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Alkimar R. Moura
Mercado de capitais e
crescimento econômico
Desenvolvimento financeiro e
lições internacionais, desafios brasileiros
ll qualldade dos ajustes macroeconômicos:
notas sobre o caso brasileiro
Edmar Lisboa Bacha
Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho
o•CANIZAD0•1s
Este artigo tem como objetivo indicar algumas dificuldades para o for-
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0(, talecimento do mercado de capitais no Brasil, tomando como base pon-
-o~ <e tos jâ conhecidos e ligados ao ajuste fiscal, cuja qualidade não favorece a
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'Õ ç>5:,✓- expansão do processo de intermediação financeira, seja por intermédio
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/ dos mercados de títulos organlzados, seja via sistema bancário. O texto
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,'lll lj estâ dividido em quatro partes. Na primeira, são discutidas brevemente as
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principais conclusões de um estudo do Banco Mundial sobre o desenvol-
vimento financeiro de um conjunto de nações (Banco Mundial 2004c).
Mercado de capitais e crescime Na segunda, a amostra é restringida a países latino-americanos. Com base
336.76 M5532005 nessas conclusões, são sugeridas, na terceira parte, algumas hipóteses que
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justificariam o fraco desempenho do Brasil no tocante ao desenvolvimen-
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ledo 1::::::::::-.: to do mercado de capitais. A última parte sintetiza as principais conclu-
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sões do trabalho.
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taneamente à expansão da participação latino-ameri~ana nos mercados últimos anos, aplica-se com bastante propriedade ao Brasil. Vejamos, en-
de capitais internacionais, medida pelo volume de emissões e de nego- tão, algumas características do mercado financeiro brasileiro que explicam
ciações de títulos latino-americanos fora das fronteiras nacionais. Além as duas condições mencionadas: o fraco crescimento da intermediação
de o desempenho dos mercados financeiros nos países latino-americanos financeira doméstica, medida pela relação entre ativos financeiros e o PIB,
ser inferior ao de países emergentes de outras regiões, a distinção entre e a tendência ao crescimento mais rápido das intermediações financeiras
eles também pode ser verificada pelo maior grau de internacionalização externas, estimuladas tanto pelos emissores de ativos quanto pelos inves-
financeira observado nas economias da América Latina. A preferência pela tidores em títulos e valores mobiliários.
emissão de tí_tulos nos mercados externos de capitais ocorre em relação Supondo que a seqüência estabilidade macroeconômica e mudanças
tanto às ações quanto às obrigações públicas e privadas. Em suma, os in- institucionais, incluindo o avanço das reformas microeconômicas, é um
dicadores ligados ao desenvolvimento financeiro revelam que as nações dos pré-requisitos para o desenvolvimento financeiro, algumas caracte-
latino-americanas são subdimensionadas internamente e apresentam ex- rísticas brasileiras recentes limitam o tamanho, a composição e a taxa de
cesso de intermediação externa. crescimento da intermediação financeira. Duas delas, inter-relacionadas,
O exemplo bem-sucedido do Chile - país latino-americano com o sistema parecem explicar, ao lado de outrps fatores de caráter institucional, o nível
financeiro mais desenvolvido, a julgar pela relação entre ativos financeiros e incipiente da intermediação financeira em comparação ao benchmarl< lati-
o PIB (174%), uma das maiores entre os países emergentes, bem como próxi- no-americano: a excessiva carga tributária sobre as operações financeiras e
ma daquela apresentada por alguns países desenvolvidos - parece confirmar o reduzido tamanho do mercado secundário de títulos.
que um conjunto de decisõe5, tomadas em uma determinada seqüência, fa-
vorece o crescimento econômico, a expansão dos mercados financeiros, a
melhoria das condições sociais e da distribuição de renda, e a redução dos A tributação no mercado financeiro
níveis de pobreza. Essa seqüência temporal de reformas se inicia pela esta- Na literatura sobre desenvolvimento financeiro, as condições de estabili-
bilidade macroeconômica, fruto do combate à inflação, da reforma fiscal e dade macroeconômica são comumente resumidas pela seguinte trilogia:
do equihôrio no balanço de pagamentos. O segundo estágio compreende inflação sob controle, equilíbrio fiscal, de modo a assegurar a sustenta-
reformas microeconômicas destinadas a aumentar a competitividade da bilidade da relação dívida/PIB, e equilíbrio externo. Em relação a isso, é
economia, favorecer a flexibilidade do sistema de preços e criar um am- importante lembrar que, em comparação com outros países emergentes
biente regulatório eficiente e estável, sobretudo na regulamentação e na da América Latina, o processo de estabilização de preços brasileiro foi um
supervisão do sistema financeiro. O terceiro passo se baseia na melhoria dos últimos a ocorrer, tendo se iniciado com o Plano Real em 1994. Além
das instituições e inclui reformas que contribuem para a estabilidade polí- disso, o país só passou a contar com uma combinação de Instrumentos e
tica e aprimoram o mercado de trabalho, o sistema judiciário e a legislação objetivos capazes de assegurar, em principio, a estabilidade macroeconô-
que protege os direitos de propriedade. mica após o abandono do regime de âncora cambial e a introdução das
metas inflacionárias em julho de 1999.
Ainda assim, a qualidade do ajuste macroeconômico não é satisfatória
O caso brasileiro sobretudo no que se refere às questões fiscal e tributária e em seu impacto
no sistema de intermediação financeira. O número excessivo de impostos
A conclusão genérica a respeito do desenvolvimento do mercado -finan- (alguns com alíquotas relativamente elevadas) que incidem sobre os três
ceiro nos países da América Latina, à exceção do Chile e do México nos agentes no processo de intermediação - o aplicador/poupador, o interme-
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de recursos, provocada pelo spread bancário, dificulta a negociação . As tesourarias dos grandes bancos e os administradores de recursos, es-
de ativos nos mercados à vista e futuros.
h) contribui para manter a assimetria entre a liquidez dos mercados de
d~rivativos e a dos mercados à vista (Banco Mundial 2004c: 31). Os
mercados de derivativos apresentam maior liquidez que os mercados
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pecialmente fundos de investimento financeiro, sllo detentores da maio-
ria do estoque de títulos públicos em poder do mercado. Como se pode
ver na Tabela 1, esses dois tipos de investidores respondem por mais de
75% do valor da dívida pública em mercado, e essa percentagem vem
spot, os quais servem de referência para os primeiros. Uma das razões -~1\ crescendo nos últimos anos.
desse paradoxo é a tributação que reduz a liquidez nos mercados
secundãrios dos títulos, pois a necessidade de caixa é maior no mer- TABElA 1
Detentores do estoque da dívida pública em mercado (em 'I&)
cado à vista que nos mercados futuros, nos quais a tributação incide
sobre uma base tributãria menor. ;r;n•~fufr~.i . , . 1~, ._1•.1--t• 'Í' ~,. • ,,,.,:~ , n1 . . ,,,,.:.) . 1•1 1,,.:/@i4•
Cart. própria bancos 39, 17 3◄,67 3◄, 11 35,10
Fundos inYtsl. (Flf) 37,78 32, 11 ◄2, 76 ◄ 6,89
Inexistência de um amplo mercado secundário para títulos Sub-total 76,95 66,78 76,87 81 ,99
O mercado secundãrio de títulos de dívida no Brasil é incipiente tanto Pe-ssoas físfc•s 0,55 0,18 0,13 0,16
para papéis públicos quanto para obrigações emitidas pelo setor privado, Pessoa jurídica nio-flnanc. 5,93 8,01 5, 78 5,99
constituindo-se em uma das características mais conhecidas e salientes de Outros 16,57 25,03 17,22 88,1~
seu mercado financeiro. Essa característica tem se mantido ao longo do
lotai g•r•I 100,00 100,00 100,00 100,00
tempo, apesar das inúmeras inovações introduzidas na infra-estrutura físi-
fonlf: lanco Cffltral
..ca e nos sistemas e procedimentos operacionais que regem a negociação,
a custódia e a liquidação desses títulos.
No caso da negociação de títulos públicos federais, o segmento mais
desenvolvido do mercado secundário, pesquisa com intermediârios fi- Tal concentração nas milos de uma reduzida base de investidores, cujo
nanceiros (tesourarias de bancos comerciais e de investimento, adminis- estímulo para a negociaçllo dos títulos responde basicamente a conside-
tradores de recursos, corretoras e distribuidoras de valores) realizada pela rações de ordem tática,. sobretudo no caso dos fundos de investimento
BOVESPA levou às seguintes conclusões sobre o mercado secundário, boa com liquidez diária, faz com que suas posições de carteira permaneçam
parte das quais ainda válidas, apesar de algumas mudanças já efetuadas centradas no espectro mais curto da curva de juros dos títulos públicos,
pelo Tesouro e pelo Banco Central para o aperfeiçoamento do mercado: diminuindq os estímulos ao alongamento dos prazos da dívida pública.2
baixa liquidez, pouca profundidade, excessivo número de emissões, des- Conseqüentemente, reduz-se a transparência para a formação de preços
continuidade nas negociações (as negociações se concentram nos dias de no mercado à vista dos papéis menos negociados. Registre-se ainda, em
leilões primários dos papéis recém-emitidos e, quando muito, durante al- apoio à conclusllo anterior, a dificuldade dos administradores de recursos
guns dias após cada leilão) e peso excessivo dos impostos, afetando negati- e dos responsãveis pelas operações de tesouraria das instituições finan-
vamente a participação de empresas não financeiras na negociação desses
papéis públicos (BOVF.SPA 1999). Além desses itens, o mercado se ressente
das seguintes características negativas: concentração de títulos nas mãos ' Ainda é cedo, contudo, para menswa1 os efeitos sobre a distdbulçao dos prazos de venci-
de um pequeno número de grandes investidores e composição inadequa- mentos da divida pública decorrentes das recentes mudança.s na estrutura trlbut!ria .sobre
da da divida pública. aplicações financeiras.
MUK'..M)() D( (»OAI\ l CIUCIMl.NlO lCONÔMKO OUlNYOl\1Ml.NTO JINANCUAO l QUAl.OAOI OOS A,l>STU MAOIOt.CONÔMtCO~ 195
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ceiras em realizar a "marcação a mercado" de suas carteiras, seja para fins -~.i do mercado financeiro no Brasil tem sido influenciado pela qualidade de
regulamentares, seja para atender a objetivos gerenciais internos. il
\i seu ajuste macroeconómico, sobretudo em relação às finanças públicas e
Por sua vez, a existência de uma divida pública composta por mais da à gestão da dívida. Ao tributar excessivamente a intermediação financeira,
metade de títulos indexados à taxa diária de juros representa um fator reduzem-se os incentivos à poupança e ao investimento, bem como o
adicional de restrição da amplitude e da profundidade do mercado secun- tamanho dos mercados financeiros e de capitais. Essa mesma tributação
dârio desses ativos. Como tais títulos oferecem baixo risco de mercado ajuda a explicar também outra característica do mercado financeiro bra-
decorrente de oscilações na taxa de juros, sua remuneração, representada sileiro: o reduzido tamanho do mercado secundário de títulos públicos e
pelo d~sâgio sobre a taxa básica de juros na emissão do papel, é relativa- privados. Por fim , o desenvolvimento desse segmento é Influenciado pela
mente reduzida, não gerando incentivo suficiente para um volume ex- composição da dívida pública, em que predomina a existência de títulos
pressivo de negociações em mercados secundários organizados. Com isso, J indexados à taxa básica de juros diária, cuja pequena volatilidade no pre-
seu ~habitat" natural até o vencimento é representado pelas carteiras das ço pouco estimula sua negociação no mercado secundário.
instituições financeiras e por investidores institucionais.
Além disso, a emissão de títulos públicos indexados à taxa ovemight
de juros tem constituído uma estratégia defensiva do Tesouro para girar ·
a dívida pública em situações de "stress", derivadas de dificuldades inter-
nas ou ligadas às crises externas que afetaram a economia brasileira nos
últimos anos. Dessa forma, em momentos de instabilidade, o Tesowo, ao
emitir e vender Letras Financeiras do Tesouro (LFT), oferece hedging natu-
ral ao mercado financeiro contra mudanças na taxa de juros, da mesma
forma que, em situações de crises cambiais anteriores, aumentou a oferta
de títulos indexados à taxa de câmbio dólar/real.
Aparentemente, a existência desse "ativo de última instância" não contri-
bui para um crescimento mais acentuado de instrumentos privados de mer-
cado (à vista ou de derivativos) que possam desempenhar o mesmo papel de
hedging contra riscos de taxas de juros. Nesse sentido, pode-se concluir que a
facilidade de uso desse instrumento na gestão da dívida pública para enfren-
tar dificuldades transitórias tem o mesmo sentido da utilização da CPMF na
arrecadação tributária. Ambos são simples de operar e geram efeitos favorâ-
veis no curto praw facilmente mensuráveis. Suas distorções, entretanto, são
sentidas apenas no longo prazo e, portanto, são dificilmente quantificãveis.
Conclusões
Estas notas procuraram indicar que, além dos fatores ligados às reformas
institucionais e microeconómicas ainda incompletas, o desenvolvimento
MUICMlO DI c»IIAIS l Cl1SCIMIN10 lCQNÔMICO DlSlNYOlYIMlNIO IINANClllO l QUAUOADt OOS AjUSl(S MIOOlCOHôMlcOS
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