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Termos Espectroscópicos

Neste guia assumirei que os alunos estão familiarizados com o princípio da


exclusão de Pauli, e que sabem fazer a distribuição eletrônica para os
átomos. Este guia não substitui de forma alguma a apostila sendo apenas
um auxílio para o assunto.

1. Átomo de Hidrogênio

Quando usamos a mecânica quântica para obter uma descrição do átomo de hidrogênio,
obtemos um conjunto de funções (os orbitais) que representam os possíveis estados do
elétron no átomo, e valores associados a estas funções (as energias destes estados).
Estas funções são definidas por três números que chamamos números quânticos. São
eles o número quântico principal n, o número quântico de momento angular
orbital l, e o número quântico de componente do momento angular orbital ml. Estes
números podem aparecer com outros nomes na literatura, e aqui, para abreviar,
chamaremos l por momento angular orbital e ml por componente do momento angular
orbital.
Como já foi discutido na apostila, para que a descrição do comportamento de partículas
que obedecem a mecânica quântica funcione, é necessário adicionar o spin. Para os
nossos propósitos, basta saber que o spin é uma fonte adicional de momento angular. A
introdução do spin adiciona dois números quânticos: o momento angular de spin s, e o
componente do momento angular de spin ms.
Não entrarei em detalhes sobre o significado destes números, uma vez que este não é o
objetivo deste guia. O que é importante lembrar é que:

- No átomo de hidrogênio, a energia do estado depende somente do seu valor de n.

- A partir destes cinco números definimos completamente o estado em que o elétron se


encontra no átomo de hidrogênio.

Valores que os números podem ter:

n 1, 2, 3, ...
l 0 até ( n – 1 )
ml -l até l
s sempre igual a 1/2
ms -1/2 ou +1/2

Como s é sempre igual para um elétron, muitos textos o ignoram, mas isso pode causar
confusão mais a frente.

Também devemos lembrar que existe uma notação especial para o momento angular
orbital. Uma letra é associada a cada l possível da seguinte maneira:

l=0 s
l=1 p
l=2 d
l=3 f
...
a partir daí segue em ordem alfabética.

2. Átomos Polieletrônicos ?

Se desejarmos estender a descrição quântica para os átomos polieletrônicos, surgem


alguns problemas. Primeiramente, a energia não depende mais só de n, mas também dos
números quânticos de momento angular, que passam a ser importantes.

Além disso, quando temos mais de um elétron num átomo, a descrição em termos dos
números quânticos de um elétron não é mais possível, e só podemos definir o estado
total do átomo (ou seja, precisamos descobrir os números quânticos que descrevem os
estados de energia do átomo como um todo).

Em geral, nos livros de química, a descrição dos átomos se resume à representações da


configuração eletrônica dos átomos. Por exemplo:

B – 1s2 2s2 2p1


No entanto, a uma única configuração eletrônica, podem corresponder vários estados
possíveis. Isto fica mais evidente se observarmos que, ao escrevermos a distribuição dos
elétrons nos orbitais (como fizemos acima), só definimos os números n e l para cada
elétron. Os números ms e ml para o elétron no orbital 2p não é dado, e pode ter
diferentes valores. Isto significa que uma mesma configuração eletrônica pode
corresponder a mais de um estado. Por exemplo, no caso acima poderíamos ter:

Outro exemplo:

Note que no caso do carbono tivemos que ter um cuidado adicional para construir
alguns dos estados possíveis (o princípio da exclusão de Pauli tinha que ser obedecido).
O que gostaríamos de saber agora é:

- A quantos estados corresponde uma dada configuração eletrônica ?


- Quais são os estados com valores de energia distintos ?
- Qual a ordem de energia destes estados ?

Os termos espectroscópicos são símbolos que representam estes diferentes estados. É


uma habilidade importante saber construir estes termos para diferentes configurações
eletrônicas, saber “ler” estes símbolos, e ordenar os estados por energia.

As informações contidas nestes termos espectroscópicos são, resumidamente,


informações relativas ao momento angular do átomo. O momento angular dos elétrons
individuais é combinado e geramos valores de momento angular total para o átomo.
Temos então novos números quânticos para o átomo que irão definir seus estados. Serão
eles:
L – momento angular orbital total
ML – componente do momento angular orbital total
S – momento angular de spin total
MS – componente do momento angular de spin total
J – momento angular total
MJ - componente do momento angular total

Esta “combinação” de que falei é uma soma simples para M L e MS, mas não para L, S e
J.
Não iremos nos preocupar com o MJ no momento, pois este só tem importância na
presença de campos magnéticos externos.

Existem várias maneiras de construir estes termos. Aqui irei mostrar uma delas.
Primeiro exemplo:

Boro
1s2 2s2 2p1

Primeira regra: os níveis e subníveis fechados não são necessários. No caso do Boro,
sobra apenas:
2p1
Ou seja, temos apenas um elétron, com n = 2 e l = 1
. A idéia aqui é construir uma tabela com todas as formas possíveis de construir a
configuração. A cada uma destas formas chamamos de micro-estados e chamamos a
tabela assim construída de tabela de micro-estados.

Vamos lá. A primeira coisa é calcular os valores máximos e mínimos de ML e MS. Para
o caso do boro, com apenas um elétron, é fácil:

Agora temos que preencher a tabela. O que temos que fazer é escrever as maneiras
possíveis de obter os valores de ML e MS a partir dos valores de ml e ms dos elétrons.
Para este caso, com apenas um elétron não tem dificuldade, pois ML=ml e MS=ms.
Vamos começar pela “caixa” com ML=+1 e MS=+1/2 :
Este símbolo que eu escrevi na tabela significa: “o elétron tem ml = +1, e ms= +1/2”.
Como o ms é sempre +1/2 ou -1/2, ao invés de escrever o número todo, só escrevemos o
sinal no canto superior esquerdo do número. O resto da tabela é igualmente simples,
pois como vimos, neste caso, ML=ml e MS=ms:

Esta tabela possui um total de seis micro-estados. Como obter os diferentes estados de
energia a partir da tabela com os micro-estados ? O primeiro passo, é buscar qual o
maior valor de ML que possui algum micro-estado na tabela. No nosso caso, é o M L
igual a +1. Aí, procuramos nesta linha (com ML=1) o maior valor de MS que possui
algum micro-estado na tabela. Neste caso, é o MS=+1/2. Estes são os valores máximos
de ML e MS para o estado.

Da mesma forma que, no átomo de hidrogênio, o valor máximo de ml é l, e o valor


máximo de ms é s, podemos descobrir os valores de L e S para o átomo a partir dos seus
valores máximos (ML e Ms, respectivamente) obtidos da tabela.
Desta maneira:
L=1
S=1/2
E quanto aos valores de J ? A regra para obter J é a seguinte: somamos L+S (no caso,
L+S=3/2). Agora, calculamos o módulo de L-S (aqui, | L-S |=1/2). Para achar os valores
de J, pegamos L+S, e vamos diminuindo 1 até chegar em | L-S |. Todos os valores
obtidos assim são valores possíveis de J. Neste caso:
(3/2) – 1 = 1/2 que já é igual a | L-S| . Portanto os J são J=3/2 e J=1/2.
Os números quânticos L,S e J dos estados são:
L=1, S=1/2 e J=3/2
L=1, S=1/2 e J=1/2
Para construir o símbolo, usamos a mesma notação que usamos para l (s,p,d,f...) só que
agora com maiúsculas (S, P, D, F,...). Aqui temos que ter cuidado para não confundir o
estado representado pela letra S com o número quântico do momento angular total de
spin S. No nosso caso, os dois estados tem L=1, portanto terão o símbolo P.

P P

Em seguida, calculamos a multiplicidade do estado, que é simplesmente 2S+1. Aqui, os


dois estados têm multiplicidade igual a 2. Escrevemos este valor no canto superior
direito do símbolo.

2 2
P P

Finalmente, escrevemos os possíveis valores de J no canto inferior direito do símbolo.

2 2
P3/2 P1/2

Estes são dois termos espectroscópicos para o átomo em questão. Será que existem
mais? Temos que voltar a nossa tabela e cortar todos os micro-estados que
correspondem a estes termos e verificar se sobrou algum. O corte é feito assim: partindo
daquela “caixa” da tabela com ML = +1 e MS = +1/2, vamos cortar um micro-estado de
cada “caixa” que esteja no retângulo limitado por ML até -ML e MS até – MS. Vejamos:
Neste caso não sobrou nenhum micro-estado. Desta forma, os termos espectroscópicos
para o boro são:
2 2
P3/2 P1/2
Vamos fazer um exemplo.um pouco mais complicado:

C – 1s22s22p2

O carbono tem dois elétrons na última subcamada. Portanto, para calcular o valor
máximo e mínimo de ML e MS, precisaremos somar os valores de ml e ms para os dois
elétrons:

Agora vamos escrever os micro-estados. Vamos a “caixa” com ML = +2 e MS = +1. De


quantas maneiras podemos obter estes valores de ML e MS a partir dos possíveis valores
de ml e ms dos elétrons ? Podemos verificar que isso só é possível se ml = +1 e ms = +1/2
para os dois elétrons. Neste caso, teríamos o micro-estado (+1+,+1+). Porém, este micro-
estado viola o princípio da exclusão de Pauli pois os dois elétrons têm os mesmos
números quânticos (n=2, l=1, s=1/2, ml=+1, ms=+1/2). Portanto esta caixa não terá
nenhum micro-estado. Vamos marcar esta “caixa” com um X:

Na verdade, existem outras “caixas” para as quais só podemos escrever micro-estados


que violam o princípio da exclusão e, portanto, não existem. Eu vou marcá-las e sugiro
que você verifique por si mesmo:
Vamos para a próxima caixa vazia: ML = +2 e MS = 0. Só é possível obter estes valores
com o micro-estado (+1+,+1-) ou seja, um elétron com ml = +1 e ms = +1/2 e o outro
com ml = +1 e ms = -1/2. Note que aqui, tanto faz escrever (+1+,+1-) ou (+1-,+1+).
Na primeira caixa da linha seguinte (ML=+1 e MS=+1/2) temos o micro-estado (+1+,0+).
Na segunda caixa (ML=+1 e MS=0) temos, pela primeira vez, a possibilidade de
construir dois micro-estados diferentes: (+1+,0-) e (+1-,0+). Note que aqui, os dois
símbolos correspondem a micro-estados distintos: no primeiro, um elétron tem ml = +1
e ms = +1/2 e o outro tem ml = 0 e ms = -1/2. No segundo, um elétron tem ml = +1 e
ms=-1/2 enquanto o outro tem ml = 0 e ms = +1/2. Espero que você já tenha entendido
como preencher a tabela. Vamos vê-la toda preenchida:

Agora podemos construir os termos espectroscópicos. Vamos ao valor mais alto de ML


que possui pelo menos um micro-estado (ML = +2). Agora verificamos qual o valor de
MS mais alto com esse ML que contém pelo menos um micro-estado (é o MS = 0). Desta
forma, o termo espectroscópico correspondente terá:
L=2 (corresponde a letra D)
S=0 (multiplicidade igual a 1)
E quanto ao J ? Bom, L+S=2 e |L-S|=2 também. Então o único J possível é igual a 2. O
termo espectroscópico é, portanto:
1
D2

Ótimo, agora vamos cortar da tabela um número de micro-estados que correspondem a


este termo. Para fazer isso é só seguir a regra que usamos no caso do Boro: vamos cortar
um micro-estado de cada caixa no retângulo definido de ML=+2 e MS=0 até ML=-2 e
MS=0. O micro-estado que você vai cortar não importa muito, o que importa agora é
cortar o número certo (um em cada caixa selecionada):

Ainda temos micro-estados na tabela. Procurando o ML mais alto que ainda tem micro-
estados, achamos ML=+1 e MS=+1. Ou seja, o termo espectroscópico correspondente
terá:
L=1
S=1
O J pode ir de L+S que é igual a 2 até |L-S| que é igual a 0. Portanto, J pode valer 2, 1 e
0.
Os termos serão:
3
P2, 3P1 e 3P0.
Cortando um termo de cada caixa limitada por ML=+1 e MS=+1 e ML=-1 e MS=-1:

Sobrou um único micro-estado na tabela, na caixa com ML=0 e MS=0. Aqui temos:
L=0
S=0
J=0
E o símbolo do termo é dado por:
1
S0
Os termos espectroscópicos do carbono são, portanto:
1
D2, 3P2, 3P1, 3P0, 1S0

Alguns pontos importantes:


- Quando temos um átomo com uma subcamada toda “preenchida” (ex.: He, Ne, Ca),
não precisamos fazer tabela nenhuma. A configuração eletrônica para estes átomos
corresponde a um único estado cujo termo é sempre 1S0.
- Para calcular os termos de elementos com sub-camadas com mais da metade dos
elétrons (por exemplo, F – 1s2 2s2 2p5) basta ver quantos elétrons faltam para preencher
a subcamada e construir o termo para este número de elétrons (no caso, o termo do flúor
poderia ser obtido construindo a tabela para a configuração 2p1).
Recomendo agora que você releia a seção da apostila que discute os termos e as regras
de Hund para ordenação dos termos espectroscópicos por energia.

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