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A IGREJA
ORTODOXA
Breve história até o século 12

Marcos Amado

1ª edição | 2019
São Paulo
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A Igreja Ortodoxa – Breve história até o século 12, de Marcos Amado © 2019.
O texto foi originalmente escrito pelo autor em inglês em 2014, mas não foi publicado.
Todos os direitos são reservados.

Primeira edição: Novembro de 2019

Coordenação editorial e preparação de texto: Fernanda Ilinsky Schimenes


Tradução: Emirson Justino
Capa, produção gráfica e diagramação: Ideia Dois

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Agência Brasileira do ISBN - Bibliotecária Priscila Pena Machado CRB-7/6971

A663 Amado, Marcos.


A igreja ortodoxa : breve história até o século 12 [recurso
eletrônico] / Marcos Amado. — 1. ed. — São Paulo : SEPAL,
2019.
Dados eletrônicos (pdf).
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-80786-02-2
1. Igrejas ortodoxas — História. 2. Cristianismo. —
História. I. Título.
CDD 281.909

Publicação
Sepal – Servindo aos Pastores e Líderes
Rua Jandiatuba, 630, cj. 328 – Vila Andrade
CEP 05716-150 – São Paulo – SP
Fone 11 5523-2544

Elaboração
Martureo – Centro de Reflexão Missiológica
www.martureo.com.br
info@martureo.com.br
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SOBRE O CENTRO DE REFLEXÃO


MISSIOLÓGICA MARTUREO

Somos uma organização cristã que contribui para o fortalecimento do movimen-


to missionário brasileiro.

Nosso foco é produzir e disseminar conteúdo sobre temas missiológicos essenciais:

• Escrevemos e traduzimos artigos com rigor acadêmico;


• Ministramos cursos (presenciais e on-line, incluindo módulos de pós-gradua-
ção) e palestras;
• Publicamos, em parceria com outras instituições, livros de reconhecida rele-
vância na missiologia mundial e eBooks (este é um exemplo!).

Não somos uma agência missionária, nem tampouco um centro de formação em


Missões. Essas instituições, bem como missionários (no campo e em preparo), pas-
tores, estudantes de Teologia e líderes de Missões, são nosso público-alvo.

As bases do que cremos são as do Movimento de Lausanne e estão no Compro-


misso da Cidade do Cabo.

O Martureo foi fundado em 2014 por Marcos e Rosângela Amado – missionários


brasileiros com 23 anos de experiência transcultural – e é um ministério ligado à
Sepal. Marcos Amado é o autor deste eBook, o Martureo cuidou da coordenação
editorial, e a Sepal leva o selo editorial.
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Nossa visão
Cristãos brasileiros bem preparados sendo testemunhas do Senhor Jesus e de
todo seu ensinamento em todos os povos da terra e em todas as esferas da sociedade.

www.martureo.com.br

Sobre o autor
Marcos Amado é graduado em Teologia pelo All Nations Cristian College (Rei-
no Unido) e Mestre em Missiologia com Especialização em Estudos Islâmicos pela
mesma instituição. Em Beirute, no Líbano, cursou Estudos Avançados em Religiões
e Culturas do Oriente Médio no Institute of Middle East Studies.
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ÍNDICE

Agradecimentos 8
Prefácio 9
Prólogo 12
1. A era apostólica – Cristianismo no século 1 16
A expansão rumo ao Ocidente 16
O que dizer do Oriente? 19
2. Começo humilde — perseguição, expansão
e consolidação: séculos 2 e 3 21
O fortalecimento da estrutura eclesiástica 21
O desenvolvimento do pensamento teológico cristão 22
a) As escolas de Alexandria e Antioquia 22
b) As escolas de Edessa e Nísibis 24
3. Nasce uma igreja imperial e ecumênica – século 4 26
Definindo a ortodoxia 28
Primeiro Concílio Ecumênico – Niceia – 325 d.C. 28
Segundo Concílio Ecumênico – Constantinopla – 381 d.C. 29
Vida ascética e monástica 30
4. O “nascimento” das Igrejas Ortodoxas Orientais:
os cismas do século 5 32
Terceiro Concílio Ecumênico – Éfeso – 431 d.C. 32
a) O problema 32
b) A conclusão 33
c) O resultado: a igreja “nestoriana” 33
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Quarto Concílio Ecumênico – Calcedônia – 451 d.C. 35


a) O problema 35
b) A conclusão 35
c) O resultado: as igrejas não-calcedonenses 36
d) As diferentes tradições ortodoxas 37
Os três últimos concílios ecumênicos 38
5. O advento do islã – séculos 7 e 8 40
O cristianismo árabe antes do surgimento do islã 40
A convivência entre muçulmanos e cristãos 44
A contribuição dos cristãos ortodoxos para a ‘renascença’ islâmica 47
6. Missões: conversão dos eslavos — século 9 49
7. O Grande Cisma — século 11 51
8. As Cruzadas — século 12 54
Posfácio – A Igreja Brasileira 56
Obras citadas 59
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AGRADECIMENTOS

A um casal de amigos que, tenho certeza, não gostaria de ver


seus nomes mencionados aqui, por me permitir usar o refúgio
de vocês por quase duas semanas.

Sem isso, não teria conseguido a tranquilidade necessária para


terminar este texto.

Que o Senhor continue usando vocês grandemente!


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P R E FÁ C I O
U M A H I S T Ó R I A “ S I L E N C I A D A”, N O
E N TA N T O, AT I VA E P R E S E N T E

Gosto de viajar! Sempre fui fascinado por conhecer lugares e pessoas, assim
como os momentos importantes da vida de uma nação. Isso começou na infância,
quando, nas rodas de conversas da família, eu ouvia, atento, as histórias de nossos
antepassados, de suas lutas, dificuldades, obstáculos e realizações. Os protagonis-
tas desses momentos especiais em família eram os mais velhos. Quanto mais longa
a memória, mais luz trazia para as minhas questões de identidade, de origem. Eram
informações que me ajudavam a entender o meu presente, mudar ou ampliar algu-
mas convicções sobre temas relacionados ao momento no qual estávamos vivendo.

O meu interesse pela história seguiu sendo estimulado pelos livros que meus pais
me ofereciam. Com o passar do tempo, comecei a fazer minhas próprias escolhas de
leitura, o que me permitiu traçar meus próprios roteiros e definir os ritmos de cada
nova jornada. A partir dos livros, dei um passo adiante. Ao conquistar autonomia
para me deslocar geograficamente – primeiro com os grupos de amigos e amigas da
escola e da igreja e, logo em seguida, já adulto, sozinho, com minha mochila, ca-
derno de anotações, mapas, guias de viagem e uma máquina fotográfica –, consegui
fazer uma imersão mais extensa e profunda nos diferentes lugares que tive o privi-
légio de visitar. Essa experiência definiu o rumo dos meus estudos, transformou-se
em meu modus operandi profissional. Assim, ultrapassei (literal e metaforicamen-
te) muitas fronteiras e vi, in loco, algumas das coisas que havia conhecido pelas
leituras. Em cada lugar visitado, deparei-me com um universo infinitamente maior
comparado ao pouco que conhecia. O simples fato de deixar o meu “espaço seguro”
para seguir em direção ao lugar desconhecido possibilitou-se descobrir os diversos
elementos surpresa contidos em cada lugar visitado.
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A cada página lida de A Igreja Ortodoxa: Breve história até o século 12, fui
me deparando com um conjunto de informações, muitas delas novas para mim. Tais
descobertas me inseriram em um processo contínuo de correlações de realidades
históricas que não apenas me ajudaram a entender algumas dinâmicas da presente
situação de uma parte significativa da igreja cristã, como também a reconhecer, no
passado, a origem de muitos problemas. Uma realidade que, embora pareça “silen-
ciada”, está muito ativa e presente, impactando a vida da igreja cristã, especialmente
o seu testemunho de unidade em todo o mundo.

O texto do querido amigo Pr. Marcos Amado:

• Corrige perspectivas;
• Abre muitas possibilidades de compreensão de aspectos pouco estudados por
nós, cristãos ocidentais;
• Levanta uma porção de perguntas relevantes para nossa reflexão;
• Alerta sobre algumas perigosas práticas recorrentes da igreja que comprome-
tem, de maneira profunda, o ministério cristão.

Com generosidade e sem ser superficial, ele trata desta ilusão, presente na his-
tória da igreja, que cogita sobre a possibilidade de conversão do poder, buscando,
com isso, ampliar o testemunho e influência cristãos no mundo. Contudo, a triste
realidade mostra-nos o seguinte: na tentativa de a igreja converter o poder, ela acaba
sendo convertida por ele. Isso afeta cada área de seu testemunho no mundo; muda,
de forma dramática, sua percepção do que acontece; afeta profundamente sua forma
de ver a realidade e nela atuar. Como ouvi em sala de aula na disciplina “Estruturas
de Poder na Igreja”, ministrada pelo professor Dr. Clodovis Boff , a prática pastoral
da Igreja acaba, muitas vezes, indo em direção oposta à exigência evangélica de
conversão do “Poder-Dominação em Poder-Serviço”.

Essa tem sido a influência silenciosa, ativa e presente nas muitas experiências de
conflitos, nos muitos preconceitos sedimentados que procuram, por meio da lingua-
gem, justificar, persuadir, mobilizar a Igreja cristã na direção oposta à do testemunho
que se espera dela. Isso em nada contribui para uma melhor compreensão entre as
diversas tradições e segmentos cristãos, o que traz sérias implicações para o teste-
munho do evangelho no mundo.

Este é um livro de leitura rápida, mas que vai demandar alguns anos para que
seu conteúdo seja processado com responsabilidade. Quero destacar, de forma muito
especial, a parte na qual o autor propõe uma agenda temática para a igreja evangéli-
ca brasileira, com implicações para suas várias instâncias de decisão e formação. É
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uma proposta de longa memória, fundamental para lidar com os desafios que temos
adiante relacionados ao testemunho de Jesus Cristo em nossa geração.

Não se deixe levar pela rápida leitura, mergulhe fundo nas questões!

Uma excelente e abençoada leitura para todos vocês.

Forte abraço!

Ziel J. O. Machado
Vice-reitor do Seminário Servo de Cristo
Pastor na Igreja Metodista Livre – São Paulo
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PRÓLOGO

Ao atentarmos para a história dos conflitos humanos, fica claro que, no decor-
rer dos séculos, algumas das guerras mais cruéis e violentas foram provocadas, ainda
que em parte, por convicções e divergências religiosas. Não é necessário olhar para
séculos atrás (ou até mesmo décadas) para encontrar exemplos vívidos de tais situa-
ções. Ouvimos diariamente relatos de atrocidades perpetradas em diferentes partes
do mundo em nome de Deus, ou, ousaria dizer, em nome da pureza e da exatidão
ortodoxas. Essa realidade já seria moralmente deplorável se tais hostilidades ocor-
ressem apenas entre representantes de diferentes religiões. Contudo, é frequente que
seguidores da mesma religião promovam ações mútuas de violência, tanto verbais
quanto físicas. Não raro isso ocorre devido a minúcias encontradas em declarações
doutrinárias discordantes.

Infelizmente, o cristianismo também é um protagonista nesse cenário. Ao olhar


para a história, é possível encontrar muitos registros de cristãos que não levaram em
conta os ensinamentos de Jesus – especialmente no que diz respeito ao amor que
devemos dedicar ao próximo como a nós mesmos (Mc 12.31) –, e, por conta disso,
impuseram sofrimento e crueldade sobre outros cristãos. Foi o que aconteceu no
caso de cristãos calcedonenses contra cristãos não-calcedonenses no Oriente Médio,
de ortodoxos do oriente contra católicos na Ásia Menor e na Europa e, mais recen-
temente, de católicos contra protestantes no Reino Unido, para citar apenas alguns
exemplos.

Felizmente, nossas diferenças não resolvidas nem sempre levam a agressões,


mas elas, no mínimo, erguem muros que nos impedem de ficar um passo mais perto
da realização do desejo de Jesus de ver seus discípulos como um, o que, por sua vez,
faria com que o mundo cresse (Jo 17.21).
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Possivelmente, uma das principais razões para tão grande discrepância é nosso
fracasso, como cristãos, em dedicar mais de nosso tempo e esforços a fim de apreciar
uns aos outros e aprender a partir de nossa história. A falta de entendimento engloba
cristãos de todas as tradições, incluindo os membros de igrejas protestantes e ortodo-
xas, sendo essa última o foco de nosso trabalho. O teólogo russo Alexis Khomiakov,
por exemplo, afirmava que “todos os protestantes são cripto-papistas”, e, embora no
ocidente vejamos protestantes (especialmente os protestantes evangélicos) e católi-
cos como grupos marcadamente distintos, acreditava que “ambos compartilham das
mesmas pressuposições, pois o protestantismo saiu do ovo que Roma havia botado”.1

Se é isso o que um ortodoxo pode pensar de protestantes e católicos, o que um


típico protestante evangélico brasileiro diria se lhe fosse pedido que definisse um
cristão ortodoxo? A resposta provavelmente incluiria expressões como “fé nomi-
nal”, “adoradores de imagens”, “rituais vazios e entediantes”, para não mencionar
“defensores de crenças não bíblicas”. Infelizmente, o evangélico brasileiro comum
não tem qualquer conhecimento da singular história, da rica teologia e das liturgias
dessa tradição cristã.

Diante de tal compreensão negativa, não é surpresa que nossos líderes evangé-
licos, estudantes de teologia e candidatos a missionários nem sequer considerem
a necessidade de estudar a Igreja Ortodoxa com o objetivo de ter uma apreciação
profunda não apenas de nossa herança teológica, mas também da história da igreja,
passada e recente, de diferentes partes do mundo. O mais importante, porém, é que
estamos perdendo a oportunidade de aprender com irmãos e irmãs que, por 20 sécu-
los, pagaram um alto preço para permanecer fiéis ao nosso Senhor Jesus Cristo e aos
seus ensinamentos em meio a muitas provações e perseguições.

Portanto, este eBook tem o objetivo de contribuir para que os líderes evangélicos
brasileiros, assim como alunos de teologia e missões:

(a) tenham uma melhor compreensão da história da Igreja Ortodoxa até o


século 12;
(b) compreendam os desafios que nossos irmãos e irmãs da Igreja Ortodoxa
enfrentam hoje, especialmente no Oriente Médio, e tomem uma atitude
em relação a isso;
(c) extraiam lições que possam ser úteis para os desafios que a Igreja Evan-
gélica no Brasil está enfrentando hoje.

Citado em WARE, Timothy. The Orthodox Church. London: Penguin, 1997, p. 1.


1
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Uma palavra de esclarecimento é necessária: em nosso esforço de expor os prin-


cipais desenvolvimentos históricos da tradição ortodoxa, devemos em primeiro lu-
gar entender que ela não é um corpo monolítico. Vários fatores históricos levaram a
diferentes cismas, os quais, por sua vez, conduziram à formação de diferentes ramifi-
cações. Consequentemente, diferentes nomes são usados para identificar os diversos
grupos de igrejas. Designar e identificar os nomes dessas igrejas pode ser um esforço
penoso. Por uma questão de uniformidade, neste trabalho serão utilizados os termos:

• Igreja Ortodoxa Grega para designar as igrejas calcedonenses2 – histo-


ricamente alinhadas política e teologicamente com o Império Bizantino;
• Igrejas Ortodoxas Orientais para identificar a Igreja do Oriente – mais
conhecida entre nós como Igreja Nestoriana;
• Igrejas não-calcedonenses – como a Igreja Copta, por exemplo.

Limitações
Uma vez que não se pode presumir que seja possível escrever uma história com-
pleta da Igreja Ortodoxa até o século 12 em poucas páginas, este trabalho vai se
debruçar principalmente, mas não exclusivamente, sobre a Igreja Ortodoxa Grega.
Essa tradição cristã ocupa a maior parte das discussões no meio acadêmico cristão
ocidental (ou assim parece ao se folhear livros ou ler diferentes artigos). Contudo,
para uma compreensão básica da história da Igreja Ortodoxa, também é importante
mencionar, ainda que brevemente, os aspectos principais da história daquele corpo
conhecido como Igrejas Ortodoxas Orientais.

Desenvolvimentos históricos
Se evangélicos brasileiros fossem indagados sobre como se deu a expansão do
cristianismo, a história apresentada certamente começaria em Jerusalém, no dia do
Pentecoste, e, seguindo a narrativa baseada no livro de Atos, rapidamente moveria-
-se para a Ásia Menor e regiões mediterrâneas da Europa, concentrando-se, poste-
riormente, na expansão da Igreja Católica Latina rumo a outras parte da Europa. A
narrativa certamente culminaria com a Reforma Protestante, que (diriam os evan-
gélicos brasileiros) “resgatou a igreja dos perigos das heresias católicas romanas”,
restabelecendo assim o “verdadeiro cristianismo ortodoxo”.

Essa tradição cristã é chamada “grega” não por ser da Grécia, mas porque se desenvolveu em uma épo-
2

ca em que a língua e a cultura gregas eram predominantes no Império Romano e, portanto, utilizava-se
o idioma grego na liturgia.
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Embora essa percepção possa parecer exagerada, ela pode ser facilmente confir-
mada ao se analisar o programa de aulas de muitos seminários bíblicos e centros de
treinamento de missões espalhados pelo Brasil. Além de algumas breves menções a
certos eventos históricos extremamente importantes (como o Grande Cisma), quase
nenhuma atenção é dada à história de mais de mil anos da Igreja no Império Bizantino,
assim como às terras a leste da Síria, principalmente Mesopotâmia e Império Persa.

Afinal de contas, diriam alguns, o que vale a pena mencionar além da Reforma
Protestante? Não foi a Igreja varrida do Oriente Médio depois do advento do islã?
Não é certo que a Igreja Bizantina envolveu-se excessivamente com as estruturas
humanas de poder político a ponto de esse período da história dificilmente poder
ser visto como parte da história do cristianismo verdadeiro? Essas são algumas das
perguntas que tentaremos elucidar nas páginas a seguir.
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1
A ERA APOSTÓLICA –
CRISTIANISMO NO SÉCULO 1

A expansão rumo ao Ocidente


O Império Romano, dentro do qual o cristianismo primitivo desenvolveu-se, era
composto por várias cidades importantes. Sendo assim, foi natural ver, depois do Pen-
tecoste, como os discípulos e os novos convertidos começaram a levar o evangelho
para essas cidades. Vale dizer que o fato de a Bíblia mostrar o avanço do evangelho
e o crescimento da Igreja principalmente nessas áreas não significa que os primeiros
cristãos não levaram as boas novas a outras partes do mundo. Já no século 1, os se-
guidores de Jesus levaram a mensagem ao norte da África e às regiões a leste da Síria,
como será mostrado adiante. Voltando ao movimento rumo às importantes cidades do
Império Romano, embora natural, ele não foi, pelo menos inicialmente, o resultado
de um plano de ação elaborado pelos apóstolos, mas a consequência da perseguição
iniciada logo após o martírio de Estêvão (34 d.C.), que levou os discípulos para a Fe-
nícia, Chipre e Antioquia (At 11.19-21). Foi em Antioquia, então uma das três cidades
mais importantes do Império (naqueles dias, ela estava sob a jurisdição da província
romana da Síria, mas hoje está dentro das fronteiras da Turquia), que o cristianismo
começou a crescer e a criar raízes, a ponto de Barnabé, enviado a Antioquia pelos
apóstolos que permaneceram em Jerusalém (At 11.22-24), sentir a necessidade de
convocar Paulo para ajudá-lo (At 11.25-26), o que aconteceu por volta do ano 45 d.C.1

Muito embora o livro de Atos dê grande destaque a Barnabé e a Paulo no que se refere ao trabalho da
1

igreja em Antioquia, Eusébio de Cesareia (séc. 4) atesta a tradição de que Pedro foi o fundador daquela
igreja. Pierre Canivet, “Christianity in the 1st Century – the Context of the Mediterranean Civiliza-
tions: Judaic, Greek, Roman, Asian”, em Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib
Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 59.
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iStockphoto/lucamato

Extensão do Império Romano no século 1: o avanço do evangelho nessas áreas não significa que os
primeiros cristãos não levaram as boas novas a outras partes do mundo

A partir dali, iniciou-se o mais conhecido movimento missionário cristão do século


1, depois de a igreja em Antioquia, guiada pelo Espírito Santo, ter enviado Barnabé
e Paulo em sua primeira viagem missionária (At 13.2-3).

Como resultado desse empenho, assim como dos esforços evangelísticos dos
outros apóstolos e de miríades de discípulos anônimos, até o final do século 1, o
que fora inicialmente visto como uma pequena seita judaica tornou-se uma religião
mundial. Isso ocorreu não necessariamente por causa de seu grande número de con-
vertidos, mas porque ela se espalhou para diferentes cantos do Império Romano,
com representantes de todos os diferentes estratos sociais.

Naquela época, nas regiões da Palestina, Síria e Mesopotâmia, as pessoas co-


muns falavam aramaico (siríaco), o idioma usado por Jesus. No entanto, a língua
franca por todo o império era o grego, o que facilitava em muito a interação social
em diferentes contextos. Além do fato e da realidade das perseguições que ocasio-
nalmente se levantavam contra os seguidores de Jesus, forçando-os a deixar seus
lares e a encontrar locais mais seguros,2 os eruditos acreditam que houve uma série

A guerra judaica contra os romanos, que se iniciou em 66 d.C. e culminou no ano 70 d.C. com a captura
2

de Jerusalém e a destruição do templo, juntamente com a dispersão dos discípulos, também deu um im-
pulso importante para que Antioquia se tornasse o centro do cristianismo na parte oriental do Império
no século 1 (Canivet, “Christianity in the 1st Century”, p. 54) e também nos séculos seguintes.
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de outros fatores que contribuíram para esse avanço relativamente rápido: a boa
qualidade e a expansão das estradas romanas; a paz relativa que tornava as viagens
seguras; a visão de mundo greco-romana, que facilitava, em determinadas situações,
a discussão de novas ideias religiosas; e a existência de sinagogas, que serviam de
ponto de partida para o compartilhamento do evangelho.3

Ao final do século 1, o cristianismo havia não apenas experimentado um cres-


cimento geográfico e numérico significativo, como também começado a definir
alguns elementos importantes da estrutura eclesiástica e da liturgia. O reveren-
ciado patriarca Inácio, bispo de Antioquia, atesta esse fato nas cartas que escre-
veu a caminho do martírio em Roma na primeira década do século 2. Nesse pon-
to da história, a eucaristia já havia assumido um papel central na liturgia cristã,
a tal ponto que, para Inácio, a Igreja só cumpre seu verdadeiro papel quando ce-
lebra “a Ceia do Senhor, recebendo seu Corpo e seu Sangue no sacramento”.4
Quanto aos seus pontos de vista em relação à estrutura da liderança eclesiástica,
Ware explica:

O bispo de cada Igreja (...) preside no lugar de Deus (...) que ninguém faça
qualquer coisa relativa à Igreja sem o bispo (...) onde quer que o bispo apa-
reça, que ali esteja o povo, assim como onde quer que Jesus Cristo esteja,
existe a Igreja Católica. É tarefa primária e distintiva do bispo celebrar a
Eucaristia, “o remédio da imortalidade”.

A unidade básica era a comunidade em cada cidade, governada por seu pró-
prio bispo; para assistir o bispo existem presbíteros ou padres, e diáconos
(...). Esse padrão (...) já estava estabelecido em alguns lugares no final do
século 1.5

O Concílio de Jerusalém, uma importante reunião que aconteceu no ano 49 d.C.


com a presença dos apóstolos (At 15), teria tremendas implicações para o desenvol-
vimento da Igreja, não apenas por conta de suas conclusões, mas também devido ao
modelo que ele estabeleceu para as decisões relacionadas a assuntos teológicos e
práticos que afetaram a Igreja, o que atestaremos mais adiante.

3
TUCKER, Ruth A. Missões até os confins da terra. São Paulo: Shedd Publicações, 2010, p. 15.
4
Ware, The Orthodox Church, p. 13.
5
Ibid., p. 12.
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O que dizer do Oriente?


É possível que a falta de conhecimento dos evangélicos brasileiros (e muito pro-
vavelmente dos católicos brasileiros também) em relação à expansão do cristianismo
além das fronteiras orientais do Império Romano se deva, em parte, ao fato de que a
Bíblia praticamente não diz nada a esse respeito. Além disso, a história da Igreja que
nos foi apresentada veio em primeiro lugar pelos olhos e filtros do Império Bizantino
e, posteriormente, por meio da pena de cristãos latinos.

Um exemplo do quão seletivos alguns estudiosos foram é o fato de o historia-


dor Eusébio, ao escrever a obra História Eclesiástica no século 4, praticamente não
mencionar a Igreja no Oriente. De acordo com Brock, isso aconteceu não porque
a Igreja não existisse ali, vindo a surgir apenas depois da controvérsia nestoriana,
mas simplesmente porque Eusébio não estava preocupado em mostrar como a Igreja
havia se desenvolvido fora das fronteiras do Império Romano.6 Para piorar, historia-
dores eclesiásticos posteriores seguiram a mesma prerrogativa de Eusébio.7

A despeito das óbvias limitações que essa situação particular impõe ao estudo
do cristianismo na Síria Oriental e na Mesopotâmia no século 1, há indicações, a
partir do Novo Testamento, assim como dados históricos e tradições cristãs, que nos
levam a crer que os seguidores de Jesus levaram o evangelho, ainda no início de sua
expansão, à Mesopotâmia e aos domínios de um dos mais ferozes inimigos de Roma,
o Império Persa (Império Sassânida).

Os magos mencionados no capítulo 2 do evangelho de Mateus vieram do oriente


e, ao regressarem à sua terra natal, certamente compartilharam sobre o que viram
e ouviram em relação ao Messias. Também é provável que “partos, medos e ela-
mitas” e “habitantes da Mesopotâmia” (At 2.9) que estavam em Jerusalém no dia
de Pentecoste tenham voltado para casa falando sobre as maravilhas que haviam
testemunhado.8

Quanto às tradições, um dos primeiros exemplos é a que liga o apóstolo Tomé ao


estabelecimento da Igreja na Índia. Um livro intitulado Atos de Tomé, do século 3,
apresenta alguns detalhes sobre a jornada missionária de Tomé à Índia, até mesmo
mencionando o nome do rei Gundaphorus. Na parte sul da Índia, existe uma igreja

6
Brock, Sebastian. “The Theological Schools of Antioch, Edessa and Nisibis”, em Christianity: A His-
tory in the Middle East, org. por Habib Badr. Lebanon: Middle East Council of Churches, 2005, p. 32.
7
Ibid.
8
Bawai Soro, “The Assyrians (East Syriacs)”, em Christianity: A History in the Middle East, ed. Habib
Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 255.
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chamada “Cristãos de Tomé”, cujos membros afirmam ter sido fundada pelo após-
tolo.9 Outra obra antiga, A Doutrina de Addai, afirma que Addai (que supostamente
foi um dos 70 discípulos mencionados nos evangelhos) foi enviado a Edessa pelo
apóstolo Tomé, o qual foi, ele mesmo, de acordo com outra tradição, missionário em
Edessa.10 É possível que durante sua jornada (que deve ter ocorrido entre os anos
50 e 60 d.C.) Tomé tenha passado pela Mesopotâmia e pelo Império Persa antes de
chegar à Índia. Tal como ele, outros cristãos, ainda que sem a intenção declarada
de evangelizar, devem ter viajado, por razões pessoais, para o oriente e, de maneira
natural, testemunhado de seu encontro com a mensagem do evangelho. Como resul-
tado, antes do ano 200, a Igreja já estava estabelecida em regiões da Mesopotâmia
e em certas áreas do Império Persa.11 As Crônicas de Edessa (uma cidade a leste do
rio Eufrates), por exemplo, nos falam sobre um templo cristão que foi destruído por
uma inundação no ano 202.12 Se já existia o prédio de uma igreja no início do século
3, o cristianismo deve ter chegado à região bem antes, embora nenhuma evidência
escrita importante tenha sobrevivido para confirmar esse fato.

9
S. e Michael Rusten, E. The Complete Book of When and Where in the Bible and Throughout History.
Wheaton, IL: Tyndale House Publishers, 2005, p. 83.
10
K.E. McVey, “Edessa”, em The Anchor Yale Bible Dictionary, org. por D. N. Freedman. New York:
Doubleday, 1992.
11
Brock, “The ‘Nestorian’ Church”, p. 32.
12
Canivet, “Christianity in the 1st Century”, p. 63.
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2
COMEÇO HUMILDE —
P E R S E G U I Ç Ã O, E X PA N S Ã O E
CONSOLIDAÇÃO: SÉCULOS 2 E 3

O fortalecimento da estrutura eclesiástica


O século 1 foi marcado pela perseguição intermitente de cristãos, e os séculos 2 e
3 da era cristã também viram as autoridades romanas prosseguirem com sua política
de perturbação aos seguidores de Jesus. Em alguns momentos, a perseguição foi tão
severa que inúmeros cristãos foram martirizados nos coliseus espalhados por todo o
Império Romano. Todavia, a despeito da perseguição, Justino Mártir (m. 165) afirma
em uma de suas obras:

Não havia um povo — grego, bárbaro ou de qualquer outra raça (...), por
mais ignorante que fosse em relação às artes ou à agricultura, quer habitas-
se em tendas ou vagueasse em carroças cobertas — entre o qual orações e
ações de graça não fossem oferecidas, em nome do Jesus crucificado, ao Pai
e Criador de todas as coisas.1

Dessa forma, foi em meio à perseguição que a nova religião, que surgiu afirmando
que seu Deus se tornara homem, morrera, ressurgira e retornara para o céu, prosseguiu
marchando com determinação indômita. A presença cristã nas diferentes partes do mun-
do romano era tão forte que “Maximiniano, em um de seus editos, diz que ‘quase todos’

Citado em SCHAFF, P. History of the Christian Church, vol. 2. New York: Charles Scribner’s Sons,
1

1910, p. 22.
A I G R E JA O RTO D OX A 22

haviam abandonado a adoração de seus ancestrais em favor da nova seita”.2 As estima-


tivas apontam que, ao final do século 3, os cristãos no Império Romano eram cerca de
10% de toda a população, composta por aproximadamente 10 milhões de pessoas.3

Outro acontecimento do século 2 teve grande influência na maneira como o cris-


tianismo se desenvolveria nos anos seguintes. Se a destruição do Templo de Jerusa-
lém em 70 d.C. marcou o início da mudança do centro gravitacional do cristianismo
de Jerusalém para Antioquia, a destruição de Jerusalém e a subsequente expulsão da
população judia de seu próprio território em 135 d.C. consolidou definitivamente
Antioquia como a principal metrópole cristã da região. Isso deixou uma marca inde-
lével na expansão e na consolidação do cristianismo. No norte da África, Alexandria
já possuía uma florescente população cristã e, juntamente com Roma, as três metró-
poles centralizaram o desenvolvimento da teologia cristã e da formação de líderes
cristãos altamente influentes.

À medida que a igreja se tornou mais forte e bispos eram estabelecidos em di-
ferentes cidades, concílios regionais começaram a ocorrer. Outro concílio como
aquele que aconteceu em Jerusalém em 49 d.C. com a presença de líderes repre-
sentando a Igreja como um todo não ocorreria antes do ano 325, mas, à época de
Cipriano (por volta de 240 d.C.), já era comum os bispos de uma determinada re-
gião do Império se reunirem para discutir questões importantes que se levantavam,
normalmente “na capital da província, debaixo da presidência do bispo da capital,
que recebia o titulo de Metropolitano”.4 Lentamente, os concílios ampliaram seu
escopo de modo a incluir os bispos de várias províncias. Esses concílios maiores
aconteciam nas principais cidades do Império, como Alexandria e Antioquia, o que
levou ao início de uma maior hierarquização da igreja: “Os bispos de certas cidades
grandes começaram a adquirir importância acima dos Metropolitanos provinciais”.5
Dessa forma, foi pavimentado o caminho para aquilo que se tornaria, nos anos se-
guintes, o Patriarcado, que determinava posições de honra aos bispos de certas cida-
des de destaque dentro do Império, como se verá mais adiante.

O desenvolvimento do pensamento teológico cristão


a) As escolas de Alexandria e Antioquia
No posto de segunda metrópole mais importante do Império depois de Roma,

2
Ibid.
3
Ibid.
4
Ware, The Orthodox Church, p. 15.
5
Ibid., p. 16.
A I G R E JA O RTO D OX A 23

Alexandria tinha a tradição de ser um importante centro de aprendizado e transmis-


são de conhecimento antes do surgimento do cristianismo. Diz-se que ela abrigava
uma biblioteca de 700 mil volumes,6 e suas muitas escolas e eruditos atraíam pes-
soas de diferentes regiões do mundo conhecido.

A tradição diz que o evangelista Marcos levou o Evangelho ao Egito e foi o


fundador da Escola Cristã de Alexandria no século 1. Contudo, é mais provável
que ela tenha sido iniciada em 180 com Panteno, e tenha se tornado a “Escola Ca-
tequética de Alexandria” sob a liderança de Orígenes.7 Vários assuntos eram en-
sinados naquela escola, como os diferentes ramos da ciência e da filosofia, mas o
ensino da teologia era o principal. Assim, “a escola tornou-se o mais antigo centro
de ciências sagradas na história do cristianismo. Nela, o primeiro sistema de teo-
logia cristã foi formado, e o método alegórico da exegese bíblica foi idealizado”.8
Grande ênfase era dada ao método exegético na descoberta do significado mais pro-
fundo por trás do significado exterior e mais superficial das palavras das Escrituras.9
Já no século 3, a Escola de Alexandria tinha uma influência significativa sobre a
Igreja, dando ao mundo grandes teólogos como Clemente (m. c. 215), Orígenes (m.
c. 254), Atanásio (m. 373) e Cirilo (m. 444), os quais fizeram importantes contribui-
ções ao desenvolvimento da teologia cristã.

Enquanto Alexandria era o lar de uma famosa escola catequética cristã, Antio-
quia nunca teve uma instituição teológica de destaque. Embora não pudesse rivalizar
com Alexandria em questões de aprendizado e conhecimento seculares, o fato de
a Igreja naquela cidade ter desempenhado um papel importante na formação e na
disseminação da fé cristã fez com que ela fosse um dos principais centros do pensa-
mento teológico cristão por muitos séculos.

Assim, “quando se fala da ‘Escola de Antioquia’, o que se quer dizer é uma


linhagem de grandes mestres concentrados no período que vai do final do sécu-
lo 3 ao século 5, os quais ensinavam em uma variedade de escolas diferentes”.10
Diodoro (m. 394), João Crisóstomo (o “boca de ouro”, m. 407), Teodoro de Mop-
suéstia (m. 428) e Teodoreto (m. 458) são provavelmente os mais conhecidos profes-
sores associados à escola de Antioquia.

6
Tadros Y. Malaty, “Theological Thought in the School of Alexandria”, em Christianity: A History in the
Middle East, org. por Habib Badr. Lebanon: Middle East Council of Churches, 2005, p. 122.
7
J. Newton, “Clement of Alexandria”, org. por J.D. Douglas, Who’s who in Christian history. Wheaton,
IL: Tyndale House, 1992.
8
Malaty, “Theological Thought in the School of Alexandria”, p. 122.
9
Ibid., p. 123.
10
Sebastian Brock, “The Theological Schools of Antioch, Edessa and Nisibis”, ibid., p. 146.
A I G R E JA O RTO D OX A 24

Com o passar do tempo, as escolas de Alexandria e Antioquia desenvolveram


métodos diferentes de interpretação da Bíblia, bem como uma cristologia diferente.
Se Alexandria tinha um método mais alegórico de interpretar as Escrituras, Antio-
quia (principalmente sob a influência de Diodoro e de Teodoro) “aplicava as técnicas
de crítica literária e erudição seculares à Bíblia”,11 dando maior ênfase ao significado
histórico e mais literal do texto do que os acadêmicos de Alexandria. Os alexandri-
nos, dizem os historiadores, estavam preocupados com “uma exegese mais espiritua-
lizada, fazendo uso da alegoria, mostrando muito menos interesse pelas dimensões
históricas do texto”.12

Em relação às diferenças cristológicas entre as duas escolas, fato que causou as


maiores divisões no mundo cristão no século 5, Antioquia enfatizava grandemente
“a completa e perfeita humanidade de Cristo”, fazendo uma divisão clara entre as
suas naturezas divina e humana sem perder de vista sua “unidade essencial”. Por
outro lado, para os alexandrinos, a unicidade de Cristo tinha um papel central.

Dessa forma, pode-se dizer que as tradições cristológicas antioquense e alexan-


drina possuem dois pontos de partida diferentes: a antioquense parte do Jesus histó-
rico (isto é, da humanidade de Cristo), enquanto a alexandrina inicia com a Palavra
divina, ou o Logos (ou seja, sua divindade). Devido a esses dois pontos de partida
diferentes, cada lado apresenta um conjunto diferente de ênfases.13

b) As escolas de Edessa e Nísibis


Além de não ser bem documentada, a expansão inicial do cristianismo rumo
ao leste da Síria, Mesopotâmia e além das fronteiras orientais do Império Roma-
no é às vezes coberta de mistério pela existência de lendas e tradições orais não
confirmadas. Do mesmo modo, a história dos primórdios da Escola de Edessa
(de tradição siríaca e situada na parte nordeste da província romana da Síria, mas
relativamente próxima da fronteira com o Império Persa) também não é completa-
mente clara. Todavia, registros históricos mostram que é possível traçar as origens
da Escola Teológica de Edessa ao terceiro século, quando se podem identificar os
estágios iniciais daquilo que viria a se tornar uma escola teológica cristã na cida-
de.14 Foi somente no século 4 que a escola se tornou mais proeminente e, durante
a primeira metade do século 5, ganhou o epíteto de “Escola dos Persas” devido

11
Ibid., p. 147.
12
Ibid.
13
Ibid., p. 148.
14
Ibid.
A I G R E JA O RTO D OX A 25

ao grande número de alunos cristãos do Império Persa que foram atraídos por sua
reputação.

Também foi durante o século 5 que a Escola de Edessa tornou-se bem conhecida
por traduzir e disseminar os escritos do teólogo antioquense Teodoro de Mopsuéstia
(cuja cristologia foi tomada emprestada por Nestório), o que contribuiu para que a
escola se tornasse “estreitamente associada à tradição antioquense tanto de cristo-
logia quanto de exegese”.15 Isso aconteceu exatamente durante o período das con-
trovérsias cristológicas, que foram tratadas durante o terceiro e o quarto concílios
ecumênicos. Por fim, a escola foi vista como um centro de propagação do “nesto-
rianismo” (em vez do “teodorismo”), e foi fechada em 489 por ordem do imperador
Zenão. Como resultado, a Escola Persa de Edessa mudou-se para o outro lado da
fronteira, para a cidade de Nísibis, localizada no Império Persa, e se tornou funda-
mental nos séculos posteriores para o fortalecimento da Igreja do Oriente e para o
treinamento de bispos.

Por mais surpreendente que pareça, as escolas de Alexandria, Antioquia, Edessa


e Nísibis, por meio de suas importantes contribuições para o conhecimento, também
provocaram impacto no desenvolvimento da cultura árabe depois do advento do islã
e da conquista da Palestina, Mesopotâmia e Império Persa. “Correndo o risco de
simplificar demais”, segundo Brock:

Pode-se dizer que a Escola de Antioquia representa simbolicamente o casa-


mento do cristianismo primitivo com a herança da cultura grega clássica, en-
quanto as Escolas de Edessa e Nísibis representam o casamento da descendên-
cia daquela primeira união, a saber, a tradição cristã grega, com a tradição
cristã siríaca local. Nesses dois casamentos culturais estão refletidos todos os
elementos essenciais da tradição cristã conforme ela havia se desenvolvido no
Oriente Médio na época das conquistas árabes no século 7.16

Isso, por sua vez, levou a outro “casamento”, o das tradições cristã e árabe, que
moldou profundamente o cristianismo e o islã quando as duas culturas tiveram um
encontro inesperado e repentino no século 7. Se esse encontro “não tivesse aconte-
cido, a história intelectual tanto do Oriente Médio quanto do mundo ocidental teria
sido bastante diferente”, e “o escolasticismo da Europa ocidental medieval teria se
desenvolvido de maneira bem diferente”.17

15
Ibid., p. 152.
16
Ibid., p. 159.
17
Ibid.
A I G R E JA O RTO D OX A 26

3
NASCE UMA IGREJA IMPERIAL E
ECUMÊNICA – SÉCULO 4

A despeito de os cristãos continuarem sendo perseguidos, a Igreja debaixo dos


impérios romano e persa, como já visto, perseverou em meio às dificuldades, e não
deixou de estender suas raízes por todo o mundo conhecido e por todas as esferas
da sociedade.

Em 312 d.C., aconteceu um evento dramático e inesperado, que mudaria com-


pletamente a face do mundo, assim como algumas das características mais ar-
raigadas da Igreja: a conversão do imperador Constantino ao cristianismo. Esse
episódio alterou profundamente, quase que de maneira instantânea, o status quo
de cristãos por todo o Império Romano, e assim teve início uma nova era que criou
as condições para o estágio final de consolidação do cristianismo como religião
mundial.

Por meio do Edito de Milão, em 313, Constantino declarou o cristianismo como


oficialmente tolerado e, em 324, decidiu mudar a capital do império de Roma para
Bizâncio (daí o nome “Império Bizantino”). Quando a Nova Roma, que se chamaria
Constantinopla, foi dedicada em 330, Constantino ordenou que o paganismo e seus
ritos não tivessem mais lugar na cidade.1 De acordo com Ware, Bizâncio ficou co-
nhecida como “a imagem da Jerusalém celestial”, e:

A religião penetrou em todos os aspectos da vida bizantina. Os feriados


bizantinos eram festivais religiosos; as corridas que aconteciam no circo

Ware, The Orthodox Church, p. 18.


1
A I G R E JA O RTO D OX A 27

começavam com o canto de hinos; e os contratos comerciais invocavam a


Trindade e eram marcados com o sinal da Cruz.2

Depois de dar ao cristianismo um novo lugar de honra no império mais podero-


so que o mundo já vira, a próxima decisão crucial de Constantino foi convocar os
bispos de todo o mundo para deliberar sobre controvérsias teológicas que estavam
atacando a fé cristã, o que ocorreu em 325 na cidade de Niceia. Na opinião de Ware,
“os três eventos — o Edito de Milão, a fundação de Constantinopla e o Concílio de
Niceia — marcaram o futuro do cristianismo”.3
iStockphoto/konstantin32

Imperador Constantino: Edito de Milão, fundação de Constantinopla e Concílio de Niceia,


eventos que marcaram o futuro do cristianismo

A Igreja Ortodoxa Grega reconhece um total de sete concílios ecumênicos, e


todos eles ocorreram entre os anos de 325 e 787. Eles marcaram a vida da Igreja no
início do período bizantino, e serviram a dois propósitos principais: definir a estrutu-
ra organizacional da Igreja (com a designação dos cinco Patriarcados), e estabelecer
quais eram os componentes não negociáveis da fé cristã, especialmente as doutrinas
da Trindade e da Encarnação. Na opinião de Schaff,

Os primeiros quatro concílios são, de longe, os mais importantes, uma vez que
eles estabeleceram a fé ortodoxa na Trindade e na Encarnação. O quinto con-
cílio, que condenou os Três Capítulos (Nestorianos), é um mero suplemento

Ibid., p. 35.
2

Ibid., p. 19.
3
A I G R E JA O RTO D OX A 28

do terceiro e do quarto concílios. O sexto condenou o monotelismo. O sétimo


sancionou o uso e a adoração de imagens.4

Apesar de a Igreja Ortodoxa Grega reconhecer que “os concílios tenham sido
frequentados por humanos imperfeitos..., esses humanos foram guiados pelo Es-
pírito Santo”.5 Assim, para essa tradição cristã, as deliberações dos Sete Concílios
Ecumênicos são infalíveis e, juntamente com os escritos dos Pais da Igreja e a Bí-
blia, revelam a verdadeira fé cristã ortodoxa.

Definindo a ortodoxia
Primeiro Concílio Ecumênico – Niceia – 325 d.C.
Como sinal da nova era que havia despontado sobre os cristãos, e apenas alguns
anos depois de a obscura e dolorosa realidade da perseguição do Estado ter cessado,
os trabalhos do Primeiro Concílio Ecumênico tiveram início, presididos pelo pró-
prio imperador, com a presença de bispos de todas as partes do mundo romano. Isso
marcou uma mudança profunda e importante para os cristãos. Alguns dos bispos
que compareceram ao encontro não conseguiram conter a admiração diante daquela
nova realidade, a ponto de afirmarem que o imperador presidiu como “um mensa-
geiro celestial de Deus”.6

Embora a preocupação principal de Constantino fosse “garantir a unidade em


vez de qualquer veredicto teológico predeterminado”,7 o Concílio de Niceia reu-
niu-se com o propósito de tratar da Controvérsia Ariana. Ário, presbítero de Ale-
xandria, defendia a posição de que o Filho era um ser superior, mas, pelo fato de
ter sido criado, ele era inferior ao Pai. Dessa forma, para Ário, apenas Deus Pai
era eterno e, embora o Filho fosse “um ser celestial que existia antes do restante da
criação (...), ele ainda não é igual ao Pai em todos os seus atributos”.8 Em seu de-
sejo de proteger a transcendência e a singularidade de Deus, ele fez Cristo menor
do que Deus. Baseando-se em passagens como 2 Coríntios 8.9 e João 17.22-23,
que falam de humanos sendo unidos a Deus, ou compartilhando a glória de Deus
através de Cristo, os Pais Gregos desenvolveram o conceito da deificação de hu-

4
SCHAFF, P. The Creeds of Christendom, with a History and Critical Notes, vol. 1. New York: Harper
& Brothers, Publishers, 1878, p. 44.
5
Ware, The Orthodox Church, p. 35.
6
Ibid., p. 19.
7
F.L. Cross, “Nicaea, First Council Of”, em The Oxford dictionary of the Christian Church. Oxford:
Oxford University Press, 2005.
8
GRUDEM, W.A. Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine. Grand Rapids, MI: Inter-
-Varsity Press, 2004, p. 243.
A I G R E JA O RTO D OX A 29

manos (theosis).9 É por isso que S. Atanásio falou sobre Deus tornar-se homem
para que o homem pudesse ser feito deus. Depois das deliberações, o concílio
declarou que “somente se Cristo for verdadeiramente Deus (...) pode ele nos unir
a Deus, pois ninguém senão o próprio Deus pode abrir aos humanos o caminho
da união”.10 Portanto, o Credo Niceno, que resultou das deliberações, afirmava
que Jesus é “Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus,
gerado, não feito, de uma só substância com o Pai; pelo qual todas as coisas
foram feitas”.11

Outro resultado importante do Concílio de Niceia foi a definição de que Roma,


Alexandria e Antioquia teriam lugares de honra dentre as metrópoles do Império.
Embora Jerusalém devesse ocupar o lugar de honra seguinte depois dessas três
cidades, ela continuava debaixo da autoridade do metropolitano de Cesareia. Anos
depois de sua fundação, Constantinopla, a “Nova Roma”, foi incluída nessa lista
de honra.

Segundo Concílio Ecumênico – Constantinopla – 381 d.C.


A Controvérsia Ariana não cessou com as resoluções do Concílio de Niceia. Por-
tanto, convocados pelo imperador Teodósio em 381 d.C., os bispos reuniram-se na
“Nova Roma” para desenvolver ainda mais o Credo Niceno, adicionando alguns
esclarecimentos importantes ao texto original, os quais asseveravam a eternidade do
Filho e a divindade do Espírito Santo. Onde o texto original dizia que o Filho era
“gerado do Pai”, o concílio adicionou termos e passou a ser “gerado do Pai antes
de todos os séculos”. Em relação ao Espírito Santo, o texto “e no Espírito Santo”
tornou-se “e no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e
com o Pai e o Filho é adorado e glorificado”.12

Outra decisão de destaque é que, nesse concílio, Constantinopla recebeu o segun-


do lugar de honra entre os patriarcados, depois de Roma e acima de Alexandria, o
que gerou não pouca contenda entre os líderes cristãos de Constantinopla e Alexan-
dria. Um dos resultados desse desacordo foi a deposição e o exílio do tão amado S.
João Crisóstomo, bispo de Constantinopla, no século 4.13

9
Ware, The Orthodox Church, p. 21.
10
Ibid., p. 22.
11
Grudem, Systematic Theology, p. 1170. O texto do Credo Niceno pode ser encontrado em português em
diversos sites, como <http://www.monergismo.com/textos/credos/credoniceno.htm>.
12
Ibid., p. 246.
13
Ware, The Orthodox Church, p. 24.
A I G R E JA O RTO D OX A 30

Vida ascética e monástica


Definitivamente não é por coincidência que os movimentos ascético e monástico
começaram a criar fortes raízes praticamente ao mesmo tempo em que o cristianis-
mo estava tornando-se uma religião protegida pelo Império e aceita pelo status quo
prevalente.

Essa forma de viver a fé cristã surgiu no Egito e na Síria no século 4. Depois de


três séculos de perseguição, o martírio já havia se tornado uma parte importante, até
mesmo essencial, da espiritualidade cristã. Portanto, quando a Igreja estabeleceu-se,
sem perigo iminente, a vida monástica começou a ser entendida como equivalente ao
martírio.14 “Os monges, com sua austeridade, eram os mártires em uma era em que o
martírio de sangue já não mais existia; eles formavam um contrapeso à cristandade
estabelecida”.15

O eremitismo é o estilo de vida que leva o asceta a uma existência de solidão no


deserto, debaixo de condições físicas bastante duras, com o objetivo de orar, meditar
e contemplar Deus. O monasticismo, por sua vez, foi um desenvolvimento diferente
do ascetismo, caracterizado por uma vida em comunidade que às vezes envolvia tra-
balho apostólico e onde, além das atividades espirituais, algumas “tarefas serviçais”
eram assumidas com o objetivo de prover as necessidades físicas básicas. Em ambos
os casos, os envolvidos tinham um estilo de vida celibatário.16

Contudo, ao contrário da ideia que tendemos a ter, os ascetas também atraíam


multidões de pessoas que, às vezes, viajavam grandes distâncias para testemunhar
aqueles homens de Deus pregando a Palavra e realizando exorcismos e milagres.
Eles também mediavam negociações de acordos entre partes conflitantes, de cance-
lamento de dívidas etc.17

Basílio o Grande, um importante defensor da vida monástica, “enfatizava que


os lugares religiosos deveriam cuidar dos doentes e dos pobres, mantendo hospi-
tais e orfanatos e trabalhando diretamente em benefício da sociedade como um
todo”.18

14
Ibid., p. 14.
15
Ibid., p. 36.
16
Shafiq Abou Zayd, “Ascetic Movement in the East – Origin, Development and Dissemination”, em
Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib Badr. Beirut: Middle East Council of Chur-
ches, 2005, p. 385.
17
Peter Brown, “The Rise and Function of the Holy Man in Late Antiquity”, The Journal of Roman
Studies 61 (1971), p. 90.
18
Ware, The Orthodox Church, p. 37.
A I G R E JA O RTO D OX A 31

Até os dias atuais, o ascetismo forma uma parte integral e essencial do cristia-
nismo ortodoxo e ainda é considerado a melhor maneira de entender e entrar na
espiritualidade ortodoxa.

Se há alguma razão pela qual a Ortodoxia Oriental encontrou essa maneira de


confessar a fé, seria por causa da forma como ela passou pela perseguição e pelo
martírio. Em todos os séculos existiram cristãos da comunhão ortodoxa que enfren-
taram perseguição.19
iStockphoto/Mario Eduardo KOUFIOS FRAIZ

Monastério cristão ortodoxo próximo a Jericó, na Palestina: monges eram os novos mártires

19
LOUTH, Andrew. Introducing Eastern Orthodox Theology. London: SPCK Publishing, 2013, pos.
221.
A I G R E JA O RTO D OX A 32

4
O “NASCIMENTO” DAS IGREJAS
O R T O D O X A S O R I E N TA I S : O S C I S M A S D O
SÉCULO 5

A despeito do título desta seção, as igrejas conhecidas como Igrejas Ortodoxas


Orientais já existiam muito antes do século 5 e, ao contrário da crença popular, ela
não “nasceu” nesse período da história. Contudo, foi durante a primeira metade do
século 5 que ocorreram dois cismas importantes na Igreja. Trata-se de um conjunto
de eventos que em não mais de duas décadas mudou profundamente a face da Igreja
universal, com consequências que, à época, não poderiam ter sido previstas, e que
são profundamente sentidas até hoje.

Terceiro Concílio Ecumênico – Éfeso – 431 d.C.


a) O problema
Depois do Concílio de Constantinopla, o arianismo, em grande parte, havia dei-
xado de ser um problema doutrinário. A doutrina da Trindade passara a ser ampla-
mente aceita dentro do Império Romano, e a plena divindade de Jesus, assim como
sua plena humanidade, tornaram-se a crença ortodoxa normativa. Todavia, no século
5 surgiu uma nova disputa teológica, e os opiniosos patriarcas das duas grandes
sés personificaram as diferenças: Cirilo, bispo de Alexandria, e Nestório, bispo de
Constantinopla. Ambos defendiam impetuosamente as duas posições teológicas su-
postamente antagônicas que foram discutidas no concílio.
A I G R E JA O RTO D OX A 33

Nestório e Cirilo, que representavam duas escolas teológicas diferentes (Antio-


quia e Alexandria, respectivamente), concordavam sobre a divindade e a humani-
dade plenas de Jesus. Suas diferenças concentravam-se na maneira como eles ex-
plicavam sua humanidade, e como sua humanidade e sua divindade coexistiam na
mesma pessoa.

Nestório (que, como presbítero em Antioquia, havia absorvido os ensinamentos


de Teodoro de Mopsuéstia, “o verdadeiro fundador do nestorianismo”1) tinha “a ten-
dência – talvez apenas a tendência –” de representar, por meio de seus ensinamentos,
“Cristo como duas pessoas, unidas por um vínculo não essencialmente diferente
daquele que une Deus a qualquer outro órgão preeminente de sua vontade...”,2 en-
quanto Cirilo enfatizava “a unidade da pessoa de Cristo em vez da diversidade de
sua humanidade e divindade”.3

Para piorar as coisas, Nestório recusava-se a aceitar o título Theotokos (Mãe de


Deus) dado a Maria porque, de acordo com sua visão, isso levaria a uma confusão
sobre a humanidade de Jesus. O máximo que ele aceitava era chamar Maria de “Mãe
de Cristo”, considerando que sua maternidade está relacionada à natureza humana
de Jesus, não à sua natureza divina.

b) A conclusão
Alinhando-se com Cirilo, o concílio declarou que a posição de Nestório era he-
rética, e afirmou que Jesus não era duas pessoas subsistindo em um corpo, mas uma
pessoa, “uma única e indivisível pessoa, que é Deus e homem ao mesmo tempo”.4
E, considerando-se que Maria deu à luz Deus feito carne (João 1.14), ela deveria ser
corretamente chamada de Theotokos, a Mãe de Deus.

c) O resultado: a igreja “nestoriana”


Conforme já visto anteriormente, a Igreja que se desenvolveu entre os sírios do
oriente e a população que vivia dentro dos domínios do Império Persa já existia
bem antes de Nestório. Durante o século 4, textos da Igreja do Oriente escritos em
siríaco começaram a se tornar amplamente disponíveis e, por volta do ano 350, há
registros mostrando martírio e grande perseguição contra a Igreja por parte dos
reis persas. Foi também por volta dessa época que os textos teológicos tornaram-se
disponíveis, mostrando, entre outras coisas, a pouca interação que existia entre

1
W. B. Pope, “The Person of Christ”, em A Compendium of Christian Theology. London: Beveridge and
Co., 1879, p. 136.
2
Ibid.
3
Ware, The Orthodox Church, p. 24.
4
Ibid., p. 25.
A I G R E JA O RTO D OX A 34

cristãos de ambos os lados da fronteira. A parede invisível de separação era tão


forte que somente no ano 410 a Igreja do Oriente aceitou formalmente as decisões
do Concílio de Niceia.5

Essa igreja foi fortemente influenciada pela Escola Teológica de Edessa, que, por
sua vez, foi influenciada pela cristologia da Escola de Antioquia, cujo principal pro-
ponente da posição cristológica defendida por Nestório era Teodoro de Mopsuéstia.
Portanto, além do fato de essa igreja existir desde muito antes de a disputa nestoriana
irromper, eles já defendiam uma posição cristológica com base nos escritos de Teo-
doro, que haviam sido traduzidos para o siríaco e disseminados através da Escola de
Edessa antes do surgimento das disputas do Terceiro Concílio Ecumênico. A Igreja
do Oriente não aceitou as conclusões do concílio não porque fosse defensora de
Nestório, mas porque a influência teológica (e, consequentemente, cristológica) dela
veio da escola de Antioquia via Escola de Edessa.

Além disso, houve uma divisão política. Aquela que hoje é conhecida como Igre-
ja Ortodoxa Grega existia, ao tempo do Concílio de Éfeso, dentro das fronteiras do
Império Romano Bizantino, e usava o grego como seu idioma principal, enquanto
a Igreja do Oriente, mais tarde chamada Nestoriana, falava siríaco e existia princi-
palmente dentro das fronteiras do Império Persa. Poderes políticos diferentes, am-
bientes culturais diferentes e idiomas diferentes: a fórmula perfeita para grandes
dissensões!

Essas são algumas das razões que levaram Mar Dinka, em seu pronunciamento
durante sua consagração como Patriarca da Igreja do Oriente em 1976, a “mostrar
a todos que o rótulo ‘nestoriana’ aplicado à sua igreja era injustificado e, dessa for-
ma, altamente equivocado. Ele disse: ‘Nestório não tem nada a ver conosco; ele era
grego’”.6

Quanto aos orientais (i.e., a Igreja do Oriente), uma vez que nunca mudaram
sua fé, mas a guardaram da maneira como a haviam recebido dos apóstolos,
eles eram chamados “nestorianos” de forma bastante injusta, pois Nestório
não era seu patriarca, nem conhecia seu idioma (Abdiso, Metropolitano de
Nísibis).7

Brock diz que as raízes para essa caracterização residem em uma tradição histo-
riográfica hostil que dominou praticamente todos os livros de referência da história

5
Brock, “The ‘Nestorian’ Church”, p. 32-33.
6
Ibid.
7
Citado em ibid., p. 35.
A I G R E JA O RTO D OX A 35

da igreja, da antiguidade até os dias atuais, sendo que o termo “igreja nestoriana”
tornou-se a designação padrão para a igreja oriental antiga, que no passado chamava
a si mesma de “Igreja do Oriente”, mas que hoje prefere o título mais completo de
“Igreja Assíria do Oriente”.8

Quarto Concílio Ecumênico – Calcedônia – 451 d.C.


Realizado em 451 d.C. e convocado pelo imperador Marciano, ele reuniu os
bispos para que deliberassem, mais uma vez, sobre assuntos relacionados a contro-
vérsias cristológicas. Diferente do que ocorreu em 431 no Terceiro Concílio Ecumê-
nico, desta vez os ventos estavam a favor da posição antioquense.

a) O problema
Dióscoro, bispo de Alexandria e sucessor de Cirilo, era partidário das ideias de
Eutiques e defensor do monofisismo, i.e., que em Cristo existe apenas uma natureza
(physis). Jesus era de fato de duas naturezas, “mas depois de sua Encarnação, existe
apenas ‘uma natureza encarnada da Palavra de Deus’”.9 Era como se “sua natureza
humana tivesse sido perdida na união com a natureza divina”.10

b) A conclusão
O concílio rejeitou a posição de Dióscoro, e fez uma declaração que, ao mesmo
tempo, opunha-se claramente a várias posições teológicas relacionadas à Pessoa de
Cristo e que eram consideradas não ortodoxas pelos Pais. Essa declaração tornou-se
o posicionamento padrão para a Igreja Ortodoxa Grega, assim como para os católi-
cos e (no que tange à pessoa de Cristo) para os protestantes. Devido à sua importân-
cia, vale a pena citá-la por completo:

Fiéis aos santos Pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se
deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito
quanto à divindade, e perfeito quanto à humanidade; verdadeiramente Deus
e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo, consubs-
tancial com o Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a
humanidade; em tudo semelhante a nós, excetuando o pecado; gerado se-
gundo a divindade pelo Pai antes de todos os séculos, e nestes últimos dias,
segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, nascido da Virgem

8
Ibid., p. 23.
9
Ware, The Orthodox Church, p. 25.
10
Grudem, Systematic Theology, p. 556.
A I G R E JA O RTO D OX A 36

Maria, mãe de Deus; um e só mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que


se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis,
inseparáveis; a distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união,
antes é preservada a propriedade de cada natureza, concorrendo para for-
mar uma só pessoa e em uma subsistência; não separado nem dividido em
duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho, o Unigênito, Verbo de Deus,
o Senhor Jesus Cristo, conforme os profetas desde o princípio acerca dele
testemunharam, e o mesmo Senhor Jesus nos ensinou, e o Credo dos santos
Pais nos transmitiu.11

Dessa forma, em adição àquilo que já havia sido declarado pelo Concílio de
Éfeso contra o “nestorianismo”, mais uma vez essa posição cristológica é rejeitada,
desta feita por meio da declaração de que as naturezas de Jesus são “sem divisão,
sem separação (...), reunidas em uma só pessoa e uma só hipóstase não separada ou
dividida em duas pessoas”. Para opor os ensinamentos de Dióscoro (monofisismo),
temos a afirmação de que Jesus deve ser reconhecido “em duas naturezas, sem con-
fusão, sem mudanças... A diferença das naturezas não é de modo algum suprimida
pela sua união, mas antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas”.12

Foi nesse concílio que Jerusalém passou a ser plenamente reconhecida como
o quinto Patriarcado. Dessa maneira, uma pentarquia foi formada. Essas cinco sés
mantêm até hoje lugares de honra dentro da Igreja Ortodoxa Grega, e os cinco pa-
triarcados dividiram entre si o mundo inteiro em esferas de jurisdição.13

c) O resultado: as igrejas não-calcedonenses


Mais uma vez, as decisões de um Concílio Ecumênico não foram universalmen-
te aceitas, e o cristianismo sofreu um segundo grande cisma em duas décadas. Os
siríacos ocidentais e os coptas (assim como as outras igrejas mencionadas a seguir)
não aceitaram o compromisso que fora alcançado e, desse ponto em diante, ficaram
conhecidas como igrejas não-calcedonenses ou monofisitas. Devido à sua recusa em
aquiescer aos decretos do concílio,

os calcedonenses (Ortodoxos Gregos) realizaram perseguições opressivas


contra os sírios ortodoxos por um longo período de tempo... até pouco antes
da metade do século 7... Durante esse período, milhares de crentes ortodoxos
e um grande número de bispos e outros membros do clero caíram vítimas

11
Ibid., p. 996.
12
Ibid.
13
Ware, The Orthodox Church, p. 26.
A I G R E JA O RTO D OX A 37

dessas perseguições e foram mortos, exilados, lançados em prisões, assassi-


nados ou martirizados.14

d) As diferentes tradições ortodoxas


Com essas divisões, após os concílios de Éfeso e Calcedônia, três tradições orto-
doxas passaram a coexistir:

(1) a Igreja do Oriente, erroneamente chamada de nestoriana, que se loca-


lizava principalmente no leste da Síria, Mesopotâmia (Iraque) e Império
Persa;
(2) os Ortodoxos Gregos, constituídos principalmente por aqueles que acei-
taram as decisões de Calcedônia e mantiveram sua fidelidade ao Império
Bizantino e à sé de Constantinopla;
(3) os não-calcedonenses, representados principalmente pelos siríacos oci-
dentais (também conhecidos como jacobitas) e os coptas no Egito.

DIVISÕES DA IGREJA DEPOIS DOS CONCÍLIOS ECUMÊNICOS DE


ÉFESO E CALCEDÔNIA15
Figura 1 – “Nestorianos” e não-calcedonenses

Igrejas do Oriente Principalmente no


(550 k) – Separadas Irã e no Iraque.
do corpo principal da Outros nomes:
Igreja após o Terceiro assírios, nestorianos,
Concílio Ecumênico caldeus e Igreja
(Éfeso, 431 d.C.) Siríaca do Oriente
Igrejas Ortodoxas
Orientais
Igrejas não- Igreja Síria de
calcedonenses (27 Antioquia (Igreja
milhões) – Separadas Jacobita)
do corpo principal da Igreja Síria na Índia
Igreja após o Quarto
Igreja Copta no Egito
Concílio Ecumênico
Igreja Armênia
(Calcedônia, 451 d.C.)
– Monofisitas Igreja Etíope

14
Sawirus Ishaq Saka, “The West Syriacs”, em Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib
Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 239.
15
Os gráficos baseiam-se nas informações oferecidas por Ware (p. 4ss) e Brock (1996, p. 23ss). Os al-
garismos entre colchetes representam o número aproximado atual de “membros” de cada tradição (em
milhares, representados pela letra “k”; e em milhões, representados pela abreviação “mil.”).
A I G R E JA O RTO D OX A 38

Figura 2 – Igrejas calcedonenses

1. Constantinopla
(6 mil.)
Quatro patriarcados
2. Alexandria (350 k)
antigos
3. Antioquia (750 k)
4. Jerusalém (60 k)

1. Rússia (100-150 mil.)


2. Sérvia (8 mil.)
3. Romênia (23 mil.)
Igreja 4. Bulgária (8 mil.)
Ortodoxa Grega Nove igrejas
5. Geórgia (5 mil.)
(Igrejas autocéfalas
6. Chipre (450 k)
Calcedonenses)
7. Grécia (9 mil.)
8. Polônia (750 k)
9. Albânia (160 k)

1. República Checa e
Eslováquia (55 k)
Igrejas 2. Sinai (900)
autônomas 3. Finlândia (56 k)
4. Japão (25 k)
5. China (10-20 k)

Como era de se esperar, essas divisões provocaram ainda mais manobras, cons-
pirações e perseguições, com cada tradição afirmando ser, por direito, herdeira da
verdadeira herança apostólica e guardiã da verdadeira ortodoxia.

Os três últimos concílios ecumênicos


O Quinto Concílio Ecumênico (Constantinopla, 553), que aconteceu um sécu-
lo depois do Concílio da Calcedônia,

reinterpretou os decretos de Calcedônia a partir de um ponto de vista ale-


xandrino, e procurou explicar, em termos mais construtivos do que os usados
em Calcedônia, como as duas naturezas de Cristo uniam-se para formar uma
única pessoa.16

16
Ware, The Orthodox Church, p. 29.
A I G R E JA O RTO D OX A 39

O Sexto Concílio Ecumênico (680-681) tratou da heresia chamada monotelis-


mo, que argumentava que, apesar do fato de Cristo ter duas naturezas, ele é uma pes-
soa e, consequentemente, deve ter apenas uma vontade, a divina. O concílio rejeitou
tais declarações, uma vez que, de novo, foi sentido que tal linha de pensamento dimi-
nuía a plena humanidade de Jesus, uma doutrina que fora ardorosamente preservada
nos concílios anteriores.

O Sétimo e último Concílio Ecumênico (Niceia, 787) tratou do que é uma ques-
tão muito importante dentro da tradição ortodoxa: os Santos Ícones. Uma ferrenha
posição iconoclasta da parte dos imperadores e de alguns líderes cristãos marcou
os anos que antecederam esse concílio. Eles exigiam a destruição de qualquer arte
religiosa que se destinasse a retratar humanos ou Deus. Na compreensão deles, isso
levava à idolatria.

Contudo, o concílio reafirmou a posição da iconodulia, proclamando que os íco-


nes “devem ser mantidos nas igrejas e honrados com a mesma veneração relativa
que é mostrada a outros símbolos materiais, como a ‘preciosa e vivificadora Cruz’ e
o Livro dos Evangelhos”.17

17
Ibid., p. 31.
A I G R E JA O RTO D OX A 40

5
O ADVENTO DO ISLÃ
– SÉCULOS 7 E 8

Entre o quinto e o sexto concílios ecumênicos, aconteceu um novo desenvolvi-


mento sociopolítico que abalou o mundo: o advento do islã. Quinze anos depois da
morte de Maomé em 632, os exércitos árabes conquistaram a Síria, a Palestina e o
Egito. Algumas décadas depois, eles chegaram às portas de Constantinopla, mas não
conseguiram conquistar a cidade. No ano 711, iniciaram a conquista da Espanha,
com a intenção de conquistar outros países europeus.

À época em que os exércitos árabes começaram a conquistar a Síria e a Palestina,


os dois grandes poderes mundiais daqueles dias (os impérios Bizantino e Persa)
estavam em estado de grande desespero pois, além da falta de recursos monetários,
lutaram um contra o outro até a quase total exaustão. Portanto, quando os árabes
chegaram à Síria e à Palestina, inspirados pela recém-revelada “Palavra de Deus”
proclamada por Maomé e entusiasmados por um novo senso de pertencimento da
nação árabe, o cenário estava preparado para a chegada e o desenvolvimento daquilo
que se tornaria um novo poder mundial.

O cristianismo árabe antes do surgimento do islã


No século 7, os muçulmanos árabes deixaram a Península Arábica e deram início
à conquista do Oriente Médio e do norte da África. Contudo, a maioria dos evangé-
A I G R E JA O RTO D OX A 41

licos brasileiros pressupõe que o cristianismo teve pouco, ou quase nenhum, contato
com as tribos árabes antes do surgimento do islã e, de acordo com essa linha de
pensamento, essa é uma das razões pelas quais os árabes tão prontamente aceitaram
o islã. Uma segunda pressuposição comum é a de que, antes do surgimento do islã,
os árabes estavam limitados apenas à Península Arábica. Contudo, ambas as pres-
suposições são incorretas. “Os três séculos que se passaram antes do surgimento do
islã no século 7”, diz Shahid, “foram o período de ouro do cristianismo árabe”1 e,
como veremos mais adiante, os cristãos árabes habitavam tanto a Península Arábica
quanto a Síria e a Mesopotâmia.

Para entender plenamente a influência dos cristãos árabes no Oriente Médio an-
tes da chegada do islã, é importante mencionar que as tribos árabes viviam em am-
bos os lados das fronteiras de dois grandes impérios da época: o Império Romano
cristão (bizantino) e o Império Persa zoroastrista (sassânida).

Já no ano 200 d.C., existem relatos da conversão do líder árabe Abgar, rei de
Edessa, na província romana da Síria. Isso lhe deu a honra de ser o primeiro gover-
nante da história a se converter ao cristianismo, o que, por sua vez, deu a Edessa o
título de primeiro estado cristão da história.2 Por fim, Edessa tornou-se conhecida,
por séculos, como um dos maiores centros do cristianismo siríaco, rivalizando em
importância com Antioquia.

Grupos árabes que começaram a se mover da Península Arábica para o território


bizantino estabeleceram-se na Síria e fizeram tratados com Bizâncio. Por fim, tor-
naram-se cristãos, mas mantiveram sua identidade árabe. Entre os aliados árabes de
Bizâncio, três grupos destacaram-se antes do surgimento do islã:

• Os tanuquidas, que tinham sua base na parte norte da Síria. No século


4, eles possuíam uma rainha árabe cristã chamada Mavia, que era de
convicção calcedonense. Ela exigiu que houvesse um bispo árabe para
seu povo. Seu desejo foi concedido, e um eremita chamado Moisés tor-
nou-se bispo. O bispo Moisés é reconhecido como um santo da Igreja
Universal.3

• Os saliidas sucederam os tanuquidas na posição de principal grupo árabe


no norte da Síria e também eram de tradição calcedonense. Seu rei mais

1
Irfan Shahid, “Arab Christianity before the Rise of Islam”, em Christianity: A History in the Middle
East, org. por Habib Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 435.
2
Ibid.
3
Ibid., p. 437.
A I G R E JA O RTO D OX A 42

importante, Dawuud, “tornou-se monge e construiu um mosteiro famoso


ue sobreviveu durante o período islâmico”.4

• Os gassânidas, no século 6, tornaram-se o grupo árabe cristão mais im-


portante, ofuscando todos os outros. Jabiya era sua capital e, diferente-
mente dos outros dois grupos mencionados, eram monofisitas. Jacó Bara-
deu era o bispo dos gassânidas, tendo a Igreja Monofisita da Síria o nome
de “jacobita” em função dele.5 Todavia, no século 6, eles apoiaram o
Império Bizantino Calcedonense contra os persas. Devido ao seu apoio,
em 529 d.C o imperador Justiniano concedeu o título de patricius a seu
rei, al-Harith ibn Jabalah, que reinou de 529 a 569 d.C.6

Além da Síria, o cristianismo também alcançou os árabes da Península Arábica


antes do surgimento do islã. Os Nestorianos da Mesopotâmia tiveram um papel im-
portante na disseminação do evangelho nas partes orientais da Arábia.

Do outro lado da península, a Arábia Ocidental tinha importantes centros ur-


banos: Medina (Yathrib), Meca e Najran, sendo que todos eles faziam parte da
rota das especiarias. Árabes e judeus já habitavam Medina quando a tribo árabe
Azd chegou à cidade e “é praticamente certo que as tribos árabes Azd de al-Aws
e Al-Khazraj devessem aos gassânidas qualquer tipo de cristianismo que tenha
chegado até eles”.7

Meca, que era um importante centro de peregrinação para as tribos árabes politeís-
tas da região ao redor, também tinha presença de cristãos, embora possivelmente não
em grande número. Alguns dos aspectos que atestam a presença deles na cidade são,
por exemplo, a existência, naquele tempo, de um cemitério cristão, do Santuário de
Maria e até mesmo imagens de Jesus e Maria dentro da Caaba, sem mencionar o fato
de que, na rota de peregrinação pré-islâmica, havia a estação do cristão.8 Ainda que
esses sejam elementos importantes quando se tenta descobrir a presença de cristãos em
Meca antes do advento do islã, pelo menos uma pessoa importante deve ser menciona-
da: Waraqa ibn Nawfal, primo de Khedija, a primeira esposa de Maomé. Diz-se que ele
foi um cristão que até mesmo incentivou Maomé a continuar buscando as revelações
que ele estava recebendo, pois, na opinião dele, elas vinham de Deus.

4
Ibid.
5
Ibid.
6
Encyclopedia Britannica Online, s. v. “Ghassan”, acessado em 15 de outubro de 2014, <http://www.
britannica.com/EBchecked/topic/232483/Ghassan>.
7
Shahid, “Arab Christianity before the Rise of Islam”, p. 445.
8
Ibid.
A I G R E JA O RTO D OX A 43

Najran, na parte sudoeste da Península Arábica (bem próximo do que hoje é


a fronteira com o Iêmen), era o mais importante centro de cristianismo na Arábia
antes do surgimento do islã. Diferentemente de Medina, que tinha uma mistura
de árabes e judeus, Najran era uma cidade puramente árabe. Foi no século 5 que
uma versão monofisita de cristianismo destacou-se na região, até mesmo rece-
bendo seu próprio bispo por volta do ano 500. Perto do ano 520, os cristãos de
Najran foram perseguidos,9 e cerca de 300 deles, mortos. O Império Bizantino
e a Etiópia retaliaram a matança, o que deu força à consolidação do cristianismo
na região sul da Arábia. Os que morreram foram considerados mártires e foram
canonizados pela Igreja.

Um evento importante, relacionado aos cristãos de Najran, é mencionado no


Hadith de Bukhari:

O Hadith descreve a interação entre Maomé e a delegação cristã que foi a


Najran. Um número muito maior de detalhes sobre esse encontro é fornecido
na biografia anterior, a Sirat Rasūl Allah, que foi compilada por Ibn Ishaq e
editada por Ibn Hisham. A partir desse texto, aprendemos que sessenta ca-
valeiros vieram, que a conversa durou vários dias, e que aconteceram sérias
discussões teológicas. Cada lado procurou apresentar seu próprio ponto de
vista, e ouvir as réplicas do outro.10

Finalmente, na Arábia do Sul (Iêmen), havia os himiaritas, que receberam seu


cristianismo de cristãos vindos da Etiópia, do Império Bizantino e da Mesopotâ-
mia.11 Em 570, um exército dessa região marchou numa tentativa fracassada contra
Meca, o que foi “uma expressão de rivalidade entre os dois centros religiosos na
Arábia Ocidental — Meca com sua Caaba pré-islâmica e uma religião sincretista, e
as cidades cristãs no sul da Arábia, em Najran e em San’a”.12

Um último exemplo deve ser mencionado em relação ao cristianismo árabe antes


do advento do islã: a tribo cristã árabe dos lacmidas, da antiga cidade mesopotâmica
de al-Hirah, hoje no sul do Iraque. Os lacmidas eram conhecidos por sua poesia,
assim como por sua intensa atividade intelectual em outras áreas. O pico de sua

9
De acordo com Yusuf Ali, eles foram perseguidos por Zu-Nuwas, um judeu por religião, que era o rei
do Iêmen. (Ali, Abdullah Yusuf. The Holy Qur’an – Translation and Commentary. Durban: Islamic
Propagation Centre International, 1946, p. 1714.).
10
Bernie Power, “Engaging Islamic Traditions - Using the Hadith in Christian Ministry to Muslims”,
(2013), p. 129. Manuscrito não publicado. Power menciona que essa história pode ser encontrada em
Bukhari 5:663, 664 e 9:360.
11
Shahid, “Arab Christianity before the Rise of Islam”, p. 447.
12
Ibid.
A I G R E JA O RTO D OX A 44

influência aconteceu no século 6. Acredita-se que a escrita árabe desenvolveu-se


em al-Hirah.13 “Como sede de um bispado de cristãos nestorianos, al-Hirah exerceu
forte influência sobre a vida religiosa do oriente, ajudando o monoteísmo cristão a
penetrar na Península Arábica”.14 Um de seus reis, Numan III (morto em 602), era
um cristão nestoriano. Eles apoiaram o Império Persa contra Bizâncio.

Dessa forma, a partir desses poucos exemplos, fica claro que o cristianismo já
havia alcançado muitas tribos e cidades árabes antes do surgimento do islã, princi-
palmente entre os séculos 4 e 6, e que eles não estavam confinados aos limites da
Península Arábica.

A convivência entre muçulmanos e cristãos


O que normalmente o ocidente acredita em relação à conquista árabe-muçulma-
na da Síria, Mesopotâmia e norte da África é que os árabes vieram com sua espada
e ameaçaram matar todos os cristãos que encontrassem pelo caminho se eles não se
convertessem ao islã. Contudo, não é isso que se vê ao analisar mais atentamente o
que a história diz.

Como já mencionado anteriormente, à época do surgimento do islã, os impé-


rios bizantino e persa já haviam enfrentado séculos de guerras constantes entre si,
levando-os à exaustão econômica e militar. Outro fator importante foram os cismas
sofridos pela Igreja, culminando em três ramos diferentes do cristianismo ortodoxo.

Como resultado dessa divisão, o Império Bizantino, que era pró-calcedonense,


perseguiu ferozmente os cristãos de outras convicções que habitavam a Síria e o
Egito por conta de diferenças doutrinárias, e até mesmo os cristãos calcedonenses
da região sofreram por causa dos altos impostos colocados sobre calcedonense e
não-calcedonenses.

Durante os séculos anteriores à chegada do islã, a Síria — que estava debaixo


do controle do Império Bizantino — recebeu um afluxo de várias tribos árabes, e
o árabe começou lentamente a surgir como um idioma comum entre os árabes da
região.15 Consequentemente, quando o exército árabe, motivado pelos ensinamentos

13
Encyclopædia Britannica Online, s. v. “Lakhmid Dynasty”, acessado em 14 de outubro de 2014,
<http://www.britannica.com/EBchecked/topic/328265/Lakhmid-Dynasty>.
14
Encyclopædia Britannica Online, s. v. “al-Hirah”, acessado em 27 de setembro de 2014, <http://www.
britannica.com/EBchecked/topic/266750/al-Hira>.
15
Patriarca Ignatius IV Hazim, “Christianity in the Umayyad Era (661-750)”, em Christianity – a History
in the Middle East, org. por Habib Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 473.
A I G R E JA O RTO D OX A 45

de Maomé, chegou à região, a população local já estava, havia vários anos, intera-
gindo com os árabes e seu idioma.

Assim, temos aqui a “tempestade perfeita”, uma combinação explosiva de fato-


res sociais, econômicos e religiosos que deixou a situação pronta para uma mudança
significativa.

Depois de vencer seus novos súditos na (ex) província romana da Síria, os mu-
çulmanos árabes fizeram o que não é do conhecimento da maioria dos evangélicos
brasileiros: na maior parte, trataram seus novos súditos com temperança, oferecen-
do alianças de proteção razoáveis à população amplamente cristã da Síria e, con-
tanto que os cristãos pagassem impostos pessoais (al-jizya), poderiam manter suas
propriedades, sua religião e seus templos.16Ao perceber que os muçulmanos árabes
respeitavam suas alianças, os cristãos tornaram-se oponentes do Império Bizantino.

Os siríacos deram boas-vindas à chegada dos muçulmanos árabes e os receberam


como libertadores do país, dando ao califa ‘Umar Ibn al-Khattab o nome de Forugq,
um epíteto siríaco que significa resgatador e salvador, porque ele os salvou do gover-
no dos persas e dos gregos bizantinos.17

Os governantes árabes permitiram aos cristãos manterem posições importantes


dentro da administração,18 e a Síria “manteve seu caráter cristão até o final da era
omíada”,19 que terminou por volta do ano 750 d.C.

Essa nova realidade, longe de enfraquecer a Igreja, deu início a uma era de paz e
fortalecimento da Igreja Siríaca, levando-a a uma melhor organização e à renovação
intelectual. Para Saka, isso se deveu ao fato de que “os muçulmanos árabes os cerca-
ram de segurança e protegeram os direitos deles com alianças e pactos”.20

A igreja floresceu, as dioceses ficaram maiores, e os bispados pertencentes ao


patriarcado sírio-antioquense cresceram, incluindo as sedes do Vicariato Patriarcal
do Oriente, que incluía mais de 160 sedes. O patriarca Dionísio de Tell-Mahre con-
sagrou 99 bispos, os mosteiros eram prósperos e se contavam às centenas, cheios
de milhares de monges. Grandes igrejas foram construídas em todas as partes do
império.21

16
Ibid., p. 475.
17
Saka, “The West Syriacs”, p. 242.
18
Hazim, “Christianity in the Umayyad Era (661-750)”, p. 482.
19
Ibid., p. 486.
20
Saka, “The West Syriacs”, p. 242.
21
Ibid.
A I G R E JA O RTO D OX A 46

Um líder da igreja na época da conquista islâmica da Síria e da Mesopotâmia, ao


comparar os novos senhores com os do Império Bizantino, disse que os muçulmanos
não se opuseram ao cristianismo, mas “elogiaram nossa fé, honraram os sacerdotes
e santos de nosso Senhor, e deram ajuda às igrejas e mosteiros”.22

Tudo isso não significa que não houve problemas entre cristãos e muçulmanos à
época da conquista. Contudo, qualquer crítica que for feita terá de levar em conta o
fato de que, pelo menos no primeiro século do surgimento do islã, as relações entre
cristãos e muçulmanos não eram tão conturbadas quanto os ocidentais podem querer
acreditar com base na tensão entre muçulmanos e cristãos em tantas partes do mundo
de hoje. O fato é que, se os primeiros muçulmanos, que estiveram muitos deles em
contato pessoal com Maomé, sentiram que era possível ter uma coexistência relati-
vamente pacífica com cristãos, isso poderia nos dar base para ter esperança, assim
como para agir, na direção de um modelo de relacionamento diferente do que vemos
hoje em dia. O fato é que, durante as primeiras interações entre apologistas muçul-
manos e cristãos, alguns cristãos estavam até mesmo prontos a aceitar que cristãos e
muçulmanos não estavam tão distanciados em sua fé já que os muçulmanos acredi-
tam que Jesus é o Messias, o filho de Maria, a Palavra de Deus e o Espírito de Deus.23
iStockphoto/HildaWeges

Mulher muçulmana e religiosa cristã em monastério em Java, na Indonésia: primeiros muçulmanos


mostraram que coexistência era possível

22
Griffith, Sidney H. The Church in the Shadow of the Mosque – Christians and Muslims in the World
of Islam. Princeton: Princeton University Press, p. 27.
23
Ibid., p. 31.
A I G R E JA O RTO D OX A 47

A contribuição dos cristãos ortodoxos para a ‘renascença’ islâmica


Os árabes muçulmanos têm muito orgulho da contribuição que deram à dis-
seminação do conhecimento por toda a Ásia, Oriente Médio, norte da África e
Europa durante os “anos de ouro” da civilização islâmica, e é justo que assim
se sintam.

À medida que o Império Árabe espalhou-se para as diferentes regiões do mun-


do conhecido, muita atividade intelectual e pesquisa científica aconteceram. Na Es-
panha árabe-muçulmana, por exemplo, quando o restante da Europa passava pela
assim chamada “era das trevas”, cidades como Sevilha, Córdoba e Granada, sob a
proteção dos califas árabes, tornaram-se importantes centros de progresso cultural
e científico. Áreas de conhecimento como filosofia, medicina, matemática e astro-
nomia desenvolveram-se a ponto de se tornarem a principal fonte de conhecimento
para os europeus por séculos.24

Não é sem razão que o presidente norte-americano Barack Obama, ao visitar o


Cairo anos atrás, disse que os árabes carregaram a tocha do conhecimento, pavimen-
tando o caminho para o Renascimento e o Iluminismo europeus “por sua capacidade
de inovar nos campos da álgebra, nos instrumentos de navegação, na tipografia, na
medicina, na arquitetura...”.25

Contudo, existe um detalhe importante que normalmente não é mencionado: o


Renascimento árabe-islâmico, que contribuiu indiretamente para o Renascimento
europeu, teve o importante envolvimento de acadêmicos cristãos ortodoxos do Egi-
to, da Síria e da Mesopotâmia. Segundo Jenkins:

Nos primeiros séculos, esse desenvolvimento cultural era normalmente cris-


tão e judaico, em vez de muçulmano. Foram os cristãos — nestorianos, jaco-
bitas, ortodoxos e outros — que preservaram e traduziram a herança cultural
do mundo antigo... Grande parte daquilo que chamamos de academicismo
árabe foi, na verdade, siríaco, persa e copta, e não necessariamente muçul-
mano... Acadêmicos cristãos de fala siríaca trouxeram as obras de Aristóte-
les ao mundo muçulmano...26

24
Hamada, Louis Bahjat. Understanding the Arab World. Nashville, Tennessee: Thomas Nelson, 1990,
p. 118.
25
Demetrio Magnoli, “Barack Contra a Jihad”, O Estado de São Paulo, 11 de julho de 2009.
26
Jenkins, Philip. The Lost History of Christianity: The Thousand-Year Golden Age of the Church in the
Middle East, Africa and Asia – and How It Died, 1a. ed. New York; Oxford: Lion, 2008, p. 18.
A I G R E JA O RTO D OX A 48

Assim como aconteceu na Síria, depois de os árabes terem conquistado a Pérsia


em 637, os líderes muçulmanos permitiram que a Igreja Ortodoxa do Oriente conti-
nuasse como uma comunidade religiosa distinta, sob a proteção dos califas. Além de
Antioquia e Edessa, que eram importantes centros cristãos para a disseminação do
conhecimento na Síria, o cristianismo também havia criado raízes fortes em cidades
como Nísibis, Jundishapur, Basra, Mosul e Kirkuk, no Iraque, que influenciaram
grandemente a formação social e cultural da cultura islâmica. Até mesmo Tikrit,
“cidade natal de Saddam Hussein — era um centro cristão vibrante vários séculos
após a chegada do islã”.27

Durante vários séculos antes da chegada do islã, os cristãos ortodoxos na Síria e


na Pérsia haviam cultivado conhecimento por meio de escolas e mosteiros. Assim,
quando chegaram, os árabes muçulmanos encontraram um sistema de educação que
já estava em funcionamento, assim como secretários, médicos e tradutores cristãos
que foram usados para servir ao estado.28

Dessa forma, com o passar do tempo, quando a “Casa da Sabedoria” foi fundada
em 830 em Bagdá por líderes muçulmanos, um médico cristão siríaco oriental tor-
nou-se o principal tradutor.29

Ainda no século 6 e continuando até o início da dinastia abássida, a maior parte


das obras de Aristóteles e de seus intérpretes foi traduzida para o siríaco... Quando
o grande movimento de tradução para o árabe foi lançado, no início do século 9, os
cristãos siríacos traduziram essas obras para o árabe...30

Não foi sem razão que o reconhecido filósofo árabe muçulmano al-Kindi (m. 874),
ao falar da contribuição dos acadêmicos cristãos, disse que “se eles não tivessem exis-
tido, nunca teríamos sido capazes, ainda que dedicássemos todo nosso tempo à pes-
quisa rigorosa, de chegar a esses princípios genuínos primários, em virtude dos quais
pudemos deduzir as derradeiras conclusões de nossos mais abstrusos pesquisadores”.31

Portanto, os cristãos ortodoxos contribuíram de forma notável para o desenvol-


vimento do Renascimento Islâmico, ainda que os muçulmanos e os acadêmicos se-
culares não reconheçam isso prontamente.

27
Ibid., p. 6.
28
Samir Khalil Samir, “The Role of Christians in the Abbasid Renaissance in Iraq and in Syria (750
-1050)”, em Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib Badr. Lebanon: Middle East
Council of Churches, 2005, p. 500.
29
Ibid., p. 505.
30
Ibid., p. 512.
31
Ibid., p. 503.
A I G R E JA O RTO D OX A 49

6
MISSÕES: CONVERSÃO
D O S ES L AVO S — S ÉC U LO 9

Depois de o islã ter conquistado Egito, Síria e Pérsia, a Igreja Ortodoxa perdeu
o controle de três patriarcados ao mesmo tempo — Alexandria, Antioquia e Jerusa-
lém —, e a Igreja Ortodoxa Oriental tornou-se ainda mais separada do restante da
cristandade.

Os exércitos muçulmanos, não satisfeitos com o que já haviam conquistado no


Oriente, continuaram tentando dominar o maior número possível de territórios no
ocidente, tendo Constantinopla como um de seus principais alvos. Ao mesmo tempo,
durante o século 8, as relações entre Roma e Constantinopla eram tensas, e a coroa-
ção de Carlos Magno, pelo Papa, no ano 800, como imperador do Império Romano
do Ocidente, apenas piorou a relação. Mas foi durante esse difícil período da his-
tória que aconteceu um dos mais importantes avanços para o crescimento da Igreja
Ortodoxa, a saber, a cristianização do povo eslavo. O que no início foi um pequeno
passo tornou-se de suma importância depois da queda de Constantinopla para os
muçulmanos no século 15, como será visto mais adiante.

Em 863, o príncipe morávio Rostilav (na atual República Checa e Eslováquia),


que havia adotado o cristianismo oriental, pediu ao patriarca de Constantinopla para
enviar missionários que falassem a língua eslava. Cirilo e Metódio foram escolhidos
para essa importante missão. Mesmo antes de partir, eles começaram a tradução da
Bíblia e dos textos litúrgicos para o eslávico, o que produziu um impacto notável so-
bre a população eslava. De acordo com Ware, “não se pode desprezar a importância,
para o futuro da Ortodoxia, das traduções eslávicas que Cirilo e Metódio carregaram
A I G R E JA O RTO D OX A 50

consigo... Poucos eventos foram tão importantes na história missionária da Igreja”.1


Diferentemente de Roma, que insistia em usar o latim como sua linguagem litúrgica
por onde quer que fosse, os cristãos eslavos tiveram o privilégio de realizar seus
cultos em seu próprio idioma.

Mais tarde, no século 10, o príncipe Vladimir de Kiev tornou-se cristão, o que
contribuiu ainda mais para o crescimento do cristianismo bizantino entre o povo
eslavo.2 Quando Constantinopla caiu diante dos muçulmanos turcos em 1453, “o
Principado de Moscou estava pronto para assumir o lugar de Bizâncio como protetor
do mundo ortodoxo”.3

Hoje, a Igreja Ortodoxa Russa é a mais forte igreja ortodoxa do mundo, com
mais de 100 milhões de membros, e os outros países eslavos têm uma importante
população cristã ortodoxa.
iStockphoto/Almotional

Celebração ortodoxa em Riga, na Letônia, em 2006: cristãos eslavos tiveram o


privilégio de realizar seus cultos em seu próprio idioma

1
Ware, The Orthodox Church, p. 74.
2
Louth, Introducing Eastern Orthodox Theology, pos. 172.
3
Ware, The Orthodox Church, p. 5.
A I G R E JA O RTO D OX A 51

7
O G R A N D E C I S M A — S É C U L O 11

Em 1054, três emissários do Papa chegaram à Igreja da Sagrada Sabedoria (Hagia


Sofia), em Constantinopla, pouco antes do serviço religioso, e entregaram uma Bula
de Excomunhão. Embora esse evento seja visto por muitos como o início do grande
cisma entre o oriente ortodoxo e o ocidente latino, historiadores são da opinião de
que o cisma foi um longo processo que se iniciou muito antes de 1054 e foi consu-
mado depois disso.

Muito tempo antes de 1054, a Igreja Ortodoxa Grega (tendo Constantinopla


como um lugar especial de honra, ainda mais depois de os exércitos árabes terem
conquistado Alexandria, Antioquia e Jerusalém) e a Igreja (Católica) Latina inicia-
ram um lento processo de distanciamento. Durante o tempo dos apóstolos, embora
o mundo romano parecesse um grande mosaico composto de diferentes grupos, ha-
via certa uniformidade, especialmente devido ao fato de que o idioma grego era a
língua franca do império. Com o passar do tempo, porém, em função da criação da
nova capital em Constantinopla no século 4 e da queda de Roma diante das tribos
invasoras no século 5, paulatinamente os lados grego e latino do Império Romano
distanciaram-se tanto politicamente como em termos de teologia e prática cristãs. A
disputa iconoclasta também trouxe grande dificuldade para as relações entre a Igreja
no Oriente e no Ocidente.

Contudo, um importante fator de estresse foi adicionado às relações já em de-


terioração: o Papa, desesperado por obter apoio militar, procurou a ajuda do gover-
nante francês.
A I G R E JA O RTO D OX A 52

Por volta do ano 800, o rei francês Carlos Magno havia atraído a maior parte da
Europa ocidental para um único governo cristão unido. No dia de Natal daquele ano,
em Roma, o Papa o coroou imperador, consagrando a longa associação entre a Igreja
e o Estado no ocidente medieval.1

Obviamente, os bizantinos não aceitariam tal ato de afronta, e interpretaram a


ação do Papa como uma tentativa de dividir o Império Romano Bizantino. Conforme
as diferenças políticas tornaram-se mais pronunciadas, o Império começou a perder
um de seus principais valores: o idioma grego não era mais uma língua universal
como na época em que a “Igreja Imperial” surgiu, sob Constantino, e o latim tor-
nou-se o idioma de facto da comunicação na parte ocidental do Império. De acordo
com Ware:

Se os gregos desejassem ler obras latinas e vice-versa, poderiam fazer isso


apenas por meio de traduções, e normalmente eles não se davam ao traba-
lho de fazer nem isso... Uma vez que não bebiam mais das mesmas fontes
nem liam os mesmos livros, o oriente grego e o ocidente latino afastaram-
-se ainda mais.2

Considerando que naqueles dias não havia separação entre Igreja e Estado, esses
eventos aumentaram a probabilidade de disputas teológicas, e foi exatamente o que
aconteceu.

É inegável que fatores políticos e culturais desempenharam um papel prepon-


derante nesse evento histórico e trágico. Contudo, existiam disputas teológicas que
estavam no centro da contenda, e as duas questões mais espinhosas foram a decla-
ração de autoridade do Papa sobre os outros patriarcas e a assim chamada cláusula
Filioque. “A unidade ainda poderia ter sido mantida caso não houvesse esses dois
pontos adicionais de dificuldade”, diz Ware.3

A Igreja Ortodoxa Grega sempre colocou grande ênfase na igualdade e na au-


toridade de todos os bispos. A despeito do fato de que os outros quatro patriarcas
reconheciam o Papa como o “primeiro entre iguais”, alguém com uma primazia de
honra, isso não significava que Roma pudesse impor sua própria vontade sobre os
outros, nem que tinha a supremacia universal, mas era exatamente isso o que Roma
queria. Eles se viam como o principal Patriarcado Apostólico. Consequentemente,

1
Jenkins, The Lost History of Christianity: The Thousand-Year Golden Age of the Church in the Middle
East, Africa and Asia – and How It Died, p. 4.
2
Ware, The Orthodox Church, p. 46.
3
Ibid., p. 48.
A I G R E JA O RTO D OX A 53

“a Igreja [Romana] era vista menos como um colegiado e mais como uma monar-
quia — a monarquia do Papa”.4 A bem da verdade, se o Papa visse a si mesmo
apenas como o “Monarca” da Igreja do ocidente, Bizâncio não teria ficado tão preo-
cupada. O problema foi que ele entendia que sua autoridade estendia-se sobre o
Oriente, e que a infalibilidade era uma prerrogativa sua. Já os gregos afirmavam que,
em questões de fé, as decisões finais cabiam não ao Papa sozinho, mas a um conse-
lho que representasse todos os bispos da Igreja.5O desacordo em relação à cláusula
Filioque surgiu porque a Igreja no ocidente latino alterou a forma original do Credo
Niceno. O trecho que originalmente dizia “creio... no Espírito Santo, Senhor e fonte
de vida, que procede do Pai” foi mudado para “que procede do Pai e do Filho”. Há
debates sobre onde e quando essa adição aconteceu, mas é mais provável que tenha
ocorrido na Espanha como uma precaução contra o arianismo, e inserida no Credo
no Concílio de Toledo em 589 ou até mesmo antes.6

Com o tempo, essa alteração do Credo Niceno original por parte da igreja lati-
na provocou uma reação dura dos bizantinos. Eles entendiam que além de não ser
uma adição teologicamente sadia, Roma sozinha não tinha autoridade para alterar
um documento extremamente importante que fora aprovado pelo Primeiro Concílio
Ecumênico. Sendo uma igreja conciliar, apenas outro concílio, devidamente repre-
sentado pelos bispos de toda a cristandade, tinha a prerrogativa de tomar tal decisão.
Para os bizantinos, mais uma vez Roma estava agindo como se fosse a sé suprema,
com autoridade sobre a igreja do restante do mundo.

Com tantas tensões políticas e teológicas e com os turcos muçulmanos avançan-


do sobre o Império Bizantino, as relações entre a Igreja Católica Latina e a Igreja
Ortodoxa Grega chegaram a um ponto sem volta.

Nesse período, as divisões entre o Ocidente Católico e o Oriente Ortodoxo endu-


receram. Nenhuma união aceitável no Oriente foi alcançada e, em 1453, Constanti-
nopla caiu diante dos turcos e se tornou a capital do Império Otomano.7

A longa estrada que levou ao Grande Cisma havia finalmente chegado ao fim.
A Igreja Ortodoxa Russa terminou assumindo a liderança do mundo ortodoxo, e o
Patriarca Ecumênico de Constantinopla tornou-se o líder dos cristãos ortodoxos no
recém-formado Império Otomano, que era muçulmano.

4
Ibid., p. 47.
5
Ibid., p. 49
6
Ibid., p. 50.
7
Louth, Introducing Eastern Orthodox Theology, pos. 175.
A I G R E JA O RTO D OX A 54

8
A S C R U Z A D A S — S É C U L O 12

Com o avanço do islã, era de se esperar que, em algum momento, a cristandade


fosse reagir. Diante disso, o final do século 11 viu o início de uma triste sequência de
batalhas entre cristãos e muçulmanos que aumentaram o ódio e as incompreensões
mútuos.

Não é do conhecimento de muitos que essa foi, principalmente, uma guerra do


cristianismo latino e, de acordo com Riley-Smith, foi inspirada pelos princípios da
“guerra justa” de Agostinho de Hipona no século 5.1 O motivo principal era a liber-
tação da Terra Santa.

Na Palestina, muçulmanos maltratavam cristãos ortodoxos do oriente, e os se-


guidores de Maomé haviam destruído a Igreja do Santo Sepulcro em outubro do
ano 1009. Em 26 de novembro de 1095, o Papa declarou a Primeira Cruzada contra
os muçulmanos. Ele convocou os reis da Europa para recuperar a Terra Santa e, em
junho de 1099, os primeiros soldados cristãos, que haviam recebido a garantia de
indulgência do Papa,2 chegaram a Jerusalém com a promessa de que aqueles que
morressem nesta “guerra santa” teriam a garantia do céu.3

No meio de um verão intenso, onde a falta de água já era um problema bastante


sério, eles cercaram a cidade por quarenta dias. Em julho do mesmo ano, o exérci-

1
Jonathan Riley-Smith, “Motives for the Crusades: A European Perspective”, em Christianity: A Histo-
ry in the Middle East, org. por Habib Badr. Beirut: Middle East Council of Churches, 2005, p. 549.
2
Helmut Roscher, “Crusades”, em The Encyclopedia of Christianity, org. por Erwin Fahlbusch. Leiden,
Netherlands: Brill, 1999-2003.
3
Mallouhi, Christine A. Waging Peace on Islam. London: Monarch Books, 2000, p. 8.
A I G R E JA O RTO D OX A 55

to invadiu Jerusalém. “Seguiu-se então um terrível massacre, com duração de dois


dias, no qual os cruzados, cerca de 10 mil, exterminaram a maioria da população da
cidade, matando cerca de 40 mil pessoas”,4 incluindo cristãos ortodoxos “que eles
viram usando roupas orientais e, assim, presumiram tratarem-se de infiéis muçul-
manos”.5

Diferentemente de outras ocasiões, nas quais um imperador cristão enviaria o


exército do império para enfrentar as hostes de muçulmanos invasores na Terra San-
ta, desta vez foi o exército convocado pelo próprio Papa, i.e., o “exército de Cristo”,
o enviado para conquistar e matar. Em certo sentido, não foi muito diferente da
convocação de Maomé para a jihad, quando, já em Medina, ele chamou seu exército
para lutar contra os infiéis de Meca, prometendo acesso seguro ao paraíso àqueles
que morressem defendendo a causa muçulmana (Sura 3.169). O objetivo? Conquis-
tar uma cidade!

Passados 88 anos da Primeira Cruzada, Saladino, o líder muçulmano, reconquistou


Jerusalém. Mas as Cruzadas prosseguiram nos anos seguintes, deixando um traço de
horror e ódio em ambos os lados. Desde então, esse evento histórico influenciou as
relações entre cristãos e muçulmanos ao ponto de, ainda hoje, muçulmanos lembra-
rem-se do que a Igreja fez a eles em nome de Deus, até mesmo comparando invasões
recentes de países muçulmanos por parte de nações ocidentais com as Cruzadas.

Ibid., p. 82.
4

Ibid., p. 84.
5
A I G R E JA O RTO D OX A 56

P O S FÁ C I O
A IGREJA BRASILEIRA

Nos últimos 50 anos, a Igreja Evangélica Brasileira experimentou um crescimen-


to fenomenal, ostentando hoje mais de 40 milhões de crentes de diferentes denomi-
nações. Esse crescimento não veio sem consideráveis desafios teológicos e eclesio-
lógicos. Assim, ao olhar para o desenvolvimento histórico da Igreja Ortodoxa, quais
são algumas das importantes lições poderiam ser extraídas e que nos auxiliariam em
nosso movimento crescente, mas relativamente jovem?

1. Nossos seminários teológicos e centros de treinamento missionário devem re-


cuperar com urgência a “história perdida” do cristianismo ortodoxo grego e oriental,
de modo que nossos líderes futuros sejam capazes de aprender com nossa herança
histórica e teológica comuns. Muito pode ser aprendido com os erros e sucessos de
nossos antepassados cristãos e, como sabemos muito bem, aqueles que não apren-
dem com o passado estão fadados a repetir os erros.

2. Infelizmente, a narrativa que é mais ouvida em nossa parte do mundo é que,


com o advento do islã, a Igreja foi varrida do Oriente Médio. Como foi visto, nada
poderia estar mais longe da verdade. Romanos, bizantinos, persas, árabes, turcos e
mongóis perseguiram cristãos ortodoxos. Contudo, a tenacidade e a perseverança
deles em meio à provação intensa permitiram que a Igreja permanecesse viva em
uma das regiões mais desafiadoras e complexas do mundo. Em um tempo em que a
Igreja Evangélica Brasileira está sendo tão fortemente influenciada pela assim cha-
mada “Teologia da Prosperidade”, faríamos bem em olhar para a experiência dos
cristãos no Oriente Médio nos últimos 20 séculos e aprendermos que o sofrimento
também é uma parte intrínseca da vida cristã.

3. Nossa tendência, como brasileiros protestantes evangélicos, é olhar para a


história da Igreja pensando que houve um ‘cristianismo verdadeiro durante os pri-
A I G R E JA O RTO D OX A 57

meiros trezentos anos da história cristã e, então, com o advento do Império Bizantino
Cristão, o cristianismo lentamente perdeu suas raízes e o próximo passo importante
foi a Reforma Protestante, que trouxe de volta a fé apostólica. Essa maneira simplis-
ta e errônea de olhar para nossa história cristã tem um bom número de implicações
negativas. Começamos a pensar que nossa tradição cristã é a correta e todas as de-
mais estão equivocadas. Quão importante seria revisitar os grandes teólogos orto-
doxos dos primeiros dez séculos e, numa atitude de humildade, reconhecer que eles
ainda têm muito a contribuir para nossa plena compreensão do que é o cristianismo.

4. Em contrapartida, como evangélicos protestantes, é difícil concordar com a as-


serção de alguns teólogos ortodoxos de que a fé apostólica não foi “de forma alguma
alterada em sua essência” pela Igreja Ortodoxa6. Os líderes da Reforma Protestante
eram da opinião de que a essência da tradição apostólica tinha sido manchada, e não
apenas pela Igreja romana latina. Quando olhamos para a história, é difícil negar que
existam notáveis diferenças entre a igreja antes do Império Bizantino e aquela que
se desenvolveu gradualmente depois que o cristianismo se tornou a religião oficial
do Império. De certa maneira, não seria necessariamente errado falar de uma Igreja
apostólica que se iniciou no Pentecoste e se desenvolveu no Império Romano (sem
ser romana) e uma Igreja Bizantina que, em vários pontos da história, identificou-se
plenamente com o Império.

5. Essa forte identificação com o Império levou a Igreja a se colocar em posição


de poder político, o que, até onde posso entender, não é o que o Novo Testamento
ensina sobre a Noiva de Cristo. Um evento mostra claramente como os líderes cristãos
estavam deslumbrados com sua nova posição privilegiada dentro do Império Roma-
no. Depois da conclusão do Primeiro Concílio Ecumênico de Niceia, os bispos foram
convidados a jantar com o Imperador. Eusébio, o bispo de Cesareia, descreveu que:

Destacamentos de guarda-costas e outras tropas cercaram a entrada do pa-


lácio com espadas desembainhadas e, por entre eles, homens de Deus pros-
seguiram sem temor até a parte mais interna dos aposentos imperiais. Alguns
ficaram ao lado do imperador à mesa, outros reclinavam-se em sofás coloca-
dos em ambos os lados. Não era difícil achar que se tratava de uma imagem do
reino de Cristo, e um sonho, em vez de a realidade.7

6
George Atiyyeh, “The Rise of Eastern Churches and Their Heritage (5th to 8th Century): Churches of
the Byzantine Tradition”, em Christianity: A History in the Middle East, org. por Habib Badr. Beirut,
Lebanon: Middle East Council of Churches, 2005, p. 299.
7
Citado em Ware, The Orthodox Church, p. 19.
A I G R E JA O RTO D OX A 58

Esse senso de admiração relatado por Eusébio foi certamente compartilhado por
outros cristãos, e a simbiose entre o Império e a Igreja tornou-se bastante forte.
Como resultado, a Igreja Ortodoxa Grega tornou-se poderosa e rica, e muitas atro-
cidades foram cometidas em nome do Deus cristão, incluindo a perseguição de cris-
tãos ortodoxos orientais devido a diferenças doutrinárias.

Esta é uma lição importante para a Igreja Evangélica Brasileira: até que ponto a
Igreja deve permitir-se ser identificada com os poderes seculares políticos e sociais?
Em minha opinião, em algumas ocasiões a Igreja Ortodoxa Grega consentiu ser
engolfada pelo establishment, iludida pelos privilégios alcançados por meio da con-
formação ao status quo prevalente. Hoje, no Brasil, ser cristão evangélico tornou-se
algo da moda. Pessoas famosas da indústria do entretenimento não perdem a oportu-
nidade de afirmar na frente de câmeras de televisão que agora fazem parte de um ou
outro grupo evangélico, ao mesmo tempo em que mostram pouca preocupação com
um estilo de vida caracterizado pelos ensinamentos de Jesus.

As megaigrejas, com seus milhares de frequentadores, competem entre si mes-


mas para ver qual edifício é maior e mais luxuoso. Em 2014, uma denominação
evangélica inaugurou seu novo templo, que é uma réplica do Templo de Salomão,
gastando quase 300 milhões de dólares.8 A presidente brasileira, o vice-presidente,
o governador do estado mais rico da federação, o prefeito da cidade e vários mi-
nistros de estado compareceram ao culto de dedicação. Enquanto isso, um número
considerável de cristãos evangélicos que foram eleitos para o congresso nacional é
acusado ou processado por corrupção e abuso de poder.

Diante dessa situação, é natural que se pergunte o que deu errado. Existem, é claro,
diversas razões, mas talvez uma das mais importantes seja esta: em sua ânsia de se
acomodar aos poderes políticos e sociais prevalentes, a Igreja Evangélica Brasileira
permitiu-se ser ‘domada’, perdendo a visão, em alguns casos, de sua verdadeira na-
tureza e missão. Consequentemente, a voz profética da Igreja não está sendo ouvida.

Se o cristianismo se funde com movimentos políticos e sociais a ponto de


identificar-se completamente com eles, a Igreja tornar-se-á mais uma vez o
que se chama de religião da sociedade... Mas, pode a Igreja do Crucificado
de Nazaré tornar-se uma religião política sem esquecer-se dele e perder sua
identidade? 9

< http://www.otemplodesalomao.com/en/>, acessado em 6 de novembro de 2014.


8

David J. Bosch. Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission (20th Anniversary Edi-
9

tion) (American Society of Missiology) (Locais do Kindle 608-609). Orbis Books. Edição do Kindle.
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