Você está na página 1de 5

Ramesh Balsekar, economista formado na London School of Economics, tinha 60 anos

e acabara de se aposentar do cargo de Presidente do Bank of India, quando leu no The


Mountain Path, o jornal do Ramanashram, um artigo de Jean Dunn sobre Nisargadatta
Maharaj, um jnani (sábio) de Mumbai, a cidade onde Ramesh residia. Na manhã
seguinte, resolveu visitá-lo. Pouco depois, Ramesh assumia a função de intérprete das
diárias satsang de Maharaj dadas em marathi e não tardou para que a "total
compreensão acontecesse". Pouco antes de sua morte, Nisargadatta entregou a Ramesh
a incumbência de falar em seu lugar. Ramesh recebeu visitantes de todo o mundo em
seu apartamento em Mumbai até pouco antes de ele falecer em 27.09.2009. Ele deixou
um legado de 25 livros, dos quais muitos se tornaram clássicos da Advaita Vedanta. O
presente texto foi extraído do seu livro "Experiencing The Teaching".

Pergunta: Parece esperar-se, entre os espiritualmente sofisticados, dizer que Deus


é um conceito. Estou surpreso de ver quanta gente discute este assunto. Então,
pergunto: o que é Deus?

Ramesh: Que pergunta! E você perguntando isto? Como poderia ser possível tal coisa
como Deus? Deus não é um objeto.

P.: Deus não é um objeto, então é o quê?

R.: Deus é subjetividade - o único sujeito de todos os objetos -, sujeito do sujeito-objeto


que pensamos ser, erroneamente é claro.

P.: O que o senhor quer dizer?

R: O que você é fenomenalmente? Nada, exceto uma aparência na consciência. Você


pensa que é o sujeito de todos os demais objetos. Mas, de fato, você e eu e todos os
objetos sencientes subjetivamente, numenalmente, apenas poderíamos ser tudo que o
Númeno - ou o Supremo - é.

P.: O que exatamente o senhor quer dizer?

R.: Quero dizer que o Supremo - e cada um de nós (não como objetos fenomênicos) - é
a presença do que-nós-somos, que é a ausência do que-nós-pensamos-que-somos.

P.: E o que é isto?

R.: Nossa total ausência objetiva fenomenal, que pode ser a subjetiva numenal
PRESENÇA DE DEUS.
P.: O senhor seguramente não quer dizer que os fenômenos objetivos
desaparecem?

R.: Claro que não. "Nossa total ausência objetiva" refere-se ao desaparecimento não de
um fenômeno objetivo como tal, mas da identificação com um fenômeno objetivo que
nós pensamos que somos. Em outras palavras, nós não somos "essa" coisa (que
pensamos que somos), mas Aquilo que não pode ser nenhuma "coisa".

P.: Por que o senhor diz que Deus não é um objeto?

R.: Se Deus fosse um objeto, ele seria um dos milhares de deuses objetivos, e não o
Supremo como você presumidamente indica.

P.: Não estou pensando nos ídolos, que são deuses objetivos.

R: No momento em que Deus é conceitualizado, converte-se em um deus, porque


qualquer conceito de Deus automaticamente torna-se um ídolo. E, por certo, uma
imagem de uma deidade ou santo, se em um templo ou em uma igreja ou em qualquer
outro lugar de adoração, é um ídolo, se considerado como um símbolo ou outra coisa
qualquer. E, todas as orações e oferecimentos a um objeto, símbolo ou outro aspecto,
material ou conceitual, são orações e oferecimentos para um ídolo.

P.: Isto é blasfêmia!

R.: Eu apenas disse o que é obvio. Blasfêmia e ofensa podem ser admissíveis apenas na
mente em que tal noção surgiu. Então, o que é blasfêmia? Vou lhe dizer. Blasfêmia é
toda e qualquer ação feita de um modo diferente do que na presença de Deus. Isto está
claramente estabelecido no Bhagavad-Gita. E vamos deixar claro, na presença de Deus,
eu não quero dizer um objeto, um ídolo. Independente da presença ou ausência de um
objeto, um ídolo, o que a "presença de Deus" quer dizer é a ausência da presença do ser.
Isto significa a imanente divindade.

P.: O que o senhor quer dizer pela ausência da presença do ser?

R: Um ser que ora humildemente para Deus, e um ser, sem qualquer identificação
pessoal, que É Deus, são essencialmente o mesmo. Vamos deixar claramente entendido
que "humildade" não significa "sem orgulho", porque então a humildade seria tão
somente o oposto do orgulho. "Humildade" metafisicamente implica a ausência de
qualquer ente sujeito à humildade ou ao orgulho.
P.: Tudo isto é extremamente esclarecedor, mas, o senhor sabe, percebo que o
senhor demoliu algo consagrado pelo tempo.

R.: Consagrado pelo tempo o quê? Slogans, clichés, soporíficos?

P.: Talvez. Mas eles deram e dão algum sentido de segurança.

R.: Você sabe o que Nisargadatta Maharaj disse sobre esses símbolos de segurança?
Acho que ele nunca pediu para alguém abandoná-Ios mesmo que esse sentido de
segurança fosse falso. Ele apenas sugeria que a pessoa podia prosseguir como antes, até
que eles desaparecessem por si mesmos. O que ele queria transmitir era: "Vamos ao
menos compreender. Quando o sentido de culpa que pode surgir pelo deliberado
desaparecimento deles perder a força de seus condicionamentos, estes símbolos de falsa
segurança perdem importância".

P.: Claro que poderia haver outras considerações para o prosseguimento de tais
práticas.

R.: Certamente. O próprio Maharaj sinceramente realizava puja (oblações) três vezes ao
dia porque seu Guru pediu-lhe. Ele dizia que isto não fazia mal algum e poderia trazer
muitos benefícios àqueles não-dotados de inteligência suficiente para seguir no caminho
da autoinquirição.

P.: Parece-me que nesta discussão sobre Deus ignoramos certos conceitos - sim,
consagrados pelo tempo, como por exemplo, o "amor". Não é dito 'que Deus é
amor?

R: Você disse que amor é um conceito e que Deus é amor. Por consequência, Deus é um
conceito. E, é claro, "amor" é apenas o oposto de "ódio". Não estou desatento quanto ao
uso da

palavra no sentido convencional, mas uma palavra imprecisa pode causar confusão e
mal-entendidos.
P.: Qual a palavra que o senhor prefere?

R: Na verdade, "AMOR", se usado não como uma expressão de separação baseado na


emoção, mas para indicar compaixão, Karuna, é o que mantém o mundo (junto) em "at-
one-ment" (unicidade). Preferência, como diferença, é puramente um fenômeno na
dualidade. Entretanto, eu usaria a palavra "unicidade", embora o uso de qualquer
palavra, de certa forma parece aviltante, porque nenhuma palavra poderia descrever o
indescritível e, é claro, uma palavra em si mesma é uma criação temporal.

P.: Então, "unicidade" é a palavra. Deus é unicidade. Ela transmite um sentido de


totalidade.

R.: Também não vamos esquecer que "amor" é uma expressão de separatividade,
porque se espera que você ame os "outros". Na unicidade não amamos os outros - nós
somos os outros; e nossa relação fenomenal com "eles" é não-objetiva, direta,
espontânea e imediata.

P.: O que o senhor me diz sobre a "oração"?

R.: Claro, a oração. Você rezaria para - mais chuva e melhor colheita, ou talvez o
aumento da produção industrial? Ou para um substancial aumento das exportações?

P.: Agora, não sejamos irreverentes.

R: Ah, asseguro-lhe que não sou. O que eu quis dizer era que a palavra oração
geralmente é entendida como uma solicitação, o que pode ser percebido pelo fato de a
palavra "oração" ser geralmente seguida de "para". Oração verdadeiramente significa
comunhão. De fato, oração é comunhão, do mesmo modo que meditação é quando não
existe o meditador e nada sobre o que se meditar.
P.: O que o senhor está tentando dizer?

R.: Nada, de modo algum - exceto talvez que não possa haver de fato nenhum
significado em se rezar para (e adorar) um conceito de uma deidade paternal e
misericordiosa como "Deus", ou em amaldiçoar e abominar um conceito de um inimigo
impiedoso como "o Demônio", pela simples razão que eles nada são além do que nós
Somos.

P.: Então, o que o senhor diria para eu fazer?

R.: Eu diria para você não fazer nada, ou não faça nada. Este é todo o ponto. Como
Nisargadatta Maharaj disse, a compreensão é tudo. APENAS SEJA. Isto seria
"experienciar" o Ensinamento.

Artigo encontrado na Revista "Jnana Prabha" publicação do Jnana Mandiram (Templo


da Sabedoria) de Brasilia:

Você também pode gostar