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MARIA ROUPA DE
PALHA
Lourdes Ramalho
CENA 01

PAPAGAIO (Canto.)

Papagaio louro! Do bico dourado!

Que de condenado e aprisionado já está cansado!

(Fala.)

Eu vim da beira do mundo!

Eu sou do Ti-Rim-Tim-Tim!

A inveja de um vivente

me tornou assim, assim!

(Observa ao longe.)

Vejo a maldade crescente

florescer junto de mim!

Lá vem o velho Amadeu

caminhando tristemente.

Vem colocar sua filha

nas garras duma serpente!

Lamento o cruel destino

desta pobre inocente.

(Canto.)

Papagaio louro! Do bico dourado!


Coitado daquele,

coitado daquele que está

enganado!

(Amadeu entra carregando Maria pela mão.)

AMADEU Esta é a casa da dona

senhora deste lugar!

Ela nunca teve filhos

e pediu pra lhe criar.

Você será sua herdeira,

boa educação terá!

PAPAGAIO (À parte.)

Eu sei cá! Eu sei cá!

MARIA Perto do senhor, meu pai,

é que eu pretendo estar,

morreu a mãe e, sozinho,

o pai não pode ficar,

se a dona é boa, crianças

não lhe deverão faltar!

PAPAGAIO Deixa estar! Deixa estar!

AMADEU Mas, filha, a patroa acha

que só você lhe convém!

Pois é alegre, bondosa...


MARIA Outras crianças também

veem a vida cor de rosa

e bondade – toda têm!

PAPAGAIO Menos alguém! Menos alguém!

AMADEU Mas, minha santa filhinha,

a dona só quer você!

É senhora destas terras,

tudo isto você vai ter!

Eu, pobre e velho – quem sabe

o que irá me acontecer!?

PAPAGAIO Vamos ver! Vamos ver!

CENA 02

PATROA (Entra.)

Bom dia, Seu Amadeu,

veio a menina entregar?

AMADEU A filhinha que Deus me deu

aqui vim depositar,

pois muito melhor que eu

pode a senhora criar!

PAPAGAIO Eu sei cá! Eu sei cá!

PATROA Então está recebida

Maria do Lagamar!
MARIA Agradeço a acolhida!

PATROA Sua vida vai mudar!

AMADEU Esta criança querida

muito gosto vai lhe dar!

PATROA Nós vamos ser muito amigas!

AMADEU É o que ela vai precisar!

PAPAGAIO (À parte.)

Não lhe faltarão intrigas!

PATROA Pra jovem se acostumar

é bom que o senhor agora

nos deixe e volte ao seu lar!

MARIA Voltar tão depressa? Já?

Estou tão desesperada!

AMADEU Ora, filha, dentro em pouco

estará acostumada!

PATROA Vai gostar muito de mim,

será muito bem tratada!

Papagaio Venenosa! Se eu pudesse

te daria umas pancadas!

MARIA (Chora.)

A bênção, meu pai querido.

AMADEU Deus contigo há de ficar!

MARIA Cuide dos gatos, dos pombos,

das flores e do pomar!


PATROA Venha, agora nova vida,

você irá começar!

(Amadeu sai triste.)

PAPAGAIO Ai, ai, ai, pelo que vejo

tudo vai se complicar!

CENA 03

PATROA Pegue o balde e a vassoura

e o chão comece a esfregar!

MARIA Com o meu vestido novo?

O velho... eu deixei pra lá!

PATROA Pois vou lhe dar um – de palha

– que é feito pra trabalhar!

PAPAGAIO Agora o charivari

vai-se desencadear!

(Patroa sai e entra com um vestido de palha.)

MARIA Oh, que vestido mais feio!

Nunca tive um desse jeito!

PATROA Por enquanto é o que merece

– e não me bote defeito!

MARIA Que coisa horrível! Parece

um espantalho perfeito!

PAPAGAIO Vista depressa! É o jeito!


PATROA Sabe lavar e passar?

MARIA Aprendi com perfeição!

PATROA Também sabe cozinhar?

MARIA Minha mãe me deu lição.

PATROA Luta de gado e roçado?

MARIA Isso aí nunca fiz, não!

PAPAGAIO Pronto! Armou-se a confusão!

PATROA Pois nesta casa, menina,

tudo, tudo vai fazer!

Não vou criar gente fina

para ter luxo, ao crescer!

Como qualquer peregrina,

vai aprender a viver!

PAPAGAIO Não aguento mais! Vou me meter!

PATROA Vai ser a minha criada,

pra dessa casa cuidar,

para limpar o roçado,

para lavar e engomar,

alimentar gado e aves!

E agora – vá trabalhar!

(Sai.)

MARIA Varre, varre, vassourinha,

a chinica da galinha!

PAPAGAIO Varre, varre, mão canhota,


as pisadas da velhota!

MARIA Varre, varre, vassourão,

o pelo do rabo do cão!

PAPAGAIO Varre sala, varre quarto,

varre varanda e terreiro!

MARIA Quem me dera que eu saísse

a varrer o mundo inteiro!

PAPAGAIO E eu para acompanhá-la

fugia deste poleiro!

CENA 4

PATROA (Entra.)

A casa está toda limpa?

MARIA Sim. E agora, que fazer?

PATROA Bote capim na cocheira

e água no bebedouro,

pise milho no pilão,

– faça comer pra meu louro!

(Maria e Patroa saem.)


PAPAGAIO (Só.)

E agora, louro real

– o que você vai fazer

em favor desta menina

para não vê-la sofrer?

(Canto.)

Papagaio louro – do bico dourado!

Já tens tuas penas, que não são pequenas,

pois estás encantado!

CENA 5

MARIA (Entra.)

Que cantava, Papagaio?

Lá dentro mal escutei!

Trouxe sua comidinha!

Eu mesma a preparei!

Cante! Eu estava triste,

mas depressa me alegrei!

PAPAGAIO Ah, menina não me peça,

o meu canto é minha história!

Antes pomposa e bonita,

cheia de feitos e glória!

Depois... triste e apagada


por uma vida simplória!

MARIA Façamos então um pacto

de nobreza e lealdade.

Cada qual conta pro outro,

com a maior sinceridade,

tudo o que lhe diz respeito

– sem esconder a verdade!

PAPAGAIO Ainda bem que surgiu

alguém em quem confiar!

Um dia conto um segredo

e você vai me ajudar.

Juntos fortaleceremos

um plano pra escapar!

MARIA Cale a boca – aí vem

a patroa roca e má!

PAPAGAIO À noite irei ao seu quarto,

poderemos conversar!

Agora finjo que como

pra ela não desconfiar!

CENA 6

PATROA (Entra.)

Maria, vá buscar lenha

pro almoço cozinhar!


Vá à fonte, traga água,

meu banho quero tomar!

Depois me lave esta roupa

e à noite – toque a engomar!

(Maria sai desanimada com a roupa.)

PATROA Meu louro, coma à vontade!

Seus dias estão contados!

Vou vendê-lo pro estrangeiro,

vou ter dinheiro guardado

pra comprar sedas e rendas

e sapatos delicados!

E, agora, vá tomar banho,

lave as penas com cuidado,

logo mais se enxugue ao sol

que está quente e dourado,

vai viajar pro estrangeiro,

onde será bem tratado!

(Patroa sai, Maria entra.)

CENA 7

MARIA Já carreguei tanta água,


já cisquei todo o pomar,

já cozinhei o almoço,

fiz o lanche e o jantar!

E inda ter que essa roupa

toda lavar e passar?

Já é noite e, na fonte,

tenho medo de ficar.

E neste pequeno quarto

como água posso arranjar

para cuidar desta trouxa,

enxugar, depois passar?

PAPAGAIO Maria vá repousar

que dos panos cuido eu!

Deita aí bem quietinha.

Coitada! Já adormeceu!

Agora vou me arranjar

com o poder que Deus me deu!

(Papagaio sai e Maria acorda.)

MARIA Cochilei? Ah, quanto sono!

Onde o louro se escondeu?

Lá está comendo a roupa!

O que foi que aconteceu?

A dona vai se vingar!


Que castigo será o meu?

Diante de tal horror,

minha sorte está lançada!

Estou tremendo de pavor!

Mas... olha – que coisa engraçada,

eis que o louro fez cocô

de roupa limpa e engomada!

CENA 8

PATROA (Entra.)

Maria, onde está a roupa?

MARIA Está aqui, sim, senhora!

PATROA Está pelo menos lavada?

MARIA E engomada – na hora!

PATROA Está havendo patuscada!

MARIA Não! Ele... eu terminei agora!

PATROA Você lavou, esfregando?

MARIA Umas... outras eu fofei!

PATROA O sabão estava espumando?

MARIA Eu... não me lembro... não sei!

PATROA Não sabe? Lavou dormindo?

MARIA Acho que sim... Cochilei!


PATROA Mentirosa! Isso são artes

deste louro desgraçado!

Bem diziam que este bicho

só pode ser encantado!

Pois vou matá-lo e comer

seu fígado torrado!

(Sai.)

CENA 9

PAPAGAIO (Entra.)

Escutei toda conversa,

não dá mais pra ficar.

Mesmo transformado em ave

ao meu reino vou voltar.

Quem sabe um dia encontre

quem me desencantará!

MARIA Fuja! Fuja! Vá embora!

Assim que amanhecer

dou-lhe um saco de xerém

pra ter o que comer!

E agora dou cafunés

para você adormecer!

(Papagaio deita no colo de Maria, que lhe dá cafunés.)


PAPAGAIO Está chorando, Maria?

Ah, você chora por mim?

Maria, eu era um príncipe

do reino Ti-Rim-Tim-Tim.

A fada má me encantou,

desde então fiquei assim...

MARIA Pobre príncipe encantado,

eu nada posso fazer,

a não ser dar cafunés

pra você adormecer...

Um caroço na cabeça?

Vou tirar... e se doer?

(Um bleque. Ao voltar a luz, Maria está só, aflita.)

MARIA O que foi que aconteceu?

O candeeiro apagado? Papagaio!

PAPAGAIO Eu estou invisível!

Porque fui desencantado!

Mas estou aqui pertinho,

bem pertinho, do seu lado!

Escute bem, o caroço

que você me arrancou,

alfinete envenenado

que a fada má me enterrou,


deixou-me livre e feliz,

pois o encanto acabou!

Não fique triste – eu vou

– mas você também irá.

Procure a casa do Vento

e ele lhe ensinará

o caminho do meu reino

onde estou a esperar!

MARIA Vou seguir o seu conselho.

O Vento vou procurar!

PAPAGAIO Até um dia, Maria!

No Reino estarei a aguardar

sua chegada, e então

poderemos nos casar.

Preste atenção – a caixinha

que junto a você está

tem coroa e anel do Reino

que você vai me levar

pois só a noiva do príncipe

o poderá coroar!

Adeus! Adeus! Até lá!


CENA 10

MARIA Já percorri tantas terras

sem o menor conhecimento,

passo frio, passo chuva,

nem por isso me lamento.

Há sete meses procuro

chegar à casa do Vento!

NUVEM A Quem será esta mocinha,

pobre, pobre de marré?

NUVEM B Tem uma roupa esquisita,

mas bonita ela é!

NUVEM C Tem um porte de princesa

e ar de quem está perdida!

NUVEM A Deve ser uma peregrina

e está pensando na vida!

NUVEM B Vamos chamá-la, ajudá-la,

este é o nosso dever!

Afinal todos nós somos

pedaços do mesmo SER!

NUVEM C Menina, o que procura

perdida no firmamento?

MARIA Há sete meses viajo


– preciso falar com o Vento!

NUVEM A Venha, nós a levaremos

em cirandas pelo ar!

Está escutando a música?

Pois é só dançar, dançar!

(Dançam. As nuvens desaparecem.)

CENA 11

MARIA As nuvens me carregaram,

no rio fui desaguar,

suas águas me levaram,

cheguei às ondas do mar!

Os peixes me enlaçaram,

começaram a me enfeitar!

PEIXE A Uma coroa de algas,

de mariscos um colar!

PEIXE B De pedrinhas as pulseiras,

broche de estrela-do-mar!

PEIXE C Da prata de mil peixinhos

os sapatos pratear!

PEIXE A Do salmão de ovas de ouro

faremos bom caviar!

PEIXE B Nas orelhas duas pérolas


nós iremos colocar.

PEIXE C Das cores da caravela,

um xale pra agasalhar!

MARIA E os peixes me enfeitaram

com as belezas do mar,

meu cabelo pentearam

pra o Vento eu encontrar...

(Os peixes saem dançando. Maria fica só.)

CENA 12

VENTO O vento redemoinho

gira, gira sem parar!

Moderado, fraco, forte,

rodopiando a girar.

Vem Furacão e Ciclone,

sacodem as águas do mar!

Bom dia, Roupa de Palha,

o que você quer de mim?

MARIA Procuro o Príncipe Encantado

do Reino Ti-Rim-Tim-Tim!
VENTO E posso saber de onde

você vem chegando assim?

MARIA A terra de onde eu venho

é a Terra do Confim!

Trago anel, trago coroa,

cofre confiado a mim

pra um dia ser entregue

ao Rei do Ti-Rim-Tim-Tim!

VENTO Fica tão longe esse Reino,

demoro tanto a ir lá!

Mas vou confiá-la à Lua

que sempre vive a rodar!

Dê-me as mãos, não tenha medo

– e vamos girar, girar!

CENA 13

VENTO Aqui é o mundo da Lua

e vento não pode entrar!

Eis que aqui chegam os asteroides,

com eles pode passar!

ASTEROIDE A Seja bem-vinda, menina,

precisa de agasalhar,

pois a Lua é tão gelada,

poderá se resfriar!

ASTEROIDE B Na minha capa dourada


poderá se envolver,

e quando a Lua chegar

não se porá a tremer!

ASTEROIDE C Maria, que tão valente

até hoje se mostrou,

eu também quero ajudá-la

com um pouco do meu calor!

ASTEROIDE A Para aumentar a quentura

as mãos todos vamos dar

e na roda dos espaços

voltaremos a girar!

MARIA Estou muito agradecida,

agora vamos parar!

Eis a Lua! Um momento,

precisamos conversar!

LUA Eu não posso perder tempo,

comigo vamos viajar!

(Vão rodando.)

LUA O vento contou sua história.

Eu admiro você!

É uma jovem sincera

– de coragem – pode crer!

Enfrentando sacrifícios,
cumpre a palavra, o dever!

Não sei onde é este Reino,

mas o Sol deve saber,

vou levá-la à casa dele

que o deve conhecer.

Quem sabe um de seus raios

logo levará você?

(Sai.)

CENA 14

MARIA Voei nas asas do Vento,

a Lua me fez gelar!

E agora o Sol – que tormento

– decerto vai me queimar!

Mas estou firme no intento

deste cofre entregar!

SOL Eu sinto cheiro de gente!

Quem está cheirando assim?

MARIA Sou eu, Maria! Você pode

fazer um favor a mim,

dizendo-me onde fica

o Reino Ti-Rim-Tim-Tim?

SOL Ah, Maria? Eu já conheço


e estou pronto a ajudar

a mocinha carinhosa

que o noivo vai encontrar!

Este Reino é tão distante!

Hoje não chego mais lá!

Mas tenho um raio comprido

que a poderá levar!

MARIA Será o raio tão quente

que meu rosto vai tostar?

A palha do meu vestido

fogo não irá pegar?

SOL Tem confiança, menina,

que tudo vou arrumar!

Respire bem, feche os olhos...

e logo vai deslizar!

CENA 15

MARIA Voei? Caí? O que foi?

Vim parar tão de repente

numa terra tão bonita,

tão verde, tão diferente...

Quem são vocês? O que querem?


Por que estão ao meu redor?

São papagaios? Respondam!

PAPAGAIOS Gro gro gro gro gro gro!

MARIA Ah, então cheguei à terra

tão longe e tão esquisita!

Pois preciso me arrumar

para ficar bonita!

Dar um jeito no cabelo,

nesta fita dar um nó,

para então ir ver o príncipe

– que acham?

PAPAGAIOS Gro gro gro gro!

MARIA Com esta roupa de palha

o povo vai rir de mim!

Dizer: “Que menina feia

– essa desse tal Confim,

como o Príncipe quis noiva

tão desajeitada assim?”

Mas, que fazer? Já cheguei,

o cofre vou entregar!

Depois saio de fininho...

Volto tristonha e só!

Vocês concordam comigo?


PAPAGAIOS Gro gro gro gro gro!

MARIA Este é o Reino Ti-Rim-Tim-Tim

do meu Príncipe Encantado?

Vim trazer coroa e anel

– comigo estavam guardados

neste cofre. Agora ele

poderá ser coroado!

PRÍNCIPE Maria! Afinal chegastes

no raio de sol dourado!

Cumprindo tua palavra,

o juramento prestado!

Teremos coroação

– e a festa de noivado!

MARIA Tudo mundo de figura,

tudo muda de feição!

Afinal, estou segura,

com a paz no coração!

Mas me diga – quem são eles?

PRÍNCIPE Meus amigos, meus irmãos!

No Reino do Ti-Rim-Tim-Tim

existe grande união!

Seja bicho, árvore, gente

– é tudo igual, tudo irmão!


Mas a festa está rolando

– e lhe garanto, a maior

que já se fez nesta terra!

Vamos lá?

PAPAGAIOS Gro gro gro gro!

TODOS Na festa do casamento

aquele povo engraçado

comeu bolo, comeu torta,

até ficar enjoado!

E os noivos lhe mandaram

um potinho de melado,

papagaio escorregou

na Ladeira do Molhado,

caiu, o pote quebrou...

Ficou tudo lambuzado!

FIM

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