Simões MP et al.
Unitermos: RESUMO
Desnutrição proteico-energética. Diálise. Cuidados críti-
cos. Insuficiência respiratória. Nutrição enteral.
Introdução: A desnutrição protéico-energética (DPE) é um importante fator que contribui
para a elevada morbi-mortalidade dos pacientes em diálise. Por outro lado, o déficit nutri-
Key words: cional também afeta o bom funcionamento do aparelho respiratório. Objetivo: O objetivo
Protein-energy malnutrition. Dialysis. Critical care. Respira-
tory insufficiency. Enteral nutrition. desse trabalho foi relatar a conduta nutricional aplicada a uma paciente renal crônica, de
20 anos, em diálise peritoneal, apresentando importante déficit de crescimento e admitida
Endereço para correspondência na UTI com quadro de insuficiência respiratória. Relato do Caso: Os dados, obtidos
Poliana Coelho Cabral
Rua Conselheiro Ribas 131 – Casa Amarela – Recife, a partir do prontuário da paciente, foram: peso seco (22 kg), altura (1,25 m), ou seja,
PE, Brasil – CEP: 52070-400 valores antropométricos de uma criança de 7 anos. A via de acesso para a alimentação
E-mail: cabralpc@yahoo.com.br
foi a enteral, com sonda em posição gástrica, administração intermitente gravitacional
de 3/3h. Por não dispor do aparelho de calorimetria indireta, foram utilizados em nível de
Submissão
14 de maio de 2010 comparação três métodos para cálculo das necessidades calóricas: Harris-Benedict (1740
kcal); Ireton Jones (1835 kcal) e Método prático (990 kcal). A opção de escolha foi pelo
Aceito para publicação
15 de dezembro de 2010 método prático, pelo receio de se hiperalimentar a paciente. A cota protéica oferecida foi
de 1,86 g/kg. O óbito veio no 27º dia de UTI, por sepse. Os dados apresentados ilustram
a dificuldade de se avaliar as necessidades calóricas em pacientes críticos com déficit
extremo de peso e que, nesse caso, o método prático (25 a 35 kcal/kg) mostrou-se mais
próximo da realidade.
ABSTRACT
Introduction: Protein-energetic malnutrition (PEM) is an important factor that contributes
to high morbidity and mortality rates among dialysis patients. On the other hand, nutri-
tional deficit also affects the proper functioning of the respiratory apparatus. Objective:
This study aimed to report on the nutritional behavior of a twenty-year old chronic renal
failure patient under peritoneal dialysis, who presented a severe growth deficit and was
admitted to an ICU because of an episode of respiratory insufficiency. Case Report: The
following data were obtained from the patient’s records: dry weight (22 kg), height (1.25
m), that is, the anthropometric values of a seven-year old child. Enteral feeding was used
1. Especializanda em nutrição clínica pelo Instituto Materno with a gastric tube and intermittent gravitational administration every 3hs. Due to the lack
Infantil Professor Fernando Figueira-IMIP. of an indirect calorimeter unit, for the sake of comparison, three methods were used for
2. Professor assistente de nutrição clínica – Centro Acadêmico
de Vitória - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); calculating calorie needs: Harris-Benedict (1740 kcal); Ireton Jones (1835 kcal) and the
Mestre em Nutrição pela UFPE; Especialista em Nutrição
Clínica pela UFPE. Practical Method (990 kcal). The practical method was chosen out of fear to overfeed the
3. Nutricionista clínica do Hospital Oswaldo Cruz- PE; Mestre patient. 1.86 g/kg was offered as a protein quota. Death came on the 27th day of ICU as
em Nutrição pela UFPE; Especialista em Nutrição Clínica
pela UFPE. a result of sepsis. Conclusion: These data illustrate the difficulty to evaluate the calorie
4. Professor adjunto Depto de Nutrição – UFPE; Doutora em needs of critical patients with extreme weight deficit, as well as the fact that, in this case,
Nutrição pela UFPE; Especialista em Nutrição Parenteral
e Enteral pela SBNPE. the practical method (25 to 35 kcal/kg) revealed to be closer to reality.
Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (3): 222-6
222
Terapia nutricional em paciente renal crônico com quadro agudo de insuficiência respiratória: relato de caso
e aumento da quantidade ingerida de nutrição enteral, mas não de ureia sérica são dependentes da função renal residual e da
há diferença entre os dois métodos com relação à redução da intensidade da diálise1. A excreção da ureia no paciente crítico
mortalidade e ao tempo de internação21. é um índice de intensidade da resposta metabólica ao estresse33.
Sabe-se que pacientes críticos podem apresentar gastropa- A creatinina sérica também é considerada um marcador
resia e aumento do resíduo gástrico, sendo a estase gástrica uma nutricional importante, embora dependa da função renal resi-
das principais causas mensuráveis que impedem a administração dual e da massa muscular. Níveis baixos de creatinina refletem
da nutrição enteral. Um ponto a ser considerado é que, na diminuição da massa muscular e estão associados com maior
literatura, estudos comparando posicionamento da sonda pré e taxa de mortalidade nos pacientes em hemodiálise34.
pós-pilórica mostram-se um tanto inconclusivos22,23. As alterações do estado nutricional podem surgir como
Tendo em vista a impossibilidade da paciente se alimentar consequência do inadequado aporte de nutrientes ou como resul-
por via oral, utilizou-se a via enteral, sendo a sonda posicionada tado de uma alteração no metabolismo (por exemplo, a sepse).
na posição gástrica, e gotejamento intermitente, com infusão Em qualquer um dos casos segue-se a redução da massa
gravitacional lenta, em intervalos regulares, apresentando corporal magra e a subsequente perda de estrutura e função dos
a vantagem potencial de se aproximar do padrão normal de órgãos e tecidos que a compõem. Em ambos os casos, a meta é
alimentação, e pelo fato também do paciente não apresentar evitar que a desnutrição chegue a se converter em um cofator
sinais de gastroparesia e por não apresentar vômitos, regurgi- importante na disfunção orgânica e na morbi-mortalidade.
tação, possibilitando a utilização na posição gástrica. Isso é possível quando se ofertam nutrientes, ajustando-os em
Foi utilizada uma dieta artesanal, composta de leite em pó quantidade e qualidade às exigências do hipermetabolismo,
isento de lactose e sacarose, diluído em água. O que constituiu especialmente o catabolismo protéico, observado nessas
um risco, tendo em vista que alguns autores já observaram circunstâncias 30 .
contaminação microbiana em quase 100% de amostras de
dietas artesanais avaliadas24-26 . A escolha, apesar do risco, foi Considerações Finais
motivada pela necessidade da adequação dietética, impossível O relato de caso serve para levantar a discussão sobre a
de ser conseguida com a fórmula específica para renais crônicos conduta nutricional de uma paciente de extremo baixo peso com
em diálise. DRC e quadro de insuficiência respiratória, bem como servir
Recomenda-se iniciar a terapia nutricional com fórmulas de subsídio teórico para os demais profissionais que atuam em
com proteína intacta (polimérica). Fórmulas à base de peptídeos casos semelhantes ao estudado.
podem beneficiar pacientes com complicações gastrointestinais, Sugere-se que mais estudos sejam realizados nesta área,
sendo, contudo, necessário um maior número de estudos para uma vez que, a cada dia, a Medicina está avançando e, conse-
definir a sua recomendação27,28. quentemente, as terapêuticas adotadas estão sendo reformuladas
A hiperglicemia é uma reação natural do organismo ao e, pesquisas desse tipo podem proporcionar aos estudantes e
estresse metabólico, devido às alterações hormonais. Além profissionais em saúde um melhor entendimento sobre o assunto
disso, os cuidados ao paciente crítico aumentam a resposta hiper- no que tange à aplicabilidade e à eficácia de tais terapêuticas.
glicêmica, devido ao uso de corticoides, agentes adrenérgicos
e suporte nutricional hipercalórico. Apesar de ser uma resposta Referências
normal do organismo, a redução dos níveis de glicemia melhora 1. Cuppari L, Avesani CM, Mendonça COG, Martini LA, Monte
a evolução e diminuem o risco de complicações, especialmente JCM. Doenças renais. In: Cuppari L, ed. Guia de nutrição: nutrição
infecciosas29. A síntese de glicose hepática está aumentada pela clínica no adulto. 2ª ed. São Paulo:Manole;2005.
gliconeogênese e não é suprimida por infusão de glicose. O 2. Marreiro DN, Lemos JO, Moura JF, Franco NO, Pires LV, Silva
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aumento na produção da glicose se faz necessário para as células
hemodiálise. Rev Bras Nutr Clin. 2007;22(3):189-93.
que se utilizam dela como fonte de energia, como os neurônios,
3. Kamimura MA, Avesani CM, Draibe AS, Cuppari L. Gasto ener-
as células reparadoras das feridas, as dos processos inflamatórios gético de repouso em pacientes com doença renal crônica. Rev
e as do sistema imune. Assim sendo, a necessidade da terapia Nutr. 2008;21(1):75-84.
nutricional nesses pacientes é de fato relevante no fornecimento 4. Cabral PC, Diniz AS, Arruda IKG. Avaliação nutricional de pa-
dos substratos energéticos essenciais para a produção de prote- cientes em hemodiálise. Rev Nutr. 2005;18(1):29-40.
ínas na fase aguda e na manutenção do sistema imune30,31. A 5. Inaoka NPMM, Testa LO, Aquino TM, Naufel MFS, Oliveira IC,
terapia insulínica tem demonstrado ser promissora para uso de Carvalhaes JTA. Comparação de três métodos de avaliação do
rotina em UTI. Mais estudos são necessários para definir faixas estado nutricional em crianças com doença renal crônica: escore-Z,
ideais de glicemia em diferentes situações clínicas15,29. IMC e Waterlow. J Bras Nefrol. 2008;30(4):239-44.
Está presente também, no paciente grave, o intenso cata- 6. Araújo IC, Kamimura MA, Draibe SA, Canziani ME, Manfredi
SR, Avesani CM, et al. Nutritional parameters and mortality in
bolismo protéico, pois o esqueleto carbônico é utilizado para a
incident hemodialysis patients. J Ren Nutr. 2006;16(1):27-35.
obtenção de energia, com liberação da parte nitrogenada levando
7. Wong CS, Hingorani S, Gillen DL, Sherrard DJ, Watkins SL, Brandt
à maior perda de nitrogênio e à síntese de ureia. Os aminoácidos JR, et al. Hypoalbuminemia and risk of death in pediatric patients
são mobilizados por proteólise e há formação de enzimas e de with end-stage renal disease. Kidney Int. 2002;61(2):630-7.
proteínas de fase aguda32. 8. Brem AS, Lambert C, Hill C, Kitsen J, Shemin DG. Prevalence of
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