretamente no chão
ao invés de em cadeiras, dormir em um tatame ao invés de sobre uma cama, banhar-se em grupo e de
forma gregária, enfim, estas eram algumas das alternativas apresentadas e ilustradas por Rudofsky
como primárias e supostamente "obsoletas", mas que poderiam de alguma maneira oferecer uma nova
forma de encarar os impactos das forças modernizadoras sobre as pessoas e sobre a arquitetura. Muito
mais do que construir uma "teoria sobre o habitar", o objetivo de Rudofsky era ampliar o
conhecimento de seus leitores, e instigar neles uma certa inquietação e inventividade que viesse
justamente desta "expansão intelectual" provocada pela quebra de certos paradigmas e preconceitos, e
pela contestação de padrões culturais e materiais.

Em suas primeiras obras- como na exposição Are Clothes Modem ?, de 1944, ou n o livro Behind the
Picture Window, de 1955- a estratégia crítica e didática de Rudofsky passava por levantar uma série
de questões que achava relevantes, analisá-las, para em seguida propor algumas alternativas que
acreditava adequadas para aqueles contextos. Com o passar dos anos, no entanto, esta estratégia é
deixada de lado, e este comprometimento renovador de fornecer possibilidades e opções é substituído
por um foco exclusivo na instigação do senso crítico, da imaginação, e da autonomia do indivíduo
perante o mundo: "Eu não sou um reformador. Eu sou um não-professor"296, comenta Rudofsky. Seu
objetivo como "não-professor" era justamente desafiar as barreiras da educação convencional e

296
"I' m nota reform er. I am an un-teacher" RU DOFSKY em 1986 apud GUARN ERI, 2003, p. 93. (•)
179

tradicional, e desestabilizar o conhecimento consolidado ao qual a média das pessoas havia sido
exposta durante toda a sua vida. Assim, em seus últimos anos, Rudofsky assume uma postura ainda
mais antidogmática, e seus livros e exposições buscam acima de tudo estimular a criatividade, a
identidade pessoal, e a independência intelectual de seus leitores e expectadores diante de um contexto
cultural crescentemente conformista e homogeneizador, que tendia exatamente ao contrário. Esta
discordância era justamente o que diferenciava a postura de Rudofsky da maioria de seus
contemporâneos da "Arquitetura Moderna", sobretudo no período logo após a Segunda Guerra
Mundial, quando o "Estilo Internacional" de fato ganha escala e importância globais, e a arquitetura
começa a ter a mesma "cara" em qualquer parte do globo. Alguns anos mais tarde, no entanto, durante
os anos 1960 e 1970, quando o contexto intelectual, artístico e arquitetônico se volta mais para as
questões humanas, antropológicas e culturais, as inquietações e provocações de Rudofsky começam a
ter mais relevância, o que pode ser notado pelo sucesso de sua exposição Arcbítecture Wítbout
Arcbítects, de 1964, que provoca justamente uma reflexão sobre as vantagens e desvantagens do
"moderno" e do "primitivo".

Ao aplicar esta postura ao tema da "Essência do Habitar", muito mais do que expor modelos estéticos,
ou discutir aspectos formais e estilísticos do ambiente doméstico, a reflexão de Rudofsky entre o que é
considerado "moderno" e "primitivo" examina as crenças e ideais que cercam o contexto privado da
casa, e demonstra que a qualidade de vida e o bem-estar de seus habitantes não estão necessariamente
ligados somente à aspectos tecnológicos ou financeiros. Resgatando exemplos da arquitetura
mediterrânea, assim como da cultura japonesa e de outras referências de toda a história, Rudofsky
mostra que a comodidade, a simplicidade, e a frugalidade podem talvez oferecer um caminho mais
interessante do que os valores correntes que priorizam o materialismo, o consumismo e o
exibicionismo. Ao enfrentar-se diretamente com temas como a relação tátil do habitante com os
aspectos sensoriais e sensuais dentro da casa; ou a influência de questões como a privacidade e a
intimidade; e também a excessiva dependência em uma série de "engenhocas" ou "geringonças" para o
seu funcionamento, Rudofsky acaba revelando que a crescente complexidade da casa moderna tem a
tornado, na verdade, mais frágil e vulnerável do que em tempos anteriores- "a falta de energia, por
exemplo, pode torná-la totalmente inabitável"297 - e que portanto qualquer tentativa de qualificar esta
"arte de viver" deve passar por uma ponderação a respeito dos seus elementos mais essenciais, de modo
que as soluções atuais sejam comparadas de forma crítica e desconfiada com seus precedentes
históricos.

Nos últimos anos, após a morte de Rudofsky, este tipo de discussão tem ganhado uma crescente
relevância, em especial sob a ótica da sustentabilidade ambiental. A expansão da industrialização e da
tecnologia desde a Revolução Industrial, ao mesmo tempo que traz uma série de benefícios e avanços
sociais, e até culturais, para grande parte da população mundial, traz também uma série de
consequências sociais e ecológicas que chegam hoje à níveis verdadeiramente alarmantes. Desde as
últimas décadas do século XX, o ceticismo em relação à necessidade do progresso absoluto e a qualquer

297
"power failure fo r in srance may render ít utterly uninhabitable" RUDO FSKY, 1955, p. 7. (')
180

preço tem aumentado, e a postura de dar as costas ao passado e voltar-se cegamente para o avanço
tecnológico e para o futuro tem se tornado obsoleta. Assim, uma série de apostas que pareciam
irreversíveis - como por exemplo a dependência de fontes energéticas fósseis e nucleares, ou o
urbanismo automobilístico - mostraram-se incapazes de sustentar-se na escala que acabaram
chegando, o que tem provocado cada vez mais um resgate de técnicas e pensamentos pré-industriais, e
até pré-urbanos, em uma série de áreas do conhecimento.

A arquitetura e o urbanismo, sobretudo em função da complexidade e do tamanho das atuais áreas


urbanas, têm sido bastante afetados por este tipo de reflexão. A maioria das soluções ainda utilizadas,
no entanto, baseia-se em uma polaridade quase esquizofrênica. De um lado, a dependência em
"engenhocas" de alta tecnologia, como painéis fotovoltaicos ou materiais de fabricação cara e
complexa, quem envolvem uma série de "alquimias" computacionais ou paramétricas. Do outro, um
primitivismo que evoca pseudo-relações com a "mãe terra", ou então desloca para contextos
contemporâneos tecnologias arcaicas que, utilizadas de forma literal, mostram-se anacrônicas e
ingênuas. É justamente neste contexto, carente tanto de serenidade quanto de bom-senso, que o
pensamento e as estratégias conceituais de Rudofsky possam talvez ser mais Úteis. Ao valorizar a
continuidade da história, a importância de desafiar dogmas e paradigmas, assim como a ampliação dos
horizontes de referência para além das sociedades ocidentais e modernas- evitando a anacronia e o
saudosismo - a obra de Bernard Rudofsky mostra-se como uma referência crucial para o
enfrentamento de uma série de importantes questões contemporâneas: "Temos progredido tão
rapidamente nos últimos anos que estamos agora alcançando a tecnologia antiga"29 H.

29
s «\Ve have progr essed so rapidly in recent years that we are now catching up with ancient t echno logy". RUDOFSKY, 1955, p . 190.
(')
181

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