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A Violência Baseada no Género contra a população deslocada das zonas


propensas a ataques militares em Cabo Delgado

Article · July 2020

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Domingos Carlos Batone


Escola Superior de Economia e Gestao, Maputo, Mozambique
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A Violência Baseada no Género contra a população deslocada
das zonas propensas a ataques militares em Cabo Delgado

Domingos Carlos BATONE1

Resumo

Este estudo desenvolveu-se nos bairros de Paquitequete, Ngonane, Eduardo Mondlane (expansão)
e Natite, na Cidade de Pemba, em Moçambique, onde tem sido o maior centro de concentração
da população que deslocou-se das zonas de conflito militar (distritos de Macomia, Mocímboa da
Praia, Muidumbe e Quissanga) entre as Forças de Defesa e Segurança (FDS) de Moçambique e
os insurgentes, com o objectivo de analisar as percepções da Violência Baseada no Género
contra a população deslocada das zonas propensas a ataques militares em Cabo Delgado.
A pesquisa aplicou uma abordagem qualitativa baseada na administração de entrevistas aos
líderes comunitários, mas também, as mulheres, raparigas, homens e rapazes deslocados das
zonas afectadas directamente pelos ataques militares que sofreram algum tipo de violência. Com
o recurso ao critério bola de neve (snowball), chegou-se a conclusão de que predominam mais as
formas de violência social (pobreza, a dificuldade de acesso a serviços públicos, moradia e
barreira da língua), seguida da psicológica (dificuldades de integração e estigmatização social
pela situação de deslocado entre os nativos da Cidade de Pemba) e física, no entanto, a violência
sexual foi pouco reportada pelos agregados entrevistados como sendo uma prática recorrente,
apesar de alguns focos de assédio sexual de raparigas nas famílias deslocadas mencionados pela
liderança comunitária.
Palavras-chave: Violência, Género, Conflitos e Deslocados.

Abstract
This study was carried out in the neighborhoods of Paquitequete, Ngonane, Eduardo Mondlane
(expansion) and Natite, in the City of Pemba, Mozambique, where it has been the largest center
of concentration of the population that has moved from the areas of military conflict (districts of
Macomia, Mocímboa da Praia, Muidumbe and Quissanga) between the Defense and Security
Forces (FDS) of Mozambique and the insurgents, with the aim of analyzing the perceptions of
Gender Based Violence against the displaced population in areas prone to military attacks in Cabo
Slender. The survey applied a qualitative methodology based on administering interviews to
community leaders, but also women, girls, men and boys displaced from areas directly affected
by military attacks that suffered some form of violence. With the use of the snowball criterion,
the conclusion was reached that more forms of social violence (poverty, difficulty in accessing
public services, housing and language barriers) predominate, followed by psychological
(difficulties in integration and social stigmatization due to the situation of displacement among
the natives of the City of Pemba) and physical, however, sexual violence was little reported by
the interviewed households as being a recurrent practice, despite some outbreaks of sexual
harassment of girls in the displaced families mentioned community leadership.

Keywords: Violence, Gender, Conflicts and Displaced Persons.

1
Actualmente é docente Universitário e Coordenador de Qualidade na ESEG-Escola Superior de Economia
e Gestão, Maputo.

1
Introdução
Em termos cronológicos, desde o início de 1990 até o final de 1999, houve 118 conflitos
armados em todo o mundo, envolvendo 80 estados e resultando na morte de
aproximadamente seis milhões de pessoas (Smith, 2001). Mesmo assim, a finalidade da
política deveria ser a manutenção da felicidade humana (Aristóteles, 2004). Deste modo,
um conflito armado é um choque externo negativo para a subsistência da população,
interrompendo suas rotinas diárias, criando medo constante da violência e da morte, além
de destruir as infra-estruturas locais, as famílias são forçadas a se deslocar. Este pode
variar de guerra, guerra civil e insurgência, diferenciando-se pela intensidade, exposição
à violência e duração (Parlow, 2011). As Convenções de Genebra de 1949 tentam abordar
duas categorias principais de conflito armado: (1) conflito armado internacional e (2)
conflito armado não internacional. Conflito armado internacional é o conflito entre dois
ou mais estados, e conflito armado não internacional refere-se aos conflitos entre um
estado e um ou mais grupos armados não estatais ou entre esses grupos não estatais (Blank
e Farley, 2015).

Os conflitos armados diferem em seus antecedentes históricos e políticos, actores


envolvidos e resultados. Por exemplo, enquanto as insurgências, como no Peru e Angola,
terminaram depois que o líder do movimento foi morto, ou no caso do Nepal o movimento
venceu ao derrubar o governo, a insurgência da Caxemira ainda estava em andamento no
ano de 2011. No entanto, não está claro se esse conflito terminaria num futuro próximo,
pois, a Índia e Paquistão discutem sobre o território, enquanto diferentes grupos militantes
realizam actos violentos. Consequentemente, a população civil aprendeu a conviver com
a violência diária e a presença das forças armadas em Jammu e Caxemira após 22 anos
de insurgência (Parlow, 2011). Assim, as guerras são um problema de todos, por
conseguinte, tendo em conta os enormes custos, devia ser possível encontrar uma solução
que beneficiasse toda agente, mas muitas vezes os rebeldes decidem continuar a luta em
vez de correr o risco de serem atraídos para um acordo de paz que o Governo
subsequentemente renega (Collier, 2007).

Historicamente, uma das manifestações mais evidentes da desigualdade de género é a


violência contra as mulheres em pleno conflito armado. Em um contexto migratório, não
voluntário, onde um grande contingente de pessoas se desloca fugindo justamente da
violência, as mulheres e crianças acabam sendo os grupos mais vulneráveis (Schwinn e

2
Costa, 2016). Deste modo, a persistência da violência contra a mulher como um tema que
ultrapassa as barreiras do doméstico e do privado, estando presente no meio internacional
e especialmente durante conflitos armados, motiva os pesquisadores a desenvolverem
vários estudos nessa temática (Matuella, 2017). Para efeitos desta pesquisa, foi definida
a seguinte questão orientadora: Qual é a influência dos ataques militares na prevalência
da Violência Baseada no Género (VBG) contra a população deslocada em Cabo
Delgado?

Nestes moldes, foi definido como objectivo geral da pesquisa: analisar as percepções da
Violência Baseada no Género contra a população deslocada das zonas propensas a
ataques militares em Cabo Delgado. E foram delimitados os seguintes objectivos de
pesquisa: (i) descrever a influência da insurgência armada na deterioração do bem-estar
socioeconómico da população deslocada; (ii) identificar as formas de violência mais
frequentes entre os deslocados das zonas propensas a ataques militares; e (iii) observar o
papel da liderança comunitária na protecção social das pessoas deslocadas vítimas da
VBG.

Esta pesquisa foi apoiada pela abordagem metodológica qualitativa para o alcance dos
objectivos definidos previamente. Foram usadas 2 técnicas para a recolha de dados,
nomeadamente, à pesquisa bibliográfica e a entrevista estruturada. A primeira serviu para
consolidar a discussão teórica sobre os conflitos armados e Violência, através da consulta
de livros, artigos científicos e teses; a segunda, destinava-se as pessoas deslocadas dos
distritos propensos a ataques militares para a Cidade de Pemba, de modo a recolher
informações que retratem a sua actual situação face a violência armada. Foram também
entrevistados os líderes comunitários dos bairros de Paquitequete e Natite que acolheram
os agregados familiares dos deslocados, de modo a explicarem a sua contribuição para
promover a protecção social da população afectada directamente pela insurgência
armada. Em termos concretos, através do critério bola de neve (snowboll), foram
entrevistados homens, rapazes, mulheres e raparigas deslocados, que estiveram
disponíveis a participar no estudo e ajudaram a recomendar outros respondentes na
mesma situação, até alcançarmos um número aceitável de participantes.

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Manifestações da Violência Baseada no Género em Contextos de
Conflito Armado
A Violência Baseada no Género pode assumir diversas formas inter-relacionadas, físicas,
sexuais, psicológicas e económicas. A violência sexual ainda é a mais citada durante os
conflitos armados, após centenas de milhares de mulheres terem sido vítimas nos
conflitos, como por exemplo, os da ex-Iugoslávia e Ruanda (Matuella, 2017). Num outro
exemplo, estima-se que entre 20.000 a 50.000 mulheres tenham sido estupradas durante
o conflito na Bósnia, como uma estratégia de “limpeza étnica” (Stiglmayer, 1994). Desse
modo, o estupro não apenas era utilizado como mecanismo de dispersão da população das
áreas de interesse da Sérvia, mas também funcionava como meio para engravidar as
mulheres da etnia rival, uma outra forma de fazer guerra, através da eliminação social do
grupo étnico rival (Allen, 1996). Com isso, os sérvios alcançavam o objectivo de
aumentar a população sérvia, já que consideravam que etnia é transmitida pelo sémen
masculino (Drumond, 2010). Por conseguinte, fica claro que apesar do seu cariz local, a
violência armada é um fenómeno global pela sua prevalência e pela dependência e
conexão que mantém com cenários de guerra, paz e pós‑guerra, onde o comércio legal e
ilegal de drogas, armas ligeiras e de pequeno porte, militarização, assimetrias de poder de
género e exclusão social são crescentes e exacerbados (Santos et al, 2012).

Nestes moldes, a emergência de novos conflitos que usam a violência sexual como
instrumento de guerra passou a evidenciar como as construções sociais de género
constituem padrões de violências e estratégias durante os ataques militares (Väyrynen,
2004). Por essa razão, a Violência Baseada no Género envolve as mulheres, raparigas,
homens e rapazes e não apenas as mulheres. Tendo em vista que homens e mulheres
sofrem diferentes tipos de violências associadas ao género, é indispensável identifica-los.
Deste modo, dentre as violências perpetradas contra homens em contextos de conflito
armado destacam-se o recrutamento forçado, massacres selectivos, e a violência sexual
(estupro, esterilização forçada, violência genital, nudez forçada e masturbação forçada)
(Sivakumaran, 2007). Os homens em idade de combate tendem a ser as maiores vítimas
de massacres selectivos em função de uma identificação de sua imagem com combatentes
em potencial (Carpenter, 2006). Nesse sentido, uma vez que os homens constituem a
maioria dos utilizadores e das vítimas de armas a nível mundial, as políticas e os
programas de prevenção têm visado quase exclusivamente homens e rapazes, dando
pouca ou nenhuma atenção ao papel e impacto da violência armada no que toca a

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mulheres e raparigas (Santos et al, 2012).Porém, outras formas de violência atingem as
mulheres em proporções diferentes aos homens, a exemplo do facto de que as mulheres
e crianças são a maioria dos refugiados e deslocados devido a situações de conflito
(Matuella, 2017).Segundo Drumond (2010), os efeitos para as vítimas do estupro e abuso
sexual são físicos, psicológicos e sociais. As mulheres vítimas de estupro sofrem
preconceitos, são rejeitadas pelos restantes membros da comunidade e abandonadas por
seus maridos ou tornam-se impossibilitadas de casar. Os homens, por sua vez, também
são discriminados e passam a enfrentar dificuldades para se inserir socialmente.

Um dos aspectos que deve ser considerado nesta discussão é que o papel da mulher e do
homem podem ser activos ou passivos em contexto de conflito armado. Deste modo,
Carpenter (2006), constatou que as mulheres também podem actuar em conflitos
assumindo papéis de agressor como ficou evidente em Ruanda, ou como tem-se mostrado
frequente em relação ao fenómeno das meninas-soldados e das mulheres-bomba, assim
como os homens também formam parcela da população civil afectada pelo conflito. Na
perspectiva de Schwinn e Costa (2016), em razão da distância de suas origens e
referências (local de nascimento, moradia, família); da indiferença oficial, com pouca ou
nenhuma protecção governamental; dos abusos (sobretudo sexuais) e da estigmatização
em razão da condição de mulher e refugiada, são diferentes as dimensões da violência
sofridapelas mulheres, raparigas, rapazes e homens que têm influência directa sobre o
processo de adaptação a uma nova realidade.

Na visão de Schwinn e Costa (2016), as pessoas deslocadas por causa dos conflitos
armados podem sofrer as seguintes formas de violência: (i) A violência cultural: se
expressa na opressão sofrida quando as mulheres buscam refúgio em outro local, onde
sofrem com dificuldades de adaptação, integração e vivência quotidiana. Faz parte deste
contexto também a questão religiosa, que pode provocar um choque cultural por motivos
religiosos; (ii) A violência social: inclui a manutenção da pobreza; a dificuldade de acesso
a serviços públicos por causa da barreira da língua; a situação, muitas vezes precária, de
moradia; a garantia de direitos e o acesso às políticas públicas; (iii) Aviolência
psicológica: inicia com a opressão e perseguição sofrida no local de origem; o duplo grau
de vitimização na condição de deslocado, o que aumenta o grau de vulnerabilidade (medo,
isolamento, dificuldades de integração, estigmatização social etc.); (iv) A violência
sexual: a mais perversa de todas, com o uso do estupro como arma de guerra; a exploração
sexual e o tráfico a mulheres e raparigas para fins sexuais; o assédio nos novos locais de

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trabalho. Nos campos de deslocados, mulheres e crianças são alvos de agressões físicas e
de investidas sexuais e, tendo que conviver em um espaço restrito, com um enorme
contingente de pessoas sem ocupação, que passaram por diversos traumas, se tornam alvo
da violência latente. Contudo, os homens e rapazes são um grupo que sente com menor
intensidade este tipo de violência.

Os efeitos irreparáveis de violência, tanto física como psicológica, e o impacto degradante


da guerra em civis mostram como é equivocada essa ideia de legitimar os conflitos
baseados num princípio de protecção. É necessário reforçar a ideia de que a guerra não é
algo inevitável, mas sim uma construção social baseada principalmente nos “mitos de
protecção” (Tickner, 2001; Matuella, 2017). Portanto, o vínculo com a violência também
é enganosa. Às vezes, os anarquistas apoiam abertamente, mesmo com orgulho,
bombardeios e terrorismo (Heywood, 2002).

Perspectivas sobre as Causas dos Conflitos Armados


Se procurar impedir que o conflito se transforme em guerra ou pelo menos alcançar o fim
da luta o mais rápido possível, se quiser maximizar a oportunidade de evitar o retorno da
guerra após um aparente acordo, deve-se ter certeza que há um entendimento adequado
dos conflitos armados e suas causas (Smith, 2001). Conforme destacou Sun Tzu (2007),
a guerra é um dos assuntos mais importantes do Estado. É o campo onde, a vida e a morte
são determinadas. É o caminho da sobrevivência ou da desgraça de um Estado. Assim, o
Estado deve examinar com muita atenção este assunto antes de buscar a guerra.

De acordo com Marx e Engels (2001), a história de todas as sociedades que existiram até
nossos dias tem sido a história das lutas de classes, baseando-se no antagonismo entre
classes opressoras e classes oprimidas. Neste sentido, o nosso entendimento sobre o
conflito é de que trata-se dum fenómeno característico da humanidade. Para Montesquieu
(2001), as pequenas sociedades têm o direito de fazer a guerra com mais frequência do
que as maiores, porque temem ser destruídas. Assim que os homens estão em sociedade,
perdem o sentimento de sua fraqueza, começam a sentir sua força, procuram colocar a
seu favor as principais vantagens desta sociedade, o que cria entre eles um estado de
guerra, fazendo com que se estabeleçam leis entre os homens. Essa tendência demostra
que os Estados precisam de ter boas leis funcionais para reduzir as possibilidades de
ocorrência da guerra. Por conseguinte, Bobbio (2004), considera que sem direitos do

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homem reconhecidos e protegidos, sem democracia, não existem as condições mínimas
para a solução pacífica dos conflitos.

Os argumentos apresentados por Collier (2007), demonstram que os países mais pobres
do mundo continuam a experimentar a miséria devido a várias armadilhas que tem
recebido menos atenção pelos governos, com destaque para a armadilha de conflito, onde
os pressupostos relevantes sobre as causas deste fenómeno são:
1) A causa social tem ligações com a repressão, exploração e exclusão, que são as
justificações das acções de muitos movimentos rebeldes, que muitas das vezes
adoptam medidas extremas de oposição a governos;
2) A causa económica está associada ao baixo rendimento dos países pobres que os
torna mais prováveis de sofrer uma guerra civil: se reduzirmos para metade o
nível de rendimento inicial do país, duplicaremos o risco de conflito interno, ou
seja, a guerra torna um país pobre, e a pobreza torna um país propenso à guerra
civil. O típico país de baixo rendimento enfrenta um risco de cerca de 14% de
entrar em guerra civil num período de 5 anos. Logo, na eminência de um conflito
militar, os investidores fogem e a economia afunda-se; além disso, se a economia
está fraca, é provável que o Estado também esteja, pelo que não é difícil
concretizar a rebelião;
3) O baixo rendimento significa pobreza, e crescimento lento significa falta de
esperança. Os jovens do sexo masculino, os recrutas dos exércitos rebeldes, são
bastante baratos num contexto de pobreza sem esperança. A própria vida é barata,
e a integração num movimento rebelde dá a esses jovens uma pequena hipótese
de obterem riqueza;
4) O outro factor de risco económico relativamente à guerra civil são os recursos
naturais, pois, a dependência à exportação de petróleo, diamantes, gás natural e
produtos semelhantes, aumenta o risco de guerra civil. Era por isso que Kabila
precisava de telefone por satélite: o aparelho servia para realizar acordos com
empresas extractivas. Diz-se que, ao chegar a Kinshasa, ele fizera acordos no
valor de 500 milhões de dólares. Houve vários casos de empresas internacionais
fizeram adiantamentos em dinheiro a movimentos rebeldes, em troca de
concessões de extracção de recursos, em caso da vitória daqueles. Deste modo,
os recursos naturais ajudam a financiar o conflito e até contribuem para o motivar;

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5) As doações de comunidades de diáspora têm sido uma das principais fontes de
financiamento dos movimentos rebeldes, que tem vindo a aprender a manipular
através de relações públicas. Por exemplo, o movimento de diáspora mais bem
organizado foi a Frente de Libertação do Povo Eritreu, que financiou a guerra a
guerra durante 30 anos, vencendo-a em 1992; e
6) A geografia tem alguma importância, visto que, um país enorme e com população
dispersa nos extremos, como a República Democrática de Congo (anteriormente
Zaire), ou uma nação muito montanhosa, como o Nepal, estão mais em risco do
que países pequenos, planos e densamente povoados, provavelmente porque os
exércitos rebeldes têm, nestes, menos locais para se organizarem e esconderem.

A perspectiva teórica de Tollefsen e Buhaug (2015), destaca que os terrenos acidentados


e outros obstáculos físicos dificultam a vigilância pública, criando uma menor capacidade
de contra-insurgência e geralmente constituem um importante facilitador da rebelião. Da
mesma forma, presume-se amplamente que a exclusão e a alienação sociocultural
aumentem o risco latente de conflito por meio da sua influência na formação da identidade
e na percepção de queixas colectivas da população. A abordagem proposta por Smith
(2001), agrupa as teorias sobre as causas do conflito nos seguintes grupos: (i) As más
condições económicas são as causas mais importantes de longo prazo dos conflitos
armados intra-estatais hoje em dia; (ii) Os sistemas políticos repressivos também são
propensos à guerra, especialmente em períodos de transição; (iii) A excessiva degradação
de recursos naturais, nomeadamente, solo, erosão, desmatamento e escassez de água,
também podem contribuir significativamente para a probabilidade de conflito violento,
mas em geral não são tão centrais para o problema quanto os determinantes políticos e
económicos; (iv) A diversidade étnica por si só não é causa de conflito armado, mas parte
dos conflitos são frequentemente definidos por suas identidades étnicas.

O aumento das desigualdades sociais nos Estados pode ser uma causa dos conflitos
armados. Para Rousseau (2001), a desigualdade moral ou política consiste nos diferentes
privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais
honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.
Nesse sentido, este fenómeno tem como causa:
“A origem da sociedade e das leis, é que deu novos entraves ao fraco e novas forças ao rico,
destruíram sem remédio a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da
desigualdade, de uma astuta usurpação fizeram um direito irrevogável, e, para proveito de
alguns ambiciosos, sujeitaram para o futuro todo o género humano ao trabalho, à servidão e

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à miséria; Daí saíram as guerras nacionais, as batalhas, os assassínios, as represálias, que
fazem estremecer a natureza e chocam a razão. A gente mais honesta aprendeu a contar entre
os seus deveres o de cortar o pescoço dos semelhantes: têm-se visto, enfim, os homens se
massacrarem aos milhões sem saberem porque; e o estabelecimento da lei e do direito de
propriedade, a instituição da magistratura, e a mudança do poder legítimo em poder arbitrário
promoveram a desigualdade.”(Rosseau, 2001, p. 37).

Recorrendo as contribuições de Maquiavel (2012), ao tentar explicar por que os príncipes


(governantes) da Itália perderam seus Estados, evidencia que:

“Se considerarem aqueles senhores que, na Itália, perderam seus Estados nos nossos tempos,
como o rei de Nápoles, o duque de Milão e outros, achar-se-á neles, primeiro um defeito
comum quanto às armas (falta de boas armas) e boas leis; depois, ver-se-á que alguns deles,
ou tiveram a inimizade do povo, ou, tendo o povo por amigo, não souberam garantir-se contra
os grandes. Estes nos tempos pacíficos nunca pensam que estes poderiam mudar (é da
natureza comum dos homens não pensar em tempestades durante o período de bonança),
quando chegaram os tempos adversos preocuparam-se em fugir e não em defender-se,
esperando que as populações, cansadas da insolência dos vencedores, os chamassem de
volta.” (Maquiavel, 2012, p. 116).

As razões apresentadas para o fracasso dos governantes italianos dos séculos XIV, XV e
XVI, funcionam também para os Estados contemporâneos do século XXI, na medida em
que, para preservar a soberania do Estado os governos dos países nunca devem parar de
investir no armamento moderno para fazer frente a invasão, rebeldes, terrorismo e
insurgências armadas. Mas também, nunca deve criar inimizades com o povo, pois, estes
vão ajudar a combater os invasores disponibilizando mantimentos e informações
estratégicas sobre o terreno e clima por serem nativos. Nessa linha de pensamento,
Huntigton (1999), assegura que nos conflitos civilizacionais as pessoas tendem a ficar do
lado daquelas com as quais partilham uma maior conexão. Por essa razão, Maquiavel
(2012), defende que nunca devemos ter o povo como inimigo, aliado a essa tese, Sun Tzu
(2007), assume que um dos factores que pode influenciar os resultados da guerra é o
caminho, que faz com que as ideias do povo estejam de acordo com a de seus governantes.

Essas abordagens apresentadas, permitem entender as causas dos conflitos armados, no


entanto, o que fica claro é que a origem destes conflitos muitas das vezes tem sido pouco
clara, contudo, as consequências têm sido devastadoras. Para Collier (2007), por vezes, a
rebelião vale a pena, com a vitória rebelde a induzir uma era de justiça social, mas isso
não acontece muitas vezes. Habitualmente, o legado político é tão mau quanto o
económico, traduzindo-se numa deterioração dos direitos políticos. A rebelião é uma
forma extremamente incerta de gerar uma mudança positiva. Os líderes rebeldes que
afirmam ter iniciado uma guerra civil para o bem do país estão, regra geral, a enganar-se
a si próprios e aos outros.

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Para o caso das causas da insurgência na província de Cabo Delgado, Morier-Genoud
(2019) e Pereira et al (2019), demostram que praticamente anos depois do primeiro
ataque a Mocímboa da Praia (a 5 de Outubro de 2017), o fenómeno tem sido objecto de
múltiplas interpretações, desde a tese privilegiada pelo Governo de Moçambique (pelo
menos publicamente) referente a uma conspiração movida por forças externas inimigas
do desenvolvimento de Moçambique, passando pela tese de conflito de terras, tendo como
pano de fundo os recursos naturais presentes na zona, até às teses da seita e do jihadismo,
no contexto da dinâmica crescente do extremismo violento nos países da região,
nomeadamente Tanzânia, Quénia e região dos Grandes Lagos.

Resultados
Percepções sobre a influência do conflito armado na prevalência da VBG e
deterioração do bem-estar da população deslocada

O conflito armado promovido pelos insurgentes em Cabo Delgado destroem a vida social
e bem-estar da população, alargando cada vez mais o número de deslocados, pois, estes
usam muitas formas para aterrorizar e pressionar o governo, no entanto, ainda sem
nenhuma motivação clara. De acordo com a Agência Lusa citada pelo jornal WD do dia
13 de Maio de 2020, descreve um elevado número de afectados pelo conflito,

“Cerca de 162 mil pessoas foram afectadas pela violência armada na província de Cabo Delgado,
norte de Moçambique. Aproximadamente 500 pessoas morrem nos ataques perpetrados por
insurgentes. Segundo um documento do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC),
sobre a situação humanitária da província, "a maior parte dos afectados está localizada nos
distritos de Macomia [29 mil], Mocímboa da Praia [26 mil] e Quissanga [15 mil]", estando os
restantes distribuídos entre 14 outros distritos. No bairro de Paquitequete, as vítimas da violência
armada têm sido acolhidas pelos respectivos familiares e amigos, estando as autoridades a
registar casos de agregados familiares com mais de 20 pessoas na mesma residência.” (WD
2020).

Os mecanismos de actuação deste grupo de insurgentes ajustam-se com a descrição de


Shapiro (2012), a destacar: (i) atrito, os terroristas estão tentando obter mudanças
políticas favoráveis convencendo ao governo do seu poder ou determinação, eles se
envolvem em uma luta de desgaste, realizando o maior número possível de ataques para
demonstrar a sua capacidade e resiliência; (ii) estragos, os terroristas tendem a destruir
as infra-estruturas políticas e administrativas especializadas no fornecimento de serviços
essenciais, bem como os estabelecimentos comerciais, para cortar o sustento da região
atacada; (iii) intimidação, os terroristas procuram manter a população alinhada, talvez

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porque muitas pessoas estejam compartilhando informações com as forças do governo,
eles tendem a se envolver em ataques contra essa população para reafirmar seu poder; e
(iv) provocação, os terroristas desejam convencer a população de que o governo não pode
ser confiável, e envolvem-se em ataques projectados para levar o governo a acções
excessivas, o que há muito tempo é conhecido por estrategistas como o ciclo de reacção-
acção.

As evidências apresentadas com as entrevistas efectuadas não só em Mocímboa da Praia


como também em Pemba, pela pesquisa desenvolvida por Pereira et al (2019), asseguram
que houve recrutamento por coação de jovens e homens corresponde à fase posterior ao
primeiro ataque armado ocorrido a 5 de Outubro de 2017. Nesta fase, o grupo terrorista
adoptou um tipo de actuação mais violenta para com as populações civis. Para estes
autores, esta mudança pode explicar-se por três factores: a) o aumento de controlo a nível
das estruturas comunitárias de base, relativamente à movimentação dos jovens; b) a fuga
de algumas pessoas das zonas sob o controlo do grupo; c) a intensifcação da acção
violenta das Forças de Defesa e Segurança (FDS).

No âmbito da observação da deterioração do bem-estar da população, causado pelos


ataques militares, no dia 13 de Junho de 2020 foi entrevistada a senhora E1, que integra
um agregado familiar de deslocados do distrito de Muidumbi devido ao conflito armado
entre as Forças de Defesa e Segurança contra os insurgentes, que hospedou-se com sua
família no bairro de Natite em Pemba, cujos integrantes do agregado são 29 pessoas. Esse
espaço é partilhado com outra família oriunda do distrito de Quissanga, com cerca de 8
membros. No entanto, observou-se a falta de alimentos, vestuário e condições precárias
de habitação, uma das integrantes o seu filho acabava de nascer, tinha apenas três (3) dias
de vida e o espaço que usam para preparar as refeições (uma cozinha improvisada),
também serve de dormitório para alguns (Figura 1) durante a noite, enquanto outros
dormem ao relento até amanhecer. No entanto, tem redes mosquiteiras para combater a
malária. A entrevistada explicou a sua situação nos seguintes termos:
“..Perdemos tudo para vir a Pemba, deixamos para trás a nossa vida normal, ninguém do governo
nos ajuda, apenas pessoas de boa vontade dão alguma coisa quando tem. A casa-de-banho usamos
assim mesmo, não temos outra opção. Passamos muita fome, a criança recém-nascida não tem
roupa, mantinha e fraldas de bebe, não sei o que será de mim e minha família, aceitaria qualquer
trabalho. E as crianças não estudam. E muitas pessoas não nos vêem com bons olhos, somos
estranhos, parece que somos estrangeiros.”.

Esse testemunho evidencia que existem muitas famílias numerosas na mesma situação,
com serias dificuldades de integração na Cidade de Pemba, mas também, em alguns casos
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sofrem de estigmatização social pela situação de deslocado entre os nativos da Cidade de
Pemba, o que não transmite segurança para matricular as crianças na escola, pois, a
probabilidade de ocorrência de bullying vai aumentar consideravelmente.

Figura 1. Espaço multifuncional (cozinha e dormitório) da habitação da família de E1


em Natite.

Fonte: Autor.

Depois de contextualizado o conceito de violência para os entrevistados, os líderes


comunitários dos bairros que receberam mais deslocados na Cidade de Pemba,
nomeadamente, chefes do quarteirão 19 do bairro de Paquitequete, quarteirão 1 no bairro
de Natite e Quarteirão 11 no bairro de Ingonane são unânimes em assumir que as formas
de violência mais frequentes entre as pessoas deslocadas das zonas atacadas pelos
insurgentes são: violência social, psicológica, cultural e sexual. Por exemplo, o líder
comunitário Eugénio Basto, considera que: “As formas de violências mais frequentes
entre as pessoas que fogem da guerra são sexual, social, psicológica e cultural e estão
entregues a sua sorte cá em Pemba.” No entanto, a líder comunitária Lena Assimuna,
explicou o seguinte: “As pessoas que saem dos distritos onde os terroristas atacam
sofrem de violência psicológica por causa da guerra, violência sexual e cultural .” No
caso do líder comunitário Nonoca António:“As práticas da violência mais comum contra
os deslocados são a social, psicológica e cultural.”

O papel da liderança comunitária na protecção social das vítimas da violência em Cabo


Delgado

As alíneas d) e e) do número 2 do artigo 4 do Protocolo II Adicional às Convenções de


Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos

12
Armados Não Internacionais, prevê como garantias fundamentais, a proibição em
qualquer momento ou lugar dos actos de terrorismo e os atentados à dignidade da pessoa,
nomeadamente os tratamentos humilhantes e degradantes, a violação, a coacção à
prostituição e todo o atentado ao pudor. Nesse sentido, o Estado moçambicano também
deve garantir a existência de mecanismos claros de protecção social da população
deslocada vítima dos conflitos militares em Cabo Delgado. O testemunho apresentado
por Beula (2020), destaca que o Governo criou centros de acomodação no distrito de
Metuge que acolhem perto de 10 mil deslocados, um número de longe insignificante
quando comparado com o total de 200 mil pessoas que fugiram das suas zonas de origem.
Nos últimos dias, algumas pessoas estão abandonar os centros de acomodação devido à
falta de comida e de condições básicas de saneamento de meio, situação que já provocou
a ocorrência de doenças diarreicas.

Nesse sentido, os encargos acabam sobrando para a comunidade local e respectiva


liderança comunitária, apesar de assistências que tem vindo a crescer por parte de algumas
organizações humanitárias. Por exemplo, no âmbito da recuperação dos meios de
subsistência, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) (2020), fez a distribuição
de utensílios domésticos básicos (utensílios de cozinha, lonas, cobertores, artigos de
higiene, etc.) a mais de 1,6 mil famílias (8 mil pessoas) obrigadas a fugir da violência
armada na província de Cabo Delgado. Mas também, as Nações Unidas (2020), através
da coordenadora Residente e Humanitária em Moçambique, Myrta Kaulard, pediu no dia
4 de Junho à comunidade internacional que amplie seu apoio a Moçambique e ajude o
país a proteger aquelas pessoas fortemente atingidas por vários choques, incluindo as
consequências humanitárias da COVID-19, bem como as recorrentes secas, inundações e
a crescente violência na província de Cabo Delgado, onde apresentou em nome das
Nações Unidas e dos parceiros humanitários apelos que, juntos, procuram angariar mais
de 103 milhões de dólares para apoiar a resposta liderada pelo Governo para fornecer
assistência para salvar vidas e fortalecer os meios de subsistência das pessoas afectadas.

As limitações do governo, pode gerar um entendimento ilusório de que há uma


indiferença oficial, com pouca ou nenhuma protecção governamental aos deslocados,
conforme refere Schwinn e Costa (2016). Através das entrevistas destinadas aos líderes
comunitários, nomeadamente, secretários de bairro e chefe de quarteirões onde estão
hospedadas as famílias deslocadas devido ao conflito armado contra os insurgentes em

13
Cabo Delgado, observou-se como a comunidade pode garantir a protecção social das
pessoas deslocadas vítimas de Violência Baseada no Género. Para Lena Assimuca, chefe
do quarteirão 19 do bairro de Paquitequete,
“…podemos proteger dando abrigo as famílias, tratar duma boa forma, ou melhor, criando as
mínimas condições para que possam se integrar na sociedade e não se desviem praticando actos
criminosos ou mesmo as mulheres virarem prostitutas.”.
Interrogada sobre o seu quarteirão e o relacionamento com os deslocados das zonas
atacadas pelos insurgentes, Nonoca António, chefe do quarteirão 11 do bairro de
Ngonane, resume assim a situação:
“…deve-se actuar logisticamente, garantindo vestuário e assistência médica e medicamentosa,
porque as pessoas estão numa péssima situação e precisam de ajuda.”

Na perspectiva de Eugénio Basto, líder comunitário do quarteirão 1 do bairro de Natite,

“…há necessidade de arranjar emprego, integrar as crianças nas escolas e disponibilizar apoio
alimentar, vestuário e material de higiene.

De acordo com alguns agregados familiares de deslocados, os chefes de quarteirão tem


desempenhado um papel importante na assistência social por iniciativa própria, sem apoio
governamental, disponibilizando alguma alimentação e vestuário conseguido graças a
mobilização que tem feito entre os residentes locais. Pois vejamos, a família deslocada
E2do distrito de Quissanga desde Maio de 2020, com 4 membros, acolhida no bairro de
Ingonane, considera que:

“…Sofremos com mais frequência roubos, furtos e violência física. No entanto, temos recebido
pouca ajuda de pessoasde boa-fé que trazem alimentação e vestuário. Ainda não vimos o governo
a dar a mão. Essa guerra queimou nossas casas, nossos filhos não vão a escola e cá na cidade de
Pemba ainda não foram recebidos em nenhuma escola, pior com COVID.”

A família E3com cerca de 7 pessoas, provenientes do distrito de Macomia, em Maio de


2020, hospedado no bairro Eduardo Mondlane (expansão), referenciou que,
“…Eu e os meus familiares sofremos de ameaças, roubos e furtos nas nossas zonas de origem.
Estamos desamparados, as crianças não estão a estudar. Outras consequências dos ataques são
as nossas residências que estão abandonadas, as casas queimadas, as pessoas sem emprego, o
distrito foi abandonado e o negócio parou. A melhor forma de proteger-nos seria criar
oportunidades de emprego, ajudar a inscrever as crianças na escola e pequenos negócios para
sustentar as famílias”
No caso do agregado E4, constituído por 8 pessoas, provenientes do distrito de Muidumbe,
que deslocou-se em Maio de 2020 para a Cidade de Pemba e foram hospedados no bairro
de Natite, referem que,

“…Em termos de apoio foi apenas uma vez pela secretaria do bairro e e Há necessidade de
esclarecer que em termos de necessidades é quase tudo (vestuário, alimentação, cobertores e
camas).”

O agregado familiar E5, composto por 29 pessoas, provenientes de Quissanga, em Janeiro


de 2020, foram hospedados em Natite, apresentam o seguinte testemunho,

14
“…Muitas pessoas da minha família sofreram ameaças, roubos e furtos, violência psicológica e
violência física.”

Os resultados evidenciam que a população deslocada dos distritos de Cabo Delgado para
a Cidade capital de Pemba, não tem amparo necessário para manter a sua estabilidade
social devido à falta de emprego, alimentação, saúde, realocação nas escolas e alguns
foram vítimas das diversas manifestações da Violência Baseada no Género em Pemba,
bem como nos distritos de origem, que tornaram-se mais frequentes com o conflito militar
entre os insurgentes e as Forças de Defesa e Seguranças de Moçambique. Esse facto,
associa-se a chamada de atenção de Collier (2007), ao reivindicar o impacto negativo do
conflito armado na deterioração dos direitos políticos e o bem-estar da população
afectada.
Considerações Finais
Várias abordagens especializadas em conflitos armados, terrorismo e contrainteligência
(Mobley, 2008; Smith, 2001; Collier 2007), demonstram que a maior parte dos grupos
terroristas e de insurgência não sobrevive após os primeiros anos de existência, mas, tem
um elevado potencial para violência, destruição e redução do crescimento económico.
Todos os grupos terroristas, mesmo aqueles que sobrevivem por décadas, enfrentam uma
ameaça existencial básica e constante: a descoberta de suas actividades e planos pelas
agências governamentais de inteligência. No entanto, o conflito armado promovido por
esses grupos rebeldes para desafiarem os governos, deixam um rastro de violência, com
destaque para a Violência Baseada no Género.

O governo precisa de entender que há necessidade de respostas de emergência para


situações que exigem resposta imediata (acções de impacto imediato), através da
mobilização de especialistas para oferecer ajuda emergencial aos civis deslocados que
estão a concentrar-se na Cidade de Pemba. Assim sendo, a negligência do actual fluxo de
pessoas dos distritos onde foram atacados ou que são propensos a ataques para a Cidade
de Pemba, pode ter consequências no tecido social local, nomeadamente, o surgimento
de focos de prostituição, criminalidade e aumento dos níveis de violência para os grupos
mais desfavorecidos (crianças, mulheres, raparigas e idosos).

Nessa lógica de ideias, esta pesquisa concluiu que, entre os membros das famílias
deslocadas das zonas propensas a ataques militares, no conflito entre os insurgentes e o
governo em Cabo Delgado, existem alguns focos de Violência Baseada no Género. Em

15
termos de percepção deste fenómeno, predominam mais três (3) formas de violência,
nomeadamente, a social (pobreza, a dificuldade de acesso a serviços públicos, moradia e
barreira da língua), seguida da psicológica (dificuldades de integração, estigmatização
social pela situação de deslocado entre os nativos da Cidade de Pemba) e física. A
violência sexual não foi reportada pelos agregados entrevistados como sendo uma prática
recorrente, apesar de alguns focos de assédio sexual de raparigas das famílias deslocadas
ser reportada pelos líderes comunitários dos bairros de Ngonane, Natite e Paquitequete.
Assim sendo, para pesquisas futuras há necessidade de estudar o processo de reintegração
social e escolar dos deslocados, bem como a mobilidade social da população duma região
para outra, neste contexto de conflito militar e insurgência armada.

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