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Ebook2 A Igreja Ortodoxa 1v
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A I G R E JA O RTO D OX A 2
A IGREJA
ORTODOXA
Breve história até o século 12
Marcos Amado
1ª edição | 2019
São Paulo
A I G R E JA O RTO D OX A 3
A Igreja Ortodoxa – Breve história até o século 12, de Marcos Amado © 2019.
O texto foi originalmente escrito pelo autor em inglês em 2014, mas não foi publicado.
Todos os direitos são reservados.
Publicação
Sepal – Servindo aos Pastores e Líderes
Rua Jandiatuba, 630, cj. 328 – Vila Andrade
CEP 05716-150 – São Paulo – SP
Fone 11 5523-2544
Elaboração
Martureo – Centro de Reflexão Missiológica
www.martureo.com.br
info@martureo.com.br
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Nossa visão
Cristãos brasileiros bem preparados sendo testemunhas do Senhor Jesus e de
todo seu ensinamento em todos os povos da terra e em todas as esferas da sociedade.
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Sobre o autor
Marcos Amado é graduado em Teologia pelo All Nations Cristian College (Rei-
no Unido) e Mestre em Missiologia com Especialização em Estudos Islâmicos pela
mesma instituição. Em Beirute, no Líbano, cursou Estudos Avançados em Religiões
e Culturas do Oriente Médio no Institute of Middle East Studies.
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ÍNDICE
Agradecimentos 8
Prefácio 9
Prólogo 12
1. A era apostólica – Cristianismo no século 1 16
A expansão rumo ao Ocidente 16
O que dizer do Oriente? 19
2. Começo humilde — perseguição, expansão
e consolidação: séculos 2 e 3 21
O fortalecimento da estrutura eclesiástica 21
O desenvolvimento do pensamento teológico cristão 22
a) As escolas de Alexandria e Antioquia 22
b) As escolas de Edessa e Nísibis 24
3. Nasce uma igreja imperial e ecumênica – século 4 26
Definindo a ortodoxia 28
Primeiro Concílio Ecumênico – Niceia – 325 d.C. 28
Segundo Concílio Ecumênico – Constantinopla – 381 d.C. 29
Vida ascética e monástica 30
4. O “nascimento” das Igrejas Ortodoxas Orientais:
os cismas do século 5 32
Terceiro Concílio Ecumênico – Éfeso – 431 d.C. 32
a) O problema 32
b) A conclusão 33
c) O resultado: a igreja “nestoriana” 33
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AGRADECIMENTOS
P R E FÁ C I O
U M A H I S T Ó R I A “ S I L E N C I A D A”, N O
E N TA N T O, AT I VA E P R E S E N T E
Gosto de viajar! Sempre fui fascinado por conhecer lugares e pessoas, assim
como os momentos importantes da vida de uma nação. Isso começou na infância,
quando, nas rodas de conversas da família, eu ouvia, atento, as histórias de nossos
antepassados, de suas lutas, dificuldades, obstáculos e realizações. Os protagonis-
tas desses momentos especiais em família eram os mais velhos. Quanto mais longa
a memória, mais luz trazia para as minhas questões de identidade, de origem. Eram
informações que me ajudavam a entender o meu presente, mudar ou ampliar algu-
mas convicções sobre temas relacionados ao momento no qual estávamos vivendo.
O meu interesse pela história seguiu sendo estimulado pelos livros que meus pais
me ofereciam. Com o passar do tempo, comecei a fazer minhas próprias escolhas de
leitura, o que me permitiu traçar meus próprios roteiros e definir os ritmos de cada
nova jornada. A partir dos livros, dei um passo adiante. Ao conquistar autonomia
para me deslocar geograficamente – primeiro com os grupos de amigos e amigas da
escola e da igreja e, logo em seguida, já adulto, sozinho, com minha mochila, ca-
derno de anotações, mapas, guias de viagem e uma máquina fotográfica –, consegui
fazer uma imersão mais extensa e profunda nos diferentes lugares que tive o privi-
légio de visitar. Essa experiência definiu o rumo dos meus estudos, transformou-se
em meu modus operandi profissional. Assim, ultrapassei (literal e metaforicamen-
te) muitas fronteiras e vi, in loco, algumas das coisas que havia conhecido pelas
leituras. Em cada lugar visitado, deparei-me com um universo infinitamente maior
comparado ao pouco que conhecia. O simples fato de deixar o meu “espaço seguro”
para seguir em direção ao lugar desconhecido possibilitou-se descobrir os diversos
elementos surpresa contidos em cada lugar visitado.
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A cada página lida de A Igreja Ortodoxa: Breve história até o século 12, fui
me deparando com um conjunto de informações, muitas delas novas para mim. Tais
descobertas me inseriram em um processo contínuo de correlações de realidades
históricas que não apenas me ajudaram a entender algumas dinâmicas da presente
situação de uma parte significativa da igreja cristã, como também a reconhecer, no
passado, a origem de muitos problemas. Uma realidade que, embora pareça “silen-
ciada”, está muito ativa e presente, impactando a vida da igreja cristã, especialmente
o seu testemunho de unidade em todo o mundo.
• Corrige perspectivas;
• Abre muitas possibilidades de compreensão de aspectos pouco estudados por
nós, cristãos ocidentais;
• Levanta uma porção de perguntas relevantes para nossa reflexão;
• Alerta sobre algumas perigosas práticas recorrentes da igreja que comprome-
tem, de maneira profunda, o ministério cristão.
Com generosidade e sem ser superficial, ele trata desta ilusão, presente na his-
tória da igreja, que cogita sobre a possibilidade de conversão do poder, buscando,
com isso, ampliar o testemunho e influência cristãos no mundo. Contudo, a triste
realidade mostra-nos o seguinte: na tentativa de a igreja converter o poder, ela acaba
sendo convertida por ele. Isso afeta cada área de seu testemunho no mundo; muda,
de forma dramática, sua percepção do que acontece; afeta profundamente sua forma
de ver a realidade e nela atuar. Como ouvi em sala de aula na disciplina “Estruturas
de Poder na Igreja”, ministrada pelo professor Dr. Clodovis Boff , a prática pastoral
da Igreja acaba, muitas vezes, indo em direção oposta à exigência evangélica de
conversão do “Poder-Dominação em Poder-Serviço”.
Essa tem sido a influência silenciosa, ativa e presente nas muitas experiências de
conflitos, nos muitos preconceitos sedimentados que procuram, por meio da lingua-
gem, justificar, persuadir, mobilizar a Igreja cristã na direção oposta à do testemunho
que se espera dela. Isso em nada contribui para uma melhor compreensão entre as
diversas tradições e segmentos cristãos, o que traz sérias implicações para o teste-
munho do evangelho no mundo.
Este é um livro de leitura rápida, mas que vai demandar alguns anos para que
seu conteúdo seja processado com responsabilidade. Quero destacar, de forma muito
especial, a parte na qual o autor propõe uma agenda temática para a igreja evangéli-
ca brasileira, com implicações para suas várias instâncias de decisão e formação. É
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uma proposta de longa memória, fundamental para lidar com os desafios que temos
adiante relacionados ao testemunho de Jesus Cristo em nossa geração.
Não se deixe levar pela rápida leitura, mergulhe fundo nas questões!
Forte abraço!
Ziel J. O. Machado
Vice-reitor do Seminário Servo de Cristo
Pastor na Igreja Metodista Livre – São Paulo
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PRÓLOGO
Ao atentarmos para a história dos conflitos humanos, fica claro que, no decor-
rer dos séculos, algumas das guerras mais cruéis e violentas foram provocadas, ainda
que em parte, por convicções e divergências religiosas. Não é necessário olhar para
séculos atrás (ou até mesmo décadas) para encontrar exemplos vívidos de tais situa-
ções. Ouvimos diariamente relatos de atrocidades perpetradas em diferentes partes
do mundo em nome de Deus, ou, ousaria dizer, em nome da pureza e da exatidão
ortodoxas. Essa realidade já seria moralmente deplorável se tais hostilidades ocor-
ressem apenas entre representantes de diferentes religiões. Contudo, é frequente que
seguidores da mesma religião promovam ações mútuas de violência, tanto verbais
quanto físicas. Não raro isso ocorre devido a minúcias encontradas em declarações
doutrinárias discordantes.
Possivelmente, uma das principais razões para tão grande discrepância é nosso
fracasso, como cristãos, em dedicar mais de nosso tempo e esforços a fim de apreciar
uns aos outros e aprender a partir de nossa história. A falta de entendimento engloba
cristãos de todas as tradições, incluindo os membros de igrejas protestantes e ortodo-
xas, sendo essa última o foco de nosso trabalho. O teólogo russo Alexis Khomiakov,
por exemplo, afirmava que “todos os protestantes são cripto-papistas”, e, embora no
ocidente vejamos protestantes (especialmente os protestantes evangélicos) e católi-
cos como grupos marcadamente distintos, acreditava que “ambos compartilham das
mesmas pressuposições, pois o protestantismo saiu do ovo que Roma havia botado”.1
Diante de tal compreensão negativa, não é surpresa que nossos líderes evangé-
licos, estudantes de teologia e candidatos a missionários nem sequer considerem
a necessidade de estudar a Igreja Ortodoxa com o objetivo de ter uma apreciação
profunda não apenas de nossa herança teológica, mas também da história da igreja,
passada e recente, de diferentes partes do mundo. O mais importante, porém, é que
estamos perdendo a oportunidade de aprender com irmãos e irmãs que, por 20 sécu-
los, pagaram um alto preço para permanecer fiéis ao nosso Senhor Jesus Cristo e aos
seus ensinamentos em meio a muitas provações e perseguições.
Portanto, este eBook tem o objetivo de contribuir para que os líderes evangélicos
brasileiros, assim como alunos de teologia e missões:
Limitações
Uma vez que não se pode presumir que seja possível escrever uma história com-
pleta da Igreja Ortodoxa até o século 12 em poucas páginas, este trabalho vai se
debruçar principalmente, mas não exclusivamente, sobre a Igreja Ortodoxa Grega.
Essa tradição cristã ocupa a maior parte das discussões no meio acadêmico cristão
ocidental (ou assim parece ao se folhear livros ou ler diferentes artigos). Contudo,
para uma compreensão básica da história da Igreja Ortodoxa, também é importante
mencionar, ainda que brevemente, os aspectos principais da história daquele corpo
conhecido como Igrejas Ortodoxas Orientais.
Desenvolvimentos históricos
Se evangélicos brasileiros fossem indagados sobre como se deu a expansão do
cristianismo, a história apresentada certamente começaria em Jerusalém, no dia do
Pentecoste, e, seguindo a narrativa baseada no livro de Atos, rapidamente moveria-
-se para a Ásia Menor e regiões mediterrâneas da Europa, concentrando-se, poste-
riormente, na expansão da Igreja Católica Latina rumo a outras parte da Europa. A
narrativa certamente culminaria com a Reforma Protestante, que (diriam os evan-
gélicos brasileiros) “resgatou a igreja dos perigos das heresias católicas romanas”,
restabelecendo assim o “verdadeiro cristianismo ortodoxo”.
Essa tradição cristã é chamada “grega” não por ser da Grécia, mas porque se desenvolveu em uma épo-
2
ca em que a língua e a cultura gregas eram predominantes no Império Romano e, portanto, utilizava-se
o idioma grego na liturgia.
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Embora essa percepção possa parecer exagerada, ela pode ser facilmente confir-
mada ao se analisar o programa de aulas de muitos seminários bíblicos e centros de
treinamento de missões espalhados pelo Brasil. Além de algumas breves menções a
certos eventos históricos extremamente importantes (como o Grande Cisma), quase
nenhuma atenção é dada à história de mais de mil anos da Igreja no Império Bizantino,
assim como às terras a leste da Síria, principalmente Mesopotâmia e Império Persa.
Afinal de contas, diriam alguns, o que vale a pena mencionar além da Reforma
Protestante? Não foi a Igreja varrida do Oriente Médio depois do advento do islã?
Não é certo que a Igreja Bizantina envolveu-se excessivamente com as estruturas
humanas de poder político a ponto de esse período da história dificilmente poder
ser visto como parte da história do cristianismo verdadeiro? Essas são algumas das
perguntas que tentaremos elucidar nas páginas a seguir.
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1
A ERA APOSTÓLICA –
CRISTIANISMO NO SÉCULO 1
Muito embora o livro de Atos dê grande destaque a Barnabé e a Paulo no que se refere ao trabalho da
1
igreja em Antioquia, Eusébio de Cesareia (séc. 4) atesta a tradição de que Pedro foi o fundador daquela
igreja. Pierre Canivet, “Christianity in the 1st Century – the Context of the Mediterranean Civiliza-
tions: Judaic, Greek, Roman, Asian”, em Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib
Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 59.
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iStockphoto/lucamato
Extensão do Império Romano no século 1: o avanço do evangelho nessas áreas não significa que os
primeiros cristãos não levaram as boas novas a outras partes do mundo
Como resultado desse empenho, assim como dos esforços evangelísticos dos
outros apóstolos e de miríades de discípulos anônimos, até o final do século 1, o
que fora inicialmente visto como uma pequena seita judaica tornou-se uma religião
mundial. Isso ocorreu não necessariamente por causa de seu grande número de con-
vertidos, mas porque ela se espalhou para diferentes cantos do Império Romano,
com representantes de todos os diferentes estratos sociais.
A guerra judaica contra os romanos, que se iniciou em 66 d.C. e culminou no ano 70 d.C. com a captura
2
de Jerusalém e a destruição do templo, juntamente com a dispersão dos discípulos, também deu um im-
pulso importante para que Antioquia se tornasse o centro do cristianismo na parte oriental do Império
no século 1 (Canivet, “Christianity in the 1st Century”, p. 54) e também nos séculos seguintes.
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de outros fatores que contribuíram para esse avanço relativamente rápido: a boa
qualidade e a expansão das estradas romanas; a paz relativa que tornava as viagens
seguras; a visão de mundo greco-romana, que facilitava, em determinadas situações,
a discussão de novas ideias religiosas; e a existência de sinagogas, que serviam de
ponto de partida para o compartilhamento do evangelho.3
O bispo de cada Igreja (...) preside no lugar de Deus (...) que ninguém faça
qualquer coisa relativa à Igreja sem o bispo (...) onde quer que o bispo apa-
reça, que ali esteja o povo, assim como onde quer que Jesus Cristo esteja,
existe a Igreja Católica. É tarefa primária e distintiva do bispo celebrar a
Eucaristia, “o remédio da imortalidade”.
A unidade básica era a comunidade em cada cidade, governada por seu pró-
prio bispo; para assistir o bispo existem presbíteros ou padres, e diáconos
(...). Esse padrão (...) já estava estabelecido em alguns lugares no final do
século 1.5
3
TUCKER, Ruth A. Missões até os confins da terra. São Paulo: Shedd Publicações, 2010, p. 15.
4
Ware, The Orthodox Church, p. 13.
5
Ibid., p. 12.
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A despeito das óbvias limitações que essa situação particular impõe ao estudo
do cristianismo na Síria Oriental e na Mesopotâmia no século 1, há indicações, a
partir do Novo Testamento, assim como dados históricos e tradições cristãs, que nos
levam a crer que os seguidores de Jesus levaram o evangelho, ainda no início de sua
expansão, à Mesopotâmia e aos domínios de um dos mais ferozes inimigos de Roma,
o Império Persa (Império Sassânida).
6
Brock, Sebastian. “The Theological Schools of Antioch, Edessa and Nisibis”, em Christianity: A His-
tory in the Middle East, org. por Habib Badr. Lebanon: Middle East Council of Churches, 2005, p. 32.
7
Ibid.
8
Bawai Soro, “The Assyrians (East Syriacs)”, em Christianity: A History in the Middle East, ed. Habib
Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 255.
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chamada “Cristãos de Tomé”, cujos membros afirmam ter sido fundada pelo após-
tolo.9 Outra obra antiga, A Doutrina de Addai, afirma que Addai (que supostamente
foi um dos 70 discípulos mencionados nos evangelhos) foi enviado a Edessa pelo
apóstolo Tomé, o qual foi, ele mesmo, de acordo com outra tradição, missionário em
Edessa.10 É possível que durante sua jornada (que deve ter ocorrido entre os anos
50 e 60 d.C.) Tomé tenha passado pela Mesopotâmia e pelo Império Persa antes de
chegar à Índia. Tal como ele, outros cristãos, ainda que sem a intenção declarada
de evangelizar, devem ter viajado, por razões pessoais, para o oriente e, de maneira
natural, testemunhado de seu encontro com a mensagem do evangelho. Como resul-
tado, antes do ano 200, a Igreja já estava estabelecida em regiões da Mesopotâmia
e em certas áreas do Império Persa.11 As Crônicas de Edessa (uma cidade a leste do
rio Eufrates), por exemplo, nos falam sobre um templo cristão que foi destruído por
uma inundação no ano 202.12 Se já existia o prédio de uma igreja no início do século
3, o cristianismo deve ter chegado à região bem antes, embora nenhuma evidência
escrita importante tenha sobrevivido para confirmar esse fato.
9
S. e Michael Rusten, E. The Complete Book of When and Where in the Bible and Throughout History.
Wheaton, IL: Tyndale House Publishers, 2005, p. 83.
10
K.E. McVey, “Edessa”, em The Anchor Yale Bible Dictionary, org. por D. N. Freedman. New York:
Doubleday, 1992.
11
Brock, “The ‘Nestorian’ Church”, p. 32.
12
Canivet, “Christianity in the 1st Century”, p. 63.
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2
COMEÇO HUMILDE —
P E R S E G U I Ç Ã O, E X PA N S Ã O E
CONSOLIDAÇÃO: SÉCULOS 2 E 3
Não havia um povo — grego, bárbaro ou de qualquer outra raça (...), por
mais ignorante que fosse em relação às artes ou à agricultura, quer habitas-
se em tendas ou vagueasse em carroças cobertas — entre o qual orações e
ações de graça não fossem oferecidas, em nome do Jesus crucificado, ao Pai
e Criador de todas as coisas.1
Dessa forma, foi em meio à perseguição que a nova religião, que surgiu afirmando
que seu Deus se tornara homem, morrera, ressurgira e retornara para o céu, prosseguiu
marchando com determinação indômita. A presença cristã nas diferentes partes do mun-
do romano era tão forte que “Maximiniano, em um de seus editos, diz que ‘quase todos’
Citado em SCHAFF, P. History of the Christian Church, vol. 2. New York: Charles Scribner’s Sons,
1
1910, p. 22.
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À medida que a igreja se tornou mais forte e bispos eram estabelecidos em di-
ferentes cidades, concílios regionais começaram a ocorrer. Outro concílio como
aquele que aconteceu em Jerusalém em 49 d.C. com a presença de líderes repre-
sentando a Igreja como um todo não ocorreria antes do ano 325, mas, à época de
Cipriano (por volta de 240 d.C.), já era comum os bispos de uma determinada re-
gião do Império se reunirem para discutir questões importantes que se levantavam,
normalmente “na capital da província, debaixo da presidência do bispo da capital,
que recebia o titulo de Metropolitano”.4 Lentamente, os concílios ampliaram seu
escopo de modo a incluir os bispos de várias províncias. Esses concílios maiores
aconteciam nas principais cidades do Império, como Alexandria e Antioquia, o que
levou ao início de uma maior hierarquização da igreja: “Os bispos de certas cidades
grandes começaram a adquirir importância acima dos Metropolitanos provinciais”.5
Dessa forma, foi pavimentado o caminho para aquilo que se tornaria, nos anos se-
guintes, o Patriarcado, que determinava posições de honra aos bispos de certas cida-
des de destaque dentro do Império, como se verá mais adiante.
2
Ibid.
3
Ibid.
4
Ware, The Orthodox Church, p. 15.
5
Ibid., p. 16.
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Enquanto Alexandria era o lar de uma famosa escola catequética cristã, Antio-
quia nunca teve uma instituição teológica de destaque. Embora não pudesse rivalizar
com Alexandria em questões de aprendizado e conhecimento seculares, o fato de
a Igreja naquela cidade ter desempenhado um papel importante na formação e na
disseminação da fé cristã fez com que ela fosse um dos principais centros do pensa-
mento teológico cristão por muitos séculos.
6
Tadros Y. Malaty, “Theological Thought in the School of Alexandria”, em Christianity: A History in the
Middle East, org. por Habib Badr. Lebanon: Middle East Council of Churches, 2005, p. 122.
7
J. Newton, “Clement of Alexandria”, org. por J.D. Douglas, Who’s who in Christian history. Wheaton,
IL: Tyndale House, 1992.
8
Malaty, “Theological Thought in the School of Alexandria”, p. 122.
9
Ibid., p. 123.
10
Sebastian Brock, “The Theological Schools of Antioch, Edessa and Nisibis”, ibid., p. 146.
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11
Ibid., p. 147.
12
Ibid.
13
Ibid., p. 148.
14
Ibid.
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ao grande número de alunos cristãos do Império Persa que foram atraídos por sua
reputação.
Também foi durante o século 5 que a Escola de Edessa tornou-se bem conhecida
por traduzir e disseminar os escritos do teólogo antioquense Teodoro de Mopsuéstia
(cuja cristologia foi tomada emprestada por Nestório), o que contribuiu para que a
escola se tornasse “estreitamente associada à tradição antioquense tanto de cristo-
logia quanto de exegese”.15 Isso aconteceu exatamente durante o período das con-
trovérsias cristológicas, que foram tratadas durante o terceiro e o quarto concílios
ecumênicos. Por fim, a escola foi vista como um centro de propagação do “nesto-
rianismo” (em vez do “teodorismo”), e foi fechada em 489 por ordem do imperador
Zenão. Como resultado, a Escola Persa de Edessa mudou-se para o outro lado da
fronteira, para a cidade de Nísibis, localizada no Império Persa, e se tornou funda-
mental nos séculos posteriores para o fortalecimento da Igreja do Oriente e para o
treinamento de bispos.
Isso, por sua vez, levou a outro “casamento”, o das tradições cristã e árabe, que
moldou profundamente o cristianismo e o islã quando as duas culturas tiveram um
encontro inesperado e repentino no século 7. Se esse encontro “não tivesse aconte-
cido, a história intelectual tanto do Oriente Médio quanto do mundo ocidental teria
sido bastante diferente”, e “o escolasticismo da Europa ocidental medieval teria se
desenvolvido de maneira bem diferente”.17
15
Ibid., p. 152.
16
Ibid., p. 159.
17
Ibid.
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3
NASCE UMA IGREJA IMPERIAL E
ECUMÊNICA – SÉCULO 4
Os primeiros quatro concílios são, de longe, os mais importantes, uma vez que
eles estabeleceram a fé ortodoxa na Trindade e na Encarnação. O quinto con-
cílio, que condenou os Três Capítulos (Nestorianos), é um mero suplemento
Ibid., p. 35.
2
Ibid., p. 19.
3
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Apesar de a Igreja Ortodoxa Grega reconhecer que “os concílios tenham sido
frequentados por humanos imperfeitos..., esses humanos foram guiados pelo Es-
pírito Santo”.5 Assim, para essa tradição cristã, as deliberações dos Sete Concílios
Ecumênicos são infalíveis e, juntamente com os escritos dos Pais da Igreja e a Bí-
blia, revelam a verdadeira fé cristã ortodoxa.
Definindo a ortodoxia
Primeiro Concílio Ecumênico – Niceia – 325 d.C.
Como sinal da nova era que havia despontado sobre os cristãos, e apenas alguns
anos depois de a obscura e dolorosa realidade da perseguição do Estado ter cessado,
os trabalhos do Primeiro Concílio Ecumênico tiveram início, presididos pelo pró-
prio imperador, com a presença de bispos de todas as partes do mundo romano. Isso
marcou uma mudança profunda e importante para os cristãos. Alguns dos bispos
que compareceram ao encontro não conseguiram conter a admiração diante daquela
nova realidade, a ponto de afirmarem que o imperador presidiu como “um mensa-
geiro celestial de Deus”.6
4
SCHAFF, P. The Creeds of Christendom, with a History and Critical Notes, vol. 1. New York: Harper
& Brothers, Publishers, 1878, p. 44.
5
Ware, The Orthodox Church, p. 35.
6
Ibid., p. 19.
7
F.L. Cross, “Nicaea, First Council Of”, em The Oxford dictionary of the Christian Church. Oxford:
Oxford University Press, 2005.
8
GRUDEM, W.A. Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine. Grand Rapids, MI: Inter-
-Varsity Press, 2004, p. 243.
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manos (theosis).9 É por isso que S. Atanásio falou sobre Deus tornar-se homem
para que o homem pudesse ser feito deus. Depois das deliberações, o concílio
declarou que “somente se Cristo for verdadeiramente Deus (...) pode ele nos unir
a Deus, pois ninguém senão o próprio Deus pode abrir aos humanos o caminho
da união”.10 Portanto, o Credo Niceno, que resultou das deliberações, afirmava
que Jesus é “Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus,
gerado, não feito, de uma só substância com o Pai; pelo qual todas as coisas
foram feitas”.11
9
Ware, The Orthodox Church, p. 21.
10
Ibid., p. 22.
11
Grudem, Systematic Theology, p. 1170. O texto do Credo Niceno pode ser encontrado em português em
diversos sites, como <http://www.monergismo.com/textos/credos/credoniceno.htm>.
12
Ibid., p. 246.
13
Ware, The Orthodox Church, p. 24.
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14
Ibid., p. 14.
15
Ibid., p. 36.
16
Shafiq Abou Zayd, “Ascetic Movement in the East – Origin, Development and Dissemination”, em
Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib Badr. Beirut: Middle East Council of Chur-
ches, 2005, p. 385.
17
Peter Brown, “The Rise and Function of the Holy Man in Late Antiquity”, The Journal of Roman
Studies 61 (1971), p. 90.
18
Ware, The Orthodox Church, p. 37.
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Até os dias atuais, o ascetismo forma uma parte integral e essencial do cristia-
nismo ortodoxo e ainda é considerado a melhor maneira de entender e entrar na
espiritualidade ortodoxa.
Monastério cristão ortodoxo próximo a Jericó, na Palestina: monges eram os novos mártires
19
LOUTH, Andrew. Introducing Eastern Orthodox Theology. London: SPCK Publishing, 2013, pos.
221.
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4
O “NASCIMENTO” DAS IGREJAS
O R T O D O X A S O R I E N TA I S : O S C I S M A S D O
SÉCULO 5
b) A conclusão
Alinhando-se com Cirilo, o concílio declarou que a posição de Nestório era he-
rética, e afirmou que Jesus não era duas pessoas subsistindo em um corpo, mas uma
pessoa, “uma única e indivisível pessoa, que é Deus e homem ao mesmo tempo”.4
E, considerando-se que Maria deu à luz Deus feito carne (João 1.14), ela deveria ser
corretamente chamada de Theotokos, a Mãe de Deus.
1
W. B. Pope, “The Person of Christ”, em A Compendium of Christian Theology. London: Beveridge and
Co., 1879, p. 136.
2
Ibid.
3
Ware, The Orthodox Church, p. 24.
4
Ibid., p. 25.
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Essa igreja foi fortemente influenciada pela Escola Teológica de Edessa, que, por
sua vez, foi influenciada pela cristologia da Escola de Antioquia, cujo principal pro-
ponente da posição cristológica defendida por Nestório era Teodoro de Mopsuéstia.
Portanto, além do fato de essa igreja existir desde muito antes de a disputa nestoriana
irromper, eles já defendiam uma posição cristológica com base nos escritos de Teo-
doro, que haviam sido traduzidos para o siríaco e disseminados através da Escola de
Edessa antes do surgimento das disputas do Terceiro Concílio Ecumênico. A Igreja
do Oriente não aceitou as conclusões do concílio não porque fosse defensora de
Nestório, mas porque a influência teológica (e, consequentemente, cristológica) dela
veio da escola de Antioquia via Escola de Edessa.
Além disso, houve uma divisão política. Aquela que hoje é conhecida como Igre-
ja Ortodoxa Grega existia, ao tempo do Concílio de Éfeso, dentro das fronteiras do
Império Romano Bizantino, e usava o grego como seu idioma principal, enquanto
a Igreja do Oriente, mais tarde chamada Nestoriana, falava siríaco e existia princi-
palmente dentro das fronteiras do Império Persa. Poderes políticos diferentes, am-
bientes culturais diferentes e idiomas diferentes: a fórmula perfeita para grandes
dissensões!
Essas são algumas das razões que levaram Mar Dinka, em seu pronunciamento
durante sua consagração como Patriarca da Igreja do Oriente em 1976, a “mostrar
a todos que o rótulo ‘nestoriana’ aplicado à sua igreja era injustificado e, dessa for-
ma, altamente equivocado. Ele disse: ‘Nestório não tem nada a ver conosco; ele era
grego’”.6
Quanto aos orientais (i.e., a Igreja do Oriente), uma vez que nunca mudaram
sua fé, mas a guardaram da maneira como a haviam recebido dos apóstolos,
eles eram chamados “nestorianos” de forma bastante injusta, pois Nestório
não era seu patriarca, nem conhecia seu idioma (Abdiso, Metropolitano de
Nísibis).7
Brock diz que as raízes para essa caracterização residem em uma tradição histo-
riográfica hostil que dominou praticamente todos os livros de referência da história
5
Brock, “The ‘Nestorian’ Church”, p. 32-33.
6
Ibid.
7
Citado em ibid., p. 35.
A I G R E JA O RTO D OX A 35
da igreja, da antiguidade até os dias atuais, sendo que o termo “igreja nestoriana”
tornou-se a designação padrão para a igreja oriental antiga, que no passado chamava
a si mesma de “Igreja do Oriente”, mas que hoje prefere o título mais completo de
“Igreja Assíria do Oriente”.8
a) O problema
Dióscoro, bispo de Alexandria e sucessor de Cirilo, era partidário das ideias de
Eutiques e defensor do monofisismo, i.e., que em Cristo existe apenas uma natureza
(physis). Jesus era de fato de duas naturezas, “mas depois de sua Encarnação, existe
apenas ‘uma natureza encarnada da Palavra de Deus’”.9 Era como se “sua natureza
humana tivesse sido perdida na união com a natureza divina”.10
b) A conclusão
O concílio rejeitou a posição de Dióscoro, e fez uma declaração que, ao mesmo
tempo, opunha-se claramente a várias posições teológicas relacionadas à Pessoa de
Cristo e que eram consideradas não ortodoxas pelos Pais. Essa declaração tornou-se
o posicionamento padrão para a Igreja Ortodoxa Grega, assim como para os católi-
cos e (no que tange à pessoa de Cristo) para os protestantes. Devido à sua importân-
cia, vale a pena citá-la por completo:
Fiéis aos santos Pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se
deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito
quanto à divindade, e perfeito quanto à humanidade; verdadeiramente Deus
e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo, consubs-
tancial com o Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a
humanidade; em tudo semelhante a nós, excetuando o pecado; gerado se-
gundo a divindade pelo Pai antes de todos os séculos, e nestes últimos dias,
segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, nascido da Virgem
8
Ibid., p. 23.
9
Ware, The Orthodox Church, p. 25.
10
Grudem, Systematic Theology, p. 556.
A I G R E JA O RTO D OX A 36
Dessa forma, em adição àquilo que já havia sido declarado pelo Concílio de
Éfeso contra o “nestorianismo”, mais uma vez essa posição cristológica é rejeitada,
desta feita por meio da declaração de que as naturezas de Jesus são “sem divisão,
sem separação (...), reunidas em uma só pessoa e uma só hipóstase não separada ou
dividida em duas pessoas”. Para opor os ensinamentos de Dióscoro (monofisismo),
temos a afirmação de que Jesus deve ser reconhecido “em duas naturezas, sem con-
fusão, sem mudanças... A diferença das naturezas não é de modo algum suprimida
pela sua união, mas antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas”.12
Foi nesse concílio que Jerusalém passou a ser plenamente reconhecida como
o quinto Patriarcado. Dessa maneira, uma pentarquia foi formada. Essas cinco sés
mantêm até hoje lugares de honra dentro da Igreja Ortodoxa Grega, e os cinco pa-
triarcados dividiram entre si o mundo inteiro em esferas de jurisdição.13
11
Ibid., p. 996.
12
Ibid.
13
Ware, The Orthodox Church, p. 26.
A I G R E JA O RTO D OX A 37
14
Sawirus Ishaq Saka, “The West Syriacs”, em Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib
Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 239.
15
Os gráficos baseiam-se nas informações oferecidas por Ware (p. 4ss) e Brock (1996, p. 23ss). Os al-
garismos entre colchetes representam o número aproximado atual de “membros” de cada tradição (em
milhares, representados pela letra “k”; e em milhões, representados pela abreviação “mil.”).
A I G R E JA O RTO D OX A 38
1. Constantinopla
(6 mil.)
Quatro patriarcados
2. Alexandria (350 k)
antigos
3. Antioquia (750 k)
4. Jerusalém (60 k)
1. República Checa e
Eslováquia (55 k)
Igrejas 2. Sinai (900)
autônomas 3. Finlândia (56 k)
4. Japão (25 k)
5. China (10-20 k)
Como era de se esperar, essas divisões provocaram ainda mais manobras, cons-
pirações e perseguições, com cada tradição afirmando ser, por direito, herdeira da
verdadeira herança apostólica e guardiã da verdadeira ortodoxia.
16
Ware, The Orthodox Church, p. 29.
A I G R E JA O RTO D OX A 39
O Sétimo e último Concílio Ecumênico (Niceia, 787) tratou do que é uma ques-
tão muito importante dentro da tradição ortodoxa: os Santos Ícones. Uma ferrenha
posição iconoclasta da parte dos imperadores e de alguns líderes cristãos marcou
os anos que antecederam esse concílio. Eles exigiam a destruição de qualquer arte
religiosa que se destinasse a retratar humanos ou Deus. Na compreensão deles, isso
levava à idolatria.
17
Ibid., p. 31.
A I G R E JA O RTO D OX A 40
5
O ADVENTO DO ISLÃ
– SÉCULOS 7 E 8
licos brasileiros pressupõe que o cristianismo teve pouco, ou quase nenhum, contato
com as tribos árabes antes do surgimento do islã e, de acordo com essa linha de
pensamento, essa é uma das razões pelas quais os árabes tão prontamente aceitaram
o islã. Uma segunda pressuposição comum é a de que, antes do surgimento do islã,
os árabes estavam limitados apenas à Península Arábica. Contudo, ambas as pres-
suposições são incorretas. “Os três séculos que se passaram antes do surgimento do
islã no século 7”, diz Shahid, “foram o período de ouro do cristianismo árabe”1 e,
como veremos mais adiante, os cristãos árabes habitavam tanto a Península Arábica
quanto a Síria e a Mesopotâmia.
Para entender plenamente a influência dos cristãos árabes no Oriente Médio an-
tes da chegada do islã, é importante mencionar que as tribos árabes viviam em am-
bos os lados das fronteiras de dois grandes impérios da época: o Império Romano
cristão (bizantino) e o Império Persa zoroastrista (sassânida).
Já no ano 200 d.C., existem relatos da conversão do líder árabe Abgar, rei de
Edessa, na província romana da Síria. Isso lhe deu a honra de ser o primeiro gover-
nante da história a se converter ao cristianismo, o que, por sua vez, deu a Edessa o
título de primeiro estado cristão da história.2 Por fim, Edessa tornou-se conhecida,
por séculos, como um dos maiores centros do cristianismo siríaco, rivalizando em
importância com Antioquia.
1
Irfan Shahid, “Arab Christianity before the Rise of Islam”, em Christianity: A History in the Middle
East, org. por Habib Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 435.
2
Ibid.
3
Ibid., p. 437.
A I G R E JA O RTO D OX A 42
Meca, que era um importante centro de peregrinação para as tribos árabes politeís-
tas da região ao redor, também tinha presença de cristãos, embora possivelmente não
em grande número. Alguns dos aspectos que atestam a presença deles na cidade são,
por exemplo, a existência, naquele tempo, de um cemitério cristão, do Santuário de
Maria e até mesmo imagens de Jesus e Maria dentro da Caaba, sem mencionar o fato
de que, na rota de peregrinação pré-islâmica, havia a estação do cristão.8 Ainda que
esses sejam elementos importantes quando se tenta descobrir a presença de cristãos em
Meca antes do advento do islã, pelo menos uma pessoa importante deve ser menciona-
da: Waraqa ibn Nawfal, primo de Khedija, a primeira esposa de Maomé. Diz-se que ele
foi um cristão que até mesmo incentivou Maomé a continuar buscando as revelações
que ele estava recebendo, pois, na opinião dele, elas vinham de Deus.
4
Ibid.
5
Ibid.
6
Encyclopedia Britannica Online, s. v. “Ghassan”, acessado em 15 de outubro de 2014, <http://www.
britannica.com/EBchecked/topic/232483/Ghassan>.
7
Shahid, “Arab Christianity before the Rise of Islam”, p. 445.
8
Ibid.
A I G R E JA O RTO D OX A 43
9
De acordo com Yusuf Ali, eles foram perseguidos por Zu-Nuwas, um judeu por religião, que era o rei
do Iêmen. (Ali, Abdullah Yusuf. The Holy Qur’an – Translation and Commentary. Durban: Islamic
Propagation Centre International, 1946, p. 1714.).
10
Bernie Power, “Engaging Islamic Traditions - Using the Hadith in Christian Ministry to Muslims”,
(2013), p. 129. Manuscrito não publicado. Power menciona que essa história pode ser encontrada em
Bukhari 5:663, 664 e 9:360.
11
Shahid, “Arab Christianity before the Rise of Islam”, p. 447.
12
Ibid.
A I G R E JA O RTO D OX A 44
Dessa forma, a partir desses poucos exemplos, fica claro que o cristianismo já
havia alcançado muitas tribos e cidades árabes antes do surgimento do islã, princi-
palmente entre os séculos 4 e 6, e que eles não estavam confinados aos limites da
Península Arábica.
13
Encyclopædia Britannica Online, s. v. “Lakhmid Dynasty”, acessado em 14 de outubro de 2014,
<http://www.britannica.com/EBchecked/topic/328265/Lakhmid-Dynasty>.
14
Encyclopædia Britannica Online, s. v. “al-Hirah”, acessado em 27 de setembro de 2014, <http://www.
britannica.com/EBchecked/topic/266750/al-Hira>.
15
Patriarca Ignatius IV Hazim, “Christianity in the Umayyad Era (661-750)”, em Christianity – a History
in the Middle East, org. por Habib Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 473.
A I G R E JA O RTO D OX A 45
de Maomé, chegou à região, a população local já estava, havia vários anos, intera-
gindo com os árabes e seu idioma.
Depois de vencer seus novos súditos na (ex) província romana da Síria, os mu-
çulmanos árabes fizeram o que não é do conhecimento da maioria dos evangélicos
brasileiros: na maior parte, trataram seus novos súditos com temperança, oferecen-
do alianças de proteção razoáveis à população amplamente cristã da Síria e, con-
tanto que os cristãos pagassem impostos pessoais (al-jizya), poderiam manter suas
propriedades, sua religião e seus templos.16Ao perceber que os muçulmanos árabes
respeitavam suas alianças, os cristãos tornaram-se oponentes do Império Bizantino.
Essa nova realidade, longe de enfraquecer a Igreja, deu início a uma era de paz e
fortalecimento da Igreja Siríaca, levando-a a uma melhor organização e à renovação
intelectual. Para Saka, isso se deveu ao fato de que “os muçulmanos árabes os cerca-
ram de segurança e protegeram os direitos deles com alianças e pactos”.20
16
Ibid., p. 475.
17
Saka, “The West Syriacs”, p. 242.
18
Hazim, “Christianity in the Umayyad Era (661-750)”, p. 482.
19
Ibid., p. 486.
20
Saka, “The West Syriacs”, p. 242.
21
Ibid.
A I G R E JA O RTO D OX A 46
Tudo isso não significa que não houve problemas entre cristãos e muçulmanos à
época da conquista. Contudo, qualquer crítica que for feita terá de levar em conta o
fato de que, pelo menos no primeiro século do surgimento do islã, as relações entre
cristãos e muçulmanos não eram tão conturbadas quanto os ocidentais podem querer
acreditar com base na tensão entre muçulmanos e cristãos em tantas partes do mundo
de hoje. O fato é que, se os primeiros muçulmanos, que estiveram muitos deles em
contato pessoal com Maomé, sentiram que era possível ter uma coexistência relati-
vamente pacífica com cristãos, isso poderia nos dar base para ter esperança, assim
como para agir, na direção de um modelo de relacionamento diferente do que vemos
hoje em dia. O fato é que, durante as primeiras interações entre apologistas muçul-
manos e cristãos, alguns cristãos estavam até mesmo prontos a aceitar que cristãos e
muçulmanos não estavam tão distanciados em sua fé já que os muçulmanos acredi-
tam que Jesus é o Messias, o filho de Maria, a Palavra de Deus e o Espírito de Deus.23
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22
Griffith, Sidney H. The Church in the Shadow of the Mosque – Christians and Muslims in the World
of Islam. Princeton: Princeton University Press, p. 27.
23
Ibid., p. 31.
A I G R E JA O RTO D OX A 47
24
Hamada, Louis Bahjat. Understanding the Arab World. Nashville, Tennessee: Thomas Nelson, 1990,
p. 118.
25
Demetrio Magnoli, “Barack Contra a Jihad”, O Estado de São Paulo, 11 de julho de 2009.
26
Jenkins, Philip. The Lost History of Christianity: The Thousand-Year Golden Age of the Church in the
Middle East, Africa and Asia – and How It Died, 1a. ed. New York; Oxford: Lion, 2008, p. 18.
A I G R E JA O RTO D OX A 48
Dessa forma, com o passar do tempo, quando a “Casa da Sabedoria” foi fundada
em 830 em Bagdá por líderes muçulmanos, um médico cristão siríaco oriental tor-
nou-se o principal tradutor.29
Não foi sem razão que o reconhecido filósofo árabe muçulmano al-Kindi (m. 874),
ao falar da contribuição dos acadêmicos cristãos, disse que “se eles não tivessem exis-
tido, nunca teríamos sido capazes, ainda que dedicássemos todo nosso tempo à pes-
quisa rigorosa, de chegar a esses princípios genuínos primários, em virtude dos quais
pudemos deduzir as derradeiras conclusões de nossos mais abstrusos pesquisadores”.31
27
Ibid., p. 6.
28
Samir Khalil Samir, “The Role of Christians in the Abbasid Renaissance in Iraq and in Syria (750
-1050)”, em Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib Badr. Lebanon: Middle East
Council of Churches, 2005, p. 500.
29
Ibid., p. 505.
30
Ibid., p. 512.
31
Ibid., p. 503.
A I G R E JA O RTO D OX A 49
6
MISSÕES: CONVERSÃO
D O S ES L AVO S — S ÉC U LO 9
Depois de o islã ter conquistado Egito, Síria e Pérsia, a Igreja Ortodoxa perdeu
o controle de três patriarcados ao mesmo tempo — Alexandria, Antioquia e Jerusa-
lém —, e a Igreja Ortodoxa Oriental tornou-se ainda mais separada do restante da
cristandade.
Mais tarde, no século 10, o príncipe Vladimir de Kiev tornou-se cristão, o que
contribuiu ainda mais para o crescimento do cristianismo bizantino entre o povo
eslavo.2 Quando Constantinopla caiu diante dos muçulmanos turcos em 1453, “o
Principado de Moscou estava pronto para assumir o lugar de Bizâncio como protetor
do mundo ortodoxo”.3
Hoje, a Igreja Ortodoxa Russa é a mais forte igreja ortodoxa do mundo, com
mais de 100 milhões de membros, e os outros países eslavos têm uma importante
população cristã ortodoxa.
iStockphoto/Almotional
1
Ware, The Orthodox Church, p. 74.
2
Louth, Introducing Eastern Orthodox Theology, pos. 172.
3
Ware, The Orthodox Church, p. 5.
A I G R E JA O RTO D OX A 51
7
O G R A N D E C I S M A — S É C U L O 11
Por volta do ano 800, o rei francês Carlos Magno havia atraído a maior parte da
Europa ocidental para um único governo cristão unido. No dia de Natal daquele ano,
em Roma, o Papa o coroou imperador, consagrando a longa associação entre a Igreja
e o Estado no ocidente medieval.1
Considerando que naqueles dias não havia separação entre Igreja e Estado, esses
eventos aumentaram a probabilidade de disputas teológicas, e foi exatamente o que
aconteceu.
1
Jenkins, The Lost History of Christianity: The Thousand-Year Golden Age of the Church in the Middle
East, Africa and Asia – and How It Died, p. 4.
2
Ware, The Orthodox Church, p. 46.
3
Ibid., p. 48.
A I G R E JA O RTO D OX A 53
“a Igreja [Romana] era vista menos como um colegiado e mais como uma monar-
quia — a monarquia do Papa”.4 A bem da verdade, se o Papa visse a si mesmo
apenas como o “Monarca” da Igreja do ocidente, Bizâncio não teria ficado tão preo-
cupada. O problema foi que ele entendia que sua autoridade estendia-se sobre o
Oriente, e que a infalibilidade era uma prerrogativa sua. Já os gregos afirmavam que,
em questões de fé, as decisões finais cabiam não ao Papa sozinho, mas a um conse-
lho que representasse todos os bispos da Igreja.5O desacordo em relação à cláusula
Filioque surgiu porque a Igreja no ocidente latino alterou a forma original do Credo
Niceno. O trecho que originalmente dizia “creio... no Espírito Santo, Senhor e fonte
de vida, que procede do Pai” foi mudado para “que procede do Pai e do Filho”. Há
debates sobre onde e quando essa adição aconteceu, mas é mais provável que tenha
ocorrido na Espanha como uma precaução contra o arianismo, e inserida no Credo
no Concílio de Toledo em 589 ou até mesmo antes.6
Com o tempo, essa alteração do Credo Niceno original por parte da igreja lati-
na provocou uma reação dura dos bizantinos. Eles entendiam que além de não ser
uma adição teologicamente sadia, Roma sozinha não tinha autoridade para alterar
um documento extremamente importante que fora aprovado pelo Primeiro Concílio
Ecumênico. Sendo uma igreja conciliar, apenas outro concílio, devidamente repre-
sentado pelos bispos de toda a cristandade, tinha a prerrogativa de tomar tal decisão.
Para os bizantinos, mais uma vez Roma estava agindo como se fosse a sé suprema,
com autoridade sobre a igreja do restante do mundo.
A longa estrada que levou ao Grande Cisma havia finalmente chegado ao fim.
A Igreja Ortodoxa Russa terminou assumindo a liderança do mundo ortodoxo, e o
Patriarca Ecumênico de Constantinopla tornou-se o líder dos cristãos ortodoxos no
recém-formado Império Otomano, que era muçulmano.
4
Ibid., p. 47.
5
Ibid., p. 49
6
Ibid., p. 50.
7
Louth, Introducing Eastern Orthodox Theology, pos. 175.
A I G R E JA O RTO D OX A 54
8
A S C R U Z A D A S — S É C U L O 12
1
Jonathan Riley-Smith, “Motives for the Crusades: A European Perspective”, em Christianity: A Histo-
ry in the Middle East, org. por Habib Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 549.
2
Helmut Roscher, “Crusades”, em The Encyclopedia of Christianity, org. por Erwin Fahlbusch. Leiden,
Netherlands: Brill, 1999-2003.
3
Mallouhi, Christine A. Waging Peace on Islam. London: Monarch Books, 2000, p. 8.
A I G R E JA O RTO D OX A 55
Ibid., p. 82.
4
Ibid., p. 84.
5
A I G R E JA O RTO D OX A 56
P O S FÁ C I O
A IGREJA BRASILEIRA
meiros trezentos anos da história cristã e, então, com o advento do Império Bizantino
Cristão, o cristianismo lentamente perdeu suas raízes e o próximo passo importante
foi a Reforma Protestante, que trouxe de volta a fé apostólica. Essa maneira simplis-
ta e errônea de olhar para nossa história cristã tem um bom número de implicações
negativas. Começamos a pensar que nossa tradição cristã é a correta e todas as de-
mais estão equivocadas. Quão importante seria revisitar os grandes teólogos orto-
doxos dos primeiros dez séculos e, numa atitude de humildade, reconhecer que eles
ainda têm muito a contribuir para nossa plena compreensão do que é o cristianismo.
6
George Atiyyeh, “The Rise of Eastern Churches and Their Heritage (5th to 8th Century): Churches of
the Byzantine Tradition”, em Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib Badr. Beirut,
Lebanon: Middle East Council of Churches, 2005, p. 299.
7
Citado em Ware, The Orthodox Church, p. 19.
A I G R E JA O RTO D OX A 58
Esse senso de admiração relatado por Eusébio foi certamente compartilhado por
outros cristãos, e a simbiose entre o Império e a Igreja tornou-se bastante forte.
Como resultado, a Igreja Ortodoxa Grega tornou-se poderosa e rica, e muitas atro-
cidades foram cometidas em nome do Deus cristão, incluindo a perseguição de cris-
tãos ortodoxos orientais devido a diferenças doutrinárias.
Esta é uma lição importante para a Igreja Evangélica Brasileira: até que ponto a
Igreja deve permitir-se ser identificada com os poderes seculares políticos e sociais?
Em minha opinião, em algumas ocasiões a Igreja Ortodoxa Grega consentiu ser
engolfada pelo establishment, iludida pelos privilégios alcançados por meio da con-
formação ao status quo prevalente. Hoje, no Brasil, ser cristão evangélico tornou-se
algo da moda. Pessoas famosas da indústria do entretenimento não perdem a oportu-
nidade de afirmar na frente de câmeras de televisão que agora fazem parte de um ou
outro grupo evangélico, ao mesmo tempo em que mostram pouca preocupação com
um estilo de vida caracterizado pelos ensinamentos de Jesus.
Diante dessa situação, é natural que se pergunte o que deu errado. Existem, é claro,
diversas razões, mas talvez uma das mais importantes seja esta: em sua ânsia de se
acomodar aos poderes políticos e sociais prevalentes, a Igreja Evangélica Brasileira
permitiu-se ser ‘domada’, perdendo a visão, em alguns casos, de sua verdadeira na-
tureza e missão. Consequentemente, a voz profética da Igreja não está sendo ouvida.
David J. Bosch. Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission (20th Anniversary Edi-
9
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