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1.

EVOLUÇÃO DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO BRASIL

A história da construção civil no Brasil vale a pena ser contada a partir da década de
1940, durante o primeiro grande ciclo de crescimento do setor no mandato de Getúlio
Vargas. O forte desenvolvimento do período foi impulsionado principalmente pelos
esforços militares e os investimentos eram subsidiados basicamente pela máquina
estatal.
As duas décadas seguintes foram marcadas principalmente pelo Plano de Metas de
Juscelino Kubitschek, que estabeleceu objetivos ambiciosos em diversos setores.
Destaque para a construção de Brasília e das grandes rodovias, como a que ligava Belém
à nova capital. A partir daqui grande parte dos investimentos passaram a ser dominados
pela iniciativa privada.
Nos anos 1970, o regime militar ditou novamente a influência estatal em todo cenário
econômico, restando às construtoras privadas as obras residenciais e comerciais, que se
expandiram no período. Aproveitando a reformulação do Sistema Financeiro Nacional
(SFN), o governo instituiu o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), viabilizando o
financiamento de longo prazo.
Com a reforma, o financiamento habitacional pôde se tornar uma manobra econômica
bem-sucedida durante toda década, já que o setor tem um alto poder de multiplicação
de renda: gera diversos empregos em cadeia, impulsiona a atividade de diversos outros
segmentos derivados, ajuda a suprir parte do grande déficit habitacional da época e
aumenta a massa salarial do país.
Diversos instrumentos de captação de recursos foram viabilizados para fomentar o
crédito imobiliário, como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e os
depósitos em caderneta de poupança. Formou-se então, um ecossistema chamado
Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE, integrado por instituições
financeiras especializadas na concessão de financiamentos habitacionais, as Sociedades
de Crédito Imobiliário e as Associações de Poupança e Empréstimo.
Os recursos captados eram administrados pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), que
também regulava e fiscalizava o SFH. Os financiamentos habitacionais eram
completamente novos para os bancos na época, que puderam contar com alguns
mecanismos de segurança e incentivo.
“Um desses mecanismos foi a criação do Fundo de Compensação de Variações Salariais
(FCVS), mediante o qual a obrigação do mutuário, que tivesse pago todas as suas
prestações cessava depois de decorrido o prazo contratual do financiamento e o Fundo
absorveria eventuais saldos devedores residuais, provocados pelo descompasso entre a
periodicidade de aplicação dos índices de correção monetária aos saldos devedores e às
prestações e dos índices de reajuste dos saldos devedores e prestações”(História do
Sistema Financeiro de Habitação, ABECIP).
Em outras palavras, era praticamente garantido o direito de recebimento desses
financiamentos por parte das instituições que emprestassem os recursos e aos
tomadores uma parcela compatível com os ajustes salariais. Naturalmente, uma
enxurrada de mutuários entrou com ações judiciais para compatibilizar suas prestações
à sua evolução salarial, o que causou um descompasso entre a evolução dos índices de
correção monetária e da renda.
Como se não bastasse, a inflação disparou ao final da década de 1970 e debilitou ainda
mais o SFH. A dívida externa e a crise do petróleo sacramentaram a grave recessão que
estaria por vir nos anos 1980, a chamada década perdida. Este foi o início do fim para as
Associações de Poupança e Empréstimo e as Sociedades de Crédito Imobiliário, assim
como para o Banco Nacional de Habitação, extinto em 1986.
Uma nova reformulação no Sistema Financeiro Nacional acontece e a responsabilidade
do BNH são repassadas para a Caixa Econômica Federal, Banco Central do Brasil e
Ministério da Fazenda. O período abre espaço também para que os bancos múltiplos
assumissem grande parte dos financiamentos.
Para completar a tempestade perfeita, o vencimento dos contratos habitacionais de
longo prazo (15 a 20 anos) concedidos nos tempos áureos estavam prestes a chegar.
Como resultado, governo e bancos tiveram de arcar com o rombo do Fundo de
Compensação de Variações Salariais (FCVS), situação que fez muitas instituições falirem
ou serem absorvidas pelos concorrentes.
Em resumo: um grande vácuo de aproximadamente uma década e meia foi criado. O
início de 1990 ainda prometia fortes emoções com o confisco dos recursos da poupança
pelo Collor e afetaram gravemente a construção civil. Entretanto, onde há ineficiência
há também espaço para desenvolvimento e é o que acaba acontecendo a partir do Plano
Real.
O viés liberal e pró- mercado que se instalou na segunda metade da década de 1990 se
mostrou extremamente positivo para o setor, que possuía uma forte demanda
reprimida por crédito imobiliário. A retomada da construção civil teve ligação direta com
a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), em 1997. Inspirado no modelo
norte-americano, o SFI conectava o mercado imobiliário ao mercado de capitais, através
de títulos imobiliários no mercado secundário.
Vários desses títulos de crédito vocês já devem ter ouvido falar, como os Certificados de
Recebíveis Imobiliários (CRI), emitidos por securitizadoras. Outro fator preponderante
para o boom do mercado imobiliário que viria a seguir, nos anos 2000, veio de uma
legislação favorável, com destaque para a alienação fiduciária.
“Pelo contrato de alienação fiduciária, o proprietário de um imóvel efetuará, em
garantia do respectivo financiamento para aquisição desse imóvel, a alienação em
caráter fiduciário do imóvel à entidade financiadora, transferindo a esta a propriedade
fiduciária e a posse indireta. Até a liquidação do financiamento, o devedor será
possuidor direto do imóvel. Em tais condições, oferecendo garantias firmes aos
investidores e aos financiadores e liberdade de negociação entre as partes interessadas,
o SFI representa a efetiva modernização do mercado imobiliário no País” (História do
Sistema de Financiamento Imobiliário, ABECIP).
Daqui em diante, você provavelmente se recorda o que ocorreu. A economia finalmente
tinha todas as condições de temperatura e pressão para decolar. A estabilidade da
inflação e o crescimento tornaram os juros menores e permitiam que as famílias se
programassem a média e longo prazo para assumir financiamentos maiores. Um dado
interessante: entre os anos de 2004 a 2014, 75% dos contratos de financiamento
imobiliário tiveram como fonte os depósitos em caderneta de poupança, mais de R$ 540
bilhões. Por isso vemos até hoje enraizado na cultura financeira do brasileiro o uso da
poupança como “investimento” ou reserva natural. Para as instituições financeiras é o
paraíso, afinal é dinheiro barato parado à sua porta.
O Governo Lula deu continuidade às políticas de habitação iniciadas por FHC e colocou
como meta reduzir o déficit de moradias, principalmente entre a população de baixa
renda. O Projeto Moradia foi encabeçado pelo novo Ministério das Cidades, com
atuação principal no planejamento territorial. Criou-se então um Sistema Nacional de
Habitação (SNH), que opera o Subsistema de Habitação de Interesse Social e a Agência
Nacional de Regulamento do Financiamento Habitacional (ZAPELINI; LIMA; GUEDES, 2017).
Outras iniciativas são mais conhecidas pelo grande público, como o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, que complementava o programa anterior
com linhas de crédito específicas para as camadas C, D e E. Em seguida, tivemos o
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que foi levado à diante no Governo Dilma
com objetivos mais amplos do que o originalmente estabelecido: meta de construção
de um milhão de moradias para dois milhões até 2014.
A composição dos recursos tinha como fonte principal o Orçamento Geral da União
(75%), FGTS (22%) e BNDES (3%) e atingiu de fato bons resultados. Entretanto, o
programa foi extremamente criticado em diversos aspectos: qualidade duvidosa das
moradias, localização geográfica dos projetos inadequada, falta de coerência com o
planejamento urbano, entre outros.
De fato, o programa foi mal administrado e a política urbana foi praticamente deixada
aos interesses dos grandes empreendedores da Construção Civil. Os aspectos
qualitativos das moradias foram praticamente deixados de lado em detrimento dos
menores custos de execução possíveis. Toda vez que um setor é preterido em termos
de políticas e recursos, podemos esperar que distorções aconteçam.
No caso, assistimos ao maior esquema de corrupção já desmantelado no nosso país,
deflagrado pela Operação Lava Jato, em que os principais construtores estavam
envolvidos. Da mesma forma, suspeita-se do BNDES por financiar grandiosos projetos
no exterior a taxas subsidiadas, a chamada Caixa Preta. No geral, o setor acabou saindo
desmoralizado e endividado, sendo uma das razões para o aprofundamento da grave
recessão vivida entre 2014 e 2017.
Em momentos de crise, o resgate de grande parte dos recursos em poupança pode ser
dado como líquido e certo. Foi o que ocorreu no período, expondo a fragilidade à que o
nosso sistema está exposto: a Caixa Econômica Federal se viu obrigada a reduzir os
limites de financiamentos com recursos da poupança para compra de imóveis usados
de 80% para 50% (ABECIP, 2016).
O setor inteiro sofreu muito durante o período, mas a expectativa de recuperação
econômica já refletida em diversos indicadores aponta que estamos preparados para
uma retomada promissora. Os empresários estão de fato recobrando a sua confiança e
enxergam na redução da taxa de juros atual o estímulo que faltava para tirarem seus
projetos do papel.
2. ESTRUTURA, CONDUTA E DESEMPENHO DA CONSTRUÇÃO CIVIL

A Construção Civil sempre esteve intimamente ligada ao próprio crescimento do país


pelo seu forte potencial de multiplicar o PIB. Nesta seção tentaremos esclarecer como
o setor consegue capturar e distribuir tanta riqueza, apresentando o ambiente
regulatório e de mercado. A metodologia de análise é a mesma utilizada até agora:
Estrutura, Conduta e Desempenho (ECD).
A análise ECD procura salientar as variáveis que influenciam a capacidade de produção
das empresas através de um mecanismo de comparação simples. Primeiramente,
examinaremos a Estrutura a que estão sujeitas, como mão-de-obra especializada
disponível, número de concorrentes, Market Share, nível de concentração e barreiras à
entrada e saída.
Em seguida, apresentaremos a sua Conduta, como se comportaram para maximizar seus
retornos, buscar soluções para a melhoria da competitividade e eficiência operacional.
Por fim, examinaremos como isso afetou o Desempenho, baseado nas influências
macroeconômicas, taxa de juros e PIB e de que forma.

2.1 ESTRUTURA DO MERCADO BRASILEIRO

A estrutura recente do mercado não é tão simples. As diretrizes para o setor são dadas
pela Política Nacional de Habitação no Ministério das Cidades, que engloba diversas
entidades embaixo de sua estrutura. Todas elas estão organizadas dentro do Sistema
Nacional de Habitação e podem se dividir em dois grandes grupos com papéis distintos.
O primeiro é o Subsistema Nacional de Habitação de Interesse Social que tem por
objetivo garantir que as ações realmente promovam o acesso à moradia digna para a
população de baixa renda. Os recursos são recebidos por dois fundos principais: o FNHIS,
que recebe todos os recursos de origem fiscal e o FGTS, que recebe os recursos da
poupança abertos pelas empresas aos trabalhadores.
O segundo grande grupo é o Subsistema de Habitação de Mercado e engloba o todos os
participantes do Sistema Financeiro de Habitação, a grande maioria da iniciativa privada.
Em outras palavras são os responsáveis pela liquidez, eficiência de mercado, e crédito:
são os bancos múltiplos, companhias hipotecárias, securitizadoras, cooperativas de
crédito, entre outros.
Devemos lembrar que existem dois tipos de financiamento imobiliário disponíveis a
população, a começar pelo Sistema Financeiro de Habitação, regulado pelo Governo
Federal. “Os recursos do SFH podem ser utilizados tanto para a construção quanto para
a aquisição de imóveis residenciais (a aquisição pode ser de imóveis novos ou usados),
para as cartas de crédito concedidas para a produção de unidades habitacionais e
aquisição de imóveis residenciais e para o financiamento de materiais de
construção”(BIANCARELI, LODI, 2009).
Grande parte dos financiamentos são realizados por essa modalidade, que se aplica
apenas a imóveis avaliados em no máximo R$ 1,5 milhão e custo efetivo de 12% ao ano.
Outras características: parcela comprometendo até 30% de toda renda mensal,
exclusivo para pessoas físicas, financiamento de no máximo 80% do valor para novas
unidades e 70% para imóveis usados e prazo de quitação de 420 meses (35 anos).
Os bancos múltiplos são protagonistas dentro do Subsistema de Mercado, já que são os
principais responsáveis pela captação dos recursos de poupança, a maior fonte do
Sistema Financeiro Imobiliário (SFI- fonte alternativa de financiamento ao SFH). O SFI
utiliza também recursos dos próprios bancos e o financiamento se destina às classes
mais altas de renda.
Além disso, a modalidade pode ser usada tanto para a compra do primeiro imóvel, como
do segundo, inclusive de imóveis comerciais. Devido as características mais brandas do
SFI, os juros são mais elevados, o que dificulta a concorrência com os recursos do SFH –
e, em caso de inadimplência, o mutuário perde tudo o que já pagou.
Os produtos bancários mais comuns para captação de recursos são os Certificado de
Recebíveis Imobiliários (CRI), Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Cédula de Crédito
Imobiliário (CCI). O mercado tem falhado em desenvolver novas formas de
financiamento e as já existentes são frágeis em muitos aspectos. Por exemplo, as LCI são
lastreadas por créditos imobiliários garantidos por hipotecas ou por alienação fiduciária,
sendo o mercado secundário de hipotecas brasileiro muito pouco desenvolvido.

Figura 1 – Sistema Nacional de Habitação


Fonte: Ministério das Cidades (2020) – Elaboração Própria

A mais recente inovação nos produtos bancários se deu em 2015, regulamentado por
lei apenas em 2017, portanto algo recente e ainda não muito conhecido pelos
consumidores. A Letra Imobiliária Garantida (LIG) nada mais é que um título de renda
fixa com lastro em ativos e bens imobiliários.
Saber essa estrutura é fundamental para compreender o setor e os fatores que
desencadeiam o seu crescimento. As variáveis que mais influenciam o desempenho da
Construção Civil estão justamente ligadas à sua capacidade de se financiar, ou seja, nível
da taxa de juros, controle da inflação, políticas habitacionais, legislação adequada e
crédito.
A conjuntura atual se encontra extremamente favorável, com uma Selic em trajetória
de queda, inflação abaixo da meta e crédito sendo barateado. Os dados setoriais
comprovam a importância do setor: segundo o Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED), de janeiro a agosto de 2019 a construção civil foi a atividade
que mais contribuiu com a geração de emprego no país, cerca de 20% dos 593 mil novos
postos de trabalho.

Figura 2 – Overview do Setor de Construção


Fonte: ABECIP (2019)

Ao total, são 12,5 milhões de empregados, movimentando outros 70 setores


econômicos indiretamente, ou seja, é um grande multiplicador de PIB. Quando suas
atividades vão bem, o país muito provavelmente vai também, afinal representa uma
fatia de 6,2% do Produto Interno Bruto. O levantamento do IBGE disponível até o
terceiro trimestre de 2019 mostra um crescimento de 2% contra o mesmo período de
2018. Motivo de comemoração após 5 anos consecutivos de prejuízos.
Somente no segundo semestre do ano passado, seis incorporadoras e construtoras
captaram cerca de R$ 3,8 bilhões em novas ofertas de ações para investir em novos
projetos comerciais e residenciais. Em 2020, diversas empresas do setor já
manifestaram interesse em realizar emissões primárias. Até o momento: Mitre e Moura
Dubeux (já listadas), Pacaembu, Canope, Cury, Kallas, You.Inc e outras.
Mas a sensação de retomada ainda não atingiu todo seu potencial, muito menos chegou
a todas as regiões do país. De acordo com a consultoria Michael Page, as melhores
oportunidades surgiram por enquanto concentradas no Sudeste, base das maiores
incorporadoras.
Prova disto é o indicador de Utilização da Capacidade Operacional (UCO) estagnado em
62% pelo terceiro mês consecutivo, próximo a média histórica do setor. Outro dado não
muito animador está no déficit habitacional, problema que persiste e se agravou após a
recessão de 2014. Faltam nada menos que 7,7 milhões de
residências.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) mais recente, o número ultrapassou o último recorde
estabelecido em 2019. Alguns outros apontamentos são
interessantes: “Na cidade de São Paulo (SP), entre os anos 2000 e
2010, o IBGE aponta que a população cresceu 12,3%; enquanto o
número de brasileiros vivendo em favelas subiu 70%. Entre 2008 e
2017, o salário mínimo variou 60%, enquanto os valores de
aluguéis tiveram 100% de reajuste e os imóveis foram valorizados
em 230%” (PNAD, 2019).
Se compararmos os números atuais com os do início da última
década percebemos que houve de fato uma evolução de
aproximadamente 770 mil unidades. Mas outra mudança social foi
o grande destaque segundo a Associação Brasileira de
Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc): o avanço da categoria
‘componente excessivo de aluguel’ de 24,2% para 42,3%.
Em outras palavras, essa categoria representa a parcela da
população cujo custo com aluguel compromete boa parte da
renda. Ao todo, 1,5 milhão de famílias passaram a enfrentar
dificuldades para cumprir o pagamento mensal que dá conta de
sua moradia, 91,7% delas com renda de no máximo três salários
mínimos.
O Sudeste concentra o maior número de unidades deficitárias, com 2,4 milhões. Destes,
468 mil são apenas do Rio de Janeiro, o caso mais grave da região. Já o Nordeste, com
1,9 milhões, lidera o ranking em termos absolutos.
2.2 CONDUTA

Justamente para tentar encontrar uma solução para esse quadro, diversas pesquisas
universitárias estudam desenvolver alternativas construtivas que sejam de baixo custo
e ecologicamente corretas.
“É a partir de resíduos de cada região que as universidades brasileiras encontram
matéria-prima para contribuir no combate ao deficit habitacional. Terra prensada,
bambu, fibras vegetais, gesso e até garrafas PET descartadas servem de soluções para
problemas de moradias diversos e se propõem a ofertar soluções de iniciativas coletivas
de construção social. Na prática, esses recursos podem diminuir os custos em no
máximo 40% se a mão-de-obra envolvida for dos próprios beneficiados”.
Outra vertente importante para a modernização do setor foi o surgimento das
Construtechs. A diferença para as empresas tradicionais do setor é que estas envolvem
entrega física dos produtos ou serviços, como projetos de arquitetura e decoração, de
construção civil, venda de materiais de construção e equipamentos, vendas e aluguel de
imóveis, entre outros serviços e produtos. Já as Construtechs usam as novas tecnologias
digitais no mercado, para oferecer soluções também digitais.
“Construtechs são organizações que oferecem soluções para problemas reais de
agentes da cadeia de construção por meio de negócios escaláveis, que atingem um
grande mercado. Para isso, as construtechs possuem como base a tecnologia aplicada a
favor do seu negócio e a favor do cliente. Como é uma novidade no mercado,
geralmente as construtechs são consideradas startups, por conectarem tecnologia,
empreendimento e inovação”.
Os investimentos no segmento crescem exponencialmente ao redor do mundo. De 2012
a 2018 o total de investimentos em construtechs no mundo cresceu mais de 1200% e a
previsão é que esse número aumente ainda mais, visto que no primeiro semestre de
2019 a categoria teve mais de 1 trilhão de dólares em investimentos.

Figura 3 – Investimentos em Construtechs no Mundo


Fonte: Boletim de Tendências Sebrae (2019)
No Brasil existem cerca de 562 construtechs no Brasil, sendo 199 no setor imobiliário,
167 no uso de imóveis, 147 nas obras e execução da construção e 49 em projetos e
financiamento. Mais de 60% das construtechs estão no mercado há pelo menos 5 anos.
Como imaginado, a maioria esmagadora se concentra nas regiões Sul e Sudeste, cerca
de 230 estão em São Paulo, 79 em Santa Catarina, 58 em Minas Gerais, 50 no Paraná e
outras 38 no Rio de Janeiro.
Os mais recentes unicórnios brasileiros do setor, ou seja, empresas que despontam em
índices de investimento e são avaliadas em mais de R$ 1 bilhão, é a empresa Quinto
Andar, plataforma de aluguel de imóveis residenciais que simplifica o processo de
locação, e a Loft, especializada em reformar imóveis e revendê-los.
Apenas no primeiro trimestre de 2019 as construtechs no brasileiras receberam perto
de R$ 300 milhões em investimentos, mais da metade dos R$ 327 milhões que o
segmento recebeu no ano de 2018 inteiro.

2.3 DESEMPENHO

Segundo pesquisas recentes da consultoria McKinsey, existem pelo menos dois desafios
importantes para a retomada da construção civil no país. O primeiro é disparadamente
a necessidade de a indústria de construção brasileira trabalhar na melhora de seus
índices baixos de produtividade, quando comparados aos de outros países.
Figura 4 – Produtividade da Construção Civil

Fonte: McKinsey, BNDES (2019)

“Diversos fatores ajudam a explicar a baixa produtividade: (i) as leis trabalhistas são
pouco flexíveis e o excesso de burocracia incentiva a informalidade; (ii) baixa
capacitação de mão de obra, dado o desalinhamento entre as necessidades do mercado
e o que é ensinado nas escolas; (iii) custo de capital alto em relação ao custo de mão de
obra, o que faz com que empresas priorizem o insumo mais flexível (trabalho); e (iv) falta
de laboratórios para testar máquinas e equipamentos, o que leva à contratação de
laboratórios no exterior; e (v) barreiras de entrada a empresas internacionais que
poderiam trazer inovações e novas tecnologias” (MCKINSEY, BNDES, 2019).
O segundo maior desafio será a capacidade de reinvenção e de execução das
construtoras nacionais após os escândalos recentes com a Lava Jato e a forte redução
em seu faturamento a partir de 2014. A configuração dos principais players do setor
provavelmente sofrerá modificações.
“As grandes construtoras têm avançado em sua reestruturação e implementação de
boas práticas, como a criação de departamentos de compliance com status de diretoria;
aumento do número de conselheiros independentes; criação de comitês independentes
para apurar os casos de desvios de conduta; implantação de canais de denúncia e de
programas de treinamentos a funcionários; e reavaliação da lista de fornecedores”
(MCKINSEY, BNDES, 2019).
A exemplo da Odebrecht, em recuperação judicial, as empresas que protagonizavam o
setor ainda se encontram em difícil situação financeira. Para que voltem a operar
normalmente e construí um pipeline de projetos, alguns fatores são importantes, entre
eles a efetivação dos acordos de leniência.
Os dados mostram que por outro lado, empresas de médio porte foram afetadas em
menor proporção pela crise e com isso puderam aumentar sua participação nos últimos
anos. Entretanto, muitas delas também possuem certas limitações financeiras, como em
garantias e poder de mobilização para assumir grandes empreendimentos.
“Como observado em outros países, poderão ocorrer movimentos de M&A para suprir
eventuais lacunas deixadas pelas grandes empresas do setor. Por fim, espera-se que o
movimento de internacionalização do Brasil continue. No entanto, a maior participação
internacional dependerá da evolução do mercado de grandes projetos no país”
(MCKINSEY, BNDES, 2019).
As dificuldades do setor estão fielmente
retratadas nos resultados da última
Sondagem da Indústria da Construção,
que mostraram leve recuo nos
indicadores relacionados à produção.
Entretanto, é perceptível a melhora
expressiva nos índices de tendência
futura, ou seja, expectativas dos
empresários, sugerindo que a
recuperação do setor ainda tem um
longo caminho a percorrer.

Figura 5 – Produtividade da Construção Civil


Fonte: Sondagem Indústria de Construção (2019)
A análise da experiência de vários países mostra que o crescimento do financiamento
habitacional está intimamente ligado à existência de garantias efetivas de retorno dos
recursos aplicados, autonomia na contratação das operações e um mercado de crédito
imobiliário capaz de captar recursos de longo prazo, principalmente junto a grandes
investidores.
A tabela abaixo mostra o retrato dos financiamentos realizados no país em 2018, tanto
para novos imóveis, como para usados. É nítida a diferença entre a demanda por
financiamentos para compra dos empreendimentos e para construí-los. Em 2019 com
toda certeza esse cenário passou por uma mudança.

Tabela 1 – Financiamentos em 2018 (última base disponível)


Fonte: Secovi-SP (2020)

No centro desta disputa estão os bancos, munidos para a competição ainda mais
acirrada no crédito imobiliário em 2020. As melhores expectativas para a economia e os
juros baixo dão o tom para o aumento da concorrência nesse mercado.
“Um dos termômetros desse aquecimento é a portabilidade do crédito imobiliário. Os
dados do Banco Central mostram que, no caso dos financiamentos no âmbito do Sistema
Financeiro de Habitação (SFH), que concentra o maior número de operações, o volume
das transferências de contrato de uma instituição para outra subiu mais de cinco vezes
em um ano, entre outubro de 2018 e o mesmo mês deste ano” (VALOR INVESTE, 2020).
Os números do Banco Central mostram um aumento nas operações de portabilidade:
de R$ 29,5 milhões em outubro de 2018 para R$ 168,3 milhões no mesmo mês em
2019. Em todo o ano de 2018, houve transferências de R$ 271,8 milhões, praticamente
um terço dos números apresentados apenas até abril do ano passado, cerca de R$ 610
milhões.
Logo que assumiu a presidência da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães
estabeleceu a intenção de lutar pela continuidade na liderança das concessões de
financiamentos habitacionais na modalidade com recursos da poupança. “A
sensibilidade é que não estávamos oferecendo produtos que o mercado demandava e
taxas que refletiam a melhora da economia.”

Figura 6 – Unidades Residenciais Lançadas – acumulado dos últimos 12 meses


Fonte: CBIC (2019)

O produto à que ele se refere é a nova linha de crédito imobiliário com IPCA, que foi
regulamentada pelo BC em agosto de 2019. Na modalidade, há a substituição de
correção da TR pelo índice de inflação. Grande aposta dos bancos estatais e bancos de
pequeno porte.
De acordo com os dados divulgados pela Caixa, primeiro banco a oferecer essa
modalidade, desde o início da sua criação a instituição já concluiu 20 mil contratos,
equivalentes a R$ 4,4 bilhões. “Nosso objetivo é, a partir de março, securitizar pelo
menos 50% dessa carteira, já com seis meses de histórico. Mas dá para securitizar até
100%”, afirma Guimarães.
Os grandes bancos privados ainda estão um pouco céticos quanto a esta nova prática.
Primeiro, porque o controle do IPCA é um fato recente e não se sabe até quando vai
durar, por mais otimista que o mercado esteja. Como a grande maioria dos contratos
costumam ter prazos de até 30 anos, a volatilidade é algo a ser monitorado.
Segundo, as instituições estão aguardando o movimento da curva de juros de longo
prazo, que no fim das contas será o fator decisivo para a redução das taxas de juros
praticadas para o consumidor. Por enquanto, a demanda reprimida tem bastado para o
crescimento dos financiamentos para compra de novos imóveis.
Segundo relatório mais recente do 3T19 da Abecip, a Caixa liderou com R$ 13,8 bilhões
em recursos, seguido pelo Itaú com R$ 10,7 bilhões, Santander com R$ 8,7 bilhões e
Banco do Brasil com R$ 2,6 bilhões. A diferença para 2018 foi da ordem de 30% e
mostrou como o mercado é sensível. Na ocasião, o ranking foi liderado pelo Bradesco,
Itaú, Santander, Caixa e Banco do Brasil.
Por fim, concluímos que nos últimos 10 anos o cenário nunca foi tão favorável, com
todas os ventos soprando a favor: mais emprego, aceleração econômica, menor custo
do crédito e retomada do ciclo imobiliário.

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