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Raquel Brignol Quintana

Tromboembolismo Aórtico em Felinos:


revisão de literatura

Porto Alegre/RS
2013
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Raquel Brignol Quintana

Tromboembolismo Aórtico em Felinos:


revisão de literatura

Monografia apresentada como requisito para


conclusão do Curso de Pós-Graduação,
Especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de
Pequenos Animais, do Centro de Estudos
Superiores de Maceió, da Fundação Educacional
Jayme de Altavila, orientada pela Prof. M.Sc.
Beatriz Kosachenco.

Porto Alegre/RS
2013
3

Resumo

O tromboembolismo aórtico felino está comumente associado à cardiomiopatia hipertrófica,


onde um trombo ou coágulo é formado dentro do coração e transportado pela corrente
sanguínea até se fixar em algum ponto. Sendo o local mais comum para embolização a
trifurcação da aorta caudal, causando uma grave isquemia aos tecidos supridos por este
segmento vascular. Os sinais clínicos mais comuns são: paralisia dos membros posteriores,
falta de pulso femoral, extremidades frias e coxins plantares cianóticos. O tratamento deve ser
realizado o mais rapidamente possível, podendo ser feito com medicamentos antiplaquetários,
anticoagulantes, trombolíticos, ou cirúrgico, o que for mais adequado ao caso de cada
paciente. Com tudo, o prognóstico é de reservado a ruim. O objetivo deste trabalho foi
realizar uma revisão de literatura atualizada sobre este assunto.

Palavras-chave: tromboembolismo, felino, tratamento.


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Lista de Ilustrações

Figura 1: a) Incisão longitudinal na aorta distal, cranialmente a sua trifurcação, evidenciando


“êmbolo em sela”; b) trombo, extraído da aorta caudal através de arteriotomia,
cranialmente a sua trifurcação..................................................................................8

Figura 2: (a) Gato com tromboembolismo na aorta distal. O membro pélvico esquerdo foi
arrastado quando o animal tentou andar; do lado direito, a função do membro é um
pouco melhor. (b) Os coxins plantares do membro pélvico esquerdo deste gato
apresentavam-se mais pálidos e frios do que os contralaterais.................................9

Figura 3: Ecocardiograma obtido por meio de janela paraesternal direita eixo curto, ao nível
da aorta e do átrio esquerdo, em um gato com acentuado aumento atrial esquerdo e
o trombo (setas) no interior da aurícula. Ao: Aorta; AE: átrio esquerdo; VSVD: via
de saída do ventrículo direito....................................................................................11

Figura 4: dorso-ventral (a) e lateral esquerda (b) radiografia de um gato com


tromboembolismo arterial. Com cardiomegalia generalizada, efusão pleural e
infiltrado alveolar, indicativo de insuficiência cardíaca congestiva.........................12
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Lista de Abreviaturas

AAS Ácido Acetilsalicílico


ADP Difosfato de Adenosina Plaquetário
AE Átrio Esquerdo
CID Coagulação Intravascular Disseminada
ICC Insuficiência Cardíaca Congestiva
IM Intramuscular
kg Quilograma
mg Miligramas
SC Subcutâneo
TE Tromboembólica
TEA Tromboembolismo aórtico
TP Tempo de Protrombina
TTPA Tempo de Tromboplastina Parcial Ativado
VO Via oral
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Sumário

INTRODUÇÃO........................................................................................................................7
1. Tromboembolismo Aórtico Felino
1.1. Fisiopatologia......................................................................................................................8
1.2. Sinais Clínicos.....................................................................................................................9
1.3. Diagnóstico........................................................................................................................11
1.4. Tratamento.........................................................................................................................14
1.5. Prognóstico........................................................................................................................18
CONCLUSÃO........................................................................................................................19
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................20
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INTRODUÇÃO

O tromboembolismo aórtico é uma síndrome que ocorre em felinos, estando


geralmente associada a uma cardiomiopatia, o que facilita a formação do trombo dentro do
ventrículo esquerdo. Este trombo segue pela circulação sistêmica e em mais de 90% dos casos
se instala na trifurcação da aorta caudal (FOX, 1992).
A falta de circulação sanguínea faz com que ocorra paralisia dos membros posteriores
e ausência de pulso femoral. Estes sinais clínicos já podem levar o médico veterinário a fazer
um diagnóstico. Por ser uma doença de quadro agudo e pouco frequente, a maior parte dos
clínicos tenha dificuldades com o tratamento, que pode ser cirúrgico ou clínico com o uso de
medicamentos anticoagulantes ou trombolíticos (SANTOS, 2008). Ambos os tratamentos
devem ser realizados o mais breve possível para aumentar as chances de cura. Porém o
prognóstico ainda assim é considerado desfavorável (DEFRANCESCO, 2003).
O objetivo desta revisão de literatura foi esclarecer sobre o diagnóstico e possíveis
tratamentos do tromboembolismo aórtico em felinos.
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1. TROMBOEMBOLISMO AÓRTICO EM FELINOS

1.1 Fisiopatologia

Trombose representa o produto da coagulação intravascular ou da coagulação do


sangue durante a vida. Fatores predisponentes incluem lesão endotelial, alterações no fluxo do
sangue e estados hipercoagulativos. Embolia é a oclusão de artérias pelo alojamento de
material estranho, como fragmentos desprendidos de trombos, células neoplásicas e bactérias.
Êmbolos originários de trombos podem ser assépticos e sépticos (VAN VLEET; FERRANS,
1998).

O TE é uma síndrome bem identificada, associada a desordens do miocárdio felino


(FOX, 1992). A estase sanguínea e possivelmente uma superfície irregular são aparentemente
as principais causas em gatos com tromboembolismo aórtico secundário a cardiomiopatia
hipertrófica (COUTO, 2010).

A cardiomiopatia hipertrófica ocorre com frequência em gatos, especialmente em


machos de meia idade. Gatos usualmente apresentam insuficiência cardíaca congestiva e
cerca de metade dos casos apresentará paresia de membros pélvicos devido ao
tromboembolismo da aorta abdominal caudal. Os corações afetados estão aumentados de
volume, com hipertrofia proeminente do ventrículo esquerdo e do septo ventricular. A
cavidade ventricular esquerda está pequena (diminuída), e o septo está
desproporcionadamente hipertrofiado em relação ao restante do miocárdio (VAN VLEET;
FERRANS, 1998).

A embolização aórtica distal “êmbolo em sela” (figura 1) ocorre em mais de 90% dos
gatos afetados por moléstia tromboembólica (FOX, 1992). Segundo Ware (2010a), outras
artérias, como a ilíaca, a femoral, a renal e a braquial podem ser afetadas, dependendo do
tamanho do êmbolo e do fluxo local. Além da obstrução ao fluxo na artéria afetada, os
tromboêmbolos liberam substâncias vasoativas que induzem vasoconstrição e comprometem
o desenvolvimento de fluxo sanguíneo colateral ao redor dos vasos obstruídos.
9

a b
Fonte: Kosachenco et al. (2010)
Figura 1 – a) Incisão longitudinal na aorta distal, cranialmente a sua trifurcação,
evidenciando “êmbolo em sela”; b) trombo, extraído da aorta caudal através de
arteriotomia, cranialmente à sua trifurcação.

Segundo Fox (1992) a neuromiopatia isquêmica dos músculos esqueléticos e nervos


periféricos é consequência previsível da oclusão arterial, e, em particular, da inibição,
associada ao coágulo, da circulação colateral. A isquemia abole o rápido fluxo axoplasmático,
causando insuficiência de condução. Este quadro se torna irreversível após cinco ou seis
horas.

1.2 Sinais Clínicos

Paralisia e dor de início agudo constituem as queixas mais comuns (DEFRANCESCO,


2003). Os sinais clínicos são atribuíveis à insuficiência cardíaca congestiva, ou resultam de
órgãos afetados e da extensão do tromboembolismo. Os gatos em sua maioria, são
apresentados com paraparesia lateralizante, devida a um êmbolo em sela na trifurcação aórtica
distal. A oclusão aguda causa dor, palidez das extremidades afetadas, parestesia, paralisia,
leitos ungueais cianóticos (figura 2), ausência dos pulsos arteriais femorais e extremidades
frias (FOX, 1992).
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a b
Fonte: Ware (2010a)
Figura 2 – (a) Gato com tromboembolismo na aorta distal. O membro pélvico esquerdo foi
arrastado quando o animal tentou andar; do lado direito, a função do membro é um pouco
melhor. (b) Os coxins plantares do membro pélvico esquerdo deste gato apresentavam-se mais
pálidos do que os contralaterais.

A função motora dos membros posteriores é, na maioria dos casos, mínima ou ausente,
embora o gato geralmente possa ser capaz de flexionar e estender os quadris. Nas porções
distais dos membros, a sensibilidade é baixa. Um lado pode apresentar maiores déficits do que
o outro, pois os êmbolos são, ocasionalmente, pequenos o suficiente para se alojarem mais
distalmente em apenas um membro e causam paresia isolada (WARE, 2010a). Para Fox
(1992), uma claudicação intermitente é ocasionalmente a única queixa clínica, podendo
anunciar um grave tromboembolismo. O músculo gastrocnêmio torna-se frequentemente
firme por várias horas após a embolização (DEFRANCESCO, 2003).

A embolização da artéria braquial produz monoparesia do membro dianteiro. Os


tromboêmbolos presentes na circulação arterial renal, mesentérica ou pulmonar podem causar
falência destes órgãos e morte. Os êmbolos cerebrais podem induzir convulsões ou diversos
déficits neurológicos (WARE, 2010a).

Segundo o mesmo autor, os gatos com tromboembolismo arterial muitas vezes


apresentam azotemia. Esta pode ser pré-renal (resultante de má perfusão ou desidratação) e/ou
renal primária (causada pela embolização das artérias renais ou por uma nefropatia pré-
existente). De acordo com Grauer (2010), a uremia ocorre quando os sinais da insuficiência
renal estão presentes. Na ausência de sinais clínicos o animal azotêmico não está urêmico. Os
sinais clínicos associados à uremia incluem anorexia, vômito, diarreia, hemorragia
gastrointestinal, estomatites ulcerativas, letargia, tremores musculares, convulsões e coma.
11

Quando a azotemia é exclusivamente pré-renal e há diminuição da taxa de filtração


glomerular é esperada uma densidade urinária maior que 1.030 em cães e que 1.035 em gatos,
porque os rins são estimulados a conservar água. Se a densidade urinária estiver abaixo desses
valores em um animal azotêmico, sem que haja evidência de aumento da produção de uréia
(como uma hemorragia gastrointestinal), há uma diminuição na habilidade de concentração
renal, que pode ter uma causa renal (azotemia renal) ou extra-renal (pré-renal com diminuição
da capacidade de concentração renal não relacionada a uma doença renal primária)
(STOCKHAM; SCOTT, 2003 apud LANIS et al. 2008).

1.3. Diagnóstico

A acidose metabólica, a coagulação intravascular disseminada, as anomalias


eletrolíticas, principalmente as baixas concentrações séricas de sódio, cálcio e potássio e os
altos níveis de fósforo, e a hiperglicemia por estresse são comuns na embolização arterial em
felinos. A hipercalemia pode se desenvolver secundariamente ao dano muscular isquêmico e à
reperfusão (WARE, 2010a).

De acordo com o mesmo autor, o dano à musculatura esquelética e sua necrose são
acompanhados por elevações na concentração de alanina aminotransferase e aspartato
aminotransferase, começando nas primeiras 12 horas após o evento TE e atingindo o máximo
às 36 horas. A lesão muscular disseminada aumenta as atividades da lactato desidrogenase e
da creatinacinase logo após o tromboembolismo, sendo que os níveis de tais enzimas
permanecem elevados por semanas. Os gatos com doença TE arterial apresentam, de modo
geral, perfil normal de coagulação.

A ecocardiografia propicia avaliação rápida e não invasiva da estrutura e função


cardíacas, e detecta trombos intracardíacos (Figura 3), quando estas estruturas estão presentes.
Isto permite caracterização precoce e acurada do distúrbio miocardiopático, para que seja
facilitada a terapia apropriada (FOX, 1992).
12

Fonte: Ware (2010b)


Figura 3 - Ecocardiograma obtido por meio de janela paraesternal direita eixo curto, ao nível
da aorta e do átrio esquerdo, em um gato, com acentuado aumento atrial esquerdo e o trombo
(setas) no interior da aurícula. Ao: Aorta; AE: átrio esquerdo; VSVD: via de saída do
ventrículo direito.

Nos achados ecocardiográficos, a maioria dos gatos apresentará cardiomiopatia


hipertrófica caracterizada por hipertrofia ventricular esquerda, câmara ventricular esquerda
não dilatada, átrio esquerdo grande e hipercontratilidade. O segundo diagnóstico
ecocardiográfico mais comum é a cardiomiopatia restritiva, mas a cardiomiopatia dilatada
também pode ser observada. Independente do tipo de miocardiopatia presente, a maioria dos
pacientes, mais de 50%, apresenta aumento do tamanho atrial esquerdo severo.
Ocasionalmente, pode-se observar um trombo no átrio esquerdo ou ecocontraste espontâneo
(“fumaça”) (DEFRANCESCO, 2003).

Se o ecocardiograma não puder ser realizado, a angiocardiografia não seletiva pode


auxiliar na definição da natureza da cardiopatia subjacente e determinar a localização e a
extensão do tromboembolismo (WARE, 2010a). Segundo DeFrancesco (2003), a angiografia
não seletiva deve identificar um defeito de preenchimento negativo na aorta caudal, que
representa o trombo. Esse teste pode não ser necessário para se atingir o diagnóstico.

As radiografias torácicas são utilizadas na detecção de anomalias cardiopulmonares


(figura 4). A maioria dos gatos com TE arterial apresentam algum grau de cardiomegalia. Os
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sinais de insuficiência cardíaca incluem dilatação das veias pulmonares, edema pulmonar ou
efusão pleural. Porém, alguns gatos acometidos não apresentam nenhuma evidência
radiográfica de cardiomegalia (WARE, 2010a).

Fonte: Jandrey (2012)


Figura 4 - dorso-ventral (a) e lateral esquerda (b) radiografia de um gato com
tromboembolismo arterial. Com cardiomegalia generalizada, efusão pleural e infiltrado
alveolar, indicativo de insuficiência cardíaca congestiva.

Como o diagnóstico diferencial de TEA deve ser considerada a paresia de membros


posteriores secundária a outras causas, tais como: neoplasias espinhais, traumatismo, mielite,
linfoma espinhal, infarto fibrocartilaginoso ou protrusão de disco intervertebral. Essas
afecções que resultam em lesão do cordão espinhal se apresentam com sinais de doença de
neurônio motor superior, enquanto os pacientes com TEA se apresentam com sinais de
doença de neurônio motor inferior (DEFRANCESCO, 2003).

Segundo Osako et al. (2008), quando acometida a região cervical (C1-C5), há sinais de
neurônio motor superior em todos os quatro membros. Já as extrusões de disco na região das
intumescências cervical ou lombar podem comprimir as raízes nervosas que suprem os nervos
periféricos clinicamente importantes, resultando em déficits neurológicos e apresentando
14

claudicação, mesmo na ausência de compressão medular significativa. Porém, na maioria das


vezes, a lesão está na região torácica caudal ou lombar, observando-se sinais de neurônio
motor superior nos membros posteriores, com membros anteriores normais. Se houver
extrusão do disco intervertebral nas intumescências (C6-T2 ou L4-S3), os sinais observados
serão de neurônio motor inferior nos membros correspondentes.

1.4. Tratamento

Segundo Fox (2007), existem metas de tratamento, onde, as terapias são direcionadas
para: 1) controle concomitante da cardiomiopatia hipertrófica ou graves arritmias,
especialmente associada a hipercalemia; 2) tratamento de suporte como suplementação
nutricional, correção da hipotermia e evitar automutilação; 3) melhoria da dor aguda; 4)
medidas para limitar o crescimento/formação do trombo; 5) controle crítico; 6) prevenção de
repetidos eventos.

Inicialmente, os gatos com TEA devem ser internados, pois a maioria apresenta
insuficiência cardíaca congestiva intercorrente e requer drogas injetáveis. De início deve-se
manipular minimamente as pernas afetadas. No entanto, à medida que ocorre a reperfusão, a
fisioterapia (extensão e flexão passiva das pernas) pode acelerar a recuperação completa. Não
se deve realizar nenhuma venipunção nas pernas afetadas (DEFRANCESCO, 2003).

Os objetivos do tratamento são, de controlar a ICC e as arritmias concomitantes caso


estejam presentes, prevenir a extensão do êmbolo e a formação de outros trombos, promover a
circulação colateral e fornecer cuidado de suporte (WARE, 2010a). Após a realização do
diagnóstico, a terapia deve ser prontamente iniciada e consiste na utilização de medicações
que previnam a formação de trombos (SANTOS, 2008).

A administração de um analgésico é recomendada principalmente nas primeiras 24 a


36 horas, já que esta é uma condição dolorosa. O butorfanol na dose de 0,15 a 0,5 mg/kg, por
via intramuscular ou subcutânea a cada 1 a 3 horas, tem sido recomendado. A administração
de morfina em baixas doses como 0,1 a 0,3 mg/kg a cada 3-6 horas, por via IM ou SC, pode
ser considerada, mas alguns gatos podem vir a apresentar disforia. Um adesivo de fentanil
15

25µg/h, aplicado em uma área de pele livre de pelos, pode ser usado para auxiliar no alívio da
dor por até três dias, mas como seu efeito é retardado (cerca de 12 horas para se obter efeito)
outro analgésico deve ser simultaneamente administrado durante este período inicial. A
depressão respiratória e a redução da motilidade gastrointestinal são possíveis efeitos do
tratamento (WARE, 2010a).

Segundo Santos (2008), além da utilização de medicações, o clínico deverá promover


a circulação do membro afetado por meio de compressas mornas e/ou droga vasodilatadora,
como acepromazina. Por outro lado Ware (2010a), cita que a acepromazina não é
recomendada para os animais com TE arterial, apesar de seus efeitos bloqueadores de
receptores α-adrenérgicos. Melhora no fluxo colateral não foi documentado e a hipotensão e a
exacerbação da obstrução dinâmica ao fluxo de saída do ventrículo (em gatos com
cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva) são possíveis efeitos adversos.

As terapias antiplaquetárias e os anticoagulantes são usados para reduzir a agregação


plaquetária e o aumento dos trombos existentes. Embora a terapia fibrinolítica seja usada em
alguns casos, as incertezas sobre as doses, a necessidade de cuidado intensivo e a possível
ocorrência de sérias complicações originárias da lesão por reperfusão limitam seu uso
(WARE, 2010a).

De acordo com Ware (2010a), o ácido acetilsalicílico (AAS) é comumente utilizado


no bloqueio da agregação plaquetária em pacientes com, ou suscetíveis ao desenvolvimento
de, TE. O AAS inibe, de forma irreversível, a ciclo-oxigenase, o que reduz a síntese de
prostaglandina e tromboxano A2 e, portanto, a subsequente agregação plaquetária, liberação
de serotonina e vasoconstrição. Os benefícios do tratamento com AAS podem estar mais
relacionados à formação in situ do trombo; sua eficácia no tromboembolismo arterial agudo é
desconhecida. O tratamento com AAS é indicado quando o paciente é capaz de tolerar a
ingestão de alimentos e a administração oral de medicamentos. Embora DeFrancesco (2003)
cite que o uso da aspirina é teoricamente benéfico durante e após um episódio de
tromboembolismo, devido a seus efeitos antiplaquetários. A dose recomendada é de um
comprimido de 81 mg, VO, a cada dois ou três dias.

O clopidogrel é um potente agente antiplaquetário, que está recentemente sob


avaliação para a prevenção ou tratamento do tromboembolismo arterial. É um antagonista
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irreversível do receptor do difosfato de adenosina plaquetário (ADP2Y12). É um inibidor


primário e secundário da agregação plaquetária, reduz a liberação plaquetária, diminui a
liberação de agentes proagregadores e vasoconstritores como a serotonina e ADP, e prolonga
o tempo de sangramento. Os efeitos antiplaquetários ocorrem em três dias após a
administração. A dose recomendada é de 18,7 mg a cada 24 horas, ocorrem efeitos adversos
em 10% dos casos, e incluem anorexia, vômito e diarreia (FOX, 2007).

A administração de heparina é indicada para limitar a extensão dos trombos existentes


e na prevenção de outros episódios TE, porém conforme Ware (2010) este fármaco parece não
promover a trombólise. Seu uso tem se baseado na premissa de que, pelo retardo da síntese
dos fatores da coagulação, ou pela aceleração de sua inativação, pode ser prevenida a
trombose decorrente da ativação das vias de coagulação sanguínea. A heparina atua ao ligar-
se com a antitrombina III, favorecendo sua capacidade de neutralizar os fatores ativados XII,
XI, X, IX e trombina. Isto impede a ativação do processo de coagulação (FOX, 1992).

A heparina é administrada na dose de 100 a 200 UI/kg pela via intravenosa, seguida de
100 UI/kg pela via subcutânea a cada 6 horas. A maior complicação da utilização da heparina
é a hemorragia e, portanto, deve-se monitorar o tempo de tromboplastina parcial ativado,
mantendo-o entre 1,5 a 2 do valor basal. Recentemente, a utilização da heparina de baixo peso
molecular parece diminuir o risco de hemorragia. Deve-se usar a dose de 100UI/kg a cada 24
horas pela via subcutânea (SANTOS, 2008).

Os fármacos usados na promoção da lise do coágulo incluem a estreptoquinase e o


ativador do plasminogênio tissular recombinante humano (rt-PA). Estes agentes aumentam a
conversão do plasminogênio a plasmina, facilitando a fibrinólise. A experiência veterinária
com estas drogas é bastante limitada. Embora estes fármacos fragmentem, de forma eficaz, os
coágulos, as complicações relacionadas à injúria da reperfusão e à hemorragia, a alta taxa de
mortalidade, o custo da terapia, a necessidade de cuidado intensivo e a ausência de protocolos
de dosagem claramente estabelecidos impediram seu uso disseminado. Além disso, o uso
destas drogas parece não aumentar a sobrevida (WARE, 2010a).

Segundo Santos (2008), medicações trombolíticas podem ser usadas para tentar a
dissolução do trombo, mas com início até 4 horas após a formação do trombo para maximizar
o sucesso da terapia. A maior complicação envolvida com a terapia trombolítica decorre da
17

síndrome de reperfusão, podendo culminar em hipercalemia e acidose metabólica e, por isso,


deve ser realizada somente em unidade de terapia intensiva veterinária com a correta
monitorização do paciente. As drogas trombolíticas descritas para uso em felinos são: ativador
de plasminogênio tecidual, na dose de infusão intravenosa de 0,25 a 1 mg/kg/h;
estreptoquinase, na dose de 90.000UI durante 20 a 30 minutos, seguida de infusão contínua
intravenosa de 45.000UI/h por três horas. A maior complicação durante o tratamento com a
estreptoquinase é a hemorragia.

Litwak (1993) cita a excisão cirúrgica do êmbolo como tratamento para


tromboembolismo. No entanto, este mesmo autor, reforça que o procedimento tem maior taxa
de sucesso quando realizado em até seis horas após a formação do trombo. Para Ware
(2010a), a remoção cirúrgica dos coágulos não é, de modo geral, recomendada a gatos. O
risco cirúrgico é alto e é provável que, quando da realização da cirurgia, já tenha havido
injúria isquêmica neuromuscular significativa. A remoção do coágulo, usando um cateter de
embolectomia, não foi muito eficaz em gatos. Segundo Fox (1992), a embolectomia cirúrgica
está contra indicada, em vista de insuficiência cardíaca descompensada, hipotermia, e
coagulação intravascular disseminada, que acompanham o tromboembolismo. Além disso, já
tem ocorrido pré-operatoriamente, na maioria dos casos, uma significativa neuromiopatia
isquêmica.

A remoção cirúrgica do tromboembolismo arterial tem reunido resultados mistos.


Muitas intervenções cirúrgicas de embolectomia com balão tem sido tentadas. No entanto,
juntamente com o elevado risco anestésico devido à doença cardíaca subjacente, a maioria dos
médicos atualmente recomendam a terapia com medicamentos para os gatos já afetados por
tromboembolismo arterial. Embolectomia reolítica, usando um cateter para esvaziar e aspirar
o trombo, pode ser uma outra opção, e pode ser uma intervenção eficaz e útil nos casos
agudos, mas o acesso ao aparelho e o custo podem ser um fator limitante. O tempo entre o
inicio dos sinais clínicos e do processo de embolectomia parece não interferir nos bem
sucedidos resultados (JANDREY, 2012).
18

1.5. Prognóstico

O prognóstico é geralmente desfavorável. Em um estudo de 100 gatos,


aproximadamente 60-70% deles foram sacrificados ou morreram durante o episódio
tromboembólico inicial. O prognóstico a longo prazo varia entre dois meses a vários anos; no
entanto, a média é de cerca de 11 meses com tratamento (DEFRANCESCO, 2003).
Historicamente, apenas um terço dos indivíduos sobrevive ao episódio inicial. A sobrevida é
melhor quando há envolvimento de somente um membro e/ou preservação, ao menos parcial,
da função motora (WARE, 2010a).

A eutanásia é uma opção razoável para gatos com tromboembolismo, especialmente se


houver restrições financeiras, ou se tiverem indicadores negativos de prognóstico como: ICC,
hipotermia, frequência cardíaca mais lenta, falta da função motora, múltiplos locais afetados e
hiperfosfatemia. Para o autor, a cada cliente cujo gato sofra de TE deve ser oferecida a
eutanásia como uma opção (ATKINS, 2010).

Na rotina veterinária há uma série de situações que poderão exigir a prática da


eutanásia, logo foi fundamental a regulamentação do procedimento pela resolução de número
714 de 20 de junho de 2002 do Conselho Federal de Medicina Veterinária. A indicação do
procedimento é fundamentada em aspectos relacionados à sobrevida, prognóstico da doença e
qualidade de vida do paciente. São os casos de doenças graves, degenerativas, com
prognóstico desfavorável. Condições clínicas intratáveis e quadros com baixa qualidade de
vida, em geral acabam por justificar a realização do método (LUNA; TEIXEIRA, 2007 apud
PULZ et al., 2011)

Na ausência de complicações, a função do membro deve retornar em uma a duas


semanas. Alguns gatos voltam a ser clinicamente normais em um a dois meses, embora
déficits residuais possam persistir por períodos variáveis. Em alguns gatos, há
desenvolvimento de deformidades permanentes nos membros, requerendo, às vezes,
amputação. As repetições dos eventos são comuns. Embolização significativa dos rins,
intestinos ou outros órgãos pioram o prognóstico (WARE, 2010a).
19

CONCLUSÃO

O tromboembolismo aórtico em felinos é de fácil diagnóstico, pois, este é feito


principalmente a partir dos sinais clínicos, que são clássicos. Esta síndrome geralmente está
associada a algum tipo de cardiomiopatia que deve ser diagnosticada e consequentemente
tratada para evitar a formação de novos trombos.
O tratamento deve ser realizado o mais brevemente possível para que as chances de
salvar o animal sejam maiores, e também para que não ocorram complicações mais sérias
devido à isquemia provocada pela falta de circulação sanguínea nas áreas afetadas. Uma
terapia que reúna a retirada do trombo cirurgicamente com o uso de drogas que impeça a
formação de novos trombos causando o mínimo possível de efeitos colaterais, parece ser a
melhor opção. Mas para isso, mais pesquisas devem ser realizadas nessa área.
20

REFERÊNCIAS

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