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Artigo de revisão
Marcia Rozenthal*
Jerson Laks**
Eliasz Engelhardt***
Entretanto, hoje se estima que 30 a 50% dos estudo foram resultado de busca nos bancos de
pacientes deprimidos não se recuperam dados MEDLINE e Lilacs usando as palavras-
totalmente 8. Ainda, segundo Trichard et al.9, chave depression, neuropsychology,
existe um consenso de que alguns déficits neuroanatomy, neurobiology e frontal lobe.
cognitivos da depressão persistiriam após a
remissão clínica. Estudos neuropsicológicos e ASPECTOS DA NEUROBIOLOGIA DA
neurobiológicos da depressão têm como DEPRESSÃO
objetivo tecer correlações clínico-patológicas
para um maior entendimento do transtorno10. As regiões mais estudadas têm sido as
Para tal, vêm se centrando em algumas regiões áreas frontais e suas conexões, bem como as
anatômicas onde há maior consistência de áreas temporais. Abaixo são relatados os
achados e correlação com as manifestações principais achados.
psicopatológicas do transtorno. Algumas
questões metodológicas, entretanto, devem ser Área frontal
levadas em conta, considerando-se que, em
psiquiatria, não existe um padrão-ouro definitivo Alterações localizadas. A importância de
para a maior parte dos transtornos. O desenho alterações frontais em quadros depressivos vem
de um trabalho que tome a depressão a priori sendo ressaltada por vários autores 13-20 ,
como uma doença única deve procurar levando-se em conta as alterações clínicas
disfunções presentes no grupo de pacientes relacionadas à atenção, psicomotricidade,
deprimidos e ausentes nos não-padecentes da capacidade executiva e de tomada de decisão
desordem (grupo controle). Por outro lado, se a encontradas em quadros típicos. As áreas
depressão é tomada como um constructo frontal e estriatal também têm como importante
diagnóstico potencialmente heterogêneo função a modulação das estruturas límbicas e
quanto às alterações neurobiológicas, seu do tronco encefálico, que estão fisiologicamente
estudo deve comparar diversos subgrupos pré- envolvidas na mediação do comportamento
delineados (no caso, bipolares, unipolares, emocional; sendo assim, disfunções nesses
idosos, jovens), almejando estudos circuitos devem participar na patogênese dos
comparativos. Assim sendo, se consideradas sintomas depressivos21.
as diversas classificações oficiais, acrescidas Estudos anatômicos e de neuroimagem
daquelas decorrentes de pesquisas, o que funcional vêm apontando alterações nas áreas
resulta é uma grande quantidade de estudos frontais em amostras distintas de pacientes
usando amostras distintas e, portanto, não deprimidos (idosos, jovens, unipolares,
passíveis de comparação. Mesmo fatores bipolares). Foram relatadas alterações
referentes à evolução de casos individuais, anatômicas do córtex orbital bilateral em
como, por exemplo, idade ao início do quadro, pacientes deprimidos idosos com uso de
tempo de duração da doença, presença ou ressonância magnética (RM) cerebral22, além
ausência de anormalidades estruturais de diminuição do fluxo sangüíneo e do
detectáveis, parecem ser também relacionados metabolismo no córtex pré-frontal em
com a gravidade dos achados depressões uni- e bipolares23.
neuropsicológicos11. Outra questão diz respeito Estudos com tomografia por emissão de
à verificação e qualificação de eventuais pósitrons (PET scan) referem semelhanças
alterações neurofuncionais que estariam entre pacientes uni- e bipolares, sugerindo um
presentes durante um episódio depressivo. núcleo comum ligado ao componente
Alterações permanentes presentes antes e após emocional. Haveria uma diminuição do
a remissão dos quadros agudos se constituiriam metabolismo no córtex pré-frontal, ao longo da
num traço ou vulnerabilidade para a desordem. linha média, a qual estaria relacionada a uma
Também mostra-se importante diferenciar, alteração da anatomia desta região, com a
dentre os achados (mesmo os mais redução do seu tamanho 24-25. Embora esta
consistentes na literatura), quais seriam anormalidade anatômica tenha um caráter
primários do transtorno estudado e quais seriam persistente, o aspecto metabólico, ao contrário,
secundários ou adaptativos12. Essas questões, seria flutuante, de acordo com o estado clínico
longe de estarem totalmente respondidas, vêm e com o tratamento com antidepressivos.
se tornando cada vez mais presentes nos A região subgenual pré-frontal cortical foi
estudos consultados, sendo a seguir examinada em pacientes deprimidos, maníacos
apresentados alguns resultados mais em remissão e pacientes em fase maníaca. Foi
relevantes. Os artigos consultados para este verificado que pacientes maníacos e deprimidos 205
foco de atenção, além de lentificação motora e memória congruente com o humor será
cognitiva. Esses déficits teriam relação com a expressa em testes de memória explícita. Denny
gravidade do quadro, sendo mais intensos em & Hunt52 mostram que pacientes deprimidos
pacientes que necessitam de internação evocam mais material negativo do que positivo,
hospitalar. o mesmo não ocorrendo em testes implícitos.
Mesmo assim, na medida do grau de
Memória significância, esses achados se mantêm ainda
inconclusivos.
A alteração de memória estaria relacionada Pacientes deprimidos apresentariam
a uma desregulação do eixo hipotálamo- déficits na recordação em tarefas que requerem
hipófise-adrenal, levando a efeitos adversos de o uso espontâneo de estratégias, ao contrário
hormônios do estresse sobre o hipocampo15,24,31- do observado naquelas que direcionam o uso
33
. Considerando-se as diversas fases do de estratégias ou que prescindem das mesmas,
processo de memorização, seguem os indicando que os déficits experimentados na
principais achados de alterações encontrados depressão se dão na iniciativa cognitiva.
na literatura consultada. Deprimidos têm prejuízo da evocação de
Memória de curto prazo. Pacientes material cujo processamento é “desgastante”,
deprimidos queixam-se de baixa concentração como resultado de reduzida capacidade em
e de dificuldade de memorizar, padrão este perfazer essas operações, mas não por uma
diferente dos pacientes que apresentam diminuição na quantidade de material lembrado,
alterações primárias do processo de fixação da visto em tarefas dependentes de
memória. Porém, a maioria dos estudos não processamentos mais automáticos53.
demonstra alteração da memória de curto prazo Memória verbal e visual. Em pacientes
em deprimidos 44-47, embora Purcel et al. 40 bipolares, é descrito o comprometimento da
tenham observado falha do aprendizado memória verbal mesmo em pacientes eutímicos,
associativo em idosos deprimidos. sendo que a memória vísuo-espacial não
Memória de longo prazo. A maioria dos apresentaria alteração consistente 6,40,43,54,55.
estudos encontra evidências de Para os bipolares, o tempo de estado em crise
comprometimento da evocação e (mania ou depressão) parece se correlacionar
reconhecimento tanto de material verbal negativamente com o desempenho da memória
quanto não-verbal. verbal e com o funcionamento executivo. Esses
Memória episódica. Sweeney et al. 15 achados sugerem a presença de dificuldades
descrevem alterações de memória episódica neurocognitivas persistentes em pacientes com
durante as fases mistas ou maníacas e também transtorno bipolar de longa data e a existência
nas depressões uni- ou bipolares. de um agregado de efeitos negativos
Memória semântica. McKena48 refere que diretamente relacionados à duração da doença
pacientes deprimidos com psicose parecem bipolar sobre a memória verbal e sobre o
apresentar um comprometimento específico na sistema executivo.
evocação de informações organizadas por seus
significados em categorias semânticas, sendo Velocidade de processamento
esta uma ponte entre a disfunção e a
sintomatologia clínica, referindo-se às falsas É descrita lentidão do processamento
crenças (delírios ou idéias deliróides). cognitivo em pacientes bipolares6,43, unipolares
Memória implícita. Os pacientes jovens e idosos40,42 e em pacientes psicóticos36.
deprimidos não revelaram alteração específica
nesta função. Função executiva
Evocação. É descrito que pacientes
deprimidos teriam maior seletividade na Tendo em vista as disfunções que dizem
evocação de material negativo49-50. Williams et respeito à região pré-frontal na depressão,
al.51 sugerem que o processamento cognitivo vários estudos neuropsicológicos vêm se
ocorreria em dois tempos: um pré-atentivo (que atendo ao funcionamento executivo nesses
segue a captura atentiva da informação e é pacientes. A síndrome de disfunção executiva
refletido em testes de memória implícita) e outro na depressão 18,19 vem sendo estudada e,
elaborativo (que envolve a associação de considerando suas interferências diretas na
informações-alvo com outras informações na vida diária e no prognóstico desses casos,
memória, refletida em testes explícitos). Se a torna-se fundamental sua identificação.
208 memória implícita não é comprometida, a Seguem alguns achados relevantes.
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Dixon W. Cognitive impairment in euthymic bipolar
patients with and without prior alcohol dependence: a
períodos intercríticos. Procurou-se, ainda,
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mostrado mais consistentes, sendo descritas
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Med 1993;23:87-91. no paciente assintomático. Nestas, interessam
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Verbal memory deficits associated with major affective of affective disorders, some alterations have shown
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in critical phases but also in asymptomatic patients. 211
212