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RESUMO
No livro do Cântico dos Cânticos, há uma “Amada” inteiramente entregue
ao seu “Amado”, que nada mais é que um casal apaixonado, de tal forma que
tudo fazem um para o outro. Tal relação esponsal, faz ver a relação da alma com
Cristo, alma essa que se expande e se prepara para O receber. Cristo chama
essa Amada, ou melhor, chama a alma, não para algo comum, mas para vivenciar
uma experiência única: a virgindade. A esponsalidade da alma neste livro da
Sagrada Escritura, é um relato do amor de um Deus de tal forma apaixonado pela
alma, que a convida para ser sua esposa, num convite virginal, de Virgem para
virgem.
1
Bacharel em Filosofia pelo Instituto Maria Mater Ecclesiae de Brasil – Itapecerica da Serra – São Paulo.
Graduando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail:
seminaristaroger281@gmail.com.
2
INTRODUÇÃO
O presente artigo vai expressar uma interpretação do livro Cântico dos
Cânticos, onde tenta identificar a esponsalidade da alma com Cristo. Não é um
artigo exegético, nem dogmático, ou ainda, sistemático, todavia, trata-se uma
visão realista e espiritual do chamado que Cristo faz às almas, neste caso, das
almas chamadas a uma vida virginal/celibatária. O intuito do presente artigo é
manifestar um material de oração, onde tenha uma abundância de pensamentos
espirituais sobre o Cântico dos Cânticos, sobre a virgindade consagrada e sobre a
alma virgem. A meta é fazer com que o leitor tenha uma experiência de
admiração por tal estado de vida, seja porque o vive, seja porque se interessa em
conhecer mais sobre o tema.
I - A ESPOSA E O ESPOSO
“Levou-me ele à adega e contra mim desfralda sua bandeira de amor.” (Ct
2,4). A alma esposa, é frequentemente, dentro do livro do Cântico dos Cânticos,
surpreendida pelo amor do Esposo, pois Esse não se inibe em abaixar-se. Está
em seu plano sempre render as almas ao seu amor, como afirma Columba
Marmion (2017) “O amor leva-O a abaixar-se igualmente junto das almas
consagradas, para as elevar à inefável condição de esposas”, deste modo o
Esposo atrai as almas para si.
A alma rendida de amor pelo Esposo tem sede d’Ele, nisso consiste a
angústia das almas humanas, a sede do Amado Esposo “Minha alma tem sede,
do Deus vivo.” (Sl 42,3). Nessa sede de Deus, a alma não se encontra a não ser
no afeto e no carinho, nas ternuras tanto do Esposo para com ela, quanto dela
para com seu Esposo. “Que me beije com beijos de sua boca” (Ct 1,2), quem diz
isso é a alma sedenta do Amado, esses termos afetuosos não dão a entender
outra coisa, senão, o amor de uma esposa com seu esposo.
A alma humana é como uma esposa castíssima que suspira pelo sacro
amor. Essa alma esposa vive a castidade, ou também, a virgindade, assim como
a amada que é pelo Amado considerada sem defeito, ou seja, virgem e pura (Cf
Ct 4,7). “E com razão está no jardim a virgindade, que é recatada, foge do
público, compraz-se nos esconderijos, suporta a disciplina. Finalmente no jardim
a flor está encerrada” (CLARAVAL,2020 P. 293), dizia isso São Bernardo ao
comentar o versículo 12b do capítulo 4 do Cântico dos Cânticos, onde o Amado
dizia “És jardim fechado, uma fonte lacrada.” Deixando claro que a esposa, ou
ainda, a alma, no Cântico dos Cânticos, trata-se de uma virgem.
2
CLARAVAL, Bernardo. Sermões sobre o Cântico dos Cânticos. 2020 P.46
3
Idem, P. 508.
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amado. Assim pode se dizer que “Toda alma que vejas que, deixando tudo, adere
ao Verbo com toda a força do seu desejo, para viver para o Verbo, para reger-se
pelo Verbo, para conceber do Verbo[...] considera-a cônjuge e desposada com o
Verbo.” (CLARAVAL, 2020 P.521).
O Amado é aquele que morre pela amada, que deseja ela mais do que ela
mesma se deseja. O Cristo Esposo, morre por sua amada, de fato se for preciso
dá a vida por ela. Pode-se entender, tanto que Ele dá a vida pela Igreja, “E vós,
maridos, amai vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por
ela.” (Ef 5,25); quanto que Ele dá a vida pela alma esposa, para isso ele morre,
para redimir da humanidade ferida o pecado, dá a vida por que muito ama
“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos.” (Jo
15,13).
O que mais se nota na realidade atual é que o mundo cada dia mais tem
medo de uma entrega total de vida, vive-se em um mundo líquido e desenfreado,
vivenciando uma sexualidade de “fast food” (Cf. WEST, 2018 P.31). Em meio a
tudo isso, Deus chama almas para desposar, no fundo chama todas as almas
batizadas como já analisado acima, mas há algumas que chama para uma
intimidade maior e, cuja finalidade é apontar uma vivência sobrenatural de
esponsalidade: A virgens, ou ainda, as castas, “És toda bela, minha amada, e não
tens um só defeito!” (Ct 4,7), chamadas a guardarem todos os seus melhores
frutos para o Esposo, “Todos os meus frutos melhores, meu Amado, pra ti os
reservei” (Ct, 7,14).
4
CLARAVAL, Bernardo. Sermões sobre o Cântico dos Cânticos. 2020 P.521.
8
5
Decreto Optatam Totius 10.
6
https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_doc_13051999
_verbi-sponsa_po.html - Acesso 04/11/2020.
9
Um ato de amor total, sacrifical e dom é o que nos permite dizer sobre a
virgindade, pois como bem colocado por São João Paulo II, é um ato de resposta
particular ao Amor Divino, o que dá a entender que a virgem antes é a amada.
Sentir-se amada é o que faz com que se dê uma resposta concreta de amor,
doar-se por inteiro ao outro é possível, por que Deus se deu totalmente e por
inteiro a humanidade.
7
JOÃO PAULO II, Teologia do Corpo, o amor humano no plano Divino. 2014 P.357.
10
A fidelidade do Esposo
Columba Marmion, em seu livro Sponsa Verbi, diz que o texto de São
Paulo a Efésios capítulo 5 e versículos 25 a 27 é dito sobre a Igreja Esposa, mas
pode ser interpretado como toda alma que Cristo une a si na qualidade de
esposa. (Cf. MARMION, 2017 P.14) Em Efésios 5,25-27, São Paulo fala da
fidelidade com que Cristo ama, “E vós, maridos, ama vossas mulheres, como
Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, afim de purificá-la com o banho da
água e santifica-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa,
sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.”.
8
CENCINI, Amedeo, Virgindade e Celibato Hoje. 2012 P.190 apud AGOSTINHO, Comentário à Epistola de
São João, 9,1.9.
11
É pela fidelidade de Deus, pela Beleza de Deus que a alma é o que é, por
que Ele é princípio de vida. Ele é fiel, não abandona sua amada, Ele é todo da
amada e a amada d’Ele (Ct 6,3). Deus é esse Esposo fiel que nunca abandonou a
alma humana, ainda que ela o abandonasse, como nos afirma São Paulo “se lhe
somos infiéis, Ele permanece fiel.” (2 Tm 2,13).
Deus quando revela seu nome, também revela sua fidelidade, que não é só
por um momento, mas de sempre e para sempre, tanto para os antigos do
passado, quanto para os novos do futuro, Deus sempre é fiel. (Cf. Catecismo da
Igreja Católica,207) Deus é “Rico em graça e em fidelidade” (Ex 34,6), esse Deus
que é Esposo, não cessa de desejar a esposa, por que a busca da esposa, a sua
procura é para Ele fonte de alegria, “Viste o Amado da minha alma?”(Ct 3,3), por
que nos afirma o Catecismo quando fala de oração, que “Deus tem sede de que
nós tenhamos sede d'Ele”(Catecismo da Igreja Católica,2560).
A fidelidade da Esposa:
A alma Esposa demonstra sua fidelidade por sua luta em busca dessa
semelhança que só lhe dá o Amado. Por isso, para ser fiel a alma deve entender
que a castidade, ou virgindade, não é somente uma continência sexual. É na
realidade a plenitude de amor. Traz embutido nela uma necessidade de renovar-
se na renúncia de si mesmo, vencer a monotonia de uma vida igual e vencendo
as resistências da carne, que sempre se inclina à concupiscência. (Cf. GÓMEZ,
1989 P.111).
12
A Esposa é fiel, na medida que muito ama, assim como o matrimônio não
se sustenta pelo amor, muito menos sustentará fiel a alma virgem que não ama.
9
CENCINI, Amedeo, Virgindade e Celibato Hoje. 2012 P.144 apud AGOSTINHO, Comentário à Epistola de
São João, 9,1.9.
10
http://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_25031954_sacra-
virginitas.html - Acesso 05/11/2020.
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Por meio desse amor é que o Esposo pode dizer “Roubaste meu coração, com
um só dos teus olhares” (Ct 4,9).
Finalidade unitiva
Santa Teresa, ainda faz uma comparação, dizendo que a alma de tal forma
se une ao Esposo, ou o Esposo à alma, que como a água da chuva que cai sobre
um rio não se pode mais separar a que caiu do céu da que estava no rio, assim
também a alma unida pelo matrimônio espiritual com o Esposo não se permite
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Finalidade procriativa ).
A finalidade procriativa está em dar muitos frutos para seu esposo, e essa
fecundidade está baseada naquela passagem em que Cristo diz “Aquele que
permanece em mim e Eu nele produz muito fruto.” (Jo 15,5). Raniero
Cantalamessa diz: “A fecundidade da virgem é de natureza esponsal. Os filhos
são gerados pela união com um esposo. A virgem, vivendo “unida ao Senhor sem
distrações, como dirá São Paulo, dá à luz filhos para Cristo.” (CANTALAMESSA,
2020. P.27). Tanto a virgem consagrada ao Senhor, quanto homens e mulheres
leigos, como sacerdotes que são chamados a uma vivência esponsal com Cristo
pela virgindade, estão chamados a dar muitos filhos ao Esposo.
A alma como que sobe um caminho, no qual por ele encontra o Esposo.
São João da Cruz fala de uma escada mística que a alma percorre, da qual ele
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chama “Escada mística do amor divino”, onde destaca dez degraus que a alma
percorre nessa relação com o Esposo. O primeiro de amor faz a alma enfermar
salutarmente “Dizei que estou doente de amor”(Ct 5,8); o segundo degrau faz
com que a alma busque sem cessar Deus “Levantar-me-ei, rondarei pela cidade,
pelas ruas, pelas praças, procurando o Amado da minha alma”(Ct 3,2); o terceiro
degrau faz a alma agir e lhe dá calor para não desfalecer; o quarto degrau da
escada de amor causa na alma uma disposição para sofrer, sem se cansar, pelo
seu Amado “Coloca-me como sinete sobre teu coração, como sinete em teu
braço. Pois o amor é forte, é como a morte.” (Ct 8,6); o quinto degrau faz a alma
apetecer e cobiçar a Deus impacientemente: “Minha alma suspira e desfalece
pelos átrios de Iahweh” (Sl 84,3); o sexto degrau, já permite as vezes a alma tocar
a Deus, faz a alma correr para Deus com grande ligeireza “Corro no caminho dos
teus mandamentos, pois Tu alarga o meu coração”(Sl 119,32); o sétimo degrau
torna a alma ousada com veemência “Que me beije com beijos de sua boca”(Ct
1,1); o oitavo degrau faz a alma se agarrar em Deus e não soltar mais, “Passando
por eles, contudo, encontrei o amado da minha alma. Agarrei-o e não o soltarei.”
(Ct 3,4); o nono degrau faz a alma arde suavemente, é o degrau do deleite suave
do Espirito Santo; o décimo degrau faz a alma assemelhar-se totalmente a Deus
pela clara visão que Deus permite ela de ter “Felizes os puros de coração, por
que verão a Deus.” (Mt 5,8). (Cf JOÃO DA CRUZ, 2014 P.156).
11
CLARAVAL, Bernardo. Sermões sobre o Cântico dos Cânticos. 2020 P.179.
16
12
Idem. P.180.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFÊNCIAS
GÓMEZ, Javier Abad. Fidelidade. Td. Emérito da Gama. São Paulo, SP:
Quadrante,1989.
JOÃO PAULO II,São. Teologia do Corpo: O amor humano no plano divino. Td.
Libreria Editrice Vaticana, José Eduardo de Barros Carneiro. Campinhas,SP:
CEDET (Ecclesiae),2014.
KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. Td. Pe. Leonel Franca. Dois Irmãos,
RS: Minha Biblioteca Católica, 2019.
Presbyterorum Ordinis:
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-
ii_decree_19651207_presbyterorum-ordinis_po.html - Acesso 02/11/2020.
Optatam Totius:
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-
ii_decree_19651028_optatam-totius_po.html - Acesso 02/11/2020 .
Sacra Virginitas:
https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_cc
scrlife_doc_13051999_verbi-sponsa_po.html - Acesso 04/11/2020.