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Thalita Madeira - Neurologia

ACIDENTE VASCULAR HEMORRÁGICO


(Resumo com base em: 1 - The critical care management of spontaneous intracranial hemorrhage: a contemporary review; 2 – Medcurso 2017;
3 – Emergências Clínicas 11a Ed; 4 - Guidelines for the Management of Spontaneous Intracerebral Hemorrhage)

1. Hemorragia intraparenquimatosa
Hemorragia intracerebral espontânea é um sangramento não traumático do parênquima cerebral, que pode
se estender até os ventrículos e o espaço subaracnoide. O fator de risco modificável mais importante é a hipertensão
arterial crônica, sendo as artérias perfurantes da ponte, tálamo, gânglios da base e núcleos profundos do cerebelo as
localizações mais comuns de sangramento hipertensivo. A fragilidade promovida nas paredes vasculares resulta na
formação de pequenos aneurismas (aneurismas de Charcot-Bouchard).
Outras causas podem ser deposição cerebrovascular de amilode (associada mais frequentemente à
hemorragia lobar), coagulopatias, doenças sistêmicas e uso de anticoagulantes orais. Outros fatores de risco incluem
idade (a cada década após os 50 anos o risco de AVCh aumenta em 2x) e o consumo elevado de álcool. Etiologias
que devem ser sempre consideradas incluem: aneurismas intracranianos, malformações arteriovenosas, trombose
do seio venoso e infarto venoso, tumores cerebrais e drogas de abuso (cocaína, anfetaminas).
O edema vasogênico desencadeado pelo sangue no parênquima cerebral eleva a PIC. O paciente geralmente
morre da própria HIC, que leva à herniação cerebral pelo mecanismo de protrusão do tecido cerebral através da
fenda do tentório do cerebelo, comprimindo o tronco encefálico.
 Quadro clínico: a apresentação não difere muito do AVCi. Manifesta-se como um quadro súbito de cefaleia
intensa, déficit neurológico focal e rebaixamento do nível de consciência dentro de algumas horas. Alguns
achados aumentam significativamente a probabilidade de hemorragia intracraniana, como coma, rigidez
nucal, convulsões acompanhando o déficit neurológico, pressão diastólica > 110 mmHg, vômitos e dor de
cabeça. Sopro cervical e AIT reduzem a probabilidade de AVCh.
o Hemorragia do putâmen: cursa com quadro súbito de hemiplegia fasciobraquicrural contralateral,
desvio do olhar conjugado contrário à hemiplegia.
o Hemorragia talâmica: hemiplegia fasciobraquiocrural contralateral, associada à hemianestesia para
todas as sensibilidades. Pela extensão da hemorragia para o hipotálamo e teto do mesencéfalo, são
comuns alterações oculares e pupilares (desvio dos olhos para baixo e para dentro, ou para o lado da
hemiplegia, pupilas mióticas, anisocoria com pupila menor do lado da hemorragia). Pode haver
afasia talâmica se a hemorragia for no hemisfério dominante.
o Hemorragia do cerebelo: vertigem, náuseas, vômitos e ataxia cerebelar aguda. O grande risco é o
efeito expansivo, que pode comprimir o IV ventrículo e levar à hidrocefalia obstrutiva, HIC e estado
comatoso. A complicação mais temível é a compressão do bulbo pelas amigdalas cerebelares e
herniação através do forame magno.
o Hemorragia da ponte: quadriplegia súbita, coma e
pupilas puntiformes e fotorreagentes. Descerebração,
hiperpneia e hiperidrose são comuns. Os reflexos
oculocefálico e oculovestibular são perdidos.
 Diagnóstico: como parte da rotina de avaliação, deve-se fazer
um score de severidade padronizado, que no caso de AVCh é o
score ICH. Este score não deve ser usado isoladamente para
indicar prognóstico. A TC de crânio não contrastada é muito
sensível para identificar hemorragia aguda e é considerada o
padrão ouro. O risco de expansão do hematoma pode ser
identificado por uma angiotomografia ou TC contrastada
através da presença de contraste dentro do hematoma (spot
sign).
Thalita Madeira - Neurologia

Cálculo do volume do sangramento: o ponto de corte para definir um aumento de mortalidade e uma piora
no desfecho funcional é 30 ml. O volume pode ser estimado usando-se a fórmula ABC/2, em que A é o maior
diâmetro da hemorragia estimado pela TC, B é o maior diâmetro perpendicular a A e C é o número de cortes
em que a hemorragia aparece multiplicado pela espessura dos cortes.
 Tratamento e prognóstico: basicamente de suporte. Pacientes com rebaixamento de nível de consciência
devem ser intubados, colocados em ventilação mecânica e deve ter instalado cateter de PAM invasiva, bem
como cateter de PIC. A presença de desvio da linha média indica terapia com hiperventilação (PaCO2 entre
25-30 mmHg), manitol (1g/kg de ataque e 0,25-0.5 g/kg a cada 6h), coma barbitúrico, cabeceira elevada e
evitar aspiração desnecessária. Os objetivos primários são PIC < 20 cmH2O, gradiente PAM-PIC > 60-70
mmHg. Pacientes com pressão sistólica entre 150 – 220 mmHg e sem contraindicações devem ser tratados a
fim de obter níveis pressóricos de 140 mmHg (nitroprussiato de sódio, labetalol, metoprolol ou enalaprilato).
A manutenção da PAS nesse nível está associada a uma menor expansão do hematoma nas primeiras 24
horas, embora não tenha impacto direto sobre a mortalidade e a capacidade funcional (tem impacto
indireto sobre este último desfecho).
A hiperglicemia e a hipoglicemia devem ser prontamente tratadas. Se a causa da hemorragia for um
distúrbio da hemostasia, este deve ser tratado o mais rápido possível, com transfusão de
hemocomponentes. Se o paciente estiver em uso de anticoagulantes ou antiplaquetário, estes devem ser
descontinuados e seus efeitos revertidos com antídotos.
Manejo de alterações na coagulação: pacientes em uso de antagonistas da vitamina K: reposição de vit K
associada à reposição de fatores dependentes da vit K + plasma fresco congelado OU concentrado de
complexo protrombínico (a vantagem deste último sobre o primeiro é o menor volume a ser infundido).
Pacientes em uso de anticoagulantes modernos (inibidores do fator Xa, tais quais rivaroxabana, dabigatrana)
podem se beneficiar de carvão ativado nas primeiras 2h após a tomada do anticoagulante ou de complexo
protrombínico parcial ou idarucizumab (para reverter os efeitos da dabigatrana). Sulfato de protamina pode
ser utilizada na reversão dos efeitos da heparina. Pacientes com AVCh devem utilizar compressão
pneumática intermitente para a prevenção de TVP iniciando no dia da admissão hospitalar. Uma vez
documentada a parada do sangramento, uma dose baixa de heparina de baixo peso molecular ou não
fracionada pode ser considerada em pacientes com imobilidade por 1 – 4 dias após o quadro.
Anticoagulação só deve ser considerada após 4 semanas.
Manejo de convulsões: convulsões devem ser tratadas com anticonvulsivantes. O uso profilático de
anticonvulsivantes não está indicado.
Monitoramento da PIC: a drenagem ventricular em casos de hidrocefalia é aceitável, especialmente em
pacientes com deterioração do nível de consciência. Pacientes com Glasgow < 8 e evidência clínica de
herniação transtentorial ou aqueles com hemorragia intraventricular significante ou hidrocefalia podem ser
candidatos à monitoração da PIC e tratamento. Corticoesteroides não estão indicados para reduzir a pressão
intracraniana.
Indicações para neurocirurgia: pacientes com hemorragia cerebelar que estão evoluindo com deterioração
neurológica, compressão de tronco encefálico e hidrocefalia secundária à obstrução ventricular devem ser
submetidos à cirurgia para remoção da hemorragia assim que possível. O tratamento inicial com drenagem
ventricular não é recomendado. Em caso de hemorragia supratentorial, não há consenso sobre os benefícios
da cirurgia, mas em casos de pacientes em deterioração pode ser considerada como uma medida para salvar
a vida. A evacuação precoce do hematoma não é benéfica. A instalação de uma Derivação Ventricular
Externa está indicada na presença de hidrocefalia com repercussão clínica.
Thalita Madeira - Neurologia

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