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ESTUDOS DE

DIREITO DO
SANEAMENTO

JOÃO MIRANDA | RUI CUNHA MARQUES


PATRICIA SAMPAIO | RÔMULO SAMPAIO
(coordenadores)
ESTUDOS DE

DIREITO DO
SANEAMENTO

JOÃO MIRANDA
RUI CUNHA MARQUES
PATRÍCIA SAMPAIO
RÔMULO SAMPAIO
(coordenadores)
Edição
Instituto de Ciências Jurídico-Políticas
Centro de Investigação de Direito Público
-
www.icjp.pt
icjp@fd.ulisboa.pt

-
Março de 2020
ISBN: 978-989-8722-44-7

Alameda da Universidade
1649-014 Lisboa
www.fd.ulisboa.pt

Imagem da capa:
David Hughes
Arquivo Shutterstock

-
Produzido por:
OH! Multimédia
mail@oh-multimedia.com

2
Índice

7 Nota Prévia.

9 Apresentação.

11 Uma análise crítica sobre a judicialização da política pública


de saneamento básico no Brasil.
Adelâine Feijó Macedo

51 Saneamento Rural no Brasil – Desafio da universalização


do esgotamento sanitário e a busca de soluções para o
tratamento do esgoto em comunidades rurais e tradicionais.
Estudo sobre experiências exitosas utilizando tecnologias
sustentáveis e arcabouço jurídico para sua implementação.
Adriana de Luca Alvarenga

93 A gestão associada dos serviços públicos de saneamento básico


– parcerias “Público-Público” como forma de materialização
do federalismo-cooperativo brasileiro.
Alyre Marques Pinto

153 Aspectos legais que impactam na efetividade da


politica federal do saneamento básico destinada
aos municípios de até cinquenta mil habitantes.
Ana Salett Marques Gulli

3
Estudos de Direito do Saneamento

180 O acesso à água potável como direito fundamental


e a necessidade de conscientização ambiental.
Andrea Paula Andreassa

203 Saneamento básico - um Direito Fundamental.


Caminho para universalização.
Angela Maria Rocha de Almeida Lima

233 Serviço público de saneamento básico em


regiões metropolitanas.
Cassia Hoshino

259 A prestação do serviço público de saneamento básico


de forma contratada: Análise crítica dos elementos que
envolvem tal relação jurídica.
Cristiane Souza Braz Costa

301 Criação de consórcio interfederativo no Amazonas:


a gestão associada como meio de incremento dos
índices de saneamento no Estado.
Dandara Viégas Dantas

330 Política de saneamento básico no Brasil:


despolitização e tecnocratização.
Daniel Viana Teixeira

361 Democratização na Política de Saneamento Básico


– Regulação e participação popular.
Darlene Pereira Martins Lemes

413 Consórcio público: instrumento de cooperação federativa


das políticas públicas de saneamento básico.
Fátima Regina Ribeiro

4
432 Parcerias Público-Privadas em Saneamento Básico:
Modernizando a relação entre Estado e iniciativa privada no setor.
Fernanda Rodrigues de Morais

471 A vocação da FUNASA (fundação nacional de saúde)


para ser o órgão regulador do saneamento brasileiro.
Flavio Marzano

503 O desafio brasileiro de univeralização do acesso à água potável


- A necessidade de redefinição dos papéis dos entes federativos
no setor de saneamento básico.
Ilko Machado de carvalho

533 Salta-z uma alternativa frente aos desafios da realidade brasileira:


Materialização do direito de acesso à água potável.
Ivanilde Herculano da Silva Alves

603 Saneamento básico: prestação dos serviços de água


e esgoto no estado do amapá.
José Welton Medeiros Ferreira

649 Saneamento - breves considerações sobre a evolução,


história e o aspecto normativo do tema no brasil.
Karla Baião de Azevedo Ribeiro

671 Saneamento ambiental e a importância do planejamento


e da participação popular para a sua efetividade.
Luiz Henrique de Castro Pereira

704 A água e a necessidade urgente do pagamento pelo seu uso.


Luiz Paulo Ferreira

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Estudos de Direito do Saneamento

732 A prestação do serviço público de saneamento básico por


atividade desagregada. Análise do artigo 12 da Lei nº 11.445/07.
Marcela Sales Meinerz

773 O direito de retirada de município integrante de consórcio público


e o destino dos bens adquiridos com recursos oriundos de convênio.
Osvaldir Magnani Júnior

799 Panorama dos planos municipais de saneamento básico


no Mato Grosso.
Renata Tatiana Nunes Junqueira Franco

835 O titular do saneamento básico diante do modelo de prestação


de serviço proposto pelo pl n° 3.261, De 2019 do senado federal.
Rubem Aranovich

874 Da necessidade de regulamentação legal específica para


o estabelecimento de uma política pública efetiva sobre
o reúso de águas no Brasil.
Sandra Carneiro Valença Santos

912 Saneamento Ambiental no Brasil: cooperar para universalizar.


Tércio Aragão Brilhante

950 Salta-z: uma alternativa na busca de efetividade


do direito humano de acesso à água potável.
Wynston Lima Alexandrino

987 Nota Biográfica dos Autores

6
Nota prévia
A presente publicação reúne os textos apresentados pelos Procura-
dores da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) no Curso de Extensão
de Direito do Saneamento, organizado pelo Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP), entre
dezembro de 2018 e julho de 2019.

A organização do curso constituiu uma experiência única de diálogo


luso-brasileiro sobre temas relacionados com o Direito do Saneamento.
Com efeito, procurou fornecer-se um panorama das principais contrové-
rias jurídicas em torno da regulação do saneamento, numa perspetiva
eminentemente comparada Brasil-Portugal. O curso abordou questões
tão diversas quanto a regulação jurídica e económica do setor, o tarifário
dos serviços de água e de esgotamento sanitário, a contratação pública
dos serviços de água e de saneamento, o planejamento e a propriedade
dos recursos hídricos e a organização institucional do setor.

Para tanto, muito contribuiu a composição plural do corpo docente, com-


preendendo, além dos aqui signatários, reputados Professores brasileiros e
portugueses: Prof. Doutor Alceu Galvão (Agência Reguladora do Estado do
Ceará), Prof. Doutora Ana Gouveia Martins (Faculdade de Direito da Universi-

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7
Estudos de Direito do Saneamento

dade de Lisboa, Prof. Doutor Floriano Marques (Faculdade de Direito da Uni-


versidade de São Paulo), Prof. Doutor Armando Castelar Pinheiro (Fundação
Getúlio Vargas) e Prof. Doutora Lúcia Helena Salgado (Faculdade de Ciências
Económicas da Universidade do Estado de Rio de Janeiro).

O curso desenrolou-se em oito sessões, uma delas através de webinar


(videoconferência) e as demais no Rio de Janeiro e em Brasília, num total de 44
horas de lecionação dos temas do curso, cujo programa se publica em anexo.

Um agradecimento especial é devido à Presidência da FUNASA por


todo o apoio prestado e pela satisfação das exigências necessárias à re-
alização do curso. Seja-nos permitido ainda exprimir a nossa profunda
gratidão à Procuradora-Chefe Ana Salett Marques Gulli pelo entusiamo
com que abraçou a iniciativa e por ter sido inexcedível na criação das
condições para que o curso tivesse lugar com efetividade.

O melhor atestado do êxito do curso é dado pela qualidade dos trabal-


hos ora dados à estampa, que se espera possam abrir novos horizontes para
futuras iniciativas de colaboração entre o ICJP e a FUNASA e que possam
constituir o ensejo para que os autores venham a desenvolver trabalhos
académicos ainda de maior fôlego no campo do Direito do Saneamento.

Lisboa e Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2020

JOÃO MIRANDA
RUI CUNHA MARQUES
PATRÍCIA SAMPAIO
RÔMULO SAMPAIO

Coordenadores científicos

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Apresentação
É com imensa satisfação que finalizamos mais uma etapa da Coop-
eração Internacional entre a Fundação Nacional de Saúde e o Instituto
de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa com a publicação de artigos acerca dos principais temas do direito
do saneamento abordados no Curso de Extensão destinado ao corpo ju-
rídico da autarquia, cujo objetivo foi aprofundar o debate sobre o Direito
e sua relação com o Saneamento Básico.

A partir das discussões promovidas nos encontros acerca dos mais


relevantes temas que permeiam a implementação do saneamento bási-
co no Brasil, sob uma perspectiva comparada com Portugal, vários temas
foram analisados dando ensejo ao presente projeto, no qual são aborda-
dos temas sobre o Direito ao Saneamento Básico, de modo a constituir
significativa contribuição para a literatura jurídica.

A Fundação Nacional de Saúde, entidade de promoção e proteção à


saúde, no desempenho de sua relevante missão de fomentar soluções de
saneamento para prevenção e controle de doenças e formular e imple-
mentar ações de promoção e proteção à saúde relacionadas com as ações
estabelecidas pelo Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental

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9
Estudos de Direito do Saneamento

possui um papel fundamental, especialmente neste momento de perspec-


tiva de aprovação e implementação do novo marco regulatório do setor.

Agradecemos imensamente ao Instituto de Ciências Jurídico-Políticas


da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa pela parceria firmada
desde maio de 2018 e a toda coordenação científica do curso de exten-
são. Em especial, ao Professor João Miranda pela dedicação ao projeto e
a viabilização desse impecável curso aos procuradores federais.

ANA SALETT MARQUES GULLI

Procuradora-Chefe

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Uma análise crítica sobre a
judicialização da política pública
de saneamento básico no Brasil
ADELÂINE FEIJÓ MACEDO1
s.
o1

Resumo

O presente trabalho traz uma reflexão sobre a judicialização da política


pública de saneamento básico no Brasil, destacando a complexa cadeia
dos serviços que integram o sistema, a diversidade de atores envolvidos
no arranjo constitucional, a demandar o esforço conjunto dos entes fe-
derativos, da insegurança que ainda paira em relação à titularidade dos
serviços, sem esquecer das questões econômicas e operacionais que de-
vem ser ponderadas na promoção do direito social pelo Poder Judiciário.

Palavras-chave: Saneamento Básico, direito humano, serviço público


essencial, judicialização.

1 Procuradora Federal. Coordenadora do contencioso em matéria finalística da Funda-


ção Nacional de Saúde-FUNASA. Especialista em direito processual e em saneamento ambiental.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em: <https://nacoe-
sunidas.org/onu-1-em-cada-3-pessoas-no-mundo-nao-tem-acesso-a-agua-potavel/>.
Acesso em: 24./06.2019.

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11
Estudos de Direito do Saneamento

Abstract

This paper is a reflection on the judicialization of public sanitation policy


in Brazil, highlighting the complex chain of services that integrate the system,
the diversity of actors that make up the constitutional arrangement, claiming
global effort of the federative entities, the insecurity that still hovers with the
ownership of services, not forgetting the economic and operational issues
that must be considered in the promotion of social law by the judiciary.

Sumário:
1. Uma Visão Global do Saneamento Básico; 2. O Direito ao Sane-
amento na Constituição Federal de 1988; 3. Titularidade dos Ser-
viços; 4. Saneamento Básico como Serviço Público Essencial; 5.
Da Judicialização da Política Pública em Debate; 5.1. Noções Ge-
rais. 5.2. Pontos Sensíveis da Intervenção do Judiciário na Política
Pública de Saneamento no Brasil. 5.3. Do caráter Programático
dos Direitos Sociais; 5.4. Da Ausência de Legitimidade Democrá-
tica; 5.5 Da Reserva do Possível; 5.6. Da Ausência de Capacidade
Técnica do Judiciário e 6. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

Quando se fala em saneamento básico, a palavra de ordem é a univer-


salização do acesso aos serviços públicos que integram este componente
indispensável à dignidade da pessoa humana, sobretudo diante do cená-
rio mundial de escassez e desigualdades na disponibilidade, execução e
qualidade dos serviços de saneamento. Segundo relatório recentemente
elaborado pela ONU, cerca de 2,2 bilhões de pessoas no mundo não são
contempladas com o acesso adequado de abastecimento de água e 4,3
bilhões não têm acesso ao esgotamento sanitário de forma segura.

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12
Em virtude da interdependência do direito ao saneamento básico com
outros direitos humanos, a comunidade jurídica vem se debruçando sobre
o tema, ainda que indiretamente, desde a Declaração de Direitos das Na-
ções Unidas de 1948. Mas, somente em julho de 2010, a Assembleia Geral
da ONU, por intermédio da Resolução n.º 64/292, reconheceu expressa-
mente “o direito à água potável e limpa e ao saneamento básico como di-
reito essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos”.

Atualmente, o tema compõe um dos objetivos do desenvolvimento


sustentável, ODS 6, da Agenda 2030 da Organização Mundial das Nações
Unidas-ONU, tendo a particular missão de assegurar a disponibilidade e
gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos.

No cenário nacional, o saneamento básico é reconhecido como direi-


to fundamental social implícito, por compreender uma das vertentes do
princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º inciso
III, da Constituição Federal de 1988, e assumir a função de verdadeiro
instrumento para realização de outros direitos essenciais, a exemplo dos
direitos à saúde, ao meio ambiente equilibrado, ao desenvolvimento so-
cial e econômico, à educação, dentre outros. Correspondente a tal direi-
to, extrai-se o dever do Estado de garantir o acesso universal, igualitário e
adequado aos serviços públicos que integram o sistema de saneamento.

Todavia, o diagnóstico da prestação dos serviços públicos de sanea-


mento no Brasil é bastante preocupante, haja vista que 33 milhões de bra-
sileiros não têm acesso à água tratada, e mais de 95 milhões são desprovi-
dos de oferta adequada de esgotamento sanitário, conforme os dados do
Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento básico-SNIS2.

2 INSTITUTO TRATA BRASIL. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre o


Saneamento Básico-SNIS. Disponível em: <www.tratabrasil.org.br>. Acesso em: 24.06.2019.

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Estudos de Direito do Saneamento

Diante do panorama de baixa cobertura dos serviços e de insuficiên-


cia de recursos públicos destinados ao setor, mais do que nunca, cresce
o número de ações judiciais visando à concretização do direito ao sanea-
mento básico, a ponto de o Judiciário se transformar em verdadeiro pro-
tagonista na implementação de políticas públicas sociais, assumindo o
papel que, a priori, é reservado aos Poderes Legislativo e Executivo, insti-
tucionalmente competentes para planejar e executar as políticas sociais.

No campo da tutela judicial dos direitos sociais, em especial do direito


ao saneamento, tem-se a necessidade de um debate mais fervoroso sobre
os desafios e riscos da atuação dos Judiciário nesta seara, avançando nas
particularidades da prestação dos serviços em destaque, sobretudo no ar-
ranjo constitucionalmente disposto, que envolve a participação de vários
atores, direta ou indiretamente, com o financiamento da política pública
por meio recursos públicos federais, provenientes de vários Ministérios que
atuam no desenvolvimento da Política Nacional de Saneamento Básico.

Nessa perspectiva, sem a intenção de exaurir o tema, o presente


trabalho trará uma reflexão sobre a judicialização da política pública em
debate, destacando a complexa cadeia dos serviços que integram o sa-
neamento, a diversidade de atores envolvidos no arranjo constitucional,
a demandar o esforço conjunto dos entes federativos, da insegurança
que ainda paira em relação à titularidade dos serviços, sem esquecer
das questões econômicas e operacionais que devem ser ponderadas na
promoção do direito social pelo Poder Judiciário.

1. UMA VISÃO GLOBAL DO SANEAMENTO BÁSICO

De acordo com o Programa de Monitoramento Conjunto, “Progress on


drinking water, sanitation and hygiene: 2000-2017: Special focus on ine-

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14
qualities”, elaborado pelo UNICEF e pela Organização Mundial da Saúde-
OMS, cerca de 2,2 bilhões de pessoas não têm serviços de água potável ge-
renciados de forma segura, 4,2 bilhões não têm serviços de esgotamento
sanitário gerenciados de forma segura e 3 bilhões não possuem instalações
básicas para a higienização das mãos”3. Sendo estimado, pela Organização
Mundial da Saúde- OMS, que, a cada US$ 1 investido em saneamento, a
economia gerada é de 4,3 dólares em gastos na saúde do mundo.

Atento a tal cenário, em julho de 2010, por meio da Resolução n.º


64/2924, a Assembleia Geral das Nações Unidas-ONU reconheceu ex-
pressamente o direito à água potável e limpa e ao saneamento como
direito essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos huma-
nos”. Além de assentar a condição de direito humano fundamental, con-
vocou os Estados e os organismos internacionais para apoiarem os paí-
ses em desenvolvimento na concretização do acesso ao saneamento e à
água potável, sobretudo em áreas não-servidas ou insuficientes servidas.

Nada obstante, antes da edição da Resolução n.º 64/292, vários ins-


trumentos internacionais já abordavam o tema no contexto da digni-
dade da pessoa humana e da proteção ao meio ambiente. Da própria
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, especialmente
da redação do seu artigo 25, n.º 15, extrai-se, ainda que implicitamente,

3 Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&-


view=article&id=5970:uma-em-cada-tres-pessoas-no-mundo-nao-tem-acesso-a-agua-po-
tavel-revela-novo-relatorio-do-unicef-e-da-oms&Itemid=839>. Acesso em: 20.06.2019.
4 Naciones Unidas. Asamblea General. Resolución aprobada por la Asamblea
General el 28 de julio de 2010. Disponível em : <https://www.un.org/spanish/waterforli-
fedecade/human_right_to_water.shtml>. Acesso em: 24.06.2019.
5 Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Artigo 25, n.º 1. Todo ser
humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde
e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez,
viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

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15
Estudos de Direito do Saneamento

a condição do saneamento básico como um dos pilares do direito a um


padrão de vida digna e do direito à saúde.

Nesse sentido, o Pacto internacional relativo aos Direitos Econômi-


cos, Sociais e Culturais, de 1966, incorporado ao ordenamento jurídico
pátrio pelo Decreto n.º 591/1992, prevê, em seu artigo 11-1, “o direito
de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua fa-
mília, vestimenta e moradia adequados, assim como a uma melhoria
continua de suas condições de vida”. 6

Em 2000, os Estados-membros da Organização Mundial das Nações


Unidas, inclusive o Brasil, assinaram a Declaração do Milênio das Nações
Unidas7, na ocasião, foram traçados os 8 Objetivos do Desenvolvimento
do Milênio (ODM) e, dentre eles, destaca-se o ODM 7, cujo enfoque é ga-
rantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente, com metas ligadas
à água e ao saneamento.

Mais recentemente, em 2015, a comunidade internacional debru-


çou-se sobre o tema na Agenda 2030 da Organização Mundial das Na-
ções Unidas8, que contou com a participação dos 193 Estados-Membros
da ONU, para realização dos 17 objetivos do Desenvolvimento Susten-
tável, dentre os quais, convém enfatizar o ODS 6, que tem como missão

6 Artigo 11-1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda


pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação,
vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições
de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução des-
se direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacio-
nal fundada no livre consentimento.
7 Declaração do Milênio. Disponível em: <https://www.unric.org/html/portugue-
se/uninfo/DecdoMil.pdf>. Acesso em: 24.06.2019.
8 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Agenda 2030. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. Acesso em: 24.06.2019.

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16
precípua “assegura a disponibilidade e gestão sustentável da água e sa-
neamento para todas e todos”.

Da concepção do saneamento básico como direito fundamental à


condição humana, sobressaem algumas características inerentes aos Di-
reitos Humanos, como a universalidade, a indivisibilidade, a interdepen-
dência e a inter-relação com outros direitos igualmente inseridos no ca-
tálogo de direitos essenciais. Tais características foram estabelecidas na
Resolução n.º 32/130, da Assembleia Geral das Nações Unidas, ao prever
que “todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que perten-
cem, se inter-relacionam entre si, e são indivisíveis e interdependes”. E
posteriormente realçadas na Declaração de Direitos Humanos de Viena
de 1993, que estabeleceu, no parágrafo 5º, que “todos os direitos huma-
nos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”.

Sobre o tema, vale reproduzir as palavras do brasileiro Léo Heller, Re-


lator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre as nuan-
ces do direito humano ao saneamento básico, vejamos:

“além dos princípios gerais que se aplicam a todos os direitos


humanos (como igualdade, participação, transparência e acesso
à informação), no caso específico do direito à água e ao esgoto
sanitário, os chamados conteúdos normativos devem também
ser respeitados, os quais incluem disponibilidade, acessibilidade
física, acessibilidade financeira, qualidade e segurança, aceitabi-
lidade, privacidade e dignidade” 9.

9 Disponível em: <https://www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/ecologia-e-


meio-ambiente/agua-direito-humano-entrevista-de-leo-heller-ao-idec/13505/ >. Acesso
em: 15.06.2019.

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17
Estudos de Direito do Saneamento

O caráter universal dos direitos humanos assume papel destaque no


presente estudo, na medida em que foi inserido como um dos princípios
informadores da Política Nacional de Saneamento Básico, por força do
artigo 2º, inciso I, e do artigo 3º, inciso III, da Lei Federal n.º 11.445/07.
E como tal, deve orientar os Poderes Estatais na elaboração das políticas
públicas e na gestão de recursos orçamentários capazes de garantir o
acesso universal aos serviços de saneamento.

A indivisibilidade e a inter-relação são peculiarmente apreendidas na


complexa cadeia do saneamento, e suas interfaces com as políticas de
saúde pública, erradicação e combate à pobreza, de proteção ambiental,
urbanística, desenvolvimento regional, educação, dentre outras correlatas
ao tema. Nessa dimensão, além da peculiar condição de direito humano, o
saneamento também é compreendido como verdadeiro instrumento para
concreção de outras políticas públicas essenciais para a coletividade.

2. O DIREITO AO SANEAMENTO BÁSICO NA CONSTITUIÇÃO FE-


DERAL DE 1988

Embora a Constituição Federal de 1988 tenha enumerado um vasto


catálogo de direitos e garantias fundamentais ao longo de suas disposi-
ções, o legislador constitucional não mencionou expressamente o sane-
amento básico no capítulo voltado aos direitos sociais, fazendo algumas
concessões ao tema, especialmente no campo do direito social à saúde.
Ainda que implicitamente previsto na Lei Maior, o reconhecimento do
direito ao saneamento básico decorre da própria noção da dignidade da
pessoa humana, que constitui um dos fundamentos da República Fede-
rativa Brasil, por força do artigo 1º, III, da Constituição Federal.

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18
Além de ser compreendido na dimensão dignidade da pessoa huma-
na, o Brasil é signatário de vários instrumentos internacionais em matéria
de saneamento básico e fornecimento de água potável, de modo que
não se discute o reconhecimento de tal direito no ordenamento jurídico
brasileiro. Por oportuno, vale mencionar que a Constituição Brasileira, a
exemplo da Constituição Portuguesa10, consagra a cláusula de abertura
em relação aos direitos fundamentos, no artigo 5º, § 2º, de modo que
“os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Registre-se, a título de informação, a tramitação de alguns projetos


de emenda constitucional, no âmbito do Congresso Nacional, visando
à inclusão do direito ao saneamento básico no rol dos direitos sociais
expressos no artigo 6º da Constituição11, a exemplo da Pec n.º 35/2017 e
Pec n.º 425/2018, ambas de iniciativa da Câmara dos Deputados.

Como desdobramento do direito à saúde, saliente-se a disposição contida


no artigo 196 da Constituição Federal, que estabelece “a saúde é direito de to-
dos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Mais além, o legislador constitucional inseriu, no artigo 200, inciso IV, da Lei
Maior, dentre as atribuições do Sistema Único de Saúde-SUS, a de atuar na
formulação da política e da execução das ações de saneamento básico.

10 MIRANDA, Jorge. O direito fundamental à água e a sustentabilidade dos servi-


ços públicos de água em Portugal. Lisboa, 2019, p. 2.
11 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 6º- São direitos sociais a edu-
cação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 90, de 2015).

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19
Estudos de Direito do Saneamento

O direito ao saneamento também constitui umas das vertentes do


meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos traçados pelo
artigo 22512 da Constituição, seja pela noção de que o ciclo do saneamen-
to envolve, necessariamente, a utilização de recursos hídricos, seja pela
perspectiva de que o desenvolvimento sustentável requer uma melhor
articulação e execução das políticas públicas, especialmente no que toca
à questão do esgotamento sanitário13.

Nesse ponto, o legislador infraconstitucional, ao dispor sobre as Diretri-


zes Nacionais do Saneamento Básico no Brasil, estabeleceu expressamen-
te, no artigo 2.º, inciso VI, da Lei Federal n.º 11.445/07, que os serviços de
saneamento básico devem ser articulados em consonância com as políti-
cas públicas de proteção ambiental e de promoção à saúde, dentre outras
correlacionadas ao tema. Na mesma linha, o parágrafo único do artigo 4º,
do mesmo diploma legal, ressalta que a utilização de recursos hídricos para
a prestação dos serviços de saneamento básico está sujeita a outorga de
direito de uso da água, por parte da União ou do Estado, conforme as dire-
trizes traçadas pela Política Nacional de Recursos Hídricos.

3. TITULARIDADE DO SERVIÇOS

A Constituição Federal preceitua, em seu artigo 1º, que a República


Federativa do Brasil compreende a união indissolúvel dos Estados, Mu-

12 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 225. Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
13 CAMATTA, Adriana Freitas Antunes. O Saneamento Básico e Proteção Ambien-
tal: Atenção Permanente do Estado na Execução de Serviços Essenciais. In: Dom Helder Re-
vista de Direito, v. 1, n. 1, Setembro/Dezembro de 2018. Disponível em: <www.domhelder.
edu.br>. Acesso em: 18.06.2019.

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20
nicípios e do Distrito Federal. Mais adiante, no artigo 18, estabelece que
a organização política-administrativa do Brasil compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Munícipios, unidades dotadas de autono-
mia, autoadministração e autogoverno.

Sem adentrar nas peculiaridades do federalismo brasileiro, que não é o


cerne do presente artigo, convém fazer alguns apontamentos sobre a re-
partição constitucional de competência em matéria de saneamento básico.

Com bem salienta Barroso14 “a titularidade para a prestação do serviço


de saneamento básico no Brasil é produto de uma sofisticada conjugação
de técnicas de repartição de competências no Estado federal”. Isso porque
o legislador constituinte não traçou um modelo suficientemente claro de
repartição de competências em matéria de saneamento básico, de sorte
que o tema ainda é objeto de intenso debate no âmbito da jurisprudência
constitucional15, e fomenta o cenário de insegurança jurídica no setor.

Atento a tal cenário, e tendo em vista que a água é um dos com-


ponentes essenciais na complexa cadeia do saneamento básico, que vai
da captação, tratamento, adução, reserva, fornecimento de água à po-
pulação, condução e disposição do esgotamento sanitário, é importante
trazer à baila uma visão sistemática da discussão sobre a titularidade dos
serviços de saneamento no Brasil.

Pois bem. O legislador constitucional conferiu à União o domínio dos


lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou
que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou

14 BARROSO. Luís Roberto. Saneamento Básico. Competências constitucionais da


União, Estados e Municípios. In: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE),
Salvador. Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 11, agosto/setembro/outubro. 2007. p.10.
15 Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1842-RJ e n.º 2077-BA. Disponível em:
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1714588>. Acesso em 13.06.2019.

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21
Estudos de Direito do Saneamento

se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os


terrenos marginais e as praias fluviais (artigo 20, inciso III), e aos Estados,
destacou a propriedade  das águas superficiais ou subterrâneas, fluen-
tes, emergentes e em depósito ( artigo 26, inciso I).

Em que pese a ausência de disposição constitucional sobre o domí-


nio das águas em relação aos municípios, a Constituição inseriu, no âm-
bito da competência comum reservada a todos os entes federativos, o
dever de acompanhar, registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões
de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos, na forma do
artigo 23, inciso XI, da Lei Maior. Afora isso, o Constituinte outorgou
aos Municípios a competência para prestação de serviços públicos de
interesse predominantemente local.

Em relação às diretrizes gerais sobre as águas, compete à União ins-


tituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir
critérios de outorga de direitos de seu uso (artigo 21, inciso XIX). No exer-
cício da competência outorgada pelo artigo 21, inciso XIX, da Lei Maior,
foi editada a Lei federal n.º 9.433/1997, que criou o Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cujos preceitos devem pautar o
planejamento e a execução das políticas públicas de saneamento básico.

Compete, ainda, à União estabelecer as diretrizes para o desenvolvimen-


to urbano, habitação e saneamento básico, por força do artigo 21, inciso XX,
da Constituição Federal. Tal competência foi efetivada somente em 2007,
com a edição da Lei Federal n.º 11.445/07, que estabeleceu diretrizes nacio-
nais para o saneamento básico, e seu regulamento, Decreto n.º 7.217/2010.

No que se refere à competência político-administrativa, o constituin-


te outorgou à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a
missão de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer

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22
de suas formas (artigo 23, inciso VI), bem como de promover programas
de construção de moradias e de melhoria das condições habitacionais e
de saneamento básico (artigo 23, inciso IX).

Quanto à titularidade dos serviços de saneamento básico, numa leitura


sistemática do arcabouço constitucional, extrai-se a intenção do legislador
constitucional de desenhar tal competência nos assuntos de interesse lo-
cal, cuja atribuição é reservada aos Municípios, nos termos do artigo 30,
inciso I, da Constituição Federal. Para além, o Constituinte também sinali-
zou para a atuação coordenada entre os entes federativos, com a criação
de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, cons-
tituídas por municípios limítrofes, para melhor planejamento e execução
das atividades de saneamento básico. É o que se observa da leitura dos
dispositivos constitucionais correlatos ao assunto, in verbis:

“Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Dis-


trito Federal e dos Municípios:

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qual-


quer de suas formas;

IX- promover programas de construção de moradias e a melhoria


das condições habitacionais e de saneamento básico;

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a


cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do
bem-estar em âmbito nacional.

Artigo 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições


e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

§ 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir


regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões,

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23
Estudos de Direito do Saneamento

constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para in-


tegrar a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum.

Artigo 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão


ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o
de transporte coletivo, que tem caráter essencial;”

No âmbito da jurisprudência constitucional16, a tese da titularidade mu-


nicipal dos serviços de saneamento básico tem prevalecido nas decisões
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Da mesma forma, a doutrina17 en-
tende que, em princípio, os serviços de saneamento são de titularidade dos
Municípios, por se tratar de atividade em que predomina o interesse local.

Contudo, a discussão sobre a titularidade dos serviços em regiões metro-


politanas, aglomerações urbanas e microrregiões não está pacificada, haja
vista que está pendente de julgamento os embargos de declaração opostos
em face da decisão proferida pelo Tribunal, no bojo das Ações Direta de In-
constitucionalidade, ADIs n.º 1.842-RJ e n.º 2.077-BA, que tratam, em essên-

16 MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. As Parcerias Público-Privadas no Sanea-


mento Ambiental. In: Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador,
Instituto de Direito Público da Bahia, nº 02, maio-jun-jul, 2005. Disponível em: http//di-
reitodoestado.com.br Acesso em: 17.5.2019. No mesmo sentido, MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito municipal brasileiro. Atualização de Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva.
15. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 438-439.
17 Cf. decisões proferidas nas Ações Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.340-SC,
n.º 1.842-RJ e n.º 2.077-BA.

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24
cia, da competência para a prestação dos serviços de saneamento básico nos
Estados do Rio de Janeiro e da Bahia, respectivamente.

Em 2013, quando o Supremo julgou as mencionadas ações, reconhe-


ceu a inconstitucionalidade da transferência ao estado-membro do poder
concedente das funções e serviços de interesse comum, sob o fundamento
de que o estabelecimento de regiões metropolitanas não significa simples
transferência de competência para os estados, de modo que deve ser as-
segurada a participação do estado e dos municípios que integram a região
metropolitana, conforme as peculiaridades vivenciadas por cada ente fe-
derativo, sem que haja a concentração de poder nas mãos de um só ente.

Embora o Tribunal tenha se reportado a alguns modelos de aglome-


rações urbanas assentes no direito comparado, em especial no proferi-
do pelo Ministro Gilmar Mendes18, a problemática que gira em torno da
prestação dos serviços em áreas de conurbação urbana está longe de
ser definitivamente espancada, e externa mais um capítulo da complexa
cadeia de saneamento, sem a definição exata de um modelo específico
que atenda às necessidades do sistema nacional, capaz de refletir as as-
simetrias do federalismo do Brasil.

Por fim, a despeito da titularidade municipal da função pública em


discussão, urge salientar o papel da União na promoção do saneamen-
to no Brasil, com a alocação de recursos públicos federais onerosos e
não-onerosos destinados ao setor, a fim de viabilizar o acesso universal
aos serviços. A atuação do Governo Federal conta com a participação de
diversos atores, a exemplo do Ministério da Saúde, por intermédio da Se-
cretaria de Saúde Indígena-SESAI e da Fundação Nacional de Saúde-FU-

18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto proferido pelo Ministro Gilmar Men-
des sobre região metropolitana e microrregião dos Lagos no Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=232208&tip=UN>.
Acesso em 13.06.2019.

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25
Estudos de Direito do Saneamento

NASA, do Ministério do Desenvolvimento Regional- Secretaria Nacional


de Saneamento Ambiental, Ministério da Integração, da Caixa Econômica
Federal, do Banco Nacional do Desenvolvimento, dentre outros.

4. SANEAMENTO BÁSICO COMO SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL

Como bem define a Associação Portuguesa de Estudos para Sanea-


mento Básico-APESP, o saneamento básico constitui uma das dimensões
do gênero saneamento ambiental. E como tal, o saneamento básico é
instituído, no mínimo, pelos seguintes componentes: o abastecimento de
água, a drenagem, o tratamento e a disposição final de águas residuais, e
a recolha, tratamento e a disposição final de resíduos sólidos” 19.

No Brasil, a Lei n.º 11.445/2007- Marco Legal do Saneamento Básico-


explicitou as atividades que compõem a função pública, ao estabelecer,
em seu artigo 3º, inciso I, que o saneamento básico constitui um conjun-
to de serviços, infraestruturas e instalações operacionais nas áreas de
abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana
e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais,
limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas.

Apreende-se, do conceito legal de saneamento, além da condição de


serviço público essencial, a delimitação das obrigações estatais expressas
ao longo do arcabouço legislativo, numa visão mais clara sobre o con-
junto de atividades e prestações materiais impostas ao Poder Público,
enquanto destinatário principal do direito fundamental ao saneamento
básico, mormente em sua dimensão objetiva.

19 RIBEIRO, Vladimir Antônio. O saneamento básico como um direito social. Revista


de Direito Público da Economia – RDPE,| Belo Horizonte, ano 13, n.º 52, out./dez. 2015, p. 235.

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26
O legislador também elencou os princípios informadores da função pú-
blica, no artigo 2º, da Lei n.º 11.445/2007, quais sejam: i) universalização; ii)
integralidade; iii) disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de
drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das
respectivas redes; iv) adoção de técnicas e métodos com base nas particu-
laridades locais e regionais; v) articulação dos serviços de saneamento com
as políticas públicas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de
combate à pobreza e de sua erradicação, proteção ambiental, de promoção
da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da
qualidade de vida; vi) eficiência e sustentabilidade econômica; vii) transpa-
rência; viii) controle social; ix) qualidade e x) integração das infraestruturas e
serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos.

Mais adiante, o legislador outorgou ao titular dos serviços de sanea-


mento de saneamento as seguintes funções: (i) planejamento e formula-
ção da política pública; ii) regulação e iii) fiscalização e iv) prestação dos
serviços, direta ou indiretamente, nos termos do artigo 175 da Consti-
tuição Federal. Admite-se, contudo, a delegação das funções de regular,
fiscalizar e prestar os serviços públicos de saneamento básico, consoante
previsão contida no artigo 8º, caput, da Lei Federal.

Para Floriano Marques, as atribuições contempladas na Lei Nacional de


Saneamento Básico são independentes, podendo, inclusive, ser exercida
por entes distintos, como é o caso da atividade de regulação dos serviços,
ficando na esfera de competência do titular dos serviços a missão precípua
de planejar e definir a política pública a ser implementada20.

20 MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. Instrumentos das políticas e da gestão


dos serviços públicos de saneamento básico. In: Programa de Modernização do Setor de
Saneamento Básico. Lei Nacional de Saneamento Básico. Perspectivas para as políticas e a
gestão dos serviços públicos. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental (PMSS). Brasília: Ministério das Cidades. 2009, v.1. p.177.

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27
Estudos de Direito do Saneamento

No estudo aqui proposto, destaca-se especialmente a função de pla-


nejamento da política pública, seja pela nota de indelegabilidade que lhe
é peculiar, conforme acentuado no julgamento da ADI n.º 2.095-RS 21,
seja pelo desafio de lidar com a intervenção do Poder Judiciário na se-
ara de implementação da função pública, especialmente nos casos de
descumprimento de obrigações prestacionais por parte do Estado, o que
será abordado com mais propriedade nos próximos tópicos.

5. DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA EM DEBATE

5.1 Noções Gerais

Sabe-se que o Brasil está longe de alcançar a meta de universali-


zação dos serviços prevista no Plano Nacional de Saneamento básico
para 2033, em razão da insuficiência de investimentos no setor, espe-
cialmente nas áreas de esgotamento sanitário e fornecimento de água
potável, das desigualdades regionais, de questões sociais e políticas,
dentre outros fatores. A par desse cenário, bem demonstrado no Ran-
king do Saneamento, recentemente lançado pelo Instituto Trata Bra-
sil22, passa-se a enfrentar os desafios da intervenção do Poder Judiciá-
rio na efetivação do direito social em foco, na medida em que tal direito
é negligenciado pelos poderes institucionalmente vocacionados para
planejar e executar as políticas públicas.

21 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade


n.º 2.095-RS, de relatoria do Ministro Octavio Gallotti.
22 Para melhor compreensão, o diagnóstico mais atual da oferta dos serviços foi
lançado no Ranking do Saneamento Básico. Instituto Trata Brasil 2019. Disponível em:
<www.tratabrasil.org.br>. Acesso em: 13.08.2019.

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28
Como ponto de partida, a doutrina invoca a concepção contemporânea
sobre a força normativa da Constituição, segundo a qual os direitos constitu-
cionalmente reconhecidos não podem ser traduzidos como meras recomen-
dações ao Estado ou comandos de ordem moral, com o viés ético-político de
simples direcionamento aos poderes estatais23. Ao contrário, são revestidos
de imperatividade e justiciabilidade, notadamente nos casos de omissão e
deficiência na prestação dos direitos sociais por parte do Estado24.

De outra banda, reconhece-se a dimensão subjetiva dos direitos funda-


mentais como embasamento jurídico-constitucional para a concretização
do conteúdo mínimo dos direitos sociais, passando o Poder Judiciário a
deliberar ativamente sobre questões reservadas, a priori, aos Poderes Exe-
cutivo e Legislativo, dotados de legitimidade democrática para atuarem no
planejamento e execução das políticas públicas essenciais, bem como na
delimitação do arranjo orçamentário nas diversas pautas sociais.

Sobre a noção de conteúdo mínimo, Andreas Krell lembra que a dou-


trina do mínimo existencial é fruto da jurisprudência Alemã, que defende
a existência de um direito fundamental ao mínimo vital indispensável à
pessoa humana, garantindo-se ao indivíduo um direito subjetivo a ser in-
vocado contra o Estado, destinatário principal das normas constitucionais,
especialmente nas hipóteses de ineficiência ou omissão na prestações dos
serviços básicos para manutenção de um padrão mínimo social25.

23 KRELL. Andreas Joachim.   Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na


Alemanha: os (des) caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 2002, p.62.
24 BARROSO. Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Di-
reito à saúde, fornecimento de medicamentos e parâmetros para atuação judicial. Dis-
ponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/sau-
de/Saude_-_judicializacao_-_Luis_Roberto_Barroso.pdf/view >. Acesso em: 24.07.2019.
25 KRELL. Andreas Joachim. op.cit.p. 247.

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29
Estudos de Direito do Saneamento

O Comentário Geral n.º 9, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e


Culturais, também esclarece a questão da justiciabilidade dos direitos sociais:

10. Relativamente aos direitos civis e políticos, é geralmente acei-


te que os recursos judiciais são essenciais face à violação destes.
Lamentavelmente, relativamente aos direitos económicos, soci-
ais e culturais, com demasiada frequência se parte do pressupos-
to contrário. A divergência não é justificada nem pela natureza
dos direitos nem pelos dispositivos relevantes do Pacto. O Co-
mité já esclareceu que considera que muitos dos dispositivos do
Pacto se podem aplicar de imediato. Assim, no Comentário Geral
n.º 3 (1990), o Comité citou como exemplos os artigos 3.o ; 7.o
, alíneas a) e); 8.o ;10.o , n.º 3;13.o , n.º 2 alínea a); 13.o , n.º 3
e 4; e 15.o , n.º 3. É importante a este respeito distinguir entre
justiciabilidade (que se refere às questões que podem ou devem
ser resolvidas pelos tribunais) e normas de aplicação imediata
(capazes de serem aplicadas pelos tribunais sem outra elabora-
ção). Enquanto que a abordagem geral de cada sistema jurídico
deve ser tida em conta, não há nenhum direito do Pacto que
não possa ser considerado possuidor, na grande maioria dos
sistemas, de alguma dimensão justiciavel significativa. Algumas
vezes, é sugerido que as questões que envolvem a alocação de
recursos deveriam ser deixadas às autoridades políticas e não aos
tribunais. Enquanto que as respectivas competências de vários
ramos do governo devem ser respeitadas, é apropriado reconhe-
cer que os tribunais estão de um modo geral já envolvidos numa
leque considerável de questões que têm implicações importan-
tes ao nível dos recursos. A adopção de uma classificação rígida
dos direitos económicos, sociais e culturais, que os coloca, por
definição, além do alcance dos tribunais, seria arbitrária e incom-
patível com o princípio de que os dois grupos de direitos huma-
nos são indivisíveis e interdependentes. Isso também reduziria

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30
drasticamente a capacidade dos tribunais de proteger os direitos
dos grupos mais vulneráveis e desfavorecidos da sociedade26.

Voltando os olhos para o saneamento, a judicialização da função pú-


blica é reconhecida como um dos casos difíceis de ser enfrentado pelo
Judiciário, chamados hard cases na definição de Ronald Dworkin27, em
razão de três fatores, quais sejam: i) da peculiar colisão de direitos funda-
mentais, de um lado da balança, a dignidade humana, a vida e a saúde, e
de outro lado, a independência e harmonia entre os poderes, limitações
orçamentárias e financeiras, reserva do possível; ii) das indefinições nor-
mativas que ainda pairam no setor, mesmo após a edição da Lei Nacional
de Saneamento, e seu regulamento, a exemplo da discussão sobre a titu-
laridade dos serviços em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas
e microrregiões e iii) da complexa cadeia que envolve as atividades pre-
vistas na Lei Federal n.º 11.445/07.

5.2 Pontos Sensíveis da Intervenção do Judiciário na Política Públi-


ca de Saneamento Básico no Brasil

Os argumentos serão expostos, não com o propósito de negar ao Po-


der Judiciário o papel de efetivar os valores expressos na Constituição,
mas sim de trazer à baila algumas reflexões sobre a judicialização indis-
criminada dos serviços essenciais à população, em especial os limites de
atuação do intérprete judicial nessa árdua tarefa.

26 Comentário Geral n.º 9. Comitê dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais. Dis-
ponível em: <http://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-ins-
truments-and-general-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf>. Acesso em:
07.07.2019.
27 DWORKIN. Ronald. Levando os direitos a sério. Traduzido por Nelson Boeira.
São Paulo: Martins Fontes, 200, p. 127-204.

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31
Estudos de Direito do Saneamento

No debate aqui proposto, urge salientar algumas nuances sobre a po-


lítica pública em evidência: i) a peculiar transversalidade das atividades de
saneamento básico com as políticas públicas sociais de saúde, combate e
erradicação da pobreza, proteção ambiental, recursos hídricos, urbanísti-
ca, infraestrutura e educação; ii) a necessidade de alocação de recursos
públicos para consecução dos deveres estatais elencados pela Constitui-
ção; iii) o alto custo da implementação de obras de saneamento e efetiva
operacionalização do sistema, desde a necessidade primária de utilização
de recursos hídricos até a conclusão das diversas etapas do sistema, com
a distribuição de água potável e o tratamento adequado de esgotamento
sanitário e iv) a participação de diversos atores, em razão da possibilidade
de prestação dos serviços de forma direta ou indireta, sob o regime de
concessão ou permissão, na dicção do artigo 175 da Lei Maior.

Partindo de tais premissas, quatro pontos sensíveis serão apresenta-


dos nos próximos tópicos, a saber: i) o caráter programático dos direitos
sociais; ii) o risco à legitimidade democrática; iii) a reserva do possível e
iv) ausência de capacidade técnica do Poder Judiciário.

5.3 Do Caráter Programático dos Direitos Sociais

Em relação ao caráter programático dos direitos sociais, como é o caso


do saneamento básico, a discussão centra-se na ideia de que a realização
de tais direitos impõe prestações positivas por parte dos Poderes Estatais
e requer, necessariamente, a alocação de recursos públicos, reconhecida-
mente escassos, em virtude das diversas necessidades da sociedade, o que
justificaria a realização progressiva das obrigações estatais28.

28 O Comentário Geral n.º 03, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,


salienta a obrigação estatal de adotar medidas efetivas com vistas a alcançar progressiva-
mente a plena realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Disponível em: <http://
www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/pb/dhparaiba/2/c3.html >. Acesso em: 24.06.2019.

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32
Ocorre que a Constituição Federal, sob a influência da Lei Fundamen-
tal Alemã, da Constituição Espanhola e da Constituição Portuguesa de
1979, assegura expressamente, em seu artigo 1º, § 5º, a aplicabilidade
direta e imediata de todas as normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais29, sem fazer qualquer recorte aos direitos sociais. Nesse
particular, a doutrina evidencia a complementariedade e interdependên-
cia entre o catálogo de direitos reconhecidos como fundamentais, sem
fazer qualquer distinção entre os chamados direitos de primeira e segun-
da dimensão, tal como previsto na Resolução n.º 32/310 da Assembleia
Geral das Nações Unidas e no § 5º da Declaração de Viena de 199330.

Sobre o conteúdo programático dos direitos sociais, o Ministro Celso


de Mello, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fun-
damental-ADPF n.º 45, foi enfático ao afirmar que os valores expressos
na Constituição não podem ser convertidos em “promessa constitucional
inconsequente”, de modo que negar o fiel cumprimento dos direitos indi-
viduais e coletivos, de forma ilegítima, expressa verdadeiro gesto de infi-
delidade governamental em face das necessidades e expectativas sociais31.

É nesse tom que a jurisprudência pátria vem se posicionando em matéria


de concretização dos direitos prestacionais, em particular do saneamento
básico, na condição de direito fundamental e como instrumento para realiza-
ção dos diretos à saúde, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao
desenvolvimento social e econômico, à educação, dentre outros correlatos.

29 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª edição. São


Paulo: Malheiros, 1998. p. 139-157.
30 PIOVESAN. Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. 14.
ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 208.
31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto proferido pelo Ministro Celso de Mello
na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF n.º 45.

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33
Estudos de Direito do Saneamento

5.4 Da Ausência de Legitimidade Democrática

Outra crítica que se faz à intervenção do judicial na implementação dos


direitos sociais, parte da premissa de que o Poder Judiciário não possui
legitimidade democrática para substituir a vontade da maioria, externada
por meio dos Poderes Executivo e Legislativo, legitimados pelo processo
democrático para eleger as prioridades da sociedade, bem assim definir os
gastos públicos que serão realizados nos diversos programas sociais.

Sobre o assunto, o entendimento assente na Suprema Corte é no sentido


de que o princípio da independência e harmonia entre os poderes, insculpi-
do no artigo 2º, da Constituição, permite ao Poder Judiciário, em situações
excepcionais, determinar a Administração Pública a adoção de medidas as-
securatórias dos diretos reconhecidos como fundamentais. O discurso ganha
ainda mais força em sede de controle judicial das omissões estatais, a ponto
de o Judiciário atuar como verdadeiro protagonista, estabelecendo obriga-
ções de fazer aos entes federativos, nos casos em que as instâncias políticas
não cumprem com os deveres expressos na Constituição32.

Nada obstante, há que se enfatizar que a atuação do Judiciário na


efetivação de políticas sociais deve ser concebida de maneira excepcio-
nal, sob pena de comprometimento de outras ações igualmente essen-
ciais para a população e de desorganização da atividade administrativa.
Por oportuno, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro fez um importante
alerta a respeito da ingerência do Poder Judiciário em relação ao pedido
autoral de instalação de rede de esgotamento sanitário e pavimentação
no Município de São Gonçalo, nos seguintes termos:

32 Nesse sentido, a título de exemplo, ressaltam-se as decisões proferidas pelo


Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 254.764/SP, Agravo Regimental n.º
639.337/SP, Agravo de Instrumento n.º 674.764, Agravo de Instrumento n.º 692.541/SP e
Agravo de Instrumento n.º 674.764/PI.

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34
(...) O direito à moradia digna, com saneamento básico, é essencial
e se encontra assegurado no ordenamento jurídico, incumbindo
sua execução aos entes da federação, mas os meios de “como” fa-
zê-lo, a melhor forma de executar tal previsão, por exigir realização
de despesas e emprego de receitas, é medida que cabe à Adminis-
tração Pública, no âmbito do sistema orçamentário.

Os problemas habitacionais e ambientais existentes em todo o país, e


principalmente nos centros urbanos, não são desconhecidos, devendo-se
salientar que, casuisticamente, o Poder Judiciário atua em prol de direitos
fundamentais, como ocorre em demandas objetivando a prestação de medi-
camentos e procedimentos com vistas à proteção da saúde. Mas no caso con-
creto, o deferimento da medida pleiteada equivaleria à decisão de cunho
político-administrativo, extrapolando o limite da atividade jurisdicional.

Resta inegável que o problema existe e é grave, entretanto, a forma a


ser empregada para melhor resolvê-lo, na gerência de recursos públicos,
é tarefa que incumbe exclusivamente à Administração Pública, não po-
dendo ser suprida na via eleita pelo demandante.

Veja que, se acolhido o pedido aqui formulado, a ação do administra-


dor público acabará sendo pautada por outras demandas semelhan-
tes, o que poderá comprometer o próprio Município.

(...) Não se desconhece a essencialidade do serviço reclamado e


presume-se que a sua ausência reflita na esfera pessoal do autor,
mas, considerando a precariedade do sistema público, não há
como considerar a omissão como ilicitude, de modo a responsa-
bilizar o réu pelo infortúnio. 33 Grifo nosso.

33 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Voto proferido pelo De-


sembargador Eduardo de Azevedo Paiva na Apelação n.º 0074926-28.2006.8.19.0004.

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35
Estudos de Direito do Saneamento

Na mesma linha, o leading case envolvendo a ampliação da rede de


esgotamento sanitário na comunidade do Morro do Canecão/RJ, vejamos:

RECURSOS DE APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDA-


DE DE O JUDICIÁRIO SE IMISCUIR NAS TAREFAS DA ADMINISTRA-
ÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. DIS-
CRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA NO ESTABELECIMENTO DE
PRIORIDADES. DANO AMBIENTAL NÃO COMPROVADO.

(...) A liberdade, a igualdade, a dignidade da pessoa humana e os


direitos sociais, dentro da concepção do mínimo existencial, devem
ser atendidos pelos três poderes, que têm o dever de realizá-los na
maior extensão possível, tendo justamente como limite o núcleo es-
sencial desses direitos. Assim, cabe a intervenção do Judiciário nas hi-
póteses em que houver violação ao núcleo essencial dos direitos funda-
mentais – em se tratando de direitos sociais – e aos direitos da liberdade
irredutíveis, que compõem a teoria do mínimo existencial. Por outro
lado, sempre que necessário uma ponderação de acordo com critérios
de conveniência e oportunidade, uma fixação de prioridades do Estado,
especialmente não se tratando de direitos ligados ao mínimo existencial,
o Judiciário deverá preservar a separação de poderes, reconhecendo a
competência da Administração Pública na realização dos referidos juí-
zos. No caso em tela, a sentença recorrida condenou os réus MUNICÍPIO
DO RIO DE JANEIRO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO e F.AB. ZONA OESTE
S.A., solidariamente, na obrigação de fazer consistente em implementar
e concluir obras e serviços de saneamento básico (coleta de esgotamen-
to sanitário em sistema separador absoluto e tratamento adequado aos
efluentes coletados) que sirva a toda comunidade do Morro do Canecão,
especialmente na Rua João Luso, Realengo, nesta cidade. O saneamento
básico, como parte integrante do conjunto de direitos cujo núcleo essen-
cial é a saúde, é direito fundamental de segunda geração, consistindo em
um facere do Estado, ou prestação positiva, tornando o munícipe credor

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36
da obrigação. Todavia, tal assertiva não possibilita a atuação do Judiciá-
rio no sentido de obrigar a Administração Pública a instalar uma rede
de esgotamento sanitário em todas as residências do Brasil, sem que
haja um planejamento de engenharia, econômico e orçamentário em
relação às obras. Ao determinar a realização de obras para implanta-
ção da rede em uma localidade específica, como o Morro do Canecão,
o Judiciário estaria privilegiando uma área em substituição ao Poder
Executivo, o que constitui verdadeira violação à separação de pode-
res(...). (Apelação n.º 0096698-12.2013.8.19.0001. Desembargadora:
Renata Machado Cotta. 3ª Câmara Cível. Julgamento em 04.07.2016.

Acertada a ponderação de valores realizada nos casos reportados. Obvi-


amente, o Estado avaliou aspectos importantes na definição das localidades
selecionadas para a ampliação das obras de saneamento, sobretudo do pon-
to vista técnico e econômico, assim como os problemas urbanísticos eviden-
ciados com as construções irregulares, que refletem diretamente na cobrança
das tarifas dos usuários dos serviços e na própria sustentabilidade do sistema.

Nesse debate, não podemos fechar os olhos para os custos decorrentes da


implantação e operação das redes e infraestruturas dos serviços de saneamen-
to, os quais são repartidos entre os usuários, com o pagamento das tarifas ou
taxas, ou pela coletividade, como a receitas provenientes dos impostos. Outro
ponto fundamental refere-se à sustentabilidade do sistema, elencada como
um dos princípios informadores dos serviços em foco, na dicção do artigo 2º,
inciso VII, e do artigo 29, caput, da Lei Nacional de Saneamento Básico34.

Sem dúvidas, as particularidades da função pública em jogo devem


ser sopesadas pelo Judiciário, a começar pela necessidade de planeja-

34 MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. A regulação no setor de saneamento. In:


Lei Nacional de Saneamento Básico. Instrumentos das políticas e da gestão dos serviços
públicos de saneamento básico. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Sanea-
mento Ambiental (PMSS). Livro I. Brasília: Ministério das Cidades. 2009, p.190.

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37
Estudos de Direito do Saneamento

mento adequado para a implantação do complexo sistema, pautado em


elementos técnicos capazes de atestar a viabilidade da prestação ma-
terial imposta no caso concreto. Isso porque a operação do sistema de
saneamento envolve várias etapas, que vai da captação de recursos hídri-
cos, tratamento, adução, reserva, fornecimento de água, recolhimento,
condução e tratamento do esgoto sanitário, sem esquecer, também, da
sustentabilidade econômico-financeira dos serviços, elemento indispen-
sável no planejamento e na definição da política pública de saneamento.

Daniel Sarmento chama a atenção para a ausência de receita pronta


na judicialização de direitos fundamentais, atribuindo o sucesso da me-
dida à dosagem dos ingredientes levados ao crivo do Poder Judiciário.
Daí que a intervenção judicial, no campo das políticas públicas sociais,
requer do intérprete do direito uma postura mais cautelosa, evitando-
se decisões que aniquilem o espaço de deliberação democrático, sem
comprometimento da execução de outras ações ou programas sociais
importantes para a sociedade35.

Com efeito, a implementação de políticas públicas fundamentais


pelo Judiciário, quando pautada em decisões ponderadas e racionais,
não põe em risco à democracia, ao contrário, fortalece a vontade da
maioria, justamente por efetivar a tutela dos direitos expressos na Lei
Maior, notadamente nos casos de omissão e ineficiência dos Poderes
Legislativo e Executivo, institucionalmente concebidas para planejar,
organizar e executar as políticas sociais36.

35 SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-
jurídicos. In: SOUZA NETO; Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coords.). Direitos Sociais: fun-
damentos judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.536.
36 BARROSO. Luís Roberto. Judicialização. Ativismo Judicial e Legitimidade Demo-
crática. p.12.

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38
As objeções foram apresentadas com o escopo de ampliar o debate
no que se refere à função pública em foco, sem descurar dos riscos
sociais e econômicos decorrentes da judicialização indiscriminada dos
direitos prestacionais.

5.5 Da Reserva do Possível

O argumento econômico, sem dúvidas, é o que mais fomenta o de-


bate da comunidade jurídica. Em tema reserva do possível, sabe-se que
o Estado, dentre a pluralidade de necessidades sociais, é obrigado a fa-
zer escolhas, priorizando algumas ações em detrimento de outras, tarefa
esta que repercute diretamente na organização econômica e financeira
estatal. Não caberia, então, a Judiciário, interferir nas prioridades eleitas
pelos Poderes Públicos, muito menos na gestão dos recursos públicos de-
limitados nas leis orçamentárias, sob pena de comprometimento outras
demandas igualmente relevantes para a sociedade37.

Para melhor compreensão do argumento em destaque, vale reme-


morar as premissas traçadas pelo Tribunal Constitucional Alemão sobre a
noção de Reserva do Possível, em especial pela forte influência no desen-
volvimento da jurisprudência pátria. Destaca-se, então, o voto proferido
pelo Ministro Humberto Martins no Recurso Especial n.º 1.366.331-RS:

(...) É justamente nesse ponto- da efetividade- que surge o princi-


pal desafio em matéria de direitos sociais, pois, sendo eminente-
mente prestacionais, demandam um conjunto de prestações po-

37 Nesse sentido, é a lição de BESERRA, Fabiano Holz apud BARROSO, Luís Roberto,
op. cit.p.24. Os argumentos também foram ponderados por SARLET, Ingo Wolfgang. Os
Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos
da Constituição Federal de 1988, p. 20.

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39
Estudos de Direito do Saneamento

sitivas por parte do Poder Público. Tais direitos sempre abrangem


a alocação significativa de recursos materiais e humanos para sua
proteção e efetivação de uma maneira geral.

Assim, é necessário buscar a conciliação entre a existência de limitações


fáticas e a imperiosidade de efetivação dos direitos fundamentais. Por este
motivo, arrisco-me a aprofundar na análise em torno do que seja a reserva
do possível, qual o seu alcance e em que condições a tese pode ser alegada.

Nesta tarefa, recorro-me ao direito germânico para constatar que o


Tribunal Constitucional Federal Alemão, ao buscar desenvolver a noção
da “reserva do possível”, firmou o entendimento de que esta apresenta,
pelo menos, uma dimensão tríplice:

a) uma dimensão fática, que diz respeito à efetiva dispo-


nibilidade dos recursos para a efetivação dos direitos
fundamentais;

b) uma dimensão jurídica, que guarda conexão com a dis-


tribuição das receitas e competências tributárias e;

c) por fim, na perspectiva de eventual titular de um direi-


to a prestações sociais, a reserva do possível envolve
o problema da proporcionalidade e razoabilidade da
prestação, ou seja, aquilo que o indivíduo pode razoa-
velmente exigir da sociedade38. Grifo Nosso.

A dimensão fática da reserva do possível é que a mais interessa no pre-


sente estudo, por trazer à tona a discussão sobre os custos dos direitos pres-
tacionais. Embora a limitação fática não seja falaciosa, a jurisprudência pátria

38 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 1.366.331-RS, de rela-


toria do Ministro Humberto Martins.

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40
tem rechaçado a tese de escassez recursos orçamentários e da reserva do
possível como óbices para a implementação de políticas públicas sociais em
matéria de direitos sociais. No tema aqui proposto, o ponto é evidenciado
pelas externalidades negativas da oferta inadequada dos serviços, a refletir
na saúde pública, no desenvolvimento urbano e regional e no meio ambien-
te, em razão da contaminação das bacias hidrográficas e do solo.

No desfecho do Recurso Especial n.º 1.366.331-RS, o Superior Tribu-


nal de Justiça assinalou expressamente a prevalência do mínimo existen-
cial no conflito com a reserva do possível, ressalvando, contudo, a hipó-
tese de absoluta inexequibilidade do direito social, por insuficiente de
caixa, a evidenciar real impossibilidade material de concretizar o direito
ao saneamento básico, conforme se observa da ementa do julgado:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REDE


DE ESGOTO. VIOLAÇÃO AO ART. 45 DA LEI N. 11.445/2007.
OCORRÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. RE-
SERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do


Estado do Rio Grande do Sul objetivando o cumprimento de obrigação
de fazer consistente na instalação de rede de tratamento de esgoto,
mediante prévio projeto técnico, e de responsabilidade por danos cau-
sados ao meio ambiente e à saúde pública.

2. Caso em que o Poder Executivo local manifestou anteriormente o


escopo de regularizar o sistema de encanamento da cidade. A câmara
municipal, entretanto, rejeitou a proposta.

3. O juízo de primeiro grau, cujo entendimento foi confirmado pelo Tribu-


nal de origem, deu parcial procedência à ação civil pública- limitando a con-
denação à canalização em poucos pontos da cidade e limpeza dos esgotos a
céu aberto. A medida é insuficiente e paliativa, poluindo o meio ambiente.

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41
Estudos de Direito do Saneamento

4. O recorrente defende que é necessária elaboração de projeto técnico


de encanamento de esgotos que abarque outras áreas carentes da cidade.

5. O acórdão recorrido deu interpretação equivocada ao art. 45 da


Lei n. 11.445/2007. No caso descrito, não pode haver discricionariedade
do Poder Público na implementação das obras de saneamento básico. A
não observância de tal política pública fere os princípios da dignidade da
pessoa humana, da saúde e do meio ambiente equilibrado.

6. Mera alegação de ausência de previsão orçamentária não afasta


a obrigação de garantir o mínimo existencial. O município não provou a
inexequibilidade dos pedidos da ação civil pública.

7. Utilizando-se da técnica hermenêutica da ponderação de valo-


res, nota-se que, no caso em comento, a tutela do mínimo existencial
prevalece sobre a reserva do possível. Só não prevaleceria, ressalta-se,
no caso de o ente público provar a absoluta inexequibilidade do direito
social pleiteado por insuficiência de caixa - o que não se verifica nos
autos. Recurso especial provido. Grifo nosso

As disparidades econômicas e sociais dos municípios brasileiros, em


especial na oferta dos serviços de saneamento, reforçam a noção de res-
ponsabilidade solidária entre os entes federativos em matéria de prote-
ção ambiental e combate à poluição (artigo 23, inciso VI), bem assim na
promoção de ações de melhoria das condições habitacionais e de sanea-
mento básico (artigo 23, inciso IX).

A questão da responsabilidade compartilhada entre os entes federativos


“shared responsability”39, recorrente em matéria de proteção e preservação
do meio ambiente, conforme alude o artigo 225 da Constituição, também

39 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjeti-


vo. In: Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 178.

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42
decorre da concepção do direito do saneamento em si mesmo, enquanto
função pública essencial, e todas as particularidades inerentes as atividades
que integram os serviços públicos delineados na Lei Federal n.º 11.445/2007.

A experiência prática demonstra que os Municípios, especialmente


os de menor porte, não dispõem de recursos orçamentários nem de ca-
pacidade técnica adequada para efetivar a missão que lhe toca, de modo
que a participação da União é fundamental para a promoção e expan-
são da cobertura dos serviços. Ressalte-se, nessa seara, atuação do Mi-
nistério da Saúde, por meio da Fundação Nacional de Saúde-FUNASA,
notadamente nos municípios de até 50 mil habitantes, e do Ministério
do Desenvolvimento Regional, por intermédio da Secretaria Nacional de
Saneamento-SNS, em relação aos municípios com população superior a
50 mil habitantes ou integrantes de Regiões Metropolitanas, Regiões In-
tegradas de Desenvolvimento ou participantes de Consórcios Públicos40.

Cumpre citar , a título de exemplo, o leading case do Tribunal Regi-


onal Federal da 1ª Região41, no qual assentou a responsabilidade soli-
dária da União e da Fundação Nacional de Saúde-FUNASA, em relação
à cooperação técnica e financeira na execução da obra de saneamento
no Município de Rio Branco/AC, consistente na elaboração de projeto
de tratamento adequado do esgoto in natura, lançado diretamente nas
águas de um dos principais rios que abastece a municipalidade.

Destaque-se, ainda, a situação enfrentada pelo Tribunal Regional


Federal da 5ª Região42 que acolheu, em sede de apelação, o pedido do

40 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. Secretaria Nacional de Sanea-


mento.
41 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação n.º 4947620044013000/
AC, de relatoria do Desembargadora Danielle Maranhão Costa. Quinta Turma.
42 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Apelação n.º 117-24.2012.4.05.8203,
de relatoria do Desembargador Élio Wanderley de Siqueira Filho. Terceira Turma. DJE 11.05.2015.

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43
Estudos de Direito do Saneamento

Município de Prata/PB de dilação do prazo inicialmente estipulado para


instalação e funcionamento do aterro sanitário na localidade, e a recu-
peração de áreas degradadas. No caso, embora o decisum não tenha
invocado a responsabilidade solidária entre os entes públicos, a muni-
cipalidade demonstrou ter adotado algumas providencias para sanar as
omissões apontadas na sentença, a exemplo da celebração de convênio
com a Fundação Nacional de Saúde-FUNASA.

5.6 Da Ausência de Capacidade Técnica do Poder Judiciário

Outro ponto acentuado refere-se ao argumento da ausência de ca-


pacidade técnica do Judiciário para enfrentar questões complexas em
tema de políticas públicas, ainda que se tenha em jogo a efetivação de
valores essenciais, como é o caso do direito em referência. Na situação
do saneamento, em especial, restam claras as dificuldades enfrenta-
das pelo intérprete judicial na valoração das medidas disponíveis para
a concreção do direito invocado.

Pois bem. A polêmica centra-se na concepção de macro-justiça e na vi-


são global da função pública realizada pelas instâncias políticas43. A questão
não é de fácil deslinde, sobretudo quando a discussão é travada na esfera da
tutela individual, em que os elementos fático-probatórios não são capazes
de dimensionar o problema de ordem coletiva, sem contar o risco do efeito
multiplicador a impulsionar o ajuizamento de diversas ações individuais.

No caso específico do saneamento, o número de ações individuais ainda


não é expressivo, sobretudo se comparado com as demandas de saúde envol-
vendo a distribuição de medicamentos, no entanto, merece especial atenção
por parte do julgador, em razão da complexidade da função pública em desta-
que e das nuances das prestações materiais impostas ao Estado nesta seara.

43 BARCELLOS, Ana Paula apud Barroso, op. cit. p.27

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44
Obviamente, privilegiar uma ação ou serviço em determinada localidade em
detrimento de outra(s), na mesma situação ou com o diagnóstico mais crítico
em relação à oferta dos serviços de saneamento, requer bem mais que a apli-
cação da técnica hermenêutica de ponderação de valores.

Num olhar mais prático, toma-se como exemplo a Apelação n.º


0004772-52.20138.19.0064, de lavra do Tribunal de Justiça do Rio de Ja-
neiro44, que a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, reconheceu

44 Constitucional – Administrativo – Ação Civil Pública proposta pelo Ministério


Público visando à declaração de invalidade do Convênio de Cooperação celebrado entre o
Estado Rio de Janeiro, o Município de Valença e a Companhia Estadual de Águas e Esgotos –
CEDAE, que outorgou a delegação da execução dos serviços de fornecimento de água potável
e esgotamento sanitário, bem como do Contrato de Programa celebrado entre o Município
de Valença e a CEDAE, referente à execução de tais serviços pela sociedade estatal.
Preliminar de inadmissibilidade das Apelações do Estado do Rio de Janeiro e do Muni-
cípio de Valença rejeitada, na forma do parágrafo 5º do artigo 1024 do Código de Processo
Civil, porque não há necessidade de ratificação de recurso interposto quando desprovidos
embargos de declaração. Serviço público de saneamento básico em âmbito municipal – Tese
autoral no sentido de que o contrato foi entabulado sem observância de formalidades legais,
violando o princípio da legalidade, lesando o patrimônio público, por não ter sido precedido
de procedimento licitatório para contratação da sociedade pública, e por não ter sido subme-
tido à aprovação ou referendo da Câmara Municipal de Valença, ou consulta pública.
Peças de bloqueio alegando a legalidade, a regularidade e a validade do ato que cele-
brou o convênio, não havendo necessidade de certame licitatório, a teor dos artigos 24 e
25 da Lei n.º 8.666/93 – Dispensa e inexigibilidade de licitação.
Desvio de perspectiva dos entes públicos – Ajuste com autêntica feição contratual –
Exigência de prévio procedimento licitatório – Artigo 37, inciso XXI, da Carta Magna, nos
moldes da Lei n.º 8.666/93.
Hipótese que não implica gestão associada na prestação do serviço de saneamento básico
– Fosse assim, deveriam ser observados os parâmetros instituídos pelas Lei nº 11.107/2005
e 11.445/2005, notadamente, a participação do Poder Legislativo Municipal na formação do
consórcio público – Convênio de Cooperação e Contrato de Programa firmados entre as partes
corretamente declarados inválidos. Artigo 23, inciso IX da Constituição Federal – Tema de relevo
constitucional – Possibilidade de interferência do Poder Judiciário, sem ofensa ao princípio da
separação dos poderes, quando, na escolha das políticas públicas, o administrador descumpre
regra cogente, de matiz constitucional – Julgado que abordou todas as nuances da querela.
Medida de apoio – Multa, decorrente da recalcitrância dos órgãos públicos no cumprimento de
medidas judiciais – Incidência, apenas, no caso de descumprimento do comando judicial – Valor
que observou os critérios de proporcionalidade e razoabilidade- Desprovimento das Apelações.
(TJ/RJ. Apelação nº 0004772-52.20138.19.0064, de relatoria do Desembargador Camilo Ribeiro
Rulière, Julgamento em 24.05.2016. DJE 01.06.2016).

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45
Estudos de Direito do Saneamento

a invalidade do contrato de programa celebrado entre o Município de


Valença, o Estado do Rio de Janeiro e a Companhia Estadual do Estado do
Rio de Janeiro-CEDAE, bem assim condenou a municipalidade a prestar
os serviços de abastecimento de água e saneamento básico, direta ou
indiretamente, após a constituição de novo e justo título, a contar do dia
subsequente ao trânsito em julgado da decisão.

Sem adentrar na questão da validade do acordo celebrado entre as


partes envolvidas, que não é o nosso enfoque principal, o fato é que
os serviços de saneamento, historicamente, são prestados pelas com-
panhias estaduais, de maneira que os Municípios, especialmente os de
menor porte, não têm condições técnicas para cumprir diretamente a
função que lhe toca, por força do art. 30, inciso V, da Constituição. Por
conseguinte, obrigar o Município a prestar diretamente os serviços de
saneamento impacta diretamente no abastecimento da população, que
certamente não contará com a disponibilidade da função pública, por
incapacidade técnica e orçamentária do titular dos serviços.

É certo que a solução deve ser construída com base nas particulari-
dades de cada caso concreto, sem perder de vista os impactos sociais e
econômicos provenientes de decisões judiciais acaloradas e pouco refle-
tidas. E nessa linha, como bem salienta Andreas Krell45 “não existe um
sistema acabado de solução à disposição do intérprete jurídico, a escolha
da prestação material adequada deve ser gradual e cautelosa.

Reconhece-se a necessidade de aprimorar o diálogo entre os atores do


setor, a fim de garantir a efetividade das obrigações impostas aos poderes
estatais, e amenizar, consequentemente, os riscos provenientes de deci-
sões judiciais inconsistentes em tema de realização dos direitos sociais.

45 KRELL. Andreas Joachim. Realização dos direitos fundamentais sociais median-


te controle judicial da prestação dos serviços básicos (uma visão comparativa). Disponível
em : <http://www.senado.leg.br>. Acesso em 15.07.2019.

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46
A propósito, vale citar a discussão levada ao crivo do Judiciário, em
sede de Ação Civil Pública46, em que se debruçou sobre o Plano de Sa-
neamento Básico nos Municípios do Amapá e a ampliação do sistema de
captação e distribuição de água potável, particularmente a postura do jul-
gador de estimar o diálogo institucional na construção da solução mais
adequada ao caso concreto. Ao longo do processo, e considerando as di-
ficuldades técnicas e financeiras dos Municípios, foram realizadas várias
audiências públicas, para melhor delimitar as obrigações materiais impos-
tas aos entes públicos, incluindo a Fundação Nacional de Saúde-FUNASA,
a Companhia Estatual de Saneamento- CAESA e o Instituto do Meio Ambi-
ente (responsável por viabilizar a outorga dos recursos hídricos).

A FUNASA, em especial, assumiu o compromisso de prestar apoio téc-


nico aos municípios do Amapá, ainda não contemplados pela instituição
para a elaboração dos respectivos Planos de Saneamento. O Judiciário,
por sua vez, concordou com as razões expostas pela entidade, no sentido
de que a liberação de recursos públicos para atender determinada ação
não pode ser imediata, devendo cumprir o cronograma físico-financeiro
estipulado no plano de trabalho. As tratativas foram tomadas no curso do
processo, com participação de todos entes públicos envolvidos na ação.

Sobre a importância do diálogo institucional, Malcolm Langford pon-


dera algumas situações em que os remédios judiciais foram desenvolvi-
dos à base do diálogo entre as partes, vejamos:

[...] Na Argentina, os tribunais intervêm fortemente para assegurar que


as autoridades cumpram com o plano e destinem os recursos orçamentá-

46 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Decisões proferidas pelo Juiz Fede-
ral João Bosco Costa Soares da Silva, na Ação Civil Pública n.º 0002081-85.2008.4.01.3100. Dis-
ponível em: <https://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/pagina-inicial.htm>. Acesso em: 20.07.2019.

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47
Estudos de Direito do Saneamento

rios necessários para fornecer vacinas contra febre hemorrágica argentina,


que constituiu uma ameaça para 3,5 milhões de habitantes (FAIRSTEIN,
2005; ARGENTINA, Viceconte, Mariela vs. Estado nacional - Ministerio de
Salud y Acción Social s/amparo ley 16.986, 1998). A partir de uma análise
da tendência da jurisprudência, Roach e Budlender (2005) afirmam que
os tribunais tendem a tomar estas medidas quando as autoridades ou
outros responsáveis não estão dispostos ou não são capazes de cumprir
as ordens. Em muitos sentidos, as ordens judiciais inovadoras dadas pela
Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Brown v. Board of Education II,
relativas à eliminação da segregação racial nas escolas (ESTADOS UNIDOS
DE AMÉRICA, 1955) têm sido reconhecidas como precursoras desta nova
categoria de remédios judiciais (CHAYES, 1976, p. 1281).

Em segundo lugar, tem-se desenvolvido remédios judiciais mais “dia-


logais” e “cautelares”. Como exemplo, pode-se citar o maior uso de uma
declaração retardatária de invalidez de um ato jurídico, por meio da qual
os tribunais determinam que ocorreu uma violação, mas retardam o efeito
da decisão para dar ao governo tempo para encontrar a melhor forma de
reparar o defeito existente na legislação ou na política em questão (CA-
NADÁ, Eldridge vs. British Columbia, 1997). A Corte Suprema do Nepal,
no caso Mira Dhungana c. Ministerio de Derecho, negou-se a declarar a
inconstitucionalidade de uma lei que havia dado a um filho uma parte dos
bens de seu pai a partir do nascimento, mas não dava o mesmo direito a
filhas (pelo menos até que esta completasse 35 anos e permanece até esta
idade solteira), e, no lugar da declaração de inconstitucionalidade da lei,
exigiu que o Estado, em um prazo de um ano, revisasse a legislação depois
de consultar as partes interessadas, inclusive organizações de mulheres.
Este exercício jurisdicional baseado no diálogo também é evidenciado pelo
maior uso que fazem os tribunais (e, muitas vezes, organismos internaci-
onais) do processo judicial como espaço de diálogo com as partes, o que

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48
incluiu instigar que estas encontrem soluções antes que uma decisão final
seja tomada (áFRICA DO SUL, Occupiers of 51 Olivia Road, Berea Township
And Or. vs. City of Johannesburg and Others, 2008). 47

De fato, a judicialização de temas sensíveis envolvendo políticas públicas


sociais requer do intérprete do direito, além da necessária ponderação dos
valores em colisão, um olhar diferenciado sobre questões de ordem técnica,
econômica, financeira e social, ou seja, uma visão macro da situação posta
ao crivo do Judiciário, em particular num cenário de indefinições e insegu-
rança jurídica, como é o caso do setor de saneamento básico no Brasil.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que a preocupação com o acesso adequado ao saneamento


básico não se limita ao ordenamento jurídico pátrio, ao contrário, ganha
cada vez mais voz no contexto internacional, em razão da transversa-
lidade do saneamento básico com os direitos à vida, à saúde, ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, ao desenvolvimento urbano, à
educação, dentre outros. Nesse cenário, mais do que nunca, cresce o nú-
mero de ações judiciais envolvendo a questão da concreção de tal direi-
to, sobretudo nos países em que a meta de universalização dos serviços
está longe de ser efetivamente alcançada.

A judicialização, contudo, não se revela o caminho mais adequado


para a definição de uma função pública tão complexa e repleta de inde-
finições, de modo que deve ser compreendida de maneira excepcional,

47 LANGFORD, Malcolm. Judicialização dos direitos econômicos, sociais e culturais


no âmbito nacional: uma análise socio-jurídica. In: Revista Internacional de Direitos Hu-
manos. v. 6, n.º 11, dezembro de 2009, p. 115-116.

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49
Estudos de Direito do Saneamento

em razão das dificuldades enfrentadas pelo Judiciário na implementação


das atividades que compõem o saneamento básico no Brasil.

Num contexto de escassez de investimentos e indefinições no setor, é


reconhecidamente difícil materializar os serviços elencados no artigo 3º,
inciso I, da Lei Nacional de Saneamento Básico, e mais ainda estabelecer
a medida certa das obrigações estatais delimitadas pelo Judiciário. Por
isso, é de suma importância a manutenção de uma margem razoável de
discricionariedade administrativa em matéria de tutela prestacional, para
que o Estado possa deliberar sobre a via mais adequada para se efetivar
o comando judicial, sob pena de engessamento de outras pautas sociais.

Como não há solução jurídica pronta para a questão ora debatida, e


tendo em mente a colisão dos valores em jogo, direito ao mínimo exis-
tencial, à vida e à saúde, de um lado da balança, e do outro lado, a se-
paração dos poderes, a organização administrativa da política pública e
escassez de recursos orçamentários, reconhece-se a necessidade de fo-
mentar o diálogo institucional, como um dos parâmetros para minimizar
os riscos de uma atuação judicial indiscriminada no setor.

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50
Saneamento Rural no Brasil
Desafio da universalização do
esgotamento sanitário e a busca de
soluções para o tratamento do esgoto
em comunidades rurais e tradicionais.
ADRIANA DE LUCA DE ALVARENGA1

A1

Resumo

O propósito deste trabalho é esclarecer como o direito ao saneamen-


to se alinha aos ditames da política e das legislações nacional e interna-
cional que regem a matéria. Foram objetos de estudo os OTSS – Obser-
vatório de Territórios Saudáveis e Sustentáveis da Serra da Bocaina –,
respectivamente os da Comunidade Caiçara da Praia do Sono, em Paraty,
e da Comunidade Quilombola do Campinho, ambos no estado do Rio de
Janeiro. Intenta mostrar que a situação do saneamento rural no Brasil é
crítica e com significativo déficit de cobertura, podendo, no entanto, ser
sanada de forma simples pela justa e correta aplicação das leis e o uso
de tecnologias que respeitem a diversidade cultural e ambiental desta
população, mercê da adoção de técnicas e processos que considerem as

1 Procuradora Federal em exercício na Funasa. Fundação Nacional da Saúde. Rua


Coelho e Castro, 6, Rio de Janeiro – RJ, Brasil. E-mail: gortizz@yahoo.com

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51
Estudos de Direito do Saneamento

peculiaridades locais e regionais, com envolvimento das comunidades na


escolha das alternativas para tratamento e disposição do esgoto.

Palavras-chave: Direito ao Saneamento, TEVAP, PLANSAB, PNSR, Co-


munidade Caiçara da Praia do Sono.

Abstract

The purpose of this paper is to clarify how the right to sanitation


aligns with the dictates of the policy and national and international laws
governing the matter. The objects of study were the OTSS - Observatory
of Healthy and Sustainable Territories of Serra da Bocaina -, respectively
of the Caiçara Community of Praia do Sono, in Paraty, and Quilombola
Community of Campinho, both in the state of Rio de Janeiro. It intends
to show that the situation of rural sanitation in Brazil is critical and with
a significant coverage deficit, but can be simply remedied by just and
correct application of the laws and the use of technologies that respect
the cultural and environmental diversity of this population. , thanks to
the adoption of techniques and processes that consider local and regional
peculiarities, with the involvement of communities in the choice of alter-
natives for sewage treatment and disposal.

Key Words: Right to sanitation, TEVAP, PLANSAB, PNSR, Non Indige-


nous Communities

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52
Sumário
1. Breve histórico sobre o Saneamento Básico nas áreas rurais
no Brasil. 2. Da água e do saneamento como direitos do homem.
3. A Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico. 4.
Dos planos e programas existentes. 5. O Programa Nacional de
Saneamento Rural ― PNSR. 6. Contextualização do PNSR e da
parceria Funasa/UFMG. 7. Conceitos utilizados na aplicação de
políticas públicas adequadas e eficientes. 8. Situação das comu-
nidades e projetos-piloto em pauta. 9. Saneamento rural bem-
sucedido: o projeto TEVAP (Tanque de Evapotranspiração) e as
tecnologias ecossustentáveis. 10. Do arcabouço jurídico para a
implantação do TEVAP no Brasil e considerações finais.

Summary
1. Brief history of Basic Sanitation in rural areas in Brazil. 2. Water
and sanitation as human rights. 3. The National Guidelines for Ba-
sic Sanitation Act. 4. Existing plans and programs. 5. The National
Rural Sanitation Program - PNSR. 6. Contextualization of the PNSR
and the FUNASA / UFMG partnership. 7. Concepts used to imple-
ment appropriate and efficient public policies. 8. Situation of the
communities and pilot projects under consideration. 9. Successful
rural sanitation: the TEVAP (Evapotranspiration Tank) project and
eco-sustainable technologies. 10. The legal framework for the im-
plementation of TEVAP in Brazil and final considerations.

1. BREVE HISTÓRICO SOBRE O SANEAMENTO BÁSICO NAS ÁREAS RURAIS


NO BRASIL.

Chegando ao fim das duas primeiras décadas do século XXI, as co-


munidades rurais, no Brasil, ainda carecem de um saneamento básico

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53
Estudos de Direito do Saneamento

minimamente eficiente. Um problema que atinge não só os moradores


dessas regiões, mas o país como um todo, acarretando, a nível nacional,
epidemias, recursos híbridos poluídos, desigualdades sociais, poluição
urbana e improdutividade.

Apesar de estarmos cientes de que a falta de acesso ao esgotamento


sanitário é um problemas que atinge também os grandes centros urbanos
do país, faceta que não será objeto de estudo mais aprofundado neste
trabalho, existe um enorme abismo entre a situação vigente nos meios
urbanos e rurais. Em pesquisa realizada em 2015, pela WHO/UNICEF, ve-
rificou-se que de cada dez pessoas sem acesso a práticas adequadas de
saneamento, sete encontram-se em áreas rurais; e dentre aquelas que dis-
põem de alguma forma de tratamento, 58% adotam formas inadequadas
para o esgotamento sanitário. Como consequência, são as comunidades
rurais, principalmente aquelas localizadas nas regiões mais pobres e isola-
das, alvo constante de riscos à saúde e à vulnerabilidade social2.

VIEIRA DE TOLEDO LISBOA argumenta que em termos legais, “são os


municípios em todo Brasil os responsáveis por promover a prestação dos
serviços de saneamento, formular políticas e elaborar plano municipal de
saneamento básico”3. No entanto, pelo fato das populações rurais encon-

2 WHO/UNICEF. “Progress on sanitation and drinking water – 2015 update and


MDG assessment”. Geneva: World Health Organization (WHO) and The United Nations Chil-
dren’s Fund (Unicef), 2015. 90 pp. Citado por A. L. Tonetti, A. L. Brasil et al. Tratamento
de esgotos domésticos em comunidades isoladas: referencial para a escolha de soluções.
Campinas, S.P.: Biblioteca/Unicamp, 2018, p. 32.
3 G. V. de Toledo Lisboa Ataide e P. Campos Borja. “Justiça social e ambiental em sa-
neamento básico: um olhar sobre experiências de planejamento municipais”. Revista Ambiente
& Sociedade, São Paulo, v. XX, n. 3, 2017, p.61-78. Citado por A. L. Tonetti, A. L. Brasil et al. Trata-
mento de esgotos domésticos em comunidades isoladas: referencial para a escolha de soluções.
Campinas, S.P.: Biblioteca/Unicamp, 2018. Disponível em httpcielo.br/scielo.php?script=sci_art-
text&pid=S1414-753X2017000300061&lng=en&tlng=en (acedido em 08 de agosto de 2019).

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54
trarem-se a grandes distâncias da sede de seus municípios, acabam por
não ser atendidas, ou mesmo mapeadas, pelo que normalmente são dei-
xadas em segundo plano pelos departamentos ou companhias municipais;
tal situação exige, muitas vezes, que a solução seja providenciada pela pró-
pria comunidade, obrigando-a a implantar seu próprio sistema de sanea-
mento local, sem contar com qualquer conhecimento técnico para tal fim.

Cumpre, portanto, e em função do tema abordado neste trabalho, fri-


sar que, no Brasil, é significativa a população rural localizada em territóri-
os especiais, como: unidades de conservação, terras indígenas, territórios
quilombolas e outras populações tradicionais. Todos eles, por suas carac-
terísticas e diversidade cultural e ambiental, requerem uma abordagem
diferenciada para implantação e operação de sistemas de saneamento.

Foi com base nesse cenário, que a FUNASA (Fundação Nacional de


Saúde) tornou-se parceira em uma série de iniciativas que têm como ob-
jetivo o desenvolvimento global, regional e local. Conhecido como Ter-
ritórios Saudáveis e Sustentáveis (TSS), o programa desenvolvido pela
entidade – em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) – atua
na formação, informação e ação local, promovendo melhorias tanto na
área de saúde, como também no âmbito social remodelando, mesmo, o
cenário cultural e econômico.

MESQUITA HUERT MACHADO et al. observa que o desenvolvimento


e a implantação de ações de intervenção, com base nesses recortes terri-
toriais, só serão possíveis em redes de governança, ativando uma rede de
gestão participativa dos TSS. Segundo o autor, a consolidação das ações
que tenham por base o conceito de Territórios Saudáveis e Sustentáveis
(TSS) e a contribuição para o processo brasileiro de implementação da
Agenda 2030 dependem, também, de delimitação das diretrizes de atua-
ção, conforme a própria prática mostrou: especificar o território para que

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55
Estudos de Direito do Saneamento

se possa construir o TSS; estabelecer parcerias locais entre governo, aca-


demia e movimentos sociais; mapear e aplicar as experiências exitosas de
implantação de tecnologias sociais; problematizar temáticas geradoras de
processos de ação (água, saneamento, agroecologia e processos forma-
tivos emancipatórios de educação popular); compreender a saúde como
um componente essencial ao desenvolvimento sustentável4.

É com base na promoção da saúde e da qualidade de vida das co-


munidades nos meios rurais que se pretende avaliar como as políticas
públicas no Brasil, destinadas ao saneamento básico, têm funcionado.
Assim, serão abordadas as soluções conceituais, estratégicas e, ao final,
as práticas aplicadas na promoção dessas iniciativas, que, embora te-
nham a seu dispor leis e tecnologias, parecem carecer de efetiva imple-
mentação para a multiplicação e a manutenção de projetos semelhan-
tes. Tal inércia carece de ser rompida, pois, embora o tema Saneamento
Básico tenha ganhado proeminência nas últimas décadas, sabe-se, que,
dos 5.570 municípios brasileiros, menos da metade possui Política de
Saneamento Básico, conforme aponta o IBGE (2017b), em seu relatório
de Política Municipal de Saneamento Básico5; é do escopo dessa mesma
Política traçar as diretrizes gerais para os quatro serviços de saneamen-
to: de água, de esgotamento sanitário, de manejo de águas pluviais e
de manejo de resíduos sólidos. O Plano Nacional de Saneamento Rural
(PNSR), que está em processo de finalização, traz um diagnóstico mais

4 J. Mesquita Huert Machado et al., “Territórios saudáveis e sustentáveis: contribui-


ção para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial”. Revista Com.
Ciências Saúde, 2017, pp. 246- 247. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/
ccs_artigos/territorio_%20saudaveis_%20sustentaveis.pdf. (acedido em 12 Agosto 2019).
5 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. “Perfil dos Municípios Bra-
sileiros: Aspectos Gerais da Política de Saneamento Básico de 2017”. Disponível em https://
biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101610.pdf. (acedido em 26 de agosto de 2019).

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56
atual a fim de identificar o déficit de cobertura de saneamento na área
rural. Segundo informações da FUNASA, “esse programa aponta para um
volume de investimentos durante o atual governo até 2038, identifican-
do a necessidade do trabalho em parcerias com governos estaduais e
municipais com as diversas representações da sociedade civil, e que se
pretende colocar em execução já em 2020”6.

2. DA ÁGUA E DO SANEAMENTO COMO DIREITOS DO HOMEM

Vale notar que todas as leis e entidades aqui citadas concordam e


coincidem no que diz respeito à cooperação entre entidades, o que inclui
também a participação e a capacitação de comunidades locais. Orien-
tam, ainda, para a busca de soluções sustentáveis para o saneamento,
para os princípios da equidade e da qualidade do saneamento como di-
reito, da criação e monitoramento de processos, das tecnologias ade-
quadas a situações específicas, assim como do planejamento necessário
à condição de cada comunidade ou território de atuação.

Essas entidades e leis englobam um número expressivo de princípios


e ações. Elas atestam que, para o alarmante problema do saneamento
básico constatado em diversos países, incluído o Brasil, só com a concor-
rência de muitas pernas e braços, de especificidades e competências, de
recursos financeiros e tecnológicos, de políticas públicas de cooperação
será possível obter alguma melhoria significativa.

6 FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. “Funasa quer água potável e sanea-


mento básico em todas as comunidades carentes”. (Publicação: Sex, 02 Ago 2019 ). Dis-
ponível em http://www.funasa.gov.br/todas-as-noticias/-/asset_publisher/lpnzx3bJYv7G/
content/funasa-quer-agua-potavel-e-saneamento-basico-em-todas-as-comunidades-ca-
rentes?inheritRedirect=false. (acedido em 9 Set. 2019).

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57
Estudos de Direito do Saneamento

Em 28 de julho de 2010, em resolução aprovada em Assembleia Geral


da ONU (Organização das Nações Unidas), reconheceu-se que o direito
humano à água é distinto do direito ao saneamento. Para aquele, se re-
conhece que é direito do cidadão ter água potável segura e limpa. Para
este, se reconhece como direito à vida, uma vez que ter saneamento bá-
sico adequado é o que garante o desfrute da vida e de todos os direitos
humanos. O texto aponta, ainda, para os números alarmantes que a falta
de saneamento e água potável geram, ainda hoje, em todo o mundo: são
aproximadamente 884 milhões de pessoas sem água potável e 2,6 bilhões
sem acesso a saneamento básico; 1,5 milhão de crianças menores de cinco
anos morrem e 443 milhões perdem inúmeros dias letivos a cada ano.7

A caracterização como “direito humano” estabelece, por si só, que esgo-


tamento sanitário, limpeza, manejo de resíduos sólidos e manejo de águas
pluviais são direitos que podem e devem ser reivindicados, porque, a par de
serem nomeadamente serviços prestados pelo Estado, eles designam, acima
de tudo, uma questão que está no cerne das discussões sociais e políticas: o
direito humano como um direito inalienável. Assim, exortam-se os Estados
e as organizações internacionais a fornecer não só recursos financeiros, mas
capacitação e transferência de tecnologia, por meio de cooperação.

Dentre as conquistas da Assembleia está a decisão do Conselho de Di-


reitos Humanos de solicitar perícia independente para avaliar a concessão
de direitos humanos relacionados ao acesso à água potável e ao sanea-
mento e submeter um relatório anual à Assembleia Geral, que deve incluir
todas as agências relevantes, das Nações Unidas, a fundos e programas.
O relatório deve, assim, fazer parte da sexagésima sexta sessão da ONU,
que discutirá os principais desafios como a realização do direito humano à

7 ONU RESOLUTION adopted by the General Assembly on 28 July 2010 [without


reference to a Main Committee]. “The human right to water and sanitation”.(A / 64 / L.63
/ Rev.1 e Add.1) 64/292. Disponível em https://www.un.org/waterforlifedecade/human_ri-
ght_to_water.shtml (acedido em 15 de Julho de 2019).

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58
água potável e ao saneamento. A importância dessa ação é medir o impac-
to na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

A ONU BRASIL em artigo “Assembleia Geral da ONU reconhece sane-


amento como direito humano distinto do direito à água potável” consi-
dera, ainda, que não ter saneamento básico significa também não poder
desfrutar de outros direitos, o que ele chamou de ‘efeito dominó’. Com
a resolução, espera-se agregar esforços para que grupos marginalizados
possam ser atendidos, principalmente nos países em desenvolvimento,
onde os esforços devam ser ampliados8.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) entende que os princípios fun-


damentais de direitos humanos devem ser aplicados no contexto da reali-
zação de todos os direitos humanos. Considera, portanto, que: 1) não deve
haver discriminação de igualdade; 2) deve haver participação da comunida-
de nas decisões relacionadas ao saneamento básico para seu território; 3)
é preciso dar ao cidadão direito à informação, sendo necessária, também,
a criação de programas e projetos planejados, disponíveis gratuitamente;
4) à justiça, cabe o controle das contas públicas que dizem respeito a tais
projetos, para que cada entidade seja responsabilizada por suas ações e pos-
síveis falhas; e 5) o acesso ao saneamento deve ser de caráter sustentável,
financeiramente e fisicamente, inclusive em longo prazo. Sobre o conteúdo
normativo do direito humano ao saneamento, a OMS estabelece que haja
cinco princípios fundamentais: 1) Disponibilidade; 2) Acessibilidade Física; 3)
Qualidade; 4) Acessibilidade Financeira; 5) Aceitabilidade 9.

8 ONU BRASIL. “Assembleia Geral da ONU reconhece saneamento como direi-


to humano distinto do direito à água potável”. Publicado em 04 Jan. 2016. Disponível em
https://nacoesunidas.org/assembleia-geral-da-onu-reconhece-saneamento-como-direi-
to-humano-distinto-do-direito-a-agua-potavel/ (acedido em 27 de julho de 2019).
9 WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. “Guidelines on sanitation and health
2018”. Disponível em https://www.who.int/water_sanitation_health/publications/guideli-
nes-on-sanitation-and-health/en/ (acedido em 11 Agosto de 2019).

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59
Estudos de Direito do Saneamento

Desta forma, a Disponibilidade prevê que haja um número suficiente


de instalações de saneamento disponível para todos os indivíduos. A Aces-
sibilidade Física consiste em permitir que dentro ou nas imediações de ins-
tituições domésticas, de saúde e de ensino, instituições e locais públicos e
local de trabalho, todos tenham acesso a instalações sanitárias. Atente-se
que a segurança física do usuário não deve ser ameaçada ao acessar tais
instalações. A Qualidade prevê que as instalações de saneamento devem
ser higienicamente e tecnicamente seguras. A Acessibilidade Financeira
considera que o preço do saneamento e dos serviços deve ser acessível
para todos, sem comprometer a capacidade de pagar por outras necessi-
dades. A Aceitabilidade pretende garantir que os serviços, em particular as
instalações de saneamento, devam ser culturalmente adequados, a saber:
instalações específicas de gênero, garantindo privacidade e dignidade.

Assim, a OMS estabelece critérios que, se praticados com seriedade e res-


peito para e por todas as comunidades, tende a garantir que todos usufruam,
igualmente, daquilo que lhes cabe, com respeito e dignidade humana.

Os ODS ―Objetivos de Desenvolvimento Sustentável―, estabele-


cidos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura), corroboram os princípios de acesso equitativo e
universal à educação de qualidade em todos os níveis, aos cuidados de
saúde e proteção social, devendo se assegurar o bem-estar físico, mental
e social dos indivíduos: “Os Objetivos e metas são o resultado de mais
de dois anos de consulta pública intensiva e envolvimento junto à soci-
edade civil e outras partes interessadas em todo o mundo, prestando
uma atenção especial às vozes dos mais pobres e mais vulneráveis” 10.

10 ONU – Organização das Nações Unidas. “Agenda 2030”. Disponível em https://


nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ (acedido em 15 de Julho de 2019).

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60
O compromisso da UNESCO com um mundo livre de pobreza, fomes e
doenças estabeleceu seus Objetivos e Metas com base no princípio de
que toda vida deve prosperar, explicitando que a Nova Agenda é guiada
por propósitos que vão ao encontro da Carta das Nações Unidas, que
estabelece o pleno respeito pelo direito internacional.

Todos os resultados devem ser usados para que se estabeleça uma


base sólida para o desenvolvimento sustentável, ajudando a moldar as
novas agendas. E assim se manifestaram líderes e representantes institu-
cionais e nacionais em eventos, tais como: Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento; Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento
Sustentável; Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social; Programa
de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvi-
mento, Plataforma de Ação de Pequim; Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). A UNESCO reafirmou seu
compromisso com a vida ao estabelecer agendas que tratem especifi-
camente sobre Países Menos Desenvolvidos, sobre Pequenos Estados
Insulares em Desenvolvimento; sobre Países em Desenvolvimento Sem
Litoral; sobre a Redução do Risco de Desastres.

Expressando visão extremamente ambiciosa e transformadora, a en-


tidade propõe pensar em um mundo livre do medo e da violência, com
qualidade em todos os níveis de serviços, zelando pela vida com cuidado
e proteção; daí o estabelecimento inequívoco do entendimento de que
o acesso seja equitativo e universal. Dentre os objetivos do desenvolvi-
mento sustentável está o de assegurar a disponibilidade e a gestão sus-
tentável. Espera-se que até 2030 seja possível alcançar saneamento e
higiene adequados e equitativos para todos, acabando com a defecação
a céu aberto, dando atenção especial às necessidades das mulheres e
meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade.

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61
Estudos de Direito do Saneamento

Afirma-se, assim, que a melhoraria da qualidade da água, a diminui-


ção da poluição, a eliminação dos despejos e a minimização da liberação
de produtos químicos e materiais perigosos se impõem como metas que
devem objetivar a reciclagem e a reutilização segura, em nível global.
Consta, ainda, a proposta de uma gestão que possa integrar recursos
híbridos em cooperação fronteiriça, restaurando ecossistemas que es-
tejam relacionados com a água, o que inclui montanhas, florestas, zonas
úmidas, rios, aquíferos e lagos. Com cooperação internacional seria pos-
sível promover dessalinização, a eficiência no uso da água e no trata-
mento de afluentes e, ainda, das tecnologias de reuso11.

3. A LEI DE DIRETRIZES NACIONAIS PARA O SANEAMENTO BÁSICO

Estreitamente afinada com as políticas internacionais, a Lei n.°11.445/07,


de 05 de janeiro de 2007, estabelece as diretrizes para a Política Federal de
Saneamento Básico, compreendendo como saneamento básico os serviços
de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e
manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais12.

Regulamenta, assim, os seguintes princípios e ações: I – Universa-


lização; II – Integralidade; III – Abastecimento; IV – Disponibilidade; V
– Métodos, Técnicas e Processos; VI - Articulação com as políticas de
desenvolvimento urbano e regional; VII - Eficiência e sustentabilidade

11 NAÇÕES UNIDAS BRASIL. “Agenda 2030”. Disponível em: https://nacoesunidas.


org/pos2015/agenda2030/ (acedido em06 de Junho de 2019)
12 BRASIL. Presidência da República da Casa Civil. Decreto-lei nº 11.445, de 05 de
janeiro de 2007. “Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico e para Política Federal
de Saneamento Básico”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2007/Lei/L11445.htm. (acedido em 20 de agosto de 2019).

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62
econômica; VIII – Tecnologias Apropriadas; IX – Transparência; X - Con-
trole social; XI - Segurança, Qualidade e Regularidade; XII - Integração das
infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos.

O artigo 48° estipula que as ações empregadas devem promover


equidade social e territorial, com base no desenvolvimento sustentável.
Além disso, o planejamento deve contar com indicadores epidemiológi-
cos e de desenvolvimento social. Suas ações deverão promover o desen-
volvimento científico e tecnológico, e menciona, entre suas diretrizes,
a “garantia de meios adequados para o atendimento da população dis-
persa, inclusive mediante a utilização de soluções compatíveis com suas
características econômicas e sociais peculiares”.

O artigo 49° estabelece que dentre os objetivos está o de contri-


buir para o desenvolvimento nacional, o que inclui a redução das de-
sigualdades regionais, a geração de emprego e a inclusão social, pri-
orizando as áreas ocupadas por população de baixa renda. Dá relevo,
também, às diferentes características socioculturais (que devem ser
contempladas) dos povos indígenas e de outros povos tradicionais.
Determina que o saneamento básico deva ser instaurado nas comuni-
dades rurais e outros núcleos urbanos isolados e define as políticas de
gestão autossustentável economicamente, com ênfase na cooperação
federativa. Prevê planejamento, regulação e fiscalização dos serviços
de saneamento básico.

A Gestão Associada cuida da cooperação entre entes federativos que


tenham interesse comum. Presente no artigo 241° da Constituição Fede-
ral trata da titularidade para a prestação de serviços, que deve ser exer-
cida por meio de convênios e consórcios. São os entes federativos que
deverão decidir pela abrangência da Gestão Associada, o que pode tanto

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63
Estudos de Direito do Saneamento

compreender meramente o planejamento, quanto envolver a delegação


de funções de fiscalização e regulamentação, podendo os serviços ser
realizados por terceiros ou pelos próprios entes federativos13.

Os princípios aqui expostos, a partir da Lei nº 11.445, promulgada


em 05 de janeiro de 2007, garantem que todo cidadão tenha uma vida
com qualidade, através de saneamento básico universal e equitativo. Ali-
nhando-se, veementemente, às ações e objetivos da ONU, que declara o
saneamento básico como direito à vida, e da UNESCO, que vem promo-
vendo a expansão do conhecimento, de modo a garantir e estimular a
cooperação intelectual, atuando nas transformações sociais e garantin-
do valores universais de justiça, liberdade e dignidade humana.

4. DOS PLANOS E PROGRAMAS EXISTENTES

Política pública se faz a partir de estatísticas, com mapeamento de pes-


soas, de condições financeiras, de saúde, de acesso a serviços, de bens
de consumo, de classes, de territórios, de moradias, entre outros. BRA-
GA SILVEIRA, HELLER e REZENDE ao identificarem as correntes teóricas
de planejamento para o saneamento básico, avaliam o Plano Nacional de
Saneamento Básico, aprovado em 2013. O Plano nasce da necessidade de
se corrigir o histórico déficit de acesso aos serviços de saneamento que
atinge a população rural quando se decidiu pela elaboração e detalha-
mento do Programa Nacional de Saneamento Rural, tornando-se, assim,

13 BRASIL. Presidência da República da Casa Civil, Constituição da República Fede-


rativa do Brasil de 1988), artigos 196.°, 197.° e 198.°.Emenda Constitucional n.° 29 de 2000,
artigos 199.°, 200.° e 241.°. Emenda Constitucional n.°19 de 1998.Disponível em http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. (acedido em 15 de agosto de 2019).

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64
instrumento fundamental para a implantação de políticas de saneamento
básico capazes de refletir a realidade brasileira e propor ações concretas14.

Pautado por linha teórico-metodológica convergente com as orienta-


ções internacionais, o instituto estabelece as bases legais e as competên-
cias para suas atividades, buscando entender e conceituar os princípios
fundamentais que possam orientar o planejamento. Ele também quanti-
fica os aspectos socioeconômicos e culturais, verificando a qualidade dos
serviços ofertados ou da solução empregada; identifica e avalia programas
governamentais; analisa cenários; estabelece metas; dimensiona as ne-
cessidades de investimento, a partir de estratégias específicas; estabelece
programas que deverão ser monitorados e avaliados sistematicamente.

O PLANSAB, todavia, só se tornou uma realidade após cumprir três


longas etapas: o Pacto pelo Saneamento Básico, a Elaboração do Pano-
rama do Saneamento Básico no Brasil e a Consulta Pública, que subme-
teu a versão preliminar do plano - elaborada com base no Panorama do
Saneamento Básico no Brasil - à análise de especialistas de todo o país.

Tal análise resultou na criação de três programas: 1) Saneamento


Básico Integrado – o objetivo é de financiar as iniciativas de implanta-
ção de medidas estruturais, compreendendo os quatro componentes
do saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário,
manejo de resíduos sólidos e manejo de águas pluviais); 2) Saneamento
Rural – o programa é destinado à população do campo e às populações
tradicionais. Com base em princípios sustentáveis, prever implantação
de infraestruturas que possam dar suporte político e gerencial. Deve ter
foco na participação popular, na educação ambiental e capacitação; 3)

14 R. Braga silveira, L. Heller e S. Rezende. “Identificando correntes teóricas de


planejamento: uma avaliação do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB)”. Revista
de Administração Pública. v.XLVII, no.3. Rio de janeiro May/June 2013. Disponível em http://
dx.doi.org/10.1590/S0034-76122013000300004 (acedido em 05 de agosto de 2019).

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65
Estudos de Direito do Saneamento

Saneamento Estruturante – a finalidade é adotar medidas que visem à


melhoria da gestão, da assistência técnica, da capacitação e das ações de
desenvolvimento científico e tecnológico. A ênfase recai sobre a qualifi-
cação dos investimentos públicos15.

Assim, o PLANSAB, com base na já citada, Lei nº 11.445/2007, funda-


menta seus princípios da seguinte forma: 1) Universalização― noção de
igualdade, defesa de acesso a todos aos bens e serviços produzidos na so-
ciedade; 2) Equidade ― superação de diferenças evitáveis, desnecessárias
e injustas; Integralidade ― refere-se ao conjunto de todas as atividades e
componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico. A
população deve ter acesso ao saneamento na conformidade de suas ne-
cessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; 3) Interseto-
rialidade― busca promover articulação matricial das estruturas setoriais,
buscando diálogo entre tecnologias e práticas setoriais; 4) Sustentabilida-
de― abrange quatro dimensões: a ambiental, que orienta para a conser-
vação e gestão dos recursos naturais e a melhoria da qualidade ambiental;
a social, que seria a percepção dos usuários em relação aos serviços e à
sua aceitabilidade social; a da governança, que envolve mecanismos insti-
tucionais, assim como culturas políticas, com o objetivo de promover uma
gestão democrática e participativa que se paute pela prestação de contas;
e a econômica, que remete à viabilidade econômica dos serviços.

O foresight, processo que está inserido nas políticas públicas de sanea-


mento básico, pode ser entendido como um processo por meio do qual se
busca chegar a uma compreensão das forças que moldam o futuro de longo
prazo. Essas forças estruturantes devem ser consideradas na formulação de
políticas, no planejamento e na tomada de decisões16. Segundo JARI KAI-
VO-OJA e JOUNI MARTTINEN, a metodologia do foresight apresenta como

15 Braga Silveira, Heller e Rezende, RAP.


16 Braga Silveira, Heller e Rezende, RAP.

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66
características básicas, tais como: a) a orientação para a ação – apoio, de
maneira ativa, aos atores, devendo ir muito além uma simples análise de
futuro; b) as diferentes alternativas – com base no princípio de que o futuro
não está pré-determinado, considera que se pode apontar para várias dire-
ções, criando alternativas que serão moldadas também pela influencia des-
ses atores e pelas decisões que são tomadas no presente; c) a participação
– o processo construtivo envolve os diversos atores de diversos segmentos.
Estes devem se envolver ativamente no processo de construção, participan-
do das discussões e decisões; d) a multidisciplinaridade – tratar as questões
em sua totalidade, observando as variáveis influenciadoras do processo, que
podem ser de caráter quantitativo ou qualitativo17.

Não se pode esquecer que o PLANSAB é não só um plano de sanea-


mento básico, como também uma estratégia fundamental para a saúde
pública. Em vias de mão dupla, ele pode permitir melhores condições de
vida para a população, prevenindo doenças como peste, febre amarela,
dengue, toxoplasmose, leptospirose, cólera... Provavelmente, sua carac-
terística eminentemente transdisciplinar anime nossos agentes públicos,
a comunidade e especialistas das áreas de interface a prosseguirem.

Após ter sido decretado estado de calamidade no Rio de Janeiro em


11 de abril de 2019, JULIA NEVES atualizou a entrevista no site da Fi-
ocruz, em que o Doutor em Medicina Tropical pelo Instituto Oswaldo
Cruz/Fiocruz e coordenador do Laboratório de Educação Profissional em
Vigilância em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio

17 J. Kaivo-oja e J. marttinen. “Foresight systems and core activities at national


and regional levels in Finland 1990/2008: developing foresight systems for a better life in
Finland and Europe”. Helsinki: Finland Futures Research Centre, 2008. Citado por R. B. Sil-
veira, L. Heller, S. Rezende. “Identificando correntes teóricas de planejamento: uma ava-
liação do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB)”. Rev. Adm. Pública vol.47 no.
3.   Rio de janeiro,  May/June  2013. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0034-
76122013000300004. (Acedido em 05 Aug. 2019)

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67
Estudos de Direito do Saneamento

(Lavsa/EPSJV), ALEXANDRE PESSOA, afirma: “Cabe ao plano estabelecer


e atualizar, a partir do Programa Nacional de Saneamento Rural [PNSR],
os recursos destinados às populações do campo, da floresta e das águas,
bem como avaliar em que medida compete ao Programa Estruturante e
ao Programa de Saneamento Básico Integrado avançaram ou não. Para
que esses investimentos públicos sejam efetivados, é necessário investi-
mento na gestão pública, na educação, na participação, e principalmen-
te, no controle social. A revisão do Plansab propõe reduzir as macrodire-
trizes de 41 para 15, e as estratégias, de 137 para 87”18.

O PLANSAB, segundo o coordenador, é a referência para o futuro, re-


presentando, antes de tudo, uma iniciativa simbólica de estímulo, preven-
do metas a serem perseguidas e alcançadas. Em perspectiva, dele nasce o
encorajamento às universidades, instituições de pesquisa, agentes sociais
e comunidade para submeter suas recomendações e observações a críti-
cas que possam apontar para o melhor caminho, fazendo uso de avalia-
ções acuradas e referenciais. Contudo, o que cumpre ser evitado é que,
em meio a disputas políticas e jogos de interesses, se perca a objetividade
― o foco daquilo que há de mais fundamental: o direito à vida.19

Do que se conclui que o Plano Nacional de Saneamento Básico assume,


assim, importância estratégica, porque disciplina todo um processo de to-
mada de decisões. Ao envolver todos os agentes, assume um caráter trans-
versal e sistêmico, promovendo reflexões e oferecendo alternativas, con-
tribuindo com visão crítica para que se caminhe na direção mais adequada.

18 A. Pessoa. “O melhor plano de saneamento é aquele que realmente seja efeti-


vado tendo como estratégia a saúde pública”. Escola Politécnica Joaquim Venâncio. Entre-
vista: com Alexandre Pessoa. EPSJV/Fiocruz. 05/04/2019. Por Julia Neves. Disponível em
http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/o-melhor-plano-de-saneamento-e-aquele-
que-realmente-seja-efetivado-tendo-como (acedido em 10 de julho de 2019).
19 Pessoa, EPJV.

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68
5. O PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL ― PNSR

O Programa Nacional de Saneamento Rural – PNSR20, nascido do PLAN-


SAB, busca desenhar um caminho que permita a todo brasileiro, em áreas
rurais, desfrutar o direito à água, ao esgotamento sanitário, ao manejo de
resíduos sólidos e à drenagem. Sua metodologia é norteada pelo já aludi-
do conceito de foresight, que significa prospectiva estratégica e que tem
como objetivo identificar a realidade para construir uma visão de futuro
que envolva todas as forças interessadas; permitindo visões diferenciadas
que, segundo a lógica do conceito, tende a agregar valores ao processo.

O Programa, que se encontra em vias de finalização, trará um diag-


nóstico mais atual sobre o déficit de cobertura no saneamento rural no
Brasil. Ele teve como responsáveis por sua elaboração, não só as uni-
versidades UFMG, UFRJ e UFBA, mas a participação da comunidade. A
parceria entre FUNASA e UFMG, realizada através do Termo de Execu-
ção Descentralizada nº 01-2015, teve como objetivo aprofundar estudos
para concepção formulação e gestão de programa; e contou, ainda, com
a participação do Grupo Terra, que integra de forma colegiada o Minis-
tério da Saúde, e que elabora e acompanha a Política Nacional de Saúde
Integral das populações do campo, da floresta e das águas.

Seu horizonte de atendimento, assim como o PLANSAB, visa os próxi-


mos 20 anos e seus princípios também seguem o mesmo modelo de ação
do Plano Nacional de Saneamento Básico: Universalidade, Equidade, In-
tegralidade, Interssetorialidade, Sustentabilidade, Participação e Controle
Social, estando a universalização restrita ao meio rural, setor para onde
aponta sua meta. Importante de se destacar sobre o PNSR é que, por tratar
comunidades específicas, com características muito particulares, foi pen-
sado de forma diferenciada, necessariamente evolvendo outras variáveis,

20 PNSR – PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL. FUNASA. [em cons-


trução]. Disponível em http://pnsr.desa.ufmg.br/ (acedido em 10 de junho de 2019).

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69
Estudos de Direito do Saneamento

tais como: dispersão geográfica; isolamento político e geográfico, distanci-


amento das sedes municipais; localização em áreas de difícil acesso, etc.21

Todas essas realidades ― e tantas outras, distintas ―, que marcam


diariamente a vida do brasileiro rural, precisaram ser levadas em consi-
deração. Caso contrário, seria impossível prosseguir com um plano es-
tratégico que chegasse, pelo menos, perto da realidade rural do Brasil. O
povo rural é, sem dúvida, alguma coisa à parte, pois, como se vê, o Brasil,
feito de tantos “Brasis”, em pleno século XXI, ainda nega água potável a
seus habitantes. Com base nesse mapeamento singular, o programa ain-
da define outros povos, desse Brasil feito de tantas singularidades: “[...]
o programa dá ênfase às populações do campo, da floresta e das águas,
propondo um subprograma para os povos originários. Assim sendo, es-
sas populações são 38, compreendidas como: camponeses e campone-
sas, indivíduos pertencentes a comunidades tradicionais, como os qui-
lombolas; indivíduos residentes em comunidades costeiras e ribeirinhas,
que vivem da pesca artesanal e do extrativismo; indivíduos residentes
em Unidades de Conservação (UCs) e os povos indígenas”22.

Aqui, o PNSR busca cumprir sua missão colocando em prática o prin-


cípio da Interssetorialidade, que consiste em promover articulação ma-
tricial das estruturas setoriais, com diálogo entre tecnologias e práticas
setoriais, dando ênfase às comunidades de forma distinta e propondo
subprogramas para os povos originários, especificando diferenças étnico-
culturais, sociais, econômicas e territoriais. Entende-se que “a proposta
do Programa Nacional de Saneamento Rural está pautada na premissa de

21 PNSR – PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL. FUNASA. [em cons-


trução]. Disponível em http://pnsr.desa.ufmg.br/ (acedido em 10 de junho de 2019). 1)
22 G. C. X. M. Pontual Machado, C. Roale, F. Xavier Sobrinho et alii. “Caminhos
e cuidados com a água: faça você mesmo seu sistema de saneamento ecológico”. Rio de
Janeiro, RJ: Fiocruz, 2019. Disponível em versão digital em: https://issuu.com/otss/docs/
v5_finalsiteotss_cartilha_saneament/52. (acedido em 10 de junho de 2019).

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70
que é necessário se alcançar a compreensão das diferentes demandas da
população rural do Brasil, a fim de se compor soluções que sejam capa-
zes de garantir a universalização do acesso, de forma compatível com as
necessidades e realidades encontradas nas diferentes regiões do país”23.

A Interssetorialidade abrange as três esferas do poder: o Governo Fede-


ral, os Estados e os Municípios, que juntos, pretendem implantar soluções
de saneamento para as comunidades rurais, integrando saúde, educação,
recursos hídricos, habitação, igualdade racial e meio ambiente. Há que se
ter cuidado em não se interferir nos padrões culturais e sociais das comu-
nidades, preservando suas identidades. Ao destacar o uso de tecnologias,
por exemplo, estipula que estas poderão ou não ser utilizadas, a depender
do grau de entendimento da comunidade, de sua adequação e aceitação.
Entende-se que “neste cenário de transformação da visão do saneamento
rural, essa tese de pesquisa-ação em saneamento ecológico se enquadra
como uma ação contra-hegemônica para promoção da saúde. A definição
das prioridades temáticas e intervenções territoriais foram realizadas em
conjunto com as Comunidades Tradicionais que são o público alvo do proje-
to e simultaneamente atores de seu próprio processo de transformação”24.

Sendo, todavia, fora de questão pensar Interssetorialidade sem que se


recorra ao viés e a ferramentas interdisciplinares e transdisciplinares, vale res-
saltar que formar para ação significa, antes de tudo, criar possibilidades de
acesso. E a tecnologia, hoje, não pode estar dissociada da Educação e da Cul-
tura. Necessário é que, em se mapeando comunidades, haja um caminho de
construção técnico sem que se deixe de lado o que realmente há de particular
em cada uma delas. A técnica deve ser e está entendida como um direito,

23 PNSR – PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL. FUNASA. [em cons-


trução]. Disponível em http://pnsr.desa.ufmg.br/. (acedido em 10 de junho de 2019)
24 PNSR – PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO RURAL. FUNASA. [em cons-
trução]. Disponível em http://pnsr.desa.ufmg.br/. (acedido em 10 de junho de 2019).

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71
Estudos de Direito do Saneamento

porque estreitamente ligada a um novo cenário cultural e social e, portanto,


ao acesso à educação (além de previsão legal). Toda solução deve, em âmbito
específico e caráter universal, integrar saneamento básico e qualidade de vida,
preservando singularidades e dando acesso ao conhecimento tecnológico.

6. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PNSR E DA PARCERIA FUNASA/UFMG

O PNSR é um dos três programas previstos para a Política Federal de


Saneamento Básico. Em 2018 foi apresentada uma versão preliminar do
Programa, que vem sendo aprimorada através de consultas públicas e
contribuições que foram analisadas e consolidadas para que o Programa
seja referendado, o que está em vias de acontecer.

ZANCUL, Coordenadora de Saneamento em Áreas Rurais e Comunidades


Tradicionais da Fundação Nacional de Saúde, ao expor a contextualização do
Programa Nacional de Saneamento Rural aponta o contexto dentro do qual
o plano precisou ser pensado. Além do elevado déficit de cobertura para a
população rural e dos pequenos municípios (Tabela 1), que ainda se encon-
tram sem serviços de saneamento básico, destaca-se a singularidade desses
espaços, pensamento este que vem sendo considerado pelos críticos como
princípio fundamental. Dessa forma, “o significativo déficit em saneamento
rural e as especificidades desses territórios exigem uma abordagem própria e
distinta da convencionalmente adotada nas áreas urbanas, tanto na dimensão
tecnológica, quanto na da gestão e da relação com as comunidades”25.

Dentro desse contexto, ao diagnosticar as necessidades específicas, de-


finir as ações, estabelecer metas, indicar os investimentos e adotar as estra-
tégias de gestão, busca-se alcançar resultados favoráveis para a população

25 J. Zancul. “Contextualização do Programa Nacional de Saneamento Rural e da


parceria Funasa/UFMG”. [relatório em powerpoint]. Belo Horizonte: Funasa/UFMG, 2016.

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72
Tabela1
Caracterização da situação em relação ao déficit em saneamento rural no Brasil

* Definição de déficit de acordo com o Plansab


Fonte: Departamento de Engenharia de Saúde Pública da Funasa (com dados do Censo De-
mográfico- IBGE, 2010). Apud FUNASA (PANORAMA DO SANEAMENTO RURAL NO BRASIL)

Figura 1
Lançamento de esgoto in natura diretamente no solo em propriedade rural

Foto: Isabel Figueiredo. FONTE: (TONETTI: 2018,p. 33)

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73
Estudos de Direito do Saneamento

rural, tirando-as de condições de total insalubridade para lhes dar um direito


básico que lhes é negado todos os dias. Ressalte-se, também, o fato de que,
historicamente, os investimentos em saneamento básico estão concentra-
dos em áreas urbanas. O diagnóstico sobre essa difícil realidade do Brasil
pode ser conferido em artigo publicado “Invisibilidade e exclusão sanitária:
frutos da diversidade incompreendida”, que mostra que a ausência desses
serviços, que ou não existem ou se dão de forma incompleta, obriga as po-
pulações rurais a se reinventarem, abusando de criatividade para que possa
desenvolver métodos alternativos que atendam às suas necessidades. Sa-
be-se, ainda, que “69% das áreas rurais ainda destinam seus resíduos de
forma inadequada – jogando-os em rios e lagos, deixando-os a céu aberto,
queimando-os, comprometendo a salubridade” 26.

De acordo com SONALY, “é comum que soluções não sejam apropria-


das e se deteriorem, em razão de técnicas que são desconectadas do dia a
dia das comunidades. A proposta prevê o envolvimento dos usuários e dos
agentes domiciliares e comunitários”. Acrescentando que “o PNSR, cujas
metas remetem a 2038, contém ainda atribuições de responsabilidades,
estimativas de investimentos e fontes de financiamento” (UFMG, 2018).
No trabalho realizado pela UFMG, junto à FUNASA, alertou-se, ainda, para
a necessidade de que o programa tenha como objetivo abarcar efetiva-
mente as pessoas à margem das ações do poder público, que privilegia
o saneamento urbano. A professora enfatiza que o PNSR contém dados
sobre déficit e soluções na área do saneamento rural, além da matriz tec-
nológica para cada componente, considerando as condicionantes socio-
ambientais e culturais. Uma grande inovação do trabalho, segundo ela, é
a identificação dos requisitos de gestão relativos às operações rotineiras

26 PNSR - em construção. “Invisibilidade e exclusão sanitária: frutos da diversidade in-


compreendida” (Publicado em 16 Mar. 2019) Disponível em http://pnsr.desa.ufmg.br/invisibilida-
de-e-exclusao-sanitaria-frutos-da-diversidade-incompreendida/. (acedido em 19 Julho de 2019).

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74
e de maior complexidade, resultando em sustentabilidade e perenidade
para as soluções tecnológicas, com os respectivos registros detalhados27.

7. CONCEITOS UTILIZADOS NA APLICAÇÃO DE POLÍTICAS PÚ-


BLICAS ADEQUADAS E EFICIENTES.

A dicotomia entre comunidade rural e comunidade urbana tem di-


ficultado a definição precisa do que seria, de fato, a população rural no
Brasil. O IBGE reconhece e anota em seu relatório “Classificação e carac-
terização dos espaços rurais e urbanos do Brasil”, de 2017, a necessida-
de de se repensar a definição desses espaços que, nos últimos cinquenta
anos, sofreram mudanças de caráter estrutural, econômico e tecnoló-
gico, que se apresentam, hoje, de maneira complexa e heterogênea e,
portanto, de difícil caracterização (Tabela 2). Entendidos como conceitos
centrais de Geografia, “os espaços urbanos e rurais se apresentam na
atualidade com características diversas e são marcados por relações e
funções cada vez mais interligadas, o que evidencia a complexidade na
definição de uma abordagem única para sua delimitação. Mesmo reco-
nhecendo a dificuldade em estabelecer distinções entre o meio urbano
e o meio rural, não se pode ignorar sua importância para fins da ação
pública e privada tendo em vista o planejamento territorial do Brasil”28.

27 S. Rezende. Depoimento dado ao setor de comunicação da UFMG, por ocasião


da apresentação (em 18 de setembro de 2018, em Brasília) da versão preliminar do Programa
Nacional de Saneamento Rural (PNSR). Elaborado por pesquisadores da UFMG (Universidade
Federal de Minas Gerais) e técnicos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o documento
expressa os resultados de três anos de trabalho e foi submetido a consulta pública por 30
dias. Disponível em em https://ufmg.br/comunicacao/noticias/ufmg-apresenta-proposta-
de-programa-nacional-de-saneamento-rural (acedido em 12 de setembro de 2019).
28 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. “Classificação e caracteri-
zação dos espaços urbanos no Brasil – IBGE (2017)”. Disponível em: https://biblioteca.ibge.
gov.br/visualizacao/livros/liv100643.pdf. (acedido em 20 de agosto de 2019).

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75
Estudos de Direito do Saneamento

Como seriam definidos, por exemplo, os trabalhadores que moram


em áreas essencialmente rurais e trabalham nas cidades, no meio ur-
bano? Sabe-se que é possível encontrar áreas em uma cidade similares
a áreas rurais e áreas na zona rural com características que podem ser
consideradas urbanas. Como, então, classificá-las? É dessa heterogenei-
dade que o Brasil é feito, por isso que ir além da dicotomia rural vs. urba-
no é o primeiro passo para se adentrar na realidade brasileira.

Tabela 2
Distribuição dos setores censitários e população, segundo códigos do IBGE.

Fonte: IBGE – Censo Demográfico de 2010.

Nos censos demográficos brasileiros, a densidade demográfica torna-


se a principal variável para a identificação das áreas rurais no país; áreas
densas (urbanas) e áreas dispersas (rurais). São, porém, limitadoras em
si mesmas. É possível encontrar muitas áreas urbanas com densidades
menores, sem que isso as caracterize como rurais. (Tabela 3).

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76
Tabela3
Descrição de setores censitários e distinção de áreas urbanas e rurais

Fonte: Consulta Pública. Programa Nacional de Saneamento Rural


(em construção). Disponível em: http://pnsr.desa.ufmg.br/consulta.

RANGEL RIGOTTI, da UFMG, e Renato HADAD29 acreditam que, de


acordo com o critério do Censo Demográfico atual e, levando em consi-

29 J.I. Rangel Rigotti e R. Hadad. “A Definição De Áreas Rurais No Brasil: subsídios


ao plano nacional de saneamento rural”. [apresentação de powerpoint]. Belo Horizonte:
PUC (MG)/ UFMG, 2018.

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77
Estudos de Direito do Saneamento

deração suas variáveis, a população estimada para as áreas tipicamente


rurais do Brasil, em 2010, é de 39.912.496 pessoas (Tabela4), ou seja,
21,0% da população residente no país30. Segundo o IBGE, “o processo de
elaboração e análise dos resultados da tipologia proposta no presente
estudo, além de tornar evidente a amplitude e complexidade na defi-
nição de uma tipologia rural urbana na escala municipal, abre caminho
para a reflexão e produção futura no sentido do desenvolvimento de
conceitos, métodos e técnicas operacionais voltadas a uma abordagem
morfológica mais detalhada e que reflita as especificidades regionais
brasileiras, especialmente considerando suas dimensões continentais”31.

Do que se conclui que a realidade rural brasileira não está adequada-


mente refletida nos números elaborados pelas instituições públicas, já que
os conceitos e critérios de avaliação destas excluem os pormenores da-
quela realidade. O saneamento básico no Brasil é um problema de grandes
proporções, e que requer caracterização censitária precisa. Tal complexi-

30 Segundo J.I. Rangel Rigotti “Os setores de código 1 com densidades relativa-
mente baixas, isto é, menor do que 605 hab./km2 e com vizinhança de pelo menos um ou-
tro setor rural (de 2 a 8) totalizaram 6.683.418 milhões de pessoas, correspondente a 3,5%
do total do país. Enfim, a população estimada para as áreas tipicamente rurais do Brasil em
2010 pelos critérios [...] propostos é de 39.912.496 milhões de pessoas, ou seja, 21,0% da
população residente no país”.( J.I. Rangel Rigotti e R. Hadad. “A Definição De Áreas Rurais
No Brasil: subsídios ao plano nacional de saneamento rural”. [apresentação de powerpoint].
Belo Horizonte: PUC (MG)/ UFMG, 2018.). Nessa nova proposta, observe-se que se consi-
dera “URBANO”, apenas o subscrito como “Código 1a”. Os demais, caracterizados como
“RURAL”, compreendem os Códigos 1b a 8, distribuídos em quatro categorias, A, B, C, D,
assim definidos: “A. Aglomerações próximas do urbano (Códigos 1b, 2 e 4)”; “B. Aglome-
rações mais adensadas isoladas (Código 3)”; “C. Aglomerações menos adensadas isoladas
(Códigos 5, 6 e 7)”; e “D. Sem aglomerações, com domicílios relativamente próximos de
aglomerações mais adensadas ou isolados(Código 8)” (PNSR – PROGRAMA NACIONAL DE
SANEAMENTO RURAL. FUNASA. [em construção])
31 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. “Classificação e caracteri-
zação dos espaços urbanos no Brasil – IBGE (2017)”. Disponível em: https://biblioteca.ibge.
gov.br/visualizacao/livros/liv100643.pdf. (acedido em 22 de agosto de 2019).

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78
dade está a exigir um arcabouço legal que contemple e proteja a realidade,
sob o risco de a legislação em vigor e a desatualização estatística tornarem
ainda mais difícil a aplicação de políticas adequadas e eficientes.

Tabela 4
Proposta de distribuição dos setores censitários e população

Fonte: IBGE – Censo Demográfico de 2010


(Disponível em http://pnsr.desa.ufmg.br/consulta).

8. Situação das comunidades, problemas enfrentados na escolha


da tecnologia sanitária e projetos-piloto em pauta

Um dos grandes problemas enfrentados pelas instituições nacionais


que atuam na área de saneamento rural está na hora da escolha do pro-
cesso de seleção de tecnologia sanitária a ser utilizada. Nesse momento,
é fundamental que, para ser aceito ―e possa ser mantido ―o processo
passe, primeiramente, pela aceitação da população e com seu engaja-
mento. Para isso, são imprescindíveis os técnicos, treinados para escla-

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79
Estudos de Direito do Saneamento

recimento de dúvidas e apresentação de soluções. Pois o que se observa


é que, quando as tecnologias escolhidas e implantadas não contam com
a participação dos próprios beneficiados por programas governamentais
ou pelas instituições de pesquisa ―e, portanto, eles não se consideram
inseridos no processo―, elas acabam por ser abandonadas, não só pelo
seu desinteresse frente à escolha, mas, muitas vezes, também pela inca-
pacidade de serem mantidas por eles.

O Projeto de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina criou, a


partir de dois projetos-piloto, um modelo equitativo de desenvolvimen-
to, com vistas à proteção do ambiente e dos recursos naturais, promo-
vendo melhoria da qualidade de vida das populações. Tomando como
exemplo a Comunidade Quilombola do Campinho e a Comunidade Cai-
çara da Praia do Sono32, que são tidos como povos tradicionais, graças ao
conceito de áreas protegidas estabelecido no Brasil, têm sido apresenta-
dos experiências e resultados concretos em abordagem, metodologia e
práticas efetivas da aplicação tecnológica33.

32 A. FARAONI FREITAS SETTI, H. AZEITEIRO RIBEIRO, U. MIRANDA AZEITEIRO, E.


GALLO. “Governance and the promotion of sustainable and healthy territories: the experi-
ence of Bocaina, Brazil”. In.:Journal of Integrated Coastal Zone Management / Revista de
Gestão Costeira Integrada, 16(1): 57-69 (2016). Disponível em http://www.aprh.pt/rgci/
pdf/rgci-612_Setti.pdf. (acedido em 19 de agosto de 2019).
33 Vale reprisar que a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
– Decreto N° 6.040/07 (BRASIL. Presidência da República da Casa Civil, 2007) — reconhece
como Comunidades Tradicionais aqueles grupos que se diferenciam por usarem territórios
e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral
e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição. Os Caiçaras, que estão caracterizados como tal, são considerados um povo de
maior vulnerabilidade quando comparados aos demais grupos tradicionais, pois não há
assistência específica de órgão governamental. Há, também, o problema da inexistência
de legislação específica que assegurem o direito à terra e às demais políticas. Estes, ra-
ramente, aparecem nos arquivos e documentos históricos. Além disso, vigora o turismo
predatório e grassa a especulação imobiliária, os quais interferiram e se infiltraram de tal
forma nessas comunidades que, hoje, esse povo precisa se reinventar para garantir sua
subsistência e, até, garantir o direito de permanecer em suas terras. O desafio de preservar
sua cultura é marcado pela resistência territorial.

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80
O projeto valorizou o conhecimento histórico e socialmente produ-
zido do povo de Bocaina, alinhando-o às técnicas modernas das ciências
e da tecnologia de forma sustentável, mantendo, porém, a autonomia
e a dinâmica de cada conhecimento. A ideia é respeitar o saber popu-
lar como fundamental para o desenvolvimento e o sucesso do projeto,
já que muitos recursos biológicos dependem das comunidades locais e
populações com uma tradição e um estilo de vida, conforme declara a
própria Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD).

O Projeto Bocaina teve (e continua tendo) como diretriz a preser-


vação das particularidades desses povos tradicionais, respeitando e ze-
lando por seus modos de vida, guiando suas ações para que se possam
fortalecer as particularidades originais dessas comunidades, criando um
modelo de gestão que possa atender a essas necessidades. A intensa
participação da comunidade corrobora o sucesso do projeto, além de
estimular e consolidar a autonomia dessa população, pois incentiva suas
vocações, dota-os de consciência de direitos e prioriza o conhecimento
compartilhado como fator decisivo para o modelo de economia solidá-
ria. É nesse contexto que o saneamento básico ganha dimensão diferen-
ciada para o povoado, pois passa a integrar a perspectiva de uma vida de
qualidade associando de forma estrutural e consciente a garantia de saú-
de com a promoção da cultura e da educação, além da conservação das
singularidades socioeconômicas em função de um modelo sustentável.

Com o intuito de avaliar alguns contextos do saneamento rural no


Brasil, A FUNASA, a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais
(FCT) de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba firmaram os alicerces funda-
dores do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis – OTSS,
de Bocaina. O FCT surge do consenso da comunidade. É um movimen-
to organizado por comunidades indígenas, formada por quilombolas e

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81
Estudos de Direito do Saneamento

caiçaras, que representa a luta para fazer valer seus direitos, não como
meros coadjuvantes, mas como participantes das tomadas de decisões.

O projeto de Bocaina, que está inserido num território de alta só-


cio-biodiversidade, tem como desafio desenvolver inovações que pos-
sam dar conta das singularidades do território, tornando fundamental
a cooperação com movimentos sociais e populações tradicionais. Sua
metodologia consiste na concentração e ação territorializada, com a
abordagem ecossistêmica. Ao se concentrar no território e suas necessi-
dades específicas, o projeto encontra base na economia solidária, o que
significa envolver a força de trabalho local e desenvolver mecanismos
que priorizem a economia local.

A FUNASA, instituição que deu valioso apoio ao projeto, desde a sua


fundação, participa dos processos de planejamento e decisões estraté-
gicas. Nessa trajetória, foram firmados três termos de cooperação. Em
conjunto, todos eles trouxeram como proposta o saneamento ecológico
e outras tecnologias territorializadas. Essa cooperação entre acadêmicos
e movimentos sociais conferiu ao projeto característica única, com seus
vários níveis de complexidade, o que também exigiu uma gestão inova-
dora, modificando a abordagem do problema.

De sua complexidade nasceu a necessidade de se criar estratégias


bem definidas, prevendo e ajustando processos que pudessem englobar
os seguintes objetivos: fortalecimento e qualificação do FCT; saneamen-
to ecológico; educação diferenciada; incubadora de tecnologias sociais;
agroecologia; turismo de base comunitária; dados georreferenciados so-
bre o território, incluindo metodologias participativas como a cartografia
social; defesa do território mediante assessoria jurídica, mobilizações e
articulações institucionais estratégicas; articulação de redes de solida-

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82
riedade internacionais para cooperação com países africanos, a partir
da Rede Ibero-Americana de Territórios Sustentáveis e Saudáveis; avalia-
ção e monitoramento territorializado dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas.

A característica de gestão horizontal adotada na OTSS instaura uma


estratégia fundamental para o sucesso do projeto, uma vez que permi-
te a comunhão dos saberes científico e tradicional. É nessa perspectiva
de horizontalização do conhecimento que o projeto vai construindo
um caminho de capacitação e desenvolvimento de habilidades, geran-
do, dentro das equipes, um sentimento de confiança, de motivação, de
comprometimento e de autonomia.

9. Saneamento rural bem-sucedido: o projeto TEVAP (Tanque de


Evapotranspiração) e as tecnologias ecossustentáveis

Há dez anos, a Funasa, a Fiocruz e o FCT inauguraram uma experiên-


cia transformadora na Serra da Bocaina, com o saneamento ecológico
da Praia do Sono (Paraty - RJ). Foram implantados, progressivamente,
11 módulos, nos espaços disponíveis pela Associação de Moradores e
na escola da comunidade. Para estes casos foi selecionado o Tanque de
Evapotranspiração (TEVAP), cuja consecução palmilha todas as etapas
previstas na tecnologia social. A equipe de trabalho foi composta por
técnicos e comunitários assegurando a participação social e a troca de
saberes, formalizando a contratação – como construtores – de morado-
res da comunidade, durante a construção dos módulos de saneamento,
com o intuito de que não só aprendessem a tecnologia, como também
para que se tornassem multiplicadores nas comunidades.

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83
Estudos de Direito do Saneamento

Lastreado nesse empreendimento bem sucedido, e fazendo o regis-


tro detalhado dos procedimentos e tecnologias empregadas, foi lança-
da em maio de 2019 ― durante a oficina de trabalho para construção
da Capacitação em Territórios Saudáveis e Sustentáveis: Experiências e
Tecnologias Aplicadas para Promoção da Saúde, realizada na cidade de
Paraty no RJ ― uma publicação de extrema importância: Caminho e cui-
dado com as águas (MACHADO: 2019). Parte fundamental da programa-
ção foram as visitas a campo, durante as quais os técnicos da Funasa34e
os participantes da Capacitação puderam conhecer em funcionamento o
projeto do Saneamento Ecológico da Praia do Sono e os processos agro-
ecológicos do Quilombo do Campinho. 

Gustavo Machado, assessor técnico da equipe do OTSS, e um dos


vários especialistas presentes no evento que hospedou o lançamento
desse Guia, afirmou que tais publicações são fundamentais na efetivação
de políticas públicas e ações territoriais, por constatarem a necessidade
e a eficiência do processo de atuação das comunidades e a promoção de
saúde de maneira participativa (FUNASA (a): 2019). Em consonância com
essa constatação, Hamilton Góes, Coordenador de Educação em Saúde
Ambiental (FUNASA), atesta que “o projeto pode iniciar todo um pro-
cesso de autonomia e protagonismo desses sujeitos residentes nessas
comunidades, sem que a gente precise assumir o papel de tutelar essas
ações. Nós vemos que as populações tradicionais se tornam sujeitas de
suas ações e das transformações ocasionadas, se empoderando e vali-
dando as tecnologias sociais aplicadas nos territórios” (DSS: 2019).

34 Originou-se desta visita o interesse da autora deste trabalho pela temática,


assim como pelos resultados tecnológicos e soluções práticas, onde foi comprovada in loco
a funcionalidade do que havia sido apresentado no Seminário e na Capacitação. A aparente
indissociabilidade de conceitos e aplicação incentivaram a pesquisa bibliográfica culminan-
do na realização deste artigo.

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84
Diferentemente dos processos de Saneamento Tradicional, o Tanque
de Evapotranspiração (Fossa de Bananeiras, ver Figura 2), utilizado, é en-
tendido no âmbito do saneamento ecológico de Tecnologia Social (TS). O
que difere o saneamento ecológico do saneamento básico (tradicional)
são questões de espécie vária, compreendendo não só aspectos do pro-
cesso físico e material de construção, porém conceituais, metodológicos
sociais e de resultados: enquanto este atua na prevenção de doenças
e no controle de poluição, aquele também se concentra na promoção
de saúde; este restringe-se à adequação dos padrões da legislação para
disposição final do efluente, de forma adequada; aquele é sustentável,
socialmente aceito e economicamente viável; este (classificado como
Tecnologia Convencional) atém-se majoritariamente aos aspectos téc-
nico/econômicos, aquele (caracterizado como Tecnologia Social - TS),
considera os aspectos sociais, ambientais, técnico/econômicos e cultu-
rais; este estatui as excretas e águas residuais como rejeitos, a serem
tratados e dispostos adequadamente, aquele (esta é uma diferença fun-
damental), aproveita a excreta e águas residuais como recursos, a serem
reinseridos no ciclo biológico, protegendo assim os recursos naturais;
este trata o ciclo dos nutrientes e da água de forma linear, aberta; aque-
le promove o fechamento do ciclo dos nutrientes e da água com seu
reaproveitamento; este, padronizado de forma convencional, aquele,
engenheirado considerando as dimensões socioambientais e culturais
locais; este, construído para a população, enquanto beneficiária passiva,
aquele, em parceria com a população, de forma a gerar autonomia, ten-
do o sujeito de direitos ativo nos territórios; este, envidado por técnicos,
excluindo a possibilidade de interações, aquele, conduzido em diálogo e
com participação comunitária; este, feito com treinamentos curtos e rá-
pidos, aquele, considerando processos de capacitação e de educação em
saúde, com educação popular, partilhas construtivas, rodas de conversa,

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85
Estudos de Direito do Saneamento

Figura 2
Proposta de distribuição dos setores censitários e população

Fonte: Guia das Águas (MACHADO: 2019, p. 63).

dentre outras; este, privilegiando a informação e o conhecimento indi-


vidualizados, instrumental e atemporal, baseando-se na solução técnica,
aquele, elegendo a formação coletiva e a mobilização social educadora,
tornando-se parte e expressão dos arranjos comunitários35.

O TEVAP (Tanque de Evaporação) é uma técnica de construção ca-


racterizada explicita e integralmente como de saneamento ecológico.
De forma sintética pode ser assim descrito: uma caixa de alvenaria (ou
outro material) selada/impermeabilizada, onde ocorre a decomposição
anaeróbia dos dejetos sólidos, intermediada por entulho e finalizada
com uma camada de terra fértil, onde as plantas absorvem a matéria

35 G. C. X. M. Pontual Machado, C. Roale, F. Xavier Sobrinho et al. Caminhos


e cuidados com a água: faça você mesmo seu sistema de saneamento ecológico. Rio de
Janeiro, RJ: Fiocruz, 2019. Disponível em versão digital em: https://issuu.com/otss/docs/
v5_finalsiteotss_cartilha_saneament/52. (acedido em 10 de junho de 2019).

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86
orgânica, incorporando-a à sua biomassa e eliminando a água por evapo-
transpiração. As seções – ou compartimentos – estão dispostas de forma
ilustrativa na Figura 3.

Observe-se que todo o processo de construção é simples (podendo


ser levado a cabo através de mutirão, em 48 horas, e sem a necessida-
de de supervisão técnica), utiliza materiais baratos e comuns de obra
(cimento, vergalhão, hiperadobe, areia), aproveita de forma estrutural
- e integralmente- material de difícil reciclagem (caso dos pneus e do
entulho pesado e concreto), além da própria matéria orgânica do ecos-
sistema (sol, água, terra, bananeiras – e, também, os dejetos), além do
próprio. O motor é o sol, as engrenagens, a matéria local, a estrutura,
a matéria inorgânica e/ou não reciclável, e a tecnologia resume-se ao
arranjo singular e inteligente desse material, que permite a catalisação
e o funcionamento. Segundo depoimento dado pelas crianças locais, e
colhido pelo autor do Guia, a ideia foi colocar tudo de ponta-cabeça: “a
tampa do sumidouro que está em cima é colocada no fundo”36. E sinte-
tiza a operação traduzindo-a pelo desempenho: “toda a água que chega
com fezes é tratada e sai por cima, por evaporação e transpiração das
bananeiras”. Esse “tratado” diz respeito à biodigestão do esgoto, exe-
cutada no túnel de pneus, que mata as bactérias nocivas. Por capilari-
dade, a água sobe, sendo filtrada pelas camadas sucessivamente mais
finas de entulho, brita, areia, até chegar à terra fértil. Essa água, que
carrega consigo nutrientes, é, então, absorvida pelas plantas (no caso
as bananeiras), podendo gerar frutos, que podem ser plenamente con-
sumidos. As bananeiras têm uma aplicação particular e importante, pela

36 G. C. X. M. Pontual Machado, C. Roale, F. Xavier Sobrinho et al. Caminhos


e cuidados com a água: faça você mesmo seu sistema de saneamento ecológico. Rio de
Janeiro, RJ: Fiocruz, 2019. p. 52. Disponível em versão digital em: https://issuu.com/otss/
docs/v5_finalsiteotss_cartilha_saneament/52. (acedido em 10 de junho de 2019).

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87
Estudos de Direito do Saneamento

sua capacidade ímpar de absorver e “bombear” a água de volta para a


atmosfera, através da evaporação pelas folhas (além do próprio solo);
daí a nomeação do processo de “evapotranspiração”.

Figura 3
TEVAP (Tanque de Evapotranspiração), Praia do Sono. Ilustração.

Fonte: Guia das Águas (MACHADO: 2019, p. 62).

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88
Existem muitos outros processos ecológicos de tratamento de esgo-
tos e de águas cinzas (citemos apenas os apresentados no Guia: Biossis-
tema Integrado (BSI), Banheiro Seco, Fossa Biodigestora, Filtro de Águas
Cinzas, Vala de Infiltração, Zona de Raízes e Jardim Flutuante), mas o
destaque com mérito deve ser dado ao TEVAP, não apenas por ter de-
monstrado sucesso e eficiência – em seu período de provação -, porém
por ter sido aprovado em todos os níveis de implementação e por todas
as instituições, grupos sociais, saberes e experts envolvidos, afirmando-
se como Tecnologia Social adequada ao Saneamento Rural e indo ao en-
contro de todos os conceitos abordados e as metodologias pertinentes.

10. Do arcabouço jurídico para a implantação do tevap no Brasil e


considerações finais

O TEVAP, seja ele considerado serviço público por atender a localida-


des de pequeno porte (Decreto nº 7.217/2010, artigo 2º, § 2º, inciso I),37
seja ele assim não considerado por constituir solução individual em que
o usuário não depende de terceiros para operar os serviços (Decreto nº
7.217/2010, artigo 2º, § 1º, inciso I),38 pode ser objeto de convênio, a ser
celebrado pela FUNASA com municípios ou com entidades privadas sem
fins lucrativos (Decreto nº 6.170/2007, artigo 1º, § 1º, inciso I)39.

37 BRASIL. Presidência da República da Casa Civil. Decreto nº 7.217/2010. Dispo-


nível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7217.htm.
(acedido em 20 de Junho de 2019).
38 BRASIL. Presidência da República da Casa Civil. Decreto nº 7.217/2010. Dispo-
nível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7217.htm.
(acedido em 20 de Junho de 2019).
39 BRASIL. Presidência da República da Casa Civil. Decreto nº 6.170/2007. Dispo-
nível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7217.htm.
(acedido em 20 de Junho de 2019).

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89
Estudos de Direito do Saneamento

A Lei nº 11.445/2007, em seu artigo 10, § 1º, inciso I, excepciona da


obrigatoriedade da celebração de contrato para a prestação de serviços
públicos de saneamento básico por entidade que não integre a adminis-
tração do titular, aqueles que o poder público autorizar para usuários
organizados em cooperativas ou associações.

Na hipótese de o TEVAP não ser considerado serviço público, ainda


assim poderia ser objeto de convênio. Situação equivalente à dos con-
vênios da FUNASA que têm por objeto a implementação de melhorias
sanitárias domiciliares (MSD).

Sucede que, embora tal ação não esteja regulada diretamente pela
Lei nº 11.445/2007, o serviço relacionado ao saneamento básico deve
ser desenvolvido de forma articulada com as políticas de desenvolvi-
mento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua
erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de
relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida,
para as quais o saneamento básico seja fator determinante.

Vimos, desde o início deste trabalho que políticas, leis e linhas de ação
convergem na busca de implantação de projetos coerentes com os dita-
mes das legislações nacionais e internacionais no que se refere ao direito
ao saneamento. A declaração da ONU de que o saneamento básico deve
ser entendido como direito à vida consolida o pensamento de que a pro-
moção da saúde da população deve ser colocada no centro das ações so-
ciais. Para a OMS (Organização Mundial de Saúde), para a qual os princípi-
os de direitos humanos devem ser aplicados no contexto da realização de
todos os direitos humanos e a UNESCO, através dos ODS, estabelecendo
que o acesso à educação de qualidade em todos os níveis, especialmente
de saúde e proteção social, deve ser equitativo e universal. A Constituição

Voltar ao índice
90
Federal – artigos 196 a 200 – estabelece que todo cidadão brasileiro tem
direito à saúde, sendo previstas as ações de vigilância sanitária. Corrobora
esse direito a Lei 11.445/07, que estabelece as diretrizes nacionais para
o Saneamento Básico no Brasil, com base nos princípios da universaliza-
ção do acesso, com integralidade das ações e acesso à informação. A Lei
de Saneamento Básico Nacional define, também, em seu artigo. 52°, as
competências quanto à coordenação e atuação dos diversos agentes en-
volvidos no planejamento e execução da política federal de saneamento
básico. É atribuída ao Governo Federal, sob a coordenação do Ministério
das Cidades, a responsabilidade pela elaboração do Plano Nacional de Sa-
neamento Básico (PLANSAB). Dessa forma, o PLANSAB tem como objetivo
explícito estabelecer as políticas públicas de saneamento básico do Bra-
sil através de quantificadores socioeconômicos e culturais, verificando a
qualidade dos serviços ofertados ou da solução empregada.

Por conta disso, as áreas rurais, por sua singularidade e elevado


déficit de cobertura de saneamento básico, ganham uma abordagem
específica e distinta através do Plano Nacional de Saneamento Rural –
PNSR. Atuando numa área muito singular, o programa requer um mape-
amento preciso das diferentes características étnico-culturais, sociais,
econômicas e territoriais. Exige, também, abordagem diferenciada no
campo da geografia: dispersão, isolamento político e geográfico, distan-
ciamento das sedes municipais; localização em áreas de difícil acesso,
etc.; contemplando quilombolas, moradores, resistentes, das comuni-
dades costeiras e ribeirinhas, que vivem da pesca artesanal e do extra-
tivismo; englobando, também, indivíduos residentes em Unidades de
Conservação (UCs) e os povos indígenas.

Seguindo essa linha de desenvolvimento e ação sustentável, verifica-se


que as tecnologias aplicadas no Observatório de Territórios Sustentáveis

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91
Estudos de Direito do Saneamento

e Saudáveis da Bocaina funcionam; os resultados são 100% positivos no


momento em que se aposta nas diretrizes determinadas, observadas as sin-
gularidades dos casos e a adequação das tecnologias aplicáveis; ainda, as-
sumindo-se como acertada a escolha, instaladas as adaptações; e, por fim,
garantido o apoio governamental em feitio também de formação e edu-
cação, aliadas à vontade da comunidade, em seu meio e consonância com
suas características culturais. Elas são o resultado das trocas efetivas entre
as especificidades técnicas, a academia e os saberes dos povos tradicionais.

A experiência implantada pelo Observatório tem permitido que cam-


poneses, quilombolas, indígenas e comunidades ribeirinhas participem
diretamente da construção do programa, orientados para soluções sus-
tentáveis, com aprimoramento das tecnologias necessárias, que farão
desses povos não mais meros expectadores de ações governamentais,
mas agentes de seu desenvolvimento e transformação social, política,
econômica, educacional e cultural.

“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só


fazer outras maiores perguntas”.
Guimarães Rosa

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92
A gestão associada
dos serviços públicos
de saneamento básico
Parcerias “Público-Público”
como forma de materialização do
Federalismo-Cooperativo Brasileiro
ALYRE MARQUES PINTO1
o1

Resumo

Propõe-se, no artigo, tecer considerações sobre a gestão associada de


serviços públicos, como mecanismo de colaboração federativa à disposi-
ção dos entes federados, com ênfase na sua aplicação para a consecução
da prestação e universalização do acesso aos serviços públicos de sanea-
mento básico. Para tanto, serão evidenciados, primeiramente, os desafios
que ainda enfrenta o setor no Brasil. Em seguida, será abordada a temá-
tica dos tipos de prestadores de serviços presentes no cenário nacional
e suas respectivas organizações jurídicas, com esclarecimentos sobre a

1 Procuradora Federal, desde outubro/2006. Especialista em Direito Tributário


pela Universidade Católica Dom Bosco em convênio com o Instituto Nacional de Pós Gra-
duação – INPG. Agente Fiscal de Rendas Municipal: 2003/2006. Procuradora Municipal:
1995/2003. alyre.marques@agu.gov.br, Advocacia-Geral da União, em exercício na Procu-
radoria Federal Especializada da FUNASA, Superintendência do Estado de Mato Grosso do
Sul, Rua Barão de Melgaço n.º 379, Centro, Campo Grande/MS, CEP: 79002-080.

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93
Estudos de Direito do Saneamento

evolução histórica dos serviços que configurou tal realidade. Em sequên-


cia, discorrer-se-á sobre as competências dos entes federados para dispor
sobre o tema, de forma a compreender por que o desafio do saneamento
é obrigação comum a todos esses. Nesse sentido, serão examinados os
serviços de saneamento que se amoldam a uma gestão de forma associ-
ada, suas vantagens e os instrumentos jurídicos de que dispõe os entes
federados para sua implementação. Como forma de vislumbrar outras
possibilidades de cooperação federativa em território nacional, será feita
uma breve exposição sobre o modelo de prestação dos serviços de abas-
tecimento de água e esgotamento sanitário adotado em Portugal. E, ao
final, serão apresentados dados sobre a gestão associada dos serviços de
água e esgoto já presente no Estado de Mato Grosso do Sul.

Palavras-chave: Serviços Públicos. Saneamento Básico. Gestão Asso-


ciada. Federalismo Cooperativo. Universalização do Saneamento.

Abstract

This article proposes considerations about associated management of


public services, as a mechanism of federative collaboration available to the
federated entities, with emphasis on its application to achieve the provision
and universalization of access to public sanitation services. For this purpo-
se, we will first highlight the challenges still facing this sector in Brazil. And
then, the theme of types of service providers present in the national scena-
rio and their respective of legal organizations will be addressed, with expla-
nation about historical evolution of the services that shaped that reality.
Going on, we will discuss the competences of federated entities to dispose on
the theme, in order to understand why the challenge of sanitation is an obli-

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94
gation common to all of them. In this sense, sanitation services that conform
to an associated management, its advantages and the legal instruments
available to the federated entities for its implementation, will be examined.
As another point of view, other possibilities of federative cooperation in
the national territory, a brief presentation will be given about the model
of water supply and sewage services adopted in Portugal. In the end, data
will be presented on the associated management of water and sewage
services already present in the state of Mato Grosso do Sul.

Keywords: Public Services. Basic Sanitation. Associated Management.


Cooperative Federalism. Universal Sanitation.

Sumário

1. Considerações iniciais. 2. Saneamento Básico: Das compe-


tências constitucionais dos entes federados em harmonia com
o federalismo cooperativo consagrado na Constituição Federal
Brasileira. 3. Dos serviços públicos de saneamento básico e a
possibilidade de sua gestão de forma associada entre os entes
federativos. 4. Das vantagens da prestação dos serviços públicos
de saneamento básico de forma associada. 5. Instrumentos da
gestão associada: Consórcios Públicos e Convênios de Coopera-
ção. O Contrato de Programa como instrumento jurídico hábil a
formalizar as obrigações dos entes consorciados ou conveniados.
6. Da gestão dos serviços públicos de abastecimento de água e
esgotamento sanitário em Portugal. 7. Da gestão associada dos
serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no
Estado de Mato Grosso do Sul. 8. Conclusão.

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95
Estudos de Direito do Saneamento

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Sanea-


mento – SNIS, referentes ao ano de 2017, consolidados na vigésima ter-
ceira edição do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos2, divulgada
em fevereiro deste ano de 2019, pela Secretaria Nacional de Saneamen-
to do Ministério do Desenvolvimento Regional (SNS/MDR), o Brasil conta
com uma média nacional3 de 93,0% da população urbana atendida com
redes de abastecimento de água, com destaque para as regiões Sul, Cen-
tro-Oeste e Sudeste, nas quais os índices médios são de 98,4%, 98,1%
e 95,9%, respectivamente. Para as regiões Norte e Nordeste, os índices
caem para 70,0% e 88,8%.

Contudo, se considerarmos a população total residente, estimada


pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a média nacio-
nal cai para 83,5%. Para as macrorregiões, as quedas são de 89,7% para a
região Sul, 90,1% para a Centro-Oeste, 91,3% para a Sudeste, 57,5% para
a Norte e 73,3% para a Nordeste.

Relativamente ao atendimento por esgotamento sanitário, os índices


são bem menos animadores. Apenas 52,4% da população total do país,
em 2017, é atendida por rede coletora de esgoto. Considerando tão so-
mente a população urbana, a média sobe um pouco, alcançando o per-
centual de 60,2%. O menor índice fica para a região Norte, com apenas

2 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Regional. Secretaria Nacional de Sanea-


mento – SNS, “Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento- SNIS: Diagnóstico dos Ser-
viços de Água e Esgotos – 2017”, Brasília: SNS/MDR, 2019, 226 p. : il., disponível em http://www.
snis.gov.br/diagnostico-agua-e-esgotos/diagnostico-ae-2017 (acesso em 09 de julho de 2019).
3 Conforme esclarece o Diagnóstico “Os dados dos serviços de água e esgotos são
fornecidos ao SNIS por companhias estaduais, empresas e autarquias municipais, empresas
privadas e, em muitos casos, pelas próprias prefeituras, todos denominados no SNIS como
prestadores de serviços.”, “SNIS: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2017”, p. 15.

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96
13,0% da população urbana atendida com esgotamento sanitário, e o
maior com a região Sudeste, que alcança a média de 83,2%. Centro-O-
este, Sul e Nordeste apresentam as médias de atendimento de 59,5%,
50,6% e 34,8%, respectivamente.

Quanto ao tratamento dos esgotos gerados, o índice médio do país


chega ao triste percentual de apenas 46,0%. Na comparação entre as
macrorregiões, os menores índices ficam com as regiões Norte e Nordes-
te. A primeira com apenas 22,6% de esgoto gerado tratado. E, a segunda
com índice de 34,7%. As demais regiões se aproximam ao índice médio
nacional, sendo 44,9% de esgoto tratado para a região Sul, 50,4% de es-
goto tratado para a região Sudeste e 52% de esgoto tratado para a região
Centro-Oeste.

Alarmante realidade que remonta à época do Brasil Colônia e Império,


quando “os escravos eram os responsáveis por realizar o transporte dos
dejetos das residências para despejo no mar”, conforme relata Adriana de
Souza Machado4, inclusive, citando narrativa de Laurentino Gomes sobre
a insalubre realidade da cidade naquela época, na qual os escravos, res-
ponsáveis pela degradante tarefa, ficaram conhecidos como “tigres”:

“Devido a pouca profundidade do lençol freático, a construção


das fossas sanitárias era proibida. A urina e as fezes dos mora-
dores, recolhidas durante a noite, eram transportadas de manhã
para serem despejadas no mar por escravos que carregavam
grandes tonéis de esgoto nas costas. Durante o percurso, parte

4 A. de Souza Machado, A estrutura tarifária e a universalização dos serviços de


saneamento básico: tensões e possíveis conciliações, 2018. 119 f. Dissertação (mestrado),
Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, Orientador: Joaquim Fal-
cão, disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/27362/
Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Adriana..Machado.%20FINAL.pdf?sequence=1&isA-
llowed=y (acesso em 31 de agosto 2019), pp. 20-21.

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97
Estudos de Direito do Saneamento

do conteúdo desses tonéis repleto de amônia e ureia, caía sobre


a pele e, com o passar do tempo, deixava listras brancas sobre
suas costas negras. Por isso, esses escravos eram conhecidos
como “tigres”. Devido à falta de um sistema de coleta de esgoto,
os “tigres” continuaram em atividade no Rio de Janeiro até 1860
e no Recife até 1882. O sociólogo Gilberto Freire diz que a facili-
dade de dispor de “tigres” e seu baixo custo retardou a criação de
redes de saneamento nas cidades litorâneas brasileiras.”

Como se vê, em termos de esgotamento sanitário, temos um longo ca-


minho a percorrer. Ainda hoje, as redes são significativamente insuficientes
e o esgoto, sem qualquer tratamento, é lançado ao mar e nos rios, poluindo
nossos recursos hídricos, causando degradação ambiental, e mais, ainda, con-
tribuindo para a proliferação de doenças, em prejuízo à saúde da população.

De fato, os resultados relatados permitem dimensionar os grandes desafios


que ainda enfrenta o setor do saneamento básico nacional, em prol da univer-
salização dos serviços, primordialmente no campo do esgotamento sanitário.

Importante advertir que a nova ordem jurídica nacional, advinda com a


Constituição Federal Brasileira de 1988, doravante CF, proclama a dignidade da
pessoa humana como fundamento da República Federativa (inciso III do artigo
1.º da CF5) e a saúde como direito de todos e dever do Estado (artigo 196 da CF6).

Logo, é dever de todos os entes federados, em harmônica coope-


ração, transformar essa triste realidade, assegurando, através da insti-

5 “Artigo 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;”
6 Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante po-
líticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

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98
tuição de políticas públicas, o acesso à água potável e ao saneamento
básico a toda população.

Como ressalta o Instituto Trata Brasil, ao definir saneamento e des-


tacar sua importância, “Ter saneamento básico é um fator essencial para
um país poder ser chamado de país desenvolvido. Os serviços de água
tratada, coleta e tratamento dos esgotos levam à melhoria da qualida-
de de vidas das pessoas, sobretudo na saúde infantil com redução da
mortalidade infantil, melhorias na educação, na expansão do turismo,
na valorização dos imóveis, na renda do trabalhador, na despoluição dos
rios e preservação dos recursos hídricos, etc.”7.

Sob outro enfoque, o Diagnóstico de 2017 traz também importan-


tes informações sobre os tipos de prestadores de serviços presentes
nos Municípios que apresentam sistemas públicos de saneamento8,
os quais são identificados como de abrangência regional (atendem a
diversos municípios em um mesmo estado, limítrofes uns dos outros
ou não); de abrangência microrregional (atendem a dois ou mais mu-
nicípios limítrofes uns dos outros no mesmo estado); e prestadores de
abrangência local (atendem a um único município), inclusive, com a
quantidade de municípios atendidos por cada categoria e respectiva
população urbana. Confira-se9:

7 “O que é saneamento?”, Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/saneamen-


to/o-que-e-saneamento. Acesso em: 14 set. 2019.
8 Segundo o Diagnóstico, a ausência de sistema público de saneamento diz respei-
to às chamadas soluções alternativas e individuais, tais como, para esgotamento sanitário,
fossas sépticas, fossas rudimentares, galerias de águas pluviais, lançamento de esgotos em
curso d’água, etc. e, para abastecimento de água, uso de poço ou nascente, chafariz, cisterna,
açude, caminhão pipa, etc. “SNIS: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2017”, p. 20.
9 Quadro 2 do Diagnóstico, “SNIS: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2017”, p. 24.

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99
Estudos de Direito do Saneamento

Quadro 2
Distribuição dos prestadores de serviços participantes do SNIS em 2017,
que responderam aos formulários completos, segundo abrangência e
algumas características do atendimento.

Os prestadores são classificados, ainda, no SNIS, segundo as diferen-


tes formas de organização jurídica que apresentam: a) administração
direta; b) autarquia; c) sociedade de economia mista; d) empresa públi-
ca; e) empresa privada; e f) organização social. Vejamos os quantitativos
apurados segundo abrangência e natureza jurídico-administrativa dos
prestadores de serviços10:

Quadro 3
Distribuição dos prestadores de serviços participantes do SNIS em 2017,
que responderam aos formulários completos, segundo abrangência e
natureza jurídico-administrativa.

De acordo com os dados apresentados, é possível computar um total

10 Quadro 3 do Diagnóstico, “SNIS: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos –


2017”, p. 24.

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100
de 1.535 prestadores, sendo 28 de abrangência regional; 6 de abrangên-
cia microrregional; e 1.501 prestadores de abrangência local.

Vê-se, ainda, que os prestadores de abrangência regional, ou seja,


aqueles que atendem a diversos municípios em um mesmo estado apre-
sentam quase sempre a natureza jurídica de sociedade de economia
mista. Já os prestadores de abrangência local, assim considerados aque-
les que atendem a um único município, em sua maioria, ou integram a
administração direta do município, ou são constituídos sob a forma de
autarquia municipal. A participação do setor privado se restringe quase
que basicamente aos prestadores locais, sendo mesmo nestes, pouco re-
levante, menor que 10% dos prestadores.

Destaca-se, também, do Diagnóstico, a informação de que “os pres-


tadores de serviços de abrangência regional (as chamadas companhias
estaduais de saneamento) são responsáveis pelo atendimento de 78,3%
dos municípios que responderam ao SNIS em 2017 para abastecimento
de água e 55,8% para esgotamento sanitário. Em termos de população
urbana, esses percentuais são de 74,4% para abastecimento de água e
67,1% para esgotamento sanitário”11.

Em sequência, o Relatório enfatiza que “Na comparação com o total


de municípios do país, os prestadores de serviços de abrangência regional
atendem a 72,4% dos municípios brasileiros com abastecimento de água e

11 Considerando prestadores de serviços que responderam os formulários Com-


pletos tem-se a totalização de dados referentes a 5.117 municípios atendidos com abasteci-
mento de água e a 2.444 municípios atendidos com esgotamento sanitário (91,9% e 43,9%
da quantidade total de municípios do país, respectivamente). Esses prestadores atuam em
municípios com população urbana de 172,1 e 149,4 milhões de habitantes, respectivamen-
te (correspondendo a 98,0% e 85,1% de toda a população urbana do país, respectivamen-
te). “SNIS: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2017”, pp. 23-24.

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101
Estudos de Direito do Saneamento

a 24,6% com esgotamento sanitário, números esses que correspondem a


um percentual da população urbana residente de 73,6% e 59,7%”12.

Há que se reconhecer que temos no Brasil um sistema de prestação


de serviços de saneamento de abrangência prevalentemente regional,
no qual se destacam as companhias estaduais de saneamento, em sua
maioria, constituídas sob a forma de sociedades de economias mista.

Tal conjuntura se deve a evolução histórica dos serviços de sanea-


mento no País, com destaque para o Plano Nacional de Saneamento, do-
ravante denominado PLANASA, lançado em 1971, no VI Congresso Bra-
sileiro de Engenharia Sanitária, tendo como um dos principais objetivos
garantir que o acesso da população urbana atingisse 80% para abasteci-
mento de água potável e 50% para o sistema de esgotamento sanitário13.

Conforme reiterado na doutrina, o modelo caracterizou-se pela con-


centração das funções de planejamento, coordenação, controle e apoio
financeiro nas mãos da União, cabendo aos Estados a prestação dos ser-
viços, através das Companhias Estaduais de Saneamento. Os Municípios,
em que pese figurarem como “poder concedente” das concessões cele-
bradas, tiveram participação reduzida, ou praticamente excluída, pouco
decidindo a respeito dos serviços.

Também registrado que muito se alcançou com o Plano, tendo, de


fato, provocado uma grande expansão do saneamento. Contudo, como
observa Adriana de Souza Machado, “apesar do sucesso inicial do PLA-
NASA, os avanços na prestação dos serviços deixaram de acompanhar
o crescimento populacional e a urbanização, ficando aquém dos níveis

12 “SNIS: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2017”, pp. 23-24.


13 Conforme esclarece Souza Machado, A estrutura, p. 29.

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102
necessários. O crescimento desse déficit decorreu, sobretudo, da insufi-
ciência de recursos e das insatisfatórias condições operacionais e admi-
nistrativas de grande parte dos prestadores de serviço, dos quais grande
parte era de Companhias Estaduais”14.

Na verdade, as adversidades econômicas enfrentadas na década de


1980, de forte inflação e escassez de recursos, contribuíram para o enfra-
quecimento do modelo PLANASA. Ademais, a política tarifária almejada
pelo sistema não contemplava as necessidades plenas do setor, favore-
cendo a deterioração da saúde financeira das companhias estaduais.

Ressalte-se, no entanto, que o modelo centralizador só veio a ser rom-


pido com a Constituição Federal de 1988, haja vista que esta solidificou a
titularidade dos serviços locais para os entes municipais, confirmando, as-
sim, a competência dos Municípios para a prestação dos serviços de sane-
amento em seu âmbito territorial, inobstante as discussões doutrinárias e
jurisprudenciais travadas sobre o tema, seja em favor da titularidade muni-
cipal; seja em defesa da relativização da titularidade municipal em favor do
Estado; seja em favor da titularidade conjugada de Estados e Municípios.

Anote-se que a divergência se instalou, inicialmente, sob o fato de


que o domínio das águas encontrava-se nos planos federal e estadual, o
que afastaria a titularidade municipal sobre saneamento, contudo, com
o advento das legislações específicas sobre cada tema, se confirmou que
se tratavam de competências distintas, não anulando a competência mu-
nicipal para os serviços locais de saneamento.

14 Souza Machado, A estrutura, p. 32.

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103
Estudos de Direito do Saneamento

Posteriormente, a polêmica persistiu, em sede de regiões metropolita-


nas, aglomerações urbanas e microrregiões15, instituídas obrigatoriamente
por Lei Complementar Estadual16, o que levou a tais entes a avocarem pra
si a titularidade dos serviços locais, incluindo o saneamento básico como
serviço comum ou regional. Contudo, a questão foi pacificada pela máxima
Corte do País, o Supremo Tribunal Federal, doravante denominado STF, o
qual, em sede de controle concentrado de constitucionalidade de Lei Esta-
dual, firmou o entendimento de que “no caso de regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões não há a transferência de compe-
tências municipais para o Estado membro, mas cria-se, apenas, um regime
colegiado para o exercício das competências que continuam municipais”17.

Contudo, de forma contraditória ao disposto na nova ordem consti-


tucional, a histórica exclusão dos Municípios do setor do saneamento,
com preponderância das determinações federais e estaduais, evidencia
um presente em que muitos daqueles não possuem expertise técnica,
aliada a escassez de recursos, para gestão autônoma dos serviços de sa-
neamento local, fatores indicativos para que se perpetue a interação e
cooperação dos entes federados, iniciada no PLANASA, porém, sob nova
perspectiva, ou seja, assegurando efetivamente a titularidade municipal
para direcionar as políticas públicas do saneamento básico local.

15 Nesse sentido, esclarece W. Antonio Ribeiro, “Consórcios Públicos de Saneamento


Básico: Um Guia para os Municípios”. Texto disponibilizado pelo professor Wladimir Antonio
Ribeiro, no Curso de Extensão do Direito do Saneamento, oferecido pela Procuradoria Federal
Especializada junto à FUNASA, em parceria com o Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Fa-
culdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP), aula do dia 31 de maio de 2019, p. 33.
16 CF: “Artigo 25. (...)
§ 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limí-
trofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de
interesse comum.”
17 STF, Pleno. ADI n.º 1.842-RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, maioria de votos. Julg.
6.3.2013.

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104
Feitas tais considerações iniciais, vejamos com mais detalhes as com-
petências dos entes federados para dispor sobre o saneamento básico
no item seguinte, objetivando compreender por que o desafio do sanea-
mento é obrigação comum a todos esses.

2. SANEAMENTO BÁSICO: DAS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS


DOS ENTES FEDERADOS EM HARMONIA COM O FEDERALISMO COO-
PERATIVO CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA.

Nos termos do caput do artigo 1.º18 da Constituição da República de 1988,


o Brasil constitui-se em uma República Federativa, formada pela união indis-
solúvel dos Estados-membros e Municípios e do Distrito Federal, todos autô-
nomos entre si, conforme expressamente consignado no artigo 1819 da CF.

A forma federativa de Estado, consagrada na nova ordem jurídico-consti-


tucional, assegurou aos entes federados a capacidade de auto-organização,
autogoverno e autoadministração, além da autonomia político-administra-
tiva para exercerem as competências especificadas no texto constitucional.

Contudo, estas, muitas vezes, se entrelaçam, já que a par das exclusi-


vas, de regra, as tributárias, a Constituição Federal dispõe sobre as com-
petências comuns e concorrentes da União, Estados membros e Muni-
cípios, no que toca às atribuições político-administrativas e legislativas.

18 “Artigo 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos:”
19 “Artigo 18. A organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autôno-
mos, nos termos desta Constituição.”

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105
Estudos de Direito do Saneamento

Na seara do saneamento, coube à União instituir as diretrizes nacionais


para o saneamento básico (inciso XX do artigo 21 da CF20), e a todos os en-
tes, em conjunto, promover a melhoria dos programas com tal finalidade,
haja vista o disposto no inciso IX do artigo 23 da Constituição Federal que
assim prevê: “Artigo. 23. É competência comum da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios: (...)  IX- promover programas de constru-
ção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamen-
to básico”, “mediante a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios”, nas palavras do professor Wladimir Antonio Ri-
beiro21, ao comentar o parágrafo único do artigo 2322 da CF. 

Ressalte-se, também, a competência dos Municípios e do Distrito Fe-


deral para legislar sobre a matéria, em seu âmbito territorial, uma vez
que compete aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local”
e “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (incisos I
e II do artigo 30 da CF23) e ao Distrito Federal as competências legislativas

20 “Artigo 21. Compete à União:


(...)
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamen-
to básico e transportes urbanos;”
21 W. Antonio Ribeiro, “Uma proposta para o saneamento básico no Brasil (parte
5)”. Revista Consultor Jurídico, 5 de novembro de 2018, 6h25, disponível em https://www.
conjur.com.br/2018-nov-05/wladimir-ribeiro-proposta-saneamento-basico-parte (acesso
em 08 de setembro de 2019), p. 1.
22 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
(...)
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e
do bem-estar em âmbito nacional.” (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 53, de 2006)
23 “Artigo 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;”

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106
reservadas aos Municípios (§ 1.º do artigo 32 da CF24). Portanto, é possí-
vel concluir que compete aos Municípios a efetiva prestação dos serviços
de saneamento básico, posto que restou reservado a estes “organizar e
prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os servi-
ços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem
caráter essencial” (inciso V do artigo 30, da CF).

Nesse sentido, enfatiza o professor Wladimir Antonio Ribeiro: «Tam-


bém merece ser mencionada, apesar de não utilizar literalmente a expressão
“saneamento básico”, a norma constitucional que prevê que compete aos
municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local” (inciso V do artigo 30), o
que leva ao reconhecimento da titularidade municipal sobre a competência
de legislar, planejar, fiscalizar, regular e prestar (diretamente ou mediante
entidade contratada) os serviços públicos de saneamento básico»25.

Destaca-se, ainda, a competência da União de participar, em conjun-


to com os demais entes, do planejamento e da execução das ações de
saneamento básico, na exata previsão do inciso IV, do artigo 200, da CF:
“Artigo. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribui-
ções, nos termos da lei: (...) IV - participar da formulação da política e da
execução das ações de saneamento básico”.

Assim, é necessário reconhecer que o modelo traçado pela Constitui-


ção Brasileira, além de incluir os Municípios no pacto federativo (artigos

24 “Artigo 32. (...)


§ 1.º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos
Estados e Municípios.”
25 W. Antonio Ribeiro, “O saneamento básico como um direito social”, Revista de
Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 13, n.º 52, p. 229-251, out./dez.
2015, disponível em http://www.stiueg.org.br/Documentos/7/O%20saneamento%20basi-
co%20como%20um%20direito%20social.pdf (acesso em 09 de setembro de 2019), p. 244.

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107
Estudos de Direito do Saneamento

1.º e 18, da CF), atribuiu-lhes a competência para cuidar sobre as matérias


de interesse local (inciso V do artigo 30 da CF), cuja diretriz, no entanto,
é harmonizada com a competência comum de todos os entes federados
em cooperar para a melhoria dos serviços (inciso IX e parágrafo único do
artigo 23 da CF), por meio da gestão associada, traduzindo-se, de fato, em
um dever constitucional da União e dos Estados-membros em cooperar
com os Municípios, consagrando o federalismo cooperativo almejado pelo
constituinte originário e ratificado pelo constituinte derivado, ao conferir
nova redação ao artigo 24126 da CF, por meio da Emenda Constitucional n.º
19, de 04/06/1998, doravante denominada EC n.º 19/1998.

Oportuno, anotar, que a Lei de Diretrizes do setor veio apenas em


2007, com a promulgação da Lei Federal n.º 11.445, de 05 de janeiro de
2007, Lei Nacional do Saneamento Básico, doravante denominada LNSB,
fixando o Marco Regulatório do Saneamento Básico Brasileiro.

Conforme relata Adriana de Souza Machado, com apoio no Relatório


Final do PLS 219/2006, o Congresso Nacional, ao aprovar a Lei Geral, estabe-
leceu as novas diretrizes e objetivos para a Política Federal de Saneamento,
quais sejam: a contribuição para o desenvolvimento nacional; a redução das
desigualdades regionais; a criação de empregos e renda, a fim de promover
a inclusão social; a garantia da aplicação dos recursos financeiros adminis-
trados pelo Poder Público em conformidade com a salubridade ambiental; a
maximização da relação custo-benefício e maior retorno social; o incentivo
à adoção de mecanismos de planejamento, regulação e fiscalização da pres-

26 “Artigo 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplina-


rão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes
federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência
total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos.” (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998)

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108
tação dos serviços de saneamento básico; e a promoção de alternativas de
gestão que viabilizem a sustentabilidade econômica e financeira dos serviços
de saneamento básico, enfatizando a cooperação federativa27.

Sua regulamentação se deu através do Decreto n.º 7.217, de


21/06/2010, tendo este fixado as normas para a execução da Lei de Diretri-
zes, definindo conceitos; detalhando os serviços públicos de saneamento
e sua relação com os recursos hídricos e meio ambiente; dispondo sobre
planejamento, regulação, controle social e prestação dos serviços públicos
de saneamento básico; da sustentabilidade econômico-financeira dos ser-
viços; e por fim, sobre a Política Federal de Saneamento Básico.

Indo além, há que se reconhecer, como pondera o eminente Ministro


do STF Luís Roberto Barroso, que “É natural que o saneamento sofra
repercussão direta do tratamento jurídico da água, na medida em que
esta é seu elemento material primário”28, cujo domínio, por sua vez, en-
contra-se concentrado entre a União e os Estados-membros, nos termos
dos incisos III e VI do artigo 2029 e inciso I do artigo 2630, da Constituição
Federal de 1988, ficando de fora da partilha original os Municípios. Tal
fato evidencia que o ente prestador do serviço de saneamento deverá

27 Souza Machado, A estrutura, p. 32.


28 L. R. Barroso, “Saneamento básico: competências constitucionais da União,
Estados e Municípios”. Revista de Informação Legislativa, v. 38, n. 153, pp. 255-270, jan./
mar. 2002, disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/762 (acesso em 01
de setembro de 2019), p. 257.
29 “Artigo 20. São bens da União:
(...)
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que
banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a terri-
tório estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
(...)
VI - o mar territorial;”
30 “Artigo 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalva-
das, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;”

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109
Estudos de Direito do Saneamento

necessariamente obter outorga do proprietário da água, entrelaçando-


se, portanto, as competências dos entes federais, mas, de forma alguma,
anulando a competência municipal.

Ademais, outras matérias, de competência legislativa concorrente


entre a União e os Estados, se relacionam intrinsecamente ao sanea-
mento, como direito urbanístico; proteção ao meio ambiente e controle
de poluição; proteção ao patrimônio paisagístico; responsabilidade por
dano ao meio ambiente; e também pela proteção e defesa da saúde,
conforme previsão dos incisos I, VI, VII, VIII e XII do artigo 24 da CF, as
quais, necessariamente, devem ser harmonizadas com a competência
municipal para legislar sobre o interesse local.

Evidencia-se, portanto, a coexistência de competências normativas e


materiais dos entes federais para dispor sobre saneamento básico e so-
bre matérias intrinsecamente relacionadas, como saúde, meio ambien-
te, recursos hídricos, as quais, dessa forma, se inter-relacionam e, assim,
devem ser interpretadas de forma integrada e harmônica, respeitando a
titularidade municipal para dispor e prestar os serviços públicos de sane-
amento básico, em âmbito local.

O professor Wladimir Antonio Ribeiro sintetiza bem esse feixe de


normas constitucionais, as quais, segundo ele, evidenciam como funcio-
na (ou deveria funcionar) a gestão do saneamento básico no Brasil, em
um desejado sistema de nítida cooperação entre os entes federados: “A
junção dos dispositivos constitucionais esclarece, facilmente, como fun-
ciona (ou deveria funcionar) a gestão do saneamento básico no Brasil: (i)
a União estabelece diretrizes, a serem atendidas por todos; (ii) a União e
os Estados-membros devem possuir políticas de saneamento básico pró-
prias, por meio das quais cooperam com os municípios; (iii) os municípi-
os legislam sobre os serviços, atendidas as diretrizes fixadas pela União,

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110
bem como se responsabilizam pela gestão dos serviços de saneamento
básico (planejamento, regulação, fiscalização e prestação direta ou con-
tratada dos serviços), contando para isso com a cooperação da União e
do Estado-membro”31.

Antes de prosseguir, importante registrar, como cita Raul Felipe Bo-


relli32, que os modelos federais apresentam como sustentáculo comum,
desde seus primórdios, as noções de união, coordenação, cooperação
e esforço mútuo, em que pesem as vicissitudes históricas vividas pelas
diferentes experiências federativas.

Nesse contexto, o mesmo autor esclarece que a cooperação, como


condição para a manutenção da integridade federal, seria um dever im-
plícito a todos os entes políticos, materializando-se de forma voluntária.
A coordenação, por outro lado, corresponderia às situações em que um
dos entes envolvidos (o coordenador) possui alguma forma de prepon-
derância ou superioridade sobre os coordenados, implementando-se de
forma compulsória, como no caso das regiões metropolitanas, sistema
único de saúde e políticas de educação33.

Dessa forma, a gestão associada autorizada pela Constituição Federal


constitui instrumento de cooperação federativa, haja vista sua voluntari-
edade, a qual, contudo, deve ser perseguida por todos os entes federati-
vos, com vistas a dar verdadeira efetividade aos princípios fundamentais

31 Antonio Ribeiro, RDPE, p. 245.


32 R. F. Borelli, Aspectos jurídicos da gestão compartilhada dos serviços públicos de
saneamento básico, 2010, 160 f., Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Curso de
Pós graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010,
Orientador: Maria Sylvia Zanella di Pietro, disponível em http://www.teses.usp.br/teses/dis-
poniveis/2/2134/tde-27092011-090553/pt-br.php (acesso em 28 de julho de 2019), p. 100.
33 Borelli, Aspectos, pp. 102-103.

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111
Estudos de Direito do Saneamento

da universalização do acesso e integralidade dos serviços, deveres co-


muns de todos os entes federados.

Passemos, então, ao exame estrutural dos serviços públicos de sane-


amento básico, a fim de evidenciar os segmentos mais compatíveis com
sua gestão de forma associada.

3. DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO BÁSICO E A POSSI-


BILIDADE DE SUA GESTÃO DE FORMA ASSOCIADA ENTRE OS ENTES
FEDERATIVOS.

Para Wladimir Antonio Ribeiro, “Saneamento é palavra originada do


latim sanus, que possui significado de “boa saúde, sadio”. Portanto, sane-
amento ambiental é o conjunto de atividades que proporcionam as condi-
ções ambientais que preservam ou promovem a saúde humana, ou, dito
de forma mais sintética, que proporcionam a salubridade ambiental”34.

Prosseguindo, pondera que “dentro do conjunto do saneamento am-


biental, há um subconjunto de atividades que são consideradas básicas,
essenciais à saúde humana, constituindo-se em um dever do Estado pro-
movê-las. Tais atividades essenciais de saneamento ambiental constitu-
em o saneamento básico”35.

Em sequência, assevera que do consenso técnico e científico pode


se compreender o saneamento básico como sendo cinco serviços públi-
cos e um conjunto de ações de saúde, quais sejam: “1) o serviço público

34 Antonio Ribeiro, “Consórcios Públicos de Saneamento Básico: Um Guia para os


Municípios”, p. 28.
35 Antonio Ribeiro, “Consórcios Públicos de Saneamento Básico: Um Guia para os
Municípios”, p. 29.

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112
de abastecimento de água potável; 2) o serviço público de esgotamento
sanitário; 3) o serviço público de manejo de águas pluviais urbanas; 4)
o serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos; 5) o serviço
público de limpeza pública; 6) as ações de saúde de combate a vetores e
reservatórios de doenças”36.

No mesmo sentido, mas agora de forma normativa, o artigo 3.º da


LNSB considera saneamento básico o conjunto de serviços, infraestrutu-
ras e instalações operacionais, relativas à abastecimento de água potável;
esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e
drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva
das respectivas redes urbanas.

Serviços díspares, em sua estrutura econômica, mas que apresentam


interferências recíprocas em prol do meio ambiente, da saúde pública
e do bem-estar humano, como pontua Raul Felipe Borelli, inclusive,
destacando: “Os serviços em questão, direta ou indiretamente, propici-
am aos cidadãos condições sanitárias de vida adequadas, circunstância
que justifica seu tratamento sistêmico e integrado. Seriam incompletas
as ações de saneamento que prescindissem de qualquer das atividades
descritas no inciso I do artigo 3.º da Lei n. 11.445/2007”37.

Como já acentuado, compete ao Município a prestação dos serviços de


saneamento básico, cuja titularidade alberga as funções de legislar; planejar;
fiscalizar; e prestar os serviços, haja vista o disposto nos incisos I e V do artigo
30 da CF e as diretrizes traçadas na LNSB, em seu capítulo II (Do Exercício
da Titularidade); capítulo IV (Do Planejamento); e capítulo V (Da Regulação).

36 Antonio Ribeiro, “Consórcios Públicos de Saneamento Básico: Um Guia para os


Municípios”, p. 29.
37 Borelli, Aspectos, p. 53.

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113
Estudos de Direito do Saneamento

No entanto, conforme reiterado, o que o ordenamento constitucional


almeja é que seu exercício não se dê de forma isolada e sim em harmô-
nica cooperação com os demais entes federados, em prol da universali-
zação dos serviços.

Neste aspecto, relevante anotar que a Lei Nacional, em seu artigo


8.º, prevê a possibilidade de delegação pelos titulares das atribuições de
organização, regulação, fiscalização e de prestação dos serviços de sane-
amento, nos termos do artigo 241 da Constituição Federal.

De fato, a Constituição Federal Brasileira, além de incentivar a coo-


peração entre os entes federais (parágrafo único do artigo 23 da CF), au-
torizou expressamente a gestão associada de serviços públicos, em seu
artigo 241, com a redação que lhe deu a EC n.º 19/1998: “A União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei
os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes fe-
derados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como
a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens es-
senciais à continuidade dos serviços transferidos”.

Para o professor Floriano de Azevedo Marques Neto, o referido dis-


positivo constitucional “trata de formas de associação e de coordenação
entre entes federativos no intuito de gerir serviços públicos de maneira
conjunta ou coordenada, por meio do regramento da prestação dos ser-
viços e da alocação de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais con-
forme as necessidades e possibilidades de cada um dos entes envolvidos.
Trata-se, mais uma vez, de manifestação do federalismo de cooperação,
pelo qual não apenas todos os entes devem concorrer para a promoção
dos serviços públicos essenciais, como também devem cooperar para
auxiliar aos entes com menor capacidade de investimento e de ação,
como é o caso dos Municípios de menor porte. O dispositivo pretende,

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114
portanto, permitir e incitar os entes federativos de maior porte (União e
Estados) a contribuir com a prestação de tais serviços”38.

Em sintonia com o comando constitucional, a LNSB fez previsão à


gestão associada, definindo-a nos seguintes termos: “gestão associada:
associação voluntária de entes federados, por convênio de cooperação
ou consórcio público, conforme disposto no artigo 241 da Constituição
Federal” (inciso II do artigo 3.º).

O instituto também foi definido no Decreto regulamentador39 da Lei


Nacional dos Consórcios Públicos40, sob o enfoque de quais atividades
poderiam ser delegadas, verbis: “gestão associada de serviços públicos:
exercício das atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de
serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de coo-
peração entre entes federados, acompanhadas ou não da prestação de
serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, servi-
ços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”
(inciso VIII do artigo 2.º).

Dessa forma, como evidenciado, a possibilidade de delegação não se


restringe à prestação dos serviços, albergando também as funções de
regulação e fiscalização dos serviços.

O planejamento, contudo, é indelegável, posto que se refere aos aspec-


tos essenciais dos serviços, definidos nos respectivos Planos de Saneamento

38 F. de Azevedo Marques Neto, “O marco legal do saneamento no Brasil”, Fórum


Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 6, n. 63, maio 2006, disponível
em http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=35478 (acesso em 09 de julho de
2019), pp. 27/28.
39 Decreto n.º 6.017, de 17/01/2007.
40 Lei n.º 11.107, de 06/04/2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação
de consórcios públicos e dá outras providências.

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115
Estudos de Direito do Saneamento

Básico, o que não exclui, entretanto, a cooperação entre os entes federados


visando o fornecimento de estudos técnicos para viabilizar sua elaboração.

Ademais, a própria Lei n.º 11.445/2007 exclui o planejamento do rol


das funções de gestão delegáveis (artigo 8.º).

A regulação, por sua vez, implica no exercício de “poderes de autori-


dade”, logo seu exercício somente pode se dar mediante entidades pú-
blicas, regidas diretamente pelo Direito Público, como explica Wladimir
Antonio Ribeiro41. Prosseguindo, o mesmo autor esclarece que o funda-
mental é que o regulador atenda à três exigências: “(i) possua compe-
tências próprias (ou seja, é função dele ser regulador, mesmo que esteja
regulando por força de delegação); (ii) possua independência decisória, e
(iii) não acumule funções de prestador dos serviços regulados”42.

A função de fiscalizar deriva das demais, compreendendo “atividades


de acompanhamento, monitoramento, controle ou avaliação, no sentido
de garantir o cumprimento de normas e regulamentos editados pelo po-
der público e a utilização, efetiva ou potencial, do serviço público” (inciso
III do artigo 2.º do Decreto n.º 7.217/2010).

As atividades de regulação e fiscalização se complementam e poderão


ser delegadas a outros entes federados ou a consórcio público do qual o titu-
lar não participe, por meios de convênios de cooperação técnica, conforme
prevê o inciso II do artigo 31 do Decreto n.º 7.217/2010. Sem olvidar que po-
dem ser executadas diretamente pelo titular do serviço, mediante órgão ou
entidade de sua administração direta ou indireta, inclusive consórcio público
do qual participe (inciso I do artigo 31 do Decreto n.º 7.217/2010).

41 Antonio Ribeiro, “Consórcios Públicos de Saneamento Básico: Um Guia para os


Municípios”, p. 43.
42 Antonio Ribeiro, “Consórcios Públicos de Saneamento Básico: Um Guia para os
Municípios”, p. 44.

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116
Ademais, devem ser exercidas por entidade única, encarregada das fun-
ções de regulação e fiscalização, consoante preceitua o artigo 12 da LNSB.

Sobre a questão, relevante anotar a importância das agências regulado-


ras de serviços públicos, já instituídas por muitos Estados brasileiros, para as
quais poderão ser delegadas as referidas funções, mediante à celebração de
convênio de cooperação, materializando-se, assim, a gestão associada entre
entes municipais e estaduais para as funções de regulação e fiscalização.

Relativamente à prestação dos serviços, a LNSB reitera, no inciso II do


seu artigo 9.º, a possibilidade de sua delegação, ao dispor que estes po-
derão ser prestados de forma direta ou delegados: “O titular dos serviços
formulará a respectiva política pública de saneamento básico, devendo,
para tanto: (...) II - prestar diretamente ou autorizar a delegação dos ser-
viços e definir o ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem
como os procedimentos de sua atuação;”.

A prestação direta ocorre quando o próprio titular presta os serviços,


por meio de sua estrutura administrativa.

A delegação, por sua vez, poderá configurar prestação direta, sempre


que ocorrer no seio da administração pública, por meio da gestão asso-
ciada (artigo 241 da CF) ou de forma indireta, sob o regime de concessão
ou permissão de serviços públicos (artigo 175 da CF), seja na modalida-
de comum (Lei n.º 8.987/199543) ou patrocinada (Lei n.º 11.079/200444
- PPP), sempre precedida de regular procedimento licitatório.

43 Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços pú-


blicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.
44 Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada
no âmbito da administração pública.

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117
Estudos de Direito do Saneamento

Em ambas as hipóteses, o vínculo será formalizado mediante contrato,


vedado a celebração por meio de instrumentos de natureza precária, na
exata previsão do artigo 10 da LNSB: “A prestação de serviços públicos de
saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular
depende da celebração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante
convênios, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária”.

Por outro lado, importante pontuar que as atividades concernentes a


cada um dos serviços de saneamento básico constituem indicativo deter-
minante para decidir sobre a possibilidade da gestão associada dos serviços.

Sobre o assunto, a Lei Nacional de Saneamento traz, em seu artigo


3.º, o conjunto de atividades para cada um dos serviços.

Pertinente ao abastecimento de água potável, este é “constituído pe-


las atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimen-
to público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e
respectivos instrumentos de medição” (inciso I, alínea “a”, do artigo 3.º).
E, o esgotamento sanitário: “constituído pelas atividades, infraestruturas
e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição
final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o
seu lançamento final no meio ambiente” (inciso I, alínea “b”, do artigo 3.º).

Neste aspecto, Raul Felipe Borelli observa que os serviços de água e


esgoto são o campo de atuação preponderante da gestão compartilhada,
destacando que “Sua constituição em rede e a inegável tendência econô-
mica para formação de monopólio natural aproximam esses serviços da
ideia de prestação conjugada pelos entes federados, permitindo uma es-
cala ideal de fornecimento”45.

45 Borelli, Aspectos, p. 84.

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118
Prosseguindo, adverte que “(...) a cadeia completa dos serviços de
distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto não deve, necessa-
riamente, ser considerada um bloco indivisível de atividades, que devem
ser prestadas por um único operador, responsável por todos os atos dos
serviços, desde a captação de água até a disposição final do esgoto”46.

Pondera que existem frações dos serviços que possuem caráter ine-
quivocamente local, como a distribuição de água e a coleta do esgoto.
Outros, como a captação de água por atacado e a disposição final dos es-
gotos, podem ser desempenhados com maior eficiência em um contexto
territorial mais abrangente, abarcando dois ou mais municípios, primor-
dialmente em razão de circunstâncias concretas de determinada loca-
lidade, como a ausência de corpos hídricos em seu espaço geográfico.

Conclui asseverando que o resultado das avaliações técnicas, ambi-


entais e econômicas influenciará a adoção ou não de um sistema de ges-
tão compartilhada que permita a constituição de grandes sistemas em
rede, abrangendo dois ou mais municípios, concentrando os serviços em
um mesmo operador.

Pelo exposto, evidencia-se um campo abrangente para a gestão as-


sociada nos serviços de água e esgoto, primordialmente se fracionadas
as atividades que compõem os serviços, de acordo com sua abrangência
local ou regional, possibilitando que um mesmo operador atenda a mais
de um município para atividades de abrangência regional.

Os serviços de limpeza urbana e coleta e destinação final dos resíduos


sólidos, por sua vez, compreendem o “conjunto de atividades, infraestru-
turas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, trata-

46 Borelli, Aspectos, p. 84.

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119
Estudos de Direito do Saneamento

mento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e


limpeza de logradouros e vias públicas” (inciso I, alínea “c”, do artigo 3.º).

Suas atividades foram detalhadas no artigo 7.º da LNSB, compreendendo


a coleta, transbordo e transporte dos resíduos; triagem para fins de reuso ou
reciclagem, de tratamento, inclusive por compostagem, e de disposição final
dos resíduos; e a varrição, capina e poda de árvores em vias e logradouros
públicos e outros eventuais serviços pertinentes à limpeza pública urbana.

Assim como nos serviços de água e esgoto, algumas destas ativida-


des, como a coleta dos resíduos e a limpeza urbana, possuem natureza
essencialmente local. Outras, como sistemas de transbordo e usinas de
reciclagem podem apresentar uma abrangência regional, com um mes-
mo aterro sanitário, ou uma usina de reciclagem, atendendo a mais de
um município, forte indicativo para a opção pela gestão associada entre
os entes políticos interessados.

Nesse sentido, a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei


n.º 12.305, de 02 de agosto de 2010, prevê como uns dos conteúdos
mínimos do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos a
“identificação das possibilidades de implantação de soluções consorcia-
das ou compartilhadas com outros Municípios, considerando, nos crité-
rios de economia de escala, a proximidade dos locais estabelecidos e as
formas de prevenção dos riscos ambientais” (inciso III do artigo 19).

Quanto aos serviços de manejo de águas pluviais, estes englobam o


“conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drena-
gem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o
amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas
pluviais drenadas nas áreas urbanas” (inciso I, alínea “c”, do artigo 3.º).

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120
Sobre estes, Raul Felipe Borelli47 observa que é inegável que os sis-
temas pluviais apresentam um caráter local, especialmente as estrutu-
ras de microdrenagem, o que enfraqueceria as razões para uma gestão
compartilhada. Contudo, destaca que situações haverá em que a gestão
compartilhada será aconselhável, isto porque uma boa gestão das águas
impacta na qualidade das águas dos rios urbanos, muitos dos quais per-
passam o território de Municípios contíguos.

Conclui orientando que estações de tratamento de águas pluviais po-


dem ser criadas e utilizadas de forma compartilhada pelos Municípios,
possibilitando o atendimento de toda ou parte de uma bacia hidrográfica.

Prosseguindo, importante enumerar, de forma destacada, as vanta-


gens da gestão associada, inobstante várias delas já terem sido citadas
ao longo do texto.

4. DAS VANTAGENS DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE


SANEAMENTO BÁSICO DE FORMA ASSOCIADA.

Eis o grande questionamento: Por que associar-se?

Em um primeiro momento, o que nos revela mais evidente é a divisão


de custos entre os municípios interessados, em prol da adequada pres-
tação dos serviços, haja vista que a implantação da infraestrutura dos
serviços, primordialmente para os de água e esgoto, demanda grandes
investimentos, do qual, muitos municípios sozinhos não dispõem.

Por outro lado, a carência de equipe técnica capacitada, e mesmo ad-


ministrativa, associada às limitações estruturais, é uma realidade comum

47 Borelli, Aspectos, p. 96.

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121
Estudos de Direito do Saneamento

de muitos municípios brasileiros, constituindo, assim, forte indicativo


para a associação, visando à cooperação técnica e administrativa.

De fato, a necessidade da implementação do federalismo coopera-


tivo se assevera, quando se constata o desequilíbrio social e financeiro
existente entre os municípios e, consequentemente, entre as diversas
regiões brasileiras. Realidade de um país caracterizado estruturalmente
pela assimetria regional, formado, em sua maioria, por pequenos municí-
pios, com reduzido contingente populacional, pouca capacidade econô-
mica e dependentes de transferências fiscais.

Contudo, relevante anotar que a associação almejada se destina a


promover estratégias de ganhos recíprocos entre os atores federativos,
não tendo por escopo primário a implementação constitucional de prá-
ticas redistributivas de acordo com as aptidões de cada ente federativo
em prol dos menos beneficiados, decorrente do dever de solidariedade
entre os entes federados48.

Há, ainda, que se ponderar que existem municípios desprovidos de


recursos hídricos em seu território, evidenciando a necessária depen-
dência destes em relação àqueles que os possuem, os quais passam a
ter o dever de cooperação.

48 Álisson José Maia Melo, em sua dissertação de mestrado, diferencia solidarieda-


de e cooperação: “(...) Encartados num gênero maior de colaboração recíproca (CARVALHO
FILHO, 2007a, p. 302), solidariedade e cooperação diferem na medida em que o primeiro
encarta a corresponsabilidade e transcendência (DINIZ, 2007, p. 172), legitima a implemen-
tação constitucional de práticas redistributivas de acordo com as aptidões de cada ente fe-
derativo em prol dos menos beneficiados, enquanto o segundo visa a promover estratégias
de ganhos recíprocos entre os atores federativos.”. Á. José Maia Melo, Gestão associada de
serviços públicos no Brasil: federalismo cooperativo, administração pública e direitos funda-
mentais, 2013. 175 f., Dissertação (mestrado), Universidade Federal do Ceará, Programa de
Pós-Graduação em Direito, Fortaleza-CE, 2013, disponível em http://www.repositorio.ufc.
br/handle/riufc/12814 (acesso em 15 de setembro 2019), p. 29.

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122
Assim, tais arranjos se justificam como instrumentos de melhoria e
universalização dos serviços públicos de saneamento básico, motivados
por fatores como obtenção de uma escala eficiente que ofereça susten-
tabilidade à prestação dos serviços, considerando municípios com bai-
xa capacidade de financiamento; a existência de municípios contíguos
que podem ser beneficiados por uma gestão conjunta dos serviços; a
inexistência ou dificuldades de acesso a corpos hídricos, para fins de
captação de água ou disposição final dos resíduos, em determinados
municípios; a necessidade de adaptação da prestação dos serviços às
características das bacias hidrográficas de cada região; a padronização
da regulação dos serviços em determinada região; e a regionalização
dos serviços defendida a nível federal.

Dessa forma, a gestão associada valoriza a cooperação entre entes


federados que se unem para suprir suas limitações, dividindo responsa-
bilidades, sem anular o poder de gestão de cada entidade envolvida, ou
seja, respeitando sua autonomia constitucional, na implantação da polí-
tica pública de sua competência, e primordialmente, sem sobrecarregar
um ente em favor de outro.

Porém, seu êxito depende de um adequado planejamento, precedido


de avaliações técnicas, ambientais e econômicas, inclusive, planejamen-
to estratégico regional e nacional, de forma com que a cooperação resul-
te em resultados concretos, com vistas à efetiva redução das desigualda-
des regionais, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil,
conforme previsão do inciso III do artigo 3.º da CF49.

49 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


(...)
III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

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123
Estudos de Direito do Saneamento

Inclusive, avaliando-se a política pública de saneamento dos entes


envolvidos, poderá se optar por uma gestão associada que diretamen-
te preste os serviços públicos, ou ao contrário, uma gestão que apenas
contrate os serviços públicos de saneamento para que terceiros efetiva-
mente os preste. Vislumbra-se, ainda, a possiblidade de uma gestão que
cuide apenas da regulação dos serviços. Tais arranjos objetivam ganhos
recíprocos entre os entes envolvidos, os quais poderão compatibilizar
suas políticas públicas em termos de escala e exercício de competências.

Nas palavras de Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira, são


evidentes as vantagens da cooperação entre os entes federados, po-
dendo ser citadas: (a) a racionalização do uso dos recursos existentes,
destinados ao planejamento, programação e execução de objetivos de
interesses comuns; (b) a criação de vínculos ou fortalecimento dos vín-
culos preexistentes, com a formação ou consolidação de uma identida-
de regional; (c) a instrumentalização da promoção do desenvolvimento
local, regional e nacional; e (d) a conjugação de esforços para atender
as necessidades da população, as quais não poderiam ser atendidas de
outro modo diante de um quadro de escassez de recursos50.

5. INSTRUMENTOS DA GESTÃO ASSOCIADA: CONSÓRCIOS PÚ-


BLICOS E CONVÊNIOS DE COOPERAÇÃO. O CONTRATO DE PRO-
GRAMA COMO INSTRUMENTO JURÍDICO HÁBIL A FORMALIZAR AS
OBRIGAÇÕES DOS ENTES CONSORCIADOS OU CONVENIADOS.

Objetivando dar execução à gestão associada autorizada pela Consti-


tuição Federal, foi editada a Lei n.º 11.107, de 06 de abril de 2005, dispon-

50 O. Medauar e G. Justino de Oliveira, Consórcios públicos: Comentários à Lei


11.107/2005, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 23.

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124
do sobre as normas gerais para a contratação de Consórcios Públicos. Esta
veio a ser regulamentada pelo Decreto n.º 6.017, de 07 de janeiro de 2007.

Nas palavras do mestre Hely Lopes Meirelles, “Consórcios adminis-


trativos são acordos firmados entre entidade estatais, autárquicas, fun-
dacionais ou paraestatais, sempre da mesma espécie, para realização de
objetivos de interesse comum entre os partícipes”51.

Em acréscimo, e de forma bem atual, ressalta: “Entre nós, o consórcio


usual é o de Municípios, para a realização de obras, serviços e atividade de
competência local mas de interesse comum intermunicipal de toda uma re-
gião. Com essa cooperação associativa das Municipalidades reúnem-se re-
cursos financeiros, técnicos e administrativos que uma só Prefeitura não teria
para executar o empreendimento desejado e de utilidade geral para todos”52.

Com a Lei n.º 11.107/2005, os consórcios públicos ganharam per-


sonalidade jurídica de direito público ou de direito privado, conforme
dispõe o § 1.º do seu artigo 1.º (“§ 1.º O consórcio público constituirá
associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.”). Optando pela
personalidade de direito público será uma associação pública, e se de
direito privado, deverá atender os requisitos da legislação civil (artigo
6.º). Em ambas as hipóteses, deverá observar o regime licitatório e seu
pessoal será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo
esta última diretriz confirmada com a nova redação conferida ao § 2.º do
artigo 6.º, pela Lei n.º 13.82253, de 03/05/2019.

51 H. Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro. 29.º ed. Atualizada por


Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São
Paulo, Malheiros, 2004, p. 389.
52 Lopes Meirelles, Direito, p. 389.
53 Altera o § 2º do art. 6º da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para estabelecer que, no
consórcio público com personalidade jurídica de direito público, o pessoal será regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

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125
Estudos de Direito do Saneamento

Em sua função regulamentadora, o Decreto n.º 6.017/2007 definiu o


consórcio público como a “pessoa jurídica formada exclusivamente por
entes da Federação, na forma da Lei n.o 11.107, de 2005, para estabele-
cer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos
de interesse comum, constituída como associação pública, com persona-
lidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa
jurídica de direito privado sem fins econômicos” (inciso I do artigo 2.º).

E, o convênio de cooperação entre entes federados como o “pacto fir-


mado exclusivamente por entes da Federação, com o objetivo de autorizar a
gestão associada de serviços públicos, desde que ratificado ou previamente
disciplinado por lei editada por cada um deles” (inciso VIII do artigo 2.º).

Em ambos os instrumentos, é possível compreender que se tratam


de acordos de vontade com interesses comuns, o que, inclusive, foi con-
cebido na Lei n.º 11.107/2005, ao normatizar os institutos (artigo 1.º).

Ademais, dependem de ratificação ou autorização legislativa, con-


forme consignado no artigo 6.º e § 4.º do artigo 31, ambos do Decreto
n.º 6.017/2007.

Contudo, a Lei n.º 11.107 estabeleceu requisitos e efeitos jurídicos dis-


tintos para cada um deles, sendo relevante destacar que quando instituído o
consórcio público, cria-se uma pessoa jurídica que administrará os interesses
objeto do consórcio, o que não ocorre com os convênios de cooperação.
Além disso, a referida pessoa jurídica passará a integrar a administração in-
direta de cada um dos entes consorciados, podendo, inclusive, subdelegar,
mediante concessão ou permissão os serviços a si atribuídos (§ 3.º do artigo
2.° e inciso XI, alínea “c”, do artigo 4.º, ambos da Lei n.º 11.107/2005).

A forma de constituição do consórcio encontra-se detalhada na Lei


n.º 11.107/2005, partindo-se da subscrição de um protocolo de inten-

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126
ções (artigo 3.º), o qual deve ser ratificado pelo Legislativo de cada um
dos entes consorciados, com posterior formalização do contrato de con-
sórcio (artigo 5.º). Os recursos serão repassados ao consórcio público por
meio de contrato de rateio, na forma do artigo 8.º da Lei.

Como meio jurídico hábil a disciplinar as obrigações entre os entes


consorciados, a Lei de Consórcios elegeu o contrato de programa, con-
forme previsão do seu artigo 1354.

Neste aspecto, enquanto o consórcio público e convênio de coopera-


ção deverão ser pactuados entre os entes federados, o contrato de pro-
grama, decorrente daqueles, constituirá e regulará as obrigações que um
ente da Federação, inclusive sua administração indireta, tenha para com
outro ente da Federação, ou para com consórcio público, no âmbito da
prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa.

Ademais, sempre que a gestão associada implicar na prestação de


serviço público, independentemente de ser realizada diretamente pelo
consórcio ou indiretamente, é imperiosa a celebração do referido con-
trato de programa, como condição de validade das obrigações contraídas
pelas partes contratantes.

Por oportuno, adverte-se que o prestador dos serviços não poderá acu-
mular as funções de regulação e fiscalização, ou seja, o contratado não po-
derá regular os serviços por ele próprio prestado (§ 2.º do artigo 13 da Lei
n.º 11.107/2005), devendo o titular dos serviços indicar o ente responsável
por tais atividades (inciso II do artigo 9.º da Lei n.º 11.445/2007).

54 “Artigo 13. Deverão ser constituídas e reguladas por contrato de programa,


como condição de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para
com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associa-
da em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de en-
cargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos.”

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127
Estudos de Direito do Saneamento

Confirma-se, assim, nas palavras do professor Floriano de Azevedo


Marques Neto, citado pelo também professor Alexandre Santos de
Aragão55, que a Lei dos Consórcios Públicos fixa «as bases principais da
gestão associada. Seu âmbito e alcance devem estar plenamente deli-
mitados, assim como as obrigações de cada ente, sobretudo aquelas de
natureza econômica (contrato de rateio). A formalização destas condi-
ções, nas diversas fases (protocolo de intenções, contrato de programa,
contrato de rateio) é igualmente vista pela Lei como garantia da solidez
de tal gestão associada, de responsabilização dos entes envolvidos e,
em última instância, de continuidade do serviço público em questão.
As formalidades acima referidas consistem em um limite para a gestão
associada. A autorização para tal forma de cooperação deve constar ex-
pressamente do protocolo de intenções, e ela deve se fazer acompanhar,
necessariamente, de contrato de programa (contribuições obrigacionais)
e de contrato de rateio (contribuições econômicas)”.

6. DA GESTÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE


ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO EM PORTUGAL.

Como forma de incentivar o debate e vislumbrar outras possibilida-


des de cooperação federativa em território nacional, apresenta-se, de
forma resumida, o modelo de gestão do setor da água adotado em Por-
tugal, no qual se verifica um desdobramento vertical dos serviços, em
sistemas municipais e multimunicipais.

55 A. Santos de aragão, “Delegações de Serviço Público”, Revista Interesse Públi-


co - IP, Biblioteca Digital Fórum de Direito Público, Editora Fórum, Belo Horizonte, ano 8,
n. 40, nov./dez. 2006, disponível em http://bidforum.com.br/bidBiblioteca_periodico_pdf.
aspx?i=48974&p=16 (acesso em 09 de julho de 2019), p. 31.

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128
Segundo o professor João Miranda, da Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Lisboa, em artigo inédito intitulado “O direito fundamental à
água e a sustentabilidade dos serviços públicos de água em Portugal”, “No
que tange ao abastecimento, passou a diferenciar-se entre um sistema em
alta, englobando a captação, o tratamento e a venda da água aos siste-
mas em baixa, e um sistema em baixa, compreendendo a distribuição e a
comercialização da água às populações. Relativamente ao saneamento, o
sistema em baixa abarca a recolha e drenagem para os sistemas em alta e o
sistema em alta envolve o tratamento de águas residuais e destino final”56.

Prosseguindo, esclarece que os sistemas em baixa englobam a área


do município, ou seja, sistemas municipais, enquanto os sistemas em alta
englobam os territórios dos municípios nele integrados, compreendendo
os sistemas multimunicipais.

A exploração e gestão dos sistemas mutimunicipais encontra-se sob


a tutela do Estado, o qual atua por meio do Grupo empresarial AdP –
Águas de Portugal, SGPS, AS, de capital pertencente totalmente a entida-
des ligadas ao Estado.

Relativamente aos sistemas municipais, o professor enumera cinco


modalidades de entidades responsáveis pela gestão dos serviços: “i)
gestão através de administração direta dos municípios, das associações
de municípios ou de áreas metropolitanas; ii) gestão mediante serviços

56 J. Miranda, “O direito fundamental à água e a sustentabilidade dos serviços públi-


cos de água em Portugal” (El derecho fundamental al agua y la sostenibilidad de los servicios
públicos de aguas em Portugal), Artigo inédito, disponibilizado pelo professor João Miranda,
no Curso de Extensão do Direito do Saneamento, oferecido pela Procuradoria Federal Especi-
alizada junto à FUNASA, em parceria com o Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculda-
de de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP), após a aula do dia 25 de julho de 2019, p. 6.

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129
Estudos de Direito do Saneamento

municipalizados e intermunicipalizados (serviços geridos sob forma em-


presarial com controlo de gestão pelo município); iii) gestão através de
empresas municipais, intermunicipais ou metropolitanas (delegação de
serviços); iv) concessões municipais ou intermunicipais dos serviços, en-
volvendo a transferência da gestão para o setor privado; v) parcerias pú-
blicas entre o Estado e os municípios, que na sua natureza são parcerias
institucionais e não apenas contratuais”57.

Tais pontuações têm por escopo demonstrar que a cadeia completa


dos serviços de captação, tratamento e distribuição de água, assim como
a coleta, tratamento e destinação final de esgotos não deve, necessa-
riamente, ser considerado um bloco indivisível de atividades, a serem
prestadas exclusivamente por um único operador.

Inclusive, nesse sentido, o artigo 1258 da Lei Nacional do Saneamento


Básico Brasileira indica a possibilidade do desmembramento do conjunto
de atividades que englobam os serviços de saneamento entre prestadores
distintos, embora as atividades estejam necessariamente conectadas e in-
terdependentes, para que os serviços atendam ao objetivo final almejado.

Neste aspecto, identifica-se a possibilidade de prestadores distintos


para os serviços com caráter local e aqueles que podem ser desempe-
nhados em caráter regional, alcançando dois ou mais municípios, prin-
cipalmente a captação de água por atacado e a disposição final dos
esgotos. Tais atividades, por demandarem uma escala maior para sua im-

57 Miranda, “O direito”, 2019, Artigo inédito, p. 8.


58 “Artigo 12.  Nos serviços públicos de saneamento básico em que mais de um presta-
dor execute atividade interdependente com outra, a relação entre elas deverá ser regulada por
contrato e haverá entidade única encarregada das funções de regulação e de fiscalização.”

Voltar ao índice
130
plementação, situam-se no feixe de tarefas que demandam uma atuação
cooperativa dos entes federados interessados, de forma a concretizar a
universalidade dos serviços de saneamento básico a toda população.

7. DA GESTÃO ASSOCIADA DOS SERVIÇOS DE ABASTECIMEN-


TO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO NO ESTADO DE MATO
GROSSO DO SUL.

Em nossa atuação profissional, no âmbito da assessoria e consultoria


jurídica junto à Procuradoria Federal Especializada da Fundação Nacional
de Saúde - FUNASA, Superintendência do Estado de Mato Grosso do Sul,
confirmamos forte cooperação da União, no que se refere à assistência
técnica e à transferência de recursos financeiros para investimentos,
aos Municípios do Estado, por intermédio da celebração de convênios,
oriundo de transferências voluntárias da União, advindas de emendas
parlamentares ou programação orçamentária, repassadas no âmbito
das ações de saneamento básico, tanto nas modalidades de sistema de
abastecimento de água e sistema de esgotamento sanitário, como nas
modalidades de resíduos sólidos; drenagem e manejo de águas pluviais
urbanas; e educação ambiental.

Convênios esses celebrados com fundamento no Decreto n.º 6.170,


de 25 de julho de 200759, visando à transferência de recursos para exe-
cução de um programa de governo, o qual poderá envolver a realização
de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse

59 Dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União medi-


ante convênios e contratos de repasse, e dá outras providências.

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131
Estudos de Direito do Saneamento

recíproco, em regime de mútua cooperação, nos exatos termos do § 1.º,


inciso I, do artigo 1.º60 do Decreto.

O Estado de Mato Grosso Sul, por sua vez, oferece apoio aos Muni-
cípios do Estado na própria prestação dos serviços, através de sua em-
presa de saneamento, constituída sob a forma de sociedade de mista61
(Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul – SANESUL), bem como
presta cooperação na regulação e fiscalização dos serviços, por meio de
sua agência reguladora de serviços públicos, organizada sob a forma de
autarquia estadual62 (Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos
de Mato Grosso do Sul – AGEPAN).

Em exame mais detalhado sobre a realidade dos Municípios sul-ma-


to-grossenses, consolidados na tabela abaixo, confirmou-se que apenas
10 (dez) Municípios possuem Serviços Autônomos de Água e Esgoto,

60 “Artigo. 1.º  Este Decreto regulamenta os convênios, contratos de repasse e


termos de execução descentralizada celebrados pelos órgãos e entidades da administração
pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a
execução de programas, projetos e atividades que envolvam a transferência de recursos
ou a descentralização de créditos oriundos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social
da União. (Redação dada pelo Decreto n.º 8.180, de 2013)
§ 1.º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I- convênio- acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de
recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da
União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal,
direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, dis-
trital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando
a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço,
aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação;”
61 Conforme informa o Estatuto Social da entidade, aprovado em 20/06/2018, dis-
ponível em http://www.sanesul.ms.gov.br/estatuto-social, acesso em 01/09/2019.
62 Conforme Lei Estadual nº 2.363, de 19/12/2001, que cria a AGEPAN, disponível
em http://www.agepan.ms.gov.br/lei-no-2-363-de-19-de-dezembro-de-2001/, acesso em
01/09/2019.

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132
geridos por sua própria estrutura administrativa, são eles: Bandeirantes
(6.629 hab.); Bela Vista (24.508 hab.); Cassilândia (21.876 hab.); Corgui-
nho (5.839 hab.); Costa Rica (20.496 hab.); Glória de Dourados (9.981
hab.); Jaraguari (7.108 hab.); Ladário (22.968 hab.); Paraíso das Águas
(5.455 hab.); Rochedo (5.403 hab.); e São Gabriel do Oeste (26.363 hab.).

O Município de Campo Grande, a capital do Estado, por sua vez, dele-


gou os serviços de água e esgoto a uma empresa privada, Águas Guariroba
S.A., por meio de concessão. Segundo o Instituto Trata Brasil, em notícia
veiculada no G1 MS63, Campo Grande tem o quarto melhor saneamento bá-
sico entre as 27 (vinte e sete) capitais do país, com bons desempenhos nos
indicadores relativos ao fornecimento de água tratada, coleta e tratamento
de esgoto e redução de perdas, de acordo com dados do Sistema Nacional
de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades.

Destaca-se também da notícia “que a capital sul-mato-grossense é


uma cidade privilegiada em recursos hídricos. Está localizada no divisor de
águas das bacias do Paraná e do Paraguai e possui 33 córregos. Além dessa
malha superficial também possui estoques significativos de águas subter-
râneas com os aquíferos: Bauru, Serra Geral, Aquidauana-Ponta Grossa,
Furnas, Pré-Cambriano Calcários, Pré-Cambriano e o Guarani.”. “O aquífero
Guarani abrange a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. É conside-
rado um dos maiores reservatórios de água subterrânea doce do mundo”.

Tal conjuntura, com toda certeza, constitui forte atrativo à iniciativa


privada, já que constitui um facilitador na prestação dos serviços, contri-
buindo para a garantia de retorno dos investimentos da concessionária.

63 Por Anderson Viegas, 09/11/2018, disponível em: https://g1.globo.com/ms/


mato-grosso-do-sul/noticia/2018/11/09/campo-grande-tem-o-quarto-melhor-saneamen-
to-basico-entre-as-capitais-do-pais-ponta-trata-brasil.ghtml. Acesso em 20/09/2019.

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133
Estudos de Direito do Saneamento

Os serviços são regulados e fiscalizados pelo próprio Município de


Campo Grande, por meio da Agência Municipal de Regulação de Serviços
Públicos – Agereg.

Os demais Municípios, em um total de 68 (sessenta e oito), e mais


58 (cinquenta e oito) distritos do Estado, prestam os serviços públicos
de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, nas respectivas
áreas urbanas, com o apoio do Estado de Mato Grosso do Sul, através da
empresa estadual de saneamento64.

Para tanto, vários Municípios celebraram com o Estado, juntamen-


te com a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Mato
Grosso do Sul – AGEPAN, Convênio de Cooperação, tendo por objeto
“a delegação, pelo MUNICÍPIO ao ESTADO, por intermédio da AGEPAN
as atividades de organização, planejamento, regulação e fiscalização da
prestação dos SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO BÁSICO”.

Ajustaram, ainda, Contrato de Programa, diretamente com a Empresa


de Saneamento de Mato Grosso do Sul – SANESUL, tendo por objeto a
exploração dos serviços públicos de abastecimento e de esgotamento
sanitário na área urbana do Município, mediante a cobrança de tarifa
diretamente aos usuários do serviço.

Os referidos instrumentos foram precedidos de aprovação legislativa


que autorizou o Poder Executivo Municipal a estabelecer com o Governo
do Estado de Mato Grosso do Sul a gestão associada para a prestação dos
serviços de saneamento.

64 Dados disponíveis em http://www.sanesul.ms.gov.br/ e http://www.agepan.ms.


gov.br/servicossaneamento-basico/

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134
Segundo informações do Relatório de Auditoria da SANESUL de
201865 e respectivos instrumentos celebrados, disponíveis na página da
AGEPAN66, 46 (quarenta e seis) Municípios atendidos possuem Contratos
de Programa celebrados com a empresa, com fundamento no artigo 241
da CF, artigo 8.º67 LNSB e artigo 1368 da Lei dos Consórcios Públicos.

Os demais Municípios, ainda permanecem com antigos Convênios de


Concessão vigentes, celebrados com a SANESUL, com fundamento na Lei
n.º 8.987, de 13/02/1995 (Lei das Concessões), tendo por objeto a outor-
ga à SANESUL do direito de implantar, ampliar, administrar e explorar os
serviços de abastecimento de água e de esgoto sanitário do Município,
mediante gestão compartilhada.

A atualização dos citados Convênios de Concessão se mostra indis-


pensável, seja por imperativo legal, nos termos do § 1.º do artigo 4269

65 Disponível em: http://www.sanesul.ms.gov.br/Content/upload/BalancoConta-


bil2018.pdf. Acesso em: 01/09/2019.
66 Disponível em: http://www.agepan.ms.gov.br/servicossaneamento-basico/sa-
neamentomunicipios-conveniados/. Acesso em: 01/09/2019.
67 Art. 8o  Os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão
delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços, nos termos
do art. 241 da Constituição Federal e da Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005.
68 Art. 13. Deverão ser constituídas e reguladas por contrato de programa, como
condição de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para com
outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em
que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos,
serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos.
69 “Artigo 42. As concessões de serviço público outorgadas anteriormente à en-
trada em vigor desta Lei consideram-se válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de
outorga, observado o disposto no artigo 43 desta Lei.”
§ 1o  Vencido o prazo mencionado no contrato ou ato de outorga, o serviço poderá ser
prestado por órgão ou entidade do poder concedente, ou delegado a terceiros, mediante
novo contrato.”     (Redação dada pela Lei n.º 11.445, de 2007). 

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135
Estudos de Direito do Saneamento

da Lei n.º 8.987/1995, seja sob a lógica do princípio da gestão associada,


com vistas à efetiva cooperação dos entes federados, sem descuidar da
titularidade municipal para decidir sobre a política pública de saneamen-
to básico de seu Município.

Por outro lado, há que se reconhecer que, mesmo em relação aos


novos convênios de cooperação e contratos de programa, celebrados
com fundamento na Lei de Consórcios Públicos, há resquícios da política
centralizadora dos Estados, originada do modelo PLANASA.

De fato, não se evidencia uma expansão da gestão, ao nível de colabora-


ção intermunicipal, através da formação de consórcios públicos, o que, como
já discorrido, também pode se revelar bastante atrativo, considerando a pos-
sibilidade de compartilhamento de recursos hídricos e infraestruturas entre
Municípios mais próximos, em prol de uma economia de escala.

Ademais, em exame às cláusulas dos convênios de cooperação cele-


brados com o Estado, não se observou o devido cuidado em preservar
a competência municipal para decidir sobre a política local de sane-
amento, haja vista que as atividades de planeamento também foram
incluídas na delegação, inclusive, com a determinação de que a pres-
tação dos serviços deveria observar o Plano Estadual de Saneamento
Básico, com adesão dos Municípios a este, sem qualquer menção ao
Plano Municipal.

Como já dito, o planejamento é indelegável, uma vez que trata dos


aspectos essenciais dos serviços, a serem definidos exclusivamente
pelo titular dos serviços, através dos respectivos Planos de Saneamen-
to Básico, sem prejuízo da necessária compatibilização dos Planos dos
Municípios envolvidos.

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136
Contudo, não se pode deixar de reconhecer que a concentração
dos serviços nas mãos do Estado de Mato Grosso do Sul proporciona
ganhos de escala com redução de custos de material em função da
quantidade, bem como o compartilhamento de infraestruturas entre
localidades, permitindo a alocação eficiente de recursos em certas eta-
pas comuns do serviço (como a adução e o tratamento de água e trata-
mento do esgoto coletado).

Registre-se, ainda, que a centralização das atividades de regulação e


fiscalização na Autarquia Estadual também garante aos Municípios redu-
ção de gastos com pessoal e infraestrutura.

O quadro a seguir apresenta um panorama da gestão dos serviços


abastecimento de água e esgotamento sanitário no Estado de Mato
Grosso do Sul, evidenciando a prevalência de uma prestação regiona-
lizada70, centralizada nas mãos do Estado, através de entes da sua Ad-
ministração Indireta, albergando a própria prestação dos serviços, mas
também a regulação e fiscalização desses, cada qual prestada por um
ente estatal distinto.

70 Conforme artigo 14 da Lei Federal n.º 11.445/07, “A prestação regionalizada de


serviços públicos de saneamento básico é caracterizada por: I- um único prestador do servi-
ço para vários Municípios, contíguos ou não; II- uniformidade de fiscalização e de regulação
dos serviços, inclusive de sua remuneração; III - compatibilidade de planejamento.”

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137
Estudos de Direito do Saneamento

Gestão
Associada
Municípios População* Instrumento celebrado**
c/ Estado
de MS
Convênio de Concessão com Gestão
Água Clara 15.257 Sim
Compartilhada, de 16/07/2002.
Convênio de Cooperação n.º
Alcinópolis 5.268 Sim 002/2011 e Contrato de Programa n.º
002/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Amambai 38.958 Sim 012/2008 e Contrato de Programa n.º
012/2008.
Convênio de Cooperação n.º
Anastácio 25.128 Sim 005/2008 e Contrato de Programa n.º
005/2008.
Convênio de Cooperação n.º
Anaurilândia 8.993 Sim 002/2011 e Contrato de Programa n.º
005/2019.
Convênio de Cooperação n.º
Angélica 10.620 Sim 010/2008 e Contrato de Programa n.º
010/2008.
Convênio de Cooperação n.º
Antônio João 8.891 Sim 003/2011 e Contrato de Programa n.º
003/2011.
Aparecida do Convênio de Concessão com Gestão
25.431 Sim
Taboado Compartilhada, de 05/07/2000.
Convênio de Cooperação n.º
Aquidauana 47.784 Sim 008/2011 e Contrato de Programa n.º
007/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Aral Moreira 11.963 Sim 001/2010 e Contrato de Programa n.º
001/2010.
Bandeirantes 6.829 Não -

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138
Convênio de Cooperação n.º
Bataguassu 22.717 Sim 007/2011 e Contrato de Programa n.º
006/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Batayporã 11.305 Sim 013/2008 e Contrato de Programa n.º
013/2008.
Bela Vista 24.508 Não -
Convênio de Cooperação n.º
Bodoquena 7.817 Sim 008/2008 e Contrato de Programa n.º
008/2008.
Convênio de Cooperação n.º
Bonito 21.738 Sim 002/2016 e Contrato de Programa n.º
002/2016.
Convênio de Cooperação n.º
Brasilândia 11.891 Sim 001/2015 e Contrato de Programa n.º
001/2015.
Convênio de Cooperação n.º
Caarapó 29.743 Sim 003/2019 e Contrato de Programa n.º
003/2019.
Convênio de Cooperação n.º
Camapuã 13.727 Sim 002/2008 e Contrato de Programa n.º
002/2008.
Campo Grande 885.711 Não -
Convênio de Cooperação n.º
Caracol 6.049 Sim 010/2011 e Contrato de Programa n.º
009/2011.
Cassilândia 21.876 Não -
Convênio de Cooperação n.º
Chapadão
24.559 Sim 004/2010 e Contrato de Programa n.º
do Sul
004/2010.
Corguinho 5.839 Não -
Convênio de Cooperação n.º
Coronel
15.152 Sim 007/2009 e Contrato de Programa n.º
Sapucaia
007/2009.

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139
Estudos de Direito do Saneamento

Convênio de Cooperação n.º


Corumbá 110.806 Sim 002/2019 e Contrato de Programa n.º
007/2019.
Costa Rica 20.496 Não -
Convênio de Concessão com Gestão
Coxim 33.516 Sim
Compartilhada, de 18/03/2004
Convênio de Cooperação n.º
Deodápolis 12.868 Sim 013/2011 e Contrato de Programa n.º
011/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Dois Irmãos
11.239 Sim 001/2018 e Contrato de Programa n.º
do Buriti
002/2019.
Convênio de Cooperação s/n.º, de
Douradina 5.889 Sim 22/04/2019 e Contrato de Programa
n.º 040/2019.
Convênio de Cooperação n.º
001/2019 e Convênio de Concessão
Dourados 220.965 Sim
com Gestão Compartilhada, de
09/09/1999
Convênio de Cooperação n.º
Eldorado 12.305 Sim 014/2011 e Contrato de Programa n.º
012/2011.
Convênio de Concessão com Gestão
Fátima do Sul 19.234 Sim
Compartilhada, de 30/03/2000
Convênio de Cooperação n.º
Figueirão 3.044 Sim 003/2018 e Contrato de Programa n.º
006/2019.
Glória de
9.981 Não -
Dourados
Convênio de Cooperação n.º
Guia Lopes da
9.968 Sim 011/2008 e Contrato de Programa n.º
Laguna
011/2008.

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140
Convênio de Cooperação n.º
Iguatemi 15.977 Sim 002/2018 e Contrato de Programa n.º
004/2019.
Convênio de Cooperação n.º
Inocência 7.625 Sim 002/2009 e Contrato de Programa n.º
002/2009.
Convênio de Cooperação n.º
Itaporã 23.886 Sim 006/2008 e Contrato de Programa n.º
006/2018.
Convênio de Cooperação n.º
Itaquiraí 20.905 Sim 010/2019 e Contrato de Programa n.º
016/2019.
Convênio de Cooperação n.º
Ivinhema 23.140 Sim 009/2011 e Contrato de Programa n.º
008/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Japorã 8.976 Sim 006/2018 e Contrato de Programa n.º
010/2019.
Jaraguari 7.108 Não -
Convênio de Cooperação n.º
Jardim 25.967 Sim 001/2009 e Contrato de Programa n.º
001/2009.
Convênio de Cooperação n.º
Jateí 4.034 Sim 009/2008 e Contrato de Programa n.º
009/2008.
Convênio de Cooperação n.º
Juti 6.638 Sim 004/2019 e Contrato de Programa n.º
008/2019.
Ladário 22.968 Não -
Convênio de Cooperação n.º
Laguna Carapã 7.267 Sim 003/2009 e Contrato de Programa n.º
003/2009.

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141
Estudos de Direito do Saneamento

Convênio de Cooperação n.º


Maracaju 45.932 Sim 006/2011 e Contrato de Programa n.º
088/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Miranda 27.795 Sim 001/2014 e Contrato de Programa n.º
001/2014.
Convênio de Cooperação n.º
Mundo Novo 18.256 Sim 006/2010 e Contrato de Programa
s/n.º, de 2010.
Convênio de Cooperação n.º
Naviraí 54.051 Sim 004/2016 e Contrato de Programa n.º
358/2016.
Convênio de Cooperação n.º
Nioaque 14.085 Sim 007/2008 e Contrato de Programa n.º
007/2008.
Nova Alvorada Convênio de Concessão com Gestão
21.300 Sim
do Sul Compartilhada, de 30/10/2003.
Convênio de Cooperação n.º
Nova
53.517 Sim 004/2011 e Contrato de Programa n.º
Andradina
143/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Novo Horizonte
3.947 Sim 004/2018 e Contrato de Programa n.º
do Sul
013/2019.
Paraíso das
5.455 Não -
Águas
Convênio de Cooperação n.º
Paranaíba 42.010 Sim 003/2008 e Contrato de Programa n.º
003/2008.
Convênio de Cooperação n.º
Paranhos 14.048 Sim 001/2012 e Contrato de Programa n.º
001/2012.
Convênio de Cooperação n.º
Pedro Gomes 7.666 Sim 005/2009 e Contrato de Programa n.º
005/2009.

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142
Convênio de Cooperação n.º
Ponta Porã 91.082 Sim 002/2012 e Contrato de Programa n.º
002/2012.
Convênio de Cooperação n.º
Porto
17.078 Sim 005/2011 e Contrato de Programa n.º
Murtinho
115/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Ribas do
24.258 Sim 012/2011 e Contrato de Programa n.º
Rio Pardo
010/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Rio Brilhante 36.830 Sim 006/2009 e Contrato de Programa n.º
006/2009.
Convênio de Cooperação s/n.º, de
Rio Negro 4.819 Sim 19/09/2008 e Contrato de Programa
s/n.º, de 19/09/2008 .
Convênio de Cooperação n.º
Rio Verde de
19.682 Sim 002/2010 e Contrato de Programa n.º
Mato Grosso
002/2010.
Rochedo 5.403 Não -
Convênio de Cooperação n.º
Santa Rita
7.801 Sim 005/2019 e Contrato de Programa n.º
do Pardo
009/2019.
São Gabriel
26.363 Não -
do Oeste
Convênio de Cooperação n.º
Selvíria 6.515 Sim 001/2013 e Contrato de Programa n.º
001/2013.
Convênio de Cooperação n.º
Sete Quedas 10.812 Sim 007/2019 e Contrato de Programa n.º
012/2019.
Convênio de Cooperação n.º
Sidrolândia 56.081 Sim 004/2009 e Contrato de Programa n.º
004/2009.

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143
Estudos de Direito do Saneamento

Convênio de Concessão com Gestão


Sonora 18.828 Sim
Compartilhada, de 02/06/2003.
Convênio de Cooperação n.º
Tacuru 11.427 Sim 003/2012 e Contrato de Programa n.º
003/2012.
Convênio de Concessão com Gestão
Taquarussu 3.583 Sim
Compartilhada, de 06/08/2004.
Convênio de Cooperação n.º
Terenos 21.311 Sim 004/2008 e Contrato de Programa n.º
004/2008.
Convênio de Cooperação n.º
Três Lagoas 119.465 Sim 001/2011 e Contrato de Programa n.º
001/2011.
Convênio de Cooperação n.º
Vicentina 6.067 Sim 009/2019 e Contrato de Programa n.º
015/2019.

* Dados IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-es-


timativas-de-populacao.html?edicao=22367&t=resultados). Acesso em: 01/09/2019.
** Disponível em: AGEPAN MS (http://www.agepan.ms.gov.br/servicossaneamento-basi-
co/saneamentomunicipios-conveniados/). Acesso em: 01/09/2019.

8. CONCLUSÃO

Como visto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações so-


bre Saneamento – Diagnóstico/2017, o Brasil conta com uma média na-
cional de apenas 83,5% da população residente atendida com redes de
abastecimento de água, 52,4% atendida com rede coletora de esgoto e
46,0% atendida com tratamento dos esgotos gerados.

144
Alarmante realidade que contribui para a poluição dos nossos recur-
sos hídricos, degradação ambiental e proliferação de doenças, em pre-
juízo à saúde da população, evidenciando os grandes desafios que ainda
enfrenta o setor do saneamento básico nacional, em prol da universaliza-
ção dos serviços, primordialmente no campo do esgotamento sanitário.

Mais, ainda, nos leva a questionar a eficiência do modelo atual, quem


são os seus atores e o padrão de gestão adotado.

Importante advertir que a nova ordem jurídica nacional, advinda com a


Constituição Federal Brasileira de 1988, proclama a dignidade da pessoa hu-
mana como fundamento da República Federativa (inciso III do artigo 1.º da
CF71) e a saúde como direito de todos e dever do Estado (artigo 196 da CF72).

Assim, é imperioso reconhecer que é dever de todos os entes fede-


rados, em harmônica cooperação, transformar essa triste realidade, as-
segurando, através da instituição de políticas públicas, o acesso à água
potável e ao saneamento básico a toda população.

Na seara do saneamento, há que se reconhecer que temos atualmente no


Brasil um sistema de prestação de serviços de abrangência prevalentemente
regional, no qual se destacam as companhias estaduais de saneamento, em
sua maioria, constituídas sob a forma de sociedades de economias mista.

71 “Artigo 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;”
72 “Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante po-
líticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

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145
Estudos de Direito do Saneamento

Tal conjuntura se deve a evolução histórica dos serviços no País, com


destaque para o Plano Nacional de Saneamento – PLANASA, cujo modelo
caracterizou-se pela concentração das funções de planejamento, coordena-
ção, controle e apoio financeiro nas mãos da União, cabendo aos Estados a
prestação dos serviços, através das Companhias Estaduais de Saneamento.

Aos Municípios, em que pese figurarem como “poder concedente”


das concessões celebradas, tiveram participação reduzida, ou pratica-
mente excluída, pouco decidindo a respeito dos serviços, o que só veio
a ser rompido com a Constituição Federal de 1988, haja vista que esta
solidificou a titularidade dos serviços locais para os entes municipais,
confirmando, assim, a competência dos Municípios para a prestação dos
serviços de saneamento em seu âmbito territorial.

Contudo, de forma contraditória ao disposto na nova ordem consti-


tucional, a histórica exclusão dos Municípios do setor do saneamento,
com preponderância das determinações federais e estaduais, evidencia
um presente em que muitos daqueles não possuem expertise técnica,
aliada a escassez de recursos, para gestão autônoma dos serviços de sa-
neamento local, fatores indicativos para que se perpetue a interação e
cooperação dos entes federados, iniciada no PLANASA, porém, sob nova
perspectiva, ou seja, assegurando efetivamente a titularidade municipal
para direcionar as políticas públicas do saneamento básico local.

De fato, é necessário reconhecer que o modelo traçado pela Consti-


tuição Brasileira, além de incluir os Municípios no pacto federativo (ar-
tigos 1.º e 18, da CF), atribuiu-lhes a competência para cuidar sobre as
matérias de interesse local (inciso V do artigo 30 da CF), cuja diretriz, no
entanto, é harmonizada com a competência comum de todos os entes
federados em cooperar para a melhoria dos serviços (inciso IX e parágra-
fo único do artigo 23 da CF), por meio da gestão associada, traduzindo-

Voltar ao índice
146
se, de fato, em um dever constitucional da União e dos Estados-membros
em cooperar com os Municípios, consagrando o federalismo cooperativo
almejado pelo constituinte originário e ratificado pelo constituinte deri-
vado, ao conferir nova redação ao artigo 24173 da CF, por meio da Emen-
da Constitucional n.º 19, de 04/06/1998.

Tais arranjos se justificam como instrumentos de melhoria e universali-


zação dos serviços públicos de saneamento básico, motivados por fatores
como obtenção de uma escala eficiente que ofereça sustentabilidade à
prestação dos serviços, considerando municípios com baixa capacidade de
financiamento; a existência de municípios contíguos que podem ser benefi-
ciados por uma gestão conjunta dos serviços; a inexistência ou dificuldades
de acesso a corpos hídricos, para fins de captação de água ou disposição final
dos resíduos, em determinados municípios; a necessidade de adaptação da
prestação dos serviços às características das bacias hidrográficas de cada re-
gião; a padronização da regulação dos serviços em determinada região; e a
regionalização dos serviços defendida a nível federal, inclusive, nesse último
aspecto, caminham as discussões acerca do Projeto de Lei que tem por obje-
tivo atualizar o marco legal do Saneamento Básico Nacional, com a formação
de blocos de municípios para a prestação dos serviços, com gestão centrali-
zada, agregando regiões mais e menos rentáveis.

Nesse contexto, a legislação infraconstitucional, consubstanciada na Lei


Nacional dos Consórcios Públicos - Lei n.º 11.107, de 06 de abril de 2005,
normatizou os instrumentos necessários para a implementação da gestão

73 “Artigo 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplina-


rão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes
federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência
total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos.” (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998)

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147
Estudos de Direito do Saneamento

associada, de forma a dar legitimidade e segurança na gestão dos serviços,


quais sejam, os consórcios públicos e os convênios de cooperação.

Há que se ressaltar que a cooperação poderá se evidenciar na própria


prestação dos serviços, como em seu planejamento, regulação e fiscaliza-
ção. Ressalte-se, apenas, quanto ao planejamento, que aquela se restringi-
rá ao fornecimento de estudos técnicos para viabilizar sua elaboração, uma
vez que tal atribuição é de competência exclusiva do titular dos serviços.

Destaca-se, ainda, a relevância do exame das atividades concernen-


tes a cada um dos serviços de saneamento básico, a fim de evidenciar os
segmentos mais compatíveis com sua gestão de forma associada, haja
vista a existência de frações dos serviços que possuem caráter inequivo-
camente local e outros que abarcam um contexto territorial mais abran-
gente, possibilitando que um mesmo operador atenda a mais de um mu-
nicípio para atividades de abrangência regional e operadores distintos
para atividades locais.

Neste aspecto, assim caminha o modelo de gestão do setor da água


em Portugal, com uma diversidade de formatos de gestão e entidades de
natureza distinta no controle dos serviços, no qual os sistemas em baixa
correspondem à área do município e os sistemas em alta englobam os
territórios dos municípios neles integrados.

Ademais, importante anotar que o êxito da cooperação depende de


um adequado planejamento, precedido de avaliações técnicas, ambien-
tais e econômicas, inclusive, planejamento estratégico regional e nacio-
nal, de forma com que a cooperação resulte em resultados concretos,
com vistas à efetiva redução das desigualdades regionais, objetivo fun-
damental da República Federativa do Brasil, conforme previsão do inciso
III do artigo 3.º da CF.

Voltar ao índice
148
Por fim, no presente estudo, restaram registradas as parcerias “públi-
co-público”, no âmbito do saneamento, já existentes no Estado de Mato
Grosso do Sul, seja na forma de cooperação financeira da União aos Mu-
nicípios do Estado, através de convênios de repasse de recursos, seja do
próprio Estado de Mato Grosso do Sul, na prestação dos serviços e de sua
regulação e fiscalização.

Contudo, não se evidencia uma expansão da gestão, ao nível de co-


laboração intermunicipal, através da formação de consórcios públicos, o
que, como já discorrido, merece ser incentivado, considerando a possibi-
lidade de compartilhamento de recursos hídricos e infraestruturas entre
Municípios mais próximos, em prol de uma economia de escala e efetiva
expansão dos serviços.

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Estudos de Direito do Saneamento

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152
Aspectos legais que impactam
na efetividade da Politica Federal
do Saneamento Básico destinada
aos municípios de até cinquenta
mil habitantes
ANA SALETT MARQUES GULLI1

i1

Resumo

O presente artigo promove uma avaliação, restrita aos aspectos le-


gais, da forma como o Brasil tem implementado a política pública federal
do saneamento destinada aos municípios de até cinquenta mil habitan-
tes, no intuito de identificar aspectos presentes na legislação vigente
relativos à transferência de recursos para esses entes, por parte da Fun-
dação Nacional de Saúde, que de alguma forma impactam na efetivação
da prestação do serviço do saneamento. Objetivou-se ressaltar que as
normas estabelecem diretrizes que vão ao encontro das necessidades
dos municípios menores, todavia estabelecem também exigências de-
masiadamente burocráticas, desconsiderando, dessa maneira, a reali-

1 Procuradora Federal. Graduada em Direito (UniCEUB). Especialista em Direito


Processual Civil (AEUDF). Procuradora-Chefe da Procuradoria Federal Especializada da Fun-
dação Nacional de Saúde-FUNASA. e-mail: ana.salett@funasa.gov.br/ana.salett@agu.gov.
br. Endereço Profissional: SRTN, Q.701, LOTE D, 70719-040, Asa Norte, Brasília-DF.

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153
Estudos de Direito do Saneamento

dade fática e estrutural existente, dificultando ou até inviabilizando, por


vezes, a implementação da política federal do saneamento.

Palavras-chave: Saneamento Básico. Serviço Público. Política Públi-


ca Federal do Saneamento. Municípios de até Cinquenta Mil Habitantes.
Fundação Nacional de Saúde

Abstract

This article promotes an evaluation, restricted to legal aspects, of how


Brazil implements public sanitation policy for municipalities with less than
fifty thousand inhabitants, at the federal level. It seeks to identify aspects
of the transfer of resources to these municipalities in the current legisla-
tion by the National Health Foundation, which somehow impact on the
provision of sanitation service. The overall objective is to emphasize that
the norms establish guidelines that meet the needs of the smaller muni-
cipalities. However, they also set too bureaucratic demands, disregarding
the existing reality, which makes the implementation of sanitation policy
at the federal level somehow difficult.

Keywords: Sanitation law. Brazilian sanitation system. Smaller muni-


cipalities. Public Sanitation Policy. National Health Foundation.

Sumário
1. Introdução; 2. Saneamento Básico como Direito Humano; 3. En-
quadramento Legal do Saneamento, 3.1 Abordagem Constitucional,
3.2 Abordagem Infraconstitucional; 4. Política Federal do Sanea-
mento; 5. Impacto da legislação – exemplos práticos; 6. Conclusão

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154
1. INTRODUÇÃO

A importância do saneamento básico é indiscutível, uma vez que sua


ausência impacta diretamente na saúde pública, no meio ambiente, na
economia de um país e, mais importante, na dignidade da pessoa hu-
mana. Por essa razão o tema requer um tratamento adequado, espe-
cialmente por parte dos entes governamentais encarregados de tornar
efetiva a política pública setorial.

Nos termos da Lei nº 11.445/20072o saneamento básico é conceitua-


do como um conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operaci-
onais de abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpe-
za urbana e manejo de resíduos sólidos; drenagem e manejo das águas
pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas.

A realidade fática no Brasil em relação a esses serviços ainda é preo-


cupante. Estatísticas demonstram que 83,5% (oitenta e três virgula cin-
co por cento) dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água

2 O conceito de saneamento básico está previsto no art. 3º da Lei nº 11.445/07,


nos seguintes termos;
Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I- Saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de:
a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas e ins-
talações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as
ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações
operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos
sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente;
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estrutu-
ras e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final
do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas;
d) drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respec-
tivas redes urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de
drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amorteci-
mento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas
áreas urbanas. (Redação dada pela Lei nº 13.308, de 2016)

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155
Estudos de Direito do Saneamento

tratada, sendo, portanto, quase 35 milhões de brasileiros sem o acesso


a este serviço básico; 52,36% (cinquenta e dois virgula trinta e seis por
cento) da população têm acesso à coleta de esgoto, de modo que quase
100 milhões de brasileiros não têm acesso a este serviço3.

Antes, porém, de tratar o saneamento básico como um serviço pú-


blico, fundamental ressaltar que ele é, antes disso, um direito, e não um
direito qualquer, mas um direito inserido na categoria dos direitos hu-
manos. Logo, o serviço público que visa prover esse direito possui uma
dignidade jurídica especial, que precisa ser compreendida. Por isso, a
compreensão do processo de construção do saneamento básico como
um direito deve anteceder, e nortear, os principais aspectos do regime
jurídico dos serviços públicos a ele correlatos (NETO,2010).

É dever do Estado prover mecanismos e políticas públicas capazes de


conceder universalmente esse direito ao ser humano. No entanto, verifi-
ca-se que tal dever se apresenta como um problema em diversos países,
dentre eles o Brasil, uma vez que o direito ao saneamento básico embora
reconhecido, não tem sido implementado a contento.

O presente trabalho, portanto, visa contribuir com a avaliação da


forma como o Brasil tem implementado a política pública federal do sa-
neamento destinada aos municípios de até cinquenta mil habitantes. A
análise será restrita aos aspectos legais, ou seja, tentar-se-á identificar
alguns aspectos presentes na legislação vigente relativos à transferên-
cia de recursos para esses municípios, por parte da Fundação Nacional
de Saúde, que de alguma forma impactam na efetivação da prestação
do serviço do saneamento.

3 TRATA BRASIL. Estatística. (SNIS.2017)

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156
Interessa para uma melhor compreensão da importância do assunto,
a informação relativa ao quantitativo de municípios existentes no Brasil.
Atualmente existem 5.570 municípios, dos quais a grande maioria, pelo
menos noventa por cento, tem população menor que cinquenta mil ha-
bitantes, segundo dados do IBGE.

A despeito da política do saneamento ser considerada uma política so-


cial orientada pela universalização e integralidade do acesso aos serviços
e, também, pelo objetivo de contribuir para a redução das desigualdades
regionais, não se vislumbra na legislação federal um regramento específico
que objetive atender aos pequenos municípios, dotados de precária situa-
ção financeira e administrativa e de baixa capacidade de gestão.

Observa-se que ao tempo em que a norma estabelece diretrizes que


vão ao encontro das necessidades dos municípios menores, estabelece
também exigências burocráticas, desconsiderando, dessa maneira, a rea-
lidade fática e estrutural existente, dificultando ou até inviabilizando, por
vezes, a implementação da política federal do saneamento.

A presente análise parte do princípio de que o saneamento básico é


um direito humano, portanto intimamente ligado à dignidade humana,
de sorte que o Estado Brasileiro ciente de sua importância tem o dever
de conferir o acesso a esse direito a todos os cidadãos e, para tanto,
deverá propor a edição de normas que contemplem as mais variadas si-
tuações, de forma concreta, rumo à efetiva universalização.

2. SANEAMENTO BÁSICO COMO DIREITO HUMANO

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um docu-


mento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por represen-

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157
Estudos de Direito do Saneamento

tantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do


mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por meio da Resolução
217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada
por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a prote-
ção universal dos direitos humanos.(ONU,2019)4

No que concerne à evolução do reconhecimento dos direitos à água


e saneamento, importa destacar que em 1948, quando a Declaração
Universal dos Direitos do Homem foi adotada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas não constava do texto de forma expressa os direi-
tos humanos à água e saneamento. O contexto mundial dessa época,
com colonialismo dominante, países menos urbanizados e ausência de
representantes de países com populações afetadas pela falta de sanea-
mento explicam essa omissão.

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia


28 de julho de 2010, editou a Resolução 64/292 em que “reconhece que
o direito à água potável e ao saneamento é um direito humano essencial
para a plena fruição da vida e de todos os outros direitos humanos”

A partir dessa Resolução não há dúvidas que o direito à água potável e


ao saneamento integram o rol dos direitos humanos e que é uma obriga-
ção do Poder Público assegurar o acesso à água potável e ao saneamento
devendo inseri-los no contexto das políticas públicas que devem ser por
ele patrocinadas, de modo a dar efetividade a um direito. (NETO,2012)

Os direitos humanos pertencem à esfera do direito internacional


público, e, em regra, tem-se que os direitos fundamentais são direitos

4 https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/

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158
positivados no texto constitucional, sendo, portanto, expressamente
reconhecidos pelo ordenamento constitucional de um determinado
país. (SANTOS,2018)

Não há dispositivos na Constituição Brasileira vigente que, expres-


samente, reconhecem o saneamento básico como um direito, por essa
razão há autores que não o consideram um direito fundamental em si,
“mas apenas uma política pública - ou seja, um importante instrumento
- para se viabilizar outros direitos, como o direito à saúde, ou o direito
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, estes outros direitos,
por devidamente constitucionalizados, reconhecidos como direitos fun-
damentais”, nesse sentido Floriano de Azevedo Marques Neto.

No intuito de positivar o saneamento básico como direito fundamen-


tal, existem em curso, no Poder Legislativo, iniciativas de Emenda à Cons-
tituição Federal, para inserir o direito à água e ao saneamento no artigo
6º do texto constitucional567.

Inquestionável, portanto, que o saneamento básico é um direito hu-


mano reconhecido, definido pela legislação pátria como serviço essencial
para a efetivação de direitos fundamentais, notadamente, os direitos à
vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

5 SENADO FEDERAL.PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 4, DE 2018- Inclui,


na Constituição Federal, o acesso à água potável entre os direitos e garantias fundamentais.
6 CÂMARA DOS DEPUTADOS.PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 93, DE
2015. Dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal.
7 CÂMARA DOS DEPUTADOS.PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 425, DE
2018. Dá nova redação aos Artigos 6º e 23 da Constituição Federal para dispor sobre o sa-
neamento básico como direito social e o acesso aos serviços públicos de saneamento básico
como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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159
Estudos de Direito do Saneamento

3. ENQUADRAMENTO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO

No que se refere à importância do regime jurídico na efetivação da


política pública, emprestamos o entendimento de Catarina de Albuquer-
que que, com muita propriedade, observa que a aplicação prática do di-
reito ao saneamento “depende em grande medida dos regimes jurídicos
nacionais, que se baseiam em disposições legais e constitucionais. Por
sua vez, estas leis devem conduzir a políticas nacionais e aspirar à reali-
zação universal do direito. E devem ser postas em prática através de sis-
temas normativos e regulamentos sólidos que emanem das instituições
governamentais e, idealmente, dos organismos nacionais encarregados
da regulação dos serviços de saneamento”. (ALBUQUERQUE,2014)

Nesse sentido, ao estabelecer as leis e políticas, deve pretender o Es-


tado promover o enquadramento adequado para garantir o acesso uni-
versal ao saneamento, além de fornecer as ferramentas necessárias no
sentido de viabilizar a atuação das entidades competentes.

Em relação ao enquadramento legal do saneamento básico no Bra-


sil, faremos duas abordagens, constitucional e infraconstitucional para,
em seguida tratarmos especificamente das condicionantes que, na nos-
sa avaliação, tem impactado no resultado da implementação da política
no âmbito federal.

3.1. Abordagem Constitucional

A promulgação da Constituição Federal em 1988 suscitou novas pers-


pectivas para o desenvolvimento das políticas públicas de saneamento
básico no Brasil. Alinhado às diretrizes internacionais para os direitos hu-
manos assumidos pelo Brasil logo após a abertura política, o novo texto
constitucional estabelece como fundamento da República a dignidade

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160
da pessoa humana em seu artigo 1º8 . Define também como objetivos
fundamentais a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como
a redução das desigualdades sociais e regionais9.

Importante destacar que o artigo 6º da CF considera a saúde como


um direito social ao lado do lazer e da moradia, cuja salubridade depen-
de das condições ambientais e de saneamento. Na esteira desse raciocí-
nio, dispõe o artigo 20010, também da Carta Magna, que ao sistema único
de saúde compete, além de outras atribuições, participar da formulação
da política e da execução das ações de saneamento básico.

No que se refere à distribuição de competências previstas na Constitui-


ção Federal, o inciso XX do artigo 2111 dispõe ser competência da União a
instituição de diretrizes para o saneamento básico, bem como prevê, ain-
da, no inciso IX do art. 2312 ser competência comum da União, Estados,

8 BRASIL, CF, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indis-
solúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
9 BRASIL,CF, Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federati-
va do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
10 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos
termos da lei
IV- participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
11 Art. 21. Compete à União:
...........
XX - Instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamen-
to básico e transportes urbanos;
12 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habi-
tacionais e de saneamento básico;

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161
Estudos de Direito do Saneamento

Distrito Federal e Municípios estabelecer programas de construção de mo-


radias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.

A previsão constitucional do saneamento básico requer dos entes fe-


derados articulação planejada, pois ao tempo em que cabe à União fixar
parâmetros nacionais, compete ao município, considerado o titular do
serviço de saneamento, formular a respectiva política pública do sanea-
mento, e prestar o serviço, direta ou indiretamente.

Outro ponto presente no âmbito constitucional e, de grande rele-


vância, é o reconhecimento da relação saneamento-saúde verificado na
menção à competência do Sistema Único de Saúde - SUS para participar
da formulação da política saneamento em conjunto com os demais entes.

A abordagem constitucional sobre o saneamento foi considerada por


integrantes do setor como “tímida”, na medida em que não produziu o im-
pulso necessário para a construção de um novo arranjo institucional para
a área de saneamento de forma a atender as demandas existentes. Não se
vislumbra na Carta Magna o estabelecimento de imposições ou garantias,
bem como a previsão de princípios e diretrizes para nortear a construção
de uma política de saneamento. Desse modo, após praticamente duas dé-
cadas é que se conseguiu avançar com o marco regulatório do setor.

3.2. Abordagem Infraconstitucional

A Lei Federal nº 11.445, 05 de janeiro de 2007 (LNSB), que estabe-


lece diretrizes nacionais para o saneamento básico é a principal norma
infraconstitucional para o saneamento básico no Brasil. Aprovada em
2007 após quase duas décadas de discussões, reafirma as disposições
constitucionais e reconhece o saneamento básico como condição es-
sencial para a qualidade de vida sadia. Como marco regulatório, es-

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162
tabelece também o conceito e os princípios legais para a provisão do
saneamento básico no Brasil.

A referida lei foi regulamentada pelo Decreto nº 7.217, de 21 de ju-


nho de 2010. Posteriormente, em 2013, a Portaria Interministerial nº
571/2013 aprovou o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab),
o qual apresenta objetivos e metas de curto, médio e longo prazos no
período de 2014 a 2033, visando à universalização dos serviços. A elabo-
ração do Plano foi sustentada em princípios da política de saneamento
básico, a maior parte deles presente na Lei nº 11.445/2007, como a uni-
versalização, equidade, integralidade, intersetorialidade, sustentabilida-
de, participação e controle social.

A Lei nº 11.445/2007 e seu decreto regulamentador estabelecem os


princípios fundamentais que orientam a prestação dos serviços públicos
de saneamento básico e redefinem a estrutura de gestão dos serviços,
que passa a ser caracterizada por cinco diferentes aspectos: planejamen-
to, prestação, regulação, fiscalização e controle social.

Dentre outros regramentos legais importantes na implementação da po-


lítica do saneamento destaca-se a Lei nº 8.080/1990, que dispõe sobre o
Sistema Único de Saúde (SUS); Lei nº 8.987/1995, que dispõe sobre as dire-
trizes para os contratos de concessão entre os prestadores de serviços públi-
cos e os poderes concedentes; Lei nº 9.433/1997, que estabelece a Política
Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e define como um de seus objetivos
a garantia da disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados,
para gerações futuras; Lei nº 10.257/2001, que estabelece as diretrizes ge-
rais da política urbana; Lei nº 11.079/2004, que estabelece as diretrizes para
as Parcerias Público-Privadas (PPPs); Lei nº11.107/2005, conhecida como Lei
dos Consórcios Públicos, a qual estabelece normas gerais para a gestão as-
sociada de serviços públicos entre entes federados no caso de objetivos de

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163
Estudos de Direito do Saneamento

interesse comum, o que inclui a gestão de serviços de saneamento e Lei


nº12.305/2010, institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Toda essa legislação tem estreita relação, haja vista que se comple-
mentam em prol de uma Política Federal do Saneamento.

4. POLÍTICA FEDERAL DO SANEAMENTO BÁSICO

A política do saneamento desenvolve-se num contexto de descen-


tralização de políticas públicas inaugurado pela Constituição Federal
de 1988. As diretrizes da política são estabelecidas na LNSB, as quais
nos permitimos citar: prioridade para as ações que promovam a equi-
dade social e territorial no acesso ao saneamento básico; aplicação
dos recursos financeiros de modo a promover o desenvolvimento
sustentável, a eficiência e a eficácia; estímulo ao estabelecimento de
adequada regulação dos serviços; utilização de indicadores epidemio-
lógicos e de desenvolvimento social no planejamento, implementação
e avaliação das suas ações de saneamento básico; melhoria da quali-
dade de vida e das condições ambientais e de saúde pública; colabo-
ração para o desenvolvimento urbano e regional; garantia de meios
adequados para o atendimento da população rural dispersa, inclusive
mediante a utilização de soluções compatíveis com suas características
econômicas e sociais peculiares; fomento ao desenvolvimento cientí-
fico e tecnológico, à adoção de tecnologias apropriadas e à difusão
dos conhecimentos gerados e estímulo à implementação de infraes-
truturas; e serviços comuns a Municípios, mediante mecanismos de
cooperação entre entes federados.

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164
Os objetivos, por sua vez, estão dispostos no art 4913 da LNSB. E,
no intuito de alcançá-los, com base nas diretrizes estabelecidas, verifi-
ca-se que a norma prevê como um dos meios para implementação da
política federal, a alocação de recursos federais para Municípios, Distrito
Federal, Estados ou para os consórcios públicos de que referidos entes
participem. A propósito, esse é o ponto que pretendemos destacar con-
tribuindo com a avaliação da forma como a União tem operacionaliza-
do as transferências de recursos para os demais entes, especificamente
aqueles considerados mais precários em termos de estrutura e gestão,
a exemplo da maioria dos municípios de até cinquenta mil habitantes.

13 Art. 49. São objetivos da Política Federal de Saneamento Básico:


I - contribuir para o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades regionais,
a geração de emprego e de renda e a inclusão social;
II - priorizar planos, programas e projetos que visem à implantação e ampliação dos
serviços e ações de saneamento básico nas áreas ocupadas por populações de baixa renda;
III- proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental aos povos indígenas e ou-
tras populações tradicionais, com soluções compatíveis com suas características socioculturais;
IV - proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental às populações rurais
e de pequenos núcleos urbanos isolados;
V - assegurar que a aplicação dos recursos financeiros administrados pelo poder pú-
blico dê-se segundo critérios de promoção da salubridade ambiental, de maximização da
relação benefício-custo e de maior retorno social;
VI - incentivar a adoção de mecanismos de planejamento, regulação e fiscalização da
prestação dos serviços de saneamento básico;
VII - promover alternativas de gestão que viabilizem a auto-sustentação econômica e
financeira dos serviços de saneamento básico, com ênfase na cooperação federativa;
VIII - promover o desenvolvimento institucional do saneamento básico, estabelecendo
meios para a unidade e articulação das ações dos diferentes agentes, bem como do de-
senvolvimento de sua organização, capacidade técnica, gerencial, financeira e de recursos
humanos, contempladas as especificidades locais;
IX- fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico, a adoção de tecnologias apro-
priadas e a difusão dos conhecimentos gerados de interesse para o saneamento básico;
X- minimizar os impactos ambientais relacionados à implantação e desenvolvimento das
ações, obras e serviços de saneamento básico e assegurar que sejam executadas de acordo
com as normas relativas à proteção do meio ambiente, ao uso e ocupação do solo e à saúde.
XI - incentivar a adoção de equipamentos sanitários que contribuam para a redução do
consumo de água; (Incluído pela Lei nº 12.862, de 2013)
XII - promover educação ambiental voltada para a economia de água pelos usuários.
(Incluído pela Lei nº 12.862, de 2013)

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165
Estudos de Direito do Saneamento

O aporte de recursos federais, em ações de saneamento, para mu-


nicípios tem sido um importante fator de incremento do saneamento.
A LNSB, ao dispor acerca da transferência de recursos públicos federais
para o desenvolvimento de ações de saneamento básico, estabelece que
deve ser consentânea com as suas diretrizes, objetivos e planos de sa-
neamento, cuja função principal é promover a melhoria da qualidade de
vida e das condições ambientais e da saúde pública, priorizando as ações
que promovam a equidade social e territorial no acesso ao saneamento.

Nesse sentido o PPA 2016-2019 dispõe: “assumindo que a alocação


dos recursos associada a ações de melhorias da gestão dos serviços é
uma forma pela qual a política governamental influencia o desenvolvi-
mento regional, promove a inclusão social e reduz as desigualdades so-
ciais, e considerando-se a magnitude da concentração das carências dos
serviços em populações de baixa renda, considera-se essencial priorizar
a atuação estatal em áreas de baixa renda para o alcance da universali-
zação do acesso ao saneamento básico, especialmente, no contexto de
erradicação da extrema pobreza”14.

A União atua mediante a articulação de diversos agentes e, no seu


conjunto, as ações de saneamento básico estão dispersas em diversos
órgãos do governo federal, algumas vinculadas ao setor saúde e outras a
demais ministérios: a exemplo do Ministério do Desenvolvimento Regi-

14 Destacamos os objetivos vinculados ao Programa Temático Saneamento Básico


do PPA 2016-2019:
- Implementar medidas estruturantes que assegurem a melhoria da gestão e da pres-
tação dos serviços públicos de saneamento básico, considerando o abastecimento de água
potável, o esgotamento sanitário, a drenagem e manejo de águas pluviais, e a limpeza e
manejo de resíduos sólidos urbanos;
- Implementar medidas estruturais e estruturantes em áreas rurais e comunidades tra-
dicionais, que assegurem a ampliação do acesso, a qualidade e a sustentabilidade das ações
e serviços públicos de saneamento básico;
- Implementar medidas estruturais em áreas urbanas, por meio de ações que assegu-
rem a ampliação da oferta e do acesso aos serviços públicos de saneamento básico.

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166
onal - MDR, por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental,
quando envolvem recursos do Orçamento Geral da União (OGU), cabe ao
MDR no caso de municípios com população superior a 50mil habitantes
ou integrantes de Regiões Metropolitanas (RM) ou Regiões Integradas de
Desenvolvimento(Ride), e à FUNASA/Ministério da Saúde o atendimento
a municípios com menos de 50 mil habitantes, áreas rurais, quilombolas
e sujeitas a endemias15 16.

À Funasa compete atuar junto aos municípios de até cinquenta mil


habitantes, nas ações de água, esgotamento sanitário, resíduos, melhori-
as sanitárias domiciliares, melhoria habitacional para controle de doença
de chagas, pesquisa e educação ambiental. O leque de atuação é vasto
e o quantitativo de municípios é significante, representando mais de no-
venta por cento dos municípios brasileiros, segundo dados do IBGE.

Embora a maioria da população esteja concentrada nas grandes ci-


dades, considerando que o Brasil possui um total de 5.570 municípios,
promover ações de saneamento em mais de 4.000 (quatro mil) municípi-
os é desafiador, especialmente levando-se em consideração a extensão
territorial e a diversidade existente entre as regiões do país.

Verifica-se, porém, que nem a legislação específica do saneamento e


muito menos a legislação que estabelece os procedimentos relativos às
transferências de recursos conferem tratamento normativo diferenciado
e/ou adequado às especificidades das regiões no intuito de tornar mais
efetiva a atuação federal no saneamento, especialmente quando se ob-
serva a realidade dos municípios menores atendidos pela Funasa.

15 MENICUCCI, Telma e D’ALBUQUERQUE Raquel - Política de saneamento vis–à-


vis à política de saúde: encontros, desencontros e seus efeitos. Saneamento como Política
Pública: um olhar a partir dos desafios do SUS. Brasília, 2018.
16 Distribuição detalhada consta do item 4.3 do PPA 2016-2019.

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167
Estudos de Direito do Saneamento

No intuito de instigar o debate e reflexão, entendemos por bem ilus-


trar algumas situações identificadas na legislação que tem impactado ne-
gativamente a implementação da política, por vezes até inviabilizando o
acesso aos recursos federais.

5. IMPACTOS DA LEGISLAÇÃO – EXEMPLOS PRÁTICOS

Legislação específica – exigência relativa ao controle social

No que tange ao tema, vale ressaltar a nossa compreensão em re-


lação à relevância do controle social na prestação do serviço de sane-
amento, relevância essa refletida nos artigos 2º e 47 da LNSB, em que
se considera o controle social como princípio fundamental a orientar a
prestação do serviço.

Ao regulamentar o artigo 47, da LNSB, o Decreto nº 7.217/2010, no § 6º,


do artigo 34 17, veda o acesso ao recurso de transferência voluntária destina-
do a serviço de saneamento, a partir de 31/12/2014, quando não instituído
o órgão de controle social dos serviços públicos de saneamento. Trata-se de
uma condicionante dirigida a todos os ajustes cujo objeto seja relacionado
ao serviço de saneamento básico, definido nos termos do artigo 2º, XI, do
decreto mencionado, como o “ conjunto dos serviços públicos de manejo

17 Art. 34. O controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá
ser instituído mediante adoção, entre outros, dos seguintes mecanismos:
IV - participação de órgãos colegiados de caráter consultivo na formulação da política
de saneamento básico, bem como no seu planejamento e avaliação.
(....)
§ 6º Após 31 de dezembro de 2014, será vedado o acesso aos recursos federais ou aos
geridos ou administrados por órgão ou entidade da União, quando destinados a serviços
de saneamento básico, àqueles titulares de serviços públicos de saneamento básico que
não instituírem, por meio de legislação específica, o controle social realizado por órgão
colegiado, nos termos do inciso IV do caput. (Redação dada pelo Decreto no 8.211, de2014)

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168
de resíduos sólidos, de limpeza urbana, de abastecimento de água, de es-
gotamento sanitário e de drenagem e manejo de águas pluviais, bem como
infraestruturas destinadas exclusivamente a cada um destes serviços.”

Para efeito de acesso aos recursos federais, o decreto definiu como for-
ma de controle social, a instituição de órgão colegiado.18Destaque-se que o
§6º, só admitiu a realização de transferência de recursos da União, a partir
de 31/12/2014, mediante a comprovação, por parte do titular do serviço
de saneamento básico, de instituição do órgão colegiado de controle social.

A transferência de recursos, nos termos do artigo 25, da LRF, c/c ar-


tigo 79 da LDO/201919 ocorre no momento da celebração do ajuste, ou
seja, o ato de entrega dos recursos a outro ente federativo, a título de
transferência voluntária é caracterizado no momento da assinatura do
convênio ou do contrato de repasse, bem como dos aditamentos de va-
lor correspondentes, e não se confunde com as liberações financeiras de
recursos, que devem obedecer ao cronograma de desembolso previsto
no convênio ou no contrato de repasse. Assim, conclui-se que a desde 01

18 Art. 34. O controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá
ser instituído mediante adoção, entre outros, dos seguintes mecanismos:
I - debates e audiências públicas;
II - consultas públicas;
III - conferências das cidades; ou
IV - participação de órgãos colegiados de caráter consultivo na formulação da política
de saneamento básico, bem como no seu planejamento e avaliação.
(...................)
§ 6º Após 31 de dezembro de 2014, será vedado o acesso aos recursos federais ou aos
geridos ou administrados por órgão ou entidade da União, quando destinados a serviços
de saneamento básico, àqueles titulares de serviços públicos de saneamento básico que
não instituírem, por meio de legislação específica, o controle social realizado por órgão co-
legiado, nos termos do inciso IV do caput. (Redação dada pelo Decreto nº 8.211, de 2014)
19 Estamos citando a LDO 2019, (Lei nº 13.707/2018) no entanto, as leis orçamen-
tárias de anos anteriores contêm a mesma previsão em relação à definição do momento
em que se opera a transferência do recurso.

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169
Estudos de Direito do Saneamento

de janeiro de 2015 a celebração de convênios tendo como objeto serviço


público de saneamento passou a ter como requisito a criação prévia do
órgão de controle social.

Ocorre que a implementação desse requisito tem representado um


obstáculo para a obtenção do recurso federal em grande parte dos mu-
nicípios de até 50 mil habitantes, pois em decorrência da parca estrutu-
ra administrativa e técnica, estes não têm conseguido criar o órgão de
controle social e, com isso, a despeito da necessidade da população, não
tem logrado êxito em garantir a destinação do recurso. Nos parece uma
exigência dissociada da realidade brasileira e dos objetivos da política
do saneamento, na medida em que dentre as várias possibilidades de
exercício do controle social o decreto limitou o acesso a recursos federais
ao atendimento de apenas uma das formas, tendo sido identificado, na
pratica, como não utilizada por grande parte dos municípios pequenos.

Atribui-se tal situação ao perfil dos pequenos municípios, especialmen-


te aqueles de até dez mil habitantes. A exigência ora analisada é aplicada a
todos os municípios, indistintamente, independentemente das suas carac-
terísticas, tanto vale para um de cem mil como de mil habitantes, tornando
flagrante a infringência dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

O controle social como mecanismo e procedimento que visa garantir


à sociedade informações, representações técnicas e participações nos
processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação
relacionados aos serviços públicos de saneamento básico deve servir
para viabilizar o saneamento, não para obstar o acesso a de alocação de
recursos federais com fins de proporcionar seu incremento.

Verifica-se neste caso que o requisito, da forma como previsto, está


em rota de colisão com a realização do direito à saúde e a exigência da
participação popular. Antes da implementação da exigência limitadora po-

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170
der-se-ia adotar uma política de capacitação e compreensão por parte dos
entes federados, especialmente os menores, e da própria comunidade,
para que o objetivo pudesse ser alcançado efetivamente. Até porque não
se pretende estimular a criação do órgão pela criação, sem que este tenha
condições de realmente contribuir com o planejamento do saneamento
local. O que tem ocorrido, na prática, é a não compreensão por parte dos
atores, especialmente os municípios de até cinquenta mil habitantes, aten-
didos pela Funasa, acerca da relevância/necessidade de tal comando legal.

Em decorrência dessa situação, no âmbito da Funasa, restou identi-


ficado que em relação às celebrações ocorridas nos exercícios de 2016
e 2017, cerca de 25 % (vinte e cinco por cento) dos municípios não con-
seguiram cumprir a exigência, qual seja, a demonstração da criação do
órgão de controle social, ensejando a extinção do instrumento e conse-
quentemente a perda do recurso.20

Legislação relativa às transferências voluntárias.

O Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007 dispõe sobre as normas rela-


tivas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos
de repasse e é regulamentado pela Portaria Interministerial nº 424, de 30 de
dezembro de 2016. São regramentos adotados pela maioria das autarqui-
as federais. Essas normas tem a pretensão de padronizar o procedimento,
com enfoque na integridade dos gestores relativamente ao tratamento dado

20 No âmbito da Funasa, como forma de minimizar o impacto decorrente da ex-


tinção de convênios por esse motivo, vem sendo adotado o entendimento no sentido de
permitir a celebração do ajuste, ainda que não comprovada a existência do órgão colegiado
naquele momento inicial, permitindo-se o atendimento posterior, com a postergação do
momento da comprovação, embora o órgão colegiado já deva ter sido instituído anterior-
mente à celebração. (Orientação Jurídico Normativa nº 01/2017/PGF/PFE/FUNASA/csbc)

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171
Estudos de Direito do Saneamento

ao recurso público, não necessariamente priorizando as especificidades das


áreas de atuação das autarquias, no que tange às políticas públicas.

Por certo que tal enfoque se reveste de grande importância, todavia,


nem sempre garantem a efetividade esperada, muito menos a entrega
do bem apto a viabilizar o incremento pretendido para a política públi-
ca. A presente assertiva resta corroborada pelo grande quantitativo de
tomadas de contas especial que o Tribunal de Contas da União julga anu-
almente, em decorrência das mais variadas situações relativas à inexecu-
ção/execução parcial das transferências de recursos.

Flexibilização do Chamamento Público21

A Portaria nº 424/2016 estabelece que para a celebração dos instru-


mentos, o órgão ou entidade da Administração Federal, com vista a seleci-
onar projetos, órgãos e entidades públicas que tornem mais eficaz a exe-
cução do objeto, poderá realizar chamamento público. Implica dizer que o
chamamento é facultativo. Esse aspecto, na prática, é muito relevante, e
porque não dizer impactante, haja vista que o fato de não haver obrigação

21 O chamamento público, nos termos do art. 8º da Portaria nº 424/2016 poderá


ser realizado para a celebração de convênios e instrumentos congêneres por órgão ou en-
tidade da Administração Pública Federal, com vistas a selecionar projetos e órgãos, entida-
des públicas ou entidades privadas sem fins lucrativos que tornem mais eficaz a execução
do objeto. O chamamento deverá conter, no mínimo:
- a descrição dos programas a serem executados de forma descentralizada; e
- os critérios objetivos para a seleção do convenente, com base nas diretrizes e nos
objetivos dos respectivos programas.
O Chamamento Deverá ter sua publicidade garantida pelo prazo mínimo de 15 (quinze)
dias, especialmente por intermédio da divulgação na primeira página do sítio oficial do
órgão ou entidade concedente, bem como no Portal dos Convênios.
O chamamento somente é obrigatório para a celebração de convênio ou contrato de
repasse com entidades privadas sem fins lucrativos, salvo para transferências do Ministério
da Saúde destinadas a serviços de saúde integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS.

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172
para o gestor federal de realizar o chamamento para fins de entrega do
recurso público, pode pôr em risco critérios transparentemente objetivos,
além de possibilitar a ocorrência de sobreposição de atuação federal na
mesma área, como acontece não raras vezes, pois o chamamento garante
publicidade da escolha e é precedido de estudo técnico situacional.

A União, em busca da universalização do saneamento deveria se obri-


gar a promover a devida seleção do município para fins de alocação de
recurso federal, com base em levantamento de necessidades e planeja-
mento técnico, no intuito de racionalizar os gastos em prol do interesse
público, com eficiência. Até porque, não bastasse tal previsão, as emen-
das parlamentares também se prestam a alocar recursos federais nos
municípios para ações de saneamento, no entanto, estas para fins de
definição do beneficiário, não estão vinculadas a critério técnico.

Difícil conceber em um cenário de déficit de saneamento, especial-


mente nas regiões atendidas pela Funasa, que a destinação do recurso
não seja precedida de um rigoroso planejamento vinculando a atuação
do gestor federal. Certamente a flexibilização apontada contribui para o
cenário atual, merecendo revisão adequada.

Comprovação do Exercício Pleno dos Poderes Inerentes à Proprieda-


de do Imóvel

Outro assunto cuja generalidade impacta na aplicação específica é a


questão relativa à comprovação do exercício pleno dos poderes inerentes à
propriedade do imóvel. A questão relacionada a este tema está tratada no
artigo. 23, inciso IV, da Portaria Interministerial nº 424/2016, que prevê o
seguinte: no convênio cujo objeto seja a execução de obras ou benfeitorias
no imóvel, o convenente, no momento da celebração, deve comprovar o

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173
Estudos de Direito do Saneamento

exercício pleno dos poderes inerentes à propriedade do imóvel, mediante


certidão emitida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente.

Quando o imóvel no qual foi realizada a obra se tratar de área pública,


mas ainda não regularizada em nome do convenente, fato que obsta a apre-
sentação da certidão cartorária em seu nome, admite-se, nos termos do §1º,
do artigo 23 da norma em comento, para início do objeto, a juntada de de-
claração do Chefe do Executivo, informando que é detentor da posse da área
objeto da intervenção e que se compromete com a comprovação da regu-
larização formal do domínio até o final da execução do objeto do convênio.

A Funasa aloca recursos para três programas para os quais essa exi-
gência se torna impossível, em face das peculiaridades. Os programas
são: Melhorias Sanitárias Domiciliares (MSD) que são intervenções in-
dividuais promovidas nos domicílios, com o objetivo de atender às ne-
cessidades básicas de saneamento das famílias por meio de instalações
hidrossanitárias mínimas relacionadas ao uso da água, à higiene e ao des-
tino adequado dos esgotos domiciliares, não podendo ser caracterizadas
como obras habitacionais ou de urbanização; A ação de captação e ar-
mazenamento de água de chuva por meio de Cisternas são intervenções
promovidas nos domicílios, com o objetivo de atender às necessidades
de abastecimento de água para consumo humano e o Programa de Me-
lhorias Habitacionais para o Controle da Doença de Chagas (MHCDCh)
visa, por meio da restauração ou da reconstrução, melhorar as condições
físicas, bem como o ambiente externo dos domicílios que apresentam
condições favoráveis para a colonização do inseto hematófago Triatomí-
neo, vetor da doença de Chagas.

Os Programas de MSD, Cisternas e MHCDCh são destinados a pessoas


que se encontram em áreas ocupadas por moradias inadequadas, que pos-

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174
suem baixa renda, vivem em situação de vulnerabilidade, sem as condições
mínimas de saneamento, o que, além de agravar os problemas de saúde
pública, pode contribuir para o aumento de impactos socioambientais.

Ocorre que os instrumentos não são celebrados com as pessoas fí-


sicas e sim com os municípios, pessoas jurídicas de direito público, que
para realizar esses programas atuam em propriedades particulares pri-
vadas, sendo justamente essa a intenção por se tratar de parte da po-
pulação carente, que precisa de atuação direta do estado, sob pena de
agravar situações de risco à saúde. Difere de outros objetos, a exemplo
de uma estação de tratamento de esgoto, que precisa ser edificada em
área pública, vez que beneficiará diretamente toda a coletividade. Como
consequência lógica, não há como o convenente, no momento da cele-
bração e nem posteriormente, comprovar o exercício pleno dos poderes
inerentes à propriedade do imóvel, mediante certidão emitida pelo Car-
tório de Registro de Imóveis competente, eis que particular.

Assim, considerando que o objetivo dessas ações e programas estão


relacionados ao saneamento ambiental e que a não aplicação pode afe-
tar a saúde pública de forma coletiva, a Funasa editou a Portaria nº 722,
de 20 de setembro de 2016, dispensando os proponentes/convenentes
da comprovação do exercício pleno dos poderes à propriedade do imóvel
prevista na então portaria interministerial 507/11, revogada pela hoje
vigente portaria interministerial 424/2016.

A Autarquia se viu compelida a adotar essa medida como forma de


garantir o acesso ao saneamento por parte da população de baixa renda,
a despeito de haver questionamentos acerca da competência da Funasa
para a edição do ato, que poderia ser interpretado como divergente de
norma hierarquicamente superior. Optou-se por tentar fazer prevalecer

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175
Estudos de Direito do Saneamento

a ponderação, diante do cenário posto, em especial para viabilizar um


direito, como dantes afirmado, reconhecido como afeto à dignidade hu-
mana. Todavia, justamente por se tratar de um direito diferenciado é
que não deveria estar sujeito a decisões decorrentes de interpretações
específicas para viabilizar implementação de programas tão relevantes.

Flexibilização na Apresentação do Projeto Básico

A Portaria nº 424/2016 trata a apresentação do projeto básico com


flexibilidade, na medida em que embora disponha que deverá ser apre-
sentado antes da celebração, faculta à concedente exigi-lo depois, desde
que antes da liberação da primeira parcela dos recursos. Em função da
precariedade administrativa e técnica dos municípios de até cinquenta
mil habitantes tem a União adotado tal procedimento como regra.

O projeto básico é o conjunto de elementos necessários e suficientes,


com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou com-
plexo de obras ou serviços, elaborados com base nas indicações dos estudos
técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado
tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a
avaliação do custo da obra ou serviço de engenharia e a definição dos méto-
dos e do prazo de execução22.É sem dúvida o documento mais importante,
haja vista revelar o objeto do convênio, que obrigatoriamente deverá estar
alinhado ao planejamento federal previsto para a política do saneamento.

Esse modelo adotado tem-se demonstrado ineficiente por várias ra-


zões, dentre elas o fato do município muitas vezes não conseguir apre-
sentar o projeto, de apresentar um projeto não apto à aprovação e, ain-

22 Portaria nº 424, artigo. 1º, XXVII.

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176
da, não convergente com o planejamento estabelecido para a região. O
problema que decorre dessa situação é que o valor empenhado fica vin-
culado àquele instrumento específico. Assim, nas situações expostas que
geram a extinção da avença, o recurso não pode ser reaproveitado, em
flagrante prejuízo à implementação da Politica Federal do Saneamento.

A existência de norma infralegal específica para regulamentar as


transferências de recursos para fins de saneamento estabeleceria um ce-
nário legal mais seguro, confiável e efetivo, atendendo tanto a questão
da integridade quanto do alcance dos objetivos do saneamento.

6. CONCLUSÃO

O saneamento básico é considerado como um direito humano pelo


Brasil, em consonância com o previsto na Resolução 64/292 da Assem-
bleia Geral da Organização das Nações Unidas, datada de 28 de julho de
2010, e, como tal, é tratado na Constituição Federal. Não foi erigido até
o presente momento à condição de direito fundamental, de modo a ser
positivado na Carta Magna, no entanto tem um regramento próprio em
âmbito infraconstitucional.

O marco regulatório do saneamento, materializado pela Lei nº


11.445/2007, estabelece os objetivos da Política Federal de Saneamen-
to Básico; define critérios básicos para a alocação de recursos públicos
federais; as bases do Plano Nacional de Saneamento Básico e dos planos
regionais de Saneamento Básico, em regiões integradas de desenvolvi-
mento econômico e naquelas em que haja a participação de órgão fe-
deral na prestação de serviço, além de instituir e traçar os objetivos do
Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico.

Voltar ao índice
177
Estudos de Direito do Saneamento

A partir do referido marco legal o setor alcançou vários avanços, mes-


mo num cenário complexo em decorrência do federalismo que caracte-
riza o modelo político brasileiro, sobretudo sua feição assumida após a
Constituição Federal de 1988 e, consequentemente, o papel reservado a
cada ente federativo. (HELLER,2009)

No tocante a atuação da União, relativamente à implementação da


Política Federal do Saneamento, por intermédio de seus órgãos, deli-
mitamos nossa análise no impacto da aplicação da legislação infralegal
que norteia a alocação de recursos federais para os municípios de até
cinquenta mil habitantes. Nesse sentido expusemos algumas exigências
previstas no decreto que regulamenta a LNSB, bem como no decreto e
portaria que regulamentam as transferências de recursos.

Sabe-se que os recursos financeiros federais tem sido a principal fonte


para a expansão dos serviços sendo detentor, o governo federal, de parce-
la significativa do poder de decisão sobre sua alocação. Todavia, ao ana-
lisarmos os índices de prestação dos serviços do saneamento, resta-nos
questionar o modelo adotado pela União para efetivar as transferências.
Questiona-se acerca da necessidade de adequação da legislação infralegal,
revestindo-a de especificidade, com vistas a contemplar de forma efetiva
as demandas do saneamento nos municípios atendidos pela Funasa.

O número de municípios com população inferior a cinquenta mil ha-


bitantes alcança o percentual de 90% (noventa por cento) dos municípios
brasileiros, ou seja, é um número representativo por demais em um total
de 5.570 municípios. Ademais, em um cenário de escassez de recursos,
não se pode conceber que os parcos existentes sejam alocados de forma
ineficaz e sem planejamento, ainda mais se levarmos em conta o impacto
que isso representa para toda a sociedade, afinal, saneamento básico é

Voltar ao índice
178
um direito humano reconhecido, definido pela legislação pátria como ser-
viço essencial para a efetivação de direitos fundamentais, notadamente, os
direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A despeito do regramento específico relativo ao saneamento, para


fins de alocação do recurso, no tocante ao procedimento, a União adota
norma genérica aplicável a toda e qualquer transferência, de qualquer
órgão e referente a qualquer objeto, o que pode ensejar, como de fato
ocorre, várias situações de entrave para a sua concretização. Não pode o
Poder Executivo Federal, de posse de estatísticas ainda preocupantes, se
manter inerte na parte que lhe cabe, até porque, conforme intentamos
demonstrar, parte dos entraves burocráticos estão previstos em portaria
e decreto, atos normativos de competência do poder executivo.

O cenário é determinado por inúmeras variantes, dentre elas desta-


co a fragilidade administrativa e financeira desse perfil de municípios e
a diversidade de órgãos federais intervenientes nas questões de sanea-
mento. Todavia, a desburocratização dos procedimentos, com a edição
de normas claras e objetivas, pautadas na razoabilidade e levando em
conta as especificidades da situação pode representar um incremento na
política federal do saneamento.

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179
Estudos de Direito do Saneamento

O acesso à água potável


como direito fundamental
e a necessidade de
conscientização ambiental
ANDREA PAULA ANDREASSA1

A1

Resumo

A Constituição Federal de 1988 assegura como direitos fundamentais


o direito à vida, à dignidade e à saúde. Em sendo o acesso à água potável
um direito instrumental à saúde e à própria dignidade da pessoa huma-
na, considera-se dever do Estado assegurar seu acesso a todos.

Propõe-se neste artigo uma análise da água potável como direito hu-
mano fundamental, instrumental à saúde, tendo como base a dignidade
da pessoa humana. Pretende-se ainda demonstrar a importância da edu-
cação e conscientização ambiental como formas de ação preventiva, in-
cumbência tanto do Poder Público (através de políticas públicas) quanto
do cidadão e da sociedade (consciência cívica).

1 Procuradora Federal em exercício da Unidade de Execução da Procuradoria Fe-


deral Especializada da FUNASA em Curitiba/Pr, Especialista em Direito Administrativo pelo
Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar

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180
Palavras-chave: Acesso à água. Direito Fundamental. Conscientiza-
ção ambiental.

Abstract

The 1988 Federal Constitution guarantees the right to life, dignity and
health as fundamental rights. Since access to drinking water is an essenti-
al right to human health and dignity, it is considered the duty of the State
to ensure its access to all people.

This article proposes an analysis of water as a fundamental human


right, instrumental to health, based on the dignity of the human person. It
is also intended to demonstrate the importance of education and environ-
mental awareness as a form of preventive action, incumbent on both the
public power (public politics) and the citizen and society (civic awareness).

Keywords: Acess to water. Fundamental right. Environmental awareness.

Sumário
1. Introdução; 2. Breves considerações sobre a proteção jurídica
do direito à água potável no Brasil; 3. Direito à água potável como
direito fundamental; 4. Inclusão formal do acesso à água potável
entre os direitos e garantias constitucionais – Proposta de Emenda
Constitucional - PEC 04/2018; 5. Da necessidade de tutela e cons-
cientização ambiental; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas.

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181
Estudos de Direito do Saneamento

1. INTRODUÇÃO

O interesse dos juristas sobre o tema Direito das Águas tem sido crescente.
A luta pelo acesso à água potável como garantia de direito fundamental, lide-
rada pela Organização das Nações Unidas, tem se mostrado presente na dou-
trina e jurisprudência brasileira, através de textos, artigos e decisões judiciais
reconhecendo o acesso à água potável como direito fundamental do cidadão.

A Constituição Federal de 1988 assegura como direitos fundamentais


o direito à vida, à dignidade e saúde. Em sendo o acesso à água potável
um direito instrumental à saúde e à própria dignidade da pessoa huma-
na, considera-se dever do Estado assegurar seu acesso a todos.

Sabe-se que boa parte da água que recobre a superfície da Terra não con-
siste em água potável. Costa2 ao tratar do tema expõe que a água recobre 71%
da superfície do Planeta, sendo que 97% consiste em água salgada (mares e
oceanos). Afirma que apenas cerca de 2,61% da água da Terra é considerada
água doce, dos quais ¾ são águas congeladas dos polos. Vale dizer que a água
dos rios, lagos e lençóis freáticos representam apenas uma porção ínfima de
nossas reservas, qual seja, menos de 1% da água total existente.

O aumento progressivo da população mundial, somado à exploração


excessiva da água em face do desenvolvimento e da industrialização e da
multiplicação da poluição, tanto a de origem agrícola quanto a industrial
e a doméstica, tornaram a água um recurso raro e cobiçado3. Faz-se ne-
cessário pensar no futuro da água, em quantidade e em qualidade, como
forma de se manter a sustentabilidade da vida.

2 COSTA, Marisa Nittolo. Água e agricultura. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003. p. 681.
3 BRASIL, Deilton Ribeiro. RESENDE, Bruna Francisca Fernandes. ZIM, Letícia Fer-
nanda. O agravamento da poluição química das águas subterrâneas. Revista Direito Am-
biental e sociedade, v. 6, n. 1. 2016. p. 101-128.

Voltar ao índice
182
Propõe-se neste artigo uma análise da água potável como direito hu-
mano fundamental, instrumental à saúde, tendo como base a dignida-
de da pessoa humana, no sentido de que, devido à sua essencialidade
e posicionamento constitucional, possui status de direito fundamental,
exigível como cláusula pétrea.

Pretende-se ainda demonstrar a importância da educação e consci-


entização ambiental como forma de ação preventiva, incumbência tanto
do Poder Público quanto do cidadão e da sociedade.

A visão da água como um bem econômico, social e ambiental finito,


essencial para a conservação da vida, torna urgente a atenção por parte
do poder público, dos usuários e da sociedade civil para a sua adequada
gestão, visando um consumo mais sustentável e racional4.

Considera-se fundamental a visão de que os recursos naturais (den-


tre eles a água) só estarão disponíveis para a atual e as futuras gerações
se utilizados de modo racional, compatível com a preservação. Há que se
buscar consciência cívica e de políticas públicas.

2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROTEÇÃO JURÍDICA DO DI-


REITO À ÁGUA POTÁVEL NO BRASIL

O caput do artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988 afirma


que o direito à vida é uma garantia inviolável. E sendo a água potável in-
dispensável para a manutenção da vida, o sistema de gestão de recursos
hídricos acaba por se tornar uma das prioridades.

4 CAPELLARI, Adalberto. CAPELLARI, Marta Botti. A água como bem jurídico,


econômico e social. A necessidade de proteção das nascentes.  Cidades [Online], 36 | 2018,
posto online no dia 20 setembro 2018, consultado em 29 setembro 2019. URL  : http://
journals.openedition.org/cidades/657.

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183
Estudos de Direito do Saneamento

A Constituição Federal de 1988 também inovou trazendo como prin-


cípio a dignidade da pessoa humana e introduzindo a sadia qualidade de
vida. Esses direitos alicerçados constitucionalmente consistem em pedra
basilar para a construção do Estado Democrático de Direito.

A invocação da dignidade humana em um grau de abstração assume


pouco ou nenhum significado. O princípio da dignidade humana, previsto
no artigo 1º da Carta Magna, tem por escopo assegurar a todo ser hu-
mano condições mínimas indispensáveis para uma existência vital digna.
A dignidade é inerente à própria qualidade de pessoa humana, sendo
esta razão suficiente para que se tenha respeitado um núcleo mínimo de
direitos essenciais à existência.

A Carta Magna também dispõe em seu artigo 225 que todos têm di-
reito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pú-
blico e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para a geração
presente e para as futuras.

Como expressão do princípio da indivisibilidade dos direitos humanos


fundamentais, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
estende e reforça o significado dos direitos à vida (artigo 5º, caput) e
saúde (artigos 6º e 196), além da dignidade da pessoa humana (artigo 1º,
III), para garantir uma vida saudável e digna.

No que se refere aos recursos hídricos, a Lei 9.433/97 instituiu a Polí-


tica Nacional de Recursos Hídricos, sendo considerada por muitos como
um marco. Retrospectivamente, pode-se dizer que somente em 1934, com
o Decreto 24.643/1934, denominado Código de Águas, é que se passou
a contar com uma legislação específica para os recursos hídricos. Até a
década de 70, a preocupação com os recursos hídricos praticamente não

Voltar ao índice
184
existia, sendo que apenas nos anos 80, com a instituição da Política Nacio-
nal de Meio Ambiente e a criação do Conselho Nacional de Meio Ambiente
- CONAMA, o Brasil passou a contar com um arcabouço legal e com o orde-
namento institucional necessário ao tratamento das questões ambientais.

A Lei 9.433/97 veio para regulamentar o artigo 21, inciso XIX, da Consti-
tuição Federal do Brasil, objetivando assegurar, à atual e às futuras gerações,
a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados
aos respectivos usos; a utilização racional e integrada dos recursos hídricos,
incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentá-
vel; e a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem
natural ou decorrente do uso inadequado dos recursos naturais5.

Não se pode deixar de mencionar a Lei 11.445/2007, que ao estabe-


lecer diretrizes nacionais para o saneamento básico, instituiu princípios
fundamentais de saneamento a universalização do aceso; a integralidade
compreendida como o conjunto de atividades e componentes de cada
um dos serviços de saneamento, o abastecimento de água potável, esgo-
tamento sanitário e manejo de resíduos sólidos, além da disponibilidade
de serviços de drenagem e manejo das águas pluviais6.

A partir do momento que, por determinação legal, o abastecimento


de água potável passou a fazer parte do conceito de saneamento básico
e este deve ser prestado com base nos fundamentos dos princípios da
universalidade e da integralidade7, pode-se dizer que todos devem ter
acesso aos serviços contidos no conceito legal de saneamento básico. Ou

5 Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, Artigo 2º.


6 Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, Artigo 3º.
7 Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, Artigo 2º.

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185
Estudos de Direito do Saneamento

seja, o acesso à água potável traz para o conceito de saneamento básico


o direito humano de acesso à água, instrumental ao direito à vida, que
integra o conteúdo mínimo do direito à dignidade da pessoa humana.

3. DIREITO À ÁGUA POTÁVEL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

É fato que a Constituição Federal de 1988, apesar de reconhecida-


mente garantística, não contemplou o acesso à água potável como di-
reito fundamental, apesar de documentos internacionais colocarem em
destaque tal aspecto.

Uma vez que o direito de acesso à água potável não se encontra ex-
pressamente disposto no texto constitucional brasileiro, faz-se necessá-
rio tecer considerações a respeito dos fundamentos que levam a definir
o acesso à água potável como direito fundamental.

Relembrando ensinamento de Bobbio8: “(...) o Direito não é norma,


mas um conjunto coordenado de normas, sendo evidente que uma nor-
ma jurídica não se encontra jamais só, mas está ligada a outras normas
com as quais forma um sistema normativo”.

Um direito humano fundamental compreende aquele que é nato de


toda e qualquer pessoa. Devido a sua hierarquia constitucional possui
aplicação imediata e constitui cláusula pétrea.

Os direitos fundamentais possuem um conteúdo ético, verificável em


seu aspecto material, bem como um conteúdo normativo, formal, no viés

8 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora UNB,


1997. P. 21.

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186
jurídico. Esta categoria de valores é seleta, pois apenas se enquadram nes-
te rol os valores que a sociedade reconheceu através das normas jurídicas,
aquele direito que tiver seu valor agregado na Constituição do País9.

Estes valores possuem relação direta com a ideia de dignidade hu-


mana, positivada na Carta Magna. Diante da magnitude assumida pelo
superprincípio da dignidade da pessoa humana, no cenário jurídico na-
cional, considera-se que o direito à água potável configura elemento mí-
nimo de existência do ser humano, sendo inimaginável conceber uma
realidade sem que haja a presença e concretização deste direito10.

O conteúdo do princípio da dignidade humana une a vida humana ao


meio ambiente no instante em que para a existência de uma vida digna
torna-se necessário um ambiente equilibrado. A vida e a saúde humanas
só serão possíveis em um ambiente no qual haja qualidade no solo onde
se plantam os alimentos, no ar que se respira, e na água que se bebe11.

O estabelecimento de um direito humano fundamental não compre-


ende sua simples positivação do ordenamento jurídico, mas sim, confor-
me expôs Baez12, “o conjunto de valores éticos, preexistentes, que estão
relacionados à dignidade da pessoa humana em suas diversas dimensões”.

9 FRANCESCHINA, Aline Oliveira Mendes de Medeiros. MOZETIC, Vinícius Alma-


da. O direito à água e sua afirmação jurisprudencial partindo do sentido de um direito
humano fundamental. Acessível em //revista.univem.edu.br.
10 RANGEL, Tauã Lima Verdan. O acesso à água potável alçado ao status de direito
humano fundamental: breve explicitação ao tema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 19, n. 3854, 19 jan. 2014.
11 FENSTERSEIFER. Direitos fundamentais e proteção ao meio ambiente: a dimen-
são ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do estado socioam-
biental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
12 BAEZ, Narciso Leandro Xavier. Direitos do homem, direitos humanos e a mor-
fologia dos direitos fundamentais. In: Dimensões materiais e eficaciais dos direitos funda-
mentais. Coord: Narciso Leandro Xavier Baez; Rogério Gesta Leal; Orides Mezzaroba. – São
Paulo: Conceito Editorial, 2010.

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187
Estudos de Direito do Saneamento

Direitos fundamentais não compreendem somente aqueles expres-


sos, haja vista que a ação do ordenamento não é o de criar direitos, mas
sim declará-los e protegê-los. Não é possível efetuar uma interpretação
restritiva, haja vista que existem direitos fundamentais não enumerados
de forma taxativa no texto constitucional.

O direito à água potável, portanto, visto como direito fundamental,


consiste em meio de preservar a vida e a dignidade da pessoa huma-
na. Este direito é de aplicação imediata (artigo 5º, §1°, da Constituição
Federal), conferindo-lhe posição privilegiada no ordenamento jurídico,
haja vista que é a Carta Magna que orienta o restante do ordenamento,
servindo como guia para a efetividade das demais normas.

Para Irigaray13, visto como direito fundamental, o direito à água é


inalienável e irrenunciável, e o exercício da cidadania ensejará, ao longo
do tempo, uma ampliação desse direito, incompatibilizando seu exercí-
cio com a gestão meramente econômica da água. Afirma ainda que não
é possível a concretização da democracia dissociada da implementação
dos direitos fundamentais14.

Leite e Belchior15 afirmam que o Estado Democrático de Direito da


atualidade é um Estado de abertura constitucional radicado no princípio
da dignidade do ser humano, tendo-o como eixo central. Trata-se, pois,
do constitucionalismo das comunidades humanas, mais orgânico e volta-
do principalmente à sociedade do que ao Estado.

13 IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney. Água: um direito fundamental ou uma


mercadoria? In: BENJAMIN, Antônio Herman (Org.). Congresso Internacional de direito
Ambiental: direito, água e vida. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003,V.1.
14 Ibiden.
15 LEITE, José Rubens Morato; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Direito Constitu-
cional Ambiental brasileiro. São Paulo: Instituto o Direito por um Planeta Verde, 2014. p. 12.

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188
O direito à água potável como direito fundamental é decorrente do direi-
to à vida reconhecido constitucionalmente, bem como do respeito à dignida-
de da pessoa humana. Não existe vida sem água. O acesso à água, em qua-
lidade e quantidade suficientes ao atendimento das necessidades humanas
insere-se entre os requisitos indispensáveis à existência de uma vida digna.

Fiorillo16 ao abordar o tratamento dado à água pela Constituição Bra-


sileira de 1988 e suas consequências para o ordenamento jurídico-cons-
titucional do país destacou aspectos constitucionais para a construção de
uma política de gestão de recursos hídricos no país e fez uma interpre-
tação sistêmica da questão da água no texto constitucional, não apenas
sob o ponto de vista da proteção do meio ambiente, consagrado no arti-
go 225 da Constituição Federal de 1988, como também sob a perspecti-
va de demais direitos e garantias. Nas palavras de Fiorillo: “Em primeiro
lugar, não se pode falar em água sem se falar em dignidade da pessoa hu-
mana. Se o texto constitucional, em seu artigo 1º, diz que é a dignidade
da pessoa humana é um fundamento do ordenamento jurídico brasileiro,
a água deve ser entendida como um bem jurídico a qual todos devem ter
acesso. Afinal, não há vida sem água. Esse é um entendimento mais do
que pacífico”, destacou.

É recente o movimento da sociedade em prol do reconhecimento do


direito humano ao acesso à água potável. Observa-se uma transforma-
ção no tratamento jurídico da água, antes vista como objeto mercantil.
Passou-se por uma mudança expressiva a fim de proteger e promover o
direito à água potável como direito fundamental para que a presente e as
futuras gerações possam ter assegurado o seu acesso.

16 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6. ed.


São Paulo: Saraiva, 2005.

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189
Estudos de Direito do Saneamento

Vale lembrar que o direito fundamental à água potável, enquanto di-


reito humano fundamental necessário à existência humana e a outras
formas de vida, necessita de tratamento prioritário das instituições so-
ciais e estatais. Ao compreender o tema como direito fundamental, o
acesso à água potável reclama o estabelecimento de mudanças compor-
tamentais, tanto no que se refere ao papel desempenhado pelo Estado,
quanto na atuação da sociedade.

O Estado legislador fica comprometido a elaborar leis que priorizem


a proteção e a promoção do direito fundamental, exigindo-se que sua
atuação esteja vinculada à juridicidade desse direito, dispensando tutela
jurídica ao tema. Por sua vez, o Estado administrador deve estabelecer
políticas públicas, levando em consideração que se está diante de um
direito fundamental. Já o Estado prestador de serviços jurisdicionais, ao
apreciar os conflitos sociais levados à sua apreciação, deve decidir de
modo a concretizar este direito fundamental17.

4. INCLUSÃO FORMAL DO ACESSO À ÁGUA POTÁVEL ENTRE OS


DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - PROPOSTA DE EMENDA
CONSTITUCIONAL - PEC 04/2018

O acesso à água potável poderá em breve ser inserido no rol de di-


reitos e garantias fundamentais da Constituição Federal. Tal conquista
será possível com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição -
PEC 04/2018, que antecedeu o 8º Fórum Mundial da Água realizado em
2018, em Brasília/DF.

17 RANGEL, Tauã Lima Verdan. O acesso à água potável alçado ao status de direito
humano fundamental: breve explicitação ao tema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 19, n. 3854, 19 jan. 2014.

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190
A referida proposta visa garantir a todos o acesso à água potável em
quantidade adequada para possibilitar meio de vida, bem-estar e desen-
volvimento socioeconômico.

Segue o texto da PEC:

“Art. 1º O art. 5° da Constituição Federal passa a vigorar acrescido


do seguinte inciso LXXIX:

“Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual-
quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

LXXIX - é garantido a todos o acesso à água potável em quantida-


de adequada para possibilitar meios de vida, bem-estar e desen-
volvimento socioeconômico.

Art. 2° Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua


publicação.”

Dentre as justificativas apresentadas para a proposta, consta a refe-


rência da água como bem essencial à vida, cuja imprescindibilidade vai
além da importância biológica para o indivíduo, alcançando grande rele-
vância para o desenvolvimento socioeconômico e para o bem-estar hu-
mano. Menciona-se a Resolução no 64/292, de 28 de julho de 2010, da
Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que reco-
nheceu o direito ao acesso à água potável e ao saneamento como direito
humano essencial ao pleno desfrute da vida.

Afirma-se que, apesar de ser elemento indispensável à garantia do


direito à vida, o acesso à água potável não é ainda reconhecido intrin-
secamente como um direito fundamental, mas sim bem econômico, ex-

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191
Estudos de Direito do Saneamento

cluindo parcelas vulneráveis da sociedade da possibilidade de ter acesso


à água em quantidade e qualidade que permitam uma vida digna.

Considera-se o fato do controle do acesso à água potável definir re-


lações de poder, sendo que apesar dos avanços propiciados pela moder-
nização da legislação, as fragilidade quanto aos sistemas de represen-
tação social e construção de intervenções políticas focadas no uso das
águas ainda seguem, sendo possível constatar que a democracia formal
presente nas modalidades de estão dos recursos hídricos não resiste às
relações de poder.

Considera-se que a discussão ganha relevância com a realização do 8º


Fórum Mundial da Água, cujo tema “Compartilhando Água”, irá discutir
dentre outros assuntos o compartilhamento da água entre povos e nações.

Pontua-se que aproximadamente 40% da água consumida no planeta


provêm de lagos e rios compartilhados, que nascem em um país e seguem
seu curso para outros, o que propicia risco de conflitos, especialmente diante
das mudanças climáticas, que tornam iminente a possibilidade de escassez.

Por fim, considera-se que as nações precisam estabelecer marcos


globais de compartilhamento de recursos hídricos para evitar tais confli-
tos, garantindo, assim, que todos os seres humanos tenham o direito de
acesso à água e dentro dessa ideia tem-se por urgente positivar na nossa
Carta Magna o acesso à água potável como um direito fundamental, em
desdobramento da garantia à inviolabilidade do direito à vida, que não
pode existir sem provisão de água.

Essa proposta de alteração constitucional dotará os aplicadores do di-


reito de ferramentas para garantir que o interesse econômico-mercantil
não se sobreponha ao direito humano de se obter água potável.

Voltar ao índice
192
O reconhecimento do direito à água potável como direito funda-
mental virá reforçar sua importância, tornando sua observância norma
coercitiva, além de servir de instrumento de conscientização da socie-
dade, que passará a ter consciência da importância do bem jurídico a
ser protegido e preservado.

É perceptível que a edificação do direito ao acesso à água potável


como direito fundamental concretiza, na atualidade, os anseios de um
cenário caracterizado pela escassez deste recurso natural, conjugado
com a distribuição distinta no globo e a degradação ambiental. 

5. DA NECESSIDADE DE CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL

A conscientização ambiental consiste na criação de senso crítico em


relação aos prejuízos sofridos ao meio ambiente devido à sua exploração
irrestrita e inconsequente. Trata-se de um entendimento de mundo volta-
do às questões ambientais para lidar com problemas referentes à crise dos
recursos naturais e a capacidade de visualizar estratégias para a solução18.

Durante muito tempo não havia preocupação com a questão ambien-


tal. Os recursos naturais eram aparentemente abundantes e a poluição e
degradação do meio ambiente não eram focos da atenção da sociedade
industrial e intelectual.

A partir da consciência acerca da escassez dos recursos naturais,


somado ao crescimento desordenado da população mundial e inten-

18 SILVA, Deise Marcelino. O direito humano à água potável: proteção jurídica,


ambiental, conscientização e atitudes ambientais. Periódico eletrônico Fórum Ambiental
da Alta Paulista. Volume VI. Ano 2010. Instituição Organizadora: ANAP.

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193
Estudos de Direito do Saneamento

sidade dos impactos ambientais, surge o conflito da sustentabilidade


dos sistemas econômico e natural, fazendo do meio ambiente um tema
estratégico e urgente.

Após séculos de exploração ambiental, o mundo começou a se aten-


tar para o fato de que os recursos hídricos mundiais são finitos e perce-
ber que a falta de uma postura mais protetora poderia levar o planeta a
um verdadeiro colapso19.

Os fatores de maior relevância que levam à constatação da necessi-


dade emergente da tutela das águas são a verificação de sua finitude, o
aumento de seu consumo, a degradação, o desperdício, o mau uso do
solo, o desmatamento e a urbanização. O conhecimento de que os re-
cursos naturais, de forma geral, são finitos, é relativamente recente, daí
a necessidade permanente de lidar com essa temática.

O planeta apresenta, de fato, escassez de água potável. Segunda a


Organização das Nações Unidas, 97,61% da água é proveniente dos oce-
anos e apenas 3% do total corresponde aos rios e afins que originam a
água doce. Portanto, tão imprescindível a humanidade utilizar esse re-
curso de forma consciente.

Conforme Tundisi e Tundisi20, a intensa urbanização ocorrida em es-


cala mundial (e também no Brasil) introduziu outras escalas de demanda,
desperdício e contaminação das águas. As grandes concentrações urbanas
necessitam de volumes de água em quantidades enormes (milhares de

19 MAIA, Ivan Luis Barbalho. O acesso à água potável como direito humano funda-
mental no direito brasileiro. Revista do CEPEJ. Salvador, 2017. Vol 10. Acessível em https:/
portalseer.ufba.br/index.php/CEPEJ/article/view/27165.
20 TUNDISI, José Galizia; TUNDISI, Takako Matsumura. A água. São Paulo: Publifo-
lha, 2009. p. 36-58.

Voltar ao índice
194
metros cúbicos por hora) e também produzem resíduos em grande escala,
que poluem e contaminam águas subterrâneas, rios, lagos e represas.

Por sua vez os recursos hídricos poluídos por descargas de resíduos hu-
manos e de animais transportam grande variedade de patógenos, entre eles
bactérias, vírus, protozoários ou organismos multicelulares, que podem causar
doenças gastrintestinais. Outros organismos podem infectar os seres humanos
por contato com a pele ou pela inalação a partir de aerossóis contaminados.

Todos esses organismos se desenvolvem na água em função de descar-


gas de águas não tratadas (esgotos domésticos), por contribuição de pesso-
as e animais infectados, animais em regiões de intensa atividade pecuária
(gado, aves, suínos) ou por animais silvestres. Quando há deposição inade-
quada de resíduos sólidos, pode haver contaminação por patógenos das
águas superficiais e subterrâneas. Inadequada disposição de resíduos em
“aterros sanitários” também pode ocasionar problemas de contaminação.
Resíduos sólidos urbanos (restos de alimentos, resíduos de animais domésti-
cos, fraldas descartáveis) contêm patógenos. A reurbanização e a drenagem
de rios urbanos podem produzir dispersão de patógenos e veiculá-los21.

O grande desafio da humanidade é promover o desenvolvimento sus-


tentável de forma rápida e eficiente. Há de fato um desafio no que se
refere a gestão das águas. A visão da água como um bem econômico, so-
cial e ambiental finito, vulnerável e essencial para a conservação da vida
e do meio natural, torna urgente a atenção por parte do poder público,
dos usuários e da sociedade civil para a sua adequada gestão, visando um
consumo mais sustentável e racional22.

21 Ibiden, p. 59.
22 CAPELLARI, Adalberto. CAPELLARI, Marta Botti. A água como bem jurídico,
econômico e social. A necessidade de proteção das nascentes.  Cidades , 36 | 2018, posto
online no dia 20 setembro 2018, consultado em 29 setembro 2019. URL : http://journals.
openedition.org/cidades/657.

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195
Estudos de Direito do Saneamento

Considera-se que a gestão da água deva ser desenvolvida a partir de


uma visão integrada, buscando avaliar as soluções tecnológicas, econômi-
cas e ecológicas, levando-se em conta, além da atuação local e setorial, uma
integração das políticas públicas governamentais nacionais e internacionais.

A conscientização ambiental só será possível com a percepção do real


valor do meio ambiente, em especial da água. Ao se voltar para os cui-
dados com a sustentabilidade hídrica, a Carta de Montreal sobre Água
Potável e Saneamento, publicada em 1990, afirma que a administração
dirigida apenas apra os trabalhos estritamente técnicos não é satisfatória
nem suficiente, sendo a educação a forma de estimular a participação
social nas matérias pertinentes à água23.

Foi nesse contexto que o Brasil publicou a Política Nacional de Educa-


ção Ambiental. Inicialmente, a Lei nº 6.983/81, que instituiu a Política Naci-
onal do Meio Ambiente, concebeu a educação ambiental como um instru-
mento estratégico para garantir postura de consciência ante os problemas
ecos-sociais, na perspectiva da construção de um saber ambiental. Nessa
mesma década a Constituição Federal de 1988, comprometida com o meio
ambiente, previu em seu artigo 255, parágrafo 1º, inciso VI, a promoção
da educação ambiental em todos os níveis de ensino, conclamando uma
conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Esse dis-
positivo constitucional veio exigir do poder público o desenvolvimento de
uma consciência focada na sustentabilidade socioambiental. Por sua vez,
a Lei de Educação Ambiental Brasileira, Lei 9.795/99, veio regulamentar
o artigo 255 da Carta Magna, dispondo sobre a educação ambiental que
consiste no primeiro passo a ser dado no sentido de adquirir consciência
dos problemas ambientais, especificamente o da água potável.

23 COMMETTI, F. D. et.al. O desenvolvimento do direito das águas como um ramo


autônomo da ciência jurídica brasileira. Revista de direito ambiental. 2008. p. 67.

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196
6. CONCLUSÃO

O acesso à água potável consiste em direito humano essencial, fun-


damental e universal, indispensável à vida com dignidade e reconhecido
pela ONU como “condição para o gozo pleno da vida e dos demais direi-
tos humanos” (Resolução 64/A/RES/64/292, de 28.07.2010).

Analisar o texto constitucional para verificação de um direito vai além


de analisar a sua redação. Trata-se de interpretar todo o seu corpo, seus
dizeres, visto que nem sempre um direito fundamental se encontra de
forma expressa.

O direito à água é um direito fundamental, concretizado como o di-


reito de acesso à água potável, devendo a água ser entendida como um
bem jurídico, econômico, social e instrumental ao direito à vida. Trata-se
de recurso natural limitado que requer gestão adequada.

O direito brasileiro oferece proteção à água potável. Tanto a Consti-


tuição Federal quanto as leis infraconstitucionais revelam a existência de
uma teia normativa a proteger a água potável. Todavia, torna-se neces-
sário avançar na educação e conscientização ambiental. A atitude ambi-
ental deve existir por parte do Estado, da sociedade, e de cada indivíduo.

Diante de tantos problemas que circundam a água, tais como a polui-


ção, escassez, ineficiência de gestão, má distribuição, desperdício e uso
irracional, o direito público não tem medido esforços para reconhecer a
água potável e seu acesso como um direito humano fundamental.

É indispensável que a sociedade incorpore a visão de que os recursos


naturais só estarão disponíveis para a atual e para as futuras gerações se
utilizados de modo racional, compatível com a preservação. Há que se
buscar consciência cívica e de políticas públicas.

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197
Estudos de Direito do Saneamento

A consideração da água como um bem econômico, social e ambiental


finito, vulnerável e essencial para a conservação da vida, torna ainda mais
premente a atenção por parte do poder público, dos usuários e da socie-
dade civil para o tratamento e gestão das águas, além da necessidade de
implementação de instrumentos capazes de promover um consumo mais
racional e sustentável, na tentativa de retardar sua escassez e degradação.

A iminente positivação na Carta Magna do acesso à água potável


como um direito fundamental, a ser implemendada via emenda consti-
tucional, dotará os aplicadores do direito das ferramentas necessárias à
garantia de acesso a este imprescindível recurso natural.

Em sendo este direito formalmente identificado como um direito hu-


mano fundamental, o seu acesso poderá ser assegurado sem resistência,
e com a devida dimensão que possui, a fim de que não haja margens para
dúvidas ou interpretações restritivas sobre o tema.

Os maiores desafios na implementação do direito humano de aces-


so à água potável (e ao próprio saneamento) são a cooperação econô-
mica, social, técnica, científica e tecnológica visando a ampliação de
mecanismos de gestão de recursos hídricos e o acesso à água de quali-
dade, em quantidade suficiente.

Faz-se necessário que gestão da água seja desenvolvida a partir de uma


visão integrada, buscando avaliar as soluções tecnológicas, econômicas e
ecológicas, a fim de compatibilizar a utilização da água com suas respec-
tivas demandas. Considera-se necessário que se promova uma integração
das políticas públicas governamentais nacionais e internacionais, através
do estabelecimento de ações planejadas e executadas em conjunto.

Voltar ao índice
198
Devido ao cunho de direito difuso, o tema extrapola os limites do Es-
tado Brasileiro, não ficando centrado apenas na extensão nacional, mas
sim compreende toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de
Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.856/RJ,
destacou: “A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende
o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gera-
ções futuras [...] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província
meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, pro-
jetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua
expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável res-
peito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade24”.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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202
Saneamento básico -
Um Direito Fundamental
Caminho para universalização
ANGELA MARIA ROCHA DE ALMEIDA LIMA2
a1

Resumo

Ao longo da sua história, observa-se que o Brasil ainda está muito


distante de se tornar um país que ofereça saneamento básico, indistinta-
mente, a todos os seus habitantes. O objetivo deste artigo é estabelecer
a relação indissociável entre o saneamento básico e a saúde, consideran-
do aquele como uma das condições primordiais para a existência desta,
constituindo-se em verdadeiro instrumento para obtenção da saúde,
aplicando-se, portanto, ao saneamento básico, os princípios constituci-
onais inerentes àquele direito fundamental. A análise das políticas pú-
blicas desse setor e todo normativo que regem a temática permitiu per-
ceber os muitos desafios que o país enfrenta e o amplo esforço político
envolvendo o poder público e a sociedade para consolidar a universaliza-
ção do saneamento básico e concluir que é preciso positiva-lo constituci-

1 Angela Maria Rocha de Almeida lima é advogada, graduada pela Universidade


Federal de Alagoas-UFAL, ex Advogada da Companhia de Saneamento de Alagoas-CASAL,
ex Consultora contratada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura - Unesco e atualmente é Assessora Técnica na Procuradoria Federal Especializada
junto à Fundação Nacional de Saúde-FUNASA.

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203
Estudos de Direito do Saneamento

onalmente, de modo que o faça erigir ao status de direito fundamental,


inserindo-o no caput do art. 6.º da Carta Magna.

Palavras-Chave: Saneamento; saúde; universalização; direito fundamental.

Abstract

Throughout its history, it is observed that Brazil is still very far from
becoming a country that offers basic sanitation, without distinction, to all
its inhabitants. The main goal of this paper is to establish the insepara-
ble relationship between basic sanitation and health, considering that as
one of the primordial conditions for its existence, constituting a true ins-
trument for obtaining health, applying, this way, to basic sanitation, the
constitutional principles inherent in that fundamental right. The analysis
of public policies in this sector and all normative governing the subject
allowed to realize the many challenges facing the country and the bro-
ader political effort involving the government and society to consolidate
the universalization of basic sanitation and conclude that it is necessary
to make positive constitutionally so as to make it erect to the status of
fundamental right, inserting it in the caput of art. 6 of the Magna Carta.

Keywords: Sanitation; cheers; universalization; fundamental right.

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo estabelecer a relação indisso-


ciável entre o saneamento básico e a saúde, considerando aquele como
uma das condições primordiais para a existência desta, constituindo-se
em verdadeiro instrumento para obtenção da saúde e, por essa razão,
deve-se aplicar ao saneamento básico os princípios constitucionais ine-
rentes àquele direito fundamental.

Voltar ao índice
204
É de conhecimento de todos - mesmo dos leigos, - que o saneamento
básico está intimamente vinculado à saúde e à melhoria da qualidade de
vida, de modo que a sua falta ou deficiência se constitui em fator nocivo
que coloca em risco a saúde, a vida e a dignidade de pessoa humana.

Já em 2010, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),


por meio da Resolução 64/A/RES/64/292, de 28.07.20102, reconhece o direito
de acesso à água potável e ao saneamento básico como um direito humano
essencial, fundamental e universal, portanto, indispensável à vida com digni-
dade e reconhecido como “condição para o gozo pleno da vida e dos demais
direitos humanos”, ou seja, o saneamento básico propicia uma vida saudável e
com qualidade e, com isso, promove a dignidade da pessoa humana.

A Resolução da ONU por não ser uma lei em sentido formal e material,
não tem o condão de obrigar as nações a se responsabilizarem pela imple-
mentação de políticas públicas de saneamento, no entanto, traduz-se como
efetiva recomendação aos Estados para que destinem recursos financeiros e
promovam o “fortalecimento de capacidades e a transferência de tecnologia
por meio de assistência e cooperação internacional, em particular aos países
em desenvolvimento, a fim de intensificar esforços para fornecer a toda a
população acesso econômico à água potável e saneamento”.

2 Resolução 64/292 adotada pela Assembléia Geral em 28 de julho de 2010 - O


direito humano à água e ao saneamento:
1. Reconhece que o direito à água potável e ao saneamento é um direito humano
essencial para o pleno gozo da vida e todos os direitos humanos;
2. Solicita aos Estados e organizações internacionais que forneçam recursos financei-
ros e promovam o fortalecimento de capacidades e a transferência de tecnologia
por meio de assistência e cooperação internacional, em particular aos países em
desenvolvimento, a fim de intensificar a esforços para fornecer a toda a população
acesso econômico a água potável e saneamento (tradução livre-Google tradutor).

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205
Estudos de Direito do Saneamento

O direito ao saneamento básico não está expressamente previsto na


Constituição da República Federativa do Brasil de 19883, como direito
fundamental; por essa razão, o presente estudo tem a proposta de elevá-
lo a esse status e revelar a sua importância, tanto para o desenvolvimen-
to socioeconômico quanto para o bem-estar do ser humano.
Ao longo deste trabalho será demonstrado, como essa questão está
intimamente ligada ao direito à saúde, o qual mesmo elevado ao status
constitucional, foi direcionado pelo legislador constituinte ao rol dos di-
reitos sociais; no entanto, melhor teria feito, se o direcionasse ao elenco
dos direitos fundamentais expressos nos caput do artigo 5º, dotando-o,
dessa forma, de maior expressão eficacial, muito embora esteja ele –
o direito à vida – compreendido no título II da Constituição Federal de
1988, que trata exatamente dos direitos fundamentais.
Propõe-se com o presente estudo, o aprofundamento da discussão do
saneamento básico como direito fundamental, considerado como tal, es-
sencial à saúde; por isso mesmo que a adoção de políticas públicas e o in-
vestimento no saneamento básico, merece um olhar mais atento do poder
público, pois, erigindo-o à categoria de direito fundamental, seguramente
sua eficácia e exigibilidade atingiria elevado grau de efetividade desse di-
reito.  Utilizou-se como material para o desenvolvimento e execução deste
trabalho, a análise bibliográfica de artigos acadêmicos e textos de doutri-
nadores, como também o estudo de leis que versam sobre o tema propos-
to. Em alguns momentos foram citados autores que consideram apenas a
“água” como direito fundamental, contudo compreendendo a água como
um dos elementos integrantes do saneamento básico, inclusive pacificado
em lei, é salutar trazer essas argumentações, seja pela clareza e qualidade
das ideias e assertivas textuais, seja pela excelência dos autores.

3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da


República. 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado. Acessado em 16/08/2019.

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206
Os materiais foram retirados de textos, tanto da internet, como de
textos impressos e os dados considerados essenciais ao estudo, foram ex-
traídos de sítios eletrônicos de órgãos oficiais e de entidades privadas, es-
tudiosos do assunto em pauta. Na sequência foram compilados por meio
de um estudo qualitativo e analítico interpretativo e tratará dos seguintes
pontos: II - A Dignidade Humana e os Direitos Fundamentais - Breves Con-
siderações; III - Saneamento Básico - Essencial à saúde e à vida; IV – Saúde
e Saneamento Básico na Constituição Federal de 1988; V- Legislação Infra-
constitucional da Saúde e do Saneamento Básico; VI- Saneamento Básico,
um direito Fundamental? VII – Conclusão; VIII – Bibliografia.

A Dignidade Humana e os Direitos Fundamentais - Breves Considerações

A dignidade humana, como se sabe, é o princípio matriz de todos os di-


reitos fundamentais (artigo1.º, da CF/88). A esse respeito, Ricardo Lobo Tor-
re4 esclarece que “Da dignidade humana exsurgem assim os direitos funda-
mentais que os sociais e econômicos, tanto os direitos da liberdade quanto
os da justiça. A natureza de princípio fundamental faz com o que a dignidade
humana se irradie para toda a Constituição e imante todo o ordenamento ju-
rídico. Ingo Sarlett entende que a dignidade da pessoa humana, na condição
de valor (e princípio normativo fundamental exige) pressupõe o reconhe-
cimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou
gerações, se assim preferirmos). ” (17- Ob. Cit. SARLET. Ingo. Dignidade da
pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.74, 76, 131).

Rubens Miranda de Carvalho, por outro lado, reconhece que “Em nos-
so sistema normativo, o princípio da dignidade da pessoa humana funciona

4 TORRES, Ricardo Lobo - Estudo “ O Princípio Fundamental da Dignidade Huma-


na”, publicado na obra Princípios Constitucionais Fundamentais, Lex Editora S.A, São Paulo,
2005, p.885 a 894.

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207
Estudos de Direito do Saneamento

como um rio principal ao qual afluem todos os demais princípios como seus
caudatários. Ele é o princípio máximo em relação ao qual os outros são me-
nores, mesmo porque, o homem- e somente ele – é a medida do Direito.5

Importante ter em mente que a dignidade se constitui em uma quali-


dade intrínseca ao ser humano e, por isso, não pode ser concedida pelo
ordenamento jurídico, razão pela qual entende-se que agiu bem o legis-
lador constituinte quando a colocou como um princípio maior, um valor
fundamental a iluminar todos os demais preceitos contidos na Constitui-
ção Federal. Portanto, “... reconheceu categoricamente que é o Estado
que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser
humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal”.6

Acerca de Direitos fundamentais, Bruno Miragem assegura que “Di-


reitos fundamentais constituem a base axiológica e lógica sobre a qual se
assenta o ordenamento jurídico. Por essa razão, colocam-se em posição
superior relativamente aos demais preceitos do sistema de normas que
conformam o ordenamento. De outro modo, embora encerrem os valo-
res fundantes de um determinado sistema jurídico, não se apresentam da
mesma forma, ou com idêntica potencialidade para realização ou produ-
ção de efeitos. Em regra, a eficácia dos direitos fundamentais vincula-se
à norma constitucional que determina seu status, e em razão disso, de-
pende desta para a produção dos respectivos efeitos (MIRAGEM, Bruno).7

5 CARVALHO, Rubens de Miranda-Estudo “Dignidade Humana, O Super Prin-


cípio, publicado na obra Princípios Constitucionais Fundamentais, Lex Editora S.A, São
Paulo, 2005, p.904 a 908.
6 (SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 2ª ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 83).
7  MIRAGEM, Bruno.  Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. ISBN 978-85-203-6854-1. p. 59 - https://juris.wiki.br/w/Direitos_fun-
damentais. Acessado em 16/08/2019.

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208
Na linha de raciocínio de Ingo Wolfang Sarlet, tem-se que os direitos fun-
damentais “são aqueles expressa e implicitamente” positivados como tais
pela Constituição Federal e que encontram o seu fim último na dignidade
da pessoa humana ou que com esta guardam estreita relação, “ou dizem
respeito a outros bens e valores essenciais para a pessoa humana e a comu-
nidade política e social na qual se encontra inserida, tudo no contexto de um
conceito materialmente aberto e de uma compreensão multifuncional”8.

Assim, se por um lado podemos concluir que a dignidade humana


independe do reconhecimento do Estado para existir, por outro, importa
aceitarmos que muitas vezes ela, a saúde, depende deste, o saneamento
básico, para ter eficácia, mormente porque é o Estado o garantidor natu-
ral do exercício das liberdades.

Saneamento Básico - Essencial à saúde e à vida.

Saneamento Básico é o conjunto de medidas que visa a melhoria da


qualidade da saúde das pessoas e impede que fatores físicos de efeitos
nocivos possam prejudicá-las em todos os aspectos de seu bem-estar,
ou seja, físico, mental e social e ao mesmo tempo promove a proteção
ambiental e desenvolvimento econômico urbano e rural.

No Saneamento Básico, os quatro pilares (o abastecimento de água


potável, o esgotamento sanitário urbano e manejo de resíduos sólidos
e drenagem das águas pluviais) correspondem aos serviços de infraes-
truturas e instalações operacionais que promovem saúde e bem e vão
garantir qualidade de vida às, principalmente as menos favorecidas, eis
que residem nas áreas onde esses serviços são ausentes ou deficitários.

8 (ob. cit. Sarlet/2002. P.83)

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209
Estudos de Direito do Saneamento

Segundo o Instituto Trata Brasil9 “Saneamento é o conjunto de me-


didas que visa preservar ou modificar as condições do meio ambiente
com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde, melhorar a
qualidade de vida da população e à produtividade do indivíduo e facilitar
a atividade econômica. No Brasil, o saneamento básico é um direito as-
segurado pela Constituição e definido pela Lei n.º 11.445/2007 como o
conjunto dos serviços, infraestrutura e Instalações operacionais de abas-
tecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem
urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais.

Ainda segundo o Instituto, “Embora atualmente se use no Brasil o


conceito de Saneamento Ambiental como sendo os 4 serviços citados
acima, o mais comum é o saneamento seja visto como sendo os serviços
de acesso à água potável, à coleta e ao tratamento dos esgotos”.

Acerca do acesso à agua e saneamento, visto e considerado como condi-


ção mínima de reconhecimento da dignidade da pessoa humana, ou melhor
dizendo, como o mínimo necessário para a sobrevivência humana, Thalita
Verônica Gonçalves e Silva, Defensora Pública do Estado de São Paulo10 de-
fende que “...o acesso à água e ao saneamento integra o conteúdo mínimo do
direito à dignidade da pessoa humana, devendo-se respeitar a qualidade, i.e, a
água há de ser potável; a quantidade, ou seja, o suficiente para a sobrevivên-
cia; a prioridade de acesso humano, em caso de escassez; e a gratuidade –,
ao menos no que diz respeito ao mínimo necessário para a sobrevivência hu-
mana. Enfim, “há de ser alcançada a dignidade hídrica” (D´ISEP, 2010, p. 59) ”.

9 http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/o-que-e-saneamento. Acessado em
18/09/2019.
10 Artigo “O Direito Humano de Acesso à Água Potável e ao Saneamento Básico.
Análise da Posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos”- http://www.mpf.mp.br/
atuacao-tematica/ccr4 - Acessado em 18/09/2019.

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210
Não é demais concluir que um ser humano só poderá se desenvolver
com plenitude – física, psíquica e socialmente – se tiver saúde, sendo que
para isso precisa ingerir água potável, além de ter acesso a rede e trata-
mento de esgotos sanitário. Por outro lado, também parece óbvio que o
homem que não tem moradia e vive em meio ao lixo, exposto ao esgoto
e às substâncias tóxicas, além de vetores transmissores de doenças, tem
poucas chances de se desenvolver e alcançar a excelência como pessoa.

Saúde e Saneamento básico na Constituição Federal

Acerca da correlação entre o saneamento básico e a saúde, trazemos, ini-


cialmente o pensamento do Juiz João Batista Damasceno entende “que sane-
amento básico, além de adequação ambiental, se insere no direito à saúde, à
vida e à dignidade da pessoa humana, fundamentos da República”11 e a saúde,
como se sabe, está elencada na Constituição/88, como um direito social que
se enquadra em um campo ainda maior, o chamado direitos fundamentais.

Podemos admitir que, embora o direito à saúde esteja compreendido


no Título II da Constituição Federal – que trata dos direitos e garantias
fundamentais – sua disposição insere-se no Capítulo dos direitos sociais,
precisamente no capítulo II do mesmo Título.

Com efeito, a saúde está inserida no elenco dos direitos sociais expres-
sos no caput do artigo 6.º da Carta Constitucional. Houvesse o legislador
constituinte inserido o direito à saúde no caput do artigo 5.º, aliando-o ao
direito à vida, por certo a saúde alcançaria níveis de eficácia e proteção
bem mais acentuados, pois estaria lado a lado com um direito natural.

11 Artigo do Juiz João Batista Damasceno, “Saneamento Básico, Dignidade da Pes-


soa Humana e Realização dos Valores Fundamentais”, publicado na revista “Série Aper-
feiçoamento de Magistrados 17 Desenvolvimento Sustentável”-ISBN 978-85-99559-20-8,
extraído do site https://www.emerj.tjrj.jus.br›paginas›series›desenvolvimento_sustenta-
vel_38. Acessado em 23/08/2019.

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211
Estudos de Direito do Saneamento

Em face dessa assertiva, não é prudente concluir que o legislador preten-


deu atribuir maior ou menor eficácia a certas categorias de direitos fundamen-
tais, ou mesmo atribuir maior ou menor carga axiológica; no entanto, a robus-
tez e eficácia dos direitos fundamentais sobrepõe-se a outros direitos integran-
tes de outras categorias, mesmo decorrentes de dispositivos constitucionais.

Fazendo a correlação do saneamento com a saúde, é importante trazer


breve comentário do Instituto Trata Brasil12 afirma: “Ter saneamento básico é
um fator essencial para um país poder ser chamado de país desenvolvido” e
disso ninguém tem dúvida. Os serviços de água tratada, coleta e tratamento
dos esgotos levam à melhoria da qualidade de vidas das pessoas, sobretudo
na saúde Infantil com redução da mortalidade infantil, melhorias na educa-
ção, na expansão do turismo, na valorização dos imóveis, na renda do tra-
balhador, na despoluição dos rios e preservação dos recursos hídricos, etc”.

E, na sequência informa que “Em 2017, segundo o Ministério da


Saúde (DATASUS), foram notificadas mais de 258 mil internações por
doenças de veiculações hídricas no país. Em vinte anos (2016 a 2036),
considerando o avanço gradativo do saneamento, o valor presente da
economia com saúde, seja pelos afastamentos do trabalho, seja pelas
despesas com internação no SUS, deve alcançar R$ 5,9 bilhões no país”.

No mesmo sentido, a Fundação Nacional de Saúde13 , entidade vin-


culada ao Ministério da Saúde, promotora de saúde, por meios de ações
de saneamento e saúde ambiental e “detém a mais antiga e contínua
experiência em ações de saneamento no País, voltados para a promoção
e proteção da saúde”. Assegura que “o risco à saúde pública está ligado a
fatores possíveis e indesejáveis de ocorrerem em áreas urbanas e rurais,

12 Trata,cit.
13 http://www.funasa.gov.br/web/guest/saneamento-para-promocao-da-saude

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212
e que podem ser minimizados ou eliminados com o uso apropriado de
serviços de saneamento”. Informa ainda que:

• “A utilização de água potável é vista como o fornecimento


de alimento seguro à população.
• O sistema de esgoto promove a interrupção da cadeia de
contaminação humana.
• A melhoria da gestão dos resíduos sólidos reduz o impacto
ambiental e elimina ou dificulta a proliferação de vetores”

Na sequência, apresenta, a título exemplificativo, um rol de situações


em que se verifica os efeitos das ações de saneamento na saúde:

• Água de boa qualidade para o consumo humano e seu for-


necimento contínuo asseguram a redução e controle de:
diarreias, cólera, dengue, febre amarela, tracoma, hepa-
tites, conjuntivites, poliomielite, escabioses, leptospirose,
febre tifoide, esquistossomose e malária.
• Coleta regular, acondicionamento e destino final adequa-
do dos resíduos sólidos diminuem a incidência de casos
de: peste, febre amarela, dengue, toxoplasmose, leishma-
niose, cisticercose, salmonelose, teníase, leptospirose,
cólera e febre tifoide.
• Esgotamento sanitário adequado é fator que contribui
para a eliminação de vetores da: malária, diarreias, vermi-
noses, esquistossomose, cisticercose e teníase.
• Melhorias sanitárias domiciliares estão diretamente relacio-
nadas com a redução de: doença de Chagas, esquistossomo-
se, diarreias, verminoses, escabioses, tracoma e conjuntivites.

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213
Estudos de Direito do Saneamento

Como se vê, o saneamento básico está diretamente ligado à saúde, uma


vez que, nos locais onde faltem os devidos cuidados com a água, assim en-
tendida aquela própria para o consumo humano (potável), com os resíduos
sólidos, com o esgotamento sanitário e com a drenagem de aguas pluviais,
a saúde das pessoas que estão a sua volta será diretamente afetada.

Portanto, não há o que se discutir em relação ao enquadramento do direi-


to ao saneamento básico como direito fundamental, uma vez que a falta de
saneamento básico afeta diretamente a saúde humana e, consequentemente.

Apesar de a Constituição Federal de 1988, declarar no caput do Ar-


tigo 5.º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, em relação ao saneamento básico, esta igualdade ainda não
foi alcançada em nosso país, porquanto existe ainda em boa parte dos
pequenos municípios, sobretudo - nas áreas rurais - as seguintes situa-
ções em relação aos cidadãos: Os que dispõem de todos os serviços de
saneamento básico prestados pelo município; os que só dispõem de al-
guns dos serviços supracitados e os que não dispõem de nenhum dos
serviços de saneamento, e isto fere de morte a Constituição, por afronta
ao disposto no inciso III do Artigo 1.º e inciso III do Artigo 3.º.

Por outro lado, de acordo com o Sistema Nacional de Informações


Sobre Saneamento: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos/2014
“em 2014, apenas 48,6% da população era atendida por rede de esgo-
tamento sanitário, destes resíduos apenas 40% é tratado antes de sua
devolução à natureza, e o total da população com acesso a água potável
correspondia a 82,5% dos brasileiros”14.

Em contrapartida, estimativas do Plano Nacional de Saneamen-


to Básico – Plansab/2013, cuja elaboração está prevista na Lei n.º

14 BRASIL. Ministério das Cidades Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamen-


to: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2014. Brasília, SNSA/MCIDADES, 2016. p. 24.

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214
11.445/2007, dão conta de que “seriam necessários 508,5 bilhões de
reais para o cumprimento das metas até 2033, exigindo portanto uma
média de 18 bilhões de reais anualmente.”15

No Brasil, há onze anos foi editada a Lei de Diretrizes Nacionais para


o Saneamento Básico (Lei n.º 11.445/2007)16, que estrutura o sanea-
mento básico definindo-o como o conjunto de serviços, infraestrutura e
Instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sani-
tário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e
de águas pluviais, com o objetivo evidente de promover a proteção do
ser humano e do meio ambiente no qual é inserido, entretanto ainda é
alarmante a situação da saúde, em decorrência da falta ou deficiência do
saneamento básico às populações brasileiras.

15 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacional de Saneamento Bási-


co-PLANSAB. Disponívelem:http://www2.mma.gov.br/port/conama/processos/AECBF8E2/
Plansab_Versao_Conselhos_Nacionais_020520131.pdf. Acessado em 28 de agosto de 2019.
16 BRASIL. Lei n.° 11.445/2007, de 5 de janeiro de 2007. Diário Oficial da União,
Poder Executivo. Brasília, DF, 2007.
Art. 3o  Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I- saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de:
a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas
e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a
captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instala-
ções operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequa-
dos dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final
no meio ambiente;
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-es-
truturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamen-
to e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de
logradouros e vias públicas;
d) drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das
respectivas redes urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações
operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção
ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposi-
ção final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas;    (Redação dada pela
Lei nº 13.308, de 2016)

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215
Estudos de Direito do Saneamento

Justificando essa assertiva, faz-se necessário trazer a lume alguns


dados sobre a relação saúde e saneamento básico, também extraídos
do site do Instituto Trata Brasil, os quais dão conta do caráter essencial
este para a prevenção daquela e, do modo como a falta de saneamento
impacta em gastos públicos com a manutenção da saúde da população,
conforme se vê abaixo:

• Cada  R$ 1,00  investido em saneamento gera economia


de R$ 4,00 na saúde²;

• Em 2013, o país teve mais de 14.982 milhões de casos de


afastamento por diarreia ou vômito no país¹;

• As pessoas afastadas por doenças gastrointestinais ficaram


longe de suas atividades por 3,32 dias em 2013¹;

• Em 2013 foram registrados 2.193 óbitos em razão das in-


fecções gastrointestinais – 59% das mortes foram em pes-
soas com mais de 70 anos de idade¹;

• O valor presente da economia total com a melhoria das


condições de saúde da população brasileira entre 2004 e
2016 foi de R$ 1,737 bilhão, que resultou num ganho anual
de R$ 134 milhões¹;

• Entre 2016 e 2036, estima-se que o valor presente da eco-


nomia total com a melhoria das condições de saúde da po-
pulação brasileira seja de R$ 5,949 bilhões¹.

• Fonte  1: Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do


Saneamento brasileiro 2018-Instituto Trata Brasil Fon-

Voltar ao índice
216
te 2: Organização Mundial da Saúde – 2014 Fonte 3: Painel
Saneamento Brasil – Instituto Trata Brasil

O artigo 2.º da Lei n.º 11.445/200717 estabelece os princípios fun-


damentais que norteiam a prestação dos serviços públicos de sanea-
mento e um deles, talvez o mais importante, o da universalidade dos
serviços de saneamento, porquanto este tem como essência levar o
saneamento básico para todos, independentemente de onde resida,
eis que essencial à população, pois trata-se de um dos elementos inte-
grantes da dignidade da pessoa humana, eis que promove a sua saúde
e o seu desenvolvimento sócio econômico.

Em relação ao festejado princípio, os dados acima transcritos, extraí-


dos do Ministério das Cidades (Atual Ministério da Infraestrutura) e do
Ministério do Meio Ambiente mostram que no Brasil, apesar da reco-
nhecida evolução deste setor para a população, os avanços continuam
tímidos se pensarmos em atingir a universalização dos serviços em 20
anos (prazo do Plano Nacional de Saneamento Básico - 2014 a 2033),
especialmente em relação às populações de baixa renda residentes nas
áreas rurais, na periferia urbana e na região do semiárido brasileiro, ex-
tremamente castigada pela escassez de água.

Acerca do semiárido brasileiro e sua extrema dificuldade, importante tra-


zer os achados de Jales Dantas que, com irretocável precisão, afirma: “A água

17 Brasil, 2007- Lei n. º 11.445/2007, Art. 2º. (1. Universalização progressiva do


acesso 2. Integralidade 3. Adequação (saúde pública e meio ambiente) 4. Peculiaridade
local e regional 5. Articulação (artigo 13, II, Lei n. º 8080/90) 6. Integração (art. 7.º, X, Lei
n. º 8080/90) 7. Eficiência e sustentabilidade econômica 8. Transparência 9. Segurança,
qualidade e regularidade 10. Controle social).

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217
Estudos de Direito do Saneamento

e o saneamento são direitos humanos que fazem parte do grupo dos direitos
econômicos, sociais e culturais, e devem, portanto, ser garantidos a todas as
pessoas, sem qualquer tipo de discriminação” (COSTA, Jales Dantas)18.

E enfatiza que “O Brasil foi um dos 122 países que votaram favoravel-
mente para que também a água e o saneamento fossem considerados
direitos humanos. Maria Luiza Ribeiro Viotti, representante permanente
do Brasil na ONU, declarou na ocasião (28/07/2010) que o direito à água
potável e ao saneamento básico está intrinsecamente ligado aos direitos à
vida, à saúde, à alimentação e à habitação. É responsabilidade dos Estados
assegurarem esses direitos a todos os seus cidadãos e o Brasil tem traba-
lhado dentro e fora de suas fronteiras para promover o acesso à água e ao
saneamento básico, especialmente entre as comunidades de baixa renda.
No que tange à disponibilidade de recursos hídricos, pode-se dizer que o
Brasil ocupa uma posição privilegiada. Com cerca de 3% da população total
mundial, possui por volta de 12% da água potável superficial do planeta,
com vazão total de seus rios próxima a 180 mil m³ por segundo. A disponi-
bilidade de água total bruta por brasileiro é de 33.776 m³ de água por ano,
quase 20 vezes o limite considerado pela ONU de estresse hídrico, que é
de 1.700 m³ por ano. No entanto, cabe observar que a distribuição dos
recursos hídricos ocorre de forma bastante desigual no território nacional”.

Adiante afirma que “ainda é grande o drama pelo qual passam milhões
de brasileiros, carentes do acesso à água potável e ao saneamento básico,
sobretudo os residentes da região do semiárido brasileiro. Segundo a ASA19

18 Jales Dantas da Costa - Direito humano à Água (pg.147/158) – Livro do Projeto


REDESAN publicado no site http://redesan.ufrgs.br . Acessado em 12/09/2019
19 ASA - ARTICULAÇÃO DO SEMI ÁRIDO BRASILEIRO - rede formada por mais de
três mil organizações da sociedade civil de distintas naturezas que atuam em todo o Semiá-
rido Brasileiro (MG, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI e MA).

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218
(2012, p. 01): Atualmente 67% das famílias rurais nos estados que compõem
o Semiárido20 não possuem acesso à rede geral de abastecimento de água,
sendo que 43% utilizam poços ou nascentes, e 24% utilizam outras formas
de acessar a água, que compreende Entretanto, a distribuição dos recursos
hídricos ocorre de forma bastante desigual no território nacional. Os extre-
mos são os casos da Amazônia, que abriga 70% da água doce superficial e
onde vivem 10% dos brasileiros, e a região hidrográfica do Atlântico.

Dispõe a Constituição da República em seu Artigo 6.º, caput21, que a


saúde é direito social, ao lado da educação, alimentação, trabalho, mo-
radia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à
infância e assistência aos desamparados.

Não obstante ser tratado como um direito social, o direito à saúde


- por encontrar-se inserido no Capítulo II do Título II da Constituição Fe-
deral - inquestionavelmente, é um direito fundamental.

Por seu turno, o artigo 196 da mesma carta política disciplina que “a
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”. (Brasil, 1988).

20 Semiárido Brasileiro – A região semiárida brasileira é a maior do mundo e


tem uma área de 982.566 Km2, que corresponde a 18,2% do território nacional, 53% da
região Nordeste e abrange 1.133 municípios. A população do Semiárido é de cerca de 22
milhões de habitantes e dela faz parte a maior concentração de população rural do Brasil.
A expressão “Semiárido” indica que se trata de uma região com características que se
aproximam da aridez. As razões para isso são várias, especialmente os modos humanos
de explorar a terra que a tornaram semiárida, aliados à escassez de chuva e ao limitado
sistema de armazenamento de água da chuva. Publicado:  01/10/2014 11h33. Última
modificação:  28/06/2017 13h49. http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/ar-
tigos/2014/caracterizacao-do-semiarido-brasileiro . Acessado em 12/09/2019.
21 BRASIL, 1988

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219
Estudos de Direito do Saneamento

Os artigos 197 e 19822 disciplinam sobre a regulamentação, fiscalização e


controle das ações e serviços de saúde e sobre a criação do sistema único de
saúde (SUS), regulamentado, posteriormente, pela Lei n.º 8.080/90.

“O texto constitucional que assegura direito à saúde diz que ela


há de ser assegurada mediante políticas sociais e econômicas que
visem a reduzir os riscos de doença e agravamentos provocados
pelas carências sociais de existência. Por outro lado, a Constitui-
ção dispõe que o acesso à saúde há de ser universal, isto é, para
todos e igualitariamente, seja para as ações e serviços destinados
à sua promoção, à sua proteção ou à sua recuperação. Daí é que
se conclui que saúde não se contrapõe à doença e não se trata
apenas com remédio e internações. É também cuidado com a
saúde toda ação tendente a impedir o desequilíbrio socioambi-
ental do indivíduo e a promover sua integração com o meio social
no qual está inserido, no gozo da liberdade individual e no uso
dos recursos disponíveis”. (DAMASCENO, J. Batista)23.

E conclui Damasceno:

22 Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao


Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e contro-
le, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - aten-
dimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos ser-
viços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será
financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento da seguridade social,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Pa-
rágrafo único renumerado para § 1º. pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) § 2.º
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações
e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais
calculados sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000), http://www.
planalto.gov.br . Acessado em 20/09/2019.
23 Ob.citada

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220
“O direito à saúde é direito social e se estende ao conceito de
bem-estar físico, mental, social e à integração ao meio ambiente
e à sociedade, bem como à capacidade de exercício de direitos in-
dividuais. Há condições para o gozo do direito à saúde, que pode
ser obstado pela falta de saneamento básico, tal como nos casos
de mortalidade infantil, em que as políticas públicas voltadas para
sua erradicação encontram óbices na falta de saneamento. Assim,
o saneamento básico é condição para a saúde, para a vida e para
a própria dignidade da pessoa humana, fundamento da República,
conforme preceituado no artigo 1.º, III da Carta Maior. ”

Segundo Léo Heller, “A Constituição é a lei suprema de um Estado,


com a qual toda outra lei ou política e, em consequência, toda atividade
do Estado, deve conformar. A inclusão do direito humano à agua e ao
esgotamento sanitário na Constituição Federal amplia as obrigações do
Estado a respeitar esse direito humano e também amplia o direito dos
cidadãos a exigir que ele seja respeitado. Essa inclusão pode provocar
a adequação da legislação infraconstitucional e das políticas públicas e
ensejar, por exemplo, a adoção dos princípios desse direito na revisão de
políticas que não o consideram integralmente. ” (HELLER, Léo24).

Legislação Infraconstitucional sobre a Saúde e o Saneamento

Como já dito linhas atrás não se pode falar em saúde sem falar em sanea-
mento básico, “questão candente e base para o desenvolvimento do equilíbrio
sócio ambiental no qual o ser humano está inserido”. (DAMASCENO, João)25

24 Água: Direito humano – Entrevista de Léo Heller, Relator Especial da Or-


ganização das Nações Unidas (ONU) sobre Água e Saneamento, pesquisador da Centro de
Pesquisas René Rachou (CPRR/Fiocruz) e membro da Abrasco ao Idec – publicada no
sitio da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – Abrasco - https://
www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/ecologia-e-meio-ambiente/agua-direito-huma-
no-entrevista-de-leo-heller-ao-idec. Acessado em 21/09/2019.
25 Ob. cit

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221
Estudos de Direito do Saneamento

Na Lei n.º 8.080/199026, que regulamenta o Sistema Único de Saúde,


o legislador pátrio teve o cuidado de incluir o Saneamento básico como
elemento da saúde, eis que a lei tem como fatores determinantes não
apenas regular os serviços de saúde, mas para integrar itens como ali-
mentação, moradia, meio ambiente, saneamento básico, condições de
trabalho e renda, meios de transporte e até o lazer, já que a saúde pú-
blica não se limita aos serviços providos por médicos e enfermeiros, mas
pela promoção do bem-estar físico, mental e social.

Da leitura do artigo 2.º. é possível identificar a razão da promulgação des-


ta lei e para que ela serve. Nele está pautada a missão do SUS, restando claro
que cabe ao sistema de saúde identificar e divulgar os fatores condicionantes
e determinantes de saúde, ou seja, identificar quais são os problemas, quais
são os desafios para a saúde e tornar isso algo conhecido de todos.

A lei estabelece a necessidade de formular políticas públicas, ou seja, cri-


ar condições para que esses problemas sejam resolvidos, além de executar
ações condizentes com essas políticas. Isso reforça o conceito de que, trata-
se de um sistema que não se limita apenas a tratar de doenças já contraídas,
mas atua na prevenção de doenças e na promoção da qualidade de vida, o
que se faz, certamente, com o acesso de todos ao saneamento básico.

O texto constitucional que assegura o direito ao saneamento básico


resume-se aos artigos 21, inciso XX; 22, inciso IX e ao artigo 200, inciso
IV, os quais se atém a disciplinar as competências, tanto da elaboração de
diretrizes do setor quanto da melhoria das condições de saneamento.

26 Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, DOU de 20/09/1990 - Dispõe sobre


as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcio-
namento dos serviços correspondentes, e dá outras providências.http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis, acessado em 21/09/2019.

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222
Por se tratar de um amplo conjunto de serviços, que inclui o abaste-
cimento de água, esgotamento sanitário, limpeza pública, manejo de re-
síduos sólidos urbanos e manejo de águas pluviais urbanas, como já dito
alhures, o saneamento básico acaba por albergar diversas competências.

O artigo 21, XX estabelece a competência da União para elaborar as dire-


trizes gerais do setor de saneamento básico e o artigo 23 dispõe sobre a com-
petência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
para a promoção da melhoria das condições de saneamento básico (inciso IX).

Nesse ponto, é importante frisar que a competência comum pres-


supõe a solidariedade e a cooperação entre os entes federados, no
sentido de adotar medidas positivas para garantia dos direitos tutela-
dos. Vale também mencionar o disposto no artigo 24 da Constituição
Federal, eis que tal dispositivo, embora não se refira expressamente
ao saneamento básico, o faz de forma indireta ao atribuir competência
concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre
“(...) conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e controle da poluição (inciso VI), sobre
responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor (...) (in-
ciso VIII), bem como proteção e defesa da saúde (inciso XII)”.

Tratando da competência em sentido lato, o artigo 200, IV da Cons-


tituição Federal27, estabelece que o saneamento básico é atribuição do
Sistema Único de Saúde, restando claro que saúde e saneamento básico
estão intrinsicamente ligados e que todos os entes federados possuem
competências gerais referentes a este setor, competências essas que ora
se complementam, ora se excluem.

27 BRASIL, 1988.

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223
Estudos de Direito do Saneamento

O aspecto mais controvertido, entretanto, refere-se à competência em


sentido estrito, ou seja, a que determina quem é que detém o poder para
prestar ou para conceder os serviços integrados que compreendem o sanea-
mento básico. Nesse aspecto a tanto a Constituição como a lei foram silentes.

A Constituição de 198828 ao estabelecer no artigo 23 que a compe-


tência para cuidar da saúde comum à União, aos Estados, aos Municípios
e ao Distrito Federal, promove a descentralização e o “fortalecimento”
municipal, o que é confirmado pelo conteúdo normativo do inciso VII do
artigo 30 da CF. Havia, ainda, ausência de Marcos Legais e Regulatórios
do Saneamento nacional, estadual e municipal e, consequentemente,
ausência de planejamento e cooperação entre estes entes.

Existia, na verdade, ações isoladas, fruto de uma visão limitação do


saneamento do saneamento e acesso a recursos financeiros e tecnológi-
cos. Acesso estes que até hoje são dificultados pela burocracia da legisla-
ção, que exige demais de quem tem de menos.

Enfim, visando alterar este cenário, foi editada a Lei n.º11.445/2007


que estabelece diretrizes nacionais de saneamento básico para a pres-
tação dos serviços de saneamento com base nos princípios fundamen-
tais da equidade, da universalização, da integralidade, da articulação
das ações de saneamento com as demais ações públicas, da eficiência
e a sustentabilidade econômica dos serviços, da transparência, controle
social e segurança na prestação dos serviços públicos de Saneamento
Básico para a promoção da saúde pública e proteção ao meio ambiente.

A Lei também determina que todo município elabore seu Plano Mu-
nicipal de Saneamento Básico (PSB) que deve contemplar no seu planeja-

28 BRASIL, 1988

Voltar ao índice
224
mento o respectivo plano de investimento, a fim de assegurar a universa-
lização dos serviços, contemplando o município em toda a sua extensão
territorial, de modo que possa assegurar o direito ao saneamento básico
e, por conseguinte a saúde, para todos.

Esse, de fato, é um dos pontos altos da do marco regulatório: buscar


a universalidade do saneamento básico e, por conseguinte, da saúde.

Por outro lado, a referida lei em seus artigos. 8.º, 9.º, 10, 11, 12 e 13,
dispôs sobre a titularidade dos serviços, sem, contudo, dizer a quem dos
entes federados pertenceria essa titularidade, restando então à doutrina
e a jurisprudência se debruçarem sobre o tema e estas têm-se dividido
nos entendimentos.

Seja como for, a União, por meio do Ministério da Infra Estrutura,


Ministério da Saúde e da Fundação Nacional, repassa recursos para im-
plementação e promoção da política federal de saneamento básico, por
meio de ações, enquadradas como ações de saúde, nos termos da Lei n.º
8.080/9029 (Lei do SUS), que dispõe sobre as condições para a promo-
ção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras providências (artigos 3.º; 6.º,II;
7.º,X; 13,II; 15, VII e XV; 16, II, b; 17, VI; 18, IV, d; e 19-F).

Saneamento Básico, um Direito Fundamental?

Ainda que a Constituição brasileira não contemple o saneamento bá-


sico como um direito humano fundamental, suas características de uni-
versalidade, essencialidade e fundamentalidade já lhe imprime tal chan-
cela. “A ideia de a água potável ser considerada um direito humano fun-
damental parte de suas funções de essencialidade para a vida de todas as

29 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l acessado em 21/09/2019.

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225
Estudos de Direito do Saneamento

pessoas devendo “ser tratada pelo Direito a partir de, pelo menos, duas
perspectivas, quais sejam, como direito fundamental e como sujeito de
direitos”. Evidente portanto, que o “reconhecimento do direito funda-
mental à água potável pelo Estado reforça sua importância, tornando sua
observância norma coercitiva, além de servir, em tese, de instrumento
de conscientização de toda a sociedade” (CARLI, 2013)30.

Por outro lado, Ferreira Macedo assegura que “O saneamento é con-


dição mínima de reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Sem
água tratada e escoamento do esgoto sanitário, nenhuma família pode se
constituir adequadamente, nenhuma criança tem assegurado seu direito
a um desenvolvimento integral, em condições dignas e de liberdade. A fal-
ta ou deficiência significativa na prestação desse serviço público essencial
gera doenças evitáveis, morte, baixo padrão de qualidade de vida; enfim,
sem ao menos o ser humano sair de casa de banho tomado e com sua sede
saciada, que oportunidades de vida terá nos grupamentos sociais?31

Portanto, a vida sem o mínimo de infraestrutura de condições de sane-


amento, é indigna, é penosa e é excludente. Forçoso é admitir que o sanea-
mento básico constitui então um direito fundamental intimamente ligado à
saúde e, por conseguinte à dignidade humana, pois a água é o próprio míni-
mo vital. Mais uma vez nos valemos da inteligência de Ingo Wolfgang Sarlet
que ensina que “o direito à água é já mínimo vital, pois essencial à própria
sobrevivência e integra, junto com outros elementos, o conteúdo mais am-
plo do mínimo existencial, este sendo fundado no binômio vida e dignidade,
ou seja, vida com qualidade mínima, em outras palavras, vida saudável”.32

30 CARLI, Ana Alice de. A água e seus instrumentos de efetividade. Campinas:


Millennium, 2013, p.38 e 40
31 https://ferreiramacedo.jusbrasil.com.br/artigos/185154391/o-direito-funda-
mental-ao-saneamento-basico Acessado em 19/09/2019.
32 Ob. cit.

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226
Na lição de Aparecida de Carvalho “o saneamento básico é um direito
humano, um direito fundamental e constitui o mínimo vital, pois é essenci-
al à própria sobrevivência do ser humano, e integra junto com outros ele-
mentos o mínimo existencial, caracterizando o binômio vida e dignidade,
isto é, qualidade de vida ou vida saudável ligada à dignidade humana”33.

Luiz Gonzaga Silva Adolfo e Aparecida de Carvalho, em outro momen-


to afirmam que “os direitos fundamentais sociais têm função eficaz para
a realização da dignidade da pessoa humana, justiça social, igualdade
formal e material, com objetivos de erradicar a pobreza e promover o
bem-estar social e ambiental de todos os cidadãos. Portanto, é funda-
mental reconhecer o direito ao saneamento básico e integrá-lo ao rol
dos direitos fundamentais sociais que compõem a garantia do mínimo
existencial como elemento integrante da dignidade da pessoa humana,
considerando o acesso à água potável e o saneamento como um direito
humano essencial para o pleno desfrute da vida humana” (CARVALHO,
Sônia Aparecida de, ADOLFO, Luiz, Gonzaga Silva,)34.

Reforçando esse entendimento, podemos recorrer às sábias palavras


do doutrinador português, o Professor João Miranda35, que preleciona
“A adoção de providências públicas no setor da água contribui para a

33 O Saneamento Básico Como um Direito Humano, Fundamental e Mínimo Vital,


artigo publicado no site https://emporiododireito.com.br. Acessado em 17/09/2019
34 Artigo de Sônia Aparecida de Carvalho - O direito fundamental ao saneamento
básico como garantia do mínimo existencial social e ambiental https://seer.imed.edu.br/
index.php/revistadedireito/article/view/286 - Acessado em 15/09/2019
35 Professor Doutor João Miranda - Professor da Faculdade de Direito da Universi-
dade de Lisboa O Direito Fundamental à Água e a Sustentabilidade dos Serviços Públicos de
Água em Portugal (El derecho fundamental al agua y la sostenibilidad de los servicios públicos
de aguas em Portugal) texto inédito do Professor Doutor João Miranda- Professor da Faculda-
de de Direito da Universidade de Lisboa a ser publicado brevemente em um livro espanhol.

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227
Estudos de Direito do Saneamento

concretização do direito à proteção da saúde, nomeadamente através


da “criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que
garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da
velhice, e pela melhoria das condições de vida (…), e ainda pelo desenvol-
vimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável”
[artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da Constituição]. Deste modo, em determi-
nados aspetos, as políticas públicas da água e da saúde prosseguem ob-
jetivos comuns, auxiliando-se reciprocamente na melhoria da saúde dos
cidadãos e do acesso destes à água em condições de qualidade. Acresce
que a dignidade da pessoa humana também obriga a elevar a proteção
jurídica dos cidadãos no acesso à água”.

E acrescenta que “A falta de acesso a um bem tão essencial não permite


considerar satisfeito o valor eminente de cada pessoa, que constitui
um dos esteios fundamentais da Constituição portuguesa (artigo 1.º). A
dignidade social que deve ser assegurada a todos os cidadãos, por via do
artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, pressupõe ainda que no caso do acesso
à água se justifique convocar um direito fundamental reconhecido no
direito nacional, que é fruto do labor do Tribunal Constitucional alemão e
que foi acolhido na jurisprudência do Tribunal Constitucional Português: o
direito a um mínimo vital ou a um mínimo para uma existência condigna6.
A conclusão a extrair é a de que os direitos fundamentais consagrados na
Constituição, com conexão com bens jurídicos ligados à água – direito à
proteção da saúde e direito ao ambiente –, e também aquele que resulta do
labor jurisprudencial – direito a um mínimo vital – devem ser interpretados
ou desenvolvidos em função da necessidade de conferir um valor pleno ao
acesso à água potável e ao saneamento básico.Com efeito, também por via
deste direito fundamental se pode enquadrar a necessidade de garantia de
acesso dos cidadãos à água potável e ao saneamento, para permitir a todos
uma existência em conformidade com a dignidade da pessoa humana.”

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228
Conclui então que “os direitos fundamentais consagrados na
Constituição, com conexão com bens jurídicos ligados à água – direito
à proteção da saúde e direito ao ambiente –, e também aquele que
resulta do labor jurisprudencial – direito a um mínimo vital – devem ser
interpretados ou desenvolvidos em função da necessidade de conferir
um valor pleno ao acesso à água potável e ao saneamento básico”.

Assim, sendo o saneamento básico considerado como um conjunto


de medidas que visa preservar ou modificar as condições do meio ambi-
ente, com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde, é ple-
namente justificável sua inserção no rol dos direitos fundamentais, vez
que não há como dissociá-lo da saúde, pois o saneamento é meio para a
obtenção da saúde em toda sua plenitude.

Ora, sendo a saúde um direito fundamental, por que não considerar o


direito ao saneamento básico um direito fundamental, pois que somente
a partir dele é possível obter saúde? Deve-se ter em mente que, somente
a partir dele é que se obtém saúde.

O direito ao Saneamento Básico é, como assegurado por vários dou-


trinadores e inclusive reconhecido pela ONU, um direito humano e,
como todo direito humano deriva da dignidade humana que é inerente a
todas as pessoas. É extreme de dúvidas que a dignidade humana engloba
o direito ao saneamento, à moradia, à saúde, ao meio ambiente sadio, à
alimentação e à vida.

Segundo o brasileiro Léo Heller, nomeado em 2014 o Relator Especi-


al da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Água e Saneamento,
“além dos princípios gerais que se aplicam a todos os direitos humanos
(como igualdade, participação, transparência e acesso à informação),
no caso específico do direito à água e ao esgoto sanitário, os chamados

Voltar ao índice
229
Estudos de Direito do Saneamento

conteúdos normativos devem também ser respeitados, os quais incluem


disponibilidade, acessibilidade física, acessibilidade financeira, qualidade
e segurança, aceitabilidade, privacidade e dignidade”36.

Para Heller, a ausência de estruturas sanitárias adequadas tem um ‘efei-


to dominó’, prejudicando a busca e o desfrute de outros direitos humanos,
como o direito à saúde, à vida e à educação. A falta de saneamento favorece
a transmissão de doenças infecciosas, como cólera, hepatite e febre tifoide”37.

Pacificada a questão e confirmada a existência desse direito, resta pugnar


pela sua elevação à categoria de direito fundamental, o que sói acontecer
com a alteração do texto constitucional mediante proposta de emenda à
Constituição importa os desafios na fase de destes como direito fundamental.

CONCLUSÃO

O tema do saneamento básico tratado neste breve estudo revela-se


de grande importância haja vista constituir-se em autêntico direito fun-
damental, cuja principal função é o de garantir a saúde e, portanto, ga-
rantir a vida e a dignidade humana.

Ao longo da pesquisa pode se observar que o Brasil ainda está muito


distante de se tornar um país que ofereça saneamento básico, indistin-
tamente, a todos os seus habitantes. Isto porque, o acesso daqueles que
estão em regiões castigadas pela escassez da água, em áreas rurais e em
periferias urbanas ainda é muito difícil.

36 http://www.idec.org.br/em-acao/revista/problemas-de-peso/materia/agua-di-
reito-humano - Acessado em 12/09/2019.
37 Assembleia Geral da ONU reconhece saneamento como direito humano distin-
to do direito à água potável, Publicado em 04/01/2016, no site da Organização das Nações
Unidas Brasil -https://nacoesunidas.org/ - Acessado em 1509/2019.

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230
Levar o saneamento básico para todos os domicílios ainda é uma
meta de difícil alcance, em que pese ter havido certo avanço na questão
da universalidade, especialmente, a partir do momento em que a socie-
dade internacional, os órgãos de direitos humanos e a própria sociedade
passou a discutir a questão como um dos caminhos a se perseguir, para
garantia da saúde e a dignidade da pessoa humana.

Contudo, ainda há muito caminho a ser percorrido para que se con-


cretize a universalização do saneamento, de sorte que venha a “modifi-
car a triste realidade com a qual o povo brasileiro se depara diariamen-
te38”, sendo certo que o ”Brasil somente caminhará para o desenvolvi-
mento pleno e com justiça social se vier a estabelecer uma política em
torno dos recursos hídricos que se concretize na prática.

Podemos observar, que apesar de todas as normas de regência do sa-


neamento não são suficientes para imprimir efetividade às ações de sane-
amento e alcançar à universalização, ou seja, levar água e ligação à rede
de esgoto em todos os domicílios brasileiros, em todos os cantos do país.

A busca pela universalização do saneamento básico de qualidade no


Brasil, necessita de um amplo esforço político envolvendo o poder públi-
co e a sociedade, no sentido de levar saneamento básico para o campo
do direito fundamental e, como tal, integrante de uma política pública
sustentada em forte ação do Estado. É preciso positivar o saneamento
básico na Constituição Federal como direito fundamental. É necessário
constitucionalizar o saneamento, de modo a que se faça erigir ao status
de direito fundamental, inserindo-o no caput do artigo 6.º.

O reconhecimento do saneamento básico como um direito humano


fundamental, certamente forçará o Estado a implementar de forma mais
eficaz e eficiente a política pública nacional de saneamento.

38 Macedo, ob. cit.

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231
Estudos de Direito do Saneamento

Enquanto não se consolida este desiderato, é necessário que se


estabeleça um pacto pelo saneamento básico, de modo que governo,
empresas prestadoras de serviços públicos de saneamento e o cidadão,
contribuam naquilo que for da sua competência para que as melhorias
das condições de saneamento reflitam na saúde pública e, consequen-
temente, na qualidade de vida de toda a sociedade. Com efeito, é de
fundamental importância que cada cidadão faça valer seus direitos, par-
ticipando e fiscalizando a atuação do poder público municipal, estadual e
federal, com vistas a garantir o acesso a todos os serviços desse setor, de
modo a garantir que tais serviços sejam prestados com qualidade.

Com o intuito de reforçarmos a proposta de, na Constituição Fede-


ral, incluir-se o saneamento básico como direito fundamental – pois
de fato o é - valemo-nos das palavras impactantes do notável escritor
Mário Vargas Llosa39, que, ao ler o Relatório das Organizações das Nações
Unidas, intitulado “A água para além da escassez: poder, pobreza e a crise
mundial da água”, afirma que “o objeto que representa a civilização e o
progresso não é o livro, o telefone, a Internet ou a bomba atômica, e sim
a privada”. Sem Saneamento básico não há desenvolvimento, não há pro-
gresso, não há saúde, não há dignidade humana, não há vida.

39 O cheiro da pobreza - Mário Vargas Llosa. Site http://www.teleios.com.br/o-


cheiro-da-pobreza-mario-vargas-llosa, Acessado em 26/09/2019.

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232
Serviço público de
saneamento básico em
regiões metropolitanas
CASSIA HOSHINO1

O1

Resumo

A ampla disseminação das informações de dados estatísticos quanto


ao avanço ou deficiência do atendimento do saneamento básico em cada
região, bem como das garantias que a prestação desse serviço proporcio-
na – melhoria na qualidade de vida, diminuição da mortalidade infantil,
aumento na expectativa de vida e da renda das famílias, entre outras - é
relevante, uma vez que somente dessa maneira a população poderá rei-
vindicar dos seus governantes a universalização desses serviços.

Ademais, a universalização implicará em economia de recursos


públicos que poderão ser investidos em outras políticas públicas em
benefício da população.

1 Procuradora Federal em exercício da Unidade de Execução da Procuradoria


Federal Especializada da FUNASA em São Paulo, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Ad-
ministrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Departamento de Direito
Público da Faculdade de Direito

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233
Estudos de Direito do Saneamento

Este artigo tem por objetivo esclarecer que há soluções apresentadas


na legislação brasileira, inclusive com o direcionamento hermenêutico
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que viabilizam a prestação
regionalizada dos serviços de saneamento básico, colocando em prática
o federalismo cooperativo, como forma de suprir deficiências econômi-
cas, técnicas e de acesso aos recursos naturais. Gize-se que somente com
o uso dessas soluções é que será possível alcançar a almejada e essência
universalização dos serviços de saneamento.

De forma mais específica será abordada a hipótese de prestação re-


gionalizada em áreas de integração de Municípios e Estado denominadas
“região metropolitana”.

Palavras-chave: Saneamento básico; Federalismo Cooperativo; Pres-


tação Regionalizada; Gestão associada; Região Metropolitana.

Abstract

The wide dissemination of statistical data information regarding the


progress or deficiency of basic sanitation care in each region, as well as
the guarantees that the provision of this service provides – improving
quality of life, decreasing child mortality, increasing life expectancy and
household income, among others - is relevant, since only in this way the
population can claim from its rulers the universalization of these services.

Moreover, universalization will result in saving public resources that


can be invested in other public policies for the benefit of the population.

This article aims to clarify that there are solutions presented in Brazil-
ian law, including the jurisprudential hermeneutic direction of the Federal
Supreme Court, which enable the regionaled provision of basic sanitation

Voltar ao índice
234
services, putting into practice cooperative federalism as a way to over-
come economic deficiencies, techniques and access to natural resources.
It is understood that only by using these solutions it will be possible to
achieve the desired and essential universalization of sanitation services.

More specifically, the hypothesis of regionalized provision in areas


of integration of municipalities and state called “metropolitan region”
will be addressed.

Key words: Sanitation; Cooperative Federalism; Regionalized Provi-


sion; Associated management; Metropolitan region.

Sumário:
1. Introdução. 2. A importância do Saneamento Básico: abaste-
cimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, mane-
jo de resíduos sólidos e de águas pluviais. 3. O cenário legal do
Direito do Saneamento no Brasil: Constituição Federal e Lei n.º
11.445/2007, a Lei Nacional do Saneamento Básico. 4. Presta-
ção Regionalizada dos serviços de saneamento. Gestão Associa-
da: consórcios (associação voluntária) e regiões metropolitanas
(associação compulsória). 5. Regiões Metropolitanas: Forma de
instituição. Artigo 25, §3.º da Constituição Federal, Requisitos e a
visão do Supremo Tribunal Federal. 6. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo analisar a possiblidade de estrutu-


ração do saneamento básico nas regiões metropolitanas, partindo do pa-

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235
Estudos de Direito do Saneamento

norama fático de déficit na prestação dos serviços de saneamento no Brasil


e a importância de sua universalização, passando pela regulação legislativa
brasileira sobre a matéria e, finalmente, pelo cenário da jurisprudência.

Nesse sentido, necessário foi analisar ainda os diferentes tipos de pres-


tação regionalizada do serviço de saneamento, seja direta ou indiretamente,
em blocos de Municípios, de forma compulsória ou induzida e seus requisitos.

Constatamos que é preciso que primeiramente a população se envol-


va com a temática, reconhecendo a importância de divulgação dos índi-
ces atualizados obtidos através de pesquisas, principalmente em relação
à implementação de redes de esgotamento sanitário e a partir de então,
tomar conhecimento da situação deficitária do saneamento local e as
consequências da ausência ou prestação ineficaz desse serviço necessá-
rio à dignidade humana e outros valores garantidores da vida para final-
mente, passar a reivindicar seu oferecimento gradual, eficaz e universal.

Vale dizer que é através da informação que a população valorará ade-


quadamente a necessidade da prestação do serviço de saneamento para
que seus governantes eleitos possam executar as compatíveis políticas
públicas que atendam aos seus anseios.

2. A IMPORTÂNCIA DO SANEAMENTO BÁSICO: ABASTECIMENTO


DE ÁGUA, ESGOTAMENTO SANITÁRIO, LIMPEZA URBANA, MANEJO DE
RESÍDUOS SÓLIDOS E DE ÁGUAS PLUVIAIS.

O Saneamento Básico tem sua definição legal na Lei Nacional de Sa-


neamento Básico - a Lei n.º 11.455/2007 - que estabeleceu diretrizes na-
cionais para o saneamento básico e para política federal de saneamento
básico no Inciso I do artigo 3.º:

Voltar ao índice
236
Artigo 3.o  Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e


instalações operacionais de:

a)  abastecimento de água potável: constituído pelas atividades,


infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento
público de água potável, desde a captação até as ligações
prediais e respectivos instrumentos de medição;

b)  esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraes-


truturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tra-
tamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários,
desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio
ambiente;

c)  limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de


atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de co-
leta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do
lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de
logradouros e vias públicas;

d) drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscaliza-


ção preventiva das respectivas redes urbanas: conjunto de
atividades, infraestruturas e instalações operacionais de dre-
nagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção
ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tra-
tamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas
áreas urbanas; (...)

Observa-se que a prestação desse conjunto de serviços consistente


no saneamento básico acarreta a promoção da saúde pública com a pre-
venção de doenças, melhoria na qualidade de vida, diminuição da morta-
lidade infantil, melhor aproveitamento escolar das crianças, aumento da

Voltar ao índice
237
Estudos de Direito do Saneamento

produção do trabalhador, diminuição do desperdício de um bem limitado


na natureza, proteção ao meio ambiente, além do crescimento econômi-
co, uma vez que a água integra grande parte dos processos industriais.

Portanto, a busca constante pela universalização do saneamento,


com o oferecimento desse conjunto de serviços progressivamente à po-
pulação, deve ser objetivo de todo o governo, em última análise, preo-
cupado com a vida e sobrevida de qualidade dos seres humanos, inde-
pendentemente de qualquer ideologia, região, idade, sexo, classe social
ou grau de instrução.

Trata-se de questão de difícil equacionamento, uma vez que a gestão


dos serviços de saneamento abrange desde o planejamento, regulação,
implantação e execução propriamente dita e fiscalização. Portanto, é um
serviço complexo, que nem sempre é visível aos olhos, mas certamente,
é sensível em relação aos índices de qualidade de vida.

Percebemos o quão enredado é o saneamento, se tomarmos como


exemplo a prestação do serviço de abastecimento de água, que indivi-
dualmente considerado, inclui a captação da água da natureza, sua ade-
quação qualitativa de modo a torná-la potável e própria ao consumo, seu
transporte até às cidades e sua distribuição aos domicílios e indústrias.
Resumidamente, podemos citar as seguintes fases de implantação de sis-
tema de abastecimento de água: manancial (nascente ou fonte da água),
captação, adução (condução da água), tratamento, reservação da água
tratada, reservatório elevado para distribuição e distribuição.

Por sua vez, o serviço de esgotamento sanitário busca tratar e desti-


nar as águas utilizadas e que se tornam impróprias ao consumo para que
seja devolvido à natureza. Desse modo, para que o esgoto seja descarta-
do, é preciso passar por um processo de tratamento para evitar a conta-
minação do meio ambiente e também evitar a disseminação de doenças.

Voltar ao índice
238
Assim, observamos que cada um dos serviços que compõe o Sistema de
Saneamento Básico, se individualmente considerado, exige uma série de pro-
cedimentos, o que torna todo o sistema um conjunto complexo de medidas.

Com efeito, no Brasil, de acordo com o Instituto Trata Brasil, uma Or-
ganização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP- que tem como
objetivo conscientizar a sociedade através do acesso à informação quan-
to à importância da universalização do saneamento básico, os índices em
2017 divulgados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
– SNIS2017, de atendimento com abastecimento de água tratada era de
83,5% dos brasileiros e de acesso à coleta de esgoto era de 52,36%2.

É fácil constatar que o índice de coleta de esgoto é bem abaixo se


comparado ao índice de fornecimento de água tratada. Mas por que isso
acontece? Pode ser que seja por causa da pouca visibilidade que os in-
vestimentos em infraestrutura em coleta de esgoto proporcionam aos
governos marqueteiros, que acima de tudo, buscam os fins eleitoreiros
nas ações pública realizadas.

Contudo, certamente essa deficiência quanto ao atendimento à po-


pulação pela rede de esgotos reflete na necessidade de maiores investi-
mentos em saúde pública, considerando que para cada um real investido
em saneamento, obtém-se uma economia de quatro reais em saúde,
conforme dados da Organização Mundial da Saúde – 2014, obtidos em
consulta ao sítio do Instituto Trata Brasil3

2 Disponível em http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisti-
cas (acesso em 26/09/2019)
3 Disponível em http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisti-
cas (acesso em 26/09/2019)

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239
Estudos de Direito do Saneamento

Ademais, em sua pesquisa mais recente intitulada “Benefícios Eco-


nômicos e Sociais da Expansão do Saneamento brasileiro 2018”, o Ins-
tituto Trata Brasil concluiu que a economia com a melhoria das condi-
ções de saúde pública da população brasileira no período de 2004 e
2016 foi de R$ 1,737 bilhão!

Portanto, ainda que o investimento em infraestrutura de coleta de es-


goto não implique na visibilidade eleitoreira almejada pelo governante,
a economia de recursos financeiros públicos que este pode proporcionar
acena ao bom uso do dinheiro público e acerto no exercício da política
pública em favor do seu eleitorado e, em última análise, a toda a popula-
ção pelo atendimento de suas necessidades mais básicas.

No cenário brasileiro, constatou-se um incremento nos investimen-


tos em infraestrutura, inclusive em saneamento básico pelo governo
federal, através da implantação do Plano de Aceleração e Crescimento
– PAC 1 – entre os anos de 2007 a 2010. Após 2010, houve o emplaca-
mento do PAC 2, com a finalidade de revisar e complementar o investi-
mento feito no período anterior.

Ainda assim, é preciso que haja a efetiva distribuição da justiça social com
o incremento dos índices de acesso, a fim de que se estabeleça uma equida-
de nos números regionais da prestação do conjunto global dos serviços que
compõem o saneamento básico, garantindo-se a toda a população brasilei-
ra, sem limites, o mínimo exigível para a dignidade da pessoa humana.

Diante do exposto, concluímos pela essencialidade da universalização


dos serviços de saneamento básico para proporcionar qualidade de vida,
saúde pública, bem como o incremento em atividades econômicas como
a geração de empregos na própria execução das obras de saneamento.

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240
3. O CENÁRIO LEGAL DO DIREITO DO SANEAMENTO NO BRASIL:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEI N.º 11.445/2007, A LEI NACIONAL DO
SANEAMENTO BÁSICO.

Primeiramente, farei um brevíssimo resumo da evolução da gestão


do saneamento básico no Brasil.

Nem sempre a titularidade do serviço de saneamento pertenceu aos


Municípios, os quais inicialmente não eram reconhecidos como entes
autônomos da Federação. Nesta fase, a responsabilidade pela condução
da política de saneamento era exclusiva dos Estados, sendo que, com o
passar do tempo, os Municípios passaram a intervir modestamente atra-
vés da criação de autarquias municipais com a finalidade de administrar
o sistema de águas e esgotos.

Posteriormente, com a criação do Plano Nacional de Saneamento Bá-


sico -PLANASA – em 1969, os Estados se fortaleceram na sua função de
prestador de serviços, pois recebiam recursos para a criação e manuten-
ção das Companhias Estaduais de Saneamento, que detinham a gestão
centralizada do saneamento.

Finalmente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a


inclusão dos Municípios como entes federativos autônomos, foi inevitá-
vel a alteração no modelo de gestão do saneamento básico.

Com efeito, a Constituição Federal em seu Título III, ao dispor sobre a Or-
ganização do Estado e as competências federativas para legislar ou material
relacionadas à saúde pública, desenvolvimento urbano, dignidade humana e
recursos hídricos, abrangeu implicitamente o saneamento básico.

Mas fez mais.

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241
Estudos de Direito do Saneamento

Vejamos que o Inciso XX, do artigo 214 prevê a competência material


exclusiva da União instituir as diretrizes para o desenvolvimento urba-
no, incluindo expressamente o saneamento básico. A União, no exercício
dessa competência, editou a Lei n.º 11.445/2007.

Outrossim, em seu Inciso V do artigo 30 da Constituição Federal pre-


vê a titularidade da gestão dos serviços de saneamento básico pelos
Municípios, uma vez que estes podem ser enquadrados como serviços
públicos de interesse local de caráter essencial.

Ainda, o Inciso IX do artigo 23 da Constituição Federal dispõe sobre


a competência material comum da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios para promover a melhoria das condições de habitação e sa-
neamento básico, e no Inciso XI para “registrar, acompanhar e fiscalizar
as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos
e minerais em territórios brasileiros”. Tais disposições possibilitariam a
cooperação federalista quanto às políticas públicas de saneamento.

Em seguida, no §3.º do artigo 25, o legislador constituinte regula-


mentou a integração de Municípios com a finalidade de executar funções
públicas de interesse comum, tal como o saneamento, por meio de lei
complementar estadual.

Desse modo, nota-se que apesar da titularidade dos serviços de sa-


neamento pertencer aos Municípios, previu-se a cooperação federativa
no que concerne ao planejamento, gestão e fiscalização.

4 Artigo 21: Compete à União: (...)


XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, sanea-
mento básico e transportes urbanos; (...)

Voltar ao índice
242
Com a edição da já mencionada Lei n.º 11.445/2007, em 05 de ja-
neiro de 2007, a União estabeleceu as diretrizes nacionais para o sanea-
mento básico dispondo sobre a necessidade da elaboração do plano de
saneamento básico pelo titular dos serviços (artigo 9.º), sua regulação,
fiscalização e execução, possibilitando que tais funções sejam exercidas
por entes independentes.

A citada lei inovou no ordenamento jurídico uma vez que previu as


seguintes funções distintas: a) função planejadora; b) função reguladora
e de fiscalização; e c) função executora.

É a partir da elaboração do plano de saneamento básico que o Muni-


cípio, juntamente com sua população, analisará os dados fáticos de sua
realidade e traçará os objetivos a serem alcançados, criando uma progra-
mação de fases a serem implementadas que, passo a passo, culminará no
pleno atendimento das necessidades locais.

Vale anotar que a titularidade do serviço é indelegável, mas é possível


delegar sua prestação, bem como sua regulação e fiscalização, ressaltan-
do que estas funções estão adstritas às previsões do Plano Municipal de
Saneamento aprovado.

A fim de perseguir a universalização do saneamento básico, a Lei Na-


cional de Saneamento Básico inseriu em suas disposições, a possibilida-
de da prestação regionalizada dos serviços, isto é, abrangendo dois ou
mais Municípios, desde que a situação se enquadre nas características
no artigo 14 e seus incisos5. Ainda neste caso, a prestação dos serviços

5 Artigo 14.  A prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento bási-


co é caracterizada por:
I - um único prestador do serviço para vários Municípios, contíguos ou não;
II- uniformidade de fiscalização e regulação dos serviços, inclusive de sua remuneração;
III - compatibilidade de planejamento.

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243
Estudos de Direito do Saneamento

regionalizada deverá se subsumir ao Plano de Saneamento compatível


com o conjunto de Municípios atendidos.

E mais do que isso, a Lei n.º 11.445/2007 estabeleceu como dire-


triz da política federal de saneamento, no seu Inciso XI do artigo 486, o
estímulo à implementação de infraestruturas e serviços comuns a Mu-
nicípios, incentivando a cooperação federativa. De fato, através da soli-
dariedade entre os Municípios é possível potencializar as políticas públi-
cas de infraestrutura, mormente as de saneamento.

Isto porque com o desenvolvimento econômico e urbano das cidades,


foi surgindo a necessidade natural de que os serviços ultrapassassem os
limites delimitados do Município para atender uma região de dois ou
mais Municípios. Em verdade, nos dias de hoje, os problemas urbanos
são praticamente sempre metropolitanos, já que os Municípios não fun-
cionam isoladamente, mas de maneira integrada.

Nesse sentido, ao interesse local de um Município acrescenta-se a


necessidade concomitante de atendimento de interesse “interlocal” ou
regional. Para que ambos os interesses sejam atendidos satisfatoria-
mente, a Constituição Federal previu a intervenção do Estado, que de-
verá organizar essa integração, bem como planejar a forma de execução
das políticas de saneamento comum, por meio de lei complementar,
preservando a titularidade dos Municípios.

Passaremos a analisar as formas de prestação de serviços regionaliza-


da, como instrumento de uma política pública mais eficiente e abrangente,

6 Artigo 48: A União, no estabelecimento de sua política de saneamento básico,


observará as seguintes diretrizes: (...)
XI – estímulo à implementação de infra-estruturas e serviços comuns a Municípios,
mediante mecanismos de cooperação entre entes federados.

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244
considerando os altos custos da instalação e manutenção de um sistema
de saneamento básico, bem como a exigência técnica que esse tipo de
serviço necessita, possibilitando ainda a utilização de subsídios cruzados.

4. PRESTAÇÃO REGIONALIZADA DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO.


GESTÃO ASSOCIADA: CONSÓRCIOS (ASSOCIAÇÃO VOLUNTÁRIA) E RE-
GIÕES METROPOLITANAS (ASSOCIAÇÃO COMPULSÓRIA).

É quase intuitivo o entendimento de que a prestação regionalizada do


serviço de saneamento proporciona benefícios econômicos aos integrantes
do bloco de Municípios, bem como para o próprio prestador dos serviços.

Isto porque para o prestador dos serviços, quanto mais Municípios


delegarem os serviços para ele, maior será o sistema de saneamento a
ser executado e mantido, com maior possibilidade de ganhos econômi-
cos e, de outro lado, para os Municípios delegatários, o custo de se cons-
truir um único sistema integrado, permitiria uma economia em escala.

Ademais, na regionalização da prestação dos serviços a política tarifária


de financiamento ocorre por meio de recursos financeiros oriundos de to-
dos os Municípios integrantes do bloco, é o chamado “financiamento por
subsídios tarifários”. Por esse motivo é possível, na prática, a utilização do
instrumento de política econômica denominado “subsídios cruzados”, cuja
definição encontra-se no Inciso VII do artigo 3.º da Lei n.º 11.445/20077.

7 Artigo 3.o  Para os efeitos desta Lei, considera-se:


(...)
VII - subsídios: instrumento econômico de política social para garantir a universalização do
acesso ao saneamento básico, especialmente para populações e localidades de baixa renda;

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245
Estudos de Direito do Saneamento

Trata-se de instrumento utilizado para corrigir a desigualdade eco-


nômica existente entre Municípios integrantes do mesmo bloco regional
em prol da universalização do saneamento. Neste caso, os Municípios
economicamente mais favorecidos financiam todo (ou a maior parte do)
o sistema de saneamento do bloco, beneficiando os Municípios defici-
tários, que por si só não possuiriam capacidade econômica para imple-
mentá-lo. A manutenção desse equilíbrio econômico dá-se com base na
cooperação entre os Municípios parceiros.

Outrossim, há casos em que a integração entre os Municípios funcio-


na como premissa para a viabilidade de um sistema de abastecimento
de água, como por exemplo quando as áreas municipais de drenagem
escoam para o mesmo curso d’agua fazendo parte de uma única bacia hi-
drográfica. O acesso e a exploração racional dos recursos hídricos, neste
caso, é comum às regiões da mesma bacia hidrográfica, sendo necessá-
ria a associação dos Municípios envolvidos para viabilizar a prestação do
serviço de saneamento.

Conforme exposto, a prestação regionalizada dos serviços por um


único prestador exige a reunião de um ou mais Município, contíguos ou
não – bloco de Municípios- e visa a implantação de uma política unificada
para o atendimento dos interesses locais comuns com uniformidade de
fiscalização, regulação, remuneração e compatibilidade de planejamen-
to. A própria Lei n.º 11.445/2007, em seu artigo 14, estabeleceu as carac-
terísticas da prestação regionalizada do serviço de saneamento básico.

No bloco de Municípios onde há uma integração compulsória, a titu-


laridade dos serviços não para o Estado, mas pode-se considerar que seja
uma titularidade conjunta dos Municípios e do Estado. Sua instituição se
dá por meio de lei complementar estadual, conforme previsto no §3.º do

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246
artigo 25 da Constituição Federal8. São as chamadas regiões metropolita-
nas, aglomerações urbanas e microrregiões.

Já no bloco de integração induzida, há a gestão associada voluntária


(artigo 3.º, Inciso II da Lei n.º 11.445/20079) dos Municípios interessados
que se juntam por meio de ato administrativo federal ou estadual, com a
criação de uma pessoa jurídica interfederativa para exercer a titularidade
do bloco. São os consórcios públicos ou convênios de cooperação previs-
tos no artigo 241 da Constituição Federal10.

A Lei n.º 11.107/2005 regulamentou o artigo 241 da Constituição Fe-


deral e dispôs sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos.

É através dos consórcios públicos ou convênios de cooperação com


os entes interessados, que se firmam as parcerias voluntárias que satis-
façam critérios técnicos e financeiros com o intuito de organizar a pres-
tação de um serviço público de interesse regional. Esse interesse decorre
geralmente da proximidade física entre os Municípios.

A doutrina entende que no consórcio há um negócio jurídico plurila-


teral de cooperação mútua e sua natureza pode ser pública ou privada.

8 Artigo 25, § 3.º. Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir re-
giões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamen-
tos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de
funções públicas de interesse comum.
9 Artigo 3.o  Para os efeitos desta Lei, considera-se:
II - gestão associada: associação voluntária de entes federados, por convênio de coo-
peração ou consórcio público, conforme disposto no artigo 241 da Constituição Federal;
10 Artigo 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão
por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes fe-
derados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência
total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos  (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998).

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247
Estudos de Direito do Saneamento

O consórcio é formalizado por meio da assinatura do contrato, mas pre-


viamente cada ente federativo deverá elaborar um protocolo de intenções
que precisa ser aprovado por cada legislativo local, onde constarão as cláu-
sulas necessárias previstas nos incisos do artigo 4.º da Lei n.º 11.107/200511.

11 I – a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio;


II – a identificação dos entes da Federação consorciados;
III – a indicação da área de atuação do consórcio;
IV – a previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurí-
dica de direito privado sem fins econômicos;
V – os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar o consórcio
público a representar os entes da Federação consorciados perante outras
esferas de governo;
VI – as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para
a elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público;
VII – a previsão de que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio
público e o número de votos para as suas deliberações;
VIII – a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do con-
sórcio público que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo
de ente da Federação consorciado;
IX – o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados pú-
blicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
X – as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou
termo de parceria;
XI – a autorização para a gestão associada de serviços públicos, explicitando:
a) as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público;
b) os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão
prestados;
c) a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autoriza-
ção da prestação dos serviços;
d) as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no caso de a
gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou
entidade de um dos entes da Federação consorciados;
e) os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços
públicos, bem como para seu reajuste ou revisão; e
XII – o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações,
de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público.

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248
Dessa maneira, verifica-se que a organização de um consórcio é com-
plexa, exigindo a disposição efetiva dos entes envolvidos e de seus órgãos
legislativos, a fim de que o desenvolvimento conjunto da política pública
alcance o interesse regional comum.

5. REGIÕES METROPOLITANAS: FORMA DE INSTITUIÇÃO. ARTI-


GO 25, §3.º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REQUISITOS E A VISÃO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

As regiões metropolitanas foram previstas para os casos em que ocor-


re a impossibilidade de resolução de problemas comuns individualmente
pelos Municípios de um dado bloco, exigindo a atuação conjunta e coorde-
nada de todos os Municípios, observando-se o interesse comum regional.

Aliás, representa o exercício puro e simples do pacto federativo, que


propõe a cooperação entre os entes através do desenvolvimento de uma
política pública regional, para o atingimento de um objetivo que ultrapas-
sa os limites territoriais de um único Município.

Na definição do Professor Paulo Modesto12, trata-se de uma “moda-


lidade de gestão associada compulsória, definida por lei complementar,
independentemente da manifestação, autorização, homologação ou
aprovação da adesão pelos municípios limítrofes.”.

Portanto, observa-se que a participação de cada Município do bloco


regional é compulsória e vinculada, sob pena de ineficácia das políticas
públicas desenvolvidas. Como decorrência dessa compulsoriedade, não se

12 P. MODESTO, Região Metropolitana, Estado e Autonomia Municipal: a gover-


nança interfederativa em questão, ano 2016, número 66, disponível em www.direitodoes-
tado.com.br/colunistas/paulo-modesto/regiao-metropolitana-estado-e-autonomia-muni-
cipal-a-governanca-interfederativa-em-questao (Acesso em 29/09/2019)

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249
Estudos de Direito do Saneamento

vislumbra a possibilidade do Município se retirar do bloco por vontade pró-


pria. Ele não possui esse direito, pois essa conduta afetaria e até mesmo
inviabilizaria o desenvolvimento da política regional de infraestrutura.

Mencionada compulsoriedade foi citada e confirmada pelo Ministro


Gilmar Mendes por ocasião de seu voto no julgamento da ADI n.º 1842,
da seguinte maneira:

Ressalte-se que o caráter compulsório da participação dos muni-


cípios em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações
urbanas já foi acolhido pelo Pleno deste STF, ao julgar inconsti-
tucional tanto a necessidade de aprovação prévia pelas Câmaras
Municipais (ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002)
quanto a exigência de plebiscito nas comunidades interessadas
(ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999).

Importante observar que esse caráter compulsório da participação dos


Municípios integrantes das regiões metropolitanas não exclui ou diminui a
autonomia municipal, tão cara à Constituição Federal, uma vez que estas
(regiões metropolitanas) não possuem competência legislativa, mas tão so-
mente competências administrativas para o planejamento, fiscalização e exe-
cução dos serviços, com o intuito de trazer uniformidade à política pública.

De se observar que a região metropolitana não pode ser considerada


um ente federativo com autonomia política, possuindo natureza admi-
nistrativa voltada à prestação dos serviços públicos comuns, conforme a
doutrina pátria tem entendido13.

13 “A Região Metropolitana será sempre uma divisão simplesmente administrativa


e a entidade ou órgão que a administrar não poderá ir além de uma organização com au-
tonomia administrativa e financeira, seja com personalidade jurídica de direito público (au-
tarquia), seja com personalidade de direito privado (empresa estatal), seja sob a forma de
órgão do Estado (Secretaria de Estado, Departamento, Divisão etc.), seja sob a modalidade
colegiada de Conselho ou Comissão.” H. LOPES MEIRELLES, Direito Municipal brasileiro, 16.
ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 84.

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250
Com efeito, a competência legislativa dos Municípios em relação às
matérias de interesse preponderantemente local fica preservada, assim
como a competência legislativa residual do Estado nas demais matérias.

Destarte, nas regiões metropolitanas a autonomia municipal (autogo-


verno e autoadministração) se mantém íntegra, ressaltando apenas que
seu exercício está condicionado aos interesses regionais a que se vinculam.

Neste ponto, vejamos quão esclarecedor foi o emblemático Acórdão


do STF, de 06/03/2013, proferido na ADI 1842-RJ:

3. AUTONOMIA MUNICIPAL E INTEGRAÇÃO METROPOLITANA.

(...)

O interesse comum e a compulsoriedade da integração metro-


politana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O
mencionado interesse comum não é comum apenas aos municí-
pios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento
urbano. O caráter compulsório da participação deles em regiões
metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi aco-
lhido pelo Pleno do STF (ADI 1841/R], Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999).

O interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam a


mais de um município, assim como os que, restritos ao território de um
deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou
integrados de funções públicas, bem como serviços supramunicipais.

Em relação ao papel do Estado na instituição das regiões metropolita-


nas, este consiste em identificar as motivações para a criação do agrupa-

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251
Estudos de Direito do Saneamento

mento e, por meio de lei complementar estadual, organizar a integração


entre os Municípios, bem como planejar de maneira solidária e conjunta
a execução de serviços de interesse regional, tais como os de saneamen-
to, sem assumir sua titularidade.

Nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa no julgamento da citada


ADI 1942-RJ, a lei estadual complementar possui “reserva legal qualifi-
cada”, ou seja, pode dispor somente sobre a matéria que a Constituição
Federal no seu §3.º do artigo 25 determina, qual seja, a criação da região
metropolitana, a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum.

Releva anotar a conclusão de que nas regiões metropolitanas, a titu-


laridade do serviço não pertence exclusivamente nem aos Municípios e
nem ao Estado, mas converte-se em uma titularidade integrada.

Sobre o tema, o Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto na ADI


1942, cita a doutrina do professor Alaôr Caffé14, que replicamos:

(...) a titularidade desses serviços comuns é compartilhada entre


municípios e Estado. (...) os municípios metropolitanos, isolada-
mente considerados, não são titulares desses serviços comuns.
O Estado não é, igualmente, titular isolado dos mesmos. As de-
cisões sobre sua organização, planejamento, prestação, conces-
são e controle devem ser conjuntas, nos termos de um controle
deliberativo metropolitano, de caráter público e autárquico, in-
tergovernamental, no qual tenham assento representações dos
municípios metropolitanos e do Estado.

14 A. CAFFÉ ALVES, “Saneamento básico: A obscuridade jurídica e suas razões”,


in Revista Sanear, Brasília, 2008, n.º 3; Ago, 2008, pp, 12-20, obra citada pelo Ministro
Ricardo Lewandowski

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252
Ademais, o Ministro Gilmar Mendes em seu voto na ADI 1942, men-
ciona a criação de um órgão colegiado denominado Conselho Deliberati-
vo, com a participação de todos os integrantes da região metropolitana
(Municípios e Estado), onde não há a imposição da vontade de apenas
um deles sobre o outro, que tem como função a “administração centra-
lizada” e funcionaria como um órgão uniformizador sob aspecto técnico,
de regulação e fiscalização dos serviços.

Nesse sentido, trago como exemplo as disposições da Constituição


Estadual de São Paulo que previu em sua Seção II, artigo 153 caput, a
criação das entidades regionais “para integrar a organização, o planeja-
mento e a execução de funções públicas de interesse comum, atendidas
as respectivas peculiaridades”, acrescentando em seu artigo 15415 a ne-
cessidade de criação de um “conselho de caráter normativo e deliberati-
vo” para prover a administração dessas entidades.

15 Artigo 154 - Visando a promover o planejamento regional, a organização e exe-


cução das funções públicas de interesse comum, o Estado criará, mediante lei complemen-
tar, para cada unidade regional, um conselho de caráter normativo e deliberativo, bem
como disporá sobre a organização, a articulação, a coordenação e, conforme o caso, a fusão
de entidades ou órgãos públicos atuantes na região, assegurada, nestes e naquele, a parti-
cipação paritária do conjunto dos Municípios, com relação ao Estado.
§1.º - Em regiões metropolitanas, o conselho a que alude o caput deste artigo inte-
grará entidade pública de caráter territorial, vinculando-se a ele os respectivos órgãos
de direção e execução, bem como as entidades regionais e setoriais executoras das
funções públicas de interesse comum, no que respeita ao planejamento e às medidas
para sua implementação.
§2.º - É assegurada, nos termos da lei complementar, a participação da população no
processo de planejamento e tomada de decisões, bem como na fiscalização da realização
de serviços ou funções públicas em nível regional.
§3.º - A participação dos municípios nos conselhos deliberativos e normativos regio-
nais, previstos no caput deste artigo, será disciplinada em lei complementar.

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253
Estudos de Direito do Saneamento

O entendimento do Supremo Tribunal Federal16 é de que neste órgão


colegiado não há a necessidade de paridade de representação, mas tam-
bém não pode existir o controle majoritário por um único ente.

Por outro lado, em relação à composição desse órgão colegiado, es-


tabeleceu-se entendimentos divergentes dos ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, elencados pelo professor Paulo Modesto no citado artigo,
da seguinte maneira:

Para o Ministro Nelson Jobim, o colegiado metropolitano cor-


porifica o “somatório integrado das competências e atribuições
dos municípios formadores”. (grifo nosso).  O interesse metro-
politano é o “conjunto de interesses dos Municípios, sob uma
perspectiva intermunicipal”. Somente os Municípios podem
autorizar ou conceder o exercício por órgão próprio ou por
outro órgão (público ou privado) das funções administrativas e
executivas da região metropolitana, através de decisão do con-
selho deliberativo, especialmente  aqueles referentes ao sanea-
mento básico. O Estado não participa do colegiado. O Estado
tem apenas papel de instituir a região metropolitana, exerce
competência procedimental. É um poder-dever, mas não é um
cheque em branco para o legislador estadual.

16 Acórdão do STF – Plenário de 06.03.2013, proferido na ADI n.º 1842 – RJ, Rel.
Min. Luiz Fux – Redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, Publicado em 16.09.2013: “5. (...)
O parâmetro para aferição da constitucionalidade reside no respeito à divisão de respon-
sabilidades entre municípios e estado. É necessário evitar que o poder decisório e o poder
concedente se concentrem nas mãos de um único ente para preservação do autogovemo e
da autoadministração dos municípios.
Reconhecimento do poder concedente e da titularidade do serviço ao colegiado for-
mado pelos municípios e pelo estado federado. A participação dos entes nesse colegiado
não necessita de ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório
no âmbito de um único ente. A participação de cada Município e do Estado deve ser es-
tipulada em cada região metropolitana de acordo com suas particularidades, sem que se
permita que um ente tenha predomínio absoluto. (...)”

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254
Para o  Ministro Gilmar Mendes, o  interesse comum  não é co-
mum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos
municípios do agrupamento urbano. Por isso, deve ser reconhe-
cido a condição de poder concedente e da titularidade do serviço
ao colegiado formado pelos municípios e pelo estado federado,
não sendo necessário participação paritária, desde que não haja
predomínio absoluto. Todos os municípios integrantes devem ser
representados. Os que não compõem a região, mas podem ser
afetados, são representados pelo Estado. A participação do Esta-
do federado nesta organização é imprescindível.

Para o Ministro Maurício Correia seria viável a avocação estadual


da matéria municipal com alcance intermunicipal e, por isso, regio-
nal. A constituição, pelo art. 25, § 3º, autorizaria isso. Os municípios
com isso teriam autonomia condicionada desde a origem e não
autonomia incondicionada eventualmente restringida. Ademais,
em matéria de saneamento, as águas superficiais ou subterrâneas,
fluentes, emergentes e em depósito, nos limites do território do
Estado-membro, são bens deste (CF, art. 26, I).

Para o Ministro Joaquim Barbosa, instituída a região, a titularida-


de do exercício das funções públicas comuns passa  para a enti-
dade público-territorial administrativa, de caráter intergoverna-
mental. Estado e Municípios, em conjunto, devem dispor sobre a
exploração de serviços públicos (ADIN 1842/RJ, p. 48).

Para o Ministro Ricardo Lewandowski, instituída a região, a titula-


ridade dos serviços não mais pode ser imputada ao Estado ou aos
Municípios, mas apenas ao conjunto, conformado em autarquia
territorial intergovernamental e plurifuncional, sem personalida-
de política (p. 243), isto é, dotado obrigatoriamente de personali-
dade jurídica (p. 266).  Nos colegiados também deve ser assegu-
rada a participação ou representação popular, pois esta deve ser
assegurada nas questões de decisão urbana.

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255
Estudos de Direito do Saneamento

Para o  Ministro Teori Zavaski  os votos divergentes do voto do


Ministro Maurício Correa são claros em inadmitir a transferência
automática de atribuições municipais para o Estado pela insti-
tuição da região metropolitana, mas não há sobre o tópico de
como deve ser formatada juridicamente uma região metropolita-
na voto algum semelhante, que assegure uma solução uniforme.

No entanto, o redator para o acórdão, o eminente Min. Gilmar Men-


des, fez constar da ementa a sua concepção sobre a necessária par-
ticipação do Estado no colegiado dirigente da região metropolitana.

Sob o aspecto formal, a criação da região metropolitana depende de uma


lei complementar estadual que agrupe um bloco de Municípios reconhecendo
a existência de interesse regional comum, e assim o qualifique como tal.

Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal, decidiu na ADI 1841


que “a instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões, constituídas por agrupamento de municípios limítrofes,
depende, apenas, de lei complementar estadual.”.

6 - CONCLUSÃO

Não podemos admitir que nos dias de hoje, em pleno século XXI, a
população brasileira não tenha sido beneficiada em sua integralidade pe-
los serviços que compõe o Sistema de Saneamento Básico. Isto porque,
tais serviços são do tipo minimamente exigíveis para uma adequada con-
dição de higiene e qualidade de vida, evitando mortes precoces, dissemi-
nação de doenças e tudo o que daí pode advir.

Portanto, a busca pela universalização do serviço de saneamento bá-


sico deve ser uma prioridade tanto para a população, quanto para o go-
verno, em todas as esferas da Federação.

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256
Nesse sentido, deve-se exercitar na prática o princípio da solidarieda-
de entre os entes incentivando a formalização de parcerias entre Municí-
pios e Estado com interesses regionais comuns, tanto por meio da gestão
associada voluntária – consórcios e convênios de cooperação -, quanto
por meio da gestão associada compulsória – regiões metropolitanas.

Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal já se manifes-


tou sobre as diretrizes de formação das regiões metropolitanas, sen-
do o julgamento da ADI 1942/RJ um marco jurisprudencial sobre essa
complicada questão que exigiu do Tribunal o enfrentamento de temas
como a autonomia municipal, a titularidade dos serviços e os limites da
competência do Estado.

Acreditamos que essa feição solidária entre os entes da Federação deve


ser disseminada para todas aquelas políticas públicas essenciais à dignida-
de humana e ao desenvolvimento do próprio país. Não se admite mais nos
dias de hoje a atuação descoordenada dos entes federativos, mormente
aquela que em última análise enseja prejuízo à resolução de problemas
estruturais comuns, sendo neste caso compulsório o agrupamento.

Ora, o sucesso de políticas públicas exige o esforço conjunto e har-


monioso dos Municípios e Estados, sendo certo que o cenário legal posto
criou condições essenciais para a efetividade do Federalismo Cooperativo.

Vale destacar, por fim, que os recursos hídricos são considerados


recursos naturais renováveis, mas diante do mau uso e do desperdício,
atualmente o planeta enfrenta problemas no seu ciclo natural de reposi-
ção, sofrendo com a escassez de água.

Esse é outro motivo que enseja a colaboração entre os entes vi-


sando o uso racional dos recursos naturais oferecidos, uma vez que
a água é bem essencial para a vida. Todos os países e povos devem

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257
Estudos de Direito do Saneamento

se preocupar em proteger e conservar esse bem, além de desenvolver


políticas de desenvolvimento sustentável, sem comprometer as neces-
sidades das gerações futuras.

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258
A prestação do serviço público
de saneamento básico de
forma contratada
Análise crítica dos elementos
que envolvem tal relação jurídica
CRISTIANE SOUZA BRAZ COSTA1

a1

Resumo

O presente artigo visa abordar as formas de prestação contratada do


serviço de saneamento básico no Brasil, baseado no conceito revisitado de
serviço público voltado a promover direito fundamental dos cidadãos. Com
fundamento no direito comparado, nas novas modalidades de cooperação
do Poder Público, assim como em razão da sua categorização como atividade
econômica, pretende-se discorrer acerca da contratação destes serviços no
país, cujo predomínio, por razões históricas, é conferido às estatais, assim
como se objetiva realizar análise crítica dos critérios legais que motivam a
escolha do prestador do serviço e implicações na livre concorrência.

1 Procuradora Federal. Graduada em Direito (UFBA). Especialista em Direito Civil


(UFBA). Coordenadora de Convênios na Fundação Nacional de Saúde-FUNASA. e-mail: cris-
tiane.braz@funasa.gov.br/cristiane.costa@agu.gov.br. Endereço Profissional: SRTN, Q.701,
LOTE D, 70719-040, Asa Norte, Brasília-DF.

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259
Estudos de Direito do Saneamento

Palavras-chave: Saneamento Básico. Serviço Público. Contrato de


Programa. Empresas Estatais. Concessão.

Abstract

This article deals with the ways of public procurement for basic sanitati-
on services in Brazil, based on the revisited concept of public service aimed
at promoting the fundamental right of citizens. Focusing on the comparati-
ve law and the new categories of Public Authority cooperation, intended to
analyze the requirements (or motivation) to contract public companies, in
a direct way, for their services provision and the effects on free competition.

Keywords: Basic Sanitation. Public Service. Public Companies. Con-


cession Contract.

Sumário
Introdução; 1. Da prestação do serviço público de natureza
econômica e a intervenção direta do Estado no domínio econô-
mico mediante a criação das estatais; 2. Das formas de prestação
do serviço público de saneamento e das relações jurídicas con-
tratuais decorrentes; 3. Da contratação de estatais sem procedi-
mento de concorrência. Direito comparado europeu. Relação in
house-providing; 4. Da cooperação horizontal para execução dos
serviços públicos no Brasil. Do contrato de programa na lei dos
consórcios públicos; 5. Do contrato de programa para execução
dos serviços públicos de saneamento básico. 5.1. Da escolha mo-
tivada da forma de prestação do serviço público de saneamento;
Condições de validade dos contratos para a prestação do serviço;
6. Considerações Finais.

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260
INTRODUÇÃO

O saneamento básico no Brasil é reconhecido, embora de forma im-


plícita, como direito fundamental, haja vista ser um dos instrumentos
para o alcance do direito à vida saudável. Por ser essencial à promoção
da dignidade da pessoa humana, e, portanto, devido à necessidade de se
garantir o seu acesso à toda a coletividade, foi erigido, no nosso Direito
pátrio, à condição de serviço público, regido por um conjunto de princí-
pios que confirmam a sua imprescindibilidade social.

Visto sob outro ângulo, as ações que o caracterizam se revestem de na-


tureza econômica, em relação as quais o Estado tem o dever de garantir a
sua prestação, seja mediante sua própria administração, seja por operado-
res privados. A escolha desta forma de prestação, os critérios adotados e as
relações jurídicas daí decorrentes envolvem discussões atuais que tangen-
ciam o direito de auto-organização da Administração Pública, incluindo as
novas formas de cooperação vertical e horizontal, assim como os aspectos
concernentes à intervenção do Estado no domínio econômico.

Considerando que esta temática não se trata de fenômeno isolado


no Brasil, parte-se da análise acerca de institutos similares no direito ali-
enígena, dentre os quais se destacam o accordi di programma do Direito
italiano e a denominada relação in house providing, cujos pressupostos
para configuração servem de base para a apreciação do contrato de pro-
grama largamente utilizado no setor de saneamento

Neste contexto, no presente artigo, examinam-se os requisitos jurídi-


cos que deveriam motivar a escolha quanto à forma da prestação do ser-
viço, assim como os pressupostos das relações jurídicas contratuais de-
correntes, com foco no contrato de programa celebrado com as estatais.

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261
Estudos de Direito do Saneamento

1. DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE NATUREZA ECONÔMI-


CA E A INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
MEDIANTE A CRIAÇÃO DAS ESTATAIS.

Atualmente, verifica-se no mundo um movimento doutrinário que


atribui novas concepções a diversos institutos jurídicos próprios do Di-
reito Administrativo, dentre os quais se destacam as características e
finalidades atribuídas ao serviço público. No Brasil, seguindo tal ten-
dência, não poderia ser diferente a partir da promulgação da Consti-
tuição-Cidadã, que, como reflexo da criação de diversos direitos funda-
mentais, impôs novas obrigações ao Estado.

Com efeito, nos moldes da doutrina administrativista de vanguarda2 3, que


é a base do presente artigo, o conceito de serviço público deve ser revisitado,
no sentido de ser compreendido como atividade que busca suprir as necessi-
dades coletivas e efetivar os direitos fundamentais dos cidadãos. Em tal cená-
rio, não mais se mostra apropriada a antiga concepção oriunda da Escola do
Serviço Público, da França, no século XIX, fulcrada no interesse do Estado como
centro de sua gravitação. Não mais se admite conceber o serviço público pelo
aspecto subjetivo, como ainda se constata na jurisprudência da mais alta Corte
do país4, na qual é analisado sob a perspectiva dos benefícios e prerrogativas
especiais para o seu prestador. O seu foco, no entanto, deve ser deslocado para
o aspecto finalístico, que se reveste na verificação do atendimento do interes-
se público contido na ação e não o meramente governamental.

2 SCHIRATO, VITOR RHEIN. “A noção de serviço público em regime de competi-


ção. ” Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, São Paulo, Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/
tde-03092012-110406/pt-br.php. Acesso: 06/03/2019.
3 MARQUES NETO, FLORIANO DE AZEVEDO e GAROFANO, RAFAEL ROQUE. “No-
tas sobre o conceito de serviço público e suas configurações na atualidade”, Revista de
Direito Público da Economia-RDPE, n..º 1, ano 1, jan./mar., Belo Horizonte: Fórum, 2003.
4 STF. Dentre tantos outros julgados, citam-se: RE 1.102.690-RS e RE 599.628/DF.

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262
Apesar da abrangência das obrigações estatais que se inserem no
conceito de serviço público, para fins de delimitação deste trabalho, está
sendo considerado apenas aquele que configura atividade econômica e,
portanto, passível de delegação a particulares, nos termos do artigo 175
da Constituição Federal, doravante “CF”, cujo pressuposto é a concorrência
prévia entre todos os interessados. Esta qualificação econômica atribuída
aos serviços públicos impacta de forma direta na definição dos critérios
para aplicação dos artigos 173 e 175 da CF, assim como faz emergir diver-
sas críticas quanto à arraigada doutrina que divide as estatais em prestado-
ras de serviços públicos e exploradoras de atividades econômicas5.

Destarte, para a doutrina tradicional, os serviços contemplados no


artigo 175 são atividades fora do comércio, os quais, para serem explo-
radas por operadores privados dependem de um título estatal, sendo a
prestação submetida a um regime jurídico especial, o mesmo não acon-
tecendo com aquelas do artigo 173, cuja atuação do privado é livre6.

5 COUTINHO, DIOGO R et alli., “Empresas estatais entre serviços públicos e ati-


vidades econômicas”. Revista Direito GV, v. XV, n.º 1 , p. e1902, jun. 2019. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/79428/75985>.
Acesso em: 11/09/2019. Segundo os autores: “Conclui-se que a dicotomia serviço públi-
co versus atividade econômica em sentido estrito não resiste ao teste de realidade, pois
não dá conta das situações em que ambas as atividades são exercidas por uma mesma
empresa. Ela tampouco forneceu ao STF critérios suficientes a garantir coerência em suas
decisões. Ainda, e mais grave, no tocante à extensão de privilégios incompatíveis com sua
natureza empresarial às estatais de serviços públicos, o STF põe em risco a própria possibi-
lidade de se prestar tais serviços por meio de estatais e distorce a competição. ”
6 SILVA, ALMIRO DO COUTO E. “Privatização no Brasil e o novo exercício de fun-
ções públicas por particulares. Serviço público “à brasileira”? ” Revista de Direito Admi-
nistrativo, n.º.230, out./dez. Rio de Janeiro. 2002, p.58: “Sempre me pareceu discutível a
distinção radical que muitos administrativas brasileiros fazem entre prestação pelo Estado,
de serviços públicos e de atividade econômica. Os primeiros estariam regidos pelo art.175
da Constituição e a última pelo art.173. Ora, essa separação absoluta-que melhor seria
dizer oposição absoluta, - entre as duas noções talvez tenha existido no século XIX.

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263
Estudos de Direito do Saneamento

Por sua vez, para doutrinadores modernos7, a diferença não está pautada
no aspecto subjetivo, como se fossem campos de atuação estanques. Partindo
do pressuposto que ambos se reportam a atividades econômicas, o artigo 175
é voltado para disciplinar as atividades que o Estado necessariamente deverá
prestar ou garantir, haja vista que se traduzem em instrumentos para atendi-
mento de algum direito fundamental do cidadão. O mesmo não ocorre em
relação aquelas disciplinadas pelo artigo 173, cuja atuação estatal é discricio-
nária e subsidiária, havendo a intervenção direta somente em caso de relevan-
te interesse público ou imperativos de segurança nacional, previstos em lei8.

Tendo como premissa o fato de que os dispositivos constitucionais em


referência estão inseridos no capítulo da Ordem Econômica, qualquer for-
ma de atuação do Estado nesta órbita, de maneira obrigatória ou discricio-
nária, configura uma interferência, de modo que as relações daí decorren-
tes devem ser compatíveis com um dos seus fundamentos, que é a livre
iniciativa, assim como o princípio norteador da livre concorrência.

Enquadrando o serviço de saneamento em tal contexto, observa-se que


é dotado de conteúdo econômico9, e, em face de ser essencial à dignidade

7 SCHIRATO, VITOR RHEIN. Op., cit., p.93-102.


8 MARQUES NETO, FLORIANO DE AZEVEDO. “Finalidades e fundamentos da moder-
na regulação econômica”. Fórum Administrativo. Direito Público - FA, n.º 100, ano 9, jun., Belo
Horizonte. 2009, p.85-93. Cf. preceitua o autor: “a intervenção direta na ordem econômica,
predominante entre nós até o início dos anos 1990, tinha por viés uma postura contrária ao
mercado. Os interesses do Estado-Nação eram necessariamente contrários aos interesses pri-
vados, pois a realização destes implicaria em interdição à consecução daqueles. ”
9 MARQUES NETO, FLORIANO DE AZEVEDO. “A regulação no setor de saneamen-
to”, in Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, Berenice de
Souza Cordeiro, coord., Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS). Instru-
mentos das políticas e da gestão dos serviços públicos de saneamento básico, Brasília, 2009,
p.165-191. Ao discorrer sobre o conteúdo econômico, assim conclui: “Em sociedades predo-
minantemente urbanas, o abastecimento de água potável em cada domicílio e o afastamento
dos despojos produzidos pelo homem, individualmente ou no processo produtivo, implicam
em inegável utilidade dotada de valor econômico. E o tem por possuir um caráter de utilidade
acervável individualmente por cada administrado, por ser um bem (não no sentido do objeto
material), mas de utilidade necessária e escassa) fruível individualmente.”

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264
humana, é reconhecido no Brasil como direito fundamental implícito, eis que
se correlaciona diretamente com o direito à vida e ao meio ambiente ecolo-
gicamente equilibrado, incluindo o espaço urbano e sua interface direta com
os recursos hídricos10. Haja vista estas características, o Poder Público tem o
dever de garantir a sua fruição pelos cidadãos, nos moldes do artigo 175 da
Carta Magna, cuja prestação poderá se dar de forma direta, pelo ente públi-
co que tem o dever de garantir-lhe, ou por delegação.

Historicamente, no Brasil, as atividades econômicas relacionadas


aos setores que demandavam a criação de infraestrutura e altos inves-
timentos foram capitaneadas pelo Poder Público, que, para promover o
desenvolvimento do país, aliado ao desinteresse dos operadores priva-
dos, criou diversas estatais, com espeque no Decreto-lei n.º 200/1967,
para suprimento desta lacuna.

Tal realidade foi muito marcante no setor de saneamento básico com


a instituição de empresas de natureza privada, integrantes da administra-
ção indireta dos Estados, as quais executavam, praticamente com exclu-
sividade, o serviço de saneamento nos Municípios, salvo se estes optas-
sem pela prestação direta. Esta eleição quanto à forma de prestação do
serviço de saneamento decorreu de um plano de governo, denominado
Plano Nacional de Saneamento Básico-PLANASA, cuja Lei n.º 6.528/1978
tinha como diretriz o financiamento destas companhias estaduais, medi-
ante o cumprimento das metas fixadas pelo Banco Nacional de Habita-

10 Cf. Constituição Federal, artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, prote-
ção e recuperação. Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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265
Estudos de Direito do Saneamento

ção. Às mesmas ainda era dispensado tratamento tributário diferencia-


do, com isenção de impostos federais, do mesmo modo que a fixação das
tarifas11 levava em conta a viabilidade do equilíbrio econômico-financeiro
das empresas e o controle era meramente financeiro e sem qualquer
atenção para o usuário, para a qualidade ou eficiência do serviço.

As circunstâncias apontadas, bem como a sua contratação ser condição


intransponível para que os Municípios tivessem acesso aos recursos federais,
fez com estes aderissem aos contratos, sem qualquer possibilidade de deci-
são acerca da forma de prestação ou das suas cláusulas, contribuindo para
o fortalecimento de tais entidades12 e para o desinteresse do setor privado.

11 MARQUES NETO, FLORIANO DE AZEVEDO. “Finalidades e fundamentos da moder-


na regulação econômica”. Fórum Administrativo. Direito Público - FA, n.º 100, ano 9, jun., Belo
Horizonte. 2009, p.85-93.De forma assertiva, comenta o autor: “A majoração ou minoração de
preços podia ser determinada, diretamente, pela vontade política do governante, pautada por
razões de ordem monetária (conter a inflação), fiscal (aumentar a rentabilidade da estatal para
viabilizar o ingresso de recursos no tesouro mediante o pagamento de dividendos ou operações
creditícias), eleitoral (agradar o eleitor em períodos de disputa política), social (ampliar a fruição
de uma utilidade pública essencial) ou mesmo econômica (desincentivar o consumo ou favore-
cer o desenvolvimento de um setor que dependesse do bem ou serviço como insumo).”
12 Assim, nas décadas de 60/70, foram instituídas as seguintes sociedades de econo-
mia mista estaduais: Águas e Esgotos do Piauí S.A-AGESPISA (Leis n.º 2.281/1962 e 2.387/1962;
Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte-CAERN (Lei n.º 3.742/69); Companhia
de Abastecimento D’Água e Saneamento do Estado de Alagoas-CASAL (Lei n.º 2.491/1962);
Companhia Mineira de Água e Esgoto-COMAG, cuja denominação posteriormente passou
a ser Companhia de Saneamento de Minas Gerais-COPASA MG (Lei n.º 2.842/1963 e Lei n.º
6.475/1974); Departamento de Saneamento de Sergipe-DESO (Lei n.º 1.195/1963, transforma-
do pelo Decreto-lei n.º 109/1969 na Companhia de Saneamento de Sergipe-DESO; Empresa de
Saneamento de Mato Grosso do Sul-SANESUL (Decreto n.º 071/1979); Companhia de Água e
Esgoto do Amapá–CAESA (Decreto Lei n.º 490, de 04 de Março de 1969); Companhia Catarinen-
se de Águas e Saneamento-CASAN (Lei Estadual n.º 4.547/1970; Companhia Riograndense de
Saneamento-CORSAN (Lei n.º 5.167/1965);Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A.-EM-
BASA (Lei n.º 2.929/1971); Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão–CAEMA (Lei
Estadual n.° 2.653/1966 e Lei n.° 3.886/1967); Companhia de Água e Esgotos de Brasília–CAESB,
alterada a denominação para Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Decre-
to-Lei n.º 524/1969 e Lei n.º 3.559/2005); Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de
Janeiro-CEDAE (Decreto-Lei n.º 39/1975); Companhia de Saneamento do Amazonas–COSAMA
(Lei n.º 892/1969); Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo-SABESP (Lei n.º

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266
Ocorre que a crise econômica vivenciada pelo país na década de 8013,
a diminuição drástica da capacidade de investimento do Estado e ampli-
ação do rol dos direitos conferidos aos cidadãos, em face da Constituição
Federal de 1988, impulsionaram o Brasil a promover as chamadas refor-
mas estruturantes14, reordenando a atuação do Estado para atividades
consideradas prioritárias, assim como transferindo à iniciativa privada as
de cunho econômico. Neste cenário, foram editadas as leis que permiti-
ram a delegação da prestação de serviços às entidades privadas, median-
te concessão e permissão (Lei 8.987/95 e Lei 9.074/95)15.

119/1973); Companhia de Águas e Esgotos do Amapá-CAESA, Companhia de Água e Esgotos


de Rondônia-CAERD e Companhia de águas e Esgotos de Roraima-CAER (Decreto-lei federal
n.º 490/1969); Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará-CAGECE (Lei n.º 9.499/1971);
Companhia Espírito-santense de Saneamento-CESAN (Lei n.º 2.282/1967); Companhia de Sa-
neamento do Pará-CONSAPA (Lei n.º 4.336/1970); Saneamento de Goiás S.A.-SANEAGO (Lei n.º
6.680/1967); Companhia de Água e Esgotos da Paraíba–CAGEPA (Lei n.º 3459/1966); Compa-
nhia Pernambucana de Saneamento-COMPESA (Lei n.º 6.307/1971); Companhia de Saneamen-
to do Paraná-SANEPAR (Lei n.º 4.878/1964).
Diferente dos demais Estados, no Acre, foi criado o Departamento Estadual de Água e Sa-
neamento–DEAS, posteriormente denominado de Departamento Estadual de Pavimentação e
Saneamento–DEPASA (Lei n.º 1.248/1997), uma autarquia estadual para prestar o serviço de
abastecimento de água e esgotamento sanitário.
13 FIGUEIREDO, LEONARDO VIZEU. “Lições de Direito Econômico”. 8.ª ed., Rio de
Janeiro: Forense.2015, p.75. Segundo o autor: “Na década de 1980, o esgotamento dos re-
cursos públicos, somado ao alto endividamento do Poder Público, resultado do fracasso das
políticas econômicas praticadas, aliada a forte alta de preços advinda de um, até então, in-
controlável e irrefreável processo inflacionário, levou a Nação a decretar a moratória. Com a
Constituinte de 1986, o ordenamento jurídico e o sistema de direito foi refeito, o que implicou
em mudanças do sistema econômico constitucional, o que resultou em uma série de mudan-
ças nas diretrizes econômicas estatais que redundaram na modernização da Nação.”
14 GROTTI, DINORÁ ADELAIDE MUSETTI. “A experiência brasileira nas concessões
de serviço público”. Disponível em:https://www4.tce.sp.gov.br/sites/default/files/A-expe-
riencia-brasileira-concessoes-servico-publico-artigo_0.pdf Acesso em:13/06/2019. Con-
forme pontuado pela autora: “No âmbito brasileiro há três transformações estruturais: 1)
extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro; 2) flexibilização dos monopólios
estatais; 3) privatização (Lei n. 8.031/90, depois substituída pela Lei n. 9.491/97.”
15 GROTTI, DINORÁ ADELAIDE MUSETTI. Op., cit., registra: “O Estado brasileiro não es-
capou às novas tendências e adotou como meta a redução de suas próprias dimensões. Iniciou-
se, então, um movimento inverso e várias empresas estatais ou áreas absorvidas pelo Estado
foram transferidas para o setor privado, com o retorno da concessão para a empresa privada. ”

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267
Estudos de Direito do Saneamento

Apesar de juridicamente ter havido ampliação das possibilidades quan-


to à forma de prestação, o serviço de saneamento continuou delegado às
estatais, eis que à época do PLANASA, foram firmados contratos com prazo
de vigência de 20/30 anos, nos quais se previa a prorrogação automática,
com vigência por prazo indeterminado, acrescido de cláusulas que dificul-
tavam a rescisão, assim como pela inexistência de regramento jurídico para
o setor, contribuindo para dificultar o acesso pelos operadores privados.

Resultado desta lógica encontra-se estampado em estudo que traça o


panorama do saneamento no Brasil em 201916, no qual se verifica que dos
5570 Municípios brasileiros, apenas 325 estão sob a gestão de concessionários
privados, sendo todo o restante atendido por serviços municipais ou estatais.

Em paralelo, o déficit de saneamento na grande maioria dos Municí-


pios brasileiros revela que as medidas que vêm sendo adotadas não es-
tão sendo suficientes para o alcance da universalização17. Nestes termos,
julga-se fundamental que a definição do prestador de serviço, público
ou privado, seja pautada em elementos que evidenciem que aquela foi a

16 Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e


Esgoto- ABCON & Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água
e Esgoto – SINDCON (2019. Abril). PANORAMA da Participação Privada no Saneamento no
Brasil 2019. Disponível em: http://abconsindcon.com.br/panoramas/.Acesso em: 30/07/2019.
17 MARQUES NETO, FLORIANO DE AZEVEDO. “A regulação no setor de saneamen-
to”, in Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, Berenice
de Souza Cordeiro, coord., Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS). Ins-
trumentos das políticas e da gestão dos serviços públicos de saneamento básico, Brasília,
2009, p.165-191. De forma bastante incisiva, afirma que: “ A universalização dos serviços
de abastecimento de água não foi feita nas últimas décadas sob o pálio da racionalidade
econômica, nem das premissas de desenvolvimento social. Isso porque a decisão de inves-
timento das empresas estaduais muitas vezes atendia à racionalidade política (ou melhor,
geopolítica, baseada no mapa eleitoral ou nas alianças governamentais). Do mesmo modo,
o crescimento da penetração do abastecimento de água não foi acompanhado na mesma
proporção pela capilarização e ampliação das redes de esgotamento sanitário, dada sim-
plesmente a pouca atratividade eleitoral desta universalização. ”

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268
melhor escolha para a concretização do direito dos cidadãos. Tal decisão
deve ser transparente e devidamente processualizada, para permitir o
seu conhecimento e possíveis atuações por todos os interessados, assim
como a regra deve ser a existência de concorrência, a qual somente será
flexibilizada se implicar, prejuízo para o “alcance das finalidades que leva-
ram à instituição de um determinado serviço público”18.

Esta decisão não é totalmente livre nem tampouco neutra e, devido


ao fato de o serviço ter conteúdo econômico, agravado pelo fato de se
constituir como como monopólio natural19, assim como geralmente se
conferir a um único operador a integralidade das atividades que o com-
põe, maior zelo se deve ter para garantir que o prestador seja eficiente e
não o exerça com abuso do poder econômico20.

2. DAS FORMAS DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SANEA-


MENTO E DAS RELAÇÕES JURÍDICAS CONTRATUAIS DECORRENTES.

Atualmente, a Lei n.º 11.445/207 e seu regulamento preceituam ca-


ber ao titular do serviço definir a forma como se dará a prestação, no
âmbito do seu território, elencando poder ser prestado diretamente, por

18 SCHIRATO, VITOR RHEIN. Op., cit., p.125.


19 SAMPAIO, PATRÍCIA REGINA PINHEIRO. “Regulação e concorrência nos setores
de infraestrutura: análise do caso brasileiro à luz da jurisprudência do CADE”. Tese (Douto-
rado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. São Paulo. 2012. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/
tde-27082013-143232/pt-br.php Acesso:03/05/2019.
20 ARAGÃO, ALEXANDRE SANTOS DE. “Serviços públicos e concorrência”. Revista de
Direito Administrativo. n.º 233, julh./set., Rio de Janeiro, 2003, p.311-371. Para o autor: “A des-
verticalização (unbundling- literalmente” desempacotar”) ou desintegração vertical busca coibir
a concentração nas atividades de um mesmo setor. Para evitar a integração vertical podem ser
adotadas diversas posturas regulatórias desconcentradoras, da simples desconcentração contá-
bil à desconcentração societária, passando pela desconcentração jurídica, ” (...).

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269
Estudos de Direito do Saneamento

meio de órgão de sua administração direta ou por autarquia, empresa


pública ou sociedade de economia mista que integre a sua administra-
ção indireta; ser autorizada a delegação dos serviços, mediante contrato
de concessão ou permissão ou, ainda ser realizado no âmbito de gestão
associada de serviços públicos, mediante contrato de programa, previa-
mente autorizado por contrato de consórcio público ou por convênio de
cooperação entre entes federados.

A opção por uma destas modalidades, que será abordada em um tópico


específico, não se reveste de caráter meramente político, devendo ser cal-
cada, sobretudo em meticulosa análise técnica acerca das metas a serem
atingidas e das condições técnicas e econômicas dos pretensos prestadores
para viabilizá-las, de maneira a instrumentalizar os princípios do acesso uni-
versal, da modicidade das tarifas e da garantia da continuidade dos serviços.

Antes de adentrar nesta análise, importante mencionar que o Direito


administrativo vem passando por uma reformulação dos seus institutos,
assim como na forma de se relacionar do Estado, que se desvencilha das
vestes do autoritarismo (administração imperativa), passando a assumir
papel mais negociador (administração concertada)21. Disto, resulta a re-
definição do interesse público, permitindo o aumento das parcerias com
entes privados, assim como, no âmbito interno da própria administração
pública, surge a chamada consensualidade ou contratualização entre os
entes federados (cooperação horizontal), entre entes e os próprios ór-
gãos ou com entidades da administração indireta (cooperação vertical),
visando ao cumprimento de competências comuns, programas de gover-
no e ao aumento de eficiência no desempenho da função pública.

21 MOREIRA NETO, DIOGO DE FIGUEIREDO. “Novos institutos consensuais da ação


administrativa”. Revista de Direito Administrativo-RDA, n.º 231, jan./mar., Rio de Janeiro,
2003, p. 129–156.

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270
Uma vez relacionadas as alternativas legais para a forma de presta-
ção, interessa-nos avaliar as relações jurídicas firmadas em função da
prestação direta por estatal vinculada ao titular; da indireta, por conces-
são do serviço e, por fim, aquelas advindas da gestão associada.

Primeiramente, quando o serviço for delegado à estatal, cabe distin-


guir se a mesma é vinculada ao ente federativo titular do serviço ou a
outro ente federativo. Na primeira situação, é a hipótese de prestação
direta e se configura como mera descentralização administrativa, cuja
definição das atribuições poderia se dar mediante ato administrativo. No
entanto, considerando as especificidades inerentes à prestação do servi-
ço de saneamento, entende-se que esta relação deva ser contratualiza-
da, o que deve ocorrer mediante o contrato de programa. Os pressupos-
tos para que o mesmo seja formalizado depende da natureza jurídica da
estatal, ou seja, se sociedade de economia mista ou se empresa pública;
da forma de gestão na qual se evidencie o tipo de controle a que está
vinculada, assim como do tipo de finalidade perseguida pela mesma. A
apreciação de tais requisitos será feita adiante com fundamento no direi-
to comparado, tendo como norte aqueles essenciais para a configuração
da denominada relação in house providing.

De outro bordo, caso a estatal não integre a administração indireta


do ente federado titular, a relação jurídica firmada será uma concessão,
cujos requisitos para a contratação não podem trazer qualquer vantagem
ou privilégio para o ente público, que deve participar do procedimento
concorrencial em condições de igualdade com o particular, tanto para o
ingresso quanto para a sua manutenção no mercado.

Segundo a doutrina tradicional, tal relação não se reveste das carac-


terísticas da concessão tradicional, cujo ponto de destaque seria a assun-
ção dos riscos da atividade por terceiro operador privado. No entanto,

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271
Estudos de Direito do Saneamento

além de já haver o compartilhamento de riscos em novos tipos de con-


cessão, a lei do saneamento iguala as condições de validade e cláusulas
do contrato de programa e das concessões, de modo que se pode afir-
mar, que a criticada “concessão imprópria”22 se transmutou em contrato
de programa, quando firmado com ente da administração indireta.

Corroborando o quanto exposto, vale mencionar o comentário de Vi-


tor Rhein Schirato, quando a estatal não pertencer ao ente concedente23:

Neste sentido, confira-se o disposto no §1.º do artigo 17 da Lei n.º


8.987/95, que determina a obrigatoriedade de desclassificação da pro-
posta de empresa estatal alheia à esfera político-administrativa do poder
concedente que demande vantagens de seu controlador nas licitações pú-
blicas destinadas à outorga de concessões de serviços públicos. Ainda, con-
fira-se o disposto no artigo 13 da Lei n.º11.107, de 6 de abril de 2005, que
equipara o regime jurídico das concessões de serviços públicos ao regime
jurídico dos contratos de programa, os quais contemplam a delegação de
serviço público de um ente federativo para entidade controlada por outro
ente federativo, no âmbito de um consórcio público. Portanto, ao lume da
legislação vigente, é clara a natureza da concessão de serviço público da
relação jurídica existente entre uma empresa estatal controlada por ente
federativo que não seja titular do serviço delegado e esse segundo.

Quanto à relação jurídica entre Município e “concessionária”, de-


senvolvida durante o PLANASA e que se estendeu até 2007, em termos
doutrinários, não se pode qualificar como uma concessão propriamen-

22 JUSTEN FILHO, MARÇAL. “Teoria geral das concessões de serviço público”, São
Paulo, Dialética, 2003, pp.117-129.
23 SCHIRATO, VITOR RHEIN. Op., cit., p.159.

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272
te dita, nem se pode dizer que foi uma mera descentralização adminis-
trativa, vez que a empresa não integrava a administração indireta do
Município. Durante todo este período, na verdade, o que se percebe,
por mais absurdo que se possa parecer, é que praticamente houve a
transferência das funções que deveriam ser exercidas pelo titular dos
serviços. Com efeito, as próprias empresas realizavam o planejamento,
definiam os investimentos, criavam suas próprias metas, assim como
estipulavam os valores das tarifas e a sua revisão. Tal assertiva decorre
da constatação da ausência total de controle pelos Municípios e da ine-
xistência de regulação estatal do setor.

Além da atuação isolada do titular do serviço, hodiernamente, verifi-


ca-se, em razão da mudança de paradigma da administração burocrática
para a gerencial e, de forma específica no Brasil, em decorrência das es-
pecificidades do nosso federalismo, que houve o impulso para o surgi-
mento de novas possibilidades de atuação conjunta dos entes públicos
visando ao cumprimento de competências comuns, o que, doutrinaria-
mente, vem se denominando de cooperação horizontal.

Tal junção de esforços para prestação de serviços é materializada


mediante convênio de cooperação e consórcio, no âmbito dos quais a
prestação do serviço pode ser de forma direta, pelos próprios entes fe-
derados reunidos, por estatal pertencente a um deles ou por ente priva-
do. Se a prestação for feita pelo consórcio ou por estatal, o instrumento
apropriado é o contrato de programa, ficando o contrato de concessão
reservado ao agente privado. Cada um destes tipos também tem pressu-
postos próprios, estudados em item destacado deste artigo.

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273
Estudos de Direito do Saneamento

3. DA CONTRATAÇÃO DE ESTATAIS SEM PROCEDIMENTO DE CON-


CORRÊNCIA. DIREITO COMPARADO EUROPEU. RELAÇÃO IN HOUSE-
PROVIDING.

Conforme já pontuado, uma das formas de prestação do serviço de sa-


neamento ocorre de forma direta, por estatal vinculada ao ente titular do
serviço, sendo formalizada mediante o contrato de programa, o qual deve
observar o mesmo regime jurídico das concessões. Por se tratar de descen-
tralização administrativa, questiona-se se a celebração encontra amparo
nos limites do poder de auto-organização do titular do serviço e, em ra-
zão do qual o ente não precisaria se submeter ao procedimento prévio de
concorrência. A resposta a tal questionamento será dada à luz do direito
comparado, considerando não ser este um fenômeno isolado no Brasil.

Assim, como ocorre no Brasil, no âmbito do ordenamento jurídico


dos países europeus, é fonte de diversas controvérsias a decisão discri-
cionária do Estado de se servir dos chamados entes instrumentais, aqui,
denominados entes da administração indireta, para satisfação de suas
necessidades e prestação de serviços públicos, quando não submetidos
previamente ao procedimento concorrencial.

A fim de amparar e tornar mais competitiva a crescente atuação do


Estado na atividade econômica para atender interesses públicos, nos paí-
ses europeus, observou-se um movimento de criação de diversos entes
de direito privado, sobretudo sob a configuração de sociedade anônima,
cujo regime mais flexível era decisivo e necessário para a sua atuação. Tal
fenômeno passou a ser conhecido como “fuga para o direito privado”24.

24 SILVA, ALMIRO DO COUTO E. “Privatização no Brasil e o novo exercício de fun-


ções públicas por particulares. Serviço público “à brasileira”?” Revista de Direito Adminis-
trativo, n.º 230, out./dez., Rio de Janeiro, 2002, p.51. “Após a segunda grande guerra, a
descentralização do Estado passa a realizar-se no sentido da “ fuga para o Direito Privado”,
como, escrevendo para uma outra realidade, registrara e vaticinara Fritz Fleiner, ainda no
limiar do século passado.

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274
Ocorre que, em face da certificação de que tal forma de intervenção na eco-
nomia poderia causar desequilíbrio e distorções no mercado, tendo em vista
que tais entes não se sujeitavam a procedimentos prévios para escolha e
contratação, tornou-se fundamental estabelecer mecanismos de controle,
para verificação de quais requisitos seriam exigidos para que aquela relação
fosse considerada doméstica, mera gestão interna e, portanto, legítima.

Nestes moldes, preliminarmente, cabe esclarecer que a delimitação


do in house providing é importante para “resolver os problemas susci-
tados pelas relações que intercedem entre a Administração matriz e os
seus entes instrumentais”25, ou seja, a controvérsia quanto à contrata-
ção é relevante, quando diz respeito aos entes que, no Brasil, integram
a administração indireta, cuja natureza jurídica é privada e desenvolvem
atividades inseridas no capítulo constitucional da ordem econômica. Não
se aplica, portanto, para a contratação de entes públicos que desempe-
nham funções típicas estatais, enquanto longa manus do Estado, vez que
neste campo, a liberdade de auto-organização do Poder Público, para
gestão por meios próprios, é ampla.

Delineados o campo de aplicação e os motivos de criação, passamos


a analisar os requisitos da denominada contratação in house providing,
oriundos da jurisprudência do TJUE- Tribunal de Justiça da União Euro-
peia, o qual produziu alguns acórdãos acerca do tema, dentre os quais
se destacam o Teckal, o Parking Brixen, o Carbotermo, Tragsa II, o Codi-
tel, o Stadt Halle e Such26.

25 AZEVEDO, BERNARDO.“Contratação in house: Entre a liberdade de auto-organi-


zação administrativa e a liberdade de mercado” Disponível em: https://www.mlgts.pt/xms/
files/v1/Publicacoes/Artigos/532.PDF Acesso em: 17/06/2019.
26 LEITÃO, ALEXANDRA. “Contratos Interadministrativos”. Coleção Formação Con-
tínua. Contratação Pública - I. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, janeiro.2017, p.55-90.

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275
Estudos de Direito do Saneamento

Segundo o acórdão Teckal haveria a relação in house, sendo dispen-


sado o procedimento concursal prévio ao contrato, quando se identificar
a presença cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) a entidade contratante deve exercer sobre o contratado


controle análogo ao que exerce sobre os seus próprios
serviços; e

b) a entidade contratada deve realizar as suas atividades


essencialmente em benefício da contratante.

A interpretação de tais requisitos deve ser restritiva, conforme vem pon-


tuando o Tribunal e, tendo em vista a fluidez e indeterminação de conceitos
neles contidos, fez-se necessária a delimitação do seu conteúdo, o que se deu
quando do pronunciamento daqueles novos arestos já referidos pelo TJUE.

Nesta senda, da síntese e evolução da jurisprudência comunitária, conso-


ante exposto pelos doutrinadores portugueses aqui referenciados, definiu-se
que o controle análogo ao exercido sobre os próprios serviços ocorre, quando
a entidade contratante, individualmente ou em conjunto com outras entida-
des, possa exercer uma influência potencialmente determinante sobre a con-
tratada no que tange aos objetivos estratégicos e decisões mais relevantes.

Quanto ao critério subjetivo concernente ao contratado, não neces-


sariamente é satisfeito, quando for empresa com capital integralmente
público (empresa pública), de modo que não é possível a contratação
direta, se aquele contratante público não detiver parte do capital social
que permita a realização do controle27.

27 LEITÃO, ALEXANDRA. Op., cit.

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276
Por outro lado, é afastado o controle em se tratando de sociedade de
economia mista, ainda que a participação privada seja minoritária, sob o
fundamento de que o objetivo buscado não é exclusivamente a satisfa-
ção do interesse público.

A doutrina, no entanto, manifesta-se de forma crítica a tal vedação


absoluta, alegando que não deveria ser obstada a possibilidade de con-
tratação sem concorrência, na hipótese em que não se identificasse a pos-
sibilidade de distribuição de dividendos ou, ainda, quando a participação
do parceiro privado na sociedade de economia mista fosse decorrente de
processo prévio de seleção para sua escolha, no qual fosse dada ampla pu-
blicidade e imparcialidade; o objeto do contrato fosse determinado e com
delimitação temporal; o sócio público conduzisse as decisões estratégicas
e a renovação do contrato fosse precedida de concorrência. Neste caso, a
ausência de procedimento pré-contratual para a adjudicação do contra-
to seria suprida pela sua realização na fase anterior atinente à escolha do
ente privado que integrará a sociedade juntamente com o ente público28.

Já o segundo critério, concernente à realização do essencial da atividade


da contratada em benefício da contratante, significa que aquela deve exe-
cutar, de forma exclusiva ou quase-exclusiva, a atividade econômica que lhe
foi incumbida pela contratante, sem a possibilidade de ser contratada por
outros interessados, salvo em relação a outras atividades acessórias ou com-
plementares à principal e sem impactar no seu maior volume de negócios.

Transpondo tais regras para o setor de saneamento brasileiro, consta-


ta-se que o Município poderia contratar empresa pública ao mesmo vin-
culada, sem a necessidade de licitação, desde que a parte do seu capital
social lhe permitisse o controle das decisões determinantes da estatal,

28 AZEVEDO, BERNARDO. Op.cit.

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277
Estudos de Direito do Saneamento

assim como, se cumulativamente, a mesma não promovesse a distribui-


ção de dividendos e o serviço de saneamento não fosse prestado para
qualquer outro ente interessado.

Em tal cenário, a empresa não poderia perseguir qualquer interesse


econômico no desenvolvimento das atividades, não podendo buscar lu-
cro, mas tão-somente a satisfação dos usuários do serviço por ela pres-
tado, o que, na verdade, faria com que a mesma se assemelhasse a uma
autarquia. No entanto, além de tais exigências não guardarem compatibi-
lidade com o novo regime jurídico das estatais (Lei n.º 13.303/2016), no
qual é imposto o dever de observância de regras de governança corpo-
rativa (artigo 6.º) ao mesmo tempo em que é proibida a redução ou su-
pressão da sua autonomia pelo ente que a criou (artigo 89), ocasionaria
a impossibilidade de manutenção do serviço, diante do binômio escassez
de recursos públicos- necessidades de investimento do setor.

Nesta toada, até mesmo por não se tratar de uma relação interna den-
tro de uma mesma estrutura administrativa, maior razão existe para não
se admitir a celebração de contrato de programa com estatal vinculada ao
Estado para prestação do serviço de saneamento em Município, sem que
seja submetida ao prévio processo licitatório. A inexistência de vinculação
entre o titular e o prestador do serviço, além da atual vedação contida
na lei acima mencionada, impossibilitam qualquer tipo de controle pelo
Município sobre o direcionamento da atuação das estatais estaduais, cuja
relação jurídica se configura como típica concessão de serviço público.

Vale ainda mencionar que a esmagadora maioria das estatais do sa-


neamento vinculadas aos Estados tem a natureza jurídica de sociedade
de economia mista, algumas delas com capital aberto negociado no mer-
cado de valores mobiliários. Como não poderia ser diferente, as mesmas
perseguem finalidade lucrativa, distribuem dividendos para sócios e até

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278
servidores, assim como podem participar de concorrência para amplia-
ção do mercado na prestação do serviço de saneamento29.

Conquanto proferidos no ambiente da concepção tradicional do ser-


viço público, sob a ótica da avaliação de benefícios e privilégios próprios
da Fazenda Pública, partindo da dicotomia entre estatal prestadora de
serviço público e exploradora de atividade econômica, acórdãos do Su-
premo Tribunal Federal também corroboram as características aponta-
das em relação às companhias estaduais de saneamento30.

Ademais, não se pode deixar de consignar que a contratação in house


é forma de instrumentalizar a cooperação vertical com entes da admi-
nistração indireta do Estado, que, por sua vez, difere-se da cooperação
horizontal, bem retratada no Acórdão Comissão/Alemanha (doutrina
Hamburg), consistente na reunião de entes públicos, sem qualquer su-
bordinação entre eles, para a realização de serviços públicos das suas
competências, visando ao alcance de finalidades comuns.

O acórdão paradigma da cooperação horizontal, acima reporta-


do, analisou a relação estabelecida entre cidades alemãs e a cidade de

29 MARQUES NETO, FLORIANO DE AZEVEDO. “Formas de Prestação do Serviço


Público”. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1577575/mod_resour-
ce/content/1/MARQUES%20NETO%20Floriano%20Formas%20de%20Presta%C3%A7%-
C3%A3o%20do%20Servi%C3%A7o%20P%C3%BAblico.pdf.pdf Acesso: 04/05/2019.Se-
gundo o autor, “mais recentemente tem-se verificado a participação de entes estatais na
disputa de título habilitante para prestação externa de serviços, equiparando-se aos demais
competidores em concorrência. É o que se verifica, por exemplo, em setores que antes
eram caracterizados como monopólio estatal e hoje se abriram a processos competitivos,
como o setor de energia elétrica, no qual empresas estatais federais e estaduais disputam,
isoladamente ou reunidas em consórcios com particulares, licitações para outorga de con-
cessões para prestação dos serviços como concessionárias. O mesmo passou a ocorrer,
mais recentemente, no setor de saneamento básico com companhias estatais estaduais
disputando licitações para outorga de serviços públicos municipais. ”
30 Confiram-se: RE 1129565 AgR/RS e ACO 1460 AgR /SC, relativos, respectiva-
mente, à CORSAN e à CASAN.

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279
Estudos de Direito do Saneamento

Hamburgo, a qual competia promover a eliminação de resíduos sólidos


“numa nova instalação de valorização térmica”, sem que houvesse uma
prévia licitação. O TJCE entendeu se tratar de uma acordo de cooperação
interadministrativo, para a realização de serviços comuns, que atendiam
ao interesse público e sem a participação de privados para a execução,
não se exigindo, portanto, procedimento de seleção prévio31.

No Acórdão Azienda, exigia-se que os entes assumissem obrigações


mútuas, o qual foi posteriormente ratificado, no acórdão Piepenbrock,
ocasião em que o Tribunal deixou claro que, na hipótese de transferência
de competência de um ente para outro, quando não existe de fato uma
colaboração efetiva, haja vista não compartilharem serviços comuns, não
se configura a cooperação horizontal.

Esta relação horizontalizada se perfaz no Brasil, mediante a reunião


de entes federados para constituição de consórcios e celebração de con-
vênios de cooperação, conforme detalhamento a seguir.

4. DA COOPERAÇÃO HORIZONTAL PARA EXECUÇÃO DOS SERVI-


ÇOS PÚBLICOS NO BRASIL. DO CONTRATO DE PROGRAMA NA LEI DOS
CONSÓRCIOS PÚBLICOS.

No Brasil, em razão da Emenda Constitucional 19/98, cujo objetivo foi


promover a reforma administrativa, tivemos consagrados, além do prin-
cípio da eficiência na Administração Pública, o federalismo cooperativo,
que tem como uma das formas para sua realização, a implantação da

31 FERREIRA, DURVAL. “O Regime da contratação in house à luz das novas directi-


vas de contratação pública. O triunfo dos Estados sobre a jurisprudência do Tribunal de Jus-
tiça”. Disponível em: https://portal.oa.pt/upl/%7B89c459eb-b5cb-48a6-ade5-3845426f-
d00e%7D.pdf. Acesso em: 17/06/2019.

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280
gestão associada de serviços, consoante previsto no artigo 241 da CF32.
Esta cooperação interfederativa, para atingimento de interesses comuns,
potencializando as ações do Poder Público, deve ocorrer mediante o con-
vênio de cooperação ou do consórcio entre entes federados.

Tanto o convênio de cooperação quanto o consórcio são consignados


em instrumentos específicos, nos quais são clausuladas as competências
compartilhadas, inclusive referentes a recursos financeiros, e que serão
exercidas de forma convergente, sem a contraposição de interesses, de
modo a se alcançar objetivos específicos e comuns de natureza pública.
Por se tratarem de espécies de cooperação horizontal, a escolha dos par-
ceiros públicos independe de procedimento concorrencial.

O convênio de cooperação e o consórcio se diferenciam, basi-


camente em razão de este originar uma pessoa jurídica autônoma e
permanente, para o atingimento do escopo federativo definido no seu
objeto, com maiores exigências para a sua formalização (protocolo de
intenções, contrato de consórcio, contrato de rateio)33, o que não ocor-
re no convênio, no qual não há uma estrutura administrativa específica
para a execução das atividades compartilhadas. Em relação a este, o
Decreto n.º 6.017/200734 exige que o instrumento seja ratificado ou
previamente disciplinado por lei de cada um dos entes federados. A
adoção de um ou outro instrumento fica a critério dos envolvidos, que

32 Cf. CF, Artigo 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dis-
ciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os
entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transfe-
rência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos
serviços transferidos. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998)
33 Cf. Lei n.º 11.107/2005. Artigo 3.º O consórcio público será constituído por
contrato cuja celebração dependerá da prévia subscrição de protocolo de intenções.
34 Cf. Decreto n.º 6.017/2007. Artigo 2.º, inciso VIII.

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281
Estudos de Direito do Saneamento

podem optar pela coordenação das ações de forma conjunta ou medi-


ante a constituição de uma nova entidade35.

Feitas as distinções, relevante mencionar que o regulamento da lei


de consórcios conceitua a gestão associada de serviços públicos como
o exercício das atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de
serviços públicos, mediante os instrumentos já referidos, podendo incluir
a prestação de serviços públicos ou a transferência de pessoal, encargos
e bens para a sua continuidade.

Com efeito, observa-se que, em regra, na gestão associada, são com-


partilhadas apenas funções tipicamente estatais de planejar, regular e fis-
calizar um determinado serviço, as quais somente poderão ser exercidas
por entes públicos e de natureza pública. Quando envolver a prestação
de serviço, mister se fazer a avaliação se o mesmo se reveste de conteú-
do econômico, hipótese na qual será possível sua delegação a estatal ou
agente privado, desde que expressamente autorizado no instrumento de
cooperação horizontal.

Nos moldes da legislação em comento, um consórcio público pode


ter variados objetos, nos limites da competência dos entes federados
participantes. Cada um dos consorciados, seus órgãos e entes da admi-
nistração indireta, a fim de possibilitar a execução do objeto no seu ter-
ritório, poderão contratar o consórcio, mediante contrato de programa,
sendo dispensada a licitação (artigo 2.º, §1.º, III, Lei 11.107/2005). A des-
necessidade de concorrência prévia é patente, haja vista que o contrato
de programa, em tal situação, visa apenas individualizar a execução de

35 CÂMARA. JACINTHO ARRUDA. “Contratos, ajustes e acordos entre entes admi-


nistrativos e entidades sem fins lucrativos”, in Tratado de direito administrativo: licitação e
contratos administrativos, São Paulo, Revista dos Tribunais-RT, 2014.

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282
uma atribuição que pertence aos entes federados envolvidos, somado ao
fato de aquele ter natureza jurídica autárquica e integrar a administração
indireta de todos os consorciados.

Conforme se depreende da interpretação dos artigos 4.º e 13 da lei


de consórcios públicos, se o objeto do contrato de consórcio for a gestão
associada de serviços (planejar, regular ou fiscalizar), mas sem envolver
a previsão de forma compartilhada em relação à prestação, desde que
haja autorização no contrato, o consórcio poderá licitar para outorgar a
concessão, permissão ou autorização, precedidos de licitação.

Por outro lado, se no contrato de consórcio houver a previsão de que


a prestação do serviço também será por meio de gestão associada, signi-
fica que será atribuído a um ente da federação ou entidade da sua admi-
nistração indireta a prestação, em cooperação, com outro ente da fede-
ração ou com o consórcio (§1.º do artigo 30 do Decreto n.º 6.107/2007).
Em tal situação, para que sejam constituídas obrigações válidas, o con-
sórcio ou ente federado consorciado deverá firmar contrato de programa
com aquele designado (artigo 13 da Lei n.º 11.107/2005), sendo dispen-
sável a licitação (artigo 24, inciso XXVI da Lei n.º 8.666/93).

A fim de que não houvesse dúvida quanto à possibilidade de celebra-


ção do contrato de programa com empresa pública e sociedade de econo-
mia mista, vinculadas a ente consorciado ou conveniado, a lei e o decreto
trazem a previsão expressa, respectivamente, no §5.º do artigo13 e no
§1.º do artigo 31. Caso haja a alienação destas estatais, ou seja, a privati-
zação, o contrato de programa será automaticamente extinto. Para evitar
tal fato, no §3.º do artigo 31 do regulamento há uma disposição bastante
questionável acerca da possibilidade de o ente contratante da estatal re-
ceber participação societária com o poder especial de impedir a alienação
da empresa, evitando assim, a extinção do contrato de programa.

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283
Estudos de Direito do Saneamento

A lei de consórcios públicos também preceitua a autonomia do con-


trato de programa em relação ao convênio de cooperação ou consórcio,
haja vista que se mantém vigente, mesmo na extinção de um destes ins-
trumentos que autorizou a sua celebração.

Por derradeiro, o contrato de programa para prestação do serviço


deve atender às disposições da legislação de concessões e, não poden-
do ser diferente, ao contratado não pode ser atribuído o exercício dos
poderes de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços por ele
próprio prestados.

Em relação a todas estas disposições normativas concernentes ao


contrato de programa, percebemos que, quanto ao seu objeto, podem
ser de duas espécies, sendo um voltado para atribuir ao ente público ou a
consórcio a execução de funções típicas de Estado (planejamento, fiscali-
zação e regulação), as quais somente poderão ser realizados por órgãos e
entidades eminentemente públicas, enquanto o outro, para a prestação
de serviço, que pode ser conferido, inclusive, à empresa pública ou à
sociedade de economia mista.

O primeiro tipo não causa nenhuma celeuma jurídica, haja vista que
nada mais é que exercício do poder de auto-organização administra-
tiva, podendo haver reunião dos entes federados para sua prática, de
forma mais eficiente ou especializada, por uma determinada entidade
pública. Tal contrato de programa é baseado na lógica da Administra-
ção consensual, que visando otimizar, de forma coordenada, a atuação
dos seus entes, na busca de melhores resultados, estabelece metas,
prazos e define a forma de exercício das competências, para cumpri-
mento de programa de governo.

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284
Foi inspirado no accordi di programma do Direito italiano, em relação
ao qual Gustavo Justino de Oliveira36, citando renomado doutrinador da-
quele país, traz os seguintes apontamentos:

Rosario Ferrara visualiza uma função de programação, a ser exercida


pelos entes públicos por meio dos acordos de programa, os quais confi-
gurariam meios e instrumentos para o desenvolvimento de um programa
elaborado e objetivamente determinado em outra sede (v.g., a lei), e que
“abrangem atos de programação (ou pequenas programações) que vi-
sam conferir efetividade a um plano ou a um programa de maior relevo,
no qual encontram-se as linhas gerais de um projeto complexo, vincu-
lante de cada uma das atuações que serão desenvolvidas e executadas”.

O referido autor ainda apresenta uma síntese do que pode ser trans-
posto da experiência italiana para o instrumentos similares no Brasil,
dentre os quais se verifica o contratualismo (consensualismo) do accordi
di programma como forma de “acelerar o desenvolvimento da ação ad-
ministrativa e disciplinar, com maior firmeza e precisão, seus próprios
comportamentos”; o surgimento dos acordos como categoria autônoma
em relação aos contratos administrativos e o fato de poder “manter a
coordenação e promover a integração entre órgãos e entidades compo-
nentes de uma organização policêntrica”37.

Como se infere, este tipo de contrato de programa, que poderia ser


denominado de autêntico, decorre de uma cooperação vertical, mas que
não se confunde com a relação verticalizada própria do contrato adminis-
trativo tradicional38, mediante o qual se busca, em geral, a satisfação das

36 OLIVEIRA, GUSTAVO JUSTINO DE. “Contrato de Gestão”, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2008, p.123.
37 OLIVEIRA, GUSTAVO JUSTINO DE. Op., cit., p.131.
38 DI PIETRO. MARIA SYLVIA ZANELLA. “Direito Administrativo”, 25.ª ed., São Pau-
lo, Atlas, 2012.

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285
Estudos de Direito do Saneamento

necessidades do Estado, com a remuneração do contratado pela pres-


tação de serviço ou entrega de bem com o intuito de lucro. Neste tipo,
o contratado não é propriamente “remunerado”, mas recebe recursos
específicos (financeiros, técnicos, pessoal etc) para a consecução das ati-
vidades que lhe foram atribuídas. Destarte, não faz sentido se falar em
direito a reequilíbrio econômico-financeiro, à definição de assunção de
riscos por um dos celebrantes, nem tampouco à previsão de indenização
do contratado, em caso de extinção, vez que, em tal situação, haverá
apenas a incorporação da atividade por outro ente ou órgão.

Quanto ao segundo tipo de contrato de programa a ser celebrado


com estatais, não resta qualquer dúvida que foi direcionada para a pres-
tação do serviço público com conteúdo econômico, uma vez que deve
atender ao disposto na legislação de concessões. Tal previsão merece
críticas, pois a referida equiparação iguala institutos que são bem dis-
tintos na sua essência e características, conforme já tratado acima, pois,
enquanto o contrato de programa busca uma atuação coordenada de
interesses comuns e convergentes, a concessão é um contrato adminis-
trativo, cuja motivação para a contratação, entre as partes da relação
jurídica, não é coincidente.

Mais uma vez, consoante se vem afirmando ao longo do texto, as


atividades econômicas qualificadas como serviço público, objetivando
garantir direito fundamental do cidadão, nos termos do artigo 175 da
Constituição Federal, devem ser prestadas diretamente pelo ente titular
ou concedidas, mediante prévia licitação.

Neste sentido, o contrato de programa é uma concessão, cuja parte


contratada necessariamente deve ser entidade da administração indireta

Voltar ao índice
286
pertencente ao ente federado consorciado ou conveniado. Não obstante
a reunião dos entes federados em cooperação ou consórcio, as entida-
des das respectivas esferas administrativas não passam a pertencer à es-
trutura dos demais conveniados ou consorciados. Não é uma relação in
house, como parece ter sido a intenção de configuração pelo legislador,
ao se prever a extinção automática, caso deixasse de pertencer ao ente
federado que autorizou a gestão associada, assim como a dispensa de li-
citação. E, ainda se o fosse, conforme já enfrentado, não autorizaria uma
contratação sem procedimento de concorrência, sendo esta, portanto,
uma vantagem competitiva indevida.

Assim, entende-se, nestes termos, que a previsão de dispensa de licita-


ção contida no artigo 24, inciso XXVI da Lei n.º 8.666/93, para os contratos
de programa firmados com empresa pública ou sociedade de economia
mista, visando à prestação de serviço com conteúdo econômico, reveste-
se de inconstitucionalidade, haja vista ferir o artigo 175 da Carta Magna.

Contudo, admite-se a interpretação conforme, no sentido de que,


sendo a licitação dispensável e não dispensada, o ente titular do servi-
ço, ao adotar o procedimento previsto no artigo 26 da Lei n.º 8.666/93,
necessariamente deveria demonstrar na instrução os elementos que
justificassem a escolha do contratado, dentre os quais não se pode ol-
vidar a avaliação quanto ao valor da tarifa a ser praticado; às garanti-
as ofertadas para a prestação do serviço de qualidade e às condições
técnicas-operacionais e financeiras do prestador contratado. Ademais,
tal dispensa somente poderia ocorrer com fulcro no artigo 24, inciso
V da Lei n.º 8.666/93, quando não acudissem interessados à licitação
anterior e fosse inviável aguardar uma próxima para a continuidade da
prestação do serviço público.

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287
Estudos de Direito do Saneamento

5. DO CONTRATO DE PROGRAMA PARA EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS


PÚBLICOS DE SANEAMENTO BÁSICO.

O contrato de programa, no setor de saneamento, é bastante difun-


dido e utilizado, sendo muito comum a existência de convênios de coo-
peração entre Estado e Municípios, com a autorização da sua celebração
com a Companhia de Saneamento Básico Estadual. Da mesma forma que
ocorreu na época do PLANASA, tal junção, mais uma vez, foi impulsio-
nada por lei como condição para obtenção de recursos federais para o
financiamento das atividades.

Antes de adentrar nas suas especificidades, merece um breve escorço


histórico a respeitos dos motivos da sua expansão no setor de saneamento.

Como é cediço, em decorrência do modelo mencionado, a grande


maioria dos Municípios brasileiros, dependentes de recursos para im-
plantação dos sistemas, firmou contratos/convênios com as companhias
estaduais, sendo que, apesar de muitos destes instrumentos já estarem
vencidos ou com prazos indeterminados, quando do advento da nova
Constituição de 1988, vinha sendo mantida a prestação do serviço sem
amparo contratual válido.

O legislador conhecedor de tal situação, ao editar a Lei n.º


11.445/2007, e, para evitar que houvesse uma quebra abrupta da rela-
ção jurídica e descontinuidade do serviço público, trazendo prejuízo ime-
diato para a população, estabeleceu algumas regras de transição para
regularizar as aludidas concessões.

Em suma, determinou que todo contrato ajustado após 1988, sem


precedência de licitação, deveria ser extinto; as concessões posteriores à
Lei n.º 8.987/95 deveriam observar o prazo de vigência fixado no contra-
to e, se indeterminado ou desprovido de formalização, valeria até no má-

Voltar ao índice
288
ximo 31/12/2010, desde que cumpridas determinadas condicionantes e
fossem adotadas as providências para a promoção da licitação ou para a
assunção direta do serviço pelo ente titular39.

Em 25/03/2008, o Ministério Público ajuizou ADI 4058/DF sob o ar-


gumento de que a regra de transição disposta na lei permitia o prolon-
gamento dos contratos de concessão, além do prazo necessário à reali-
zação de nova licitação, “tomando a transitoriedade daquele excepcional
instante de inovação como ilegítima justificativa para eternizar as práti-
cas recorrentes. ”

Na peça inicial, citando voto proferido pelo Ministro Eros Grau, na ADI
2716/RO, o parquet apresenta os seguintes fundamentos:

(...) “a prorrogação de contratos vencidos, precários ou irregu-


lares, fora dos padrões constitucionais, causa sérias consequên-
cias, especificamente em duas ordens. Valendo-se da tese do
duplo objetivo da licitação, (...) a licitação pode ser avaliada sob
o prisma da Administração que quer obter a melhor proposta,
em termos técnicos e econômicos, para contratação do serviço,
como ainda pelo ângulo dos contratados, particulares que têm
o direito subjetivo a competir em igualdade de condições para
obter o objeto da contratação. Noutro modo de dizer, mantidas
a frente da execução dos serviços públicos empresas que não se
submeteram ao procedimento de licitação, perde a Administra-
ção Pública mais fortemente onerada no cumprimento das cláu-
sulas econômicas (já que não foram produzidas num ambiente
de livre competição) e na perfeição do serviço prestado (pois os
critérios técnicos, do mesmo modo, não foram avaliados). Per-

39 Cf. previsto no artigo 58 da Lei n.º 11.445/2007, alterando o artigo 42 da Lei n.º
8.987/95.

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289
Estudos de Direito do Saneamento

dem também o usuário, por ligação evidente com a qualidade do


serviço, e os particulares que poderiam pretender executar tal
tarefa, impedidos de competir pela contratação” 40.

Na contramão de todo este movimento, no entanto, em relação às


concessões do serviço de saneamento básico, em 2012, mediante a Medi-
da Provisória n.º 561, posteriormente convertida na Lei n.º 12.693/2012,
foi introduzido o artigo 7.º-A na Lei n.º 11.578/200741, chamada Lei do
PAC-Programa de Aceleração do Crescimento, permitindo a regulariza-
ção dos contratos de concessão celebrados com as estatais estaduais,
que estivessem, em caráter precário, com prazo vencido ou com vigência
por prazo indeterminado, desde que fossem celebrados convênios de
cooperação entre o Município e o Estado, seguido posteriormente do
contrato de programa entre aquele e a concessionária.

Constata-se que o valioso instrumento da gestão associada, previsto


no artigo 241 da CF, cuja finalidade seria promover o federalismo coope-
rativo, foi utilizado para legitimar a manutenção da prestação de serviços

40 Petição inicial da ADI 4058, a qual foi julgada parcialmente procedente, para
conferir ao § 1.º do artigo 42 da Lei n.º 8.987/1995 interpretação conforme à Constituição,
sem redução de texto, no sentido de ser imprescindível a realização de licitação prévia à
nova delegação a terceiro.
41 Cf. Lei n.º 11.578/2007, Artigo 7.o-A.  Os serviços públicos de saneamento bá-
sico prestados por entidade da administração indireta dos Estados, por meio de concessão
outorgada em caráter precário, com prazo vencido ou que estiverem em vigor por prazo
indeterminado, poderão ser contemplados com os recursos públicos do PAC, desde que
incluam no termo de compromisso previsto no artigo 3.o os seguintes requisitos adicionais:
I – anteriormente à assinatura do termo de compromisso, celebração de convênio de coo-
peração entre os entes federativos que autorize a gestão associada de serviços públicos;
e I – celebração, até 31 de dezembro de 2016, entre os entes federativos ou suas entidades,
de contrato de programa que discipline a prestação dos serviços. 1.o  O convênio de coope-
ração firmado a partir da data de publicação desta Lei deverá conter cronograma fixando
os prazos para o cumprimento das condições previstas no artigo 11 da Lei n.o 11.445, de
5 de janeiro de 2007, que deverão estar atendidas na data de celebração do contrato de
programa referido no inciso II do caput.(Incluído pela Lei n.º 12.693, de 2012)

Voltar ao índice
290
de saneamento pelas Companhias Estaduais, que, mediante a forma-
lização de novos contratos, garantiriam a continuidade das atividades.
Ocorre que, devido à necessidade do cumprimento de requisitos técni-
cos para a celebração dos contratos de programa, em muitos Municípios
brasileiros a prestação vem ocorrendo de maneira irregular, baseadas
tão-somente no convênio de cooperação, apesar da previsão legal de
que aquele é condição de validade das obrigações assumidas.

Como se verá adiante, as condições de validade dos contratos são basi-


camente estudos técnicos para aferição da viabilidade, assim como contem-
pla elementos para que o titular possa decidir, inclusive, acerca da forma de
prestação do serviço. Ocorre que a exigência da celebração do contrato de
programa, como requisito para a transferência de recurso no âmbito da Lei
do PAC, acabou por dirigir o estudo, para legitimação de tal escolha.

Tal situação foi verificada em diversos Municípios do Estado da Bahia,


que, em decorrência do encerramento da vigência das concessões, fora
celebrado convênio de cooperação, com autorização para firmar o contra-
to de programa com a Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A-EM-
BASA, após o cumprimento das condições de validade. Ocorre que, em
muitos deles, após passados vários anos, não foram cumpridas as exigênci-
as; não foi formalizado o contrato de programa e a EMBASA continua pres-
tando o serviço sem qualquer amparo contratual e, por conseguinte, sem
regulamentação de metas de investimento, das tarifas e da qualidade do
serviço. Situação similar também ocorre nos Municípios do Rio de Janeiro,
nos quais a atuação é da Companhia Estadual de Águas e Esgoto-CEDAE42.

42 Embora entenda que pontos da fundamentação são baseadas em algumas pre-


missas equivocadas, citam-se julgados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação
Cível n.º 0002870-69.2010.8.19.0064), assim como do Tribunal de Justiça da Bahia (Proces-
so n.º 0300155-83.2016.8.05.0088. Ação Civil Pública. 2ª Vara dos Feitos Cíveis e Anexos-
Guanambi), nos quais são questionados os pressupostos para a celebração dos contratos
com as estatais, que retratam bem tal cenário.

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291
Estudos de Direito do Saneamento

Quanto às características, o contrato de programa no setor de sanea-


mento básico enquadra-se no segundo tipo já referido no tópico anterior,
sendo equiparado ao contrato de concessão para prestação de serviço
de conteúdo econômico. Trata-se de um típico contrato administrativo,
cujo contratado é sociedade de economia mista ou empresa pública, per-
tencente à administração indireta de Estado federado. Nestes moldes,
aqui se reproduzem as mesmas críticas já reportadas anteriormente no
que tange à necessidade de procedimento licitatório para contratação da
estatal, até porque esta desenvolve atividade econômica e é vinculada a
ente distinto do titular do serviço e contratante.

Mais uma vez, voltando os olhos para as características do setor de


saneamento, a dificuldade desta contratação, sem um procedimento
prévio de escolha, apenas aumenta, haja vista que, em se tratando de
monopólio natural e cuja delegação geralmente é conferida em bloco,
envolvendo todas as atividades da cadeia, a sua atribuição a ente esta-
tal exclusivo impede qualquer possibilidade de concorrência seja para o
ingresso seja durante a prestação. Esta “reserva de mercado” pode se re-
velar prejudicial aos interesses dos consumidores-usuários, assim como
dificultar o alcance da universalização do serviço.

Neste cenário, considerando que o contrato de programa foi equiparado


ao contrato de concessão e, tendo em vista que, no âmbito do setor de sane-
amento básico, não se enquadra nos pressupostos da relação in house, a sua
celebração deve ser condicionada ao prévio procedimento concorrencial.

5.1. Da escolha motivada da forma de prestação do serviço públi-


co de saneamento. Condições de validade dos contratos para a pres-
tação do serviço.

Conforme vem sendo reportado ao longo do texto, a definição pelo


titular do serviço quanto à forma de prestação do serviço de saneamento

Voltar ao índice
292
é uma decisão discricionária, a qual deve ser devidamente ancorada em
elementos que comprovem ter sido a melhor escolha para atendimento
dos interesses do cidadão e concretização dos princípios que norteiam a
prestação do serviço.

A Lei n.º 11.445/2007 explicita condicionantes para validade de con-


tratos no saneamento, que são as seguintes: a) plano de saneamento
básico; b) estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-finan-
ceira da prestação universal e integral dos serviços; c) normas de regula-
ção que contemple as diretrizes, assim como a designação da entidade
de regulação e de fiscalização e d) realização prévia de audiência e de
consulta públicas sobre o edital de licitação, no caso de concessão, e so-
bre a minuta do contrato.

As duas primeiras condicionantes refletem a função de planejamen-


to, baseado em dados técnicos, cujo papel é fundamental para subsidi-
ar a definição da política pública, inclusive quanto à forma de prestação
de serviço. Considerando a sua importância, é indelegável, podendo ser
executada, no entanto, mediante cooperação federativa, o que seria ins-
trumentalizado com o autêntico contrato de programa.

Tal assertiva é corroborada pela definição de planejamento, constan-


te do Decreto n.º 7.217/2010, como “atividades atinentes à identifica-
ção, qualificação, quantificação, organização e orientação de todas as
ações, públicas e privadas, por meio das quais o serviço público deve ser
prestado ou colocado à disposição de forma adequada”.

Materializa-se no Plano Municipal de Saneamento, o qual deve guar-


dar compatibilidade com os planos nacional e regional, bem como com
os planos de recursos hídricos das bacias hidrográficas em que os Municí-
pios estiverem inseridos. Quanto ao conteúdo, o plano deve partir de um
diagnóstico situacional do saneamento, identificando os reflexos na vida,

Voltar ao índice
293
Estudos de Direito do Saneamento

saúde e economia local. A partir daí, devem ser fixadas metas de curto,
médio e longo prazos para atingimento da universalização, avaliando as
ações necessárias para o seu cumprimento de modo mais eficiente e efi-
caz para cada uma das atividades que compõe o serviço.

A fim de promover uma continuidade e maior segurança jurídica, o


plano é vinculante tanto para o titular quanto para os prestadores do
serviço, o que reforça a necessidade de ser elaborado com base em ele-
mentos reais e com a fixação de metas bem definidas e sustentáveis. Na
hipótese de prestação de serviço contratada, a atualização do plano, com
revisão de metas, deve se refletir nos contratos, os quais devem passar
por aditivos, preservando-se, porém, o equilíbrio econômico-financeiro. 

No que tange ao Estudo de Viabilidade Técnica e Econômico-financei-


ra da prestação universal e integral dos serviços, o mesmo é ferramenta
essencial para quantificar os recursos necessários à implementação do
serviço em consonância com as exigências contidas no plano municipal,
conferindo ao titular as bases para aferição das alternativas compatíveis,
para tomada da decisão na escolha da forma de prestação.

As normas de referência quanto ao conteúdo do Estudo de Viabili-


dade Técnica e Econômico-Financeira (EVTE) foram disciplinadas pelo
antigo Ministério das Cidades, mediante a Portaria n.º 557, de 11 de
novembro de 2016. A finalidade é apresentar informações que possam
permitir a definição do modelo mais adequado de prestação do serviço
para o Município, de forma individualizada ou em gestão associada e, a
depender de tal resultado, auxiliar no procedimento para realização de
licitação ou na justificativa de dispensa ou inexigibilidade.

Dentre outros, no EVTE devem ser avaliados a demanda populacional


no prazo de 30 anos, os investimentos necessários e o estudo acerca do

Voltar ao índice
294
modelo de negócio a ser adotado. Na análise dos recursos, devem ser
incluídos os custos das medidas mitigadoras e compensatórias de caráter
social e ambiental; dos custos operacionais e despesas da atividade; da
quantificação das receitas, inclusive as acessórias. Quanto à modelagem
da prestação, deve contemplar, dentre outros requisitos, a apreciação
das alternativas de outros modelos contratuais, a justificativa do esco-
lhido, em relação ao qual devem ser demonstradas as vantagens sociais,
ambientais e econômicas no curto, médio e longo prazos.

Destarte, a elaboração do plano de saneamento local, municipal ou


regional, aliado ao EVTE são importantes instrumentos para melhor defi-
nição da política pública, contemplando as necessidades da comunidade
envolvida, haja vista produzirem diversos elementos indicativos para a
tomada da decisão pelo titular do serviço. Com esteio neste conjunto,
a decisão administrativa deve ser responsável, dirigida para aquela que
melhor possa atender os interesses da comunidade envolvida e não ao
interesse de grupos específicos.

Ademais, considerando que a atividade depende de recursos finan-


ceiros significativos, revela-se contrária ao interesse público, assim como
extremamente lesiva ao patrimônio público, toda e qualquer contrata-
ção que deixe de avaliar a situação econômico-financeira do prestador,
ocasionando o risco potencial de descumprimento de metas, seja para
criação, ampliação ou manutenção do sistema.

Embora dirigida tal condição de validade para as situações em que


haverá contratação, quando se decidir pela prestação direta do serviço
por órgão ou entidade própria do titular, incumbe ao titular fazer a mes-
ma ponderação, de modo que é indispensável que estes disponham de
recursos orçamentários, assim como capacidade técnica e operacional
que permitam o cumprimento do plano de saneamento.

Voltar ao índice
295
Estudos de Direito do Saneamento

Em se tratando de companhia de saneamento vinculada ao Estado,


deve concorrer em condições de igualdade com particulares, sendo, in-
clusive, por expressa disposição legal (artigo 17 da Lei n.º 8.987/95), ve-
dado se socorrer de vantagens ou subsídios de qualquer ordem oriundos
daquele ente federado.

Ratificando o quanto ora exposto, a própria Lei n.º 11.445/2007 traz


a exigência de que “os planos de investimentos e os projetos relativos ao
contrato deverão ser compatíveis com o respectivo plano de saneamen-
to. ” A fim de reafirmar a condição vinculante do plano, ainda estatuiu
que as metas ali previstas, a sua forma de implantação em consonância
com as prioridades previamente definidas, assim como as condições de
sustentabilidade e equilíbrio econômico-financeiro da prestação, em re-
gime de eficiência, devem ser devidamente contratualizados.

Por fim, caso a decisão seja pela contratação, o contrato somente será
considerado válido se houver a definição dos entes de regulação e de fis-
calização, para o exercício das funções que lhes são inerentes previstas em
normas previamente definidas. As de regulação devem ser exercidas por
ente autônomo e direcionar o estabelecimento prévio de padrões, confe-
rindo segurança jurídica, para que a prestação do serviço seja considerada
adequada para a satisfação do usuário e para que haja o cumprimento das
metas. Resguardando a sustentabilidade da atividade, deve haver a defini-
ção de tarifas que garantam o equilíbrio econômico-financeiro do contrato,
assim como a sua modicidade, e, por fim, a previsão da adoção de práticas
para prevenir e reprimir o abuso do poder econômico.

Outro requisito de validade diz respeito à exigência de realização de


audiência pública quanto ao edital e à minuta do futuro contrato, a qual,

Voltar ao índice
296
para ser efetiva, depende de ampla divulgação, transparência das infor-
mações e adoção de mecanismos para facilitar a compreensão de ques-
tões técnicas, de modo a qualificar a participação popular. Neste cenário,
não se pode olvidar que o cidadão, além do direito ao saneamento, tem
atrelado o dever de usufrui-lo, quando colocado à disposição, em face
das inúmeras consequências negativas que poderiam advir para a cole-
tividade. Destarte, tanto os direitos quanto os deveres serão mais facil-
mente internalizados quanto melhor for a população informada.

Uma vez não cumpridos tais requisitos, o negócio fica sujeito à de-
claração de nulidade, podendo ser objeto de questionamento mediante
o ajuizamento de ação civil pública ou ação popular, sendo, portanto, de
grande valia a publicidade, a transparência e a informação qualificada
acerca dos motivos que levaram o titular do serviço a decidir por uma
determinada forma de prestação.

Por fim, corroborando o quanto vem sendo exposto, conforme pon-


tua o ilustre Professor Floriano de Azevedo Marques Neto43, o serviço
de saneamento tem como princípio fundamental a universalização do
acesso, cujo alcance tem custos, que refletem na qualidade e eficiên-
cia da prestação e que precisam ser considerados na tomada de decisão
quanto à forma de prestação. Esta deve ser sustentável, cabendo ao Po-
der Público explicitar como pretende viabilizá-la, considerando inclusive
as metas de ampliação, fontes de financiamento e de remuneração dos
investimentos. Em tal sentido, faz os seguintes apontamentos:

43 MARQUES NETO, FLORIANO DE AZEVEDO. “A regulação no setor de saneamento”,


in Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, Berenice de Souza
Cordeiro, coord., Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS). Instrumentos das
políticas e da gestão dos serviços públicos de saneamento básico, Brasília, 2009, p.165-191.

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297
Estudos de Direito do Saneamento

“Ou seja, como era de se esperar numa lei nacional, a Lei


11.445/07 deixa a critério do Poder Público, titular dos serviços,
a decisão de como devam ser custeados os investimentos e re-
munerados os custos dos serviços de Saneamento Básico. Só não
lhe permite que tais critérios desconsiderem a sustentabilidade
da prestação ou sejam definidos sem conexão com a racionalida-
de econômica e com o planejamento setorial. Mais, ainda, veda
peremptoriamente que tais critérios não sejam transparentes e
explícitos. Ao que só se pode render encômios ao legislador. ”

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prestação do serviço público de saneamento, seja de forma direta


pelo próprio titular, seja mediante a descentralização a ente da sua admi-
nistração indireta ou por intermédio de contrato de concessão, ou ainda
sob a forma de gestão associada, não se pode afastar do seu ponto fulcral
que é o atendimento dos interesses individuais e coletivos, voltados a
promover a dignidade da pessoa humana, assim como da sua diretriz,
que é o alcance da universalização no seu acesso.

Partindo de tal premissa, a decisão discricionária do titular, ao definir a


melhor forma de prestação para o Município, deve ser devidamente moti-
vada, evidenciando os requisitos considerados necessários para que a sua
prestação se realize de modo qualificado como eficiente e sustentável.

Neste contexto, o serviço pode ser prestado por estatais ou agentes


privados ou mesmo em conjunto. No entanto, o que deve pautar o gestor
público nesta escolha é a observância dos parâmetros contidos nos estudos
técnicos, que privilegiem o cumprimento dos princípios específicos do servi-
ço de saneamento. Deve buscar garantir o serviço mais adequado aos usuá-

Voltar ao índice
298
rios, desvencilhando-se, portanto, dos antigos paradigmas da escola clássica
francesa voltada apenas ao atendimento das necessidades do Estado.

Considerando a ampliação dos direitos dos cidadãos, o déficit do sa-


neamento no país e as deficiências da maioria dos Municípios brasilei-
ros, revela-se como de extrema importância os novos instrumentos de
cooperação horizontal firmados entre os entes federados, de maneira a
potencializar o cumprimento de deveres comuns. Neste cenário, a jun-
ção de esforços dos entes públicos, mediante os instrumentos de gestão
associada, deve ser dirigida ao alcance mais eficaz de tal objetivo, o que
se verifica diante da assunção e cumprimento de obrigações específicas
pelos entes federados.

No âmbito do setor de saneamento, todavia, infelizmente se observa


sua utilização desvirtuada, tendo em vista que o intuito primordial da coo-
peração entre Estados e Municípios visou regularizar as antigas delegações
da prestação dos serviços às estatais estaduais, que passaram a ser contra-
tadas sem a exigência de procedimento de seleção, mediante a celebração
do contrato de programa, que se assemelha a um contrato de concessão.

Considerando o conteúdo econômico dos serviços de saneamento e o


próprio regime jurídico do contrato de programa, a contratação de estatais
vinculadas a outro ente federativo necessariamente deve ser precedida de
licitação, de modo que a dispensa estampada na lei configura uma ofensa
ao artigo 175 da Carta Magna, que somente prevê a prestação a prestação
do serviço de forma direta ou a contratada, precedida da concorrência.

Tendo em vista que a gestão associada quanto à prestação de servi-


ços não transforma a companhia de saneamento estatal em ente vincu-
lado ao Município, de modo a se tentar enquadrar tal forma de prestação

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299
Estudos de Direito do Saneamento

como direta, mostra-se indevida a vantagem competitiva, agravada pelo


fato de se tratar, na esmagadora maioria, de sociedade de economia mis-
ta, que realiza distribuição de dividendos para os sócios e servidores, es-
capando totalmente da possibilidade de se enquadrar como uma relação
in house, nos moldes do direito comparado.

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300
Criação de consórcio
interfederativo no Amazonas
A gestão associada como meio
de incremento dos índices de
saneamento no Estado
DANDARA VIÉGAS DANTAS2

s1

Resumo

O estudo em questão buscou apresentar uma alternativa para incre-


mento dos índices de saneamento no Amazonas, que é um dos estados
com um dos números mais precários no país, justificativa esta que emba-
sou a importância da presente pesquisa e a necessidade de apresentar
uma proposta para solução do problema. A partir daí questionou-se so-
bre qual o modelo seria mais viável para a formalização de um consór-
cio interfederativo no Amazonas. Para tanto, foi estabelecida a relação
entre o federalismo e a gestão associada, bem como foi apresentado o
conceito de consórcio. Em seguida, contextualizou-se a situação do sa-

1 Procuradora Federal, Graduada em Direito (UFPE) e em Relações Internacionais


(FIR), Especialista em Direito Tributário (IBET) e Mestre em Direito Ambiental (UEA). Atua
no consultivo da PFE/FUNASA/AM | e-mail: dandara.dantas@agu.gov.br. Endereço profis-
sional: R. Oswaldo Cruz, S/N - Glória, Manaus - AM, 69027-000

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301
Estudos de Direito do Saneamento

neamento no Amazonas e foram discutidas as experiências consorciais


nos estados de Minas Gerais, Paraná e Piauí através do CISAB, CISPAR e
CORESA SUL, respectivamente. Concluiu-se que o melhor modelo a ser
eventualmente implementado no Amazonas seria o adotado no CISAB
e CISPAR, que demonstraram maior sustentabilidade no tempo e êxito.

Palavras-chave: Saneamento, federalismo, gestão associada, consór-


cios públicos, saneamento.

Abstract

The study in question sought to present an alternative for increasing


sanitation rates in the Amazon, which is one of the states with one of the
most precarious numbers in Brazil, justifying the importance of the pre-
sent research and the need to present a proposal to solve the problem.
From then on, it was questioned about the feasibility of formalizing an
inter-federative consortium in Amazonas and what would be the model to
be followed. To this end, the relationship between federalism and associ-
ated management was established, as well as the concept of consortium.
Then, the sanitation situation in the Amazon was contextualized and the
consortial experiences in the states of Minas Gerais, Paraná and Piauí
were discussed through CISAB, CISPAR and CORESA SUL, respectively. It
was concluded that the best model to be eventually implemented in Ama-
zonas would be the one adopted in CISAB and CISPAR, which demonstra-
ted greater sustainability in time and success.

Keywords: Sanitation, federalism, associated management, public


consortia, sanitation

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302
Sumário

1. Introdução; 2. Federalismo e políticas públicas; 3. Consórcios


públicos; 4. Experiências de cooperação interfederativa nacio-
nais; 4.1 Contextualizando o saneamento no estado amazonen-
se; 4.2 Experiências de Consórcios Intermunicipais nos estados
de Minas Gerais, Paraná e Piauí; 4.2.1 Consórcio Intermunicipal
de Saneamento Básico da Zona da Mata de Minas Gerais – CISAB;
4.2.2 Consórcio Intermunicipal de Saneamento do Paraná – CIS-
MAE/CISPAR; 4.2.3 Consórcio Regional de Saneamento do Sul do
Estado do Piauí – CORESA SUL; 5. Conclusões.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, o conceito de saneamento engloba o conjunto dos servi-


ços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água,
esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, bem como
manejo de resíduos sólidos e águas pluviais, consoante previsão norma-
tiva, cristalizada na Lei n.º 11.445/2007.

Já em Portugal, o termo saneamento restringe-se ao tratamento de


águas residuais, que juntamente com o abastecimento de águas e gestão
de resíduos urbanos constituem serviços públicos de caráter estrutural,
essenciais ao bem-estar geral, à saúde pública e à segurança coletiva das
populações, às atividades econômicas e à proteção do meio ambiente,
conforme definição do Decreto n.º194/2009.

Independente das diferenças terminológicas e de abrangência téc-


nica, é cediço que o acesso aos serviços de água tratada, coleta e trata-
mento de esgotos resulta no incremento da qualidade de vida da popu-
lação, prevenindo enfermidades, promovendo a saúde, a produtividade
do indivíduo e facilitando o desenvolvimento das atividades econômicas.

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303
Estudos de Direito do Saneamento

Quase 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto, e


somente à 52,36% da população nacional é disponibilizado esse serviço.
A fim de melhor delinear esse cenário, na Região Norte apenas 10,24%
da população têm acesso aos esgotos2. Mais especificamente no estado
do Amazonas, o índice de atendimento total de água é de 79,66%3, se-
gundo o Instituto Trata Brasil.

Esses dados alarmantes guiam a uma necessidade de se pensar em


alternativas viáveis para incrementar os índices de saneamento naquele
estado, tendo em vista que possui um dos piores percentuais do Brasil,
sendo essa a justificativa para a importância do presente estudo.

A esse resultado pode ser atribuído como causa a escassez de recur-


sos financeiros dos Municípios, aliada à ausência de capacidade técnica
e institucional para assumir e dar o devido cumprimento, de maneira
eficaz e eficiente, das funções que lhe foram atribuídas.

Nesse diapasão, a Lei n.º11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabelece as


diretrizes nacionais para o saneamento básico e prevê a cooperação entre
entes federativos e a gestão associada como mecanismo para enfrentar a
problemática do saneamento, permitindo que um município articule-se for-
malmente com outros, e também com o estado, para exercer de forma con-
sorciada determinadas competências previstas no aludido diploma legal.

Sendo assim, o presente estudo gravita em torno da seguinte questão


de pesquisa: Qual modelo de consórcio interfederativo se mostra mais

2 Trata Brasil. Esgoto. São Paulo, 27 jul. 2019. Disponível em: http://www.tra-
tabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/esgoto (acedido em 27 de se-
tembro de 2019).
3 Trata Brasil. Principais dados do saneamento por estado. Trata Brasil. São Pau-
lo, 27 jul. 2019. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-esta-
tisticas/no-brasil/dados-regionais (acedido em 27 setembro de 2019)

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304
viável para implementação no Amazonas com a finalidade de melhorar
os índices de saneamento naquele estado?

A fim de responder tal questionamento, esta análise objetiva discutir


as vantagens da gestão associada para entes federados que detêm ca-
racterísticas e demandas semelhantes para que, conjuntamente, possam
incrementar o saneamento dos municípios do estado amazonense.

O estudo objetiva ainda analisar o conceito de consórcios públicos,


bem como analisar as experiências de instrumentos dessa natureza fir-
mados no âmbito de outros estados, no intuito de identificar qual a mo-
dalidade que teria mais êxito na sua implementação no caso do Amazo-
nas, que sofre com índices precários de saneamento.

2. FEDERALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Antes de adentrar na análise dos consórcios públicos, importa trazer à


discussão o conceito de federalismo, que se trata de uma forma de orga-
nização político-territorial alicerçada no compartilhamento tanto da legiti-
midade como das decisões coletivas entre mais de um nível de governo.
Nesse sentido, o federalismo pode ser conceituado da seguinte maneira4:

Trata-se de um acordo capaz de estabelecer um compartilha-


mento da soberania territorial, fazendo com que coexistam, den-
tro de uma mesma nação, diferentes entes autônomos e cujas
relações são mais contratuais do que hierárquicas. O objetivo é
compatibilizar o princípio de autonomia com o de interdepen-
dência entre as partes, resultando numa divisão de funções e
poderes entre os níveis de governo.

4 L.F. Abrucio e C. Franzese. “Federalismo e políticas públicas: o impacto das relações


intergovernamentais no Brasil”, Tópicos de economia paulista para gestores públicos, v.1, 2007, p. 14

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305
Estudos de Direito do Saneamento

No Brasil, o federalismo surgiu inicialmente de um processo de


descentralização do poder central para os estados, resultando no for-
talecimento destes em detrimento da União. A Era Vargas trouxe como
resultado para o federalismo nacional o fortalecimento do Executivo e
da burocracia federais, que se acentuou durante o regime militar, cen-
tralizando demasiadamente os recursos nas mãos do Governo Federal e
aumentou o controle administrativo do Poder Central sobre os governos
das demais esferas, reduzindo-se a autonomia local.

Tal cenário mudou com a redemocratização nacional, que resultou no for-


talecimento das unidades estaduais e dos governos dos municípios. A muni-
cipalização de políticas públicas foi se consolidando ao longo dos anos 1990.

A Constituição da República Federativa do Brasil, datada de 1988,


dispõe que a União tem competência administrativa para estabelecer as
diretrizes gerais do setor de saneamento (art. 21, inciso XX5). É compe-
tência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios promover
projetos de melhorias de saneamento básico, segundo dicção do art. 23,
inciso IX6. E ainda, cabe aos municípios legislar sobre os assuntos, organi-
zar e prestar os serviços de interesse local (art. 30, incisos I e V7).

Portanto, vê-se que essa área de grande importância é de competência


de todos os entes federativos. A previsão compartilhada de responsabilida-

5 Art. 21. Compete à União:


XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamen-
to básico e transportes urbanos;
6 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habi-
tacionais e de saneamento básico;
7 Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
V- organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os servi-
ços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial

Voltar ao índice
306
des e descentralização de recursos resultou na participação dos estados em
políticas financiadas pela União, eximindo-se da responsabilidade de inves-
timento, sob a justificativa de que estavam constitucionalmente desobriga-
dos. Por sua vez, o Governo Federal intentou transformar a descentralização
em um jogo de repasse de funções, intitulado de operação desmonte8.

Nessa conjuntura, diversos encargos acabaram sendo assumidos pe-


los municípios desorganizadamente, muitas vezes com pouca coopera-
ção junto às demais unidades federativas, já em outras com o aumento
da competição entre os próprios governos municipais9.

No federalismo10, as autoridades no nível central de governo coe-


xistem com os demais entes federativos territorialmente distintos, isso
porque os oficiais de todos os níveis de governo são parte do mesmo sis-
tema e ao mesmo tempo parcialmente autônomos, as iniciativas de suas
políticas sociais são altamente interdependentes, mas modestamente e
frequentemente coordenadas. Elas podem até competir entre si, perse-
guir projetos independentes que trabalham em sentidos distintos, ou co-
operar entre si para atingir fins que não poderiam ser obtidos sozinhos.

É nessa perspectiva que surge a gestão associada de serviços públicos


que consiste no compartilhamento, entre diferentes entes federativos,
no que diz respeito ao desempenho de determinadas funções ou servi-
ços públicos de seu interesse comum11.

8 Abrucio e Loureiro, O Estado em uma era de reformas: os anos FHC. Brasília, pp. 21 ss.
9 L.F. Abrucio e C. Franzese. “Federalismo e políticas públicas: o impacto das relações inter-
governamentais no Brasil”, Tópicos de economia paulista para gestores públicos, v.1, 2007, pp.13-31.
10 P. Pierson. Fragmented Welfare States: federal institutions and development of
social policy. Governance, v.8, n.4, out. 1995, pp. 452.
11 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Cartilha de Consór-
cios Públicos de Saneamento Básico: explicitando os caminhos, as experiências e as vanta-
gens da cooperação interfederativa no saneamento/Ministério da Saúde, Fundação Nacio-
nal de Saúde; Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 2017, pp. 9-10.

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307
Estudos de Direito do Saneamento

A gestão associada de serviços públicos pode ser conceituada como o


exercício de forma compartilhada, por duas ou mais entidades federativas, de
competências que envolvem a prestação de um ou mais serviços públicos12.

Por sua vez, a gestão associada pode ser realizada por meio de con-
vênios de cooperação ou de consórcios públicos, atendo-se o presente
estudo a esta última modalidade.

Os consórcios e convênios podem ser distintos entre os entes que o


celebram, tendo em vista que nestes últimos é permitida a agregação de
pessoas físicas ou jurídicas, bem como de direito público ou privado, pos-
suindo uma esfera de abrangência diversificada, não sendo eles dotados
de personalidade jurídica, eis que dependente da vontade de cada de
um de seus integrantes, tendo em vista a execução de objetivos comuns.
Por sua vez, o consórcio diz respeito ao direito público, submetendo-se
às suas regras, celebrado entre entes federativos munido do escopo da
prestação de serviços públicos13.

3. CONSÓRCIOS PÚBLICOS

Os consórcios públicos podem assumir as funções de planejamento, re-


gulação e fiscalização dos serviços públicos de saneamento básico, apoiando
os municípios na realização desses misteres, segundo a Lei n.º11.445/2007.

Dito isso, o conceito de consórcio público diz respeito à:

12 O. Medauar e G.J. Oliveira, Consórcios Públicos. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2006, pp. 174.
13 A. Piterman, Formação e implantação dos consórcios municipais em sanea-
mento: um estudo de três experiências no Brasil. UFMG, 2014, p. 76.

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308
“[…] união entre dois ou mais entes da Federação (municípios,
Distrito Federal, estados e União), sem fins lucrativos, com a fi-
nalidade de prestar serviços e desenvolver ações conjuntas que
visem ao interesse coletivo e benefícios públicos. Constitui-se
numa associação pública com personalidade jurídica de direito
público e de natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de di-
reito privado sem fins econômicos14”

Nos consórcios, os participantes são denominados partícipes, pos-


suindo interesses coincidentes e não opostos, como nos contratos. Esses
instrumentos podem ser constituídos como ato coletivo. O consórcio é
ainda instrumento de descentralização, sendo uma forma de fomento,
dependendo ainda de autorização legislativa, obrigatória quando im-
prescindível o repasse de verbas não previstas no orçamento e, indepen-
dente do caso, deve ser dada ciência à Casa Legislativa, aplicando-se no
que lhe couber as disposições da Lei n.º 8.666/9315.

Por meio da gestão associada também pode ser desempenhada a presta-


ção dos serviços públicos, especialmente no que diz respeito ao saneamento
básico. Exemplo disso é o fato de que um consórcio público que representa
um conjunto de municípios em contrato de programa ou em contrato de
concessão, permitindo a contratação, de forma coletiva, de uma Companhia
Estadual por um consórcio formado por vários entes municipais.

Esse modelo permite com que a Companhia Estadual tenha menos


contratos para negociar, tendo em vista que a intermediação entre aque-
la e os municípios consorciados é feita através de um único contrato de

14 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Cartilha de Consór-


cios Públicos de Saneamento Básico: explicitando os caminhos, as experiências e as vanta-
gens da cooperação interfederativa no saneamento, p.7.
15 F. Marinela, Direito Administrativo, 9ª ed. Niterói: Impetus, 2015, p. 661.

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309
Estudos de Direito do Saneamento

programa, permitindo com que o consórcio administre as tarefas de pla-


nejamento, fiscalização e regulação.

Outra configuração que pode ocorrer é o consórcio se constituir


como uma autarquia prestadora de serviços que, por sua vez, firmará
contratos de programa com municípios que o integram.

Antes de ser firmado um consórcio é importante que os municípi-


os envolvidos delimitem e especifiquem quais as atividades relativas ao
saneamento que podem ser melhor desempenhadas por meio de um
consórcio público.

Segundo a Cartilha de Consórcios Públicos de Saneamento Básico


produzida pela Fundação Nacional de Saúde16, a cooperação interfe-
derativa pode trazer benefícios na gestão da referida área, traduzindo
(i) um maior ganho de escala, através da construção e operação de uso
compartilhado pelos municípios; (ii) melhoria da capacidade técnica, ge-
rencial e financeira de grupos de municípios, por meio de cursos para
técnicos municipais, desenvolvimento de programas coletivos como pro-
gramas para redução de perdas nos sistemas de abastecimento de água,
coleta seletiva de resíduos sólidos, criação de planos setoriais, projetos
e propostas para solicitação de recursos junto aos órgãos de fomento;
(iii) racionalização e otimização de aplicação de recursos públicos, que se
reflete através das compras compartilhadas de equipamentos e insumos
e contratação coletiva de serviços técnicos.

Dito isso, tem-se que o consorcionamento intermunicipal é adotado


como instrumento-chave a fim de promover uma nova política nacional

16 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Cartilha de Consór-


cios Públicos de Saneamento Básico: explicitando os caminhos, as experiências e as vanta-
gens da cooperação interfederativa no saneamento, pp.13-20.

Voltar ao índice
310
de saneamento, idealizada no Ministério das Cidades como anteprojeto
da lei dos consórcios17.

A Lei n.º 11.107/2005 é relevante e decisiva como instrumento regu-


latório, buscando promover segurança político-institucional inafastável
para a criação de alicerces de cooperação interfederativa18.

Isso porque, a mencionada lei visa abordar e incentivar a colaboração


entre entes federativos no que diz respeito à gestão dos serviços públicos
de saneamento por intermédio dos consórcios públicos e convênios de
cooperação entre companhias estaduais, municípios, estados.

Os consórcios públicos podem ser celebrados objetivando uma finali-


dade específica ou possuir multifinalidades, o escopo deste último é pro-
ver economia e resolução conjunta de problemas comuns entre os mu-
nicípios participantes. É deveras amplo o leque de opções que pode vir a
viabilizar inúmeras atividades, no entanto estas podem ser obstadas pela
falta de foco, tendo em vista o amplo leque de opções dos municípios19.

Sendo assim, é importante que sejam identificadas as similitudes e


disparidades, pontos de afinididade e divergências, vantagens e desvan-
tagens acaso os municípios se agrupem objetivando a criação de um pla-
no regional de saneamento.

No que diz respeito ao planejamento e organização é interessante


que os municípios da região abrangida pelo projeto de regionalização

17 Marinela, Direito Administrativo, p. 661-672.


18 Piterman, Formação e implantação dos consórcios municipais em saneamento:
um estudo de três experiências no Brasil, p. 74.
19 Brasil. Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Estruturação e im-
plementação de consórcios de saneamento, 2. Ed. – Brasília: Funasa, 2014, p. 12.

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311
Estudos de Direito do Saneamento

participe de eventos objetivando discutir os aspectos pertinentes e ade-


quações necessárias para que se implante a proposta20.

É importante que na fase antecedente à constituição do consórcio, co-


nheça-se preliminarmente os serviços de saneamento básico nos municí-
pios situados no perímetro de abrangência territorial do instrumento a ser
firmado, de modo a contemplar ainda os aspectos institucionais, jurídicos,
administrativos, operacionais e econômicos que possibilitem mensurar o
estado da atual prestação dos serviços, apontando os setores do sanea-
mento que potencialmente podem ser integrados ao consórcio, definindo
seus objetivos e resultados almejados com a celebração do ajuste21.

A constituição dos consórcios públicos segue as seguintes fases: (i) elabo-


ração do protocolo de intenções, (ii) subscrição do protocolo de intenções;
(iii) ratificação do contrato; (iv) contrato de rateio e (v) contrato de programa.

O protocolo de intenções corresponde ao instrumento pelo qual os


participantes de um consórcio delimitam regras a serem seguidas na exe-
cução do ajuste. Através dele são disciplinadas a finalidade, partes, prazos,
administradores e demais regras para formação de uma pessoa jurídica.

A Lei n.º 11.107/2005, define o protocolo de intenções como um ins-


trumento contratual preliminar através do qual a União, Estados, Distrito
Federal e Municípios manifestarão sua vontade de integrar o consórcio.
Vale destacar que o mencionado protocolo não detém natureza contra-

20 Brasil. Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Estruturação e im-


plementação de consórcios de saneamento, p. 58.
21 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Cartilha de Consór-
cios Públicos de Saneamento Básico: explicitando os caminhos, as experiências e as vanta-
gens da cooperação interfederativa no saneamento, p.33.

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312
tual, portanto através dele não é assumido o compromisso de celebrar
acordo com direitos e obrigações, sendo deliberadas as cláusulas a se-
rem observadas futuramente, caso o pacto seja ratificado.

O protocolo de intenções caracteriza-se por ser uma fase de ampla


negociação e discussões entre os envolvidos objetivando possibilitar
ajustes e compatibilizar interesses22. Alerta-se, ainda, para a importância
da realização de estudos prévios e pesquisas para que a formação do
consórcio seja exitosa, devendo o zelo e a diligência permear a confecção
do protocolo de intenções.

Em seguida, cabe exclusivamente ao gestor máximo do ente consor-


ciante a assinatura do protocolo de intenções. Após sua subscrição, o
protocolo deve ser publicado na Imprensa Oficial de cada município, co-
locando em curso a etapa de ratificação do consórcio público.

Posteriormente, o protocolo deve ser submetido ao Poder Legisla-


tivo de cada município a fim de deliberar a ratificação ou não do expe-
diente. O componente que concederá o caráter definitivo e público ao
consórcio é a ratificação23.

Por sua vez, o contrato de rateio caracteriza-se por ser um instru-


mento jurídico-orçamentário munido do escopo de fixar os repasses de
recursos de cada ente, na modalidade de rateio ou divisão das despesas
para a manutenção do consórcio.

22 Piterman, Formação e implantação dos consórcios municipais em saneamento:


um estudo de três experiências no Brasil, p. 83.
23 A. C. Teixeira, “As novas figuras contratuais nos consórcios públicos”, in M.C.S.
Pires e M.E.B. Barbosa (coord.), Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperati-
vo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pp. 145-164.

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313
Estudos de Direito do Saneamento

Acerca do contrato de rateio, tem-se o seguinte:

“É a única forma por meio da qual é possível a entrega de recur-


sos ao consórcio público, sendo vedada transferência de contri-
buições financeiras e econômicas de qualquer espécie. As exce-
ções a esta última são a doação, a destinação ou cessão de uso de
bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de direito
operadas segundo gestão associada de serviços públicos24”.

Por fim, o contrato de programa trata-se de um instrumento que


possibilita a prestação de serviços públicos ou a cessão parcial/total de
encargos, recursos humanos, serviços ou bens essenciais a que os servi-
ços transferidos sejam prestados de forma continua, no âmbito da ges-
tão associada. Portanto, é um dispositivo que regulamenta e institui os
compromissos e direitos assumidos entre as partes no âmbito da gestão
associada dos serviços públicos25.

O contrato de programa atua como um pacto consensual no que


tange à relação de cooperação intergovernamental, seja por consórcios
públicos, seja por convênios de cooperação, estando impedido de ser
celebrado além destas hipóteses legais26.

Tecidas essas considerações acerca do procedimento de formalização


dos consórcios públicos, passa-se a analisar as experiências desenvolvi-
das em outros estados da federação no âmbito consorcial, a fim de ex-
trair um possível modelo a ser adotado no Amazonas.

24 Teixeira, Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo, p. 156.


25 Piterman, Formação e implantação dos consórcios municipais em saneamento:
um estudo de três experiências no Brasil, p. 85.
26 Teixeira, Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo, pp. 156-157.

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314
4. EXPERIÊNCIAS DE COOPERAÇÃO INTERFEDERATIVA NACIONAIS

Segundo o IBGE27, as regiões onde os consórcios são mais comuns


são a Sul (34,9%) e a Nordeste (31,6%). Por sua vez, no Norte, a propor-
ção de municípios que participam de consórcio nessa área é a menor:
apenas 17,8%, podendo os baixos índices de saneamento nessa região
serem contornados a partir de uma cooperação interfederativa.

Ainda segundo dados do IBGE28, são 1257 municípios brasileiros que


atuam no manejo de resíduos sólidos, 713 no abastecimento de água,
463 no esgotamento sanitário e, por fim, apenas 255 municípios partici-
pam de consórcios na área de manejo de águas pluviais.

Conforme mencionado anteriormente, a Lei n.º 11.445/2007


aponta a cooperação interfederativa e a gestão associada como meios
para dirimir as dificuldades dos municípios em assumir as competên-
cias impostas pelo aludido diploma legal, que fixa diretrizes nacionais
para o saneamento básico.

Dentro desse cenário favorável à formação de consórcios, o pre-


sente estudo visa fornecer uma comparação entre experiências ado-
tadas em outros estados, munido do escopo de identificar, com base
nos parâmetros de constituição, funcionamento do consórcio e sus-
tentabilidade no tempo, qual seria o modelo mais viável para fins de
aplicação no Amazonas.

27 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos municípios brasi-


leiros: Saneamento básico : Aspectos gerais da gestão da política de saneamento básico:
2017 / IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro: IBGE, 2018.
28 idem

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315
Estudos de Direito do Saneamento

4.1 Contextualizando o saneamento no estado amazonense

Segundo dados do IBGE29, tem-se que 67% dos domicílios não têm
rede de esgoto ou fossas sépticas e 45% não têm rede de água, situação
esta que se reflete no baixos indicadores sociais.

Ainda consoante a mencionada pesquisa, 36,4% dos domicílios urba-


nos têm acesso ao saneamento adequado, ao passo que 63,6% não pos-
suem acesso. Esses dados englobam condições simultâneas de abasteci-
mento de água por rede geral no domicílio ou propriedade, esgotamento
sanitário por rede coletora de esgoto ou fossa séptica conectada à rede
coletora de esgoto e lixo coletado direta ou indiretamente30.

No interior do Amazonas os serviços de saneamento são desenvol-


vidos algumas vezes através do modelo descentralizado, ou seja, sob a
forma da Administração Indireta, existindo autarquias municipais que, no
passado, eram administrados pela Fundação Serviços Especiais de Saúde
Pública (FSESP) e pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Tais autar-
quias são denominadas Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAEs)
e estão presentes nos municípios de Itacoatiara, Manacapuru, Parintins,
Presidente Figueiredo, Tefé.

As SAAEs são conceituadas como pessoas jurídicas de Direito Público,


dotados de natureza meramente administrativa, criadas por lei específi-
ca, objetivando a realização de atividades, obras ou serviços descentrali-

29 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Sanea-


mento Básico. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2016.

30 A. Ferreira et al., “Relatório do Departamento de Auditoria Ambiental (DEAMB)”,


2015, p. 109, disponível em: https://radaramazonico.com.br/wp-content/uploads/2017/01/
Relat%C3%B3rio-conclusivo_Deamb.pdf (acedido em 11 de setembro de 2019).

Voltar ao índice
316
zados da entidade estatal que as criou, mas sem subordinação hierárqui-
ca, submetidas tão-somente ao controle finalístico de sua administração
e da conduta de seus dirigentes31.

Além das SAAE’s, esses serviços ainda são desenvolvidos por meio de
companhias municipais, como é o caso dos municípios de Coari e Humaitá.

Alguns municípios adotaram o modelo de gestão direta como é o


caso de Anori, Atalaia do Norte, Beruri, Nhamundá e Novo Airão. Já os
Municípios de Carauari, Careiro da Várzea e Manaquiri concederam o
serviço à Companhia de Saneamento do Amazonas, que é estadual.

O Tribunal de Contas do Amazonas realizou auditoria a fim de verifi-


car de que o forma os sistemas (SAAES, COSAMA e Prefeituras) funcio-
nam quanto às ações de controle e vigilância da qualidade da água.

No que diz respeito ao controle da qualidade da água, o aludido ór-


gão apurou diversos problemas no interior do estado no tocante à ausên-
cia de um Programa de Controle e Manutenção das áreas de captação,
deficiência no monitoramento da rede a fim de garantir a integridade do
sistema frente ao risco de contaminação.

Quanto à vigilância da qualidade da água, detectou-se também deficiên-


cia na implementação do programa Vigiagua. Desse modo, a qualidade da
água apta a consumo humano compete à Vigilância Ambiental em Saúde,
cujo monitoramento é realizado pelo Programa Nacional de Vigilância da
Qualidade de Água para Consumo Humano, criado pelo Ministério da Saúde.

31 A. M. Meirelles, O planejamento estratégico no Banco Central do Brasil e a


viabilidade estratégica em uma unidade descentralizada da autarquia: um estudo de caso.
CEPEAD/FACE/UFMG, Belo Horizonte, 1995, pp. 229

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317
Estudos de Direito do Saneamento

No Amazonas, as ações do programa são coordenadas pela Fundação


de Vigilância de Saúde (FVS), vinculada à Secretaria de Estado da Saúde.
Cabe ao estado incentivar os municípios a implementarem laboratórios
de análises de água na seara das atividades da vigilância ambiental.

Segundo o relatório do Tribunal de Contas do Amazonas, até o ano de


2014 o estado contabilizava 18 municípios com laboratórios instalados,
7 municípios com laboratórios parados, 7 que receberam equipamentos
constituindo espaço físico, porém não chegaram a funcionar por ausên-
cia de insumos e recursos humanos. Além disso, outros 5 muni-
cípios receberam equipamentos, porém não adotaram nenhuma provi-
dência e 25 municípios não detinham qualquer encaminhamento32.

Restou evidenciado que um dos maiores problemas para manuten-


ção dos laboratórios do Vigiagua, que tiveram suas atividades paralisa-
das, dizem respeito ao fato de que as administrações não conseguem
manter a regularidade da realização das análises, especialmente pela
falta de material, o que gera a descontinuidade das ações.

Nos municípios onde o programa não está instalado, as gestões in-


formam que não dispõem de recursos para implementação do programa
com a compra de equipamentos, insumos e implementação de laborató-
rios. Geralmente, nessas cidades as ações de saúde não abrangem a to-
talidade das ações da vigilância ambiental, funcionam apenas a vigilância
sanitária, relativa a alimentos, e a vigilância epidemiológica, que diz res-
peito a vetores. Assim, as ações de vigilância ambiental quando existem,
restringem-se apenas aos riscos biológicos com o controle de zoonoses.

32 Ferreira, Aguila e Meleiro da Silva. “Relatório do Departamento de Audito-


ria Ambiental (DEAMB)”, 2015, p. 109, disponível em: https://radaramazonico.com.br/
wp-content/uploads/2017/01/Relat%C3%B3rio-conclusivo_Deamb.pdf (acedido em 11 de
setembro de 2019).

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318
Feitas essas considerações sobre a situação do saneamento no Ama-
zonas, especialmente no que diz respeito à água, passa-se a analisar as
experiências de cooperação interfederativa implantadas nos estados de
Minas, Paraná e Piauí, a partir de um viés crítico, possibilitando extrair
parâmetros para a formalização de um consórcio a fim de beneficiar os
municípios do interior amazonense, incrementando os índices de sanea-
mento naquele estado.

4.2 Experiências de Consórcios Intermunicipais nos estados de Mi-


nas Gerais, Paraná e Piauí.

A seguir, o presente estudo debruçar-se-á sobre as experiências


quanto aos consórcios implementados em Minas Gerais, Paraná e Piauí,
a fim de identificar quais tiveram êxito e quais fracassaram, com o escopo
de identificar qual o melhor modelo para celebração de um consórcio no
interior do Amazonas.

4.2.1 Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da


Mata de Minas Gerais – CISAB

O CISAB é integrado por 35 municípios, abarcando uma população


de aproximadamente 550 mil habitantes, localiza-se entre as Serras da
Mantiqueira, Caparaó e Piedade. Vale mencionar que a abrangência do
consórcio é descontínua geograficamente e sua sede é localizada no
município de Viçosa.

Hodiernamente, as atividades realizadas pelo CISAB dizem respeito


a análises laboratoriais de controle e monitoramento da qualidade da
água, cursos de capacitação técnica e de Saneamento Básico aos municí-
pios do consórcio que manifestarem interesse em apoio administrativo,
compras coletivas com redução de custos para os SAAEs e elaboração de

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319
Estudos de Direito do Saneamento

concursos para funcionários dos SAAEs, auxílio na elaboração dos Planos


Municipais de Saneamento, atividade esta que conta com o auxílio da
FUNASA, elaboração do Plano Municipal de Saneamento compartilhado,
além da promoção de seminários com os gestores municipais e técnicos
dos serviços de saneamento e licitações compartilhadas envolvendo a
compra de material laboratorial e equipamentos33.

Os municípios do CISAB assumiram a gestão dos serviços de sanea-


mento básico, em sua maioria graças ao auxílio da União, por meio do
então Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), atualmente FUNASA.

Quanto à formação do consórcio, destaca-se o seguinte:

Conforme relato em entrevista com a superintendente, Tânia


Duarte, a FUNASA fez uma convocação tanto aos municípios
que tinham SAAEs, como àqueles que não possuíam esse mo-
delo de serviço. Já os municípios que tinham os serviços de
saneamento geridos por concessão do Estado foram excluídos.
A entrevista ressalta que, inicialmente, os prefeitos não foram
os mais interessados na constituição do consórcio, mas sim os
técnicos dos SAAEs dos municípios envolvidos. De fato, a de-
dicação dos técnicos foi central na constituição do Consórcio,
pois é a partir do comprometimento dessa categoria, a qual em
2004 assumiu a promoção e o acompanhamento das reuniões
intermunicipais aviadas pela FUNASA, que os municípios se
articularam em associação, surgindo a proposta de formação
do Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da
Mata. A coesão entre os técnicos trouxe o envolvimento dos

33 A. L. Britto et al.,“Experiências de cooperação interfederativa no Brasil. Re-


flexões a partir de um estudo comparativo de consórcios intermunicipais de saneamento
básico”, Revista Política e Planejamento Regional. Rio de Janeiro, v.3, n.2, julho/dezembro
2016, pp. 159-180.

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320
prefeitos, levando à assinatura do protocolo em 2007 e à cons-
tituição do consórcio em 200834.

Foi alcançada a universalização dos serviços de água, no que diz res-


peito aos demais serviços de saneamento intenta-se que o consórcio
atinja a meta e atue a fim de ter êxito quanto ao objetivo esperado35.

A estrutura do contrato de rateio é definida e votada em Assembleia.


O aludido contrato estipula que as contribuições financeiras serão es-
tabelecidas com base na quantidade de ligações de água existentes em
cada município, que é levantado pela comissão de orçamento do CISAB36.

Por fim, destaca-se que o consórcio em análise tem-se mostrado


exitoso, adotando como princípio que, diante da economia de escala,
o máximo da gestão do serviço deve permanecer no próprio Município,
pelas autarquias, fortalecendo no estado de Minas Gerais o mencionado
modelo de gestão.

4.2.2 Consórcio Intermunicipal de Saneamento do Paraná – CISPAR

O CISPAR (Consórcio Intermunicipal de Saneamento do Paraná) é re-


sultado da fusão de dois consórcios, o CISMAE (Consórcio Intermunicipal
de Saneamento Ambiental do Paraná) e o CISMASA (Consórcio Intermu-
nicipal dos Serviços Municipais de Saneamento Ambiental do Norte do
Paraná), objetivando prestar serviços de apoio aos SAAEs dos municípios
envolvidos, bem como atuar na regulação e fiscalização.

34 Britto et al., Revista Política e Planejamento Regional, p. 168.


35 Piterman, Formação e implantação dos consórcios municipais em saneamento:
um estudo de três experiências no Brasil, pp.161-162.
36 Britto et al., Revista Política e Planejamento Regional, p. 168.

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321
Estudos de Direito do Saneamento

O consórcio em lume é formado por 42 municípios, abrangendo uma


população em torno de 346 mil habitantes. Grande parte dos consorcia-
dos possui menos de 10 mil habitantes.

O que impulsionou o processo de criação do consórcio foi a realiza-


ção de análise de água no laboratório da FUNASA, tendo em vista que
as autarquias municipais não detinham laboratórios individualizados e
utilizavam o laboratório localizado no município de Maringá.

Assim como o CISAB de Minas Gerais, o contrato de rateio do CISPAR


estabelece a contribuição dos consorciados consoante o número de liga-
ções de água no município.

No que diz respeito à sustentabilidade no tempo do consórcio em re-


ferência, tem que os instrumentos que o precederam (CISMAE e CISMA-
SA), promoviam várias atividades institucionais com significativa redução
nos custos para os municípios, tais como contratação de profissionais
especializados, licitação para elaboração dos planos municipais de sane-
amento, elaboração de projetos de água e esgoto para as autarquias dos
entes consorciados, reinvindicação de recursos nas esferas supramunici-
pais, treinamento e capacitação de pessoal em parceria com a FUNASA,
licitação compartilhada, compras em nome das autarquias, estabeleci-
mento de convênios com empresas públicas e privadas objetivando a
redução de custos para os consorciados37.

A partir da criação do CISPAR, oriundo da fusão dos dois antigos con-


sórcios, as atividades anteriormente destacadas estenderam seu leque
de atuação e avançaram na função de regulação, o que vem sendo feito
desde 2015, consoante o Contrato de Consórcio Público.

37 Britto et al., Revista Política e Planejamento Regional, pp. 171-172.

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322
4.2.3 Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Estado do Piauí
– CORESA SUL

O CORESA foi criado no ano de 2005, a partir de uma iniciativa do vi-


ce-governador à época, e do presidente da AGESPISA (Agência Estadual de
Águas e Esgotos do Piauí), que requisitaram apoio ao Ministério das Cidades.
Isso porque, a Agência Estadual não estava conseguindo suprir as necessida-
des dos municípios “em relação à oferta de serviços de água e esgoto que
estavam situados na divisão administrativa do estado macrorregião sul cha-
pada das mangabeiras”38, área esta que é composta por 36 municípios.

Por sua vez, o Ministério das Cidades realizou estudo de viabilidade téc-
nica, logística e financeira dos modelos alternativos de gestão dos serviços,
conforme dados dos sistemas de abastecimento de água das sedes munici-
pais do Estado, obtidos a partir da Agência Nacional de Águas e do Programa
de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS). Os resultados aponta-
ram que o mais aconselhável para o Estado do Piauí seria a seguinte solução:

I – limitar a área de atuação da AGESPISA à capital e região me-


tropolitan para criar condições de viabilizar a sustentabiliza-
ção e revitalização da empresa;

II – restante do território estadual seria dividido em 04 macrorre-


giões ajustadas a concepção de territórios de desenvolvimen-
tos concebidos pela Secretaria de Planejamento do Estado do
Piauí – SEPLAN/PI. Estas 04 macrorregiões coincidiram com a
criação de 04 consórcios regionais (Estado e municípios) de sa-
neamento (Norte, Leste, Sudeste e Sul). Seriam consórcios que

38 Piterman, Formação e implantação dos consórcios municipais em saneamento:


um estudo de três experiências no Brasil, pp.170.

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323
Estudos de Direito do Saneamento

promoveriam gestão compartilhada, com prestação de parte


dos serviços do nível local realizada diretamente pelas prefei-
turas municipais (PITERMAN, 2014, p. 171).

A partir daí, os consórcios trabalhariam em escala regional, facilitan-


do a cooperação entre os municípios da região e o governo do Piauí. O
Serviço Local de Saneamento (SELOS) ficaria incumbido do gerenciamen-
to dos serviços no nível local. Por sua vez, o SELOS, operado pela Secreta-
ria Municipal de Obras e Serviços Públicos de cada município integrante,
realizaria operações locais, compreendendo manutenção leve, leitura de
medidores de água e faturamento de contas de água39.

Assim, a tomada de decisão, que anteriormente era centrada no âm-


bito estadual, passaria aos níveis regional e municipal, possibilitando a
governança associativa dos serviços públicos e a constituição da escala
necessária à sustentabilidade dos serviços.

Portanto, o objetivo do consórcio em questão era o planejamento, a


regulação, a fiscalização e a prestação dos serviços públicos de abaste-
cimento de água e esgotamento sanitário nos municípios consorciados.

No que diz respeito ao contrato de rateio, tem-se que este foi assina-
do apenas pelo estado do Piauí, que passou a assumir todos os encargos
relativos aos custos iniciais, correspondentes ao rateio e investimento
relativos à implantação do consórcio em apreço.

Todavia, os entraves financeiros sofridos pelo governo estadual obstaram


o repasse de verbas para o CORESA, impossibilitando que fossem realizadas

39 Britto et al., Revista Política e Planejamento Regional, pp. 175-176.

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324
as atividades previstas para o ajuste. Assim, a falta de recursos financeiros a
fim de qualificar pessoas, adquirir ou contratar programas e equipamentos
de informática no intuito de operacionalizar o consórcio, unidos às dificul-
dades impostas por alguns setores da AGESPISA, que ainda apresentavam
resistência em repassar a gestão dos sistemas de abastecimento de água
para os municípios, contribuíram para o insucesso do consórcio40.

Um dos fatores que influenciou negativamente para que o consórcio


não tivesse êxito foi o fato de que o próprio pessoal da AGESPISA se co-
locou contra a criação do consórcio, pois entendiam que este seria parte
de um plano para acabar com a AGESPISA, encontrando-se os seus fun-
cionários em situação remuneratória bastante privilegiada, o que os fez
resistirem ao máximo a qualquer tipo de mudança41.

Ademais, o capital social não pôde ser identificado na sua forma mais
espontânea, tendo em vista que inexistiu uma rede de relações sociais
ou estrutura social ou até mesmo um conjunto de pessoas ligado por um
objetivo comum, eis que não houve confiança entre os participantes com
o escopo de garantir o fortalecimento e compartilhamento de valores
pelos integrantes do grupo42.

Diante dos casos já analisados e comparando as experiências do CISAB,


CISPAR e CORESA, tem-se o seguinte quanto à constituição do CORESA:

“A descrição do processo de constituição do CORESA […], mostra


uma dinâmica antes de tudo top-down, mais linear, mas, justamen-

40 Britto et al., Revista Política e Planejamento Regional, pp. 176-177.


41 Piterman, Formação e implantação dos consórcios municipais em saneamento:
um estudo de três experiências no Brasil, pp. 201-203.
42 Piterman, Formação e implantação dos consórcios municipais em saneamento:
um estudo de três experiências no Brasil, pp.197.

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325
Estudos de Direito do Saneamento

te por isso, com menos legados em termos tanto institucionais e


administrativos (i.e. o funcionamento do consórcio), quanto sociais
e político-culturais (a construção da coletividade). Com relação à
segunda alavanca identificada, nas experiências que classificamos
como bottom-up, o consórcio é estruturado com base em relações
horizontais (i.e. não hierárquicas) entre os municípios membros,
que, tendo todos assinado o contrato de rateio, se responsabili-
zam um com o outro para contribuir proporcionalmente para o
funcionamento do organismo intermunicipal. Entretanto, no CO-
RESA – Piauí, apenas o Estado assinou o contrato, sendo também
o único órgão para o qual confluem responsabilidades e encargos.
Existe também uma diferença entre a cultura política municipalis-
ta forte, que tem maior expressão no sul e no sudeste do país, e
que caracteriza os outros consórcios (CISAB, CISPAR e Pró-Sinos).
Essa cultura municipalista é radicalmente diferente do que Abrucio
(2002) define como municipalismo autárquico, isto é, uma ideolo-
gia segundo a qual os governos locais poderiam sozinhos resolver
todos os dilemas de ação coletiva colocados às suas populações.
Nos casos analisados ela tem nas suas bases a cooperação inter-
municipal, e como estrutura de apoio a ASSEMAE, anteriormente
citada. Esse tipo de cultura municipalista cooperativa é muito frágil
na maioria dos estados do nordeste, onde ainda domina uma cul-
tura política marcada por uma forte subordinação das estruturas
políticas locais aos governos estaduais. Isto se explica pela falta de
recursos administrativos e econômicos nos municípios, como no
caso dos municípios do Piauí, e pela permanência de práticas patri-
monialistas, onde os interesses de um grupo político predominam
sobre o interesse coletivo, desconfigurando a formulação inicial de
consórcio proposta pelo Ministério das Cidades” 43.

43 Britto et al., Revista Política e Planejamento Regional, pp. 178-179.

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326
Portanto, como se pôde identificar através da presente análise, o con-
sórcio CORESA SUL seguiu o modelo top-down, também conhecido como
“Implementação Programada”, que tem como ponto de partida a asserção
de que a implementação se inicia com uma decisão do governo central,
que define a relação entre os objetivos da política pública, determinados
pelas lideranças políticas, e os meios a serem articulados pelos distintos
níveis de burocracia, com o intuito de produzir os resultados pretendidos44.

Conforme visto anteriormente tal modelo adotado pelo CORESA SUL


não teve êxito, diferentemente do CISAB e CISPAR que seguiram a linha
bottom-up, cujo padrão presume que a sua implementação resulta das
ações de uma rede de atores de uma área temática de política pública,
os quais começam a executar determinadas ações para solucionar pro-
blemas do seu cotidiano45.

Portanto, à medida que essas ações têm efeitos positivos, passam


a institucionalizar-se, gradualmente, e encaminham-se para os níveis
mais centrais e mais altos hierarquicamente, até se transformarem em
uma política pública.

Desse modo, viu-se que o CISAB e CISPAR tiveram uma maior adesão
dos participantes e vêm apresentando sustentabilidade no tempo. Tem-se,
dessa maneira, que o processo de constituição e funcionamento desses
dois consórcios permitem a uma maior sustentabilidade no tempo das ex-
periências consorciadas, mostrando-se como uma alternativa viável a ser
implantada no Amazonas, em razão do êxito apresentado.

44 M. G. Rua e R. Romanini. Tipologia e tipos de políticas públicas (unidade VI). Para


aprender políticas públicas –Volume 1 Conceito e Teorias. Brasília: IGEPP, 2014, pp.92-96.
45 Rua e Romanini. Para aprender políticas públicas, pp. 96-100.

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327
Estudos de Direito do Saneamento

5. CONCLUSÕES

O presente estudo iniciou abordando o conceito de saneamento no


Brasil e em Portugal, apresentando ainda os baixos índices de acesso à
água e esgoto que assolam o primeiro país mencionado, em especial a
sua região Norte.

Tais dados alarmantes justificaram esta pesquisa no intuito de se


pensar em alternativas para incrementar os índices de saneamento no
Amazonas, que é um dos estados que mais sofrem com a precariedade
deste serviço.

Dito isso, a questão de pesquisa girou em torno da viabilidade quanto


à criação de um consórcio interfederativo no Amazonas com a finalidade
de melhorar os índices de saneamento naquele estado.

No intuito de oferecer uma resposta a tal questionamento, este estu-


do buscou tratar da relação entre federalismo e gestão associada, tendo
em vista que esta última se caracteriza por ser um exercício de forma
compartilhada, por duas ou mais entidades federativas, de competências
que envolvem a prestação de um ou mais serviços públicos.

Por sua vez, demonstrou-se que a gestão associada pode desenvol-


ver-se através de convênios ou consórcios, sendo estes últimos o ponto
central desta análise. Em seguida, foi trazida a conceituação do quê são
os consórcios públicos e como é o procedimento para sua formalização,
que seguem as seguintes fases: (i) elaboração do protocolo de intenções,
(ii) subscrição do protocolo de intenções; (iii) ratificação do contrato; (iv)
contrato de rateio e (v) contrato de programa.

Posteriormente, foi apontada a situação de que apenas 17,8% dos muni-


cípios da região Norte participam de algum espécie de consórcio de sanea-

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328
mento. Em seguida, foi contextualizado o cenário do saneamento no Amazo-
nas e apresentadas as experiências consorciais nos estados de Minas Gerais,
Paraná e Piauí através do CISAB, CISPAR e CORESA SUL, respectivamente.

Concluiu-se que o modelo bottom-up, adotado no CISAB e CISPAR


tiveram maior adesão dos seus participantes, contribuindo para maior
sustentabilidade no tempo e êxito do ajuste celebrado, sendo este um
indicativo de que eventual consórcio a ser celebrado no Amazonas pode-
ria seguir esses moldes.

Esse sucesso pode ser atribuído ao fato de que à medida que as


ações são implementadas e possuem efeitos positivos, passam a insti-
tucionalizar-se de maneira gradual e naturalmente, encaminhando-se
para os níveis hierárquicos mais altos e centrais, até que se transformem
em uma política pública.

Desse modo, entende-se que na eventual implementação de um


consórcio de saneamento no Amazonas, o modelo mais adequado a ser
seguido é aquele preconizado pelo CISAB e CISPAR em razão do êxito
apresentado e sustentabilidade no tempo.

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329
Estudos de Direito do Saneamento

Politíca de
saneamento básico no Brasil
Despolitização e tecnocratização
DANIEL VIANA TEIXEIRA1
a1

Resumo
As reformas propostas para o regime jurídico do setor de saneamento no
Brasil partem de um diagnóstico de que o setor é hoje dominado por empre-
sas públicas estaduais, consideradas ineficientes e sem capacidade de investi-
mento; tem baixa participação de prestadores e capital privados; e, não ofe-
rece segurança jurídica para o investidor privado. As propostas mantêm con-
centrados o poder decisório e os recursos orçamentários no governo federal;
concentram o poder de instituir parâmetros regulatórios; promovem a partici-
pação de prestadores privados, dentre outras providências. Busca-se tornar o
setor menos exposto à influência dos governos locais e norteado por critérios
técnicos de eficiência e sustentabilidade. Neste artigo, enfocamos o distancia-
mento da sociedade relativamente à formulação das políticas de saneamento.
Discute-se se o recrudescimento da centralização do poder decisório em nível
federal e uma visão tecnicista dos problemas efetivamente contribuem para
a melhora do panorama institucional e normativo do saneamento no Brasil.

1 Advocacia-Geral da União/Fundação Nacional de Saúde (Brasil)


danielvianateixeira@gmail.com
Av. Santos Dumont, 1890- 4º andar- Aldeota CEP: 60.150-160 – Fortaleza, Ceará, Brasil.
C.V. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6839726061333920

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330
Palavras-chave: Saneamento básico; Centralização/tecnocratização
decisória; Déficit democrático; Sociedade e espaço; Sustentabilidade.

Abstract
The proposed reforms to the sanitation legal regime in Brazil start
from a diagnosis that the sector is now dominated by state-owned com-
panies, considered inefficient and without investment capacity; has low
participation of private providers and capital; and, it does not provide
legal certainty for the private investor. The proposals keep the decision-
-making power and budgetary resources concentrated in the federal
government; concentrate the power to institute regulatory parameters;
promote the participation of private providers, among other measures.
It seeks to make the sector less exposed to the influence of local govern-
ments and guided by technical criteria of efficiency and sustainability. In
this article, we focus on the distancing of society from the formulation of
sanitation policies. It is discussed whether the increasing centralization of
decision-making at the federal level and a technicist view of the problems
effectively contribute to the improvement of the institutional and norma-
tive context of sanitation in Brazil.

Keywords: Sanitation; Decision making centralization/technocratiza-


tion; Democratic deficit; Society and space; Sustainability.

Sumário
01. Introdução. 02. Contextualização histórica. 03. Os investimen-
tos públicos em saneamento básico e a “intersetorialidade”. 04.
Tributação e política de tarifas pelo uso do serviço. 05. Sustenta-
bilidade dos serviços públicos de saneamento. 06. Descentraliza-
ção das decisões políticas em saneamento: evidências empíricas.
07. Considerações finais.

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331
Estudos de Direito do Saneamento

1. INTRODUÇÃO

O Brasil enfrenta graves dificuldades para a universalização de servi-


ços adequados de abastecimento e esgotamento sanitário. Há uma gran-
de parcela de população privada de acesso a esses serviços, em especial
os de esgotamento sanitário, uma vez que houve grande avanço quanto
ao abastecimento de água potável nas últimas décadas.

Já por volta do ano de 2005, enquanto se discutia o novo regime jurí-


dico do setor, que veio a se concretizar com a Lei n.º 11.445/20072, cerca
de 90% dos domicílios urbanos contavam com serviços de abastecimento
de água, ante 61% em 1970 (representando cerca de 100 milhões de
pessoas em 30 anos), enquanto em áreas rurais essa cobertura era de
9%; a cobertura de esgotamento sanitário dobrou nesse período, mas
permaneceu inferior a 50% da população urbana; e, apenas 27% do es-
goto coletado recebia algum tratamento3 / 4.

Esse período registra ainda um forte movimento de urbanização da popu-


lação. A população urbana passou a ser superior à rural já durante a década
de 1960 e seguiu crescendo a uma taxa anual de 3% ao ano, superando os
80% da população na virada para o século XXI. Foi um processo acelerado de

2 BRASIL. Congresso Nacional. Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece


diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm>. Acesso em: 09 ago 2019. “Estabelece
diretrizes nacionais para o saneamento básico, etc.”
3 R. S. da MOTTA e A. R. B. MOREIRA. Eficiência e regulação no setor de sanea-
mento no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2005. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/por-
tal/images/stories/PDFs/TDs/td_1059.pdf>. Acesso em: 09 ago 2019.
4 “Pelos dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento Básico (SNIS), 96,4%
dos domicílios urbanos são abastecidos com água por rede de distribuição ou por poço ou nascente
com canalização interna, mas apenas 67,1% dos domicílios rurais são atendidos por este tipo de
abastecimento. Portanto, 92,9% dos domicílios brasileiros, urbanos e rurais são abastecidos por
água. O índice de perda de água na distribuição no Brasil também chama da atenção: 38,1% segun-
do dos dados do SNIS. Em relação aos domicílios rurais e urbanos servidos por rede coletora ou fossa
séptica para esgotamento sanitário são 73,1%, segundo o SNIS, embora o índice de tratamento do
esgoto coletado não ultrapasse os 44,9%.” (Exposição de Motivos da MP 868/2018)

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332
urbanização que, sem planejamento, resultou em uma série de deficiências
infraestruturais das cidades, em especial em matéria de saneamento básico5.

A Lei n.º 11.445/2007 instituiu um regime jurídico abrangente para o setor de


saneamento básico brasileiro, contemplando nesse conceito: “abastecimento de
água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sóli-
dos, drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das
respectivas redes urbanas” (artigo 3º, I).6 De modo coerente com a magnitude do
desafio a ser enfrentado, a lei estabeleceu diretrizes programáticas para os ser-
viços de saneamento básico que, de modo breve, podem ser vislumbrados nos
princípios fundamentais enumerados em seu artigo 2º 7, dando mostras da am-
plitude e da complexidades das ações governamentais a serem implementadas.

5 FGV-CERI. Efetividade dos investimentos em saneamento no Brasil: da disponi-


bilidade dos recursos financeiros à implantação dos sistemas de abastecimento de água e
de esgotamento sanitário. FGV, Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura, 2016.
Disponível em: <http://hdl.handle.net/10438/17806>. Acesso em: 09 ago 2019.
6 Cientes desse conceito legal abrangente, neste artigo estaremos nos referindo
apenas a abastecimento e esgotamento sanitário quando usarmos a expressão saneamen-
to básico ou simplesmente saneamento.
7 “Artigo 2o Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos
seguintes princípios fundamentais:
I - universalização do acesso; II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas
as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propi-
ciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia
das ações e resultados; III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e
manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do
meio ambiente; IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e
manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes, adequados à
saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; V- adoção de métodos,
técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; VI - articulação com
as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de
sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse
social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja
fator determinante; VII- eficiência e sustentabilidade econômica; VIII- utilização de tecnologias
apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções
graduais e progressivas; IX - transparência das ações, baseada em sistemas de informações e
processos decisórios institucionalizados; X- controle social; XI- segurança, qualidade e regulari-
dade; XII- integração das infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos.
XIII- adoção de medidas de fomento à moderação do consumo de água.”

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333
Estudos de Direito do Saneamento

Passados mais de 10 anos de vigência da Lei n.º 11.445/2007 e ante


os pouco significativos avanços para o alcance dos objetivos propostos,
cresceu o debate sobre a necessidade de revisão do regime jurídico do
saneamento, o que redundou na edição das Medidas Provisórias n.º
844/2018 e 868/20188, com redações praticamente idênticas, as quais
tiveram sua vigência encerrada sem aprovação pelo Congresso Nacional,
resultando na manutenção do texto original da Lei n.º 11.445/2007.

Dentre as principais propostas de alteração ou que, ao menos, foram


objeto de maior resistência (considerados os limites do presente artigo)
destacam-se: a) a atribuição à Agência Nacional de Águas – ANA, autar-
quia vinculada ao Governo Federal, da competência para a “instituição
de normas de referência nacionais para a regulação da prestação dos ser-
viços públicos de saneamento básico”; b) o condicionamento do acesso
aos recursos públicos federais ou à contratação de financiamentos com
recursos da União ao cumprimento das normas de referência nacionais
estabelecidas pela ANA; c) a necessidade de licitação para a delegação da
prestação de serviços à iniciativa privada e para a renovação de conces-
sões em curso que, em sua maioria, estão a cargo de empresas públicas
controladas pelos governos estaduais (o poder concedente pertence na
maioria dos casos aos municípios).

Já em junho de 2019, foi apresentado ao Congresso Nacional, o Proje-


to de Lei 4.162/20199 da Presidência da República que, em linhas gerais,

8 BRASIL. Congresso Nacional. Medida Provisória n.º 868, de 27 de dezembro de 2018.


Atualiza o marco legal do saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2015-2018/2018/Mpv/mpv868impressao.htm>. Acesso em: 09 ago 2019.
9 BRASIL. Presidência da República. Exposição de motivos do Projeto de Lei n.º
4.162/2019. Atualiza o marco legal do saneamento básico. Disponível em: <http://www.
casacivil.gov.br/Secretaria-Executiva/Diretoria%20de%20Assuntos%20Legislativos/proje-
tos-de-lei/copy_of_pl-2019> Acesso em: 16 ago 2019.

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334
insiste nas alterações já propostas anteriormente e avança em outros
pontos, como a vedação explícita à prestação de serviços de saneamento
por meio de contratos de programa 10, instrumento que torna possível
a prestação desses serviços, de titularidade dos municípios, por outro
entre federado, como os Estados, o que inviabilizaria a atuação das com-
panhias estaduais de saneamento.

Paralelamente, tramita ainda no Congresso Nacional o Projeto de Lei


n.º 3.261/2019, do Senado Federal, que propõe alterações semelhantes
e igualmente veda a prestação, por contrato de programa, de serviços
públicos passíveis de concessão.

O que pretendemos destacar dessas tentativas de alteração do marco


regulatório do saneamento é um movimento no sentido de uma ainda
maior centralização do poder decisório sobre políticas públicas de sanea-
mento e, por outro lado, no sentido de facilitar a prestação dos serviços
públicos de saneamento por meio de concessões à iniciativa privada.
Grande parte da resistência política às alterações propostas, de diversos
setores envolvidos, deveu-se à compreensão desse movimento.

As Exposições de Motivos da MP n.º 868/201811 e do Projeto de Lei


n.º 4.162/2019 são reveladoras para o entendimento do movimento refe-
rido, trazendo como premissas para a decisão política proposta, argumen-

10 O contrato de programa é o instrumento pelo qual um ente federativo transfere a


outro a execução de serviços. No caso do saneamento básico, em que os serviços são comu-
mente prestados por companhias estaduais, o contrato de programa é celebrado entre o Muni-
cípio e a Companhia. O contrato de programa tem sempre como contratado um ente vinculado
à Administração Direta ou Indireta (órgão público, autarquia, empresa pública ou sociedade
de economia mista, por exemplo) e não precisa ser precedido por licitação, em razão de uma
previsão expressa nesse sentido na Lei de Licitações e Contratos (Lei n.º 8.666/93).
11 BRASIL. Presidência da República. Exposição de motivos da Medida Provisó-
ria n.º 868, de 27 de dezembro de 2018. Atualiza o marco legal do saneamento básico.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2018/Exm/Exm-
MP-868-18.pdf>. Acesso em: 09 ago 2019.

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335
Estudos de Direito do Saneamento

tos como: a) a carência de recursos financeiros pelo Estado ante o déficit


infraestrutural; b) a baixa participação de empresas e recursos financeiros
privados no setor; c) a grande variabilidade de regras regulatórias, tida como
um obstáculo ao desenvolvimento do setor (cada município pode ter regime
regulatório próprio); d) a fragmentação dos serviços sem o aproveitamento
de possíveis ganhos de escala; e) a falta de coordenação e racionalização dos
investimentos federais; e) a necessidade de segurança jurídica e regulação
adequada para favorecer o investimento privado; dentre outros.12

12 Exposições de Motivos da MP n.º 868/2018: “Trata-se de um setor altamente


monopolizado, onde as estatais têm forte predomínio e a iniciativa privada participa, timi-
damente, em apenas 6% dos municípios assistidos. (...) não se pode mais conviver com uma
realidade em que foram cancelados de 2007 até hoje 160 contratos, no valor equivalente a
R$ 3,5 bilhões do Orçamento Geral da União, somente no Ministério das Cidades, porque
os Estados e as concessionárias públicas não conseguiram executar os empreendimentos
previstos, basicamente obras de saneamento ou elaboração de projetos executivos de en-
genharia. A grande variabilidade de regras regulatórias se consolidou como um obstáculo
ao desenvolvimento do setor e à universalização dos serviços.
A Constituição Federal atribui a titularidade dos serviços de saneamento básico aos
municípios, atribuição acolhida pela Lei no 11.445/2007, que faculta aos titulares regular
diretamente ou delegar a regulação desse setor. Esse arranjo explicitou as diferentes capa-
cidades regulatórias dos diferentes titulares, resultando numa miríade de situações.
Onze anos após a edição da Lei 11.445, de 2007, o país continua convivendo com
um arranjo institucional de 49 agências reguladoras responsáveis pela regulação de 2.906
municípios dos 5.570 existentes, ou seja, 48% dos municípios não possuem nenhum tipo
de regulação e num ambiente em que cada município pode ter a sua agência reguladora.
Um primeiro problema decorrente deste arranjo é que titulares com baixa capacidade
regulatória podem afetar negativamente a eficiência e desenvolvimento do setor de sa-
neamento básico ao influenciar na qualidade ou preço dos serviços de forma inadequada.
Uma segunda consequência da falta de padronização regulatória é a existência de custos
de transação relevantes aos prestadores, públicos e privados, que trabalham para diferen-
tes titulares. Estes são obrigados a se adaptar a regras regulatórias potencialmente muito
diferentes na prestação de um mesmo serviço.
Outro problema enfrentado nesta proposta é a coordenação e racionalização das
ações federais no setor de saneamento básico. O Governo Federal atua junto aos titulares
dos serviços de diversas formas, por exemplo, auxiliando no planejamento das ações e com
diversas linhas de crédito para financiar os investimentos. Contudo, como apontado pelo
Acórdão TCU nº 3.180/2016 (TC 017.507/2015-5), tal atuação do Governo Federal precisa
de maior coordenação.
(...) a presente proposta de Medida Provisória em questão prioriza a segurança jurí-
dica e regulação adequada como condições essenciais para o desenvolvimento do setor

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336
Pode-se entender esse movimento – que toma como premissa funda-
mental a busca por uma solução para a situação fiscal deficitária do Estado,
sem capacidade para investir – como uma tentativa de dar ao setor de
saneamento, por meio da centralização e padronização de normas regula-
tórias a cargo da ANA e da facilitação da privatização dos serviços: por um
lado, uma blindagem contra ingerências políticas das instâncias de poder
estaduais e municipais; por outro lado, uma maior capacidade de transfe-
rir a prestação da maior parte dos serviços públicos de saneamento, hoje
operados por empresas públicas estaduais de saneamento (consideradas
ineficientes e também sujeitas a ingerências políticas), à iniciativa privada.
Em resumo, o discurso que subjaz ao movimento político é no sentido de
despolitizar as ações do poder público em matéria de saneamento dando-
-lhes um caráter técnico, em prol da eficiência dessas mesmas ações.

O objetivo deste artigo é discutir se a politização das ações do poder


público em matéria de saneamento pode ser efetivamente tida como cul-
pada do quadro deficitário com que o setor convive, sem perspectiva de
melhorias significativas no curto prazo. Por outro lado, também discutir se

de saneamento. Estabelece condições sadias de competição entre empresas, fortalecendo


o papel do Titular desses serviços, que passam a pleitear maiores investimentos, melhor
qualidade e menores preços dos serviços prestados à população.”
Exposições de Motivos do Projeto de Lei n.º 4.162/2019:
“Breve análise desses dados projeto para a necessita de investimentos de pelo menos
R$ 22 bilhões por ano para alcançar a universalização do acesso a esses serviços. E numa
conjuntura de grave crise fiscal com restrição de investimentos públicos, ao Governo Fede-
ral só resta constituir sólidas parcerias com a iniciativa privada, com apoio imprescindível
dos Estados e Municípios e com o interesse único de levar conforto, qualidade de vida e
saúde aos brasileiros desassistidos.
Trata-se de um setor altamente monopolizado, onde as empresas estaduais possuem
forte predomínio e a iniciativa privada está presente em apenas 6% dos municípios, apesar
de representar mais de 20% dos investimentos realizados no setor. O setor de saneamento
básico no país acumula índices preocupantes de cobertura, comprometendo a saúde da
população, principalmente daquela menos assistida pelas políticas públicas, e necessita de
respostas ousadas e factíveis.”

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337
Estudos de Direito do Saneamento

pode ser adequado dar às decisões em matéria de saneamento um caráter


eminentemente técnico, como que imune à influência da esfera política.
Há evidências de que centralização de poder, despolitização/tecnocratiza-
ção de decisões e privatização dos serviços são ferramentas que melhor
atendem aos interesses das populações em matéria de saneamento?

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Até a chegada da Corte Portuguesa no século XIX o saneamento básico


no Brasil era questão relegada a iniciativas pontuais de caráter privado. A
partir de então os municípios passaram gradualmente a assumir responsa-
bilidades sobre a área de saneamento, especialmente em função de ques-
tões sanitárias dos contextos urbanos emergentes. Entre o final do séc.
XIX e início do séc. XX, em diversos centros urbanos importantes, esses
serviços passaram a ser exercidos por empresas privadas ante a falta de ca-
pacidade técnica do Estado. Especialmente a partir da segunda metade do
século XX o saneamento básico passa a receber forte intervenção do poder
público que passa a exercer a quase totalidade das ações e investimentos.

Até por volta de 1950 as políticas de saneamento eram tratadas den-


tro do contexto das políticas de saúde pública. Para BRITO et al. (2017)13,
houve desde então um distanciamento dos setores saúde e saneamento,
passando este progressivamente a uma gestão regionalizada, por meio
de empresas públicas estaduais de saneamento, que tomaram como
ação prioritária o abastecimento de água.

13 Ana Lucia BRITTO e Sonaly Cristina REZENDE. A política pública para os servi-
ços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização,
mercantilização e perspectivas de resistência. Cad. Metrop., São Paulo, v. 19, n.º 39, p. 557-
581,  ago.  2017. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid-
=S2236-99962017000200557&lng=pt&nrm=iso> Acessos em 12  ago.  2019.

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338
Em 1971, surgiu o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) cuja
principal característica foi a promoção da criação de companhias esta-
duais de saneamento básico (CESBs), que atuariam por meio de con-
cessões de longo prazo para execução desses serviços. Os municípios,
detentores da titularidade dos serviços públicos de saneamento, eram
incentivados a aderir ao modelo em troca de investimentos do Banco
Nacional de Habitação (BNH)14. A lógica do plano era garantir a redução
de custos de planejamento e investimento e a obtenção de ganhos de es-
cala, bem como possibilitar mecanismos tarifários de subsídios cruzados,
tornando viável a expansão do sistema a pequenos municípios e regiões
mais pobres. Grande parte dos municípios (3.200 de 4.100 então existen-
tes) aderiu ao plano, concedendo os serviços à exploração pelas CESBs15.

A Constituição de 1988 manteve os municípios como titulares da compe-


tência para prestar diretamente ou sob regime de concessão os serviços de
saneamento, de interesse local. As regiões metropolitanas submetem-se a
regime especial, exercendo as competências respectivas por meio de órgão

14 “O Planasa foi um modelo centralizado de financiamento para investimentos


no saneamento básico, sendo que o abastecimento de água foi o serviço privilegiado. Este
era baseado na concessão pelos municípios dos direitos de exploração às Companhias
Estaduais de Saneamento Básico (CESBs) de seus respectivos estados. Cabia ao Banco
Nacional de Habitação (BNH), responsável pelo Sistema Financeiro de Saneamento (SFS),
a realização de empréstimos, principalmente com recursos do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS). Até meados da década de 1980, apenas as CESBs beneficiavam-
se desse financiamento, o que, em conjunto com outras ações, incentivou as concessões
municipais; mas quase 25% dos municípios optaram por não aderirem.” Maúna S. de
B. ROCHA, Enlinson H. C. MATTOS e Carlos C. S. SAIANI. Descentralização e provisão de
serviços públicos: evidências a partir da criação de municípios brasileiros no setor de sa-
neamento básico. FGV - Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017. Disponível em <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-99962017000200557&lng-
=pt&nrm=iso> Acessos em 12  ago.  2019.
15 R. S. da MOTTA e A. R. B. MOREIRA. Eficiência, 2005.

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339
Estudos de Direito do Saneamento

colegiado com participação dos municípios envolvidos e do estado federado


(vide decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1842-RJ)16.

No contexto atual, podem-se classificar os provedores de serviços de


saneamento no Brasil em quatro tipos básicos: públicos locais (controla-
dos pelos governos municipais e responsáveis pela oferta em somente um
município ou em pequenos consórcios); públicos regionais (CESBs contro-
ladas pelos governos estaduais e responsáveis pela provisão em vários mu-
nicípios); privados locais (empresas privadas em somente um município
ou em pequenos consórcios); e privados regionais (empresas com capital
e sob controle privados que ofertam o serviço em diversos municípios)17 18.

3. OS INVESTIMENTOS PÚBLICOS EM SANEAMENTO BÁSICO E A


“INTERSETORIALIDADE”

O processo acelerado e sem planejamento de urbanização vivido no


Brasil desde a segunda metade do século XX responde por grande parte
das deficiências infraestruturais das cidades. O deslocamento de popu-
lações rurais pobres para centros urbanos, em busca de oportunidades,
resultou em um crescimento desordenado e marcado pela ocupação e

16 Vide ementa da decisão do Supremo Tribunal Federal em: <http://stf.jus.br/por-


tal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+1842%2EN-
UME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+1842%2EACMS%2E%29&base=baseAco-
rdaos&url=http://tinyurl.com/cbldmcg>
17 “Em relação aos prestadores de serviço, o SNIS (2017) mostra o seguinte qua-
dro: 68,9% são Empresas Estaduais de Economia Mista; 17,4% são da Administração Públi-
ca direta; 9,3% são Autarquias; 2,9% são empresas privadas; 1,4% são empresas públicas e
0,1 são Organizações Sociais.” Maúna S. de B. ROCHA, Enlinson H. C. MATTOS e Carlos C. S.
SAIANI. Descentralização.
18 Maúna S. de B. ROCHA, Enlinson H. C. MATTOS e Carlos C. S. SAIANI. Descentralização.

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340
uso inadequado do solo, com a fixação de moradias em regiões que de-
veriam estar livres desse tipo de uso: por serem legalmente definidas
como áreas de proteção ambiental permanente (margens de rios e lagos,
topos de morros, declives acentuados etc.); ou por serem materialmente
importantes para a preservação dos recursos hídricos e de uma adequa-
da dinâmica dos fluxos de água no contexto da região urbanizada.

O resultado desse processo é a extrema dificuldade de reverter essas


ocupações, recompondo os recursos ambientais perdidos, e o elevado
custo de provê-las de sistemas de abastecimento, saneamento e dre-
nagem adequados, com prejuízos para toda a cidade, que, conforme o
contexto, passa a sofrer com problemas como a precarização da saúde
pública, contaminação de aquíferos, períodos de escassez hídrica, imper-
meabilização do solo, inundações etc.

O PLANSAB19 usa o conceito de intersetorialidade quando trata da


política pública de saneamento, afirmando-a como uma “política públi-
ca (...) estruturadora da cidade, que revela a sua corresponsabilidade
na dinâmica de valorização do solo urbano e sua incidência na dinâmica
de segregação urbana e social”. Essa política demanda “uma articulação
estrutural do saneamento básico com as demais políticas públicas de
interfaces mais evidentes, como a gestão de recursos hídricos, o meio
ambiente, a política urbana e a saúde” 20.

19 A Lei nº 11.445/2007 determina, no seu artigo 52, a elaboração do Plano Nacional


de Saneamento Básico – PLANSAB. A elaboração do PLANSAB tem como função definir dire-
trizes nacionais para o saneamento básico, sendo nele estabelecidos os objetivos e as metas
nacionais e macrorregionais, em busca da universalização e do aperfeiçoamento na gestão
dos serviços em todo o País, e visa se constituir no eixo central da política federal para o sa-
neamento básico. BRASIL. Plano nacional de saneamento básico – PLANSAB. 2013. Disponível
em: <http://bibspi.planejamento.gov.br/handle/iditem/271> Acesso em: 19 ago 2019.
20 BRASIL. Plano nacional de saneamento básico – PLANSAB. 2013.

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341
Estudos de Direito do Saneamento

Várias esferas institucionalizadas de poder têm responsabilidades


sobre esses setores inter-relacionados. Contudo, parece-nos evidente a
relevância do empoderamento da instância política local para uma repre-
sentação adequada dos interesses concretos das populações envolvidas.

Contraditoriamente, em que pese a titularidade e competência consti-


tucional para a oferta de serviços de saneamento seja quase sempre dos
municípios, desde a implantação do PLANASA, a maior parte dos investimen-
tos com recursos públicos não onerosos (recursos próprios dos orçamentos
públicos) tem sido de origem federal, com pequena participação de inves-
timentos dos Estados e de alguns municípios maiores. Os municípios, titu-
lares do serviço, são quase totalmente dependentes de recursos federais e
estaduais para investimentos em infraestrutura de saneamento básico.21 / 22

21 “No século XX, particularmente desde a década de 1940, a União assumiu papel
expressivo no provimento e gestão de serviços de abastecimento de água e esgotamento
sanitário, em regiões estratégicas do país, atuando, por meio do DNOCS10, do DNOS11 e da
extinta Fundação SESP12 (atual Funasa). Os dois primeiros se ocuparam especialmente da im-
plantação de obras de abastecimento de água e a Funasa, além da execução de obras, atuou
também na administração desses serviços, em cooperação com centenas de municípios, em
praticamente todos os estados brasileiros, até meados da década de 1990. Atualmente, a
Funasa não participa diretamente da gestão dos serviços municipais, porém ainda é um dos
principais agentes executivos das ações de saneamento básico do Governo Federal, junto aos
municípios. (...) Afastadas do setor de saneamento básico, desde a década de 1940, as em-
presas privadas (...) retornaram à prestação de serviços públicos de abastecimento de água e
esgotamento sanitário, em meados da década de 1990, após a edição da Lei nº 8.987/95 (Lei
de Concessões).” (BRASIL, 2011) BRASIL. Ministério das Cidades (MCID). Secretaria Nacional
de Saneamento Ambiental (SNSA). Panorama do saneamento básico no brasil. Investimentos
em saneamento básico: análise histórica e estimativa de necessidades. 2011. Disponível em:
<http://bibspi.planejamento.gov.br/handle/iditem/271> Acesso em: 19 ago 2019.
22 “Desde o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), de 1971, as principais fontes de
investimento disponíveis para o setor de saneamento básico no Brasil são: i) os recursos dos
fundos financiadores (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e Fundo de Amparo ao
Trabalhador - Fat), também denominados de recursos onerosos; ii) recursos não onerosos, de-
rivados da Lei Orçamentária Anual (Loa), também conhecido como OGU, e de orçamentos dos
estados e municípios; iii) recursos provenientes de empréstimos internacionais, contraídos junto
às agências multilaterais de crédito, tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid)
e o Banco Mundial (Bird); (iv) recursos próprios dos prestadores de serviços, resultantes de supe-
ravits de arrecadação; e (v) recursos oriundos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos (Fundos
Estaduais de Recursos Hídricos)” BRASIL. Plano nacional de saneamento básico – PLANSAB. 2013.

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342
Desde a implantação do PLANASA, a maioria dos municípios foi
instada a delegar a prestação dos serviços de abastecimento e esgo-
tamento às CESBs. Na prática, há uma cultura política estabelecida no
sentido de que esses serviços são assunto a ser resolvido nas instân-
cias federal e estadual: as decisões políticas realmente relevantes são
tomadas nessas esferas. Em que pese sua formal responsabilidade e
titularidade normativa dos serviços em questão, os municípios em ge-
ral, não se veem como protagonistas das políticas de saneamento bá-
sico, como instância decisória representativa dos interesses dos cida-
dãos direta e imediatamente envolvidos com o problema local. Apenas
os municípios de maior porte têm algum protagonismo político nessa
matéria e, ainda assim, limitado.

A articulação intersetorial, de que trata o PLANSAB, da política de sa-


neamento com questões de índole eminentemente local como o uso e
ocupação do solo e a preservação dos recursos hídricos e do meio am-
biente urbano resta praticamente inviabilizada, dado o tímido exercício
da competência política decisória pelos municípios. Ante esse vácuo de
poder, as propostas legislativas de alteração do regime jurídico do sa-
neamento básico em âmbito federal, já referidas, apontam para a manu-
tenção do status quo ou para o avanço no sentido da centralização das
instâncias decisórias em detrimento da instância local.

Não há dúvida de que o planejamento urbano adequado demanda


que a implantação de infraestruturas de saneamento preceda a efetiva
ocupação do solo urbano. Como então exercer essa articulação interse-
torial sem poder de decisão sobre as questões de saneamento (política
estruturante da cidade) em especial sobre a aplicação dos recursos pú-
blicos disponíveis para o setor?

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343
Estudos de Direito do Saneamento

4. TRIBUTAÇÃO E POLÍTICA DE TARIFAS PELO USO DOS SERVIÇOS


DE SANEAMENTO BÁSICO

A interferência do governo federal sobre a prestação de serviços de


saneamento básico, de interesse local e atribuição constitucional dos
municípios, se estende ainda para a questão tributária. Embora se trate
de serviço público essencial, que pode ser prestado diretamente pelo
poder público ou, sob regime de concessão, por prestador privado, e,
ainda, de atividade que por sua natureza configura um monopólio natu-
ral, não havendo um mercado competitivo no setor, a União tem mantido
e ampliado a incidência de tributos federais sobre as empresas públicas
(CESBs) e privadas que atuam no setor.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é vacilante quanto à


aplicação a esses casos do princípio constitucional da imunidade tribu-
tária recíproca, que impede a instituição e cobrança de tributos nas rela-
ções entre os entes da federação.23

23 Hipótese de extensão da imunidade recíproca a sociedades de economia mista:


parâmetros não preenchidos: “(...) 2. A Corte já firmou o entendimento de que é possível a
extensão da imunidade tributária recíproca às sociedades de economia mista prestadoras
de serviço público, observados os seguintes parâmetros: a) a imunidade tributária recíproca
se aplica apenas à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos insti-
tucionais imanentes do ente federado; b) atividades de exploração econômica, destinadas
primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser subme-
tidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a
autonomia política; e c) a desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra
dos princípios da livre concorrência e do livre exercício de atividade profissional ou econô-
mica lícita. Precedentes: RE nº 253.472/SP, Tribunal Pleno, Relator para o acórdão o Ministro
Joaquim Barbosa, DJe de 1º/2/11 (...). 3. A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento
(CASAN) é sociedade de economia mista prestadora de serviço público de abastecimento de
água e tratamento de esgoto. Não obstante, a análise do estatuto social, da composição e do
controle acionário da companhia revelam o não preenchimento dos parâmetros traçados por
esta Corte para a extensão da imunidade tributária recíproca no RE nº 253.472/SP” (Tribunal
Pleno, Relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 1º/2/11). [ACO 1.460 AgR,
rel. min. Dias Toffoli, P, j. 7-10-2015, DJE 249 de 11-12-2015.]
● Hipóteses de extensão da imunidade recíproca a sociedades de economia mista “(...).
1. A imunidade tributária recíproca pode ser estendida a empresas públicas ou sociedades
de economia mista prestadoras de serviço público de cunho essencial e exclusivo. Preceden-
te: RE 253.472, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator para o acórdão Min. Joaquim Babosa, Pleno,

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344
Na prática, apenas os tributos federais oneram a prestação de serviços
de saneamento básico (abastecimento e esgotamento) uma vez que não há
incidência de tributos estaduais e municipais sobre a atividade (ICMS e ISS).24

DJe 1º.02.2011. 2. Acerca da natureza do serviço público de saneamento básico, trata-se de


compreensão iterativa do Supremo Tribunal Federal ser interesse comum dos entes fede-
rativos, vocacionado à formação de monopólio natural, com altos custos operacionais. Pre-
cedente: ADI 1.842, de relatoria do ministro Luiz Fux e com acórdão redigido pelo Ministro
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 16.09.2013. 3. A empresa estatal presta serviço público
de abastecimento de água e tratamento de esgoto, de forma exclusiva, por meio de convê-
nios municipais. Constata-se que a participação privada no quadro societário é irrisória e não
há intuito lucrativo. Não há risco ao equilíbrio concorrencial ou à livre iniciativa, pois o trata-
mento de água e esgoto consiste em regime de monopólio natural e não se comprovou con-
corrência com outras sociedades empresárias no mercado relevante. Precedentes:  ARE-A-
gR 763.000, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 30.09.2014
(CESAN); (...). 4. A cobrança de tarifa, isoladamente considerada, não possui aptidão para
descaracterizar a regra imunizante prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição da República.”
Precedente: RE-AgR 482.814, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma,
DJe 14.12.2011. [ACO 2.730 AgR, rel. min. Edson Fachin, Pj.24-3-2017, DJE 66 de 3-4-2017.]
*** 1. A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196 da Consti-
tuição Federal). Dever que é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua
prestação pelo Estado mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis).
2. A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde
à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obten-
ção de lucro. 3. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde,
cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na
alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário a que se
dá provimento, com repercussão geral. [RE 580.264, rel. min. Joaquim Barbosa, red p/ o ac.
min. Ayres Britto, P, j. 16-12-2010, DJE de 6-10-2011,Tema 115.]
24 “Impostos sobre saneamento. São muito interessantes as lógicas tributárias. O Gover-
no federal aumenta alíquotas dos tributos federais e cobra mais sobre o saneamento. Por outro
lado, proíbe a cobrança do ISS e do ICMS. E o saneamento é um serviço de utilidade pública. Será?
A arrecadação de impostos federais no setor de saneamento cresceu com força nos úl-
timos anos, acumulando alta de 188% de 2002 a 2008, já descontada a inflação. Em valores,
foram recolhidos R$ 3,3 bilhões em 2008, enquanto em 2002 foi R$ 1,2 bilhão. De janeiro a
junho deste ano, a arrecadação chegou a R$ 1,9 bilhão. A evolução dos valores pagos pelas
companhias de água e esgoto está bem acima do crescimento do total arrecadado pela
União no mesmo período, de 45%. Dessa forma, o setor ganhou importância na arrecada-
ção federal, e sua participação no total recolhido passou de 0,37% em 2002, para 0,74% em
2008. Em 2009, ela está em 0,94%, considerando dados de janeiro a junho. O levantamen-
to, realizado pela Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp), considera
o pagamento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), do Pro-
grama de Integração Social (PIS/Pasep), do imposto de renda e da contribuição social. Os
serviços de saneamento são isentos do Imposto Sobre Serviços (ISS) por legislação nacional
e não se enquadram na cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS).” Jornal Valor Econômico, 30.12.2009. Disponível em: <http://www.oim.tmunicipal.
org.br/?pagina=detalhe_noticia&noticia_id=13491>. Acesso em: 20 ago 2019.

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345
Estudos de Direito do Saneamento

Além disso, os tributos que mais oneram o setor são a Contribuição para
o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e a Contribuição para os
Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor
Público – PIS/PASEP, que não geram repartição de receitas com estados e
municípios25, e que tiveram sensível incremento de arrecadação, após al-
teração do seu regime de incidência, havida entre os anos de 2002 e 2003.

Embora a incidência de tributos sobre a prestação de serviços públicos


essenciais, os quais já oneram a população pela cobrança de tarifas pelo seu
uso ou disponibilidade, seja admitida pela jurisprudência, trata-se de medida
claramente incoerente, considerados seus aspectos políticos e econômicos.

As tarifas sobre esses serviços convertem-se em mecanismos de tri-


butação indireta sobre a população, uma vez que todo o ônus tributário
acaba sendo total ou parcialmente repassado aos usuários dos serviços.26

25 “... em 2001, antes da mudança tributária, as despesas fiscais ou tributárias que compõem
a despesa de exploração equivaliam a 24% do que se gastava com investimentos. Em 2008 esse per-
centual já havia chegado a 39%, tendo atingido um pico de 47% em 2007. Se forem considerados os
demais tributos, não incluídos no cálculo de despesa de exploração (tais como Imposto de Renda e
CSLL) a relação entre despesa tributária e investimentos chegaria, em 2008, a 59%. Para uma ativida-
de tão dependente de investimento em instalações de armazenamento, distribuição e tratamento, a
descapitalização provocada pelo aumento da carga tributária é um fator extremamente limitante da ca-
pacidade de crescimento.” Raul VELLOSO, Marcos MENDES e Paulo Springer de FREITAS. Por que é tão
elevada a carga tributária sobre os serviços de saneamento básico? Instituto Braudel, Brasil, Economia e
Governo. 2012. Disponível em: <http://www.brasil-economia-governo.org.br/2012/01/23/por-que-e-
tao-elevada-a-carga-tributaria-sobre-os-servicos-de-saneamento-basico/> Acesso em: 19 ago 2019.
26 “As tarifas praticadas são calculadas de acordo com regras específicas estabelecidas no
Contrato de Concessão e não pelas leis do mercado; contudo, os custos dos serviços são onerados
por tributos que são automaticamente repassados aos usuários, ou seja, instituir tributos sobre
serviços públicos é onerar o usuário. (...) as regras tarifárias atualmente utilizadas pelas agências
reguladoras reconhecem integralmente as despesas com tributos, prevendo inclusive revisões tari-
fárias extraordinárias em caso de oneração que provoque o desequilíbrio econômico-financeiro do
Contrato de Concessão. Da mesma forma, havendo redução das despesas tributárias, o benefício
é imediatamente repassado ao usuário, não podendo o concessionário se apropriar do valor de-
sonerado. No caso das empresas ainda não reguladas, esse controle é menor, já que a definição de
tarifas geralmente é um ato do próprio concessionário homologado pelo titular dos serviços; com
isso, é possível que as empresas que não estão sob a atuação de um ente regulador se apropriem da
desoneração, constituindo um incremento em sua receita.” Adeilde ARAÚJO. Desoneração tributária
do setor de saneamento básico. RDIET, Brasília, V. 8, nº 2, p. 317-350, Jul-Dez, 2013. Disponível em:
<https://portalrevistas.ucb.br/index.php/RDIET/article/view/4843/3172 > Acesso em: 19 ago 2019.

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346
Por outro lado, tendo o setor altos custos de investimento em redes de
distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto, o ônus tributário
representa uma dificuldade a priori para o planejamento financeiro dos
prestadores, o que acaba impondo uma restrição artificial ao pleno de-
senvolvimento do setor e à ampliação do acesso aos serviços.

Os serviços públicos em geral são atividades desenvolvidas para atender


a necessidades essenciais da população e que geram um valor social que
transcende os interesses de seu usuário direto. Tais atividades não são um
mero serviço ofertado ao consumo dos que possam pagar, são antes um
direito de cidadania. Não faz sentido que a prestação desses serviços se con-
verta em fonte de receitas extras para o poder público, o que vai de encon-
tro ao princípio da modicidade tarifária, pressuposto normativo que deve
nortear a política tarifária da atividade (artigo 22, IV da Lei n.º 11.445/2007).

Contradição evidente é o fato de que o orçamento da União, que tem


tributado fortemente o setor de saneamento, representa uma das fontes
mais importantes de recursos para investimentos em saneamento. A partir
2013 o Ministério das Cidades passou a possibilitar o acesso de prestadores
privados a recursos do Orçamento Geral da União para a realização de inves-
timentos em saneamento básico.27 Por outro lado, o governo federal, por
meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

27 “No período entre 2011 e 2015, houve um efe­tivo incremento da população aten-
dida por operadores privados, considerando-se as di­ferentes formas de contratos: concessão
total, concessão parcial, PPP, etc. (...) Um outro ponto central é a aprovação da portaria n.º 280,
de 25 de junho de 2013, no âmbito do Ministério das Cidades, que possi­bilita o acesso de re-
cursos do OGU, pelo setor privado, para empreendimentos de saneamen­to básico. O Conselho
Nacional das Cidades, em sua Câmara Técnica do Setor, resolveu pela revogação dessa Portaria,
o que não ocorreu. A Portaria altera o Manual de Instruções pa­ra Contratação e Execução dos
Programas e Ações do Ministério das Cidades, inseridos no Programa de Aceleração do Cresci-
mento – PAC, aprovado pela portaria n.º 164, de 12 de abril de 2013, do Ministério das Cidades.
Ela visa a garantir que os recursos oriundos do PAC, destinados a ações na área de saneamen­to
básico, possam ser aplicados em projetos de concessões comuns subsidiadas e de parcerias
público-privadas.” Ana Lucia BRITTO e Sonaly Cristina REZENDE. A política.

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347
Estudos de Direito do Saneamento

– FI-FGTS, administrado pela Caixa Econômica Federal, financia com juros


subsidiados, bem abaixo das taxas de mercado, entre 90 e 95% do valor de
investimentos públicos e privados em saneamento básico. O BNDES – Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e o Fundo de Desenvolvi­
mento do Nordeste (FNDE), gerido pelo Banco do Nordeste, também finan-
ciam investimentos no setor com juros subsidiados e prazos alongados28.

Apesar de subsidiadas pelo poder público (em outras palavras, com


transferência de recursos financeiros da sociedade para agentes priva-
dos), os prestadores privados que atuam no setor por diversos mecanis-
mos como concessões totais, participações societárias, parcerias públi-
co-privadas etc., têm naturalmente sua atuação norteada pela lógica de
mercado, a maximização dos lucros dos seus acionistas, o que novamen-
te se converte em mais um fator a onerar o valor das tarifas cobradas dos
usuários uma vez que a própria Lei n.º 11.445/2007 (artigo 29, I) dispõe
que a sustentabilidade econômico-financeira  dos serviços de abasteci-
mento de água e esgotamento sanitário será assegurada pela cobrança
dos usuários, preferencialmente sob a forma de tarifas e outros preços
públicos. Por outro lado, a Lei n.º 11.445/2007 também dispõe que a
fixação das tarifas deverá levar em conta a “remuneração adequada do
capital investido pelos prestadores dos serviços” (artigo 29, § 1º, VI), que,
como vimos, foi possivelmente financiado em condições favorecidas com
recursos da sociedade, controlados pelo governo federal.

Há claramente uma enorme centralização das decisões políticas mais


relevantes em matéria de saneamento básico na esfera institucional do go-
verno federal. Mesmo os investimentos privados no setor dependem quase
integralmente de financiamento público, cujos recursos são administrados
por órgãos da administração pública federal. As intervenções do governo fe-

28 Ana Lucia BRITTO e Sonaly Cristina REZENDE. A política.

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348
deral em matéria de saneamento básico não são pautadas por racionalidade
e transparência dos processos decisórios, ficando muitas vezes relegadas à
gestão fragmentada e desconexa do seu aparelho tecnocrático.

Enquanto isso a esfera decisória e de formulação política local resta


extremamente esvaziada. Toda a sociedade acaba pagando por um servi-
ço muitas vezes precário ou inexistente, seja por meio de tributos ou pelo
pagamento de tarifas pelo uso do serviço. Contudo, há um distanciamen-
to tão acentuado entre os usuários e as instâncias decisórias relevantes
que fica inviabilizada a concretização do princípio do controle social, fi-
xado pela Lei n.º 11.445/2007 (artigo 2º, X e 3º, IV) e assim definido:
“conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade
informações, representações técnicas e participações nos processos de
formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados
aos serviços públicos de saneamento básico”.

A natureza monopolista do serviço e a complexa estrutura institucio-


nal e normativa do setor, com incentivos fiscais e ônus tributários simul-
taneamente instituídos pelo poder público, tornam muito pouco trivial a
tarefa de definir ou avaliar o que seja “remuneração adequada do capital
investido”, “sustentabilidade e equilíbrio econômico-financeiro da presta-
ção dos serviços, em regime de eficiência”, ou ainda “modicidade tarifária”,
por exemplo, expressões contidas na Lei n.º 11.445/2007. Tais avaliações
tornam-se impossíveis de serem enfrentadas sem uma visão crítica que
contemple o aspecto essencialmente político de perquirir a forma como
esses incentivos e ônus são ou deveriam ser distribuídos/suportados pela
sociedade e pelos agentes públicos e privados atuantes no setor.

Diante do quadro aqui exposto, se pensarmos apenas no aspecto ta-


rifário, questão que desperta mais facilmente o interesse dos cidadãos,
fica difícil que a sociedade compreenda adequadamente o efetivo custo

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349
Estudos de Direito do Saneamento

dos serviços de saneamento básico e tenha condições de fazer uma ava-


liação crítica e bem informada do valor que lhe é cobrado pelos serviços
e ainda do efetivo custo social ali implicado.

Há um déficit democrático na formulação da política pública de sa-


neamento básico no Brasil, que tende a se acentuar com as atuais pro-
postas de alteração do regime jurídico do setor.

5. SUSTENTABILIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO


BÁSICO

A Lei n.º 11.445/2007 usa diversas vezes em seu texto o termo “sus-
tentabilidade”, em todas elas num contexto que toma como parâmetros
questões como “equilíbrio econômico-financeiro”, “eficiência” e “auto-
-sustentação econômico-financeira dos serviços”. Dá-se ao termo susten-
tabilidade, muito difundido e utilizado na argumentação política, um sen-
tido restrito à questão econômica: os serviços de saneamento devem ser
sustentáveis, no sentido de serem custeados pelo pagamento das tarifas.

O termo sustentabilidade detém um conceito necessariamente im-


preciso, vago e que admite múltiplas interpretações. Assim, quando digo,
por exemplo, que os serviços de saneamento devem ser autossuficientes
financeiramente, não digo absolutamente nada a respeito dos outros va-
lores que se buscam por meio da prestação do serviço à sociedade e que
são enumerados ao longo da Lei n.º 11.445/2007, em especial em seu
artigo 2º. Afinal, o equilíbrio econômico-financeiro é um valor apenas
instrumental em função dos bens sociais providos pelo serviço de sanea-
mento. Não é um fim em si mesmo.

É preciso dar à ideia de sustentabilidade um conteúdo mais amplo e con-


textualizado. As políticas de saneamento no Brasil, e no mundo, se formu-

Voltar ao índice
350
lam em ambientes de restrição de recursos financeiros destinados a atender
uma série de interesses conflitantes. As decisões políticas nesse contexto ge-
ram necessariamente custos e benefícios distribuídos desigualmente entre
os agentes políticos interessados e têm diferentes efeitos conforme o enfo-
que em que são analisados: econômico, social, cultural, ambiental etc.

A sustentabilidade das políticas de saneamento somente pode ser


alcançada por meio de procedimentos decisórios transparentes e demo-
cráticos. Sendo esses serviços de interesse eminentemente local e que
por isso precisam estar articulados com as demais políticas de desenvol-
vimento urbano, vale referirmos aqui a um interessante conceito de sus-
tentabilidade urbana, da lavra de David Harvey29: “... la sustentabilidad
urbana se refiere a las capacidades que tienen los indivíduos y los grupos
sociales para producir las condiciones socio-ambientales de las cuales
son parte, sin violar el derecho de otros a hacerlo también.”

Por esse conceito, sustentabilidade diz respeito ao empoderamento


dos cidadãos no sentido de torná-los dotados de efetivo poder de in-
fluência sobre as ações sociais, privadas ou estatais, que interferem nas
condições sócio-ambientais do espaço onde habitam. Isso implica em
fazê-los tomar parte das decisões sobre como distribuir entre a socie-
dade os ônus e benefícios sociais decorrentes das intervenções públicos
necessárias à modificação do espaço.

Da análise das propostas de modificação do regime jurídico do sanea-


mento, havidas ou em curso nos últimos tempos, vê-se que há uma espécie

29 David HARVEY in: José Esteban CASTRO, Maria KAÏKA e Erik SWYNGEDOUW.
Agua urbana: una perspectiva ecológico-política; WATERLAT-GOBACIT Network; WATER-
LAT-GOBACIT Working Papers; 3; 7; 12-2016; 11-35. Disponível em: < http://hdl.handle.
net/11336/62974> Acesso em: 27 ago 2019.

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351
Estudos de Direito do Saneamento

de “simplificação forçada” do problema da sustentabilidade. Seu enfoque


principal é a eliminação de ineficiências do sistema via ampliação da par-
ticipação privada no setor (em detrimento das CESBs) e pela diminuição de
ingerências políticas nas decisões do setor. O problema aparentemente se
converte numa questão técnica: trata-se de aplicar uma política de preços
adequada para serviços prestados segundo critérios de qualidade, por meio
de gestores privados que busquem efetivamente a eficiência do sistema.

Ocorre que, com isso, a motivação de lucro, naturalmente, se torna o cen-


tro da ação dos agentes efetivamente encarregados da prestação do serviço,
restando pouco espaço para os demais valores a serem buscados por uma
política pública democrática de saneamento básico, com todas as suas im-
plicações sociais, destacadamente nas políticas de desenvolvimento urbano.

A experiência internacional de privatização dos serviços de sanea-


mento mostra diversas distorções decorrentes desse processo: por
exemplo, a contradição entre a necessidade de diminuição do consumo
de água, por razões ambientais ou de escassez, e a necessidade (inerente
à lógica de mercado) de manter ou aumentar a rentabilidade do capital
investido. Os serviços de saneamento são por natureza ofertados a um
mercado geograficamente limitado, não possibilitando aumento repre-
sentativo de demanda por conquista de novos consumidores. Por outro
lado, demandam a imobilização de grandes quantidades de capital sob
a forma de investimentos em infraestrutura, cujo retorno somente se
obtém no longo prazo. Há um claro desincentivo a investimentos na mo-
dernização das redes, na redução de perdas no sistema ou na ampliação
de redes para regiões de perfil social menos favorecido (o que se poderia
traduzir por sustentabilidade num sentido mais amplo), pois não indu-
zem diretamente ao aumento da rentabilidade do capital investido30.

30 José Esteban CASTRO, Maria KAÏKA e Erik SWYNGEDOUW. Agua urbana.

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352
Em decorrência disso, países como o Reino Unido, foram obrigados
a reverter parcialmente a privatização total dos serviços de saneamento,
reassumindo o encargo de manter as redes de distribuição de água e
coleta de esgotos, parte que demanda mais investimentos e que menos
remunera o capital, mantendo a gestão do sistema, parte mais lucrativa,
sob administração privada. A Grécia fez arranjo semelhante quando da
privatização de sua empresa pública de saneamento31 32.

Nesses casos, a presença do setor público, de modo bastante relevan-


te, mostrou-se necessária à sustentabilidade do sistema. Como se trata
de um serviço que se caracteriza por ser um monopólio natural – não
havendo competição ou possibilidade de auto regulação – torna-se ne-
cessária a instituição de aparatos estatais voltados à regulação do setor
em questões como tarifas, qualidade dos serviços, investimentos etc. A
própria natureza dos interesses envolvidos dificulta a diminuição de uma
forte ingerência decisória do Estado em favor de uma administração pri-
vada, sob uma lógica de mercado.

Esse tipo de contradição, a revelar a complexidade da construção


de uma política sustentável de saneamento básico, mostra ainda o forte

31 “No es una sorpresa, además, que el Estado y otros segmentos del sector público
tengan que mediar en estas contradicciones. En el Reino Unido, por ejemplo, la empresa
Yorkshire Water propuso re-estatizar parte de la red del servicio de agua, mientras mantenía
la gestión en manos privadas, al mismo tiempo que la empresa que presta el servicio en Gales
también se alejó del modelo de propiedad privada de la infraestructura (full divestiture) esta-
blecido al momento de la privatización en 1989 y se orientó hacia un modelo mixto de gestión
público-privada (OFWAT, 2000b, 2000c). En el caso de Grecia, la preparación de la empresa
pública de agua y saneamiento de Atenas, EYDAP Inc., para su privatización incluyó la división
de la misma en dos partes, una de propiedad pública que mantuvo la infraestructura técnica
y la red de distribución y otra parte constituida en una empresa privatizada (con el control del
49% de las acciones) que operaría el sistema (Kallis y Coccossis, 2000). Parece que este tipo
de asociaciones público-privadas, en las cuales el sector público queda responsable por las
inversiones de capital fijo a largo plazo (y mucho del costo asociado a ellas) mientras que el
sector privado se encarga de la parte rentable del sistema (la gestión del servicio), es el tipo
de resultado que se busca con el negocio de privatizar a los servicios de agua y saneamiento.”
José Esteban CASTRO, Maria KAÏKA e Erik SWYNGEDOUW. Agua urbana.
32 José Esteban CASTRO, Maria KAÏKA e Erik SWYNGEDOUW. Agua urbana.

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353
Estudos de Direito do Saneamento

conteúdo político das questões envolvidas, que demandam mecanismos


decisórios democráticos e transparentes.33

33 Há vários exemplos no contexto internacional de reversão de experiências de privati-


zação de serviços de saneamento básico: “Nos Estados Unidos, apesar dos esforços das empresas
privadas para entrarem no setor, os serviços de abastecimento de água e esgo­tamento sanitário
que atendem às cidades são essencialmente públicos, sendo somente 6% dos municípios america-
nos os que delegam a prestação de serviços a empresas privadas com fins lucrativos. Desde 2000,
a remunicipaliza­ção tirou das mãos das grandes empresas de água 169 contratos. (...) Mesmo no
contexto de fortes pressões no sentido da privatização, cidades como Nova York, após um debate
po­lítico aprofundado, têm optado por manter o controle público sobre seus sistemas de água. (...)
O estudo de Grant (2015) elenca as razões da opção por serviços públicos muni­cipais nos Estados
Unidos: as reduções de des­pesas, já que a remunicipalização permitiu, em média, uma redução de
custos de 21%; a busca de melhoria de desempenho, devido à falta de capacidade de resposta dos
serviços privati­zados e do nível insuficiente de manutenção; o controle público torna possível uma
ação coordenada entre os setores da gestão urbana, permitindo uma melhor gestão dos recursos;
em muitas cidades, os setores de manutenção viária e de saneamento buscam coincidir as subs-
tituições de canalização com obras viárias para evitar a duplicidade de trabalho.(...) [Alemanha]
Desde 2012, pelo menos seis cidades alemãs decidiram remunicipalizar seu serviço de água, sen-
do o caso mais emblemático o de Berlim. (...) Em 2012, Berlin comprou as ações da RWE por 654
milhões de euros e, em 2013, as ações da Veolia, por 590 milhões de euros. Para fazer isso, a cida-
de de Berlim te­ve de contrair um empréstimo que deve agora ser reembolsado através de contas
de água, ou seja, pelos usuários, durante um período de 30 anos. Apesar disso, como mostra
Hecht, des­de a remunicipalização, os investimentos em infraestrutura aumentaram, e o preço da
par­te da tarifa relativa ao esgotamento diminuiu (Hecht, 2015). (...) Na França existe um histórico
de delega­ção dos serviços a empresas privadas, sendo as duas principais empresas, Veolia e Suez,
criadas no século XIX. Como assinala Barra­qué, dos anos 1970 a 1980, muitos municípios optaram
por delegar a gestão dos serviços de saneamento a empresas privadas, essencial­mente porque
não podiam arcar como os in­vestimentos necessários à modernização dos sistemas (Barraqué,
2015). (...) A partir do final dos anos 1990, vários fatores começaram a colocar em questão a reno-
vação dos contratos: falta de transparên­cia, perda de capacidade técnica e de conhe­cimento para
monitorar o desenvolvimento de contrato, sobretudo no caso dos pequenos e médios municípios,
sendo que essa perda de capacidade não pode ser totalmente compen­sada pelo uso de auditores
externos. Houve um movimento de remunicipalização que envolveu cidades importantes, como
Grenoble, Paris e Marselha. (...) O caso mais emblemático de remunici­palização na França é o de
Paris (...) A efetivação do processo ocorreu em 2010, com a criação da empresa pública Eaux de
Paris. Em entrevista, Anne Le Strat, que condu­ziu o processo de remunicipalização e foi pre­sidente
da Eaux de Paris, entre 2010 e 2014, afirma que: Eau de Paris goza de boa reputação, e com razão.
Ele funciona, nós abaixamos o preço da água, mantendo um ambicioso programa de investimen-
tos a longo prazo e um modelo de governança que é mui­to inovador em muitas áreas. Eu mesmo
constatei que algumas das nossas inova­ções são assumidas por grupos grandes privados. (Le Strat,
2015) (...)[Indonésia] A privatização da água em Jacarta foi malsucedida. A taxa de cobertura na
capital da Indonésia continuou baixa, apenas 59%; as re­des estavam em mau estado, com uma
taxa de perdas de até 44% – uma situação denuncia­da repetidamente pelo então governador. Em
24 de março de 2015, em decorrência de uma ação coletiva dos cidadãos, o Tribunal Central do
Distrito de Jacarta cancelou os contratos de privatização, sendo alegada a incapacida­de de gestão
privada para garantir o direito humano à água aos habitantes da cidade. O tribunal também or-
denou que o serviço de abastecimentode água fosse assumido pela empresa pública (Zamzami e
Ardhianie, 2015).” Ana Lucia BRITTO e Sonaly Cristina REZENDE. A política.

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354
6. DESCENTRALIZAÇÃO DAS DECISÕES POLÍTICAS EM SANEAMEN-
TO: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS

Os municípios brasileiros, salvo parcela daqueles de maior porte, em-


bora titulares da competência constitucional para prover serviços de sa-
neamento básico, dado seu interesse local, não controlam as decisões de
investimentos sobre a maior parte dos recursos disponíveis para o setor;
não detém experiência técnica na prestação e regulação dos serviços (ca-
bedal de conhecimentos que se concentra nas CESBs e agências regulado-
ras estaduais); e, não têm participação nas decisões mais relevantes para
o setor. A política de saneamento básico, considerada estruturante para o
ordenamento municipal, sofre com um notório déficit democrático, dado o
fraco poder de participação dos munícipes nos processos decisórios.

Desde que, a partir da década de 1950, o setor de saneamento básico


passou a receber maior atenção e investimentos do Estado, temos no
Brasil uma tradição centralizadora: com os recursos orçamentários ge-
ridos pela esfera federal e a operação dos serviços a cargo de empresas
públicas estaduais (em ambos os casos tem-se a situação predominante).

Mesmo com o impulso político-normativo descentralizador, decor-


rente do regime constitucional inaugurado em 1988, observa-se uma
força de inércia institucional que resiste à mudança das estruturas de
poder já estabelecidas em matéria de saneamento básico. Essa resiliên-
cia seria responsável, por um lado, pela não concretização do projeto
constitucional de descentralização política, fortalecimento do poder local
e democratização dos processos decisórios; e, por outro lado, por uma
resistência ao avanço da participação privada no setor de saneamento34.

34 BRASIL. Ministério das Cidades (MCID). Secretaria Nacional de Saneamento Am-


biental (SNSA). Panorama do Saneamento Básico no Brasil, v.4. Avaliação político-institu-
cional do setor de saneamento básico. Brasília: Ministério das Cidades/Secretaria Nacional
de Saneamento Ambiental, 2011. Disponível em <http://bibspi.planejamento.gov.br/hand-
le/iditem/271> Acessos em 30 ago.  2019.

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355
Estudos de Direito do Saneamento

Há evidências empíricas de que o processo de descentralização po-


lítica, com a criação ou desmembramento de municípios35, ainda que
objeto de resistência, resultou em ganhos para os novos municípios em
termos de aumento dos recursos investidos em saneamento e de uma
maior responsividade36 das ações do estado nesse setor em relação aos
interesses concretos dos munícipes37.

A partir de cálculos econométricos baseados em dados públicos so-


bre serviços de saneamento em período determinado, um interessan-
te estudo sobre o tema obteve os seguintes resultados: a) comparando
municípios que foram desmembrados com municípios que não foram
desmembrados, observou-se que no conjunto de municípios que se des-
membraram, a variação média dos investimentos relativos foi superior à
média dos sem desmembramentos no período analisado; b) comparan-
do os novos municípios com os municípios originais, observou-se que os
investimentos relativos em abastecimento de água foram superiores nos
municípios novos em comparação aos de origem; c) observou-se ainda
que os municípios desmembrados mostraram melhores resultados na
ampliação da cobertura dos serviços: quanto piores as coberturas relati-
vas, maiores os investimentos relativos; d) por fim, observou-se que em-
bora houvesse maior nível de investimento quanto menor fosse o nível

35 “Entre 1991 e 1997, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que


foi mais permissiva em relação aos desmembramentos, foram criados e instalados mais
1.016 novos municípios. Posteriormente, com a aprovação da Emenda Constitucional no 15
de 1996, que definiu critérios mais rigorosos, apenas mais 55 municípios foram criados em
2001, sendo que estes haviam iniciado seus processos de emancipação anteriormente. As-
sim, atualmente, o Brasil é formado por 5.562, dos quais 1.504 (27% do total) foram criados
a partir dos anos 1980, sendo 1.318 (24% do total) depois de 1988 (Fávero, 2004). (...) Vale
destacar que mais de 90% das emancipações nos anos 1980, 1990 e início de 2000 resultaram
em micros ou pequenos municípios – até 5 mil e até 20 mil habitantes, respectivamente.”
Maúna S. de B. ROCHA, Enlinson H. C. MATTOS e Carlos C. S. SAIANI. Descentralização.
36 Robert A DAHL. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 2005.
37 Maúna S. de B. ROCHA, Enlinson H. C. MATTOS e Carlos C. S. SAIANI. Descentralização.

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356
de cobertura observado, nem sempre o quesito qualidade apresentou
desempenho positivo nos município estudados38.

Para esse estudo, restou reforçada a hipótese de que uma maior pro-
ximidade entre os cidadãos e os agentes com poder de decisão resulta
em maiores investimentos em saneamento39.

Outro interessante estudo empírico, elaborado pelo IPEA40, aplicou aná-


lises econométricas a dados sobre o desempenho comparado dos presta-
dores de serviços de saneamento, que em sua parcela mais relevante são
constituídos basicamente por operadores regionais (CESBs) e operadores
locais. No período objeto do estudo havia poucos casos de operadores priva-
dos regionais, mas já prestadores privados locais em nível representativo41.

O estudo observou que: a) os prestadores regionais tinham custos de


produção mais altos e maior nível de perdas em distribuição que os ope-
radores locais; b) as tarifas dos prestadores regionais eram cerca de 60%
mais elevadas que a dos prestadores locais. Apenas os prestadores pri-
vados locais praticavam tarifas em média maiores que os regionais; c) os
prestadores regionais tinham nível de acesso a recursos para investimen-
tos consideravelmente maior que os prestadores locais; d) embora se
beneficiassem de vantagens de escala, os prestadores regionais tinham o
menor nível de produtividade; e) os prestadores públicos locais apresen-
taram o maior nível de produtividade, praticando as menores tarifas42.

38 Maúna S. de B. ROCHA, Enlinson H. C. MATTOS e Carlos C. S. SAIANI. Descentralização.


39 Maúna S. de B. ROCHA, Enlinson H. C. MATTOS e Carlos C. S. SAIANI. Descentralização.
40 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação pública federal vin-
culada ao Ministério da Economia.
41 R. S. da MOTTA e A. R. B. MOREIRA. Eficiência.
42 R. S. da MOTTA e A. R. B. MOREIRA. Eficiência.

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357
Estudos de Direito do Saneamento

O estudo mostra que o monopólio das CESBs e os esperados ganhos


de escala de que são beneficiadas não resultaram em aumento de produ-
tividade nem tampouco em tarifas menores para os usuários. Por outro
lado, mesmo sem a vantagem da escala, os prestadores municipais, apre-
sentaram melhor produtividade e menores tarifas43.

Há evidência empírica de que o fortalecimento da participação de-


mocrática dos cidadãos na tomada de decisões sobre as políticas de sa-
neamento básico pode resultar em ampliação e melhoria dos serviços e
ainda em custos tarifários menores. É difícil acreditar que os graves pro-
blemas do setor de saneamento básico no Brasil possam ter algum enca-
minhamento positivo relevante sem que cuidemos de tornar os agentes
políticos, com efetivo poder de decisão, acessíveis e objeto de controle,
pressão e crítica pelos cidadãos afetados por suas decisões.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As propostas de reformas do regime jurídico do saneamento básico


no Brasil, sejam aquelas já derrotadas no Congresso Nacional ou aque-
loutras ainda ali sob análise, pecam por fazerem uma simplificação gros-
seira dos problemas envolvidos nessa questão. Supõe-se que se trata do
enfrentamento de uma questão de natureza meramente técnica, que
diz respeito à eliminação das ineficiências do setor, sendo o modelo de
administração privada dos serviços a opção preferencial. Consideram im-
portante tornar as decisões mais relevantes para o setor de saneamento
imunes à ingerência política das esferas de poder regionais e locais.

Temos no Brasil uma longa tradição política de desvio de finalidade de


recursos e instituições públicos em detrimento do bem comum. O setor de

43 R. S. da MOTTA e A. R. B. MOREIRA. Eficiência.

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358
saneamento básico não esteve imune a essa prática, sendo correta a visão
desse mau uso do poder político como um grave problema a ser enfrentado.

Não consideramos a participação da iniciativa privada na prestação de


serviços públicos, em geral, e de serviços de saneamento, especificamente,
como uma opção equivocada a priori ou uma espécie de tabu ideológico
intransponível. Na verdade, não vemos modernamente como a atividade
estatal, em especial na prestação de serviços públicos essenciais, possa dar
conta das demandas sociais que lhe são impostas, sem lançar mão da co-
laboração, em diversos níveis, formas e intensidades, do setor privado, em
outras palavras, da sociedade organizada sob a forma empresarial privada.

Cremos que os debates em torno das reformas necessárias ao se-


tor de saneamento estão mal colocados quando se focam, por exemplo,
em disputas entre modelos de administração privado ou público. Inde-
pendentemente do modelo de administração, o setor de saneamento
no Brasil padece de problemas de índole eminentemente política, que
dizem respeito à atribuição de poder de decisão e de controle sobre as
políticas públicas da área.

Procuramos lançar luz justamente sobre esse problema que consi-


deramos mais grave, qual seja o grande distanciamento da sociedade
em relação às questões concernentes à formulação das políticas de
saneamento básico, por diversas razões discutidas no presente artigo:
a) centralização excessiva de poder decisório e de recursos financeiros
no governo federal; b) baixa influência das instâncias de poder locais;
c) falta de articulação das políticas de saneamento com outras políticas
públicas estruturantes, em especial nos contextos urbanos; d) falta de
transparência sobre a forma como a sociedade efetivamente dividirá os

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359
Estudos de Direito do Saneamento

ônus pelo custeio dos serviços de saneamento; e) desvio de finalidade


da cobrança de tarifas pelo uso ou disponibilidade de serviços de sanea-
mento; f) falta de controle social sobre os mecanismos de financiamento
de prestadores privados ou público-privados de serviços de saneamento;
dentre outras questões não contempladas no espaço deste artigo.

A razão de ser de qualquer serviço público é gerar valor social nos


locais onde ele é prestado e em benefício das pessoas que vivem nesses
locais. Qualquer política pública somente pode ser tida como eficiente,
sustentável, adequada ou outro adjetivo ambíguo que costumamos ouvir
em discursos técnicos, na pressuposição de que são conhecidos os valo-
res que as comunidades afetadas elegem como prioritários.

Não é possível simplificar o problema do setor de saneamento básico


como questão técnica a ser resolvida por especialistas sob regime de ad-
ministração empresarial privada. Nossos problemas são mais profundos
e dizem respeito à necessidade de reformulação institucional e reequi-
líbrio do poder político dos diversos atores envolvidos na formulação e
execução das políticas públicas de saneamento básico, tornando-as mais
transparentes, inteligíveis, criticáveis e controláveis pela sociedade. Isso,
entendemos, não se faz sem aproximar os cidadãos diretamente afeta-
dos pelas decisões políticas dos agentes com poder de decisão.

As reformas aqui analisadas parecem querer contornar esse proble-


ma mais profundo com soluções simplificadoras e, com isso, acabam por
perpetuar o grave déficit democrático na formulação da política pública
de saneamento básico no Brasil.

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360
Democratização na política
de saneamento básico:
Regulação e participação popular
DARLENE PEREIRA MARTINS LEMES1
s1

Resumo

A interdisciplinaridade e transversalidade do saneamento básico


relacionadas com a aprendizagem social, em busca do exercício da ci-
dadania participativa, sendo o saneamento componente intrínseco do
direito fundamental à saúde, pressuposto de validade da democracia
plena. O exercício deste direito não apenas exaurido no acesso aos
serviços ou utilidades inerentes, mais também atrelado a garantia de
cidadanização e participação na formulação de suas regras, diretrizes
e decisões. Obstáculos envolvidos na democratização de uma política
pública de saneamento básico. Impactos da Regulação Estatal e seus
novos paradigmas como ferramentas para o alcance da universalização
do acesso e normalização do serviço em todos os seus aspectos. Dife-
rença entre controle social e participação popular. Reflexão empírica,
pensamento crítico, inovação e aspectos propositivos.

1 Advogada. Especialista em Direito Administrativo. Assistente de Procuradoria


na Coordenação de Convênios da Procuradoria Federal Especializada junto à Fundação Na-
cional de Saúde.

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361
Estudos de Direito do Saneamento

Palavras-chave: Democratização. Saneamento básico. Regulação.


Participação Popular. Sustentabilidade.

Abstract

The interdisciplinary and transversality of basic sanitation related to


social learning, seeking the exercise of social participation, considering
sanitation as an intrinsic component of the fundamental right to health,
the presupposition of the validity of a full democracy. The exercise of this
right is not only exhausted in access to the services or utilities inherent to
it, but also linked to the guarantee of citizenship and participation in the
formulation of its rules, guidelines and decisions. Obstacles involved in
the democratization of a public sanitation policy. Impacts of State Regula-
tion and its new paradigms as tools to achieve universal access. Differen-
ce between social control and popular participation. Empirical reflection,
critical thinking, innovation and proposal.

Keywords: Democracy. Basic Sanitation. Regulation. Public participa-


tion. Sustainability.

Sumário
1. Introdução; 2. Conceito defensável de regulação aplicável ao
saneamento básico; 3. A Preponderância da Regulação Esta-
tal no Brasil e Seus Riscos; 4. Controle Social e Participação Po-
pular; 5. Novos Paradigmas da Regulação; 6. Grupos de Pressão
Social; 7. Considerações e obstáculos à cidadanização no sane-
amento; 8. Experiência Empírica; 9. Aspectos Propositivos; 10.
Considerações Finais; Bibliografia.

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362
1. INTRODUÇÃO

As políticas públicas referentes ao Saneamento Básico são dotadas de


imensa permeabilidade em diferentes áreas do Direito e do provimen-
to estatal, constituindo tal interdependência um ciclo de interconexão
e transversalidade com outras matérias, como a educação para o uso
consciente da água e coleta seletiva de resíduos sólidos, as políticas am-
bientais na fixação de regras de licenciamento e outorgas de perfuração
de poços, dentre outras.

Apesar da constatação da multiplicidade de atores envolvidos no de-


senvolvimento do setor no Brasil (Entes Federados, Agências Regulado-
ras, Concessionárias, Iniciativa Privada, População, Universidades/Inova-
dores e o Legislador), muito pouco se avançou no alcance da finalidade
primordial, a universalização do acesso, haja vista que são intensos os de-
bates teóricos, mas pouco efetivos na entrega de resultados à sociedade.

A falta de interesse de alguns, disputas políticas, pouca transparência


nas informações repassadas à sociedade e a inexistência de um verdadei-
ro pacto social e federativo dificultam os avanços para a concretização do
direito ao saneamento, tão necessário à dignidade da pessoa humana,
como parte integrante e indissociável do direito fundamental à saúde
(art.6º CR/88)2. Nesse sentido, não é viável a plenitude da democracia
dissociada da implementação de qualquer dos direitos fundamentais.

A tradição nacional municipalista, atrelada à cultura individualista


da sociedade brasileira, acaba por sedimentar a ideologia do “capto a

2 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

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363
Estudos de Direito do Saneamento

água sem saber de onde vem e devolvo o esgoto sem me importar para
onde vai e jogo o lixo em qualquer lugar” desconsiderando a importân-
cia dos impactos ambientais, em um sistema cíclico que se estrutura
basicamente em bacias hidrográficas.

Porém, ao enfatizar a condução local dos serviços de saneamento, a


Lei 11.445/2007 teve como intento ressaltar a importância de se consi-
derar as questões locais em estudos e construção de soluções, a expor
formas inovadoras de ação governamental, de gestão pública e de par-
ticipação dos cidadãos, sendo imprescindível o envolvimento dos muni-
cípios em um esforço de diálogo e cooperação entre os gestores locais e
a comunidade. A partir do pressuposto de que, quanto maior o exercício
da cidadania ativa, na solução de problemas de interesse público, maior
será a pressão exercida sobre agentes do governo, ampliando sua repre-
sentatividade para atender aos interesses coletivos.3

Destarte, há que se atentar para as características de cada localida-


de, desde o índice de associativismo, histórico político, geografia, cultu-
ra popular, projeto político da administração local e contexto nacional
no qual se insere, bem como a flexibilidade na formulação de estratégias
de mobilização popular.4

Para tanto, inexorável a utilização de abordagens que privilegiem a


demanda da comunidade e seu saber, sem se restringir a especificidades

3 Marchi, Cristina Maria Dacach Fernandez & Mendes, Vera Lucia Peixoto Santos
(2018 jan/abr). Gestão do saneamento básico: Democracia representativa e participação so-
cial em um município da Região Metropolitana de Salvador – Bahia. Revista Brasileira de Ges-
tão e Desenvolvimento Regional. G&DR. v. 14. n. 1. pp. 110-134. Taubaté, SP, Brasil. Recuperado
de: https://www.rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/view/3470. Acesso em 01/09/2019
4 Silva, Fernanda Cohim Alves. & Naval, Liliana Pena. (2015 jan/março). Contri-
buições para a construção de estratégias de suporte ao controle social em ações de sa-
neamento. Ambiente & sociedade, vol. XVIII, núm. 1. pp. 65-80. Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Campinas SP. Brasil.

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364
disciplinares, favorecendo o envolvimento de setores diversos e inusi-
tados da sociedade, no debate das questões de saneamento, pois estas
questões fazem parte da rotina das pessoas e estão naturalmente relaci-
onadas a outras áreas como lazer, saúde, educação, dentre outras.5

Neste contexto, os municípios, como titulares dos serviços de saneamen-


to básico (art. 30, inc. V, CR/88), são responsáveis diretos pelas cinco funções
inerentes à tal atribuição, quais sejam: legislar, planejar, regular, fiscalizar e
efetivamente prestar o serviço público. Destas funções, podem ser delega-
das a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação dos serviços.

Neste trabalho, interessa particularmente a função atinente à regu-


lação, enquanto um dos instrumentos imprescindíveis para fomentar
novas formas de concretização da política pública do saneamento, com
destaque para a participação popular.

2. CONCEITO DEFENSÁVEL DE REGULAÇÃO APLICÁVEL AO SANE-


AMENTO BÁSICO

Ao estudar a polissemia de um conceito de regulação (BARROSO


2005), expõe que, “conforme definição consagrada nos dicionários, a re-
gulação enquanto acto de regular significa o modo como se ajusta a ac-
ção (mecânica biológica ou social) a determinadas finalidades, traduzida
sob a forma de regras e normas previamente definidas”.6

5 Silva, Fernanda Cohim Alves. & Naval, Liliana Pena. (2015 jan/março). Contri-
buições para a construção de estratégias de suporte ao controle social em ações de sa-
neamento. Ambiente & sociedade, vol. XVIII, núm. 1. pp. 65-80. Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Campinas SP. Brasil.
6 Barroso, João. (2005 outubro). O estado, a regulação e a regulação das po-
líticas públicas. Educ. Soc., Campinas, vol.26, n.92 pp.725-751, Especial. Recuperado em
01/08/2019 de: http://www.cedes.unicamp.br.

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365
Estudos de Direito do Saneamento

Para (ARAGÃO 2011), “o conceito de regulação contempla uma im-


portância que vai muito além da finalidade meramente acadêmica, sen-
do necessário inclusive na definição de competência e atribuições de
órgãos e entidades públicas”7.

A figura da regulação como instituto tem origem na Economia. Nesse


sentido, (STINGLER 1971) “propõe como tarefa central de sua Teoria da
Regulação Econômica a justificação de quem receberá os benefícios e
quem arcará com os ônus da regulação, e, ainda, qual forma esta tomará
e quais os seus efeitos sobre a alocação dos recursos.”8

Ocorre que o Direito não é mero reflexo da Economia, portanto, a


explicação do fenômeno jurídico pode e deve ser empreendida por in-
termédio das condições históricas da sociedade em que se manifesta,
consistindo em interpretação “histórico-cultural”9 (GRAU 2014).

A busca de um conceito original para a regulação que seja aplicável


ao saneamento básico é tarefa árdua, mas, partindo da premissa histó-
rica da conceituação do instituto que primeiramente voltou-se para seu
aspecto teleológico e metafisico de “levar ordem ao caos”10, ou ainda
no movimento inverso, de buscar a origem partindo da derivação, na
mecânica relojoeira, da expressão “regulador,” a regulação seria um ins-
trumento adequado à normalização do funcionamento das engrenagens
socioeconômicas e jurídicas de uma nação.

7 Aragão, Alexandre Santos de. (2011). Agências Reguladoras e a Evolução do


Direito Administrativo Econômico. (Capitulo 1 pp.19-37). Rio de Janeiro. Forense.p.19.
8 Stingler, Georg. (1971) Teoria da Regulação Econômica. In: Mattos, Paulo Todescan
Lessa. (2017). Regulação Econômica e Democracia: O Debate norte Americano. Editora 34.
9 Grau, Eros Roberto. (2014). Direito Posto e o Direito Pressuposto. (Capítulo 2
p.35). São Paulo. Malheiros.
10 Aragão, Alexandre Santos de. (2011). Agências Reguladoras e a Evolução do
Direito Administrativo Econômico. (Capitulo 1 pp.19-37). Rio de Janeiro. Forense.p.23.

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366
Desta forma, apoiando-se em pretensões mais práticas do que aca-
dêmicas, pode-se considerar que a regulação, na esfera do saneamen-
to básico, seria um instrumento destinado à organização, normatização
e funcionamento daqueles serviços públicos, aplicável a todos os seus
aspectos, não apenas ao econômico, sendo parte imprescindível para o
alcance das soluções para sua universalização.

Quanto à finalidade, a regulação se apresenta como ferramenta dedi-


cada à correção das falhas de mercado. No caso específico dos serviços
de saneamento básico, em que existe um monopólio natural na presta-
ção, fundado na preservação da economia de escala, é mais eficiente
e econômico a exploração por um único agente, o instituto se presta a
preservar a sustentabilidade econômica do serviço, visando garantir a
sua continuidade, assim como permitir investimentos para a criação e
manutenção das infraestruturas.

No arcabouço da regulação, “estão inseridos três poderes: aquele de


editar a regra, o de assegurar sua aplicação e o de reprimir as infrações.”11

Não persistem dúvidas de que a regulação encerra, em si, elementos


do poder de polícia estatal, não somente em sua acepção clássica de se
evitar que o particular infrinja as regras por intermédio de imposição de
sanções, mas também em sua concepção modernista, adequada ao Es-
tado Democrático de Direito, no sentido de direcionar suas atividades na
senda dos interesses públicos juridicamente definidos em busca de uma
efetividade regulatória contributiva.

11 Genot, Michel (2000 como citado em Aragão, Alexandre Santos de. (2011).
Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. (Capitulo 1
pp.19-37). Rio de Janeiro. Forense.p.24.)

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367
Estudos de Direito do Saneamento

O conceito jurídico de regulação, aplicável ao cosmo do saneamen-


to básico, é ofertado pelo Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010,
nos seguintes termos:

“…todo e qualquer ato que discipline ou organize determinado serviço


público, incluindo suas características, padrões de qualidade, impacto
socioambiental, direitos e obrigações dos usuários e dos responsáveis
por sua oferta ou prestação e fixação e revisão do valor de tarifas e
outros preços públicos, para atingir os objetivos”.

Tais objetivos estão definidos no artigo 27 do mesmo regramento12.

Nessa perspectiva, a regulação passa de instrumento para se atin-


gir o interesse público de universalização do direito ao saneamento com
qualidade, organização e padronização, características inerentes a todo e
qualquer serviço público, para um ato que encerraria um fim em si mes-
mo, constituindo mero enumerado de direitos e obrigações.

Nessa esteira, olvidou-se a norma de que a regulação é composta


por pessoas e direcionada a pessoas, acabando por desprezar o elemen-
to social contido no instituto. A própria Lei 11.445, de 05 de janeiro de
2007, minimizou a importância da regulação como parte indissociável da
solução dos problemas enfrentados pela política pública de saneamento

12 Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010:


Art. 27.  São objetivos da regulação:
I - estabelecer padrões e normas para a adequada prestação dos serviços e para a sa-
tisfação dos usuários;
II - garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas;
III - prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, ressalvada a competência dos
órgãos integrantes do sistema nacional de defesa da concorrência; e
IV - definir tarifas e outros preços públicos que assegurem tanto o equilíbrio econô-
mico-financeiro dos contratos, quanto a modicidade tarifária e de outros preços públicos,
mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e que permitam a
apropriação social dos ganhos de produtividade. 

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368
no Brasil, ao tratá-la como mera função (arts.21 a 28), disciplinando de
modo contido e rígido seu exercício.

Para (Melo & Nahum), os objetivos da regulação da prestação do serviço


de saneamento básico: “são corrigir falhas de mercado, perseguir a univer-
salização, a eficiência e eficácia dos serviços e a modicidade das tarifas, asse-
gurada a existência de mecanismos de participação e informação. E, uma das
principais competências do órgão/entidade estabelecidas na lei 11.445/07 é
a monitorização do plano municipal de saneamento, que será a sua “Bíblia”.13

Superada a necessária conceituação e descrição das finalidades da


regulação no setor de saneamento básico, propõe-se a análise a seguir
da escolha adotada pelo ordenamento pátrio e os riscos atinentes a tal
modalidade de regulação.

3. A PREPONDERÂNCIA DA REGULAÇÃO ESTATAL NO BRASIL E SEUS


RISCOS

A regulação é concepção recente no Estado brasileiro, expandin-


do-se especialmente durante a reforma da administração, ocorrida na
década de 90, impulsionada pela necessária onda de privatizações de
diversos serviços públicos.

Embora o legislador nacional tenha optado por importar o modelo


norte americano, não realizou as adaptações necessárias, frente às dife-
renças nas origens e no exercício do instituto, nas duas nações. Enquanto
que, nos Estados Unidos, as agências reguladoras nasceram da necessi-

13 Melo, Glenda Barbosa de. Nahum, Tânia. Estudo sobre regulação de serviços
públicos municipais de saneamento básico.p.11. Recuperado em 01/08/2019 de: http://
www.ufrgs.br/planomsb/biblioteca/estudo_regulacao_ASSEMAE.pdf

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369
Estudos de Direito do Saneamento

dade de uma ampliação do Estado para regulação das falhas do mercado,


sendo objeto de intenso debate político-social; no Brasil, a regulação foi
concebida como solução para diminuir a atuação estatal, durante o mo-
vimento de privatizações, de uma maneira mais impositiva.

E ainda no Brasil o modelo original acabou se perpetuando com poucas va-


riações e flexibilidade. Com respaldo mais liberalista, a opção foi por uma carac-
terização apolítica, focada em significações técnicas, especializadas e burocrá-
ticas, na acepção benéfica da expressão, para a regulação a ser implementada.

Nessa senda, é de (PIAGET 1997), “a ideia de classificar a regulação


em conservadora e transformadora, sendo a primeira responsável por
assegurar, manter a continuidade e reproduzir de maneira estática o sis-
tema existente, a segunda, no entanto, se prestaria a três funções que
adaptadas para o setor do saneamento básico podem ser assim expostas:
a)compreensão do sistema e busca por novas formas de organização; b)
entendimento de como o aprimoramento dos processos de regulação
podem impactar a própria regulação e c) pensar a interdependência es-
tabelecida entre as diferentes ferramentas da regulação.”14

Nessas premissas, instituiu-se justificadamente como forma adequada


e primordial, a regulação estatal no Brasil, focada na função normativa e
sancionatória, a ser implementada por intermédio de agências autônomas.

Porém, em consequência do modelo adotado, segundo (MATTOS


2004) desprezou-se:

“... que o jogo de relações políticas internas ao Estado não é es-


tático. Disputas políticas têm lugar nos canais de circulação de

14 Piaget, J. (1997 como citado em Barroso, João. (2005 outubro). O estado, a


regulação e a regulação das políticas públicas. Educ. Soc., Campinas, vol.26, n.92 pp.725-
751, Especial. Recuperado em 01/08/2019 de: http://www.cedes.unicamp.br.)

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370
poder internos à burocracia estatal, onde apenas determinados
atores têm acesso ao jogo de barganha político que está na base
da ação regulatória do Estado. ”15

A reflexão se fixa na ideia de que a autonomia não deve ser traduzida em


ausência de controles e sim no pressuposto da necessária independência.

Como consequência da volatilidade do poder político e dos interesses


econômicos envolvidos na atividade estatal de regulação, surgem riscos a
que ficam expostas as entidades reguladoras.

Evidencia-se, em primeiro, o risco de “captura”. Em regra, três são os


atores envolvidos na prestação indireta dos serviços públicos de sanea-
mento: as concessionárias, a Administração Pública e a agência regula-
dora, que, em tese, tem a finalidade de agir no interesse da sociedade
como órgão normativo e arbitrador de conflitos. Nesse sentido, a relação
entre o regulador e concessionários geralmente se dá pela expedição de
atos normativos pela primeira e sua devida observância pelos últimos.

Para tanto, o regulador necessita de uma estrutura forte, conheci-


mento técnico, meios materiais e humanos, bem como ampla dose de
independência. Isso, no entanto, não lhe assegura o funcionamento sem
distorções, em especial a atuação direcionada em favor de determinados
grupos de pressão, representados diretamente ou através do governo,
(no setor de saneamento, pode-se exemplificar tais grupos como indus-
triais utilizadores de poços tubulares, grandes produtores de resíduos,
ruralistas etc.), e atuação em benefício das concessionárias.

15 Mattos, Paulo Todescan Lessa. (2004, 2-5 novembro). Regulação econômica e


social e participação pública no Brasil. IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Refor-
ma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España.

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371
Estudos de Direito do Saneamento

Este fenômeno é denominado captura do regulador, tendo como prin-


cipal consequência a perda de credibilidade como arbitrador de conflitos,
o que causa o aumento dos custos e diminui a eficácia da regulação.

Outra ameaça que ronda o regulador é, sem dúvida, a assimetria da


informação, que vai além do conhecimento técnico. Na prática, o regu-
lador não foi concebido para conhecer todas as minúcias envolvidas nas
atividades do concessionário, necessitando ser abastecido de informa-
ções de origem e propriedade destes últimos, que nem sempre se afei-
çoam ao conceito de transparência integral.

Ainda adstrito à simetria de informações, encontra-se o instituto da se-


leção adversa, que designa o uso de informação especializada e excessiva-
mente técnica pelo prestador, não plenamente dominada pelo regulador.

No intuito de minimizar tais riscos, a doutrina propôs algumas for-


mas alternativas de regulação, quais sejam: a) a regulação do preço; b) a
regulação por comparação e c) a regulação por qualidade. Em apertada
síntese tem-se que:

a) “A regulação do preço, fundamenta-se em um aprofunda-


mento das questões ligadas à equação econômico-finan-
ceira. Porém, como efeito colateral, alguns afirmam que
tende a prejudicar a qualidade dos serviços prestados, exi-
gindo que os níveis de qualidade sejam bem definidos e
monitorados, ou que a regulação do preço seja combinada
com outros modelos, para regular a qualidade, acarretando
invariavelmente no aumento do custo da regulação;

b) A regulação por comparação (yardstick regulation) ou


competição por padrões (yardstick competition), que

Voltar ao índice
372
consiste em o regulador comparar o desempenho de
diversos concessionários, quando existentes, e fixar as
tarifas com fundamento na melhor eficiência, aceitando
certa margem de variação. O enfoque seria a redução
da assimetria de informações, já que todas as empresas
serão comparadas com base em informações que não
serão fornecidas exclusivamente por uma delas. Contu-
do, para que possua viabilidade, tal prática necessita da
garantia de não colusão entre as firmas, e que suas es-
truturas de custos sejam semelhantes;

c) Por fim, a regulação da qualidade, ancorada na imposi-


ção expressa de indicadores observáveis pelo regulador
através de incentivos, envolvendo as metas de ganhos
de produtividade que podem estar inversamente ligadas
à qualidade, ou seja, acima de certo patamar de qualida-
de, as metas de produtividade seriam menos duras”.16

Não se pode desprezar também a existência do chamado “risco mo-


ral”. Neste caso, o que está em questão é a moral dos consumidores, que
podem efetuar certos comportamentos de forma a aumentar ou dimi-
nuir a probabilidade de ocorrência de fatos, que possam interferir nos
aspectos envolvidos na regulação.

O exemplo mais elucidativo é a indústria de seguros, em que diferen-


tes consumidores que contrataram o seguro vão ter distintos comporta-
mentos, quanto ao cuidado com o bem segurado, fato que vai modificar
a probabilidade de ocorrência de sinistro entre eles.

16 Araújo, João Lizardo R. H. (1997 julho). Regulação de monopólios e mercados:


questões básicas. In: Seminário Nacional do Núcleo de Economia da Infraestrutura, Rio de
Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: IE/UFRJ, 20 p. Acesso em: 9 de agosto de 2019. Disponível
em: http://www.provedor.nuca.ie.ufrj.br/provedor/biblioteca/a.htm

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373
Estudos de Direito do Saneamento

Alude-se ainda à questão do déficit de legitimidade, vez que, pela


própria dinâmica de constituição do Estado Regulador no Brasil, são pou-
cos os grupos de interesse que têm acesso aos processos decisórios em
matéria de políticas públicas, e são poucos os mecanismos institucionali-
zados de controle democrático das decisões tomadas, o que perpetua os
impactos do desequilíbrio na representação política no setor.

Os déficits de legitimidade se apresentam, assim, tanto no que diz


respeito às formas de controle no plano da separação de poderes, como
no plano das relações entre Estado e a sociedade civil.

Origina-se daí a problemática, que é a de fazer com que as leis deixem de


ser apenas instrumentos formais, passando a ser mecanismo efetivo de evo-
lução social. Esta conjuntura supõe uma nova instrumentação das lutas de-
mocráticas e populares, no sentido de se prepararem para a aplicação da lei.

Observa-se que, em um primeiro momento, a opção do legislador


foi pela regulação puramente estatal e indelegável no âmbito do serviço
público de saneamento, não valorizando a contribuição e a participação
social na tarefa regulamentar.

Timidamente, o caput do artigo 23 da Lei nº 11.445/2007, atribui à


entidade reguladora a competência para a edição de normas relativas à
dimensão social da prestação do serviço, inclusive abrangendo diretrizes
para padrões de atendimento ao público, mecanismos de participação e
ação (inciso X), tendo o artigo 26 garantido a publicidade dos relatórios,
estudos decisões e instrumentos equivalentes a qualquer pessoa.

Recentemente, com a edição da Lei nº 13.848 de 25 de junho de 2019,


conhecida como Lei das Agências Reguladoras, ao menos em parte evoluiu-
se no sentido de se promover a democratização do processo regulatório.

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374
O normativo supra, já em seu artigo preambular, anuncia que se
propõe a dispor sobre o processo decisório e o controle social destas
entidades; no parágrafo 4° de seu artigo 6º, contempla a previsão de
realização de consulta ou audiência pública no processo decisório das
agências reguladoras, e o artigo 9º, ainda mais assertivo, determina que
serão objeto de consulta pública prévia:

“à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria co-


legiada, as minutas e as propostas de alteração de atos normati-
vos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou
usuários dos serviços prestados.”

Se, em relação à participação social, ocorreram louváveis avanços, já


quanto ao controle social, a Lei foi tímida. Não obstante intitular seu capítulo
II- “DA PRESTAÇÃO DE CONTAS E DO CONTROLE SOCIAL”, limitou-se a prever
que planos estratégicos e de gestão serão elaborados, visando aperfeiçoar o
acompanhamento das ações da agência reguladora, inclusive de sua gestão,
promovendo maior transparência e controle social. Não há qualquer previ-
são, no entanto, de que forma será instrumentalizado tal controle.

Apesar desta crítica, não se pode olvidar que a lei também represen-
tou avanços na regulamentação das ouvidorias das agências reguladoras,
prevista na Seção III artigos 22 a 24.

A fim de ampliar a compreensão acerca do papel fundamental ad-


vindo da participação social, na regulação, em busca da universalização
das políticas de saneamento básico, faz-se necessário, preliminarmente,
traçarmos a distinção entre institutos complementares, que muitas vezes
são tomados como sinônimos, quais sejam, a participação popular e o
controle social, abordados adiante.

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375
Estudos de Direito do Saneamento

4. CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR

O novo modelo gerencial do Estado, emergido após a EC 19/98, tem


como uma de suas derivações o modelo de gestão democrático-parti-
cipativa, cuja instrumentalização pressupõe a utilização de ferramentas
como o controle social e a participação popular.

Destarte, “o novo papel do Estado enquanto regulador, implica no


abandono do perfil autoritário em favor de uma maior interlocução
com a sociedade.”17

O eminente Ministro Carlos Ayres Britto apontou, já em 1992, a ne-


cessidade da distinção entre o controle social e a participação popular,
ambos preceitos consagrados na carta Constitucional de 198818.

Controle é derivado da ideia de fiscalização. No direito pátrio, concre-


tizado pelo sistema de freios e contrapesos, destaca-se a importância pri-
mordial do controle externo “lato sensu”, exercido por um Poder sobre o
outro, para a manutenção da independência e harmonia entre eles. Tal
espécie de controle é melhor visualizado no cotidiano da administração
pública, quando se leva em conta o controle externo, exercido pelo Legis-
lativo com o auxílio do Tribunal de Contas da União.

No processo de redemocratização do país, houve a necessidade de


se reafirmar novos direitos aos cidadãos, dentre os quais a participação
efetiva na vida pública, mediante a utilização de instrumentos variados.
Ainda traumatizado pelo imperialismo estatal do regime militar anterior,
cunhou-se a expressão controle social, compreendida como um controle
da sociedade sobre o Estado.

17 Marques, Floriano de Azevedo Neto. (2002 abr/jun). A Nova Regulação Dos


Serviços Públicos. Revista de Direito Administrativo. n.228. pp.13-29. Rio de Janeiro.
18 Britto, Carlos Ayres. (1992, julho/setembro). Distinção entre “controle social do po-
der” e “participação popular. ” Revista de Direito Administrativo. n.189. pp.114-22 Rio de Janeiro.

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376
Exemplo de tal controle insculpido no texto constitucional, a ação po-
pular, por meio da qual, ao cidadão é conferido o direito de socorrer-se
à jurisdição, com finalidade de anular ato lesivo do Estado, a bens da co-
letividade, em claro exercício do direito à cidadania, caracterizado como
direito público subjetivo.

No campo infraconstitucional, o controle social caiu no gosto do legisla-


dor, que passou a prevê-lo nas mais diversas leis, sendo importante ao nos-
so estudo as previsões contidas na Lei 8.142/90 e na Lei 11.445/2007. A
primeira instituiu os Conselhos de Saúde, tendo como uma de suas diretri-
zes a participação democrática em sua formulação, ou seja, deveria contar
com representantes da sociedade em sua composição. A característica sui
generis deste colegiado é a sua atribuição deliberativa, o que não ocorre
com os órgãos de controle social prescritos na política nacional de sanea-
mento básico, que possuem competências meramente consultivas, embo-
ra garantida também em sua composição a representação dos usuários.

Neste sentido, Melo & Nahum19 destacam que:

“O controle social é um dos princípios da Lei n° 11.445/07. A Lei


estabelece a participação da sociedade nos processos de formu-
lação de política, de planejamento e de avaliações relacionados
aos serviços públicos de saneamento básico (art. 3°, inciso IV); em
audiências e consultas públicas sobre minutas de contrato para
prestações de serviços públicos de saneamento básico (art. 11,
IV); em audiências e/ou consultas públicas para a apreciação de
propostas de plano de saneamento básico, inclusive dos estudos
que o fundamentem (art. 19, inciso V, § 5°); por meio de meca-

19 Melo, Glenda Barbosa de. Nahum, Tânia. Estudo sobre regulação de serviços
públicos municipais de saneamento básico.p.22. Recuperado em 01/08/2019 de:
http://www.ufrgs.br/planomsb/biblioteca/estudo_regulacao_ASSEMAE.pdf

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377
Estudos de Direito do Saneamento

nismos normatizados pela entidade de regulação da prestação de


dos serviços (art. 23. Inciso X); por meio do acesso a informações
sobre a regulação ou à fiscalização dos serviços prestados (art. 26);
e no acesso à informações sobre direitos e deveres dos usuários
(art. 27), nos processos de revisão tarifária (art. 38, inciso II § 1°) e
em órgão de controle social (Brasil 2007, SP, apud MELO, 2009). ”

Conquanto louvável a iniciativa e concepção original das ferramentas


de controle social insculpidas na Lei Suprema e a disseminação de co-
legiados com tal finalidade na legislação, não há que se pensar que tais
premissas consubstanciem compartilhamento de parte do poder estatal
com a sociedade. Não. O controle é um direito e não forma de exercício
de poder, de modo que, fora das restritas delimitações legais, não é ca-
paz de produzir qualquer ingerência nas políticas públicas ou irrogar-se a
prática de ações governamentais.

Não obstante possam originar boas práticas para a gestão da admi-


nistração púbica, convém considerar um lado mais sombrio, na dissemi-
nação de tais colegiados. Assim, os conselhos e órgãos similares podem
se constituir em mecanismos de legitimação do poder dominante e co-
optação dos movimentos sociais, que, em vez de controlar, passam a ser
controlados, servindo como ferramentas de legitimação da dominação
estatal. Nesta vertente, esse é o controle social que interessa às classes
dominantes e é funcional para a preservação do seu domínio.

Não que seja a regra, mas em muitos casos a escolha dos integrantes
destes colegiados fica sob a batuta do próprio gestor representante do
Estado, sem previsão de participação popular nesse processo.

De outra banda, a participação popular reside em outras balizas, sen-


do, pois, quinhão legítimo de poder pertencente ao povo, elemento sub-
jetivo do Estado, com o poder de influir de maneira peculiar na formação
da vontade normativa da Pátria.

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378
Nesse sentido, a participação popular é condição indissociável da
existência de um Estado Democrático de Direito, pois este se funda na
premissa de que todo poder emana do povo, ainda que exercido de ma-
neira indireta, por intermédio de seus representantes.

No âmbito do saneamento, para Silva e Naval 2015, a participação


social deve estar presente desde a definição de princípios e diretrizes de
uma política pública de saneamento básico ao planejamento, acompa-
nhamento da execução e avaliação de ações, acrescentando que diante
do exposto é pertinente a inclusão de variáveis qualitativas de avaliação
qualitativa dos processos participativos.20

Na Lei Basilar servem de amostra da participação popular direta: o


sufrágio universal, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis.

No horizonte infraconstitucional, com a finalidade de ampliação da


participação popular, foi editado o Decreto nº 8.243, de 23 de maio de
2014, objetivando fortalecer e articular os mecanismos, as instâncias de-
mocráticas de diálogo, a atuação conjunta entre a administração pública
federal e a sociedade civil, compilando inúmeras formas de participação
popular na formulação, na execução, no monitoramento e na avaliação
de programas e políticas públicas e no aprimoramento da gestão pública,
dentre elas: mesas de diálogos, consultas públicas, fóruns Inter conse-
lhos e conferencias nacionais.

Em notável retrocesso, o normativo foi revogado pelo Decreto nº


9.759, de 11 de abril de 2019, que extinguiu os organismos destinados à
ampliação da participação popular na formulação de políticas públicas.

20 Silva, Fernanda Cohim Alves. & Naval, Liliana Pena. (2015 jan/março). Contri-
buições para a construção de estratégias de suporte ao controle social em ações de sa-
neamento. Ambiente & sociedade, vol. XVIII, núm. 1. pp. 65-80. Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Campinas SP. Brasil

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379
Estudos de Direito do Saneamento

Na exposição de motivos, certamente surpreende o fato de ter sido


elencado como um dos problemas, do suposto excesso de colegiados
a existência de:

“Grupos de pressão, tanto internos quanto externos à adminis-


tração, que se utilizam de colegiados, com composição e modos
de ação direcionado, para tentar emplacar pleitos que não estão
conforme a linha das autoridades eleitas democraticamente. ”

Sobre tal quadro, as palavras do consagrado jurista Carlos Ayres Britto:

“Por consequência, não há que confundir a participação popular


com o controle social, pois o fim de quem efetivamente partici-
pa não é atuar um comando constitucional que força o Estado
a olhar para trás. A parte privada, o grupo, ou o conjunto da
sociedade, nenhum deles pretende fazer da liberdade ou da ci-
dadania um elemento de anulação do poder político, à base do
“cessa tudo que a antiga musa canta, que outro valor mais alto
se alevanta” (Camões).

O objetivo colimado não é fazer “oposição” ao governo – conve-


nhamos-, mas “negociar” com ele a produção de uma nova regra
jurídica pública. Aqui, uma emanação da soberania popular, e,
destarte, poder. Ali, uma emanação da cidadania, ou da liberda-
de, e, portanto, direito. (grifei)

Em suma, os novos institutos da democracia direta redimensio-


nam o princípio constitucional da soberania popular, permitindo-
nos falar de uma democracia participativa. Pena que tais institu-
tos ainda sejam de reduzido número e com baixo teor de eficaci-
dade, a patentear o abismo que se rasga entre as promessas de
arejamento político da Carta em vigor e os efeitos práticos que
ela pode deflagrar por si mesma. Não assim quanto ao regramen-
to dispensado ao controle social do poder, anote-se, cujos meca-

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380
nismos são mais numerosos e dotados de maior teor de opera-
cionalidade. A liberdade e a cidadania à frente da soberania.”21

Convém ressaltar que a participação popular não é “estilo populista” ou


“ideário de especialistas”. É direito de tornar o Estado efetivamente coisa
pública, é debate de interesses, enfim, é democracia viva, ativa e perene.

Superada a análise distintiva proposta e o atual diagnóstico dos institutos,


convém avançar em direção às tendências da regulação, abordadas a seguir.

5. NOVOS PARADIGMAS DA REGULAÇÃO

Com a moderna concepção acerca da necessidade de um Estado cada


vez mais gerencial e indutor, avesso à figura do Estado burocrático-prove-
dor, impõe-se como consequência um movimento de diminuição da má-
quina pública anunciado em desestatizações, privatizações e concessões.

Nesta senda, “ao contrário do que poderia pensar o senso comum,


tal cenário se traduz na necessidade de ampliação de regulação e não
em sua atenuação.”22

Nas palavras de (Marques 2005),23 as transformações na regulação


estatal da atividade econômica demandam um fortalecimento da ativi-
dade regulatória:

21 Britto, Carlos Ayres. (1992, julho/setembro). Distinção entre “controle social


do poder” e “participação popular. ” Revista de Direito Administrativo. n.189. pp.114-22
Rio de Janeiro.
22 Marques, Floriano de Azevedo Neto. (2002 abr/jun). A Nova Regulação Dos
Serviços Públicos. Revista de Direito Administrativo. n.228. pp.13-29. Rio de Janeiro.
23 Marques, Floriano de Azevedo Neto. (2005 fevereiro/março/abril). A Nova Re-
gulamentação dos Serviços Públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo e Econô-
mico. n.01. p.08. Salvador Bahia.

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381
Estudos de Direito do Saneamento

“Com o processo de transferência da exploração de serviços pú-


blicos para a iniciativa privada, opera-se novamente a separação
entre operador (agora um ente privado não sujeito ao controle
estatal) e o regulador (já que a atividade regulatória remanesce
em mãos do Estado, que a exerce então de forma indireta). Pró-
prio dessa separação é o regime público de exploração destes
serviços delegados à iniciativa privada, consubstanciado na ou-
torga de concessões ou permissões. Vem daí a necessidade de
forte regulação sobre a atuação do explorador privado em regi-
me público, com vistas a i) assegurar o cumprimento dos pressu-
postos da outorga; ii) garantir a perenidade e universalidade da
prestação e iii) assegurar a preservação dos bens vinculados à
atividade. Afinal se a atividade é considerada serviço público o é
por ter alguma relevância social, sendo natural que seja explora-
da de moda contínuo e extensivo à maior parcela da população
possível. Isso justifica a existência de uma forte regulação.

A constatação de que a atividade econômica deve estar no setor


privado não nos afasta de exigir que esta atividade privada, sobre-
tudo quando atue no espaço público, seja amplamente regulada
e fiscalizada por agências públicas e independentes (...) é preciso
que o Estado esteja aparelhado para fiscalizar, porquê nada garan-
te que as estradas que são exploradas privadamente, ou telefonia
que é explorada privadamente, vão ser eficientes ou comprometi-
das com interesse público (...) Então, a criação de órgãos regulação
e fiscalizadores e independentes é um posso indispensável”.

Neste contexto, insurge a conveniência de um novo padrão regula-


mentar, inclusive do ponto de vista da criatividade jurídica, uma vez que,
com o avanço tecnológico, midiático e comunicativo, onde a única cons-
tante é a mudança, apenas as tradicionais funções, normatizadora e san-
cionatória da regulação se demonstram insuficientes ao cumprimento
integral de sua finalidade primordial de preservar a atividade econômica

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382
envolvida na prestação do serviço público, sem descuidar da proteção de
hipossuficiências e/ou a concretização da política pública afeta à área.

Portanto, não se pode desconsiderar a natureza complexa da ativi-


dade reguladora, cuja finalidade é buscar equilibrar as perspectivas dos
investidores, do governo e dos usuários dos serviços”24

Nesse ponto, merece destaque as considerações de (MARQUES


2005),25 quanto à calibração e o equilíbrio tarifário, almejado na concre-
tização da função reguladora:

A calibração entre as taxas de retorno expectadas em uma con-


cessão e obrigações do prestador; A adequada relação entre a
política tarifária e os critérios de prefixação dos serviços pelos
competidores em regime de mercado, os custos de ampliação
de infraestruturas com os valores cobrados pelo compartilham
estão entre eles; A introdução de mecanismos aptos a coibir a
concentração econômica tanto num mesmo setor (na exploração
de uma mesma modalidade se serviços) como entre elos comu-
nicantes da cadeia econômica (como ocorre na cadeia de produ-
ção de energia pelas termo elétricas, onde se deve evitar concen-
tração entre os grupos detentores da concessão de transporte
de gás natural e aqueles detentores de licença para geração de
energia com utilização deste insumo).

Para a consecução de seu papel de mediador, indispensável ao Estado


ampliar o diálogo com todos os interessados.

24 Pacheco, Regina Silvia. (2006 jul. /agosto). Regulação no Brasil: desenho das
agências e formas de controle. In RAP, Rio de Janeiro. n. 40 pp.523-543.
25 Marques, Floriano de Azevedo Neto. (2005 fevereiro/março/abril). A Nova Re-
gulamentação dos Serviços Públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo e Econô-
mico. n.01. p.13. Salvador Bahia.

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383
Estudos de Direito do Saneamento

Neste cenário, ganha destaque o modelo Habermasiano de demo-


cracia, que se estampa em uma deliberação pública e na circulação de
poder político para além das instituições que formam o sistema – Legis-
lativo, Executivo e Judiciário. A esfera pública e as condições de atuação
de atores relevantes na sociedade civil passam a ter um lugar privilegiado
no modelo de análise da organização social.

(Habermas 1987)26 amplia o debate sobre “accountability” (fiscaliza-


ção/prestação de contas) do poder administrativo e revela a importância
dos mecanismos deliberativos que podem ser conceituados como “ac-
countability vertical”, mediante participação pública direta, não limitada
apenas a processos judiciais ou administrativos.

Alicerça-se aqui, nas preciosas lições do exímio professor Floriano de


Azevedo Marques, que “o surgimento de um novo padrão regulatório
pressupõe uma renúncia à tradicional imposição unilateral e autoritária
de pautas, condutas e comportamentos em busca de um avanço, em que
a dinâmica regulatória apoia-se em articulação de interesses, estabeleci-
mento de pautas negociadas com os diversos atores envolvidos, o que foi
denominado pela doutrina de regulação reflexiva”27.

Na regulação reflexiva, o Estado assume um papel de mediador ativo,


mais adequado aos fatores de natureza política e social, que fazem o corpo
social aspirar, uma atuação mais participativa em relação ao poder público.

A moderna noção de Estado Democrático de Direito passa a pres-


supor uma interação entre Administração e sociedade, lastreada muito

26 Habermas, Jürgen. (1987). (Apud Mattos, Paulo Todescan Lessa. (2004, 2-5 no-
vembro). Regulação econômica e social e participação pública no Brasil. IX Congreso Interna-
cional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España)
27 Marques, Floriano de Azevedo Neto. (2002 abr/jun). A Nova Regulação Dos
Serviços Públicos. Revista de Direito Administrativo. n.228. pp.13-29. Rio de Janeiro.

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384
mais em relações de direção do que nas tradicionais relações de controle
impositivo e sancionatório.

Em estudo referente às parcerias público-privadas e às concretiza-


ções das funções sociais das cidades, (HUNGARO 2017)28 tece importan-
tes ilações quanto à gestão-democrática:

“O Estatuto da Cidade previu alguns instrumentos capazes de ori-


entar gestão pública das cidades e promover a realização de políti-
cas urbanas de maneira democrática. Trata-se da chamada “Gestão
Democrática da Cidade”, que é diretriz responsável por garantir a
participação popular na atuação municipal em assuntos de interesse
urbano. Apenas para repisar, o art. 43 do referido Estatuto prevê, in-
clusive, instrumentos hábeis à garantia da gestão democrática da ci-
dade, quais sejam, a instituição de órgãos colegiados, promoção de
debates, audiências e consultas públicas, além de conferências so-
bre assuntos de interesse urbano e iniciativa popular de projeto de
lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. ”

Por esse ângulo, (Motta 2005) explora a noção de gestão participativa


e suas contribuições para o modelo regulatório:

“Trata-se de um modelo que, por meio de normas formas or-


ganizacionais (fóruns, audiências públicas, consultas públicas,
conselhos, comitês e outros órgão colegiados), busca superar o
modelo no qual o Estado chama para si o papel de promotor do
bem-estar social, assim como o modelo construído nos moldes
liberais em que o Estado se limita às tarefas clássicas de garantia
da propriedade e dos contratos.

28 Húngaros, Luis Alberto. (2017). Parceria Público-Privada Municipal: A Con-


cretização de Funções Sociais da Cidade: Habitação, Saneamento Básico e Mobilidade
Urbana. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris.p.15.

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385
Estudos de Direito do Saneamento

Esse novo modelo, fundado na gestão compartilhada do exercício


do poder público entre o Estado, sociedade civil e mercado, impôs,
no âmbito do saneamento básico, assim como nos demais setores
regulados, o desafio de se criar um novo paradigma regulatório e
institucional com base na participação ativa da sociedade civil. ”29

Neste sentido, (Leal 2003)30 afirma que a comissão europeia evidencia


a tendência à ampliação da governança participativa, quando procura de-
finir e regulamentar aquilo que designa por serviços de interesse geral e
que visa atingir objetivos de serviço público no seio dos mercados abertos
e concorrenciais (livro branco). Estes serviços abrangem serviços de inte-
resse econômico e não econômico (energia, serviços postais, transporte
e telecomunicações, saúde, educação, serviços sociais) e a este propósito
pode se ler no livro verde sobre os serviços gerais (comissão das comu-
nidades Europeias, 2003 p.3), o qual esteve recentemente em discussão:

Os serviços de interesse geral encontram-se no cerne do debati


político. Com efeito eles dizem respeito à questão central do pa-
pel desempenhado pelas autoridades públicas numa economia
de mercado, a saber: Por um lado, vigiar pelo bom funcionamen-
to do mercado e pelo respeito das regras de jogo por todos os
atores: por outro, garantir o interesse geral especialmente ao
que se refere à satisfação das necessidades especiais do cidadão
e a preservação dos bens públicos no caso em que o mercado é
incapaz de fazer.

29 MOTA, Carolina Theodoro da Silva. (2005). Gestão Participativa: outro desafio


para o saneamento básico no Brasil. 2005. Acesso em: 16/09/2019. Disponível em
http://www.sbdp.org.br/publication/gestao-participativa-outro-desafio-para-o-sanea-
mento-basico-no-brasil/
30 Leal, Rogério (2003, julho/setembro) A&C Revista de Direito Administrativo &
Constitucional, Belo Horizonte, Ano 1, nº 13 p. 144,165.

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386
No debate acerca da importância da participação social e seus impac-
tos nas políticas públicas, Matos & Serapioni 2017, em análise acerca da
participação popular nos sistemas de saúde nos países do sul da Euro-
pa, concluíram que, embora a legislação preveja a participação cidadã, a
maioria das iniciativas ainda se mostra muito dependente dos impulsos
do poder político regional, sobretudo no caso da Espanha e da Itália.

Para os autores supra:

Reforçar a participação representa uma importante estratégia para


superar o déficit democrático que ainda caracteriza muitos siste-
mas de saúde no Sul da Europa. A necessidade de maior corres-
ponsabilização e o incremento da transparência dos serviços por
meio de mecanismos participativos têm sido enfatizados como
boas práticas a implementar, sobretudo se considerarmos que a in-
corporação de conhecimentos e experiências dos usuários melhora
a qualidade das decisões em saúde e a prestação desses serviços.31

O cenário abordado passa a contar com novos centros de poder po-


lítico que merecem ser considerados no debate referente à moderna
regulação estatal dos serviços públicos de saneamento, dentre eles, os
Grupos de Pressão Social, objeto do próximo tópico.

6. GRUPOS DE PRESSÃO SOCIAL

Na ótica (CANOTILHO) “vivenciamos o pós-modernismo jurídico no


sentido do irrealismo da concepção tradicional, pelo qual o Estado teria

31 Matos, A. R, & Serapioni, M. (2017). O desafio da participação cidadã nos


sistemas de saúde do Sul da Europa: uma revisão da literatura. Acesso em 24/09/2019.
Recuperado de: https://www.scielosp.org/pdf/csp/2017.v33n1/e00066716/pt

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387
Estudos de Direito do Saneamento

o monopólio da regulação jurídica, em desprezo à importância da au-


torregulação das sociedades como núcleos de produção de axiomas. ”32

Já para (REALE 2003), uma das críticas ao Estado Liberal se encerra


“na separação entre o indivíduo e o Estado”, o que acaba por desprezar a
ideia de que “na realidade os modelos jurídicos como estruturas fático-a-
xiológicas-normativas, acham-se imersos no praxismo social. ”33

Para (Leal 2003)34 “apesar de todo o arsenal cívico à disposição da


cidadania brasileira, por vezes é subutilizado, pois a sociedade passa por
uma letargia social, assistindo ao espetáculo da cena política nacional
como mero espectador, fomentado pelo Poder Público ensejando uma
relação artificial e de distanciamento de sua base soberana – o povo”.

Nos fundamentos da teoria da regulação econômica de Stingler, é rele-


vante que as decisões políticas levam em conta o capital político/social dos
diversos grupos sociais envolvidos. Portanto, imprescindível a mobilização
dos usuários e de todos os grupos, cuja ausência de saneamento, reflete de
forma negativa, a fim de que possam vir a ter maior influência na regulação,
de modo a serem devidamente sopesados os seus interesses, em contrapon-
to com os interesses dos detentores de maior capital financeiro e político.

Para (Ribeiro 2013)35, a ideia central do capital social é de que a trans-


formação da sociedade parte do movimento da sociedade civil, do engaja-

32 Canotilho, J.J. Gomes. (Como citado em Aragão, Alexandre Santos de. (2011).
Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. (Capitulo 1
pp.19-37). Rio de Janeiro. Forense.p.22)
33 Reale, Miguel. (2003). Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva.
34 Leal, Rogério (2003, julho/setembro) A&C Revista de Direito Administrativo &
Constitucional, Belo Horizonte, Ano 1, nº 13 p. 144,165).
35 Ribeiro, João Gilberto de Souza. (2013). A regulação dos serviços de saneamento
em casos latino-americanos. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais.

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388
mento dos cidadãos, e não do Estado, citando (Ferrarezi, 2003) “é possível
aos indivíduos apreenderem hábitos de cooperação, solidariedade e espírito
público, construindo confiança social, consciência e participação política.”

Nessa senda, asseverava (JACOBI 1985) que “os problemas de água e


esgoto nunca foram devidamente enfrentados, porque a solução não é
das que aparecem, já que colocar canos debaixo da terra não dá prestigio
para ninguém, nem rende votos. ”36

A narrativa acaba por evidenciar o desequilíbrio representativo exis-


tente, nos processos de planejamento e decisão no setor do saneamen-
to básico, em que a balança passa a pender para o favorecimento dos
grupos detentores da influência política, que, em verdade, são aqueles
que usam o principal bem envolvido na prestação do serviço, qual seja,
a água, em enormes quantidades, não para o consumo primordial pre-
conizado na política de recursos hídricos (Lei nº 9.433/1997), mas para
satisfação de interesses econômicos.

Corroborando a linha do quanto vem sendo exposto, Heller 2018,37


citando (Moraes et al. 2014), elenca a organização social como um dos
obstáculos que originaram o quadro deficitário do saneamento básico
no país. Neste arrazoado, o autor reproduzindo artigo de sua autoria no
ano anterior, faz alguns apontamentos considerados como essenciais na
reforma setorial do saneamento:

“ 5- A ampliação de estudos e debates públicos sobre modelos de


tarifas sociais e de outros mecanismos para assegurar a acessi-
bilidade financeira das populações em situação mais vulnerável.

36 Jacobi, J. U. F. (1985 como citado em Ribas, M. A. P. T. (2016). A Escola e o Sanea-


mento – Mobilização para melhores condições de saneamento básico. São Paulo. p.25.)
37 Heller, Léo et al. (2018). Saneamento como política pública: um olhar a partir
dos desafios do SUS (Capítulo 4 – Saneamento no Brasil: outro mundo é possível e desejá-
vel), rio de janeiro, RJ: Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.

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389
Estudos de Direito do Saneamento

6 - Rever os processos de regulação, incluindo a possibilidade de


associá-la ao controle social.

7- Aprofundar na superação do déficit democrático do setor, res-


gatando o papel do Conselho das Cidades e a realização das con-
ferências das cidades, inclusive sua capilarização para estados e
municípios, bem como na adoção de novas formas de participação
e de criação de ambiente de democracia substantiva no setor.”

Com efeito, revela-se a necessidade de uma maior organização da


sociedade em torno das pautas atinentes ao saneamento básico, confi-
gurando-se novos grupos de pressão, para proporcionarem um equilíbrio
efetivo, tanto na tomada de decisões quanto para contribuírem como
ferramenta útil à regulação setorial.

Não obstante o exposto, há algumas dificuldades para efetivação des-


te engajamento e serão objeto de análise na sequência.

7. CONSIDERAÇÕES E OBSTÁCULOS À CIDADANIZAÇÃO NO SANEAMENTO

Com a crise hídrica à espreita, sendo elevada ao nível de problemá-


tica mundial, compele-se a busca de soluções jurídicas que contribuam
para a resolução de problemas sociais gerados como consequência, es-
pecialmente dos impactos que a falta ou ineficiência do saneamento bá-
sico acarretam na saúde e qualidade de vida.

O Direito, como um produto histórico cultural, que está em contínua


evolução, não pode desprezar os complexos fatores sociais históricos e
culturais envolvidos na formação do Estado brasileiro, assim como os im-
pactos no desenvolvimento da política do saneamento básico.

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390
Ao analisar a cidadania brasileira, (MARTINS et al., 2008 apud Reis et
al. 2017) verificou a “existência de grande parcela da população à mar-
gem da comunidade política e consequentemente alheia aos processos
de tomada de decisão. ”38

Desta forma, a evolução do Brasil como nação coesa, depõe contra


uma efetiva cidadanização do povo, consequência em muito das desi-
gualdades sociais e regionais que desde a colonização assolam a pátria,
culminando em um lento desenvolvimento do pensamento crítico co-
letivo. Em consequência a ausência de um pensamento crítico é motor
combustível de sociedades individualistas, que acabam por esquecer que
o serviço público tem dono, afinal, o bem é do povo.

A mesma questão já foi enfrentada por outros países, conforme se


infere, quando, em 1979, Medisson Pirier, Ministro do Reino Unido, na
Gestão Margaret Thatcher, chamava a atenção ao fato de que, ao se afir-
mar que os equipamentos do setor público pertencerem à sociedade,
tornava-os de fato, propriedade de ninguém.39

Para (STINGLER 1971)40, “O processo decisório democrático deve


envolver toda a comunidade, não simplesmente aqueles que estão di-
retamente preocupados com a decisão. (...). Todavia, o sistema político
não oferece bons incentivos para aquisição de conhecimento como os
oferecidos pelo mercado. ”

38 Reis, Marli. Lucilla, Pedro Roberto. Gavioli, Olivia. (2017) - Participação Social
como Chave para a Universalização Do Saneamento. Congresso ABES FENASAN 2017.
Recuperado de: https://www.saneamentobasico.com.br/participacao-universalizacao-sa-
neamento/. Acesso em 10/09/2019.
39 Leal, Rogério (2003, julho/setembro) A&C Revista de Direito Administrativo &
Constitucional, Belo Horizonte, Ano 1, nº 13 p. 144,165.
40 Stingler, Georg. (1971) Teoria da Regulação Econômica. In: Mattos, Paulo Todescan
Lessa. (2017). Regulação Econômica e Democracia: O Debate norte Americano. Editora 34.

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391
Estudos de Direito do Saneamento

Desta forma, o eleitor/cidadão sempre irá ponderar o custo indivi-


dual de seu engajamento social, só se dispondo a aprender os aspectos
essenciais das propostas políticas na área do saneamento e expressando
conscientemente sua preferência, se considerar tal conduta como vanta-
josa para si individualmente.

Para (Marchi & Mendes 2018)41, a participação não deve ser passiva:
necessário se faz ter informações, comunicar, argumentar, participar, e,
não menos importante, ter os recursos necessários para se fazer ouvir.

Uma vez que “ o processo político não admite a participação de cada


um na proporção do seu interesse e conhecimento”42, o que infelizmente
ainda ocorre é que os gestores públicos e políticos, principalmente nos
pequenos e longínquos municípios brasileiros, não precisam se esforçar
muito para a obtenção destes votos econômicos, basta reduzir os preços
das tarifas dos serviços de saneamento, aplicando as denominadas “tari-
fas eleitoreiras.” Esta pseudo vantagem é aceita por aquela coletividade,
que agradece com votos e o processo decisório se encerra aí.

Ocorre que tal prática se traduz em verdadeiro prejuízo, pois na maior


parte das vezes, tais tarifas serão insuficientes para manter a operação e
manutenção dos serviços, inviabilizando por completo o investimento em
melhorias e ampliação do sistema, o que pode, em última instância, até invi-
abilizar a operação e manutenção das infraestruturas de saneamento básico.

Urge, portanto, que se acrescente o empoderamento social à já


complexa pletora de mecanismos necessários à universalização do sa-

41 Marchi, Cristina Maria Dacach Fernandez & Mendes, Vera Lucia Peixoto Santos
(2018 jan/abr). Gestão do saneamento básico: Democracia representativa e participação so-
cial em um município da Região Metropolitana de Salvador – Bahia. Revista Brasileira de Ges-
tão e Desenvolvimento Regional. G&DR. v. 14. n. 1. pp. 110-134. Taubaté, SP, Brasil. Recuperado
de: https://www.rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/view/3470. Acesso em 01/09/2019.
42 Stingler, Georg. (1971) Teoria da Regulação Econômica. ...

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392
neamento básico, pois, geralmente, a dificuldade na implementação
das políticas públicas não reside na descoberta do “o que fazer” e sim
na esfera do “como fazer”.

Do ponto de vista mais tradicional, ressalta-se o investimento na re-


dução do Custo Individual do Engajamento Social, incentivando a adoção
de práticas sustentáveis, como, por exemplo, a adoção de descontos ta-
rifários progressivos na redução do consumo de água e a instituição de
órgãos de controle social.

De outra banda, revela-se interessante a consideração das alternativas


dispostas na Lei Federal nº 11.079/2004, a qual impõe, a realização das con-
sultas públicas, com antecedência mínima de 30 dias da publicação do edital.

Contudo, para que haja efetividade nesta participação, é inexorável


a simplificação da informação nas comunicações entre concessionários
e usuários em especial quanto aos custos da prestação do serviço e à
qualidade oferecida, de modo a fomentar a aprendizagem social.

Nesta senda, (Di Sarno 2004) destaca “que o diferencial dessas par-
cerias, em contraposição aos contratos administrativos tradicionais de
prestação de serviço público, é que obrigatoriamente deverá haver a par-
ticipação da população na formulação dos objetivos e meios a serem es-
colhidos e executados, seja pelo Poder Público, seja pelo setor privado.43”

Frente às amplas desigualdades de renda existentes no Brasil, tor-


na-se importante relacionar o atrelamento dos índices de eficiência dos
concessionários com a promoção da equidade social. Na ausência de
mecanismos de transferência de renda mais ou menos neutros (como o

43 Di Sarno, Daniela Campos Libório. (2004). Elementos de direito urbanístico.


Barueri: Manole, p 423.

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393
Estudos de Direito do Saneamento

“Imposto de Renda Negativo”), um mecanismo muito usado em países


em desenvolvimento, para permitir que camadas sociais mais pobres te-
nham acesso a bens e serviços básicos, são as chamadas “tarifas sociais”.

Estas baseiam-se nas situações nas quais consumidores de baixa e


de alta renda têm demandas distintas, sendo definidos critérios para se-
pará-las. Assim, por exemplo, ao se fixar uma determinada faixa de con-
sumo, abaixo da qual só existam consumidores de baixa renda, pode-se
prever que os mesmos serão subsidiados por tarifas pagas pelos demais.
Nesse ponto, resta demonstrado a relevância da difusão do conceito e
informação sobre a solidariedade social.

Dito de outra forma, (Marques 2005)44 afirma que “o peso desta meta
regulatória é, em certa medida, suportado pelos consumidores efetivos
que, entretanto, almejam tarifas menores. Daí porque em nome da in-
tegração do consumidor potencial, os interesses do consumidor efetivo
podem ser mitigados. Parece um preço justo a se pagar, até mesmo como
corolário na noção de justiça social plasmada na Constituição Federal.”

Em nosso ordenamento, o legislador optou pelo financiamento cus-


teado pelo consumidor do serviço.

Embora representem avanços, algumas das ferramentas de partici-


pação popular e controle social, já enumeradas, merecem ser objeto de
algumas reflexões críticas.

Em primeiro, há que se considerar a dificuldade enfrentada por um


trabalhador usuário dos serviços de saneamento em abandonar seu pos-
to para expressar sua opinião em uma audiência pública, em que ele não
compreende os termos técnicos do debate. Cabe refletir que, quando o

44 Marques, Floriano de Azevedo Neto. (2005 fevereiro/março/abril). A Nova Re-


gulamentação dos Serviços Públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo e Econô-
mico. n.01. p.16. Salvador Bahia

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394
Estado deseja a participação social, fornece todos os meios para a sua
consecução, a exemplo da convocação para o Tribunal do Júri, que ocorre
por sorteio, e o jurado, se empregado, está dispensado legalmente de
suas atribuições, sem qualquer ameaça de reprimenda pelo empregador,
haja vista que a atuação é considerada como relevante serviço à nação.

Ademais, no contexto das concessões já mencionadas, ainda que


se tenha a efetiva participação social, as manifestações realizadas pela
população e associações civis não são dotadas de caráter vinculante
para produzirem alterações nas minutas do Edital ou do contrato. Em
verdade, o procedimento de consulta pública mostra-se muito mais
destinado à efetivação do princípio da publicidade na Administração
Pública, tornando-se públicas as escolhas dos gestores municipais em
torno de uma política urbana já modelada do que para a efetivação da
gestão democrática.

Os órgãos de controle social, apenas são dotados de atribuição con-


sultiva, mas ainda sim devem ser vistos como um avanço. Contudo, a re-
gra geral, não se dignou a impor critérios objetivos para o preenchimento
das vagas destinadas às organizações sociais e aos representantes dos
usuários, o que acarreta em escolhas subjetivas amparadas por vezes,
como já asseverado, em interesses não tão legítimos.

Nas palavras de Melo e Nahum, “a sociedade precisa estar preparada


para atuar nos processos decisórios, em órgãos colegiados, pois a assi-
metria de informações, a falta de transparência e o déficit de democracia
na área de saneamento no Brasil são constatações reais.45 ”

45 Melo, Glenda Barbosa de. Nahum, Tânia. Estudo sobre regulação de serviços
públicos municipais de saneamento básico.p.23. Recuperado em 01/08/2019 de: http://
www.ufrgs.br/planomsb/biblioteca/estudo_regulacao_ASSEMAE.pdf

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395
Estudos de Direito do Saneamento

Desta forma, cabe ao Poder Público “estimular o exercício da cida-


dania promovendo mecanismos de participação e controle efetivos, a
participação paritária em órgãos colegiados, devendo garantir o apoio
administrativo e técnico aos colegiados, contribuindo com a capacitação
contínua e permanente de seus membros na construção de um novo
paradigma de participação e controle social. ”46

Outro ponto que merece destaque são as acepções extremamente


conservadoras e tradicionalistas adotadas pela Administração em algu-
mas ações, as quais precisam ser reformuladas, a fim de que se tornem
mais atrativas para o engajamento da população. Cita-se, como exemplo
destes mecanismos arcaicos, a distribuição de panfletos, nos quais se
observa o formalismo e/ou tecnicismo na transmissão das informações,
gerando o desinteresse do destinatário. Mais promissor se mostra a ado-
ção de outras medidas como aquelas advindas da iniciativa privada, que
para atrair os seus consumidores, utiliza a música, faz a divulgação de
informações agregadas em brindes uteis, como calendários, nos quais
são expostas cenas impactantes da seca ou enchentes, distribuição de
lixeiras bipartidas em lixo orgânico e lixo seco etc.

Importante reconhecer a importância da mobilização em escala, para


a difusão e apropriação de conhecimento pela coletividade. Nesse con-
texto, há que se considerar a utilização da exposição pública como ferra-
menta para a sensibilização da sociedade face à trivialização de questões
tão relevantes como o saneamento ou sua ausência no Brasil. Embora
se exija uma maior elaboração para o desenvolvimento de tais ações, os
potenciais retornos traduzem-se em ganhos exponenciais.

46 Melo, Glenda Barbosa de. Nahum, Tânia. Estudo sobre regulação de serviços
públicos municipais de saneamento básico.p.23. Recuperado em 01/08/2019 de: http://
www.ufrgs.br/planomsb/biblioteca/estudo_regulacao_ASSEMAE.pdf

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396
Como paradigma, de significação jurídica de saberes da sociedade
civil, expõe-se a inclusão na Constituição do Equador de 2008, nos arti-
gos 71 a 74, do reconhecimento expresso dos “Direitos da Natureza” na
expressão popular andina (Pachamama)47, uma ação de conscientização
diretamente decorrente deste avanço foi a produção pelo diretor “Didier
Brunner,” já indicado ao Oscar e vencedor do BAFTA, do filme de ani-
mação Pachamama, indicado ao prêmio de cinema César, direcionado a
sensibilizar a sociedade quanto aos direitos da natureza.

Porém, não se pode apontar a ausência de coesão coletiva e cidadã,


como única responsável pela baixa efetividade da participação social na
busca por soluções para a universalização do acesso ao saneamento bási-
co, assim como a fraca contribuição nas ações que exigem obrigações dos
usuários, para a concretização da coleta seletiva dos resíduos sólidos ur-
banos ou para a manutenção das estruturas de drenagem pluvial desobs-
truídas. Outros atores também contribuem para intensificar tais situações.

Nesta senda, considera-se que não passam incólumes pela naturali-


zação das dificuldades atreladas à ausência do saneamento, as “autorida-
des” do setor, incluindo os gestores, estudiosos, especialistas, dirigentes
de concessionárias, congressistas, reguladores, representantes de or-
ganizações nacionais e internacionais ligadas ao tema, haja vista que o
compromisso e o engajamento não podem ser intensificados de dentro
do paço é preciso vivência.

Ao amparar-se na liberdade de cátedra, o presente arrazoado, pede


vênia para um distanciamento dos métodos usuais da retórica da elabora-
ção de tratados eruditos, para uma breve significação prática da matéria.

47 Moraes, Germana de Oliveira. (2013). O Constitucionalismo Egocêntrico na


América Latina, O Bem Viver e a Nova Visão das Águas. R. Fac. Dir. Fortaleza. v. 34. N.1.
pp.123-155.

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397
Estudos de Direito do Saneamento

8. EXPERIÊNCIA EMPÍRICA

Tome-se por exemplo, a situação da escassez da água e o debate acerca


da importância de seu uso consciente, por um determinado grupo de espe-
cialistas e gestores, com elevado conhecimento teórico do tema, contudo,
sem nunca necessitarem economizar tal insumo, a não ser por convicção.

No evento, realizado em algum local pitoresco, os presentes se aco-


modam, e a sua frente são posicionados belos copos, contendo água mi-
neral de alta qualidade e em temperatura refrescante, em coffe-breaks
são ofertados variados refrescos e quitutes. E encontram-se a disposição
do grupo banheiros limpos.

Silva e Naval , 2015 apud Souza, Freitas, 2009,48 asseveram que, em-
bora o saber técnico-científico seja de grande importância, só ele não é
suficiente. A participação é também consequência de um processo de
empoderamento coletivo, a partir do qual indivíduos e comunidade tor-
nam-se aptos a compreender mecanismos e processos (opinar, contribuir,
concordar e discordar) a partir de sua experiência, dos saberes construídos
no cotidiano e das informações que lhes chegam ao conhecimento.

É indiscutível a importância do debate teórico para a busca de soluções


atinentes a problemática de qualquer política pública ou questão social.
Porém, considera-se construtivo e desejável o cultivo de ideias inovadoras,
que podem ter origem em experiências práticas não ortodoxas.

Tal método é muito difundido na indústria de tecnologia da informa-


ção, exemplo disso, é a cultura organizacional, da gigante Google deno-

48 Souza, Freitas, 2009. Como em Silva, Fernanda Cohim Alves. & Naval, Liliana Pena.
(2015 jan/março). Contribuições para a construção de estratégias de suporte ao controle
social em ações de saneamento. Ambiente & sociedade, vol. XVIII, núm. 1. pp. 65-80. Asso-
ciação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Campinas SP. Brasil

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398
minada “Google Stylle, ” alcançando excelentes resultados, tal modela-
gem se alavanca em características como a liberdade, o respeito as dife-
renças, a criatividade, foco nos resultados e parametrização de avanços.

Desta forma, propõe-se a inovação inclusive no debate, por intermé-


dio da criatividade e empirismo. No contexto proposto inicialmente, o
evento com finalidade de debater soluções para a escassez hídrica, man-
tendo-se os atores, inovando-se no cenário, o local do debate será as
margens de um manancial esgotado, seja pela seca, seja por poluição, a
agua é racionada, disponibilizado apenas o essencial, não há coffe-break,
pois, sem água não há refrescos e nem quitutes. A disposição apenas
banheiros químicos e com água de reuso limitada.

A proposta se justifica, em considerar os impactos do cenário e sua


influência no debate e na busca por soluções inovadoras, bem como re-
fletir na utilidade de simulações para a visualização e aprendizagem cole-
tiva acerca da solidariedade social compulsória.

Nesse sentido, Melo & Nahum49:

“O envolvimento da sociedade com a elaboração dos planos mu-


nicipais de saneamento requer a atenção de cada cidadão e cida-
dã com os problemas vivenciados no dia a dia e o planejamento
para as soluções, estimulando a interação entre os participantes,
a troca de conhecimentos, o surgimento de lideranças, a aproxi-
mação entre o poder público e a sociedade civil e o despertar da
sociedade para o protagonismo na área de saneamento. Os pro-
cessos de elaboração de planos municipais de saneamento pode

49 Melo, Glenda Barbosa de. Nahum, Tânia. Estudo sobre regulação de serviços
públicos municipais de saneamento básico.p.23. Recuperado em 01/08/2019 de: http://
www.ufrgs.br/planomsb/biblioteca/estudo_regulacao_ASSEMAE.pdf

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399
Estudos de Direito do Saneamento

ser o primeiro passo para a criação de órgão/ente regulador com


a participação da sociedade. ”

Em realidade, a consideração da existência de pessoas que vivem cons-


tantemente os impactos da ausência das condições adequadas de sanea-
mento, deveria ser necessária e obrigatória, sendo a estes franqueada a
participação, em todo e qualquer debate sobre o tema, pois em meio a
uma condição degradante, o simples fato de se passar a oferecer acesso
ao saneamento básico não é capaz de per si de tirar a população margina-
lizada, desta condição. Um longo processo de opressão, degradação e ex-
clusão necessita de muito mais que condições técnicas para ser revertido.

Reis et al. 2017 prescreve que a libertação desta condição opressora


depende do empoderamento desses atores, que precisam estar cientes
da sua condição, das consequências e da necessidade de mudança. A
transformação da realidade dos oprimidos reclama uma teoria da ação
transformadora, que lhes confere um papel fundamental no processo.50

Os autores concluíram que a participação social é fundamental para


a efetivação de mudanças, e ainda que a realidade a qual as pessoas
estão inseridas define qual a sua condição de ação e reação, pois ques-
tões como a leitura que as pessoas fazem do local onde moram e do que
ocorre no seu entorno são decisivos neste processo.51

50 Reis, Marli. Lucilla, Pedro Roberto. Gavioli, Olivia. (2017) - Participação Social
como Chave para a Universalização Do Saneamento. Congresso ABES FENASAN 2017.
Recuperado de: https://www.saneamentobasico.com.br/participacao-universalizacao-sa-
neamento/. Acesso em 10/09/2019.
51 Reis, Marli. Lucilla, Pedro Roberto. Gavioli, Olivia. (2017) - Participação Social
como Chave para a Universalização Do Saneamento. Congresso ABES FENASAN 2017.
Recuperado de: https://www.saneamentobasico.com.br/participacao-universalizacao-sa-
neamento/. Acesso em 10/09/2019.

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400
Se a comunidade não se reconhece como agentes de transformação,
ou não lhes for fomentado o sentimento de pertencimento social, não
terão à disposição necessária em participar das mudanças necessárias ou
a plena consciência de sua importância. E nenhum processo de mudan-
ça efetivo pode ser desenvolvido sem esta participação, de forma que a
implementação pura e simples das medidas sanitárias, não alcançará a
eficácia pretendida

9. ASPECTOS PROPOSITIVOS

É certo que a realidade desnuda uma crise financeira de grandes pro-


porções atingindo o Governo/Administração, que é compelido a entregar
mais resultados com menos recursos. A conjuntura atual deixa evidente
que o Estado, isoladamente, é incapaz de custear a sonhada universali-
zação do acesso, sendo necessário se aliar com parceiros no mercado
privado onde, segundo os economistas, os recursos se alocam.

Neste sentido, deve ser estimulada a implementação de parcerias


com o setor, como as previstas na Lei nº 13.019/2014 – Marco Regulató-
rio das Organizações Sociais – MROSC, não se revelando mais apropriada
a falsa argumentação quanto ao antagonismo entre interesses do Estado
e da Sociedade Civil, haja vista que a atuação deve ser baseada na com-
plementariedade de ações. Do mesmo modo ocorre com o setor privado,
cuja perseguição de um interesse próprio, não exclui a conjugação de
objetivos com os do Estado.

Neste sentido, convém considerar o incentivo à interação entre grandes


produtores de resíduos como shoppings, condomínios, industrias etc. e o
estímulo ao desenvolvimento das cooperativas de catadores, sendo que,
em relação a este último, no âmbito federal, a União capitaneou em 2014
o Programa Cataforte, destinado a capacitar e aparelhar tais cooperativas.

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401
Estudos de Direito do Saneamento

Mais adequado se mostraria se, no programa mencionado, tivesse


sido transferido o ônus financeiro do aparelhamento das cooperativas
para os grandes produtores de resíduos, ficando a União com a incum-
bência de promover a capacitação dos catadores, assim como interme-
diando seu contato e interação com aqueles. Nesta proposição, a Admi-
nistração arregimentaria as cooperativas, constituindo-as formalmente
e, a partir do seu empoderamento advindo da transferência de conheci-
mento e capacitação, poderiam ser convocados os interessados do setor
privado ao seu fomento, que poderia se dar mediante o fornecimento de
caminhões, galpões, equipamentos de triagem.

A viabilidade de tal proposta está na conjugação dos interesses, vez


que a obrigação legal dos grandes produtores de destinação adequada
aos resíduos produzidos poderia ser cumprida através das cooperativas
de catadores, as quais, por sua vez, dependem do aumento da quantida-
de de material reciclável coletado para melhoria da renda dos coopera-
dos. Neste contexto, a Administração tem interesse em promover esta
intermediação, o que contribuirá para o desenvolvimento da política de
saneamento focada na coleta seletiva de resíduos sólidos.

Do mesmo modo, para fomento da participação popular, a Educação em Saú-


de Ambiental revela-se como precioso instrumento, sendo conceituada como:

“Conjunto de pratica pedagógicas e sociais, de conteúdo técnico,


político e cientifico que no contexto da saúde ambiental e do sa-
neamento deve ser desenvolvida de forma permanente e continua
favorecendo relações mais dialógicas entre sujeitos de instituições
públicas e privadas e a coletividade para a construção e valores,
sabores, conhecimentos e práticas voltas à promoção a saúde e
ações cada vez mais sustentáveis da sociedade humana.”52

52 Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. 2015. Manual de Sanea-


mento. 4ª ed. Brasília pp. 623-629.

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402
Para a Fundação Nacional de Saúde, órgão responsável pela concreti-
zação das ações de educação em saúde ambiental, a riqueza do processo
reside na criação coletiva de soluções e estratégias pautadas em princípi-
os sólidos, democráticos, e contextualizados à realidade locais.

Entre os caminhos para fomentar a participação social, na busca


pela universalização do saneamento, constitui em valorizar os espa-
ços de agregação natural para que possa fomentar o associativismo e
a criação de um projeto comum nas localidades. Com isso, é possível
também contornar o desinteresse da comunidade pelos Conselhos.53
Assim, as intervenções educativas devem levar em consideração as
condicionantes e os determinantes sociais da saúde da comunidade
onde serão implementadas tais ações.

Vislumbra-se a oportunidade de mobilizar a nova geração, pois estu-


dos e pesquisas validam a teoria de que crianças são mais receptivas às
informações e às mudanças de comportamento, além de serem excelen-
tes multiplicadores de conhecimento. Em tal cenário, uma proposição
baseada em desenvolvimento de material didático lúdico para distribui-
ção em escolas, acrescida de peças teatrais voltadas ao público infantil
com foco no uso consciente da água e na separação do lixo doméstico,
pode se mostrar mais eficaz que caminhadas ecológicas.

No caso da Educação, é por bem ressaltar que tal política pública não en-
cerra um fim em si mesma, mas se trata, antes de tudo, de um instrumento
para o entendimento, transformação e avanço de toda e qualquer área.

53 Reis, Marli. Lucilla, Pedro Roberto. Gavioli, Olivia. (2017) - Participação Social
como Chave para a Universalização Do Saneamento. Congresso ABES FENASAN 2017.
Recuperado de: https://www.saneamentobasico.com.br/participacao-universalizacao-sa-
neamento/. Acesso em 10/09/2019.

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Estudos de Direito do Saneamento

Silva e Naval 201554 questionam o papel da educação no exercício


do controle social nas políticas públicas, vez que é dada ao indivíduo a
responsabilidade de conhecer as leis sem, contudo, criar condições para
que isso ocorra. Resta necessária a construção de processos educativos
quanto às políticas públicas que favoreçam a reflexão sobre os direitos e
deveres dos cidadãos.

A implementação de pequenas melhorias em ações já implementadas


pode desencadear grandes avanços. Assim, em projetos tradicionais, como
ocorre em relação aos promovidos pela Fundação Nacional de Saúde e Mi-
nistério da Cidades, na implantação de melhorias sanitárias domiciliares,
poderiam ser agregadas outras utilidades, como uma solução de reuso da
água do chuveiro, lavatório e pia, para a descarga do vaso sanitário.

Pode-se ainda utilizar a cooperação de outras entidades públicas,


como por exemplo os agentes comunitários de saúde para, fornecerem
às famílias de baixa renda lixeiras que possibilitem a separação do lixo
seco e orgânico, promovendo, desta maneira, a conscientização de sua
importância e trazendo impactos positivos na saúde.

Como última sugestão, considerando o atual fascínio que a tecnologia


exerce sobre a população, especialmente o público jovem, muito útil po-
deria ser o desenvolvimento de um jogo eletrônico, em que cada pessoa
pudesse assumir um “Avatar” customizado que interaja com outros usuári-
os e tenha que completar missões relacionadas, ao entendimento do ciclo
completo da água, seu uso consciente, reciclagem e disposição adequada
de resíduos, com riscos e penalizações a comportamentos indesejados

54 Silva, Fernanda Cohim Alves. & Naval, Liliana Pena. (2015 jan/março). Contri-
buições para a construção de estratégias de suporte ao controle social em ações de sa-
neamento. Ambiente & sociedade, vol. XVIII, núm. 1. pp. 65-80. Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Campinas SP. Brasil

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404
como jogar lixo nas vias que podem entupir bueiros, pode se adicionar
diversas variações que levem em consideração cenários pessimistas do es-
gotamento dos recursos como Guerra pela Água, Missão no Deserto.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho intentou demonstrar a importância da democra-


tização do debate, visando ao planejamento e à formulação da política
pública de saneamento básico, especificamente no instituto da regula-
ção, que se constitui em ferramenta imprescindível para a promoção dos
avanços que o setor necessita.

Ressaltou-se a importância da compreensão da distinção entre con-


trole social e participação popular, bem como se concluiu pela imperiosa
necessidade de dar-lhes efetividade para o avanço da política pública e
dos serviços públicos de saneamento básico.

Em um cenário tão complexo como o da universalização do saneamen-


to básico, em que está envolvida uma pluralidade de atores, interagindo de
acordo com seus interesses e estratégias, a regulação deve consistir não
apenas na produção de regras, mas em processo construtivo, com mo-
delos que possam ser adaptáveis à realidade a que se dispõe normatizar.

A regulação não pode desprezar seu aspecto social e a interação en-


tre Estado, prestador e sociedade, por intermédio do controle social e da
participação popular.

Neste contexto, restou comprovado que os processos democráticos


de regulação têm grande influência sobre a efetividade e o desenvolvi-
mento da política pública e os resultados entregues à próxima geração.

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405
Estudos de Direito do Saneamento

A regulação deve se prestar à busca de modelos intermediários entre o


Estado social e o Estado liberal, tolhendo os eventuais excessos do libe-
ralismo, sem desprezar as vantagens da colaboração entre o Estado e o
mercado, efetivada nos mais diversos arranjos.

Destarte, a ampliação, o fomento e o aperfeiçoamento de mecanis-


mos de participação popular, na regulação, podem representar um avan-
ço para que os interesses econômicos privados envolvidos na prestação
dos serviços de saneamento básico não prevaleçam e se sobreponham
aos interesses públicos e coletivos, mas sim coexistam em equilíbrio.

Portanto, quanto maior a participação pública, maior será a legitimi-


dade da regulamentação estatal ou não estatal. O implemento da demo-
cratização no saneamento básico “trata-se de um esforço em transfor-
mar todos os envolvidos com Saúde Pública em cidadãos capazes de agir,
executar tarefas institucionalmente definidas, usufruir de direitos. ”55

Apresentaram-se também algumas reflexões críticas sobre o tema,


nas quais se evidenciam que a ausência de uma aprendizagem social,
leva ao baixo engajamento coletivo, gerando falta de ação e letargia no
exercício da cidadania participativa.

Sob lentes macroscópicas, pode-se concluir que a universalização do


acesso ao saneamento básico perpassa pela interação dos diversos ato-
res do setor, tendo a regulação papel de destaque. Faz-se necessária a
contribuição do setor privado, assim como seja assumido o protagonis-
mo social da sociedade na busca e implementação de soluções.

55 Reis et al. 2017 citando, Machado, Soares, 2015. Participação Social como Cha-
ve para a Universalização Do Saneamento. Congresso ABES FENASAN 2017. Recuperado
de: https://www.saneamentobasico.com.br/participacao-universalizacao-saneamento/.
Acesso em 10/09/2019.

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406
Por último, foram apresentadas algumas propostas, originadas da
participação no curso de extensão, como reflexo de que a capacitação,
conduz ao pensamento crítico e inovador.

BIBLIOGRAFIA

Aragão, Alexandre Santos de. (2011). Agências Reguladoras e a Evo-


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412
Consórcio Público:
Instrumento de cooperação
federativa das políticas públicas
de saneamento básico
FATIMA REGINA RIBEIRO1
o1

Resumo

O artigo trata da visão geral da constituição do consórcio público, ele-


mento que pode ser útil como instrumento de cooperação federativa no
cumprimento das políticas públicas de saneamento básico. No Brasil, a
lei n.º 11.445/2007, juntamente com a lei n.º 11.107/2005 garantem a
segurança jurídica, que viabiliza a estruturação dos consórcios públicos.
A Lei Nacional de Saneamento, que estabelece as diretrizes nacionais
para o saneamento básico, faz menção expressa aos consórcios públicos,
formulando também um conceito de gestão associada, e ao tratar da ti-
tularidade dos serviços públicos de saneamento básico, dispõe que esses
titulares poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a
prestação desses serviços. Quando menciona a prestação regionalizada,
a lei dispõe que a prestação regionalizada de serviços públicos de sane-

1 AGU/ PGF/ Procuradoria Federal Especializada, Fundação Nacional de Saúde.


Rua Coelho e Castro, n.º 6, 10.º andar – Bairro Saúde, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. Cep.: 20081-
060. E-mail: fatima.ribeiro@funasa.gov.br.

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413
Estudos de Direito do Saneamento

amento básico é caracterizada pelo único prestador do serviço, consti-


tuído por vários municípios – contíguos ou não – e pela uniformidade de
fiscalização e regulação dos serviços, inclusive sua remuneração.

Palavras-chave: Saneamento básico. Consórcio público. Federalismo


cooperativo. Protocolo de intenções. Peculiaridades.

Abstract

The article deals with the general view of the constitution of the public
consortium, an element that can be useful as an instrument of federative
cooperation in the fulfillment of public sanitation policies. In Brazil, Law
No. 11,445 / 2007, together with Law No. 11,107 / 2005 guarantee legal
certainty, which enables the structuring of public consortia. The National
Sanitation Law, which establishes national guidelines for basic sanitation,
makes explicit mention of public consortia, also formulating an associa-
ted management concept, and when dealing with the ownership of pu-
blic basic sanitation services, provides that these holders may delegate
the organization, regulation, supervision and provision of such services.
When mentioning the regionalized provision, the law provides that the
regionalized provision of public sanitation services is characterized by the
sole service provider, consisting of several municipalities, contiguous or
not, and the uniformity of supervision and regulation of services, inclu-
ding their remuneration

Keywords: Sanitation. Public consortium. Cooperative federalism.


Protocol of intent. Peculiarities.

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414
Sumário
1. Introdução; 2. Constituição dos consórcios públicos; 2.1. Proto-
colo de intenções; 2.2. Normas de regulação dos consórcios pú-
blicos; 2.3. Alteração e extinção do contrato de consórcio público;
2.4. Finalidade do consórcio público; 2.5. Assembleia geral; 2.6.
Realização da assembleia de instalação; 2.7. Estatuto dos consór-
cios públicos; 2.8. Contrato de rateio; 2.9 Recursos financeiros;
2.10. Quadro de pessoal do consórcio público; 2.11. Constituição
do patrimônio do consórcio público; 2.12. Regime das licitações e
dos contratos; 2.13. Regime das receitas; 2.14. Regime contábil-
patrimonial dos consórcios públicos; 2.15. Operações de crédito;
3. Considerações finais.

1. INTRODUÇÃO

O artigo 241.º da Constituição da República de 1988, na redação


dada pela emenda constitucional n.º 19/19982, autoriza a formalização
de consórcios públicos e convênios de cooperação para a implantação da
gestão associada de serviços públicos, in verbis: “A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórci-
os públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, au-
torizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transfe-
rência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos. Nesse contexto, a lei n.º 11.107,
de 6 de abril de 2005, regulamentada pelo decreto federal n.º 6.017, de
17 de janeiro de 2007, dispôs sobre normas gerais para a União, os Esta-

2 Emenda à Constituição n.º 19/1998, publicada no Diário Oficial [da] República


Federativa da União « doravante “DOU” » de 05.06.1998, pesquisável em: http://www.
planalto.gov.br/.

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415
Estudos de Direito do Saneamento

dos, o Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos


para a realização de objetivos de interesse comum.”

O artigo 2º, I, do decreto federal n.º 6.017/20073 traz o seguinte con-


ceito de consórcio público, in verbis: “Para os fins deste decreto, consi-
deram-se: I – consórcio público: pessoa jurídica formada exclusivamen-
te por entes da Federação, na forma da lei n.º 11.107, de 2005, para
estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de
objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com
personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como
pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos.” Assim, pode-se
dizer que os consórcios públicos são parcerias formadas por dois ou mais
entes da Federação, mediante autorização legislativa, com a finalidade de
propiciar a gestão associada de serviços de interesse comum, principal-
mente nas áreas de saúde, informática e saneamento básico, podendo
ser constituídos como entidade de direito público ou de direito privado.
O consórcio público tem personalidade jurídica distinta daquela das enti-
dades políticas que o constituem. A personalidade jurídica do consórcio
pode ser de direito público, caso em que ele é tratado como associação
pública e integra a administração indireta de todas as entidades políticas
consorciadas, e de direito privado, quando ele é tratado como associação
civil e não integra a administração indireta. Operam sob um regime simi-
lar ao das fundações públicas de direito privado, contratam empregados
segundo as normas da CLT, devem realizar licitações e celebrar contratos
conforme as normas de direito público, devem também prestar contas.

Nos termos do artigo 1.º, § 1.º, da lei n.º 11.107/20054, o consórcio pú-
blico assume a natureza jurídica de associação pública, com personalidade

3 Publicado no DOU de 18.01.2007, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/.


4 Publicada no DOU de 07.04.2005, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/.

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416
jurídica de direito público, ou de associação civil, com personalidade jurídi-
ca de direito privado, de acordo com a conveniência dos entes consorcia-
dos. A relevância da lei n.º 11.107/2005 consiste no fato de que os consór-
cios públicos, seja assumindo forma pública, seja forma privada, ganham
personalidade jurídica, passando, portanto, claramente, a sujeitos de direi-
tos e obrigações. Anote-se que a área territorial de atuação do consórcio
público será estabelecida em razão dos entes federados consorciados.

A propósito, a lei federal n.º 11.107/2005 considera consorciados os


entes federados que subscreverem o protocolo de intenções e celebra-
rem o contrato de consórcio público, sendo possível a participação de
diversos municípios, de um estado e municípios nele contidos, de dois ou
mais estados ou, ainda, de um ou mais estados e o Distrito Federal. Além
disso, nos termos do artigo 1.º, § 2.º, da lei n.º 11.107/2005, “a União
somente participará de consórcios públicos em que também façam par-
te todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios
consorciados.” As empresas estatais, autarquias e fundações não podem
associar-se entre si nem com entidade pública, com vistas a originar um
consórcio público. As entidades públicas não podem consorciar-se livre-
mente. A União pode associar-se com estados e com o Distrito Fede-
ral, mas só pode associar-se com um município se associar-se também
com o estado onde fica o município. Um estado pode associar-se com
seus municípios, com a União ou outro estado, mas não pode associar-
se a municípios de outros estados. O Distrito Federal pode associar-se
livremente com a União, com estados e com municípios. Os municípios
podem associar-se entre si ou com o estado onde está localizado, mas
não pode associar-se com estado diferente da sua localidade. Essa veda-
ção ao consórcio tem por objetivo evitar conflitos federativos, a fim de
impedir que um estado, através de consórcio com um município, possa
interferir no território do outro.

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417
Estudos de Direito do Saneamento

2. CONSTITUIÇÃO DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS

2.1. Protocolo de intenções

A primeira fase da constituição de um consórcio público é a subscri-


ção do protocolo de intenções pelos entes interessados, acordo sobre
as bases do futuro negócio, o qual deverá ser posteriormente publicado
na imprensa oficial e ratificado por lei editada individualmente por seus
subscritores. A ratificação do protocolo de intenções significa a aprova-
ção de uma lei com o exato teor do protocolo de intenções.

Na sequência, haverá a celebração do contrato de consórcio público,


de natureza associativa, para a constituição de uma pessoa jurídica de di-
reito público ou para a instituição de uma pessoa jurídica de direito priva-
do, como se verifica no artigo 6.º da lei federal n.º 11.107/2005, in verbis:

O consórcio público adquirirá personalidade jurídica: I – de direito


público, no caso de constituir associação pública, mediante a vi-
gência das leis de ratificação do protocolo de intenções; II – de di-
reito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação
civil. § 1º O consórcio público com personalidade jurídica de direito
público integra a administração indireta de todos os entes da Fede-
ração consorciados. § 2º No caso de se revestir de personalidade
jurídica de direito privado, o consórcio público observará as nor-
mas de direito público no que concerne à realização de licitação,
celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pes-
soal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

O protocolo de intenções é o documento mais importante do pro-


cesso de constituição de um consórcio público e seu conteúdo é de-
talhadamente fixado pela Lei de Consórcios Públicos (artigo 4.º) e seu
regulamento (artigo 5.º).

Voltar ao índice
418
A escolha do modelo sempre deve ter o cuidado de atender à rea-
lidade local e ao que foi estabelecido no projeto de regionalização da
política pública e deve indicar, no preâmbulo, todos os esclarecimentos
referentes aos pontos mais importantes do projeto de regionalização da
execução de política de saneamento.

O protocolo de intenções deve trazer a definição da estrutura organi-


zacional e competências dos órgãos que o compõem, bem como os crité-
rios e requisitos para a instalação, funcionamento e deliberação destes,
pelo menos no nível previsto na legislação, além de incluir a definição
da estrutura funcional e da política de pessoal, conforme os objetivos e
finalidades e a estrutura organizacional do consórcio, incluindo: o regime
e os empregos públicos a serem criados, o plano de cargos e respectivos
vencimentos, as hipóteses e condições para contratação temporária de
pessoal, as situações e limites para a terceirização de serviços, as con-
dições para a cessão de funcionários do quadro permanente dos entes
consorciados e outros. Deve indicar expressamente o número e os crité-
rios de remuneração dos empregados do consórcio, ou mesmo a gratifi-
cação que pode ser paga aos servidores que forem cedidos ao consórcio
(artigo 4.º, IX, da Lei de Consórcios Públicos). A ratificação do Protocolo
de Intenções efetua-se por meio de lei, na qual o Poder Legislativo de
cada ente consorciado aprova o Protocolo de Intenções, que se transfor-
mará em lei e regerá o consórcio. O projeto de lei de ratificação deve ser
encaminhado ao Poder Legislativo pelo chefe do Poder Executivo.

2.2. Normas de regulação dos consórcios públicos

Dependendo dos objetivos e finalidades do consórcio, ainda na fase de


formulação do protocolo de intenções, devem ser elaboradas as minutas
de normas de regulação ou regulamentos dos serviços que serão prestados

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419
Estudos de Direito do Saneamento

pelo consórcio aos usuários e/ou aos próprios consorciados, que devem ser
submetidas à aprovação da Assembleia Geral de constituição do consórcio.

Na formação do consórcio, é fundamental que todos os consorciados


concordem previamente com o processo de consorciamento.

2.3. Alteração e extinção do contrato de consórcio público

Tanto a alteração, como a extinção de contrato de consórcio público,


dependerão de instrumento aprovado pela assembleia geral, ratificado
mediante lei por todos os entes envolvidos, sem prejuízo das obrigações
inicialmente constituídas, inclusive os contratos de programas. Estes, por
sua vez, são um instrumento que serve não para transferir recursos aos
consórcios, mas para disponibilizar serviços, ele é firmado entre o con-
sórcio e uma das entidades públicas consorciadas para que esta última
preste serviços ao primeiro.

Os serviços podem ser prestados por órgãos da administração direta ou


entidades da administração indireta do ente público, sendo por meio do
contrato de programa que se constitui e regula as obrigações de um ente
da federação ou de entidade de sua administração indireta, com relação
ao consórcio público relacionado aos bens, direitos, encargos e obrigações
decorrentes da gestão associada de serviços, custeadas por tarifas ou outra
espécie de preço público que serão destinadas aos respectivos serviços.

2.4. Finalidade do consórcio público

Na forma do decreto n.º 6.017/2007, artigo 3.º e lei n.º 11.107/2005,


cabe aos entes da federação, determinar os objetivos dos consórcios pú-
blicos, os quais se destinam sempre à prestação de serviços públicos de
interesse em comum e em respeito aos limites constitucionais.

Voltar ao índice
420
Convém destacar que os consórcios públicos podem ter uma ou
mais finalidades e os entes podem se consorciar em relação a todas ou
somente a parte delas.

2.5. Assembleia geral

O consórcio público é uma entidade gerida sob o regime de assem-


bleia geral, cujas decisões são soberanas.

O protocolo de intenções determina quantos votos possui cada ente


da Federação consorciado ou o critério para que se possa conhecer esse
número de votos. Existem modelos em que cada consorciado possui um
voto, porém, é perfeitamente possível outros modelos, que podem levar
em conta a população, o território, as contribuições do ente consorciado
ao consórcio. O limite de que ao menos um voto deve ser assegurado a
qualquer consorciado está previsto no artigo 4.º, § 2.º, parte final, da Lei de
Consórcios Públicos. É no protocolo de intenções que deve estar prevista a
forma de convocação da Assembleia a Geral, qual sua periodicidade, como
se decide a pauta, quais são os quóruns exigidos para sua instalação e para
aprovação de matérias, podendo haver quóruns especiais e, ainda, como
deve se dar o registro e publicidade de suas deliberações. Dependendo de
qual projeto o consórcio tem por objetivo atender, deve ser definido os
seus órgãos internos, podendo haver inclusive diversas instâncias colegia-
das internas, com ou sem participação da sociedade civil.

2.6. Realização da assembleia de instalação

A partir do momento em que o protocolo de intenções é convertido


em contrato de consórcio público, com a criação de uma pessoa jurídica
de direito público interfederativa, torna-se necessário definir a estrutura
de gestão dessa pessoa jurídica, o que ocorre com a convocação e reali-

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421
Estudos de Direito do Saneamento

zação da primeira assembleia geral do consórcio, geralmente designada


como assembleia de instalação do consórcio.

É na assembleia geral que será definida a organização do consórcio,


a estrutura administrativa, os cargos, as funções, as atribuições e com-
petências, forma de eleição, de organização e demais regras para sua
funcionalidade. Cada ente da Federação é membro da assembleia geral,
com direito a voz e voto.

2.7. Estatuto dos consórcios públicos

No caso dos consórcios públicos, o principal ato de constituição é o


contrato de consórcio público, sendo os estatutos, atos que apenas re-
gulamentam este primeiro ato. Não cabem aos estatutos repetir o que
já está consignado no contrato de consórcio público, sendo o seu papel
apenas o de completá-lo ou detalhá-lo.

Normalmente são definidos no Estatuto: a) competências e funcio-


namento dos órgãos colegiados de direção (Assembleia Geral, Diretoria
Executiva, Conselho Fiscal, Conselho de Regulação); b) representação e
direito de voto dos entes consorciados, assegurado pelo menos um voto
para cada ente associado; c) organização, estrutura, competências e fun-
cionamento do órgão executivo responsável pelas atividades de gestão
administrativa, econômico-financeira e técnico-operacional previstas
nos objetivos e finalidades do consórcio; d) contrato de rateio e respon-
sabilidades e contribuições financeiras dos consorciados; e) política de
pessoal, incluindo definição do quadro de funcionários, plano de cargos
e remunerações; f) procedimentos para licitações de bens e serviços,
celebração de contratos e convênios; g) procedimentos e formalidades
para alterações estatutárias; h) patrimônio, receitas e contabilidade; i)
normas de regulação dos serviços; j) hipóteses de alteração e extinção do
Contrato de Consórcio e destinação do seu patrimônio.

Voltar ao índice
422
Com relação aos empregados públicos do consórcio público, os es-
tatutos poderão dispor sobre o exercício do poder disciplinar e regula-
mentar as atribuições administrativas, hierarquia, avaliação de eficiência,
lotação, jornada de trabalho e denominação dos cargos.

2.8. Contrato de rateio

De acordo com o disposto no artigo 8.º, § 1.º, da lei n.º 11107/05,


o contrato de rateio é um contrato celebrado pelos entes políticos, em
sede de um contrato de consórcio público, visando que os recursos ad-
quiridos com a prestação do serviço público, objeto do consórcio, seja ra-
teado entre os entes públicos consorciados.

Na fase preliminar de constituição do consórcio deve ser elaborada a mi-


nuta do contrato de rateio – requisito necessário para que haja qualquer re-
passe de recursos entre as partes. Nele deve estar estabelecido os encargos
devidos pelos entes consorciados ao consórcio, sendo tais encargos relativos
aos custos iniciais de constituição do consórcio (custeio e investimentos).

Os critérios de rateio poderão ser variáveis em razão da participação


ou fruição de cada ente consorciado na atividade, serviço ou obra, da po-
pulação beneficiária, das condições de prestação dos serviços, dos níveis
de subsídios aos usuários dos serviços admitidos pelo ente consorciado.

2.9. Recursos financeiros

Os recursos financeiros dos consórcios públicos têm origem nas enti-


dades públicas consorciadas, as quais transferem esses recursos através
de contrato de rateio. O contrato de rateio é usado pelos entes consorci-
ados que se comprometem a aportar os recursos financeiros necessários
para as despesas do consórcio público.

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423
Estudos de Direito do Saneamento

2.10. Quadro de pessoal do consórcio público

O consórcio público, por sua natureza, possui duas espécies de quadro


de pessoal: (i) o pessoal cedido ao consórcio; e (ii) o pessoal do quadro
próprio do consórcio. Como, em geral, o consórcio público atua em áreas
nas quais os municípios consorciados já atuavam isoladamente, é bastante
comum que muitos servidores municipais sejam cedidos ao consórcio.

As atividades do consórcio poderão, portanto, ser executadas por


servidores públicos dos entes consorciados com vínculo efetivo, cedi-
dos temporariamente por pessoal contratado por tempo determinado
ou por empregados pertencentes ao quadro do consórcio, observado o
seguinte: I. O pessoal do consórcio será regido pela legislação trabalhis-
ta – CLT; II. Os servidores cedidos permanecerão no seu regime originá-
rio, celetista ou estatutário, não se estabelecendo vínculo funcional ou
trabalhista com o consórcio.

2.11. Constituição do patrimônio do consórcio público

Constituem patrimônio do consórcio: I. Bens móveis e imóveis; II. Re-


cursos financeiros, sendo estes: a) os oriundos de seus consorciados, nos
termos do Contrato de Consórcio Público, inclusive os que se referem à
remuneração por serviços prestados; b) as taxas ou tarifas cobradas pela
prestação de serviços aos usuários; c) os auxílios, convênios, contribui-
ções e subvenções concedidas por entes, entidades e órgãos públicos; d)
a renda do patrimônio; e) o saldo do exercício financeiro; f) as doações
e legados; g) o produto da alienação de bens; h) o produto de operações
de crédito; i) as rendas eventuais, inclusive as resultantes de depósitos e
de aplicações de capitais; III. Títulos diversos.

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424
O patrimônio do consórcio público divide-se em duas espécies: (i)
patrimônio de ente consorciado sob a gestão do consórcio público; e (ii)
patrimônio do próprio consórcio público.

Caso haja transmissão de propriedade, este bem integra o patrimônio


do consórcio, inclusive na hipótese de o ente consorciado que o alienou
ao consórcio, onerosa ou gratuitamente, deixar de integrar o consórcio,
salvo se houver disposição em contrário no ato de alienação. Caso se
trate de bens vinculados e essenciais para que o ente da Federação que
se retira do consórcio possa exercer sua titularidade de determinado ser-
viço público, tais bens deverão a ele ser revertidos.

2.12. Regime das licitações e dos contratos

As licitações e os contratos do consórcio público atenderão ao regime


jurídico público, ou seja, obedecerão ao disposto na lei n.º 8.6665, de 1993,
ou, nas leis n.º 8.9876, de 1995 (Lei de Concessões e Permissões de Ser-
viços Públicos), e n.º 11.0797, de 2004 (Lei de Parcerias Público-Privadas).

Em se tratando de consórcios públicos, os limites estabelecidos


para as diversas modalidades licitatórias e, consequentemente, para
as licitações dispensáveis, têm aplicação distinta da regra geral, em
face dos limites gerais, isto a teor das alterações promovidas na lei n.º
8.666/93, e que foram trazidas pela lei n.º 11.107/2005 (Lei dos Con-
sórcios Públicos). A lei n.º 8.666, de 1993 (Lei de Licitações) artigo 23.º
dispõe: “§ 8.º: No caso de consórcios públicos, aplicar-se-ão o dobro dos
valores mencionados no caput deste artigo quando formado por até 3

5 Publicada no DOU de 22.06.1993, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/.


6 Publicada no DOU de 14.02.1995, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/.
7 Publicada no DOU de 31.12.2004, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/.

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425
Estudos de Direito do Saneamento

(três) entes da Federação, e o triplo, quando formado por maior número;


Artigo 24.º - Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II
deste artigo serão 20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços
contratados por consórcios públicos, sociedades de economia mista, em-
presa pública e por autarquia ou fundação qualificadas na forma da lei
como agências executivas [...].”

No regime de contratações dos consórcios públicos existe a hipótese


de órgão ou entidade de consorciado poder contratar o consórcio públi-
co na execução de serviços ou no fornecimento de bens sem licitação
– ou, como afirma a Lei de Consórcios Públicos, “para o cumprimento
de seus objetivos, o consórcio público poderá [...] ser contratado pela
administração direta ou indireta dos entes da Federação consorciados,
dispensada a licitação.” (artigo 2.º, § 1.º, III). Trata-se de um contrato em
que a Administração contrata a si mesma, porque coexistem, na relação
contratual, a Administração Direta e a Administração Indireta, o que jus-
tifica amplamente a dispensa de licitação.

Mas deve ser observado se os preços praticados estão realmente


compatíveis com os de mercado, para não gerar subsídio não contabi-
lizado do consórcio ao ente consorciado ou, então, transferência e não
pagamento do ente consorciado ao consórcio. Essa maneira de contrata-
ção é a principal forma de financiamento do consórcio, é por meio dela
que ele pode fornecer serviços e ser remunerado, a preços de mercado,
por sua atividade.

Sendo o consórcio eficiente, e não possuindo custos tributários, em


razão da imunidade tributária, característica que possui em razão de sua
natureza autárquica, fica evidente que é mais viável praticar preços de
mercado no momento em que fornece bens e presta serviços. Prevê a
Lei Federal de Licitações, no artigo 112.º, parágrafo primeiro: “Os con-

Voltar ao índice
426
sórcios públicos poderão realizar licitação da qual, nos termos do edital,
decorram contratos administrativos celebrados por órgãos ou entidades
dos entes da Federação consorciados.”

Esse artigo da Lei de Licitações permite que o consórcio promova licita-


ção, da qual pode advir contrato não do próprio consórcio, mas de órgãos ou
entidades da Federação consorciados. A licitação será instaurada pelo con-
sórcio público, mas o contrato, emissão de nota de empenho e demais con-
sequências orçamentárias e financeiras será do órgão ou entidade do ente
consorciado. É uma vantagem, já que municípios muito pequenos deixam
de realizar licitações por seus meios próprios, passando a licitação a ser feita
somente pelo consórcio do qual esses municípios participam. Assim, ao in-
vés de cada município constituir uma comissão de licitação, cada qual indica
os seus melhores servidores para formar uma comissão única para diversos
municípios, possivelmente mais bem remunerada e mais capacitada.

No entanto, essa atividade deve ser expressamente prevista pelos


atos constitutivos, em razão do princípio da especialidade. E não é só
em relação às licitações compartilhadas que é necessária a previsão dos
atos constitutivos do consórcio, autorizando-o a exercer esta atividade,
mas também no campo da celebração de contratos de programa ou de
concessão de serviços públicos.

2.13. Regime das receitas

Quanto às receitas originadas dos próprios consorciados, elas podem


ser de duas espécies: (i) originadas de bens e serviços fornecidos pelo
consórcio ao consorciado; e (ii) transferências do ente consorciado ao
consórcio. No caso de bens e serviços fornecidos pelo consórcio a ente
consorciado, ou mesmo a terceiros, por preços de mercado, tais receitas
devem ser contabilizadas como receitas próprias do consórcio.

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427
Estudos de Direito do Saneamento

A relação com o ente consorciado deve ter o mesmo tratamento de


qualquer outro fornecedor do município, em vista da prestação de deter-
minado serviço, ou o fornecimento de determinado bem, a preço de mer-
cado, sendo processado o correspondente pagamento, mediante as fases
de empenho, liquidação, ordenação de pagamento e de pagamento.

Nesse aspecto, o tratamento contábil não possui diferenças. Já no caso


de haver uma transferência de recursos do ente consorciado ao consórcio
para custear despesas do consórcio, vale o estipulado no contrato de rateio.

Toda transferência de ente consorciado a consórcio público, nos ter-


mos legais, somente pode se dar por meio de instrumento específico, no
caso, o contrato de rateio. As despesas realizadas por contrato de rateio
comportam prestação de contas do consórcio ao ente consorciado, para
que este último contabilize as despesas assim realizadas.

O consórcio poderá receber contribuições e subvenções econômi-


cas de entidades e entes da Federação que não o integram. No caso da
União, as transferências voluntárias a entes federados e a consórcio são
disciplinadas nos artigos 37.º a 39.º do decreto n.º 6.017/078, transcritos
a seguir: “Artigo 37.º – Os órgãos e entidades federais concedentes darão
preferência às transferências voluntárias para Estados, Distrito Federal e
Municípios cujas ações sejam desenvolvidas por intermédio de consór-
cios públicos. Artigo 38.º – Quando necessário para que sejam obtidas
as escalas adequadas, a execução de programas federais de caráter local
poderá ser delegada, no todo ou em parte, mediante convênio, aos con-
sórcios públicos. Parágrafo único. Os Estados e Municípios poderão exe-
cutar, por meio de consórcio público, ações ou programas a que sejam
beneficiados por meio de transferências voluntárias da União. Artigo 39.º
– A partir de 1º de janeiro de 2008 a União somente celebrará convênios

8 Publicado no DOU de 18.01.2007, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/.

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428
com consórcios públicos constituídos sob a forma de associação pública
ou que para essa forma tenham se convertido. § 1.º – A celebração do
convênio para a transferência de recursos da União está condicionada
a que cada um dos entes consorciados atenda às exigências legais apli-
cáveis, sendo vedada sua celebração caso exista alguma inadimplência
por parte de qualquer dos entes consorciados. § 2.º – A comprovação
do cumprimento das exigências para a realização de transferências vo-
luntárias, ou celebração de convênios para transferência de recursos fi-
nanceiros, deverá ser feita por meio de extrato emitido pelo subsistema
Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias (CAUC), re-
lativamente à situação de cada um dos entes consorciados, ou por outro
meio que venha a ser estabelecido por instrução normativa da Secretaria
do Tesouro Nacional. As transferências por parte de entes da Federação
não consorciados são executadas pelos convênios de repasse de recur-
sos, pelos contratos de repasse, termos de compromisso (no caso do Pro-
grama de Aceleração do Crescimento – PAC) e por outros instrumentos.”

2.14. Regime contábil-patrimonial dos consórcios públicos

Aos consórcios públicos, no que não contrariar o disposto na Lei de


Consórcios Públicos, devem ser adotadas as regras aplicáveis às associ-
ações civis, conforme artigo 15.º da Lei de Consórcios Públicos, o qual
dispõe que a organização e funcionamento dos consórcios públicos serão
disciplinados pela legislação que rege as associações civis.

2.15. Operações de crédito

O consórcio pode celebrar contratos de operação de crédito, mas


com a condição de que sejam considerados, para fins de fixação de seu
limite de endividamento, as suas receitas próprias, logo devendo ser des-
consideradas as receitas de transferência, sejam de contratos de rateio,
sejam outras (Lei de Consórcios Públicos, artigo 8.º, parágrafo 2.º).

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429
Estudos de Direito do Saneamento

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao instituir as diretrizes para as políticas de saneamento básico no Bra-


sil, a lei n.º 11.445/079 estabeleceu parâmetros institucionais que consti-
tuem a base para a universalização dos serviços de saneamento básico.

A referida lei atribui, mesmo que indiretamente, ao município a titulari-


dade para a prestação dos serviços de saneamento básico, embora também
tenha determinado responsabilidades para os demais entes federativos.
Percebe-se, que a lei estabeleceu, ainda, os requisitos para a celebração de
contratos por meio do qual o município delegue a outros, sejam pessoas de
direito público ou privado, a prestação dos serviços de saneamento básico,
no âmbito de gestão associada de serviços públicos, mediante contrato de
programa autorizado por contrato de consórcio público ou por convênio de
cooperação entre entes federados no regime da lei n.º 11.107/05.

Considerando que o instituto do consórcio público é a formação de


uma pessoa jurídica de direito público, integrante da administração indi-
reta de todos os entes consorciados, ele pode ser um meio de viabilizar
a consecução do objetivo de integração da execução de funções públicas
de interesse comum, cuja natureza é de coordenação federativa.

Acrescente-se, ainda, que de acordo com a legislação, o consórcio pú-


blico apresenta características relevantes que merecem destaque: versa
sobre o exercício de competências comuns, em que há atuação conjun-
ta, ou privativa, denotando propriamente uma cooperação; estipula obri-
gações recíprocas entre os entes consorciados; manifesta vontades não
antagônicas; é de natureza contratual; admite cláusulas de sanções por
inadimplência ou por danos causados por retirada do consórcio; necessita
de subscrição de protocolo de intenções pelos chefes do Poder Executivo,
cujas cláusulas devem estar de acordo com o previsto em lei; necessita de

9 Publicada no DOU de 08.01.2007, pesquisável em: http://www.planalto.gov.br/.

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430
ratificação do protocolo por lei emanada pelo Poder Legislativo de cada
um dos entes envolvidos; requer adoção de estatutos; permite a gestão
integrada plena dos serviços públicos, inclusive mediante o exercício, pelo
consórcio, dos poderes de planejar, regular, fiscalizar e avaliar os serviços
públicos; no caso de o consórcio prestar serviços públicos, obriga cada
ente consorciado a celebrar com ele o respectivo contrato de programa.

As peculiaridades do consórcio público proporcionam maior flexi-


bilidade em relação à administração direta, como celebrar contrato de
gestão, nos termos e limites da legislação estadual pertinente, contrato
de programa ou termo de parceria, respeitados, no último caso, os crité-
rios e disposições da legislação federal aplicável; licitar serviços e obras
públicas visando à implementação de políticas de interesse comum dos
entes consorciados, desde que aprovado pela Assembleia Geral; dispor
de maiores valores nos limites de licitação (os valores são contados em
dobro quando o consórcio é constituído por até três entes federados, ou
o triplo, se formado por um número acima de três consorciados); firmar
convênios, contratos e acordos; receber auxílio, contribuição ou subven-
ção; celebrar concessões, permissões e autorizações de serviços públi-
cos; gozar de maior flexibilidade no poder de compra, na remuneração
de pessoal e de pagamento de incentivos; ser contratado pela adminis-
tração direta ou indireta, sem necessidade de licitação.

Como se vê, o consórcio público pode ser utilizado de maneiras di-


versas, podendo lhe ser atribuídas funções de planejamento, regulação,
fiscalização e prestação integral dos serviços.

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431
Estudos de Direito do Saneamento

Parcerias público-privadas
em saneamento Básico
Modernizando a relação entre
Estado e iniciativa privada no setor
FERNANDA RODRIGUES DE MORAIS1

s1

Resumo

A importância mundial do saneamento básico, como um dos 17 obje-


tivos da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, e seu reconhe-
cimento jurídico-normativo são o objeto do presente estudo. A realidade
atual de crise fiscal enfrentada pelo Brasil, impondo ao setor mudanças
na forma de regulação, planejamento, gestão e implementação como
política pública, e, especialmente, a necessária diversificação de suas
fontes de investimento, pressupõe uma vital cooperação entre o Estado
e a iniciativa privada. Considerando que o modelo tradicional de conces-
são não atende a esses requisitos, as parcerias público-privadas são um

1 Procuradora Federal da Advocacia-Geral da União. Graduada em Direito pela Facul-


dade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direitos Humanos Internacionais
(Teoria, Direito e Prática) pela London School Of Economics and Political Science. Coordenadora
de Licitações e Contratos Administrativos da Procuradoria Federal Especializada junto à Funda-
ção Nacional de Saúde. E-mail: fernanda.morais@funasa.gov.br/fernanda.morais@agu.gov.br.
Endereço Profissional: SRTN, Q.701, LOTE D, 70719-040, Asa Norte, Brasília-DF.

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432
valioso instrumento e alternativa para o aporte de recursos a fim de pos-
sibilitar a universalização dos serviços de saneamento básico no Brasil.

Palavras-chave: Saneamento básico. Modernização. Parcerias Públi-


co-Privadas. Regulação. Universalização.

Abstract

The worldwide importance of basic sanitation, as one of the 17 go-


als of the United Nations 2030 Agenda, and its legal and normative re-
cognition, are the object of the present study. The current reality of the
fiscal crisis faced by Brazil, imposing changes to the sanitation sector in
the form of regulation, planning, management and implementation as a
public policy, and especially the necessary diversification of its sources of
investment, presupposes a vital cooperation between the State and the
private sector. Considering that the traditional concession model does not
meet these requirements, public-private partnerships are a valuable ins-
trument and alternative for the allocation of resources in order to enable
universal sanitation services in Brazil.

Keywords: Basic sanitation. Modernization. Public-Private Part-


nerships. Regulation. Universalization.

Sumário
1. Introdução; 2. Aspectos econômicos e sociais do Saneamento
Básico; 3. Parcerias Público-Privadas: modernizando as conces-
sões públicas; 4. Breves considerações à Lei 11.079/2004; 5. A
participação privada no setor de saneamento; 6. Considerações
Finais; 7. Referências Bibliográficas.

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433
Estudos de Direito do Saneamento

1. INTRODUÇÃO

De acordo com os dados do Instituto Trata Brasil, referenciados no


Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS)2, do Minis-
tério das Cidades, e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de
2004 a 2015, do IBGE, o número de brasileiros com acesso aos serviços
de distribuição de água tratada passou de 80,6% em 2004 para 83,3% em
2016. Por sua vez, parte da população com acesso aos serviços de coleta
de esgoto passou de 38,4% para 51,92% entre 2005 e 20163.

Embora os números acima representem avanços do saneamento bási-


co no Brasil, a parcela da população brasileira sem acesso a esses serviços
ainda é muito grande e o maior desafio é a universalização do saneamento.

A importância do tema é tão salutar que a Organização Mundial de Saú-


de lançou em 2018 as Diretrizes sobre Saneamento e Saúde (Guidelines on
Sanitation and Health), que se trata de um conjunto de medidas para esti-
mular sistemas e práticas de saneamento seguros para promoção da saúde.

A Organização das Nações Unidas- ONU, por meio da Agenda 2030, da


qual o Brasil é signatário, estabeleceu como metas, até 2030, de um dos 17
objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS n.º 06), assegurar a dispo-
nibilidade de água potável e o adequado esgotamento sanitário a todos4.

2 BRASIL. Ministério das Cidades Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamen-


to: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2014. Brasília, SNSA/MCIDADES, 2016. p. 24.
3 INSTITUTO TRATA BRASIL. Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do
Saneamento Brasileiro. Portal Trata Brasil. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/
estudos/estudos-itb/itb/beneficios-economicos-e-sociais-da-expansao-do-saneamento-
brasileiro>. Acesso em: jul. 2019.
4 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Transformando o nosso mundo: a Agen-
da 2030 para o desenvolvimento sustentável. Disponível em: https://nacoesunidas.org/
pos2015/agenda2030/. Acesso em 01 de setembro de 2019.

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434
A Constituição Federal de 1988, ancorada em axiomas como a digni-
dade da pessoa humana, prestigiou o direito a saúde como direito fun-
damental (artigo 6.º). Por outro lado, a Lei n.º 8.080/1990 incluiu entre
as competências da direção nacional do Sistema Único de Saúde a par-
ticipação na formulação e implementação das políticas públicas de sa-
neamento (artigo 16, II “b”), reconhecendo o saneamento básico como
parte integrante do direito à saúde.

A definição vigente de saneamento básico está prescrita na Lei Fede-


ral n.º 11.445/2007, em seu artigo 3º, inciso I, “sendo considerado como
o conjunto de infraestruturas e instalações operacionais de abastecimen-
to de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de
resíduos sólidos e, por último, a drenagem e manejo de águas pluviais,
limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas”5.

O Ordenamento jurídico pátrio por disposição do artigo 30, inciso V da


Carta Maior prescreveu a incumbência precípua dos municípios, direta ou in-
diretamente, por meio de execução privada (concessão, permissão ou autori-
zação), em ofertar os serviços públicos adequados aos interesses e necessida-
des da população dentre esses os serviços referentes ao saneamento básico.

Conforme as estimativas do Plano Nacional de Saneamento Básico -


Plansab versão de 2013 “seriam necessários 508,5 bilhões de reais para
o cumprimento das metas até 2033, exigindo portanto uma média de 18
bilhões de reais anualmente”6.

5 BRASIL. Lei n° 11.445/2007, de 5 de janeiro de 2007. Diário Oficial da União,


Poder Executivo. Brasília, DF, 2007.
6 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacional de Saneamento Básico
– PLANSAB. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/processos/AECBF8E2/
Plansab_Versao_Conselhos_Nacionais_020520131.pdf. Acesso em 28 de agosto de 2019.

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435
Estudos de Direito do Saneamento

Convém ainda destacar que, segundo estudo da Confederação Naci-


onal da Indústria (CNI)7, 44% dos municípios brasileiros possuem corpos
d’água receptores, com capacidade de diluição do esgoto não devida-
mente tratado, considerada péssima ou nula, o que afeta diretamente o
consumo humano e aumenta os custos produtivos.

A par de todas as dificuldades do setor, acrescenta-se a recente crise


fiscal enfrentada pelos entes federativos que sentem a limitação cada
vez maior dos investimentos no setor de saneamento, o que aponta para
a necessidade de alterações no planejamento, gestão e implementação
dessa política pública nos Estados e Municípios, como também uma apro-
ximação com diferentes agentes, em especial aos investidores privados.

A cooperação entre iniciativa privada e Estado, através da Parce-


rias Público-Privadas, é o principal ponto de interesse deste artigo a co-
meçar pelos aspectos econômicos atrelados ao saneamento básico que
será assusto do próximo tópico.

2. ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DO SANEAMENTO BÁSICO

É notória a ligação intrínseca entre o saneamento e urbanismo. Nessa


perspectiva é possível destacar o fator fundamental atrelado à urbaniza-
ção, principalmente, em seu aspecto econômico, originado nas deman-
das de seus habitantes.

Nesse sentido, a oferta de serviços de saneamento básico à popula-


ção requer inicialmente um conjunto de infraestruturas, tais como, es-

7 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Saneamento Básico: uma agenda


regulatória e institucional/ Confederação Nacional da Indústria. – Brasília: CNI, 2018, p. 9. -
(Propostas da indústria eleições 2018. v. 25).

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436
tações de captação e de tratamento de água, estações de tratamento
de esgoto, redes de distribuição e captação, redes de drenagem, ater-
ros sanitários, centros de reciclagem etc., o que sem tal conglomerado a
prestação do serviço se torna inviável.

Para André Castro Carvalho, “existe uma estreita relação entre po-
lítica de infraestrutura e política de crescimento econômico, sendo a
primeira como o conjunto de atividades do Poder Público direcionados
ao crescimento, integração e elaboração de funções básicas em uma de-
terminada região, manifestando-se como indispensável ao incremento
econômico de médio e longo prazo”8.

Em contrapartida, os efeitos positivos do saneamento no crescimen-


to econômico e na redução da pobreza são notórios. Segundo estudo da
Organização Mundial da Saúde, “cada dólar investido na melhoria do sa-
neamento para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
gera, em média, um benefício econômico de US$ 12”9.

É possível constatar, portanto, dois vieses, um econômico e outro so-


cial no desenvolvimento e ampliação de política pública de saneamento
básico. Quanto ao aspecto econômico, a utilização de Parcerias Públi-
co-Privadas é responsável por atrair investimentos de parceiros privados
para os serviços de saneamento básico.

É certo que o modelo de concessão tradicional disciplinado na Lei


8.987/95 não oferece oportunidades capazes de despertar o interesse do

8 CARVALHO, André Castro. Direito da Infraestrutura-Perspectiva Pública, São


Paulo: Quartier Latin, 1.ª ed. 2014, p. 53 e 55.
9 PRÜSS-ÜSTÜN, A. et al. Safer water, better health: costs, benefits and sustaina-
bility of interventions to protect and promote health. Geneva: World Health Organization,
2008. (Apud HUNGARO, Luis Alberto. Parceria Público-Privada Municipal: A Concretização
de Funções Sociais da Cidade: Habitação, Saneamento Básico e Mobilidade Urbana. 1. ed.
Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2017. p. 151).

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437
Estudos de Direito do Saneamento

setor privado. Por outro lado, observando-se o contexto das Companhias


Estaduais e Sociedades de Economia Mistas prestadoras dos serviços de
saneamento, encontramos condições deficitárias, o que tem se traduzido
em pouco investimentos para a universalização do acesso ao serviço.

Tal situação é considerada na Exposição de Motivos da Lei nº.


11.079/2004 (EM nº 355/2003/MP/MF):

3. A parceria público-privada constitui modalidade de contratação


em que os entes públicos e as organizações privadas, mediante o
compartilhamento de riscos e com financiamento obtido pelo se-
tor privado, assumem a realização de serviços ou empreendimen-
tos públicos. Tal procedimento, em pouco tempo alcançou grande
sucesso em diversos países, como a Inglaterra, Irlanda, Portugal,
Espanha e África do Sul, como sistema de contratação pelo Poder
Público ante a falta de disponibilidade de recursos financeiros e
aproveitamento da eficiência de gestão do setor privado.

4. No caso do Brasil, representa uma alternativa indispensável


para o crescimento econômico, em face das enormes carências
sociais e econômicas do país, a serem supridas mediante a cola-
boração positiva do setor público e privado.

Desse modo, as Parcerias Público-Privadas apresentam-se como al-


ternativa ao objetivo de atrair capital privado para o custeio de obras de
infraestrutura onerosas e lentas em que o Estado já não tem possibilida-
de de se responsabilizar10.

10 BRASIL. DUARTE Melquíades, GASPAR Luciana, SILVA Alves, LEMOS Raquel. As


parcerias público-privadas, Revista de Direito Administrativo p. 77. Disponível em: http://
bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/18912/17655. Acesso em 03 de
setembro de 2019.

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438
Outro ponto que merece consideração é a possibilidade de desverti-
calização da cadeia de prestação dos serviços, o que pode contribuir para
a efetividade da universalização do saneamento.

No Brasil, via de regra, pelo contexto histórico da estruturação dos


serviços de saneamento básico acabou-se por conceber a prestação e
a delegação dos serviços em blocos indissociáveis, a título de exemplo
água e esgoto e toda a cadeia de atividades incluídas no processo, como
captação, adução e distribuição.

Diferente do setor de energia elétrica em que há um modelo mais


flexível, a cadeia de serviços do saneamento permaneceu fixa, uma vez
que a captação, a adução, o tratamento e a distribuição são, via de regra,
atreladas em um bloco único e estático.

No entanto, a desverticalização, no sentido da delegação das ativi-


dades de tratamento e distribuição, de forma divisível, embora haja um
componente econômico e de maior eficiência, é importante destacar
que a sua realização é muito mais complexa no setor do saneamento que
em outros serviços públicos.

Isto porque as externalidades tanto positivas, quanto negativas são


maiores nos serviços de saneamento básico, não sendo fácil tratá-los
como atividade puramente econômica. Ademais, as etapas da imple-
mentação envolvem atividades indivisíveis, o que dificulta o fraciona-
mento e a delegação de cada fase. Por sua vez, em nosso ordenamento
há especificidades na titularidade do serviço pelos entes públicos11.

11 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. As Parcerias Público-Privadas no Sa-


neamento Ambiental. In. SUNDFELD Carlos Ari. (coord.). As parcerias público-privadas. São
Paulo: Editora Malheiros, 2005. p. 311.

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439
Estudos de Direito do Saneamento

A questão das características do setor, em função da verticalização


e das atividades indivisíveis que a abrangem, resulta na dificuldade de
tarifação nas diversas etapas da produção, uma vez que a quantificação
dos serviços prestados é um obstáculo para tanto12.

Por exemplo, na coleta de resíduos sólidos, bem como nas atividades de


esgotamento sanitário pela dificuldade de atribuição individual de cada eta-
pa do serviço prestado. Diferentemente, ocorre com o abastecimento de
água em que a mensuração é comum e apresenta-se menos problemática.

Outro ponto que torna a concessão do setor peculiar é a indefinição


da titularidade do serviço, precipuamente no abastecimento de água e
esgotamento sanitário. Ocorre que a prestação dos serviços de abaste-
cimento de água e coleta de esgotos sanitários em Municípios que ne-
cessitam de uma ação integrada entre os governos locais (regiões metro-
politanas, por exemplo) gera a controvérsia acerca da caracterização das
atividades como intrinsecamente locais.

A controvérsia deve ser analisada no caso concreto, pois haverá ativi-


dades que serão intrinsecamente locais, como a distribuição de água tra-
tada e coleta de esgoto. Todavia, atividades de captação e adução de água
dependerão das características geográficas de cada Município e a neces-
sidade de uma gestão associada com os demais entes federativos locais13.

No tocante às externalidades positivas, destaca-se a ligação intrínse-


ca com os benefícios fruíeis por toda a sociedade. Do contrário, depara-
mos com um cenário de aumento das patologias, precarização urbana e
do próprio meio ambiente.

12 BRASIL. Revista de Engenharia Sanitária e Ambiental. Aspectos conceituais da


regulação dos serviços de água e esgoto no Brasil v.14 n.1 | jan. /Mar 2009 | pág. 79-88.
13 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Op. cit. p. 316.

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440
Mais oportuno, nesse enfoque, é a análise da prestação dos serviços
de saneamento a partir das opções de delegação prescritas na Lei n.º
11.079/2004 (Lei das Parcerias Público-Privadas, <<doravante “Lei das
PPPs”>>). Apesar de todas as dificuldades apresentadas, a delegação dos
serviços de saneamento é possível, desde que ocorra de forma diversa
do modelo das concessões comuns.

3. PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS: MODERNIZANDO AS CONCES-


SÕES PÚBLICAS.

Inicialmente, é importante reconhecer que as parcerias entre os se-


tores público e privado vêm sendo estabelecidas há algum tempo no âm-
bito jurídico nacional, pois a legislação brasileira já autorizava, há tem-
pos, o negócio jurídico entre os setores público e privado, no âmbito da
cooperação e parceria na prestação de atividades públicas. Destarte, an-
tes mesmo da edição da legislação de referência, diversos estados fede-
rados, amparados pelo texto do artigo 24, §3.º, da Constituição Federal,
já dispunham de regras próprias para esse tipo de contratação, a exem-
plo dos Estados de Minas Gerais, que editou a Lei n.º 14.868, de 16 de
dezembro de 2003, de Santa Catarina, que publicou a Lei n.º 12.930, de 4
de fevereiro de 2004, e de São Paulo, que promulgou a Lei n.º 11.688, de
19 de maio de 2004, são exemplos de estados federados que adotaram
lei estadual com regras específicas sobre o tema.

Assim, seguindo tendência internacional, as instituições de natureza


pública buscam, cada vez mais, estabelecer liames jurídicos duradouros,
consistentes e efetivos para a prestação dos serviços públicos, executa-
dos, dessa maneira, a partir de matrizes mistas, complexas, que, muitas
vezes, contam com recursos e execução privados, a partir de estruturas

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441
Estudos de Direito do Saneamento

jurídicas públicas que facilitam essa interação. Sob o ponto de vista tele-
ológico, deve-se ter em conta que o Estado é uma construção histórica,
justificada apenas na exata medida em que possa alcançar determinadas
finalidades no âmbito de uma sociedade organizada, a fim de garantir um
patamar mínimo civilizatório14.

Nesse contexto, observa-se que deve atender a um duplo funda-


mento: de um lado, submete-se à lógica da concentração, que atende
ao princípio da soberania, segundo o qual, todo poder está centrado no
próprio Estado, que não admite a convivência com outras formas de po-
deres paralelos; do outro, responde à ética da contenção, que obedece
ao princípio da legalidade, segundo o qual não há poder absoluto. Os
cidadãos, assim, somente aceitariam se submeter aos poderes exercidos
no âmbito do Estado por saberem que eles jamais serão exercidos de
forma arbitrária e que essa sujeição é benéfica para todos15.

O Direito Administrativo, assim, acaba por desvelar um paradoxo in-


trínseco a sua própria constituição: a eterna tensão entre autoridade e
liberdade, em virtude da origem do próprio Direito Administrativo las-
trear-se na figura absolutista do príncipe, posteriormente matizada pela
introdução de elementos de contenção do poder supremo16.

A evolução da doutrina jus administrativista acaba por redundar na


construção de uma figura ainda mais imprecisa: a noção de interesse pú-
blico. Diversos autores discorreram sobre a frágil definição do que seria
interesse público, concluindo pela polissemia terminológica que inspira

14 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Fundamentos e conceituação das PPP. In:


Estudos sobre a lei das parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 13.
15 Idem. Ibidem. p. 13.
16 Idem. Ibidem. p. 14.

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442
definições de natureza ideológicas, a serem preenchidas segundo um
critério sócio histórico, “para cada sociedade e para cada tempo, tendo
como última ratio, o atingimento do ideal aristotélico do sumo bem co-
mum que corresponda à aspiração dos indivíduos, sim, mas que se torne
“mais belo e mais divino quando referente a povos e cidades”17. Dessa
definição, observa-se que há, no interesse público, um aspecto de varia-
ção cultural relacionado a cada sociedade que não pode ser desprezada,
pois “o conteúdo do Direito Administrativo varia no tempo e no espaço,
conforme o tipo de Estado adotado”18.

Outro aspecto importante relacionado com as diversas definições pos-


síveis de interesse público reconhece que nem todo e qualquer conflito de
interesse entre particulares e o Estado deve ser norteado pelo princípio
absoluto da primazia do interesse público sobre o privado, por ser incon-
sistente com a ordem jurídica, notadamente, tendo em vista que a Cons-
tituição consagra uma série de garantias em favor do indivíduo particular
em face da atividade do Estado19. Essa construção doutrinária teria sido
fruto de uma evolução histórica no direito pátrio que encontrou seu ápice
no pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que sintetiza: “todo o
sistema de Direito Administrativo, a nosso ver, se constrói sobre os menci-
onados princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e
indisponibilidade do interesse público pela Administração”20.

17 BORGES, Alice Gonzalez. Interesse público: um conceito a determinar. In: Revis-


ta de Direito Administrativo. V. 205. Rio de Janeiro: FGV, jul. 1996. p. 116. ISSN 2238-5177.
Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46803>.
Acesso em: 03 Set. 2019.
18 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 3.
19 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito administrativo de espetáculo. In: Direito admi-
nistrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008. p. 79.
20 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 29. ed. rev.
e atual. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 57.

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443
Estudos de Direito do Saneamento

Não obstante, essa noção de interesse público, por ser operacional,


acaba sendo paradoxalmente suficiente para reduzir diversos direitos
individuais, já que, em havendo interesses públicos em jogo, esses sem-
pre deverão prevalecer sobre os demais, segundo insipiente posição
dominante. Assim, dessa importante e considerável variável, derivaria a
suposição de que, em havendo interesse público a ser tutelado, os par-
ticulares jamais poderiam ser promotores do interesse público21, a par-
tir de uma matriz bipolar de análise jurídico-administrativa. No entanto,
sob diversos aspectos essa concepção de interesse público encontra-se,
atualmente, sob intenso escrutínio, pelos motivos a seguir enumerados.

Preliminarmente, é importante reconhecer que a jurisprudência pátria


jamais foi unânime ao determinar os limites entre quais seriam os legítimos
interesses públicos e privados, restringindo-se, na imensa maioria dos casos,
a apenas registrar a menção à prevalência dos interesses públicos sobre os
privados, sem, contudo, exarar ulteriores reflexões que pudessem sopesar
os diversos aspectos relacionados com terminologia tão polissêmica. Em se-
gundo lugar, tampouco na doutrina jus-administrativista pátria vigora uma
uniformidade de pensamento quanto ao tema, o qual é tratado, em geral,
entre o balizamento proporcionado pela tutela dos direitos fundamentais,
o que demonstraria relativismo e inexistência de unidade de conceito, suge-
rindo a existência de uma multiplicidade de interesses públicos pulverizados
entre as políticas públicas e pelos escassos recursos públicos22.

Diante dessa reflexão inicial, Floriano de Azevedo Marques Neto afir-


ma, assim, que “(i) todo interesse público confunde-se com o interesse

21 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Fundamentos e conceituação das PPP. In:


Estudos sobre a lei das parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 16.
22 Idem. Ibidem. pp. 16/17.

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444
privado de uma fração dos administrados, e que (ii) não há incompatibi-
lidade em albergar interesses privados no fomento de metas e objetivos
de interesse público, notadamente quando ocorre no âmbito da produ-
ção e disponibilização de utilidades públicas”23. É nesse contexto em que
se inserem as parcerias público-privadas.

As parcerias público-privadas possuem tratamento, no ordenamento


jurídico nacional, na Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que as
definem, em seu artigo 2.º, como:

Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de con-


cessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

Assim, Marçal Justen Filho, ao discorrer sobre o tema, define as par-


cerias público-privadas como sendo:

“um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio


do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública
e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por
meio da exploração da infraestrutura, mas mediante uma garantia espe-
cial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção
de recursos no mercado financeiro”24.

Dessa forma, da definição acima extrai-se que as parcerias público-


privadas são contratos públicos, de natureza duradoura, afiançados por
uma garantia especial prestada pelo Poder Público, emitida com vistas
a facilitar a obtenção de recursos no mercado financeiro, pelos quais se

23 Idem. Ibidem. p. 17.


24 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 549.

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445
Estudos de Direito do Saneamento

atribui a um agente privado a obrigação de executar obra pública ou pres-


tar serviço público, mediante remuneração ou mesmo a título gratuito.

A lei difere, ainda duas modalidades de concessão, do tipo público-pri-


vada: a patrocinada, quando a concessão praticada no âmbito da Lei 8.987,
de 13 de fevereiro de 1995, envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos
usuários, uma contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro
privado; e a administrativa, realizada por meio de contrato de prestação de
serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta,
ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

Além desses importantes elementos caracterizadores, a Lei n.º


11.079, de 30 de dezembro de 2004, distingue as concessões especiais
realizadas no âmbito das parcerias público-privadas daquelas ordinárias
previstas na Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envol-
ver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
Dessa determinação manifesta na lei, deriva o fato de que as parcerias
público-privadas admitem somente as modalidades de concessão patro-
cinada e de administrativa; isso significa que a concessão comum, a qual
tem por objeto os serviços públicos tratados na Lei n.º 8.987/95, não
é regida pela Lei Federal n.º 11.079/04, mas pela Lei das Concessões e
legislação correlata. Se ausentes os demais requisitos elencados na Lei
específica das parcerias e a remuneração por parte da Administração Pú-
blica limitar-se à contraprestação não-pecuniária ou alternativa, caracte-
rizar-se-á a concessão comum.

Um dos aspectos que pode ter aportado algum nível de controvérsia,


principalmente no passado, refere-se ao custeio dos projetos que envol-
vem as parcerias público-privadas. Normalmente, esses tipos de contratos
públicos possuem por objeto projetos bastante custosos – de se recordar
que, por força do disposto na própria lei, são vedadas as concessões pela

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446
via das parcerias público-privadas que envolvam contratos de valor inferi-
or a R$ 10 milhões de reais – daí a necessidade da fixação de elementos
que garantam o adequado financiamento do projeto em discussão. Nes-
se contexto, torna-se importante diferenciar financiamento do projeto da
remuneração do particular, pois ambos não se confundem25. Na primeira
hipótese, busca-se viabilizar a consecução do contrato de concessão, quer
seja por meio de patrocínio garantido pelos próprios recursos do particu-
lar, quer seja por meio de desejado custeio alcançado junto no sistema
financeiro. Na segunda, procura-se compensar os custos relacionados com
a operação, tanto os de implantação, denominados custos de formação,
quanto os de funcionamento, chamados de custos de operação26. Existem
quatro formas de remuneração da utilidade pública, que podem ser prati-
cadas tanto de forma isolada, quanto combinada entre si.

A primeira delas, implica o repasse dos custos para a sociedade, pela


via dos mecanismos fiscais e tributários. Trata-se de hipótese custeada
com recursos do orçamento, pela qual se compartilha a conta com to-
dos os contribuintes, indistintamente, por meio do pagamento dos tri-
butos. A segunda maneira, prevê a transferência dos custos para aqueles
cidadãos que irão fazer uso efetivo da utilidade pública. Nesse caso, a
remuneração dos custos se dá por meio da aplicação de tarifas e não se
repartem os custos com toda a sociedade, de forma indistinta, a exemplo
dos pedágios, que recaem apenas sobre os usuários da rodovia. Na ter-
ceira forma, ocorre a transferência dos custos para agentes econômicos
que, por sua vez, os repassarão para os produtos que serão consumi-
dos pela sociedade. Trata-se de hipótese custeada pelas receitas ditas

25 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Fundamentos e conceituação das PPP.


In: Estudos sobre a lei das parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.
p. 20.
26 Idem. Ibidem. p. 20.

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447
Estudos de Direito do Saneamento

anciliares, cujo maior exemplo são as utilidades públicas custeadas pela


arrecadação das publicidades. Nesse caso, o cidadão contribuinte nada
despende, recaindo os ônus sobre o usuário direto do bem público. Por
fim, a quarta modalidade reveste-se de certo caráter nefasto, por impli-
car diversos malefícios. Trata-se do custeio de utilidade pública por meio
do endividamento fiscal dos entes públicos. Essa modalidade, comum
no passado, implicava a emissão de moeda e a criação de dívida sem
lastro em riqueza real, fato que acabava gerando inflação e o colapso das
contas públicas, motivo pelo qual deixou de ser praticada com o tempo27.

O sentido estrito do termo parceria, portanto, refere-se à “associação


contratual entre poder público e privado para a satisfação de necessi-
dades coletivas”28. Incidem nessa acepção todas as modalidades contra-
tuais, a exemplo dos contratos administrativos de obra e de serviço, os
contratos de gestão realizados com as organizações sociais, as franquias
de atividades industriais públicas, os termos de parceria, as permissões e
concessões previstas na Lei n.º 8.987/95 e, finalmente, as parcerias deli-
neadas pela Lei n.º 11.079/04. Nesse contexto, a última norma referida
trata de definir as parcerias em sentido estritíssimo, associadas exclusi-
vamente aos dois modelos contidos na lei, anteriormente referidos: a
concessão patrocinada e a concessão administrativa. Assim, diante des-
sas delimitações, Floriano de Azevedo Marques Neto propõe a seguinte
definição de parceria, no sentido estrito:

“O ajuste firmado entre a Administração Pública e a iniciativa


privada, tendo por objeto a implantação e a oferta de empreen-
dimento destinado à fruição direta ou indireta da coletividade,

27 Idem. Ibidem. p. 21.


28 Idem. Ibidem. p. 22.

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448
incumbindo-se a iniciativa privada da sua estruturação, financia-
mento, execução, conservação e operação, durante todo o prazo
estipulado para a parceria e cumprimento ao poder público as-
segurar as condições de exploração e remuneração pelo parceiro
privado, nos termos do que foi ajustado, e respeitada a parcela
de risco assumida por cada uma das partes”29.

Por fim, cumpre mencionar que alguns autores reclamam certa incons-
titucionalidade de alguns aspectos das parcerias público-privadas, pelo
menos, nos termos preconizados pela Lei n.º 11.079/0430. Os principais
argumentos recairiam sobre eventual violação aos artigos 100 e 175, da
Constituição Federal, assim como quanto às regras relativas às finanças pú-
blicas (artigos 165 a 169, da Constituição Federal). Dessa forma, a questão
sobre quais seriam os limites constitucionais das concessões dos serviços
públicos acabou ensejando alguma discussão, a partir da edição da Lei n.º
11.079/04. Não obstante o teor predominantemente ideológico dos argu-
mentos aportados, relativamente ao cotejo entre os dispositivos da lei sob
comento e o teor do artigo 175, da Constituição Federal, a franca realidade
e a própria permissividade normativa contida no texto da lei, ao prever a
possibilidade de concessão, demonstra que os serviços públicos que podem
ser objeto da delegação prevista no texto constitucional não encontram li-
mitação natural ou óbvia derivada da exegese da norma fundamental.

Nesse contexto, Floriano de Azevedo Marques Neto opina que “a de-


cisão soberana conta de quem caberá o encargo de remunerar o uso efe-

29 Idem. Ibidem. pp. 22-23.


30 V., por todos, os estudos de BINENBOJM, Gustavo. As parcerias público-priva-
das e a constituição. In: Revista de Direito Administrativo. V. 241. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
pp. 159-175. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/
view/43332> Acesso em: 08 Set. 2019.

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449
Estudos de Direito do Saneamento

tivo de um serviço público é decisão política que incumbe aos poderes


públicos, e não aos juristas”31, encerrando, assim, qualquer apreciação
contrária à constitucionalidade do uso privado das utilidades públicas.

Por outro lado, no caso da discussão derivada da hermenêutica do


artigo 100 da Constituição Federal, as questões abordadas revestem-se
de um caráter mais técnico-jurídico e menos ideológico. Na realidade, ar-
gumenta-se que o sistema de garantias criado pela lei para fazer frente
quanto aos débitos gerados em virtude dos contratos de parceria público-
privados previstos na Lei n.º 11.079/04 acabariam gerando um privilégio
não contemplado no regime de precatórios previsto na Carta Magna, fato
que feriria de inconstitucionalidade a referida norma. Já no ano de 2005,
logo depois da publicação da lei sob comento, a Ordem dos Advogados do
Brasil, Secção de São Paulo, emitia parecer no qual tecia algumas conside-
rações acerca da propalada inconstitucionalidade do artigo 8.º, da Lei n.º
11.079/0432. No referido parecer, a Comissão de Precatórios da OAB/SP en-
tendeu, em resumo, que a autorização proporcionada pela lei para a União
participar do Fundo Garantidor de Parceria Público-Privada contrariaria
flagrantemente o disposto no artigo 165, § 9.º, II da Constituição Federal.

Verifica-se, portanto, que as parcerias público-privadas “não são nem


o apanágio para todas as necessidades da Administração Pública. Tam-
bém não são a manifestação última da destruição do interesse público
(seja lá o que se entenda por isso).”33 Qualquer opção por um modelo
que adote o formato de Parceria Público-Privada deverá levar em consi-
deração os custos e os eventuais benefícios advindos dessa modalidade

31 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Op. Cit. p. 26.


32 Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2005-jan-21/oab-sp_lei_
ppps_pontos_inconstitucionais>, acesso em 08.09.2019.
33 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Op. Cit. p. 29.

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450
de concessão. No mais, como sempre ocorreu (ou deveria ter ocorrido)
no trato dos interesses públicos, em virtude do caráter coletivista dos
bens jurídicos tutelados nessa seara. A partir da decisão política sobre
qual a forma de concessão a ser efetivada, faz-se necessário observar o
melhor ponto de envolvimento dos recursos públicos e privados que se-
rão alocados no projeto, assim como a modalidade de remuneração mais
adequada à capacidade de pagamento dos usuários, compreendidos a
partir do estudo de uma matriz de risco e avaliação de caráter econômi-
co, objetivo e fundamentado. Por fim, um processo de licitação deverá
ser efetivado, a fim de garantir a seleção da melhor proposta e as melho-
res vantagens quanto à eficiência dos particulares na gestão dos serviços.

4. BREVES CONSIDERAÇÕES À LEI 11.079/2004.

As regras licitatórias para a delegação de serviços públicos por in-


termédio de concessão, foram delimitadas na Lei n.º 8.987/95 e suas
particularidades podem ser resumidas de modo sintético em: “a) obri-
gatoriedade da utilização do procedimento na modalidade concorrên-
cia; b) possibilidade de inversão das fases de habilitação e julgamento;
c) critérios específicos de julgamento; d) no caso de o licitante vencedor
ser entidade consorcial a faculdade da Administração poder exigir sua
constituição em empresa antes da formalização do contrato; e e)vedação
da participação na concorrência dos autores ou responsáveis economica-
mente pelos projetos básicos e executivos”34.

As Parcerias Público-Privadas previstas na Lei 11.079/2004, possuem


natureza jurídica de contratos administrativos, sendo classificadas como

34 ALEXANDRE, Ricardo. Direito administrativo / Ricardo Alexandre, João de Deus.


– 4. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p. 1041.

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451
Estudos de Direito do Saneamento

concessões especiais e a efetivação de seu procedimento licitatório possui


marcas distintivas da concessão comum, sendo tais instrumentos objeto do
foco deste estudo faz se por bem um aprofundamento quanto as suas dire-
trizes, vedações, requisitos e peculiaridades deste modelo de contratação.

A começar pelas diretrizes, a Lei das Parceria Público-Privada define-as


em seu artigo 4.º e podem ser assim condensadas: “a) eficiência no cum-
primento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade;
b) respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos en-
tes privados incumbidos da sua execução; c) indelegabilidade das funções
de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras
atividades exclusivas do Estado; d) responsabilidade fiscal na celebração
e execução das parcerias; e) transparência dos procedimentos e das deci-
sões; f) repartição objetiva de riscos entre as partes; e g) sustentabilidade
financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria”35.

No que tange às vedações, estas estão insculpidas no § 4.º do artigo 2.º


da lei supracitada, sendo a impossibilidade de contratação em valor inferior a
R$ 10 milhões; o período de duração do contrato não pode ser inferior a 5 e
nem superior a 35 anos; e o objeto da parceria público-privada não pode se
restringir unicamente: a) ao fornecimento de mão de obra; b) fornecimento
e instalação de equipamentos; e c) simples execução de obra pública.

Acerca dos requisitos para a implementação das parcerias público-


privadas prescritas pela Lei 11.079/2004, o estatuto estabeleceu em seu
artigo 10: “ a) autorização da autoridade competente, fundamentada
em estudo técnico; b) elaboração de estimativa do impacto orçamentá-
rio-financeiro nos exercícios em que deva vigorar o contrato de parceria

35 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 8ª ed. São Paulo: Saraiva


Educação, 2018. p. 673.

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452
público-privada; c) declaração do ordenador da despesa de que as obri-
gações contraídas pela Administração Pública no decorrer do contrato
são compatíveis com a lei de diretrizes orçamentárias e estão previstas
na lei orçamentária anual; d) estimativa do fluxo de recursos públicos
suficientes para o cumprimento, durante a vigência do contrato e por
exercício financeiro, das obrigações contraídas pela Administração Pú-
blica; e) o objeto da parceria deve estar previsto no plano plurianual em
vigor no âmbito em que o contrato será celebrado; f) a minuta do edital
da licitação e do respectivo contrato de parceria deve ser submetida pre-
viamente à consulta pública, mediante publicação na imprensa oficial,
em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que deverá infor-
mar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo
de duração do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo mínimo de
30 dias para recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos
sete dias antes da data prevista para a publicação do edital; e f) licença
ambiental prévia ou expedição das diretrizes para o licenciamento am-
biental do empreendimento na forma do regulamento, sempre que o
objeto do contrato exigir.

Além disso, nas concessões patrocinadas em que mais de 70% da


remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública
dependerão de autorização legislativa específica (artigo 10, § 3.º)36.

Destacam-se ainda as peculiaridades das modalidades de concessão


especial, como a possibilidade de a contratação iniciar-se por Procedi-
mento de Manifestação de Interesse – PMI e a criação da sociedade de
propósito específico - SPE.

36 ALEXANDRE, Ricardo. Direito administrativo / Ricardo Alexandre, João de Deus.


– 4. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p.1042.

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453
Estudos de Direito do Saneamento

O Procedimento de Manifestação de Interesse “é instrumento pelo


qual os particulares formalizam seu interesse em propor estudos, proje-
tos e soluções para a Administração Pública, configurando-se como hi-
pótese de interlocução transparente entre os setores público e privado,
harmonizada com o ambiente institucional e legal vivenciado no presen-
te. Esse Procedimento pode se originar tanto de solicitação pública, por
chamamento feito pelo próprio município, quanto derivar de manifesta-
ção espontânea e independente de particulares.”37

A sociedade de propósito específico, no regime da Parceria Público-


Privada, é uma pessoa jurídica de direito privado, cujo objetivo é implan-
tar e gerir o objeto da parceria. Dessa forma, temos de um lado a pessoa
jurídica interessada na parceria (parceiro privado vencedor da licitação) e
de outro, a pessoa jurídica incumbida da implantação e gestão da parce-
ria (a sociedade de propósito específico). Cada uma com direitos e obri-
gações próprios, o que facilita o controle pelo Poder Público e o risco de
confusão patrimonial e atribuições.

De acordo com o artigo 9.º, §§ 2.º e 3.º da Lei 11.079/04, a sociedade


de propósito específico poderá adotar qualquer forma societária admiti-
da em direito, inclusive a de companhia aberta, com valores mobiliários
negociados no mercado. Independentemente do modelo escolhido, deve
obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e
demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento.

Quanto a sociedade de propósito específico importante ainda conside-


rar a vedação à Administração Pública de ser titular da maioria do capital

37 HUNGARO, Luis Alberto. Parceria Público-Privada Municipal: A Concretização


de Funções Sociais da Cidade: Habitação, Saneamento Básico e Mobilidade Urbana. 1ª. ed.
Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2017. p. 153.

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454
votante. Entretanto, tal vedação não se aplica a eventual hipótese de aqui-
sição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico
por instituição financeira controlada pelo Poder Público, quando tal aqui-
sição for decorrente do inadimplemento de contratos de financiamento.

Por outro lado, a transferência do controle da sociedade de propósi-


to específico está condicionada à autorização expressa da Administração
Pública, nos termos do edital e do contrato.

Outro ponto que difere as concessões comuns e as especiais (Parce-


rias Público- Privadas) é a repartição de riscos contratuais. Na concessão
comum, os riscos ordinários, inerentes a todo e qualquer negócio jurídi-
co, são suportados pelo concessionário (artigo 2.º, II, da Lei 8.987/1995).
No tocante aos riscos extraordinários, advindos de eventos imprevisíveis
ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis (ex.: teoria da impre-
visão, fato do príncipe e o caso fortuito e a força maior), estes são su-
portados pelo Poder concedente, uma vez que a legislação consagra o
direito à revisão do contrato para restaurar o equilíbrio perdido (artigos
9.º, §§ 2.º e 3.º, 18, VIII, 23, IV, e 29, V, da Lei n.º 8.987/1995).

Na concessão especial, não existe uma repartição abstrata dos riscos.


Diferentemente, a legislação exige a repartição objetiva de riscos, ordiná-
rios e extraordinários (caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea
econômica extraordinária), que será definida no contrato (artigos 4.º, VI,
e 5.º, III, da Lei n.º 11.079/2004).

Cabe ressaltar que a repartição objetiva de riscos não contraria o


princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contra-
to, prevista no artigo 37, XXI, da Constituição Federal, uma vez que o
edital de licitação (e a minuta de contrato a ele anexada) deve estipular a

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455
Estudos de Direito do Saneamento

repartição de riscos. Sendo assim, o concessionário já tem conhecimen-


to, no momento da apresentação de sua proposta, dos riscos do negócio,
razão pela qual quantificou o seu preço38.

Nos termos do artigo 11, caput e inc. III da Lei n.º 11.079/2004, tem-se,
como característica das parcerias público-privadas, a previsão de mecanis-
mos privados (como a arbitragem) para a solução de controvérsias relacio-
nadas ao contrato, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa39.

Por fim, apresenta-se, como especificidade das Parcerias Público-Pri-


vadas, a possibilidade de o Poder público prever, nos termos do artigo 8.º,
da Lei n.º 11.079/2004, que as obrigações pecuniárias contraídas pela Ad-
ministração poderão ser garantidas mediante: a) vinculação de receitas;
b) instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; c) contra-
tação de seguro- garantia com as companhias seguradoras que não sejam
controladas pelo Poder Público; d) garantia prestada por organismos inter-
nacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder
Público; e) garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal
criada para essa finalidade; e f) outros mecanismos admitidos em lei.

Apresentou-se, assim, os aspectos mais relevantes das características


e do procedimento licitatório para a contratação das Parcerias Público-Pri-
vadas sem a intenção de esgotar o tema. Passa-se para as reflexões com
relação à importância do setor privado na implantação das obras de infra-
estruturas necessárias à ampliação do saneamento básico no Brasil.

38 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo – 6. ed.


rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. pp.240-242
39 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21. ed. – Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p.322.

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456
5. A PARTICIPAÇÃO PRIVADA NO SETOR DE SANEAMENTO

O setor de saneamento no Brasil é marcado por sérias carências que


passam pelo baixo nível de atendimento, ineficiência técnica, investi-
mentos insuficientes e pelas ausências de regulação adequada, plane-
jamento e governança40.

A título de exemplo, as disparidades entre as regiões brasileiras mos-


tram esse cenário, no qual se observa que o índice de atendimento para
o abastecimento por rede de água é de apenas 55%, na Região Norte e
91%, na Região Sudeste41.

Muitos fatores contribuem para essa perspectiva, desde a incapaci-


dade técnica de elevar o setor a um contexto econômico e de negócios
(subcobranças de receitas e subpreço), valorando-o somente como um
serviço público social, até a tardia regulação do saneamento que apenas
adveio em 2007, ao contrário dos outros setores de infraestrutura em
que o marco regulatório é da década de 90. A ausência de regulação,
portanto, é uma das principais razões pelas quais o setor possui um atra-
so na ampliação de investimentos.

Outro fator crucial que enseja esse panorama caótico relaciona-se


com a titularidade do serviço. A competência, predominantemente lo-
cal, implica uma pulverização da regulação na figura de cada ente muni-
cipal. Na maioria das vezes, os entes reguladores municipais caracteri-
zam-se pela ineficiência e incapacidade técnica, dificultando uma ação
conjunta e ordenada.

40 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Saneamento Básico: uma agenda


regulatória e institucional/ Confederação Nacional da Indústria. – Brasília: CNI, 2018. p. 14.
(Propostas da indústria eleições 2018. v. 25).
41 Id. Ibidem. p. 09.

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457
Estudos de Direito do Saneamento

Tal cenário leva a uma falta de planejamento em âmbito nacional, di-


ferentemente dos outros setores, como de energia elétrica e telecomuni-
cações, nos quais a União é protagonista na sistematização de metas, prio-
ridades e estratégias. Os Municípios devem elaborar os Planos Municipais
de Saneamento Básico e regulamentar o setor em leis próprias como exige
o Plano Nacional de Saneamento Básico (Lei de Diretrizes Nacionais do
Saneamento Básico - LDNSB – Lei n.º 11.445/2007), todavia, na realidade,
poucos conseguem atingir as metas estabelecidas na lei federal.

Ocorre que por falta de recursos e capacidade técnica, até outubro


de 2016, apenas 30% do Municípios haviam elaborado o Plano Nacio-
nal de Saneamento Básico42. Ponto em que devem ser repensadas as
formas de financiamento, bem como um apoio técnico qualificado ao
planejamento municipal.

Isto porque, a falta de padronização e a presença de múltiplos atores


com diferentes níveis de regulação não favorece ao desenvolvimento e
à eficiência do setor, o que resulta em elevados custos de transação aos
prestadores de serviços de saneamento, tanto públicos, quanto privados.

Nesse sentido, o Projeto de Lei n.º 3.261/19 estabelece um novo


conjunto de regras para o saneamento básico e um novo marco legal
para o setor no Brasil. Em substituição à Medida Provisória n.º 868/18,
que perdeu a validade antes de ser votada pelo Congresso Nacional, o
texto altera a Lei do Saneamento Básico (Lei n.º 11.455/2007) e visa dar
uniformidade e padrão para as diversas agências reguladoras que atuam
no setor, através da edição de normas nacionais de referência regulatória
pela ANA (Agência Nacional de Águas), como também abre mais espaço
para a exploração dos serviços de saneamento pela iniciativa privada.

42 Id. Ibidem. p. 18.

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458
Atualmente, os municípios podem contratar concessionárias públi-
cas sem licitação, no entanto, com as eventuais alterações legislativas
do novo marco regulatório do saneamento, serão obrigados a abrir uma
concorrência para permitir a entrada de empresas privadas.

Nessa perspectiva de estimular a livre concorrência e a competitivida-


de, em um cenário de elevação da qualidade das normas e maior unifor-
mização em todo território nacional, o qual incentivaria o desenvolvimento
do setor e a universalização dos serviços de saneamento básico, é relevan-
te o papel das Parcerias Público-Privadas para expandir e viabilizar a atu-
ação estatal em áreas, nas quais já não consegue atuar de forma isolada.

A titularidade municipal é um dos pilares da política de saneamento, en-


tretanto, é necessária uma uniformidade e padrão para as diversas agências
reguladoras que atuam no setor, principalmente para o desenvolvimento do
saneamento nos pequenos Municípios com alta incapacidade técnica.

Ademais, observa-se que a atual escala de investimentos não é su-


ficiente para as metas estabelecidas no Plano Nacional de Saneamen-
to Básico, conforme pode ser observado em estudos apresentados pela
Confederação Nacional da Indústria43.

Dessa forma, a escolha das Parcerias Público-Privadas, ao invés de


outros modelos de concessão, traz diversas vantagens, entre elas, desta-
cam-se a partilha de riscos e a transferências de responsabilidades. Por
outro lado, os financiamentos serão obtidos com maior agilidade e dina-

43 “A média anual de investimentos do período, entre 2010 e 2017, foi de R$ 13,6


bilhões. Segundo a CNI (2017b), a média necessária para alcançar a universalização em
2033 é de quase R$ 22 bilhões (Gráfico 10). Portanto, para alcançar o patamar médio de
investimentos necessários para atingir a meta do Plansab, os investimentos teriam de cres-
cer cerca de 60%”. in CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Saneamento Básico:
uma agenda regulatória e institucional- Confederação Nacional da Indústria. – Brasília: CNI,
2018. pp. 19/20. (Propostas da indústria eleições 2018. v. 25).

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459
Estudos de Direito do Saneamento

mismo44 e os projetos de infraestrutura passam a ter um custo menor se


comparados com os do poder público, gerando um melhor custo benefí-
cio na prestação do serviço45.

Apontado como uma das principais inovações da regulamentação do


atual modelo de cooperação entre o Estado e a iniciativa privada está o
compartilhamento dos riscos. Como mencionado, anteriormente, optou-
se por uma solução intermediária, uma vez que a repartição de riscos é
disciplinada em cada contrato de Parceria Público-Privada.

Em tal sistemática, o administrador público deve, em cada licitação,


divulgar aos concorrentes a minuta do contrato de Parceria Público-Pri-
vada, incluindo a repartição de riscos. Cabe, então, aos licitantes formu-
lar uma proposta técnica e financeira compatível com essa repartição.

À vista disso, a captação de recursos pelo setor privado é mais eficiente


já que dispõe de um leque maior de operações de crédito, de modo dife-
rente, do setor público que necessita cumprir uma quantidade de procedi-
mentos legais. Tal fato reflete nos projetos selecionados pela iniciativa pri-
vada, nos quais sempre são avaliados o seu retorno financeiro, o que evita
a escolha de projetos considerados dispendiosos e desproporcionais46.

44 “Desafio adicional associado aos investimentos está no processo burocrático


excessivo para a liberação de recursos do Fundo de Garantia ao Tempo de Serviço (FGTS).
As regras de contratação excessivamente rígidas, vigentes no Brasil, são um empecilho aos
esforços que visam à universalização dos serviços de saneamento básico. É necessário rea-
valiar os procedimentos adotados para a liberação de recursos e compatibilizá-los com a
realidade do setor.” in CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Saneamento Básico:
uma agenda regulatória e institucional- Confederação Nacional da Indústria. – Brasília: CNI,
2018. p. 23. (Propostas da indústria eleições 2018. v. 25).
45 MARQUES, Rui Cunha; e SILVA, Duarte. As Parcerias Público-Privadas em Portugal.
Lições e Recomendações. In Revista de Estudos Politécnicos. Tékhne, 2008, Vol. VI, nº10. p.34. Dis-
ponível em: Scielo: http://www.scielo.mec.pt/pdf/tek/n10/n10a03.pdf. Acesso em 06/09/2019.
46 GROSELLI, Ricardo. Parcerias público-privadas no setor de infraestrutura em
saneamento: uma análise da relação entre o Estado e a iniciativa privada – Porto Alegre,
2010. pp. 119-120.

Voltar ao índice
460
Consequentemente, entre as diversas estratégias para o setor de
saneamento, as Parcerias Público-Privadas, caso sejam bem planejadas,
auxiliam no aumento de investimentos em infraestruturas nos locais ain-
da não contemplados pela prestação de serviço, todavia devem haver
subsídios para o atendimento das populações mais carentes e garantias
de retorno de capital de forma adequada ao setor privado.

Por sua vez, o setor público beneficia-se com as melhorias nas condições
de vida da população (aumento de IDH), redução da pobreza e dos custos
com saúde relacionados com doenças ligadas à falta de saneamento47.

No caso concreto, observa-se o exemplo da cidade de Piracicaba, do


interior do Estado de São Paulo, que pelo terceiro ano consecutivo, é lí-
der no ranking da Universalização do Saneamento 2019, promovido pela
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) e divul-
gado no último mês de junho.

De acordo com o portal da ABCON (Associação Brasileira das Con-


cessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), o ranking
avalia a situação do saneamento em relação à universalização no Brasil
por meio de indicadores de abastecimento de água, coleta e tratamento
de esgoto e coleta e destinação de resíduos sólidos.

A cidade do interior paulista firmou, como caminho para a universa-


lização do saneamento, desde 2012, uma Parceria Público-Privada (PPP),
por meio do Serviço Municipal de Água e Esgoto (SEMAE), com a Mirante,

47 LEONETI, Alexandre Bevilacqua, et al. A Parceria Público-Privada no Contexto da


Universalização do Saneamento no Brasil. Revista Desenvolvimento em Questão. Ano 13, n.
32, out./dez. 2015. p. 97.

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461
Estudos de Direito do Saneamento

empresa controlada pela Aegea Saneamento48. Com a implantação da Par-


ceria Público-Privada de Saneamento, a cidade de Piracicaba conta com
100% de seu esgoto coletado e tratado antes de ser devolvido à natureza49.

Na região Sul do país, temos o exemplo da CORSAN (Companhia Ri-


ograndense de Saneamento), cuja modelagem de Parceria Público-Pri-
vada foi reconhecida em premiação nacional (PPP Awards & Conference
Brazil)50. A parceria abrangerá as cidades de Alvorada, Viamão, Gravataí,
Cachoeirinha, Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, Guaíba e Eldorado do Sul
para operação e manutenção dos sistemas de esgotamento sanitário e
ampliação de 87% da rede. A licitação, embora com atraso, deverá ocor-
rer nos próximos meses (novembro de 2019) e a assinatura do contrato
em março de 2020, de acordo com o cronograma da CORSAN.51 Nos
termos do edital, o prazo da concessão é de 35 anos, os investimento
totalizam R$ 9,08 bilhões de reais e o parceiro privado terá que constituir
uma Sociedade de Propósito Específico (SPE).

Sendo assim, é possível concluir que o planejamento e a atuação


conjunta dos setores público e privado podem viabilizar os investimen-
tos necessários para a ampliação e modernização do sistema de sanea-
mento oferecido à população.

48 Disponível em: http://abconsindcon.com.br/noticias/piracicaba-e-lider-


no-ranking-do-saneamento-2019/. Acesso em 17/09/2019.
49 CIDADES INTELIGENTES. Disponível em: http://ci.eco.br/case-piracicaba/. Aces-
so em 25/09/2019.
50 CORSAN. Companhia Riograndense de Saneamento. Disponível em: http://
www.corsan.com.br/modelagem-da-ppp-da-corsan-e-reconhecida-em-premio-nacional.
Acesso em 20.09.19.
51 CORSAN. Companhia Riograndense de Saneamento. Disponível em: http://par-
ceriacorsan.com.br/. Acesso em 20.09.19.

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462
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que a política pública de saneamento demanda vulto-


sos investimentos, as concessões ao setor privado, através das Parcerias
Público-Privadas, devem ser encaradas como um caminho para o aporte
de recursos a fim de possibilitar a universalização desses serviços.

A participação do setor privado no saneamento ainda tem sido pe-


quena no Brasil. Nesse ponto, há muitas críticas à iniciativa privada, as
quais afirmam que o setor atua somente em cidades de grande porte.
Entretanto, estudo da Confederação Nacional de Indústria indica que o
setor privado no saneamento atua em 322 municípios, desse total, apro-
ximadamente 72% são compostos por até 50 mil habitantes52.

Os dados mostram, portanto, que a participação privada não é uma


característica exclusiva de municípios de grande porte, todavia, as insti-
tuições privadas somente respondem por 6% das empresas do setor de
saneamento e atendem a 9% da população.

A par disso, é de suma importância um ambiente regulatório mais unifor-


me e eficiente. As diretrizes do marco regulatório de 2007 estão superadas e,
atualmente, o desafio de atingir as metas do Plano Nacional de Saneamento
Básico, elaborado pelo Ministério das Cidades, para o ano de 2033 dificil-
mente serão alcançadas com o atual modelo, caracterizado, basicamente,
pela delegação da regulação dos serviços de água e esgotamento sanitário
pelos municípios às agências reguladoras locais ou pela atuação das compa-
nhias e agências estaduais, o que resulta em uma multiplicidade de atores e
evidencia a incapacidade técnica dos pequenos municípios.

52 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Saneamento Básico: uma agenda


regulatória e institucional/ Confederação Nacional da Indústria. – Brasília: CNI, 2018. pp.
33/34. (Propostas da indústria eleições 2018. v. 25).

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463
Estudos de Direito do Saneamento

Com novos modelos institucionais e regras regulatórias uniformes,


nos termos do Projeto de Lei n.º 3.261/19, as parcerias público-privadas
podem refletir a atuação colaborativa entre a Administração Pública e os
particulares a fim de concretizar os interesses públicos e coletivos.

No entanto, a resposta às questões e dificuldades enfrentadas na busca


da universalização do saneamento básico, não será encontrada exclusiva-
mente nas parcerias público-privadas, porém integram o rol de ferramen-
tas e instrumentos essenciais, que a governança pública não pode despre-
zar, desde que haja o correto planejamento de sua utilização.

Ademais, uma outra maneira da prestação de serviços ser realiza-


da pelos entes particulares seria através da formação de consórcio de
municípios, atendidos por uma mesma concessionária. Por outro lado, a
atuação privada pode ocorrer por meio de assistência técnica ou mesmo
concessões parciais.

O importante é que o gestor perante um cenário de regras regula-


tórias uniformes e um ambiente de forte governança em âmbito nacio-
nal, possa decidir, tendo em vista sua área urbana e populacional, quais
os instrumentos para a implantação e execução de sua política pública
de saneamento básico.

Sob essa perspectiva, é fundamental o desenvolvimento de compe-


tências internas dos municípios que pretendam formalizar contratos de
Parcerias Público-Privadas, o que significa preparar e capacitar tecnica-
mente quadros administrativos específicos para que possam estimar os
custos necessários, as fontes de remuneração disponíveis, o perfil soci-
oeconômico da população a ser atendida, bem como estejam aptos a
avaliar os projetos e estudos apresentados pelo setor privado, realizados,
por exemplo, por PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse).

Voltar ao índice
464
Não estão entre as competências da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa) realizar Parcerias Público-Privadas com os municípios insertos
no âmbito de sua atuação, porém, certamente, através de utilização de
sua atual estrutura descentralizada, a instituição poderá contribuir para
capacitação técnica desses entes federativos na matéria, qualificando a
tomada de decisão por parte dos gestores municipais.

Entende-se, assim, que há grande espaço de aprofundamento de es-


tudos e pesquisas na área do setor de saneamento, marcado pelo ciclo
de um novo marco regulatório e maior abertura à livre iniciativa. Nesse
sentido, as Parcerias Público- Privadas podem ser um dos principais ins-
trumentos para as inovações que o setor tanto necessita.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Deus. – 4. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
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470
A vocação da FUNASA
(Fundação Nacional de Saúde)
para ser o órgão regulador do
saneamento Brasileiro
FLÁVIO BRASIL MARZANO

Sumário
1. Breve Histórico Do Saneamento; 2. O Saneamento no Brasil;
3. A Funasa; 4. Atuação da Funasa; 5. A Regulação Dos Serviços
De Saneamento Básico No Brasil; 6. Conclusões; 7. Bibliografia.

1. BREVE HISTÓRICO DO SANEAMENTO

A preocupação com o saneamento surgiu a medida que as pesso-


as foram se conscientizando que a qualidade da água ingerida e que o
destino dos rejeitos produzidos por determinada população afetava suas
vidas e sua saúde.

“Sanear” é uma palavra que vem do latim e significa tornar saudável,


higienizar e limpar.

Saneamento então pode ser definido como o conjunto de medidas


que objetivam preservar ou modificar o meio ambiente para prevenir

Voltar ao índice
471
Estudos de Direito do Saneamento

doenças e preservar a saúde de uma população. Saneamento é essencial


e envolve uma série de questões. Impacta a saúde da população e, por
consequência, as relações pessoais e a economia.

O Saneamento visa melhorar ou preservar a qualidade de vida dos


cidadãos, a produtividade do indivíduo e otimiza a atividade econômica
de determinada população. Com uma rede de saneamento ampla e de
qualidade, propicia-se mais saúde dos indivíduos e maior capacidade de
geração de renda, inclusive pela redução a longo prazo de doenças cau-
sadas por condições ruins de meio ambiente.

Importante salientar que o saneamento não está ligado apenas às tec-


nologias, mas também à cultura, ao comportamento humano. Os Costumes
como a pouca frequência de banhos, a forma de defecar no mato, os banhos
com água compartilhada e o descarte de dejetos em vias públicas e nos aquí-
feros contribuem para a proliferação de vetores e podem ter sido responsá-
veis várias das maiores tragédias da História: os surtos de Peste Bubônica que
mataram cerca de um terço da população da época no século XIV, os surtos
de cólera e outros males que dizimaram populações inteiras em determina-
dos momentos históricos foram causados por deficiências de saneamento.

Empiricamente o homem aprendeu que a água suja e o acúmulo de


lixo disseminam doenças. Assim, foi preciso desenvolver técnicas para
obter água limpa e livrar-se dos resíduos, como forma de se preservar a
qualidade do próprio habitat humano. Foi assim que se deu início a ideia
de saneamento básico.

É importante lembrar que além das ferramentas de saneamento, obras


de engenharia e inovações tecnológicas os hábitos e costumes de deter-
minada população impactam diretamente na qualidade do saneamento.

Voltar ao índice
472
Muitas das vezes, a implantação de determinada solução tecnológica
de saneamento depende mais da mudança da atitude dos indivíduos do
que da solução tecnológica apresentada.

Somente a implantação das ferramentas de saneamento sem a pre-


ocupação de mudar o comportamento do indivíduo não tem o resulta-
do esperado. A mudança tecnológica de saneamento deve ser sempre
acompanhada da devida divulgação ideológica da solução, denominada
Educação Ambiental, que deverá legitimar a mudança de hábitos e o real
uso eficiente das ferramentas de saneamento, sob pena de se implemen-
tar a obra e a mesma não funcionar adequadamente.

Constata-se desta forma que o saneamento básico, o tratamento da


água e esgoto e o manejo adequado de resíduos sólidos são práticas ha-
bituais de extrema importância tanto para saúde e bem-estar de popula-
ções como parte da própria relação dos indivíduos em sociedade.

Assim, tem-se verificado que tão importante como as políticas de sa-


neamento é a conscientização da população envolvida através de educa-
ção ambiental tendo em vista que as tecnologias de saneamento se não
forem acompanhadas de processo de educação ambiental não conse-
guem os resultados almejados por falta de adesão comportamental da
população envolvida. Não tem qualquer impacto na vida de determina-
da população a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) construída por
determinado município, se a população local continua se utilizando de
fossas e defeca em céu aberto e não faz a ligação de seus domicílios à
rede de esgoto por não estar consciente da importância do tratamento
adequado de seu esgoto. Sem a devida educação ambiental, as iniciativas
de saneamento são vistas apenas como dispêndio sem qualquer retorno.

Voltar ao índice
473
Estudos de Direito do Saneamento

Tem-se notícia de que já no século V d.C., o homem desenvolveu algumas


técnicas importantes como irrigação, construção de diques e canalizações
superficiais e subterrâneas. Com isso, também surgiram medidas sanitárias.

Como exemplo, o tratado de Hipócrates “Ares, Águas e Lugares” ins-


truiu aos médicos a ligação entre o ambiente e a saúde. Grandes nomes
da época se engajaram e realmente se preocuparam com a qualidade da
água e as medidas sanitárias.

Cada região desenvolvia suas técnicas como por exemplo na grande


Roma, as ruas com encanamentos serviam de fonte pública e, com o in-
tuito de prevenir doenças, separava a água para consumo da população;
na Grécia antiga, havia-se o costume de enterrar as fezes ou deslocarem
para um local bem distante de suas residências; os sumérios originaram a
construção de sistema de irrigação de terraços. Também o Egito iniciou o
controle do fluxo de água do rio Nilo, projetava os níveis de água durante
os períodos do ano através do sistema de irrigação, construção de diques
e utilização de tubos de cobre para o palácio do faraó Keóps.

As primeiras galerias de esgoto de que se tem registro na história


foram construídas em Nippur, na Babilônia. O Vale do Indo e suas cida-
des são conhecidas pelos planejamentos urbanos e sistemas de abaste-
cimento e drenagem elaborados para época.

O Império Romano também desenvolveu, em 312 a.C., um sistema


de abastecimento: O aqueduto Aqua Appia com aproximadamente 17
km de extensão e foi a primeira grande civilização que tratou o sanea-
mento de fato, criando grandes aquedutos, construíram reservatórios,
banheiros públicos, chafarizes e nomearam um responsável efetivo como
Superintendente de Águas de Roma.

Voltar ao índice
474
O império romano ruiu no início da Idade Média. Com isso, novas
regiões foram surgindo tais como Germânia, Bretanha, Espanha, Portugal
e firmaram-se como organizações socioeconômicas no sistema feudal.
Nesse período, o consumo da população da Europa era apenas de um
litro de água por pessoa diariamente.

Entretanto, o abastecimento sofreu um retrocesso no aspecto sanitá-


rio. Enquanto os romanos faziam captação de longas distâncias, essas no-
vas regiões faziam a captação diretamente dos rios. Com a queda de Roma,
o conhecimento ficou arquivado em mosteiros religiosos. Só foi revelado
algo sobre saneamento em 1425. Assim, os ensinamentos sobre hidráulica,
saneamento e sua gestão ficaram ignorados durante toda a Idade Média.

Nesse período, a responsabilidade de gerenciar a água deixou de ser


do governo e passou a ser coletivamente dos cidadãos. Parte do consumo
de algumas famílias era garantido por meio de compra transportada por
carregadores. Já outras, em sua maioria, escavavam poços dentro de suas
casas, próximas a fossas e esterco de animais, causando contaminação.

Essa prática causou a proliferação em massa de doenças como cólera,


lepra e tifo em um período de grandes epidemias. Na época, a peste ne-
gra, transmitida através da pulga de ratos, infectou metade da população
e dizimou cerca de 1/3 da população Europeia. Na China e na Índia o pa-
norama não foi diferente, mais de 23 milhões de pessoas foram levadas
a óbito em menos de 12 anos.

O modelo de abastecimento concebido na Idade Média estava em


decadência. Na Idade Moderna (1453 a 1789), desenvolveu-se a medi-
ção de velocidade de escoamentos e das vazões. Estabeleceu-se ainda,
que os rios, as fontes e as águas subterrâneas eram formadas pela chuva.

Em Paris, no final do século XV, a distribuição de água era controlada


por canalizações sob a vigilância do município.

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475
Estudos de Direito do Saneamento

Em 1664, a distribuição de água canalizada foi incrementada com a fabri-


cação de tubos de ferro fundido moldado, por Johan Jordan, na França, e sua
instalação no palácio de Versailles. Pouco depois, Johan inventou a bomba
centrífuga e em 1775, Joseph Bramah inventou o vaso sanitário, na Inglaterra.

Em 1829, a França intensificou o combate à poluição das águas crian-


do leis que previam punições, como prisão ou multa, para quem lançasse
produtos, resíduos que levassem os peixes a morte. Nesta época tam-
bém se iniciou a implantação do saneamento, bem como sua administra-
ção e legislação em conjunto com outros serviços públicos.

Na Inglaterra, os resíduos industriais foram incluídos na lei britânica


de controle da poluição das águas. O desenvolvimento de grandes cen-
tros industriais provocou o início de um processo de migração das zonas
rurais. Esses trabalhadores passaram a viver em péssimas condições de
habitação e trabalho fazendo os índices de mortalidade e doenças au-
mentarem significativamente.

Como consequência, a cólera devastou a vida de 180 mil pessoas na


Europa. John Snow estudou a origem dessa doença na água e a compro-
vou tempo depois em Londres.

Em 1842, Edwin Chadwick iniciou um estudo que serviu de base para


o desenvolvimento das relações entre saneamento e saúde, e iniciou a
medicina preventiva.

2. O SANEAMENTO NO BRASIL

A História da Saúde Pública no Brasil tem sido marcada por suces-


sivas reorganizações administrativas e edições de muitas normas. No

Voltar ao índice
476
Brasil, o saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição
e pela Lei nº 11.445/2007.

Saneamento segundo a legislação brasileira é definido como o con-


junto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abasteci-
mento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urba-
na, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais.

Ao Brasil-Colônia eram extensivas a legislação e as práticas sanitárias


vigentes em Portugal. O primeiro registro de saneamento no Brasil ocor-
reu em 1561, quando Estácio de Sá mandou escavar no Rio de Janeiro o
primeiro poço para abastecer a cidade e já em 1620 iniciou-se as obras
do aqueduto do Rio Carioca para abastecimento do Rio de Janeiro.

Em 1673, deu-se início do primeiro aqueduto do País, que ficou pron-


to em 1723, transportando águas do rio Carioca em direção ao Chafariz,
atualmente o aqueduto é conhecido como os Arcos da Lapa.

A obra foi iniciativa de Aires Saldanha e tinha 270 m de comprimento


e 18 m de altura. Entretanto, ela foi concluída mais de cem anos depois.
Em 1723 ela foi entregue à população sendo o primeiro sistema de abas-
tecimento de água no país.

No reinado de D. João V, foi reiterada, ao então Vice-Rei do Brasil,


determinação relativa às atribuições dos Comissários-Delegados, que
instruía sobre a obrigatoriedade de aceitar a Delegação de Físico-Mor.

Por lei da Rainha D. Maria I, foi reformada a organização estabelecida,


sendo instituída a Junta do Protomedicato, formada por sete deputados,
com atribuições semelhantes às do Físico-Mor. A fiscalização foi enfatizada.

Em 1808 houve a Criação da primeira organização nacional de saúde


pública no Brasil. E em 27 de fevereiro foi criado o cargo de Provedor-

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477
Estudos de Direito do Saneamento

Mor de Saúde da Corte e do Estado do Brasil, embrião do Serviço de


Saúde dos Portos, com delegados nos estados.

Após a Independência, foi promulgada, em 30 de agosto, a lei de Mu-


nicipalização dos Serviços de Saúde, que conferiu às Juntas Municipais,
então criadas, as funções exercidas anteriormente pelo Físico-Mor, Cirur-
gião-Mor e seus Delegados.

Em 1837 Ficou estabelecida a imunização compulsória das crianças


contra a varíola e em 1846, obedecendo ao mesmo critério de luta con-
tra as epidemias, foi organizado o Instituto Vacínico do Império.

A partir da segunda metade do século XIX, a Revolução Industrial de-


terminou uma profunda repercussão na estrutura social da humanida-
de e sobre a saúde pública. A revolução trouxe consequências graves,
pois as populações foram deslocadas das pequenas comunidades rurais
e trazidas em massa para os centros urbanos em formação, o que criou
condições propícias aos graves surtos de doenças epidêmicas.

A partir de 1850 houve autorização do governo para despender re-


cursos para medidas tendentes a obstar a propagação da epidemia rei-
nante, e nos socorros dos enfermos, necessitados, e a empregar, para
esse fim, as sobras da receita, e falta destes emitir apólices, ou fazer ou-
tra qualquer operação de crédito (Decreto nº 533, de 25.4.1850);

Até esse ano as atividades de Saúde Pública estavam limitadas a: De-


legação das atribuições sanitárias pelas Juntas Municipais. Controle de
Navios e Saúde dos Portos e Autoridades Vacinadoras contra a varíola.

A tuberculose, conhecida havia séculos, encontrou novas condições


de circulação, capaz de amplificar de tal modo a sua ocorrência e a sua
letalidade, passando a ser uma das principais causas de morte, e atingin-

Voltar ao índice
478
do especialmente os jovens nas idades mais produtivas culminando em
1851 com a regulamentação da lei que criou a Junta Central de Higiene
Pública, subordinada ao Ministro do Império.

Já em 1878 tornou-se obrigatória a desinfecção terminal dos casos de


morte por doenças contagiosas, a critério da autoridade sanitária, bem
como tratou de providências sobre a desinfecção das casas e estabeleci-
mentos públicos ou particulares (Decreto nº 7.027, de 6.9.1878).

Epidemias de doenças transmissíveis, em particular a febre amarela


e a malária, produziram um impacto dramático de mortalidade nas cida-
des e nos principais canteiros de obras localizados nos países periféricos,
causando prejuízo ao comércio e dificultando a expansão do capitalismo.

A solução, na época, veio sob a forma de incentivo público às pesqui-


sas biomédicas, sobretudo àquelas dirigidas às doenças tropicais e a for-
mação de equipes de trabalho organizadas em moldes militares, capazes
de intervir com disciplina e eficácia quando necessário.

Estavam criadas as campanhas sanitárias. O sucesso dessas campa-


nhas sanitárias que se destacaram tanto por seus resultados no contro-
le de processos epidêmicos, como pelo exemplo de articulação entre
o conhecimento científico, a competência técnica e a organização do
processo de trabalho em saúde.

No final do século XIX, ocorreu a primeira organização dos serviços


de saneamento e as províncias entregaram as concessões às companhias
estrangeiras, principalmente inglesas.

No início do século XX, 1900, foi criado, em 25 de maio, o Instituto


Soroterápico Federal, com o objetivo de fabricar soros e vacinas contra
a peste como prioridade o saneamento e a reforma urbana da cidade
que iria inaugurar a nova era para a higiene nacional, sendo que foram
convidados o engenheiro Pereira Passos para a Prefeitura e o sanitarista

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479
Estudos de Direito do Saneamento

Oswaldo Cruz para a Diretoria Geral de Saúde Pública, o que Ampliou as


atividades do Instituto Soroterápico Federal.

Em 1903 Oswaldo Cruz foi nomeado Diretor-Geral de Saúde Pública,


cargo que corresponde atualmente ao de Ministro da Saúde e deflagrou
suas memoráveis campanhas de saneamento.

Oswaldo Cruz criou a Diretoria Geral de Saúde Pública, a qual se des-


tinava a atender aos problemas de saúde da capital do pais e prosseguir
na defesa sanitária dos portos brasileiros.

Neste período a polícia sanitária tinha poderes para determinar a todos


os moradores de uma área de foco que se imunizassem. Sem se preocupar
com a educação das populações e em verdadeira operação de guerra con-
tra as populações no dia 13 de novembro, estourou a Revolta da Vacina.

Choques com a polícia, greves, barricadas, quebra-quebra, tiroteios ó


nas ruas, a população se levantou contra o governo. Talvez seja o primeiro
grande exemplo de como a população se revolta pelos novos hábitos de
higiene se a cobrança não for acompanhada da devida educação sanitária.

Em 1907 foi criado o Instituto de Patologia Experimental de Mangui-


nhos (atual Instituto Oswaldo Cruz), onde foram estabelecidas normas
e estratégias para o controle dos mosquitos, vetores da febre amarela
(Decreto nº 1.802, de 12.12.1907). A febre amarela estava erradicada
do Rio de Janeiro. Em setembro de 1907, no IV Congresso Internacional
de Higiene e Demografia de Berlim, Oswaldo Cruz recebeu a medalha de
ouro pelo trabalho de saneamento do Rio de Janeiro.

Em 1913, Oswaldo Cruz foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.


Em 1915, por motivo de saúde, abandonou a direção do Instituto Oswaldo
Cruz e mudou-se para Petrópolis. Em 18 de agosto de 1916, assumiu a pre-

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480
feitura daquela cidade, tratando vasto plano de urbanização, que não pode
ver implantado. Sofrendo de crise de insuficiência renal, morreu na manhã
de 11 de fevereiro de 1917, com apenas 44 anos de idade.

Em 1917 Carlos Chagas assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz,


em 14 de fevereiro de 1917. Foram iniciadas as atividades do Serviço de
Profilaxia Rural, subordinado à Inspetoria de Serviços de Profilaxia (De-
creto nº 13.001, de 1.5.1918).

Já em 1920 houve novo marco importante da evolução sanitária bra-


sileira com a reforma de Carlos Chagas que, reorganizando os Serviços de
Saúde Pública, criou o Departamento Nacional de Saúde Pública.

Em 1930 houve a Criação do Ministério dos Negócios da Educação e


Saúde Pública (Decreto nº 19.402, de 14.11.1930) onde os serviços rela-
cionados com a saúde pública foram transferidos para o novo Ministério.

A partir dos anos 1940, se iniciou a comercialização dos serviços de


saneamento. Surgem então as autarquias e mecanismos de financiamento
para o abastecimento de água, com influência do Serviço Especial de Saúde
Pública (SESP), hoje denominada Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).

Em 1942 foi organizado o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp),


em cooperação com o Institute of Interamerican Affairs, do Governo
Americano (Decreto Lei nº 4.275, 17.4.1942). O convívio com o governo
americano assegurou o funcionamento do Sesp até 1948. Novos convê-
nios permitiram a expansão do Sesp para outras regiões do país.

Criado do Ministério da Saúde em 1953, regulamentado pelo Decre-


to nº 34.596, de 16 de novembro de 1953 (Lei nº 1.920, de 25.7.1953).
Tornou obrigatória a iodação do sal de cozinha destinado a consumo ali-
mentar nas regiões bocígenas do país (Lei nº 1.944, de 14.8.1953).

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481
Estudos de Direito do Saneamento

Estabeleceu-se em 1954 normas gerais sobre a defesa e proteção da


saúde. (Art.1º - ...dever do Estado, bem como da família, defender e pro-
teger a saúde do indivíduo (Lei nº 2.312, de 3. 9. 1954).

O Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERU), criado em


1956 incorporou os programas existentes, sob a responsabilidade do
Departamento Nacional de Saúde (febre amarela, malária e peste) e da
Divisão de Organização Sanitária (bouba, esquistossomose e tracoma),
Órgãos do novo Ministério da Saúde (Lei nº 2.743, de 6.3.1956). Deli-
mitação da área bocígena no Brasil e regulamenta o uso do sal iodado
(Decreto nº 39.814, de 17.8.1956).

Em 1960 o Sesp foi transformado em Fundação Serviço Especial de


Saúde Pública (Fsesp), vinculada ao Ministério da Saúde (Lei nº 3.750, de
11.4.1960) e em 1965 houve a criação da Campanha de Erradicação da
Malária (CEM), independente do DENERU (Lei nº 4.709, de 28.6.1965),
também subordinada diretamente ao Ministério da Saúde e dirigida por
pessoal dos quadros da Fundação Sesp (Decreto nº 59.153, de 31.8.1966).

O Sesp passou a denominar-se Fundação de Serviços de Saúde Públi-


ca Fsesp (Decreto Lei nº 904, de 1.10.1969). Organizado pela Fundação
Sesp, o sistema de notificação de algumas doenças transmissíveis, pri-
oritariamente aquelas passíveis de controle por meio de programas de
vacinação. Foi criado pela Fundação Sesp o Boletim Epidemiológico.

Em 1970 reorganizou-se administrativamente o Ministério da Saúde, cri-


ando a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), subor-
dinada à Secretaria de Saúde Pública e incorporando o DENERU, a CEM e a
CEV (Decreto nº 66.623, de 22.5.1970) com a criação da Divisão Nacional de
Epidemiologia e Estatística da Saúde (Dnees), no Departamento de Profilaxia
e Controle de Doenças. Já em 1974 a Sucam passou a subordinar-se direta-
mente ao Ministério da Saúde (Decreto nº 74.891, de 13.11.1974).

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482
Em 1971, foi instituído o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA),
onde foram consolidados os valores que surgiram nos anos de 1950, au-
tonomia e auto-sustentação, por meio das tarifas e financiamentos base-
ados em recursos retornáveis.

As decisões passaram a ser concentradas, com imposições das compa-


nhias estaduais sobre os serviços municipais, e com a falência da PLANASA
e a extinção do BNH, o setor de saneamento viveu um vazio institucional.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro


de 1988, em seus artigos 196 a 200, enuncia que a saúde é direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que vi-
sem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
igualitário e a serviços para sua promoção, proteção e recuperação

Em 1990 foram transferidos para a FUNASA as atribuições, o acervo e os


recursos orçamentários da Sucam para a Fsesp, que passou a denominar-se
Fundação Nacional de Saúde (FNS) (Medida Provisória nº 151, de 15.3.1990)
mediante incorporação da Fsesp e Sucam (Lei nº 8.029, de 12.4.1990).

Em 1995, a Lei de Concessão nº 8.987 regulamentou o artigo 175


da Constituição Federal, que previu a concessão de serviços públicos e
autorizou a outorga desses serviços.

Em 2004, a Lei da PPP (Parceria Público-Privada), nº 11.079, definiu re-


gras gerais para licitar e contratar parcerias público-privadas por parte dos
governos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais, permitindo
que fossem realizadas as primeiras concessões para companhias privadas.

A resolução nº 518 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Cona-


ma e do Ministério da Saúde, estabeleceu normal e padrões da potabili-
dade da água para o consumo humano, iniciando a formação do marco
legal do setor de saneamento no Brasil.

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483
Estudos de Direito do Saneamento

Em 2005, a Lei de Consórcio Público nº 11.107 definiu as condições


para que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios estabelecessem
consórcios públicos para desenvolver projetos de interesse comum.

Após intensa luta dos Municípios pela titularidade dos serviços de


saneamento, no dia 05 de janeiro de 2007, foi sancionada a Lei Federal
nº 11.445, chamada de Lei Nacional do Saneamento Básico – LNSB, que
teve vigência a partir de 22 de fevereiro do mesmo ano, estabelecendo
as diretrizes nacionais para o saneamento básico no Brasil, determinan-
do que a União elabore o Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB).

A Lei Federal nº 11.445, marco regulatório do saneamento brasileiro,


esclareceu e deu encaminhamento a várias questões que não estavam
cobertas pela legislação até então, definindo diretrizes nacionais para a
prestação de serviços de água e esgoto, fixando os direitos e obrigações
da União de manter, estabelecendo regulação, inspecionando e plane-
jando políticas para o setor.

A lei determinou a criação de entidade reguladora específica em


cada instância governamental e estabeleceu objetivos para o planeja-
mento municipal de saneamento e criou mecanismos legais e políticos
de pressão para atingir metas.

Verifica-se que a história da Fundação nacional de Saúde, FUNASA,


se confunde com a história do saneamento ao incorporar a SUCAM e a
FSESP, que historicamente foram os responsáveis pelas primeiras ações
devidamente planejadas de saneamento no Brasil.

3. A FUNASA

Visando à prevenção de doenças e a estreita relação entre as condi-


ções ambientais, os problemas sanitários e o perfil epidemiológico das

Voltar ao índice
484
doenças e agravos, a Funasa integra definitivamente as ações de sanea-
mento do Sistema Único de Saúde (SUS).

As ações de saneamento básico são desenvolvidas para a prevenção


de doenças e controle de agravos, dentre elas estão a construção e am-
pliação de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitá-
rio, além da implantação de melhorias sanitárias domiciliares.

A Funasa auxilia na implantação, ampliação ou melhoria dos sistemas


de tratamento e destinação final de resíduos sólidos, efetivando a drena-
gem e o manejo ambiental em áreas endêmicas de malária, principalmen-
te em áreas de proliferação do mosquito Aedes aegypti; e fazendo obras
de engenharia em habitações, visando ao controle da doença de Chagas.

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) é uma fundação pública, vin-


culada ao Ministério da Saúde (MS), que tem sua sede em Brasília/DF e
conta com 26 unidades descentralizadas, uma em cada estado brasileiro,
denominadas Superintendências Estaduais.

É um órgão vinculado ao Ministério da Saúde e tem como “missão pro-


mover a inclusão social por meio de ações de saneamento ambiental e de
ações de atenção integral da saúde dos povos indígenas, com excelência
na gestão e em consonância com o Sistema Único de Saúde e objetiva a
promoção e proteção à saúde, formulando, implementando e fomentando
ações e soluções de saneamento para prevenção e controle de doenças”.

Até 2030, a Funasa, integrante do SUS, tem como meta se transfor-


mar em uma instituição de referência nacional e internacional nas ações
de saneamento e saúde ambiental, contribuindo com as metas de uni-
versalização do saneamento no Brasil.

A Funasa é organizada através da unidade central em Brasília e além


das Superintendências Estaduais (unidades descentralizadas).

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485
Estudos de Direito do Saneamento

Às Superintendências Estaduais (Suests) compete coordenar, super-


visionar e desenvolver as atividades da Fundação Nacional de Saúde (Fu-
nasa) nas suas respectivas áreas de atuação.

4. ATUAÇÃO DA FUNASA

A Atuação da Funasa se dá através da celebração de convênios com


órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos. Os municí-
pios com menos de 50 mil habitantes são os principais conveniados, mas
ONGs e consórcios públicos estão crescendo em participação.

Os proponentes interessados em recursos provenientes do orçamen-


to da União, precisam atender requisitos de ordem institucional e técnica
para terem suas propostas aceitas.

 Os convênios são celebrados entre instituições federais, estaduais e


municipais para a execução de programas, projetos e atividades de in-
teresse recíproco, que envolvam a transferência de recursos financeiros
oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União, conforme
o Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007.

Também fazem parte das prioridades da Funasa a promoção, o estí-


mulo e financiamento de projetos de pesquisa em engenharia de saúde
pública e saneamento; e o apoio técnico a estados e municípios para a
execução de projetos de saneamento, passando por estratégias de coo-
peração técnica e saneamento em áreas especiais.

Na área de saúde ambiental, por exemplo, a Funasa atua no controle


da qualidade da água para consumo humano, proveniente de sistemas
de abastecimento público, conforme critérios e parâmetros estabeleci-
dos pelo Ministério da Saúde.

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486
Historicamente, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) realizações
de engenharia de saúde pública, ações estas que ao longo de seis déca-
das construíram um valioso acervo no que tange à formulação, gestão,
planejamento, supervisão, normalização, fomento à pesquisa e execução
especializada das políticas de saúde e saneamento, inerentes à área de
Saúde Pública, bem como no estabelecimento de diretrizes para o con-
trole e a prevenção de doenças e agravos.

A participação dos profissionais da área de engenharia de saúde pú-


blica no acompanhamento e fiscalização da execução dos convênios ga-
rante aos empreendimentos os pressupostos básicos da economicidade,
viabilidade técnica, observância ao estrito cumprimento do objeto e, so-
bretudo, o pronto atendimento ao interesse coletivo.

A Atuação da Funasa basicamente se divide em duas etapas que são


executadas de forma distinta:

A primeira etapa é centralizada na sede em BSB e vai da habilitação do


convenente com a aprovação da proposta, e a segunda fase que é realizada
de forma descentralizada que é a execução e conformação dos convênios.

O processo de convênio ou termo de compromisso tem as seguintes etapas:


habilitação, celebração, pagamento, acompanhamento e prestação de contas.

A primeira etapa realizada pela Sede é o que podemos chamar de ati-


vidade de fomento das políticas de Saneamento. Nesta fase são checados
de forma superficial a documentação e projetos e planos de trabalho, ha-
vendo todo o processo de habilitação e celebração. Os pagamentos são
realizados pela Sede, segundo orientações de execução descentralizadas
que competem às Suests.

A documentação referente ao processo de convênio ou termo de compro-


misso é encaminhada à Presidência da Funasa para sua formação e providên-

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487
Estudos de Direito do Saneamento

cias quanto aos trâmites administrativos: assinatura do convênio ou termo de


compromisso, empenhamento, liberação dos recursos financeiros, etc.

Após cumpridas as exigências administrativas, o processo de convê-


nio ou termo de compromisso é distribuído às Suests para o acompanha-
mento da execução física e financeira do convênio ou termo de compro-
misso pelos setores competentes.

A análise técnica que é realizada no primeiro momento consiste na


averiguação dos documentos apresentados e a sua consonância ao cum-
primento das orientações técnicas constantes dos manuais da Funasa.

A adequação do projeto com outras obras, porventura, existentes;


A cada instrumento de transferência de recursos, convênios ou termos
de compromisso, celebrado ou que venha a ser celebrado pela Funasa.

A segunda etapa se inicia quando o processo é descentralizado para


as Superintendências Estaduais e suas Divisões de Engenharia de Saúde
Pública, Serviços de Saúde Ambiental e seus Serviços de Convênios.

A partir da descentralização dos instrumentos e até a sua conclusão,


no que se refere ao acompanhamento da execução do objeto e ao enca-
minhamento de todas as medidas de natureza formal ou administrativa,
respectivamente, até o exame final das análises e aprovação das presta-
ções de contas os processos são acompanhados, fiscalizados e orienta-
dos pelas superintendências regionais.

Para os fins das competências e responsabilidades ora definidas, a atri-


buição do técnico e durante a análise, caso sejam detectadas pendências
técnicas que necessitem de correções, o técnico responsável notificará o pro-
ponente, por meio de ofício, para que sejam sanadas todas as pendências.

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488
Verifica-se que a partir da descentralização a atividade da Funasa pas-
sa de fomento para, na prática, atividade de regulação poios todo corte
e análise de conformidade dos projetos e das obras bem como do plane-
jamento municipal são realizados em conformidade com as orientações
das superintendências estaduais.

Cabe ao Superintendente Estadual a indicação de um técnico para


exercer a função gerencial fiscalizadora do convênio, na qualidade de su-
pervisor, que proporá os ajustes necessários ao projeto segundo as reais
necessidades e capacidade técnica do município, levando-se em conta
a realidade geográfica bem como a possibilidade do município em im-
plementar e funcionar de fo4rma sustentável a política de saneamento.

Assim, quando se começa o acompanhamento nas SUESTS há uma


real avaliação do Plano de Trabalho quanto à sua viabilidade e adequação
aos objetivos do programa e, no caso das entidades privadas sem fins lu-
crativos, será avaliada sua qualificação técnica e capacidade operacional
para gestão do instrumento, de acordo com os critérios e os procedimen-
tos estabelecidos pela Funasa.

As Superintendências Estaduais, exercem a função gerencial fiscalizado-


ra e adaptadora do plano de trabalho durante o período regulamentar da
execução e da prestação de contas do convênio ou termo de compromisso,
ficando assegurado, aos seus agentes qualificados, o poder discricionário de
reorientar ações e decidir quanto à aceitação ou não de justificativas sobre
impropriedades identificadas na execução do instrumento.

A função gerencial fiscalizadora do convênio ou termo de compro-


misso é exercida pelo concedente ou compromissário, no que diz respei-

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489
Estudos de Direito do Saneamento

to a execução do objeto do convênio ou termo de compromisso sendo


que as alterações do plano de trabalho são monitoradas e aprovadas pe-
las Sup. Estaduais, em flagrante exercício de poder regulamentar.

Relembra-se que é vedada qualquer modificação do plano de traba-


lho que implique alteração da natureza do objeto do convênio ou instru-
mentos congêneres, exceto no caso de ampliação da execução do objeto
pactuado ou para redução ou exclusão de meta, sem prejuízo da funcio-
nalidade do objeto contratado.

Assim, durante toda a execução, e no âmbito da vigência do convênio


ou termo de compromisso poderá ser solicitada a alteração do plano de
trabalho aprovado, principalmente no que diz respeito à adequação das
metas, etapas ou fases (parcela quantificável do objeto descrita no plano
de trabalho), mediante consulta prévia à SUEST sobre as alterações pro-
postas, devidamente formalizadas e justificadas,

A solicitação de alteração de plano de trabalho deverá ser encami-


nhada pelo órgão ou entidade convenente ou compromitente às Supe-
rintendências Estaduais da Funasa para fins de análise pelas áreas técni-
cas competentes, sendo que só poderão ser executadas se aprovadas.

A decisão tomada será comunicada ao interessado. Quanto às alte-


rações em convênios de estudos e pesquisas, os supervisores deverão
emitir parecer técnico e enviar à Codet para análise final. As Unidades de
Execução da PFE nas Superintendências Estaduais se manifestarão previ-
amente sobre os aspectos legais, por meio de parecer jurídico, a respeito
da celebração e das alterações de convênios ou termos de compromisso.

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490
5. A REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

A partir da Lei nº 11.445, em 5 de janeiro de 2007, abriu-se no Brasil


mais um campo de regulação dos serviços públicos: o saneamento básico.

A regulação apresenta-se como um dos eixos centrais da Política Na-


cional de Saneamento Básico, juntamente com os planos municipais de
saneamento e os prestadores dos serviços públicos.

Em brevíssima síntese, a atividade de regulação pode ser compre-


endida como sendo a função administrativa desempenhada pelo Poder
Público para normatizar, controlar e fiscalizar as atividades econômicas
ou a prestação de serviços públicos por particulares.

A regulação, fruto da crise do Estado-providência, tendo em vista que


não há dinheiro para que o estado assuma os investimentos e serviços par-
te da ideia de que o Estado, ao invés de prestar materialmente os serviços
tidos como essenciais à população, passa a controlar sua prestação, por
meio da expedição de regras para os prestadores de serviços públicos.

Diante disto, verifica-se que há uma mudança no eixo do “Estado de


Bem-Estar Social” que não deixa de existir, mas, sim, amolda-se a uma
nova concepção.

As atividades de regulação são geralmente exercidas por agências in-


dependentes, sob a forma de autarquias especiais, que gozam de auto-
nomia administrativa, orçamentária e decisória.

Nesse cenário regulatório os serviços públicos de saneamento básico


também passam a contar com o controle do ente federativo titular, obri-
gatório nos casos de delegação da prestação dos serviços.

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491
Estudos de Direito do Saneamento

São objetivos da entidade reguladora, nos termos do artigo 22 da


Lei nº nos 11.445/07, estabelecer padrões e normas para a adequada
prestação dos serviços e para a satisfação dos usuários, garantir o cum-
primento das condições e metas estabelecidas nos contratos e planos de
saneamento, prevenir e reprimir o abuso do poder econômico e definir
tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e financeiro dos con-
tratos como a modicidade tarifária.

O artigo 23 da Lei n. 11.445/07 ainda elenca uma série de competên-


cias normativas do ente regulador, adentrando em matérias de ordem
técnica, econômica e social.

A regulação do setor do saneamento básico tem como horizonte os prin-


cípios dispostos no artigo 3º da Lei do Saneamento (universalização do acesso
aos serviços, a modicidade tarifária, a qualidade dos serviços, entre outros).

Verifica-se a grande importância das atividades a serem exercidas


pela entidade de regulação, especialmente no que toca ao efetivo cum-
primento das metas estabelecidas pelos planos municipais de saneamen-
to, exigindo-se dos prestadores dos serviços o respeito ao cumprimento
das disposições ali fixadas, que nortearão os planos de investimentos e
a ampliação das atividades de abastecimento de água, esgotamento sa-
nitário, manejo de resíduos sólidos, limpeza urbana e drenagem pluvial.

Em que pese a existência de inúmeras entidades de regulação na área


do saneamento, ainda são poucas as normas regulatórias sobre esses
serviços públicos.

Situação ainda pior presencia-se com relação à regulação dos servi-


ços de resíduos sólidos, drenagem pluvial e varrição urbana, pois as aten-
ções estão voltadas equivocadamente para os serviços de abastecimento
de água e esgotamento sanitário.

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492
Diante desse cenário de completa indefinição das atividades de regu-
lação, onde muitas das agências estaduais não exercem efetivamente a
competência delegada, os consórcios públicos mostram-se como uma in-
teressante alternativa para suprir o vácuo regulatório em muitos Estados
da Federação, criando-se agências reguladoras intermunicipais, capazes
de exercer as atividades regulatórias no setor do saneamento básico.

Várias são as soluções que a Funasa, na pratica tem orientado os mu-


nicípios parceiros. Dentre tais está a formação de consórcios públicos, pois
nem sempre os municípios atendidos pela Funasa sequer dispõem de pes-
soal minimamente qualificado para operar as ferramentas de saneamento.

Os consórcios públicos podem ser compreendidos como pessoa ju-


rídica formada exclusivamente por entes da Federação para estabelecer
relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de
interesse comum (art. 2º, I, do Decreto federal n. 6.017/07). Possuem
seu pilar no artigo 241 da Constituição da República, que trata dos con-
vênios de cooperação e da gestão associada dos serviços públicos entre
os entes federativos.

Art. 8º  Os titulares dos serviços públicos de saneamento bási-


co poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a
prestação desses serviços, nos termos do art. 241 da Constitui-
ção Federal e da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005.

Não restam dúvidas de que há previsão legal para que os consórcios pú-
blicos possam exercer as atribuições de regulação e fiscalização dos serviços
de saneamento básico, quer pela interpretação do artigo 241 da Constitui-
ção da República, quer pela própria previsão textual da Lei nº 11.445/2007.
Nestes casos a Funasa participa e acompanha as soluções desde a seleção
dos municípios até o efetivo funcionamento das autarquias.

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493
Estudos de Direito do Saneamento

A grande dificuldade é a estruturação do consórcio público dentro


dos princípios inerentes ao Direito Regulatório. Em interessante estudo
sobre a regulação dos serviços públicos, Aragão (2008, p. 38), confron-
tando a realidade em diversos países, aponta alguns traços marcantes
das agências reguladoras:

Neste sentido, caminha a Lei n. 11.445/07 que baliza as agências re-


guladoras do setor do saneamento:

Art. 21.  O exercício da função de regulação atenderá aos seguin-


tes princípios:

I - Independência decisória, incluindo autonomia administrativa,


orçamentária e financeira da entidade reguladora;

II- transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões.

Restam claros os direcionamentos dados pelo legislador, que exige


da entidade reguladora a independência necessária a fim de executar
suas atribuições com base em critérios eminentemente técnicos, sem a
interferência dos atores externos.

Independentemente da abrangência dada à entidade de regulação


(municipal, estadual, distrital, federal ou Inter federativa), o certo é que
devem ser observados os princípios elencados pela Lei n. 11.445/07.

Nesse contexto, onde a regulação mostra-se essencial para a melho-


ria da qualidade e ampliação dos serviços de saneamento básico, e di-
ante do vácuo regulatório existente em alguns Estados da Federação, os
consórcios intermunicipais mostram-se como instrumento de efetivação
das atividades de regulação, uma vez que possibilitam o agrupamento
de forças e recursos na implementação de uma entidade com todas as
características das agências reguladoras.

Voltar ao índice
494
Por fim, há que se pensar a respeito do custeio da agência regula-
dora. O artigo 21, I, da Lei n. 11.445/07, exige autonomia financeira da
entidade reguladora.

Dois são os caminhos possíveis às agências reguladoras: (i) o repasse


de recursos orçamentários pelo Poder Público ou (ii) a cobrança de taxas
pelo exercício do poder de polícia administrativo.

Percebe-se, desta forma, que os consórcios públicos são instrumentos


aptos a regularem os serviços de saneamento básico. Não se está a de-
fender a inviabilidade ou inexistência de entidades estaduais de regulação
no setor do saneamento. Busca-se, tão-somente, apontar as alternativas
existentes aos municípios brasileiros que não precisam, necessariamente,
delegar o poder de regulação à entidade de outro ente federativo.

Ademais, a regulação Inter federativa dá maior credibilidade ao pro-


cesso de regulação, na medida em que a independência decisória fragi-
liza-se quanto maior a proximidade política entre o regulador e o presta-
dor ou quanto menor a entidade de regulação. É o caso envolvendo as
agências estaduais de regulação e as concessionárias estaduais de água e
esgoto, onde o mesmo Chefe de Poder nomeia seus respectivos dirigen-
tes; ou as agências municipais de regulação, diante da força econômica
e política das concessionárias privadas. É certo que pressões existem em
qualquer modelo de regulação. Mas no seio dos consórcios há uma ate-
nuação dessas pressões, decorrente do maior distanciamento (político)
entre regulador e prestador e da força de uma entidade composta por
diversos entes federativos.

Também há de se lembrar que o saneamento básico não se resume


aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Mui-
tas das agências reguladoras estaduais somente possuem a competên-

Voltar ao índice
495
Estudos de Direito do Saneamento

cia legal para a regulação dos serviços de interesse da concessionária


estadual de água e esgoto

As melhorias das condições dos serviços de saneamento dependem


do sucesso das entidades de regulação, pois a qualidade de vida da popu-
lação está intimamente ligada às condições de abastecimento de água,
esgotamento sanitário, resíduos sólidos, limpeza urbana e drenagem plu-
vial. Basta analisarmos os atendimentos nos postos de saúde dos muni-
cípios brasileiros para compreendermos que grande parcela das doenças
decorre das precárias condições de vida da população.

Esse cenário precisa ser alterado. A existência de agências regulado-


ras fortes e independentes certamente contribuirá para a gradativa am-
pliação e melhoria dos serviços de saneamento atualmente prestados.
As políticas públicas nas áreas da saúde, moradia e urbanização estão
intimamente concatenadas com as políticas de saneamento básico. Fa-
lhando esta, aquelas certamente serão prejudicadas. O respeito ao di-
reito fundamento à dignidade da pessoa humana (art. 1º, da CRFB) so-
mente pode ser assegurado com a garantia de acesso e qualidade dos
serviços de saneamento.

Apesar da Funasa já fazer o papel de órgão regulador de saneamento


dos municípios com menos de 50 mil habitantes, por uma questão po-
lítica, elegeu-se a ANA, a Agência Nacional de Águas como Reguladora
Federal do Saneamento, sem que a mesma tenha qualquer vocação ou
empatia técnica com o objeto da regulação.

As novas atribuições da Agência, que no caso seriam muito melhor


desenvolvidas pela Funasa, que na prática já faz tal serviço, deverão re-
alizar estruturação interna da ANA, para realizar o serviço que a Funasa
já faz na prática.

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496
 Assim, a medida que propunha mudanças na regulação do setor de
saneamento básico e definindo que caberia à ANA criar as normas de
referência para o setor, a serem adotadas voluntariamente pelas agênci-
as regionais, não leva em conta a expertise natural da Funasa, que tem
experiência de mais de 70 anos de saneamento.

Caso a Funasa se adaptasse não haveria necessidade de se criar uma


estrutura organizacional, com recursos humanos e orçamentários, para
abarcar uma atribuição de definir normas padrão tão relevantes como a
do saneamento básico no Brasil a estrutura já está pronta.

A Funasa seus dirigentes e servidores estão capacitados para receber


novas atribuições de forma responsável, conscientes da grande respon-
sabilidade que devem permear essas atividades. Edita em concreto na
solução do problema de seus parceiros normas, e tem experiência da ex-
periência das boas práticas internacionais e está atenta às peculiaridades
regionais, com análise do impacto regulatório dos normativos propostos.

6. CONCLUSÕES

O déficit de saneamento básico no Brasil é histórico, democrático, e afeta


todas as regiões brasileiras, de norte a sul e, impactando negativamente vári-
os outros setores, como saúde, educação, turismo e meio ambiente.

Dentro deste ambiente a entidade governamental que historicamente


atua no saneamento com capilaridade para atender todo o país é a Funasa
que consegue ter capilaridade para apoiar e regular o saneamento básico.

A necessária garantia de acesso à população às políticas de sanea-


mento a sua respectiva universalização, são metas que já são trabalha-

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497
Estudos de Direito do Saneamento

das pela Funasa, apoiando nas construções das soluções de saneamento


para os municípios mais carentes.

A Funasa está preparada para enfrentar qualquer problema de sanea-


mento que podem ser atingidas através de não só de obras de engenha-
ria, que façam o processo de captação, tratamento e distribuição, mas
também por meio de técnicas que visem à utilização mais eficiente da
água, com a redução do desperdício e tratamento dos dejetos urbanos
que permitam sua reutilização.

Assim, de fato a Funasa faz o corte da política pública junto aos pe-
quenos municípios brasileiros e de fato já regula a solução a ser imple-
mentada pelos municípios parceiros.

A melhoria no planejamento e da na gestão dos recursos hídricos e


regulação dos serviços de saneamento, de forma a preservar a disponibi-
lidade hídrica para não só a geração atual como para as futuras também
é um desafio que já vem sendo enfrentado pela Funasa.

Como se viu a Fundação Nacional de Saúde é a entidade pública com


maior vocação para se tornar o Regulador de todo o saneamento brasileiro.

Sua expertise e a natureza de seu trabalho ao propor soluções para


os grandes desafios da gestão de saneamento, necessidade de efetuar a
gestão dos serviços públicos de saneamento básico de forma a atender
princípios de universalidade para a satisfação do interesse coletivo, ainda
que submetido ao regime de direito público, e as dificuldades decorren-
tes deste regime, escassez de recursos para financiar o serviço, falhas de
mercado, monopólio, entraves da máquina burocrática estatal e a pró-
pria defasagem da legislação em face dos desafios de gestão enfrentados
a fazem o regulador natural do mercado de saneamento.

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http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/manual_execu-
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http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/livro_100-anos.pdf

http://mi.gov.br/area-de-imprensa/todas-as-noticias/-/asset_pu-
blisher/YEkzzDUSRvZi/content/mdr-publica-diagnostico-sobre-condi-
coes-de-saneamento-no-brasil/pop_up?_101_INSTANCE_YEkzzDUSRv-
Zi_viewMode=print&_101_INSTANCE_YEkzzDUSRvZi_languageId=pt_BR

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502
O desafio Brasileiro de
univeralização do acesso
à água potável
A necessidade de redefinição
dos papéis dos entes federativos
no setor de saneamento básico
ILKO MACHADO DE CARVALHO1

O1

Resumo

A atribuição da responsabilidade pelo desenvolvimento dos serviços


de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos para os
municípios efetivada pela Constituição de 1988 tem sido um dos prin-
cipais entraves à universalização do acesso desses serviços essenciais à
população brasileira, devido ao baixo grau de desenvolvimento instituci-
onal que possui a grande maioria dos municípios brasileiros. Os Estados
e a União devem assumir maior protagonismo na solução dos problemas
relacionados ao saneamento básico e, em especial, à universalização do
acesso à água, o qual se configura como um direito fundamental.

1 Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Membro da Advocacia-Geral


da União, na carreira de Procurador Federal. Em exercício Procuradoria na Federal Especia-
lizada junto à Fundação Nacional de Saúde.

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503
Estudos de Direito do Saneamento

Palavras -chave: Ente federativo; universalização; acesso; água.

Abstract

The attribution of responsibility for the development of water supply


and sewage collection and treatment services for municipalities effected
by the 1988 Constitution has been one of the main obstacles to the uni-
versal access of these essential services to the Brazilian population, due
to the low level of development. institutional that has the vast majority
of Brazilian municipalities. States and the Union must play a greater role
in solving problems related to sanitation and, in particular, to universal
access to water, which is a fundamental right.

Key words: Federative entity; universalization; access; water.

Sumário
Introdução; Disciplina jurídica da água e do saneamento; Defini-
ção do cenário ideal e a situação do acesso à água no Brasil; Es-
tratégias de intervenção historicamente adotadas; A necessida-
de de redefinição dos papéis dos entes federativos responsáveis
pelo saneamento básico; Conclusão; Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

A ausência de ingestão de água é fatal para os seres humanos, pois o


corpo humano necessita de água para realização do metabolismo celular
e, assim, manter suas células, tecidos e órgãos em regular funcionamento.

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504
Desse modo, a utilização primordial da água pelos seres humanos é
como alimento, o qual se caracteriza como indispensável e insubstituível
para a manutenção de vida.

A existência de um déficit de abastecimento de água acarreta, assim,


em primeira ordem, uma situação de insegurança alimentar devido à es-
sencialidade da água como alimento.

Outras formas de utilização da água que assumem importância fun-


damental para a saúde humana são as que a destina para a higienização
pessoal, para a higienização de alimentos consumidos in natura e para o
preparo de alimentos pelo cozimento.

Nesse sentido, a existência de um déficit de abastecimento de água


acarreta um risco à manutenção da boa saúde do ser humano, pelo risco
de desenvolvimento de infecções ou de contaminações decorrentes de
uma inadequada higienização pessoal ou dos alimentos consumidos.

Além dessas quatro funções básicas da utilização de água, não se


pode esquecer de relacionar as funções de higienização do vestuário e
dos ambientes ocupados regularmente como os destinados à moradia e
ao trabalho, que são aplicações corriqueiras para o uso da água e de fun-
damental importância tanto em termos de preservação da saúde, quanto
para o fortalecimento do sentimento de dignidade da pessoa.

Mais uma função relevante para o uso da água é a relacionada ao


cultivo de alimentos e à dessedentação de animais domesticados e cri-
atórios. A utilização da água como meio de recreação e como objeto de
contemplação, bem como para amenizar o calor ambiente são outras
formas importantes e corriqueiras de utilização pelo homem.

Desse modo, o uso da água é indispensável para o ser humano, não só


pela sua condição de ser vivo, como alimento indispensável, mas também

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505
Estudos de Direito do Saneamento

pela sua condição de ser social, relacionando-se com a dignidade pessoal em


termos de sua apresentação pessoal face aos demais membros da sociedade.

Apesar dessa importância fundamental da água, observa-se que a


Constituição da República, embora possua um texto por muitos consi-
derados demasiadamente extenso na definição de direitos individuais e
sociais, não estatuiu de forma expressa, a água como um dos direitos
humanos fundamentais. Isso não foi uma característica apenas do Bra-
sil. Portugal, por exemplo, também descuidou de elevar o direito à água
como direito fundamental expressamente previsto em sua Constituição
como bem observou o professor da Faculdade de Direito da Universida-
de de Lisboa João Miranda2 nos seguintes termos:

No entanto, a Lei Fundamental é completamente omissa a res-


peito da consagração de um direito fundamental à água. Impor-
ta, por isso, indagar se outros direitos fundamentais enunciados
no texto constitucional contêm dimensões das quais se possa
retirar uma proteção de bens jurídicos ligados à água. Os direitos
fundamentais com mais afinidade para a tutela da água são o
direito à proteção da saúde e o direito ao ambiente.

Todavia, na mesma esteira de raciocínio do mestre lusitano, cabe per-


quirir se outros direitos fundamentais albergados na Constituição da Re-
pública, aqui no Brasil, já não contemplariam intrinsecamente o direito ao
acesso à água, atribuindo-lhe, dessa maneira, envergadura constitucional.

Nesse sentido, quatro dispositivos constitucionais possuem em sua


dimensão o direito à água como norma jurídica subjacente, o primeiro
que destacamos é o artigo 225 que estabelece o direito ao meio ambien-
te ecologicamente equilibrado como um direito de todos, caracterizan-

2 J. MIRANDA, “O direito fundamental à água e a sustentabilidade dos serviços


públicos de água em Portugal”, trabalho ainda não publicado.

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506
do-o como um bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade
de vida para as gerações presentes e futuras.

Os demais dispositivos constitucionais que contemplam o direito à


água, fazem-no de maneira integrada entre si. Com efeito, o artigo 5º ao
estabelecer como direito fundamental o direito à vida, é complementa-
do pelo artigo 6º do texto constitucional, pelos direitos sociais à alimen-
tação e à saúde. Essa tríade é conformada, ainda, pelo fundamento do
Estado brasileiro consistente na dignidade da pessoa humana, registrado
no inciso III do artigo 1º da Carta da República.

Afastando, ademais, a possibilidade de apropriação privada dos recursos


hídricos, tais como as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergen-
tes e em depósito, a Constituição da República atribuiu-lhes a natureza de
bens públicos pertencentes aos Estados ou, em casos especificados, à União,
conforme normas constantes dos artigos 20 e 26, respectivamente3.

A água, todavia, deve estar facilmente disponível aos consumidores,


além disso, deve apresentar condições adequadas para o consumo se-
gundo padrões técnicos definidos por instituição oficial. Assim, ações vol-
tadas para o tratamento da água e para sua distribuição até os domicílios
são requeridas como meios de acesso à água.

O Brasil é um país rico em recursos hídricos, possuindo diversas baci-


as hidrográficas, as quais possuem diversos rios, além de diversos lagos

3 artigo 20. São bens da União: [...] III - os lagos, rios e quaisquer correntes de
água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites
com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como
os terrenos marginais e as praias fluviais. Artigo 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas,
neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União.

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507
Estudos de Direito do Saneamento

naturais. O subsolo brasileiro também possui vários aquíferos e lençóis


freáticos contendo uma boa quantidade de água armazenada.

Além das características naturais, a intervenção do ser humano tem cria-


do estruturas de captação da água da chuva, desde uma cisterna para abas-
tecimento familiar até estruturas maiores como açudes capazes de suprir as
necessidades de uma comunidade inteira.

Outra intervenção humana em busca de água é a escavação de po-


ços, rasos ou profundos, para acesso às águas estacionadas no subsolo.

A fonte de água, embora seja uma pauta importante que cada vez mais
atrai a atenção da sociedade e do Estado, em boa parte causada pelas recen-
tes crises de abastecimento enfrentadas, principalmente no Estado de São
Paulo, a partir no ano de 2014, devido à escassez de chuvas, não constitui o
tema central das análises acerca do abastecimento de água, constituindo-se,
todavia, na pauta chave das discussões relativas aos recursos hídricos.

Em relação ao abastecimento de água, a pauta central converge em


relação à distribuição de água aos domicílios brasileiros, isto é, sobre como
a água pode chegar até as residências dos indivíduos para que aí possa
atender a suas mais variadas necessidades, passando por uma série de ou-
tras questões relacionadas às etapas que constituem esse processo, como
por exemplo, as relativas à regulação, em caso de concessão dos serviços,
à qualidade da água e à sustentação e eficiência da prestação dos serviços.

A diversidade de fontes de água possibilita, de igual forma, uma diversi-


dade de maneiras de fazer com que a água chegue aos domicílios brasileiros.

O acesso à água ocorre de maneiras bem variadas no Brasil. Tendo


como local de consumo o domicílio do cidadão, observa-se que a água
pode chegar ao domicílio por meio de coleta pessoal ou familiar em uma
fonte utilizando recipientes como baldes e tambores, por exemplo.

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508
O abastecimento de água pode ser realizado também por meio de um car-
ro-pipa, que coleta a água em uma fonte e a transporta até o domicílio do cida-
dão, onde a água é despejada em recipientes denominados de tanque ou caixa
d’agua. Essas formas de abastecimento, não obstante sejam bem rudimenta-
res, ainda constituem a realidade de boa parcela da população brasileira.

Por fim, a água pode chegar ao domicílio do cidadão por meio de uma
ligação a um sistema público de distribuição, tendo como fonte de água
um poço, um açude ou uma barragem, por exemplo.

Outra questão relacionada ao acesso à água é a relativa a sua quali-


dade, tanto em termos de condições de potabilidade, quanto em termos
de atendimento a níveis mínimos de satisfação do usuário quanto ao seu
sabor, pois boa parte da água que se tem acesso, tanto as provenientes
de rios como de poços, possuem quantidades significativas de sal que a
torna inadequada para o consumo humano, demandando a necessidade
de realização de processos de dessalinização.

2. DISCIPLINA JURÍDICA DA ÁGUA E DO SANEAMENTO

Ciente da importância fundamental da água e da complexidade dos


diversos tipos de relações que se desenvolvem em torno dela, não obs-
tante a inexistência expressa de um direito fundamental à água como
abordamos acima, o Estado brasileiro estabeleceu em sua Constituição
republicana diversas normas relacionadas ao uso e à proteção da água.

No que concerne à competência para legislar sobre águas, a Constituição


da República atribuiu à União a competência privativa para legislar sobre o
tema, conforme consta do seu inciso IV do artigo 224. Em seguida, dispõe

4 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] IV - águas, energia,
informática, telecomunicações e radiodifusão

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509
Estudos de Direito do Saneamento

a alínea “b” do inciso XII do artigo 21 da Constituição da República, como


competência da União a exploração, direta ou mediante autorização, con-
cessão ou permissão, do aproveitamento energético dos cursos de água, em
articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos.5

Seguindo a leitura constitucional relacionada à água, observa-se uma


outra forma de utilização econômica para a água contida no inciso IV do §
2º, e no § 3º, ambos do artigo 43, os quais tratam de incentivos regionais
priorizando o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas
de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda sujeitas a
secas periódicas, com incentivo à recuperação de terras áridas e a coope-
ração com pequenos e médios proprietários rurais para o estabelecimen-
to de fontes de água e de pequena irrigação em suas glebas.6

No que tange ao saneamento básico, a Constituição reservou à


União, no inciso XX do artigo 20, a competência para instituir diretrizes
para o desenvolvimento urbano, para o qual são imprescindíveis políticas
e ações relacionadas ao saneamento básico, além das concernentes à
habitação e ao transporte urbano.7

5 Art. 21. Compete à União: [...] XII - explorar, diretamente ou mediante auto-
rização, concessão ou permissão: [...] b) os serviços e instalações de energia elétrica e o
aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se
situam os potenciais hidroenergéticos.
6 Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um
mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das
desigualdades regionais. [...] § 2º Os incentivos regionais compreenderão, além de outros,
na forma da lei: [...] IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e
das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas
periódicas. § 3º Nas áreas a que se refere o § 2º, IV, a União incentivará a recuperação de
terras áridas e cooperará com os pequenos e médios proprietários rurais para o estabeleci-
mento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação
7 Art. 21. Compete à União: [...] XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento
urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.

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510
Além da competência para instituir diretrizes para o saneamento bá-
sico, a Constituição tratou de estabelecer como competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a promoção
de programas de saneamento básico, conforme pode ser observado no
inciso IX do artigo 23, bem como as competências para proteger o meio
ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, e, ainda,
para fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento ali-
mentar, consoante o disposto nos inciso VI e VIII, respectivamente. Es-
tabeleceu, ademais, no inciso X, a competência dos entes políticos da
federação para combater as causas da pobreza e os fatores de margi-
nalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.8

A Constituição da República cria no seu artigo 200 o Sistema Único de


Saúde, o SUS, com a competência para, dentre outras, participar da for-
mulação da política e da execução das ações de saneamento básico, con-
forme consta do inciso IV, bem como para fiscalizar e inspecionar águas
para consumo humano, consoante o teor do inciso VI do mesmo artigo.
Compete, ainda, ao SUS, colaborar na proteção do meio ambiente, nos
termos do inciso VIII, ainda do artigo 200. 9

Por seu turno, estabeleceu a Constituição Federal no inciso V do artigo


30, a competência para os Municípios organizarem e prestarem, diretamen-

8 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e


dos Municípios: [...] VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer
de suas formas; [...] VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento
alimentar;  IX- promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
9 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos
termos da lei: [...] IV - participar da formulação da política e da execução das ações de sa-
neamento básico; [...] VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de
seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; [...] VIII- colaborar
na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

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511
Estudos de Direito do Saneamento

te ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de in-


teresse local, nos quais estão incluídos os serviços de saneamento básico,
conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal nos julgamentos das Ações
Diretas de Inconstitucionalidade n.ºs 1842, 1843, 1826 e 1906, que versa-
vam, direta ou indiretamente, sobre a titularidade do saneamento básico10.

Nesse ponto, observamos uma diferença em relação ao desenho ju-


rídico de Portugal acerca da definição de titularidade sobre a prestação
de serviços de saneamento básico, na medida em que no país lusitano
a competência é dividida entre Estado e município possibilitada pela
dicotomia sistêmica, a qual “No que tange ao abastecimento, passou a
diferenciar-se entre um sistema em alta, englobando a captação, o tra-
tamento e a venda da água aos sistemas em baixa, e um sistema em
baixa, compreendendo a distribuição e a comercialização da água às po-
pulações. Relativamente ao saneamento, o sistema em baixa abarca a
recolha e drenagem para os sistemas em alta e o sistema em alta envolve
o tratamento de águas residuais e destino final”.11

A lógica adotada em Portugal parece basear-se tanto na indisponibilida-


de de fontes de água em cada município, quanto na economia de escala
relacionada ao tratamento de água de maneira centralizada e posteriormen-
te distribuída aos municípios, pois “Em termos de âmbito territorial, os sis-
temas em baixa correspondem à área do município e os sistemas em alta
englobam os territórios dos municípios neles integrados, embora a sua área
seja muito variável de sistema para sistema”12.

10 Art. 30. Compete aos Municípios: [...] V- organizar e prestar, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de
transporte coletivo, que tem caráter essencial;
11 MIRANDA, O direito.
12 MIRANDA, O direito.

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512
Diferentemente do que ocorre no Brasil onde os sistemas integrados,
consistindo-se naqueles em que mais de um município esteja sendo abas-
tecido pelo mesmo sistema (captação, tratamento, distribuição e cobrança),
ainda permanecem no âmbito da titularidade dos municípios, em Portugal
os sistemas multimunicipais, ou seja, aqueles que “sirvam pelo menos dois
municípios e exijam a intervenção do Estado em função de razões de inte-
resse nacional, sendo a criação destes sistemas de titularidade estatal pre-
cedida de parecer dos municípios territorialmente envolvidos”13 ficam sob a
responsabilidade centralizada do Estado.

Exercitando sua competência para estabelecer diretrizes nacionais


para o saneamento básico, a União editou a Lei nº 11.445, de 2007, a qual
estabelece ainda as diretrizes para a política federal de saneamento básico.

Essa lei trouxe treze princípios fundamentais, conforme transcrição


integral do artigo 2º a seguir:

Art. 2º Os serviços públicos de saneamento básico serão presta-


dos com base nos seguintes princípios fundamentais:

I - universalização do acesso;

II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as


atividades e componentes de cada um dos diversos serviços
de saneamento básico, propiciando à população o acesso na
conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia
das ações e resultados;

III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza ur-


bana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas
adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente;

13 n.º 2 do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 92/2013, de 11 de julho, apud João Miranda, p. 6.

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513
Estudos de Direito do Saneamento

IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de


drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização
preventiva das respectivas redes, adequados à saúde pública
e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; (Re-
dação dada pela Lei nº 13.308, de 2016)

V - adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as


peculiaridades locais e regionais;

VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e


regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua er-
radicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e
outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria
da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja
fator determinante;

VII - eficiência e sustentabilidade econômica;

VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capa-


cidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções
graduais e progressivas;

IX - transparência das ações, baseada em sistemas de informa-


ções e processos decisórios institucionalizados;

X - controle social;

XI - segurança, qualidade e regularidade;

XII - integração das infra-estruturas e serviços com a gestão efici-


ente dos recursos hídricos.

XIII - adoção de medidas de fomento à moderação do consumo


de água. (Incluído pela Lei nº 12.862, de 2013)

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514
Destaca-se, ainda, os conceitos dados a abastecimento de água potável e a
esgotamento sanitário, nas alíneas “a” e “b” do inciso I do artigo 3º, vejamos:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e


instalações operacionais de:

a)  abastecimento de água potável: constituído pelas ativida-


des, infra-estruturas e instalações necessárias ao abaste-
cimento público de água potável, desde a captação até as
ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;

b)  esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-


estruturas e instalações operacionais de coleta, transpor-
te, tratamento e disposição final adequados dos esgotos
sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamen-
to final no meio ambiente;

Assim, observa-se que o padrão estabelecido pela lei é aquele em que


o abastecimento de água nos domicílios ocorre por meio de ligação predial,
necessitando-se, ademais, que a água fornecida seja potável.

Destacamos ainda o conceito contido no inciso III, referente ao princípio


fundamental da universalização do acesso, o qual impõe ao Estado a adoção
de medidas para a ampliação progressiva do acesso ao saneamento básico
para todos os domicílios ocupados. Vejamos:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

[...]

III - universalização: ampliação progressiva do acesso de todos os


domicílios ocupados ao saneamento básico;

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515
Estudos de Direito do Saneamento

Em panorama, a Lei 11.445, de 2007 contém normas relativas: ao


exercício da titularidade (capítulo II), à prestação regionalizadas de ser-
viços públicos de saneamento básico (capítulo III), ao planejamento (ca-
pítulo IV), à regulação (capitulo V), aos aspectos econômicos e sociais
(capítulo VI), aos aspectos técnicos (capítulo VII), à participação de ór-
gãos colegiados no controle social (capítulo VIII) e à política federal de
saneamento básico (capítulo IX).

A questão do saneamento comporta diversas abordagens, as quais po-


dem se relacionar, por exemplo, à regulação, à prestação dos serviços e à
universalização do acesso. A abordagem realizada nesta análise trata apenas
acerca da universalização do acesso, buscando identificar os fatores primor-
diais que impactam no processo destinado ao alcance desse objetivo.

3. DEFINIÇÃO DO CENÁRIO IDEAL E A SITUAÇÃO DO ACESSO À ÁGUA


NO BRASIL

Caracterizada a importância da água para o ser humano, importân-


cia essa que a transforma em um bem fundamental, torna-se necessá-
ria a concepção de um cenário ideal que sirva como paradigma para o
desenvolvimento das ações do poder público e dos demais stakholders
envolvidos no setor.

O cenário ideal, assim, não pode ser concebido sem um acesso do-
miciliar à água, a qual deve chegar por meio de uma rede de distribuição
proveniente de uma fonte administrada pelo setor público.

Esse cenário permite a adoção de medidas para assegurar a qualida-


de da água consumida, por meio de ações voltadas ao seu tratamento,
bem como permite a cobrança pelo uso da água visando à sustentabili-

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516
dade financeira do serviço. Mas um benefício de importância fundamen-
tal relacionada à distribuição coletiva é a preservação do recurso hídrico
por meio do monitoramento do consumo domiciliar para que práticas de
desperdício sejam coibidas.

Assim, embora, sob o ponto de vista individual, a disponibilidade de


água proveniente de um poço particular pudesse atender satisfatoria-
mente às necessidades do domicílio, sob o aspecto coletivo essa solução
não é adequada, tendo em vista a falta de monitoramento do uso do
recurso, o qual, conforme assentado na Constituição da República é um
bem público de domínio do Estado.

Desse modo, o cenário ideal deve ser concebido com a distribuição


de água no domicílio do cidadão, sendo essa água proveniente de ligação
predial à rede pública de distribuição, pois assim será possível a ado-
ção de um conjunto de medidas destinadas à garantia de uma água de
qualidade para o consumo humano e o monitoramento do uso para que
o desperdício seja desestimulado por meio, dentre outras medidas, da
cobrança do consumo medido, tendo-se em conta, neste caso, a neces-
sidade de estabelecimento de uma tarifa social pois esta é “fundamental
para assegurar o acesso universal à água, evitando que os encargos com
os serviços de águas tenham um peso excessivo nos orçamentos fami-
liares, de modo a não sacrificar o acesso a outros direitos, tais como à
habitação, à alimentação ou à saúde”.14

Caracterizada a água como bem fundamental e demonstrado o reconhe-


cimento do Estado do seu dever de promover o abastecimento de água po-
tável de forma universal para sua população, resta conhecer o atual estado

14 C. ALBUQUERQUE, “On the right track. Good practises in realising the rights to
water and sanitation”, Lisboa, 2012, p. 35, apud João Miranda, pág. 35.

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517
Estudos de Direito do Saneamento

em que se encontra o Brasil em termos de saneamento básico e como tem


se desenvolvido na missão de universalizar esses serviços à sua população

Definido conceitualmente o modelo de abastecimento de água tido


por ideal para garantir a qualidade e a preservação da água, devemos
analisar, então, a situação em que se encontra o Brasil, por meio da rea-
lização de um diagnóstico acerca do acesso a água.

As pesquisas em saneamento básico, não obstante a divergência que


possa ocorrer a depender da fonte de dados, mostram que mais de ¾ da
população brasileira possui acesso a água potável disponível por meio de
ligação predial à rede geral de distribuição.

A PNAD Contínua15, pesquisa realizada pela Fundação Instituto Bra-


sileiro de Geografia e Estatística- IBGE mostra que em 2018, 85,8% dos
domicílios brasileiros possuíam água potável proveniente de ligação
predial à rede geral de distribuição.

Essa mesma pesquisa, entretanto, registrou o mesmo percentual de


cobertura no ano de 2016, demonstrando uma estagnação relativa no
avanço em direção à universalização do acesso, uma vez que o cresci-
mento do acesso somente foi capaz de atender ao crescimento de do-
micílios que saltou de 69,5 milhões em 2017 para 71 milhões em 2018.

O percentual de domicílios com água canalizada, considerando todas as


fontes, contudo, alcança o percentual de 97,5%, representando um déficit
de apenas 2,5% em termos percentuais. Todavia, em termos absolutos esse
pequeno percentual representa 1.775.000 domicílios excluídos do atendi-
mento com água canalizada, considerando-se o total de domicílios estimado

15 Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101654_in-
formativo.pdf (acessado em 30/09/2019).

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518
pela pesquisa que foi de 71 milhões. Assim, o desafio brasileiro ainda é muito
grande em relação à universalização do acesso ao abastecimento de água.

Das regiões do país, segundo a pesquisa, o Norte é a que apresenta,


em termos percentuais, o maior déficit, 41,1%, seguido pelo Nordeste
19,8%, Centro-Oeste 12,5% e Sul 11,2%.

A região Sudeste é a única que apresenta déficit inferior a 10%, com 7,6%
de déficit de atendimento de sua população com água potável e disponível
mediante ligação predial à rede geral de distribuição, conforme tabela 1.

Tabela 1

Os domicílios que não possuem ligação predial à rede geral de distri-


buição, tem como fonte de água as nascentes, poços freáticos (rasos ou ca-
cimbas), carros-pipa e poços artesianos (profundos), sendo que esta última
fonte predomina em todas as regiões do Brasil, como paliativo ao padrão de
abastecimento de água definido pelo Estado na Lei nº 11.445, de 2007.

A PNAD 2018 estimou a existência de 71 milhões de domicílios os quais


estariam distribuídos no território nacional conforme a tabela 2 a seguir:

Tabela 2

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519
Estudos de Direito do Saneamento

Considerando a quantidade de domicílios com déficit de acesso à


água potável fornecida por meio de ligação predial à rede geral de distri-
buição, a região Nordeste lidera o ranking com 3.663.000 domicílios não
atendidos, representando 5,16% do déficit nacional.

Em seguida aparecem as regiões Sudeste com 2.356.000 domicílios


não atendidos, contribuindo com 3,32% da demanda do país e o Norte,
com 2.178.300 domicílios, representando 3,07% do déficit brasileiro.

Por fim, aparecem as regiões Sul demandando 1.198.400 acessos


ao abastecimento de água potável, representando 1,69% do déficit na-
cional, e o Centro-Oeste que possui 687.500 domicílios sem conexão à
rede de distribuição de água potável, contribuindo com 0,97% do desafio
brasileiro de universalização dessa componente do saneamento básico.
Vejamos os dados estruturados na tabela 3, para melhor visualização:

Tabela 3

Voltar ao índice
520
Caracterizada a situação de déficit de abastecimento de água, torna-
se relevante observar os impactos causados por esse cenário.

A necessidade de investimentos em serviços de abastecimento


de água para o alcance da universalização no Brasil foi estimada pela
Equipe responsável pela coordenação da elaboração do PLANSAB16 em
122,149 bilhões de reais, dos quais 114,839 bilhões seriam para a área
urbana e 7,310 bilhões para áreas rurais.

A avaliação da necessidade de investimentos regionais evidencia que


o Sudeste é a região que mais demanda recursos, alcançando 46,935
bilhões, representando 38,42% da demanda por investimentos.

A região Nordeste fica na segunda posição pela demanda de inves-


timentos para a universalização do serviço de abastecimento de água,
requerendo 28,409 bilhões, equivalendo a 23,26% da demanda nacional.

A região Sul ocupa a terceira posição, não muito distante da região Nor-
deste, com uma demanda de 23,077 bilhões, representando 18,89% da de-
manda nacional por investimentos e sistemas de abastecimento de água.

As regiões Norte, com demanda de 12,083 bilhões (9,89%) e Cen-


tro-Oeste, com demanda de 11,645 bilhões (9,53%), ocupam a quarta e
a quinta posição, respectivamente. Vejamos os dados na tabela 4.

16 PLANSAB – Plano Nacional de Saneamento Básico – Mais Saúde com Qualidade


de Vida e Cidadania. Brasília, Dezembro de 2013. Disponível em http://www.urbanismo.
mppr.mp.br/arquivos/File/plansab_texto_aprovado.pdf. Acesso em 30/09/2019.

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521
Estudos de Direito do Saneamento

Tabela 4

Quanto às demandas urbanas e rurais para a universalização do acesso


à água, os dados acima demonstram que a demanda por investimentos é
maciçamente concentrada na zona urbana em todas as regiões do país,
totalizando a demanda urbana o percentual de 94,02% da necessidade de
investimentos, contra os 5,98% da demanda da área rural

4. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO HISTORICAMENTE ADOTADAS

A exploração dos serviços de água e esgotos no País, tradicionalmen-


te, ficava a cargo de entidades municipais. Ao que tudo indica, tal proce-
dimento decorrera da ação de idêntica prática corrente, na época, nos
Estados Unidos. Contudo, no Brasil, ocorreram resultados diversos dos
que se verificaram naquele país17.

A situação do Brasil, em dezembro de 1967, no que tange ao abaste-


cimento de água, indicava que menos de 50% da população urbana era
abastecida de água, sendo que, para parcela razoável desse percentual,
o suprimento era realizado de maneira irregular e deficiente. Quanto a

17 Plano Nacional de Saneamento – PLANASA – aspectos básicos. Estudo especial.


Conjuntura Econômica. Rio de Janeiro, 1974. p. 90.

Voltar ao índice
522
esgotos sanitários, o quadro era bem mais negativo, pois apenas 24% da
população era servida de redes públicas, sendo de salientar que o desti-
no final desses esgotos nem sempre era adequado, constituindo-se, por
conseguinte, em fonte de poluição dos recursos hídricos18.

Era necessário, assim, inverter “aquela tendência de déficit crescente, pou-


co honrosa para o País no contexto internacional, se só não bastassem como
justificativas para tanto, os malefícios da elevada taxa de mortalidade infantil, o
depauperamento da mão-de-obra produzido por doenças de veiculação hídrica
ou a limitação da expansão industrial, em determinadas regiões brasileiras”19.

Em 1967, estudos desenvolvidos pelo Banco Nacional de Habitação –


BNH, seguindo determinação do Ministério do Interior, a quem o artigo 39
do Decreto-Lei nº 200, de 1967 atribuiu a competência para o saneamento
básico, demonstraram que uma das condições básicas de viabilização dos
objetivos do PLANASA repousava na necessidade da existência, em cada
estado, de empresa estadual de saneamento, incumbida da implantação,
operação e manutenção dos sistemas locais de esgotos sanitários e de
abastecimento de água, pois a concentração de esforços, recursos e da
exploração desses serviços locais, à custa da empresa estadual, permitiria
a economia de escala com redução do custo operacional; a melhoria de
administração e operação dos sistemas, pela possibilidade de maior assis-
tência técnica prestada; e a viabilidade de todos os projetos, mesmo nas
cidades e vilas mais pobres, pela compensação interna propiciada20.

18 PLANASA, p. 90.
19 PLANASA, p. 90.
20 PLANASA, p. 91.

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523
Estudos de Direito do Saneamento

O marco legal do Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANASA,


contudo, foi estabelecido pela Lei nº 6.528, de 1978, que veio a ser re-
gulamentada pelo Decreto nº 82.587/1978, o qual definiu como objetivo
do PLANASA a eliminação do déficit e a manutenção do equilíbrio entre a
demanda e a oferta de serviços públicos de água e de esgotos, em núcle-
os urbanos21, cabendo às companhias estaduais de saneamento básico
– Cesb, a execução da programação estadual de saneamento básico em
consonância com os objetivos e metas do PLANASA22.

Esse modelo, assim, caracterizou-se pelo foco das ações de saneamento na


zona urbana e pela centralização da responsabilidade nos Estados-membros,
mais especificamente, em suas companhias estaduais de saneamento básico.

O PLANASA deu maior ênfase ao abastecimento de água – talvez pela


maior visibilidade política – assim como possuía um interesse maior na ex-
pansão quantitativa do acesso a este serviço, sem se preocupar tanto com as
localidades em que eram mais deficitários. Após o Plano, as ações adotadas,
apesar de “pontuais e desarticuladas”, preocuparam-se mais com a correção
dos problemas, gerando uma maior expansão da provisão de coleta de esgo-
to e um aumento da cobertura nas localidades em que os problemas se con-
centravam. É importante ter em mente que grande parte dos investimentos
em saneamento básico realizados na década de 1990 se deu com recursos de
programas assistenciais, principalmente oriundos de agências internacionais
– o repasse desses recursos é vinculado à focalização das ações em localida-

21 Decreto nº 82.587/1978: Art . 3º - O PLANASA tem por objetivos permanentes:


a) - a eliminação do déficit e a manutenção do equilíbrio entre a demanda e a oferta de
serviços públicos de água e de esgotos, em núcleos urbanos, tendo por base planejamento,
programação e controle sistematizados
22 Decreto nº 82.587/1978: Art . 9º - Às companhias estaduais de saneamento bá-
sico caberá: a) - executar a programação estadual de saneamento básico, em consonância
com os objetivos e metas do PLANASA;

Voltar ao índice
524
des com maiores riscos de saúde e ambientais, o que pode explicar, pelo me-
nos em parte, o processo de convergência observado na década de 1990 23.

A atribuição da responsabilidade pelo desenvolvimento dos serviços


de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos para os
municípios efetivada pela Constituição de 1988 tem sido um dos princi-
pais entraves à universalização do acesso desses serviços essenciais à po-
pulação brasileira, devido ao baixo grau de desenvolvimento institucional
que possui a grande maioria dos municípios brasileiros.

No âmbito da Fundação Nacional de Saúde tem se observado vários con-


vênios cujo objeto, por exemplo, é a simples aquisição de um caminhão para
a compactação de resíduo sólido que não conseguem ter sua execução fina-
lizada por questões intrínsecas à gestão municipal. Em municípios assim, é
absolutamente inviável a execução de convênios com objetos mais comple-
xos como o de implantação ou ampliação de sistema de abastecimento de
água, uma vez que o município sequer conseguiria desenvolver uma licitação
para a elaboração do projeto respectivo.

Alguns municípios nesse grau de gestão somente conseguem uma execução


plena de um convênio de repasse de recursos federais com a contribuição de
terceiro, via de regra, a companhia estadual de saneamento básico – Cesb, que
por vezes é a autoridade máxima em questões diversas, inclusive de natureza
político-decisória relacionadas ao saneamento básico.

Mesmo uma entidade mais estruturada como a Funasa, possui difi-


culdades para elaborar projetos de engenharia para sistemas de abaste-

23 C. C Santejo SAIANI e R TONETO JÚNIOR, “Evolução do acesso a serviços de sa-


neamento básico no Brasil (1970 a 2004)”, Economia e Sociedade, 19, 1, p. 103, disponível
em http://www.scielo.br/pdf/ecos/v19n1/a04v19n1.pdf (acessado em 30.09.2019).

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525
Estudos de Direito do Saneamento

cimento de água e de esgotamento sanitário no âmbito municipal con-


forme pode ser observado pela evolução atual da execução de contrato
celebrado em 2012 com esse objeto, conforme tabela 5 a seguir:

Tabela 5

Com efeito, após mais de sete anos de execução do Contrato nº


12/2012, tendo por objeto a prestação de serviços de elaboração de di-
agnósticos, estudos de concepção e viabilidade (Relatório Técnico Pre-
liminar - RTP), projetos básicos e executivos de engenharia e estudos
ambientais para sistemas de esgotamento sanitário e sistema de abas-
tecimento de água, no Estado do Rio Grande do Norte, nas localidades
constantes dos Lotes de 1 a 4, definidos no Edital de Concorrência n°

Voltar ao índice
526
05/2011 da Funasa, observa-se que a média de execução contratual para
os quatro lotes contratados é de apenas 43,82% , o que demonstra o
grau de complexidade da matéria.24.

5. A NECESSIDADE DE REDEFINIÇÃO DOS PAPÉIS DOS ENTES FEDE-


RATIVOS RESPONSÁVEIS PELO SANEAMENTO BÁSICO

A mudança de enfoque dos órgãos e entidades federais que possuem


competência para o exercício de ações no setor de saneamento básico no
Brasil, passando do município para o Estado, principalmente para atuação
nos municípios em que o sistema integrado (abastecimento de mais de um
município pelo mesmo sistema) de prestação de serviços de abastecimen-
to de água seja o tecnicamente recomendado, dentre outras causas possí-
veis, devido à ausência de fonte local de água para a captação do sistema,
a exemplo do modelo português, parece ser a chave para uma significativa
evolução no sentido da universalização do acesso à água potável e tam-
bém para a coleta e tratamento de esgoto no Brasil.

A concentração no Estado-membro de parcela estratégica da pres-


tação dos serviços pode ser juridicamente adequada ao atual ordena-
mento constitucional que estabelece a titularidade dos serviços de
abastecimento de água e coleta e tratamento de esgotos aos municípios
conforme assentado pelo STF mediante a aplicação do instituto jurídico
da cooperação federativa viabilizada pela gestão associada introduzida
na matriz constitucional no artigo 24125, pela Emenda Constitucional nº

24 Soma dos percentuais de execução dividida pelo número de lotes.


25 Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão
por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes fede-
rados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total
ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos.  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

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527
Estudos de Direito do Saneamento

19, de 1998, segundo o qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os


Municípios poderão, mediante consórcios públicos e convênios de coo-
peração celebrados entre entes federados, disciplinados por lei ordiná-
ria, valer-se da gestão associada de serviços públicos ou, ainda, realizar a
transferência total ou parcial de encargos e serviços.

Acerca do conteúdo da expressão gestão associada, relevante é a de-


finição contida no inciso IX do Decreto nº 6.017/2017, que regulamentou
a Lei nº 11.107, de 2005, Lei de Consórcios Públicos, sendo ela o exercí-
cio das atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de serviços
públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação
entre entes federados, acompanhadas ou não da prestação de serviços
públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pesso-
al e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Regulamentando o artigo 241 do texto constitucional, o artigo 8º da


Lei nº 11.445, de 200726 estabeleceu de forma expressa que os titula-
res dos serviços públicos de saneamento básico, no caso os Municípios,
poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação
desses serviços por meio do instrumento jurídico contemplado na Lei nº
11.107, de 2005, qual seja o consórcio público constituído por contrato
precedido de protocolo de intenções que contemple as cláusulas exigi-
das no artigo 4º dessa lei. A Lei de Consórcios Públicos (Lei nº 11.107,
de 2005) conceituou como protocolo de intenções o ajuste político que
antecede a formalização do contrato de consórcio.

O Decreto n.º 6.017/2017 define os dois institutos, sendo o proto-


colo de intenções um contrato preliminar que se converte em contrato

26 Art. 8o  Os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão de-
legar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços, nos termos
do art. 241 da Constituição Federal e da Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005.

Voltar ao índice
528
de consórcio público (inciso III do artigo 2º) e o convênio de cooperação
consistindo em um pacto firmado exclusivamente por entes da Federa-
ção, com o objetivo de autorizar a gestão associada de serviços públi-
cos, desde que ratificado ou previamente disciplinado por lei editada por
cada um deles (inciso VIII do artigo 2º).

Assim, o consórcio público, que possui natureza contratual, e o con-


vênio de cooperação são instrumentos jurídicos autônomos entre si que
tem por função materializar a gestão associada de serviços públicos. Am-
bos os institutos requerem para sua validade, a existência de leis que os
disciplinem, editadas pelos entes federados envolvidos.

Cabe observar, por oportuno, que a Medida Provisória nº 561, de


2012, convertida na Lei nº 12.693, de 2012, ao inserir o artigo 7º-A na
Lei nº 11.578, de 2007 (Lei do Programa de Aceleração do Crescimento
- PAC), condicionou no inciso I desse dispositivo, a transferência de recur-
sos federais aos serviços públicos de saneamento básico prestados por
entidade da administração indireta dos Estados, por meio de concessão
outorgada em caráter precário, com prazo vencido ou que estiverem em
vigor por prazo indeterminado à adoção de medidas para a celebração
de convênio de cooperação entre os entes federativos como instrumento
autorizativo da gestão associada de serviços públicos.

A existência prévia de gestão associada permite a celebração de contrato


de programa, conceituado no inciso XVI do Decreto nº 6.017/2017 como
o instrumento pelo qual devem ser constituídas e reguladas as obrigações
que um ente da Federação, inclusive sua administração indireta, tenha para
com outro ente da Federação, ou para com consórcio público, no âmbito da
prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa.

Relevante é destacar que, conforme o teor do inciso XXVI do artigo 24


da Lei nº 8.666, de 1993--- que institui normas para licitações e contratos

Voltar ao índice
529
Estudos de Direito do Saneamento

da Administração Pública, regulamentando do inciso XXI do artigo 37 da


Constituição da República---, incluído pela Lei nº 11.107, de 2005, a cele-
bração de contrato de programa com ente da Federação ou com entida-
de de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos
de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio
público ou em convênio de cooperação poderá ocorrer por meio de uma
contratação direta, uma vez que a licitação nesse caso é dispensável. 

Dessa forma, a transferência do exercício da titularidade para a presta-


ção dos serviços de abastecimento de água e também para os de coleta e
tratamento do esgotamento sanitário, dos municípios para o Estado, quan-
do, por questões de ausência de fonte de recursos hídricos no território do
município ou de ausência de estrutura e capacidade institucionais para o
gerenciamento do complexo rol de tarefas necessárias à prestação dos ser-
viços de saneamento básico, torna-se fundamental para a universalização
do acesso aos serviços de saneamento básico no Brasil. O Estado-membro
ao assumir o protagonismo no processo de universalização do acesso aos
serviços de saneamento básico estará cumprindo sua responsabilidade so-
lidária advinda da competência material comum determinada no inciso IX
do artigo 23 da Constituição da República.

Observa-se, ainda, que a União possui competência para, por iniciativa


própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
promover programas de saneamento básico, conforme estabelece o inciso
III do artigo 3º da Lei nº 10.257, de 2001, o Estatuto da Cidade . Desse
modo, os diversos órgãos e entidades que integram a Administração Pú-
blica Federal podem mapear o déficit de saneamento e atuar com maior
protagonismo na solução dos problemas do setor, buscando articulação
com os players mais estruturados para a solução do problema, no caso, os
Estados, não se limitando à uma atuação passiva muitas vezes consistente

Voltar ao índice
530
no lançamento de editais para convocação de interessados em algum dos
programas orçamentários sob sua responsabilidade de execução.

6. CONCLUSÃO

Assim, a conclusão é no sentido de que, embora o município seja o


titular dos serviços de saneamento básico conforme o desenho federa-
tivo estabelecido na Constituição de 1988, os Estados e a União devem
assumir maior protagonismo na solução dos problemas relacionados ao
saneamento básico e em especial, à universalização do acesso à água,
tendo em vista a notória dificuldade de os municípios brasileiros cumpri-
rem essa diretriz constitucional, a qual tem fundamento na configuração
jurídica da água como direito humano fundamental.

7. BIBLIOGRAFIA

João MIRANDA, O DIREITO FUNDAMENTAL À ÁGUA E A SUSTENTA-


BILIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ÁGUA EM PORTUGAL. Trabalho
ainda não publicado.

IBGE. PNADA Contínua 2018. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza-


cao/livros/liv101654_informativo.pdf, acessado em 30/09/2019.

PLANSAB – Plano Nacional de Saneamento Básico – Mais Saúde com


Qualidade de Vida e Cidadania. Brasília, Dezembro de 2013, disponível
em http://www.urbanismo.mppr.mp.br/arquivos/File/plansab_texto_
aprovado.pdf. acessado em 30/09/2019.

Voltar ao índice
531
Estudos de Direito do Saneamento

Plano Nacional de Saneamento – PLANASA – Aspectos básicos. Estu-


do especial. Conjuntura Econômica. Rio de Janeiro, 1974. p. 90-94.

Carlos César Santejo SAIANI e Rudinei TONETO JÚNIOR, Evolução


do acesso a serviços de saneamento básico no Brasil (1970 a 2004) in
Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 1 (38), p. 79-106, abr. 2010. P.
103, disponível em http://www.scielo.br/pdf/ecos/v19n1/a04v19n1.pdf,
acessado em 30.09.2019.

Parecer nº 117/2019/DIESP-RN/SUEST-RN constante dos autos do


processo nº 25100.022976/2011-05, no Sistema Eletrônico de Informa-
ções – SEI utilizado pela Funasa, sob o registro nº 1500701.

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532
Salta-Z uma alternativa
frente aos desafios da
realidade Brasileira
Materialização do direito
de acesso à água potável
IVANILDE HERCULANO DA SILVA ALVES1

S1

Resumo

Considerando a realidade brasileira, os desafios aos atores envolvidos


na materialização do acesso ao saneamento básico, no caso, água tratada
de qualidade a custos reduzidos e a água como direito humano, ligada ao
direito fundamental à saúde e à vida, fez-se uma reflexão e análise crítica
ao tratamento da água in natura pela SALTA-z- Solução Alternativa Coletiva
de Tratamento de Água para Consumo Humano desenvolvida em 2016 pela
FUNASA e à disposição da sociedade em parceria com Estados e Municípi-
os de até 50.000 habitantes. Identificou-se aspectos positivos e negativos,
concluindo que a SALTA-z é eficiente e viável do ponto de vista legal e das
políticas públicas de recursos hídricos, reduz os problemas de saúde e au-
menta a oferta de saneamento básico. Objetiva-se contribuir para o melho-

1 ivanilde.alves@funasa.gov.br e ivanildehalves@gmail.com. Fundação Nacional


de Saúde (FUNASA) – Setor de Rádio e Televisão Norte (SRTVN) – Quadra 701 – Lote D –
Edifício PO 700 – Brasília/DF – CEP 70.070-056.

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533
Estudos de Direito do Saneamento

ramento da SALTA-Z e ampliação da implantação a fim de que os princípios


da dignidade humana, mínimo existencial, e outros, sejam assegurados.

Palavras-chave: SALTA-Z. Água. Saneamento. Saúde. Vida.

Abstract

Considering the Brazilian reality, the challenges to the actors involved


in the materialization of access to basic sanitation, in this case, treated
water of quality with reduced costs and water as a human right, linked to
the fundamental right to health and life it was made, a reflection and cri-
tical analysis of the treatment of fresh water by SALTA-z - Collective Alter-
native Solution for Water Treatment for Human Consumption developed
in 2016 by FUNASA and available to society in partnership with States and
Municipalities of up to 50,000 inhabitants. Positive and negative aspects
were identified, concluding that SALTA-z is: efficient and viable in legal
terms and public water resources policies, reduces health problems and
increases the supply of basic sanitation. The objective is to contribute to
the improvement of SALTA-Z and the expansion of its implementation so
that the principles of human dignity, existential minimum, and ensured.

Keywords: SALTA-Z. Water. Sanitation. Health. Life.

Sumário
1. Introdução. 2. O Saneamento Básico E A Salta-Z>; 2.1 Consi-
derações Gerais Sobre Saneamento Básico; 2.2 Princípios Fun-
damentais Aplicáveis Ao Saneamento Básico; 2.2.1 Princípio Da
Universalização Do Acesso; 2.2.2 Princípio Da Integralidade Das

Voltar ao índice
534
Ações; 2.2.3 Princípio Da Qualidade E Regularidade Na Prestação
Dos Serviços De Promoção Da Saúde Pública; 2.2.4 Princípio Da
Articulação Com As Políticas De Desenvolvimento De Relevante
Interesse Social; 2.2.5 Princípio Da Transparência E Controle So-
cial; 2.2.6 Princípios Da Eficiência, Sustentabilidade Econômica E
Fomento À Moderação Do Consumo De Água. 3. A Salta-Z No
Âmbito Da União (Funasa), Estados E Municípios; 3.1 Considera-
ções Gerais; 3.1.1 Salta-Z - Problemas Enfrentados; 3.1.2 Público
Alvo; 3.2 Fontes Que Respaldam A Salta-Z; 3.3 Principais Objeti-
vos Da Salta-Z; 3.4 Processo Administrativo; 3.4.1 Roteiro Legal
Da Salta-Z; 3.4.1.1 Da Qualidade Da Água; 3.4.1.2 Da Implanta-
ção Da Salta-Z Nos Estados E Municípios; 3.4.2 Da Denúncia De
Irregularidades Sobre A Salta-Z. 4. Competências Federativas No
Saneamento Básico; 4.1 A Responsabilidade Do Titular Dos Ser-
viços Pode Ser Delegada; 4.2 Considerações Acerca Da Coopera-
ção Internacional; 4.3 Reconhecimentos Externos Via Ações Civis
Públicas. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas. 7. Anexos.

1. INTRODUÇÃO

No âmbito do Curso de Extensão em Direito do Saneamento, minis-


trado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas – ICJP, Centro de Inves-
tigação de Direito Público – CIDP, Faculdade de Direito – Universidade de
Lisboa, o tema água foi um dos destaques, independente da abordagem
(legal, gestão, ambiental, regulação, contratos, direito comparado etc).

Assim, ao avaliar a importância do tema correlacionado ao debate so-


bre a escassez de água potável que vem de longa data, à ausência de uma
solução plena para esse problema, bem como o trabalho desenvolvido no
âmbito da Funasa - Saneamento Básico -, mais precisamente no que se re-
fere à água tratada para consumo humano, buscar-se-á mostrar no pre-

Voltar ao índice
535
Estudos de Direito do Saneamento

sente trabalho a Solução Alternativa Coletiva de Tratamento de Água para


Consumo Humano- SALTA-z – que, à sua maneira, contribui para amenizar
a difícil realidade de falta de água tratada em pequenas comunidades ca-
rentes, ribeirinhas, rurais, quilombolas, etc de até 50 mil habitantes.

Desta forma, efetuar-se-á uma pesquisa exploratória por meio de


bibliografias, doutrinas, legislações, internet, artigos, casos práticos da
Funasa e outros materiais, com a finalidade de absorver o máximo possí-
vel de informações correlatas ao assunto, na busca de situações em que
se possa inferir e confirmar a SALTA-z como uma alternativa frente aos
desafios da realidade brasileira, isto é, como a materialização do direito
de acesso à água potável.

Por fim, averiguar-se-á e buscar-se-á comprovar se a SALTA-z por ato


da Funasa (fundação pública federal) em conjunto com Estados e Muni-
cípios, já é uma prática comum na realidade e se contribui para materia-
lizar o direito de acesso à água potável com a captação, tratamento e for-
necimento de água potável para comunidades de até 50 mil habitantes,
se esse equipamento diminui a escassez de água tratada e consequen-
temente os problemas advindos da falta desta que atingem uma grande
parte da população brasileira.

2. O SANEAMENTO BÁSICO E a SALTA-z

2.1 Considerações gerais sobre saneamento básico

Considerada a importância do saneamento básico e da observância


dos princípios, a deficiência no acesso à água potável para consumo hu-
mano (saneamento básico) provocou a descoberta da SALTA-z (ANEXO I).

Voltar ao índice
536
Assim, ao iniciar o presente trabalho, faz-se necessário rememorar
o que é saneamento básico e os princípios do saneamento mais impor-
tantes que norteiam a Administração Pública e que prescrevem a forma
como o Estado, na pessoa de seus agentes públicos, deve agir em rela-
ção ao saneamento básico, direito assegurado nos artigos 21, XX e 23,
IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 doravante
“CR/88”2 e na Lei n.º 11.445/2007.

O saneamento básico é um direito assegurado constitucional e infra-


constitucionalmente pela Lei n.º 11.445/2007 que dispõe em seu artigo
3º3 ser um conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacio-
nais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana
e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais,
limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas.

Com o saneamento básico, espera-se garantir melhores condições de


vida e saúde para as pessoas, reduzindo e/ou evitando a contaminação e
a proliferação de diversas doenças.

Isso posto, conforme o Instituto Trata Brasil (2019)4, cada R$ 1,00 in-
vestido em saneamento gera economia de R$ 4,00 na saúde e estima-se
que entre 2016 a 2036 a economia total com a melhoria das condições
de saúde da população brasileira seja de R$ 5,949 bilhões.

2 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (de 05 de outubro de


1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.
htm. Acesso em: 10 jun. 2019.
3 Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o
saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de
maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga
a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Brasília, 2007. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm. Acesso
em: 27 set 2019.
4 INSTITUTO TRATA BRASIL. “Saúde”. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.
br/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/saude. Acesso em: 14 set. 2019.

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537
Estudos de Direito do Saneamento

2.2 Princípios fundamentais aplicáveis ao saneamento básico

Além dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, pu-


blicidade e eficiência expressos no artigo 37, da CR/88, em rol exempli-
ficativo, aos quais a administração pública necessita obedecer, a Lei n.º
11.445/2007 estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento bási-
co e acrescenta em seu artigo 2º5 outros princípios:

Art. 2º Os serviços públicos de saneamento básico serão presta-


dos com base nos seguintes princípios fundamentais:

I - universalização do acesso;

II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as


atividades e componentes de cada um dos diversos serviços
de saneamento básico, propiciando à população o acesso na
conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia
das ações e resultados;

III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza ur-


bana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas
adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente;

IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de


drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização
preventiva das respectivas redes, adequados à saúde pública
e à segurança da vida e do patrimônio público e privado;

V- adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as


peculiaridades locais e regionais;

5 Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o


saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de
maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a
Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Brasília, 2007.

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538
VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e
regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua er-
radicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e
outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria
da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja
fator determinante;

VII - eficiência e sustentabilidade econômica;

VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capa-


cidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções
graduais e progressivas;

IX - transparência das ações, baseada em sistemas de informa-


ções e processos decisórios institucionalizados;

X - controle social;

XI - segurança, qualidade e regularidade;

XII - integração das infra-estruturas e serviços com a gestão efici-


ente dos recursos hídricos;

XIII - adoção de medidas de fomento à moderação do consumo


de água. (grifei)

Cabe ressaltar que o Decreto n.º 7.217/2010, em seu artigo 3º6,


também faz referência aos mesmos 12 princípios já elencados na Lei n.º
11.445/2007, com pequenas diferenças nos incisos III e V do Decreto,
que a princípio não influencia na visão geral dos princípios. Contudo, é
importante destacar que a Lei contém um princípio a mais, o do inciso

6 Decreto n.º 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei no 11.445, de


5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá
outras providências. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2007-2010/2010/Decreto/D7217.htm. Acesso em: 27 jun. 2019.

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539
Estudos de Direito do Saneamento

XIII, que é importante para as presentes e futuras gerações, qual seja: a


moderação no consumo de água.

Ante o exposto, passa-se a pormenorizar alguns destes princípios


com enfoque voltado à água.

2.2.1 Princípio da Universalização do Acesso

A universalização do acesso (inciso I) ao saneamento básico, neste


caso, água potável, por meio de serviços públicos, deve ser progressiva
a todos os domicílios ocupados da população brasileira (artigo 3º, III, da
Lei n.º 11.445/2007).

Todavia, ainda deixa a desejar, uma vez que não atende a todas as
pessoas, principalmente às que estão afastadas dos grandes centros ur-
banos e em áreas de difícil acesso à saneamento básico.

Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento –


SNIS (2019)7, em 2017 foram apuradas informações de abastecimento de
água em 5.126 municípios (98% da população urbana do Brasil). Ainda,
da população urbana do Brasil, 93,0% (cerca de 160 milhões) era atendi-
da por rede de abastecimento de água, com maior índice no Sul (98,4%),
Centro-Oeste (98,1%), Sudeste (95,9%) e Nordeste (88,8%), sendo o
menor índice no Norte (70,0%). Estes percentuais referiam-se ao atendi-
mento feito exclusivamente por redes públicas e não incluíram soluções
individuais como, por exemplo, poço ou nascente.

7 Ministério do Desenvolvimento Regional. Sistema Nacional de Informações so-


bre Saneamento. “Ministério do Desenvolvimento Regional publica diagnósticos da situa-
ção do saneamento no Brasil”. Brasília, 25 de fevereiro de 2019. Disponível em: http://www.
snis.gov.br/component/content/article?id=175. Acesso em: 14 set. 2019.

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540
Já de acordo com o Instituto Trata Brasil (2019)8, 83,5% dos bra-
sileiros são atendidos com abastecimento de água tratada (57,49%
no Norte, 73,25% no Nordeste, 91,25% no Sudeste, 89,68% no Sul e
90,13% no Centro Oeste), quase 35 milhões não tem acesso a este
serviço, o consumo médio de água no país é de 153,6 litros por habi-
tante ao dia, sendo mais que os 110 litros/dia considerados pela ONU
(Organização das Nações Unidas) como suficiente para atender as ne-
cessidades básicas de uma pessoa.

A universalização é condição para que o direito humano à água potá-


vel e ao saneamento reconhecido na Resolução da Assembleia Geral da
ONU n.º A/RES/64/292, de 20109, seja efetivado.

Consoante Jaime Melo Baptista (2013, pp. 90 - 91)10, as Nações Uni-


das declararam, em 2010, que o acesso aos serviços de abastecimento
e saneamento é direito humano e que os países membros têm obri-
gação de promover todas as medidas necessárias para concretizá-lo,
sendo obrigação dos governos o prosseguimento, respeito, proteção e
cumprimento desses direitos.

Isto posto, sem assegurar a universalização do direito de acesso à


água potável, consequentemente também não se estará assegurando a
efetivação dos demais direitos humanos, obrigação do Poder Público.

8 INSTITUTO TRATA BRASIL. “Água”. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/


saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/agua. Acesso em: 14 set. 2019.
9 UNITED NATIONS. “Resolution adopted by the General Assembly on 28 July
2010, A/RES/64/292”. 3 August 2010. Disponível em: https://www.un.org/en/ga/search/
view_doc.asp?symbol=A/RES/64/292. Acesso em: 9 ago. 2019.
10 J. MELO BAPTISTA, “Experiências Internacionais da Regulação dos Serviços Pú-
blicos de Água”, in coordenação científica de J. MIRANDA et. al. Direito da Água. Lisboa:
ICJP, 2013. pp. 90-91.

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541
Estudos de Direito do Saneamento

Neste norte, o Decreto n.º 7.217/2010, no seu artigo 6º, §1º11, admi-
te soluções individuais, como no caso a SALTA-z, ante à ausência de redes
de abastecimento de água indo ao encontro da Resolução da ONU:

Art. 6o Excetuados os casos previstos nas normas do titular, da


entidade de regulação e de meio ambiente, toda edificação per-
manente urbana será conectada à rede pública de abastecimen-
to de água disponível.

§ 1o Na ausência de redes públicas de abastecimento de água,


serão admitidas soluções individuais, observadas as normas edi-
tadas pela entidade reguladora e pelos órgãos responsáveis pelas
políticas ambiental, sanitária e de recursos hídricos. (grifei)

Depreende-se, portanto, que a Administração Pública – Funasa pro-


cura atender aos princípios constitucionais conjugados com outros prin-
cípios dos diferentes ramos do direito, aplicáveis ao Saneamento Básico,
na busca de contribuir para a prestação dos serviços progressivamente a
todos os domicílios, universalizando, assim, o acesso à água potável que
é elemento importante à uma vida digna (artigo 1º, III, CR/88).

2.2.2 Princípio da Integralidade das Ações

No tocante à integralidade das ações (inciso II), está intrinsecamente li-


gada à universalidade de acesso (inciso I), uma vez que todas as atividades
e componentes de cada um dos serviços de saneamento básico devem ser
postos à disposição da população com eficiência e eficácia na conformidade
das necessidades da população, inclusive adotando os métodos, técnicas e
processos que considerem as características regionais e locais (inciso V).

11 Decreto n.º 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei no 11.445, de 5


de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá
outras providências. Brasília, 2010.

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542
Por conseguinte, já ensinava Hely Lopes Meirelles (2009, p. 90)12:

Cumprir simplesmente a lei na frieza de seu texto não é o mesmo


que atendê-la na sua letra e no seu espírito. A administração, por
isso, deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral,
para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos inte-
resses sociais. (grifei)

Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB (2013,


p. 21)13, a integralidade dos componentes corresponde a abastecimento
de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de re-
síduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.

Sob este prisma, percebe-se que a Administração Pública está buscando


com a SALTA-z atender à lei e aos interesses sociais de acesso à água potável.

2.2.3 Princípio da Qualidade e Regularidade na Prestação dos Ser-


viços de Promoção da Saúde Pública

O artigo 175, da CR/88, dispõe que “Incumbe ao Poder Público, na


forma da lei, [...] a prestação de serviços públicos”. (grifei)

Serviços públicos que, conforme o artigo 2º da Lei n.º 11.445/200714,


são entre outros, serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitá-

12 H. LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, 35ª ed. Atualizada por


Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Pau-
lo: Malheiros Editores, 2009.
13 Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. “Plano
Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB”. Brasília, dezembro de 2013. Disponível em:
http://www.cecol.fsp.usp.br/dcms/uploads/arquivos/1446465969_Brasil-PlanoNacional-
DeSaneamentoB%C3%A1sico-2013.pdf. Acesso em: 11 set. 2019.
14 Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o
saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de
maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a
Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Brasília, 2007.

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543
Estudos de Direito do Saneamento

rio, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos (inciso III), serviços de
drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva
das respectivas redes (inciso IV), os quais devem ser prestados com a devi-
da qualidade, segurança a vida, ao patrimônio público e privado e de forma
regular (incisos IV e XI), bem como realizados e disponibilizados de formas
adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente (inciso III).

Quanto à qualidade, pode-se inferir como sendo da água (a qual será


esplanada no subitem 3.4.1.1 deste trabalho) e também como a qualida-
de na prestação de serviços, a qual pode ser definida como a prestação
de serviços que superem as expectativas do cliente.

Neste sentido, afirma Campos (1992)15 que um serviço de qualidade é


aquele que atende perfeitamente, de forma confiável, acessível, segura e
no tempo certo às necessidades do cliente.

Vale ressaltar que a degradação da qualidade das águas chega a ní-


veis catastróficos, o que leva à escassez de água potável para consumo
humano em diversas partes.

Corrobora com o exposto Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Braga e


José Galizia Tundisi (2006)16 ao afirmarem que o que falta no Brasil não é
água, mas um padrão cultural voltado para a ética, a eficiência de desem-
penho político por parte dos governos, da sociedade, das ações públicas
e privadas promotoras do desenvolvimento econômico, em geral.

Sobre a regularidade há que se ter, no caso, abastecimento de água sem


interrupção, devendo-se estar preparado para atuar em situações de riscos e
emergências, evitando o desabastecimento e a interrupção no fornecimento.

15 CAMPOS, V. F. TQC: “Controle da Qualidade Total”. Belo Horizonte: Fundação


Christiano Ottoni, 1992.
16 A. DA CUNHA REBOUÇAS, B. BRAGA e J. GALIZIA TUNDISI (Org.), “Águas doces
no Brasil: capital ecológico, uso e conservação”, 3. ed. São Paulo: Escrituras, 2006.

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544
Já referente à promoção de saúde, vale destacar a primeira Confe-
rência internacional sobre promoção da saúde, realizada em Ottawa em
21/11/86, a qual aprovou a Carta de Ottawa17, in fine:

[...] o processo que visa aumentar a capacidade dos indivíduos e


das comunidades para controlarem a sua saúde, no sentido de
a melhorar. Para atingir um estado de completo bem-estar fisi-
co, mental e social, o indivíduo ou o grupo devem estar aptos a
identificar e realizar as suas aspirações, a satisfazer as suas ne-
cessidades e a modificar ou adaptar-se ao meio. Assim, a saúde
é entendida como um recurso para a vida e não como uma fina-
lidade de vida; A saúde é um conceito positivo, que acentua os
recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Em
consequência, a Promoção da Saúde não é uma responsabilidade
exclusiva do sector da saúde, pois exige estilos de vida saudáveis
para atingir o bem-estar. (grifei)

Destaca-se, ainda, a Portaria n.º 2.446/201418, que redefiniu a Política


Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) e trouxe em seu artigo 6º como
objetivo geral “promover a equidade e a melhoria das condições e mo-
dos de viver, ampliando o potencial da saúde individual e coletiva, redu-
zindo vulnerabilidades e riscos à saúde decorrentes dos determinantes
sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais.”

17 Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. 1ª, 1986, Ottawa. “Carta


de Ottawa para a Promoção da Saúde”. Canadá, 17-21 Novembro de 1986. Disponível
em: http://www.iasaude.pt/attachments/article/152/Carta_de_Otawa_Nov_1986.pdf.
Acesso em: 11 set. 2019.
18 Ministério da Saúde. “Portaria n.º 2.446, de 11 de novembro de 2014”. Re-
define a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS). Brasília, 2014. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt2446_11_11_2014.html. Acesso
em: 11 set. 2019.

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545
Estudos de Direito do Saneamento

2.2.4 Princípio da Articulação com as Políticas de Desenvolvimen-


to de Relevante Interesse Social

A articulação com as políticas de desenvolvimento, entre elas: sane-


amento, habitação, combate à pobreza, proteção ambiental e promoção
da saúde são fundamentais para a melhoria da qualidade de vida, sendo
o saneamento básico determinante (inciso VI) e em tudo isso se deve uti-
lizar de tecnologias apropriadas, adotando soluções graduais e progres-
sivas, como no caso a SALTA-z, já que se deve considerar a capacidade de
pagamento do usuário (inciso VIII).

Neste sentido, Giovanna (2016, p. 197)19 esclarece que não há neces-


sidade de outorga e de pagamento, posto que as externalidades positivas
geradas seriam neutralizadas, vejamos:

A publicização das águas e a cobrança pelo seu uso repercutiram


em diversas situações, como em relação à população mais pobre.
O baixo consumo, principalmente o referente ao abastecimento
das populações carentes, não deverá ser tributado, sob pena de
ofensa ao princípio constitucional do direito à vida. O artigo 12,
parágrafo 1º da Lei 9.433/97, dispõe que independem de outor-
ga, e consequentemente de cobrança, o uso de recursos hídricos
para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos popu-
lacionais, distribuídos no meio rural, e as derivações, captações
e lançamentos, assim como acumulações de volumes de água
considerados insignificantes. (grifei)

19 G. P. PRIMOR RIBAS, “O tratamento Jurídico dos Recursos Hídricos no Brasil e


nos Estados Unidos da América”. Revista Veredas do Direito. Belo Horizonte, v. 13, n. 27,
Set/Dez. 2016, pp. 197. Ed. Dom Helder. Disponível em: http://doczz.fr/doc/1911009/vere-
das-do-direito--belo-horizonte--%C2%B7-v.13-%C2%B7-n.27. Acesso em: 3 jul. 2019.

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546
Ainda, segundo Giovanna (2016, p. 197)20, com a Política Nacional a
água passou a ter valor econômico – o usuário deve pagar para utilizá-
la – e o que se paga não é a água em si, mas os serviços de saneamento,
como: captação, tratamento, adução e distribuição de água potável, bem
como a coleta e o tratamento de esgotos. E acrescenta que a cobrança
pela água é instrumento de política de recursos hídricos, que não foi am-
plamente regulamentada.

Consoante o artigo 20 da Lei n.º 9.433/9721, serão cobrados os usos


de recursos hídricos sujeitos à outorga, nos termos do artigo 12 da Lei
em comento. Para tanto, considerando que para a SALTA-z não há exigên-
cia de outorga, também não há cobrança pelo uso.

Desta feita, a SALTA-z atende ao princípio, uma vez que age na satisfa-
ção do interesse público, na extensão e intensidade proporcionais ao que
lhe é demandado dentro de suas competências de saneamento básico, no
caso, água potável para pequenas comunidades de até 50 mil habitantes.

2.2.5 Princípio da Transparência e Controle Social

O princípio da publicidade está expresso na CR/88, artigo 37, caput,


sendo a regra para a transparência das ações praticadas pela Administra-
ção Pública (inciso IX da Lei n.º 11.445/2007).

Todavia, o próprio texto constitucional vem tecendo limitações ao uso


da publicidade, com vedações expressas, como as encontradas no artigo

20 PRIMOR RIBAS, RVD, pp. 197.


21 Lei n.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o
inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de
março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9433.htm. Acesso em: 02 jul. 2019.

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547
Estudos de Direito do Saneamento

5º, inciso XXXIII, que dispõe sobre o direito de receber informações dos
órgãos públicos, excepcionadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado e assim sucessivamente.

Além da previsão constitucional, este princípio vem regulado na Lei


n.º 9.784/99, em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso V22 (divulgação
oficial dos atos administrativos), bem como na Lei n.º 12.527/201123, co-
nhecida como a Lei da Transparência.

Ante ao disposto, vale salientar que o processo administrativo referente


à SALTA-z é público, sendo seus atos e comunicações feitas de forma pública.

Neste contexto, o princípio da publicidade é respeitado naquilo que


não conflitar com os atos de caráter sigiloso. De acordo com Maria Sylvia
Zanella Di Pietro (2009, p. 19)24, “[...] a adoção do princípio da publicida-
de dos atos da Administração Pública, que assegura ao público em geral
a possibilidade de conhecer os atos de seu interesse, salvo hipóteses de
sigilo previamente declarado; [...]”.

Desta feita, para que a Administração aja de forma coerente antes,


durante e após todo o trâmite processual de implantação da SALTA-z nas
comunidades, é necessário respeito a este princípio, demonstrando à so-
ciedade que se mantém íntegra, respeita a boa-fé e a lei.

22 Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âm-


bito da Administração Pública Federal. Brasília, 1999. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/L9784.htm. Acesso em: 10 jun. 2019.
23 Lei n.º 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações
previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da
Constituição Federal; altera a Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n.º
11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n.º 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá
outras providências. Brasília, 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 15 set. 2019.
24 M. S. ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo Brasileiro”, 22ª ed. São Pau-
lo: Atlas, 2009.

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548
Conforme lecionam os autores Ladisael Bernardo e Sérgio Viana da
Silva (2004, p. 127)25 “Sua aplicação requer objetividade e neutralidade
quando se trata da Administração agir no interesse da sociedade.”

Já quanto ao controle Social dos serviços públicos de saneamento (in-


ciso X da Lei n.º 11.445/2007), este deve ocorrer por meio de um conjunto
de mecanismos e procedimentos que garantam à sociedade informações,
representações técnicas e participações nos processos de formulação de
políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públi-
cos de saneamento básico (artigo 3º, IV, da Lei em comento).

Ainda, de acordo com o artigo 47 da citada Lei26, o controle social poderá


incluir a participação de órgãos colegiados de caráter consultivo, estaduais,
do Distrito Federal e municipais relacionados ao setor de saneamento, asse-
gurada a representação: I - dos titulares dos serviços; II - de órgãos governa-
mentais; III- dos prestadores de serviços públicos; IV- dos usuários e V- de en-
tidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor.

2.2.6 Princípios da Eficiência, Sustentabilidade Econômica e Fo-


mento à Moderação do Consumo de Água

A promoção da eficiência e sustentabilidade econômica (inciso VII)


na prestação dos serviços de acesso à água deve estar intercalada com
o fomento à moderação do consumo de água (inciso XIII) e considerar,
ainda, a capacidade de pagamento dos usuários (inciso VIII).

25 L. BERNARDO e S. VIANA DA SILVA, “Polícia Federal: manual prático processo


administrativo disciplinar e sindicância”. Campinas: Bookseller, 2004.
26 Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o
saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de
maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a
Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Brasília, 2007.

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549
Estudos de Direito do Saneamento

Segundo Pedro Cunha Serra in Políticas Públicas da Água (2016, pp. 15-
16) , enquanto se pensava na água como bem livre e abundante, não ha-
27

via preocupação de ser o mesmo inesgotável. Somente quando se passou


a tê-la como bem econômico de domínio público e finito, ao qual os cida-
dãos estão dispostos a pagar para lhe ter acesso, é que as políticas públicas
assumiram a dimensão econômica, tornando-se necessária a intervenção
dos poderes públicos, definindo políticas, para fazer o mercado funcionar e
cumprir com o objetivo de assegurar o uso eficiente do recurso.

O fomento na moderação do consumo da água nada mais é que provo-


car nos consumidores a conscientização e participação na utilização mais efi-
ciente da água e a reutilização sempre que possível, evitando os desperdíci-
os. Para tanto, também é necessário que haja a eficiência estrutural do setor.

Neste sentido, Jaime Melo in Políticas Públicas da Água (2016, pp.


30 - 31)28 reporta que as entidades gestoras dos serviços de águas deve-
rão reforçar a prestação de serviços cumprindo as políticas públicas, os
enquadramentos legais, contratuais e regulatórios; contribuindo para a
eficiência estrutural do setor através de agregação; considerando a parti-
lha dos riscos; maior transparência e responsabilização social; avaliando
a regular satisfação dos consumidores e sensibilizando estes e a socie-
dade em geral a reforçar as exigências por mais informação, qualidade e
transparência nos serviços, participando na discussão de políticas públi-
cas, exercendo os seus direitos e deveres para melhoria da utilização do
serviço e de recursos hídricos.

27 P. CUNHA SERRA, “Políticas Públicas da Água”, in: coordenação de P. CUNHA


SERRA, Políticas Públicas da Água. Lisboa: APAH e ERSAR, 2016. pp. 15-16.
28 J. MELO BAPTISTA. “Políticas Públicas dos Serviços de Águas – Uma Análise Pros-
pectiva”, in: coordenação de P. CUNHA SERRA, Políticas Públicas da Água. Lisboa: APAH e
ERSAR, 2016. pp. 30-31.

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550
Enfim, a Lei n.º 11.445/2007 instiga os serviços públicos e a socieda-
de a adotarem medidas para economia no consumo de água no Brasil.

Ainda assim, segundo o SNIS (2019)29 as perdas de água na distribui-


ção no Brasil foram de 38,3%, em 2017, identificando os melhores de-
sempenhos no Centro-Oeste com 34,1% e no Sudeste com 34,4%, fican-
do o pior desempenho no Norte com 55,1% de perda da água tratada.

De acordo com o Instituto Trata Brasil (2019)30, ao distribuir a água


potável para garantir consumo, os sistemas sofrem perdas na distribuição
antes de chegar às residências que, na média nacional, alcançam 38,29%
(55,14% no Norte, 46,25% no Nordeste, 34,35% no Sudeste, 36,54% no
Sul e 34,14% no Centro Oeste).

Desta forma, examinadas as disposições principiológicas do sanea-


mento básico, alicerce para a SALTA-z e para o atendimento das pequenas
comunidades de forma eficiente, passa-se a discorrer sobre a SALTA-z.

3. A salta-z NO ÂMBITO DA UNIÃO (FUNASA), estados e Municípios

3.1 Considerações gerais

Considerando as diversas situações enfrentadas pelas comunidades


mais afastadas dos grandes centros, tais como a qualidade imprópria da
água para consumo humano, a ausência de sistema público de distribui-

29 Ministério do Desenvolvimento Regional. Sistema Nacional de Informações so-


bre Saneamento. “Ministério do Desenvolvimento Regional publica diagnósticos da situa-
ção do saneamento no Brasil”. Brasília, 25 de fevereiro de 2019.
30 INSTITUTO TRATA BRASIL. “Água”.

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551
Estudos de Direito do Saneamento

ção de água, a ausência de água tratada, a inexistência ou precariedade


de sistemas de abastecimento de água, o desconhecimento das tecnolo-
gias existentes, a deficiência ou falta de pessoal qualificado etc, a Funasa
desenvolveu a SALTA-z.

A SALTA-z é uma alternativa de solução técnica e simplificada na área


de saneamento e saúde ambiental para prover água potável de maneira
simples, eficaz e de qualidade aos moradores em pequenas comunida-
des (de até 50 mil habitantes) carentes, ribeirinhas, quilombolas etc, sem
acesso à água para consumo humano, consequentemente prevenindo
doenças, promovendo a saúde da população e atendendo, assim, entre
outros, à Lei n.º 11.445/2007 que estabelece diretrizes nacionais para o
saneamento básico e à Portaria MS n° 2.914/201131.

O equipamento de tecnologia brasileira, segundo o Guia de Reapli-


cação – Programa SALTA-z (2019, p. 49, p. 52)32, tem reservatório com
capacidade de 10 mil litros, é destinado a municípios com até 50 mil ha-
bitantes e é composto de 42 itens. Custava ao final de 2018 R$17.850,00
reais, sendo a instalação na faixa de R$4.000,00 reais, desse total, 70%
cabe à Funasa e 30% ao Município.

Ainda, segundo o Guia (2019, p. 49, p. 52)33, no Pará, local dos criadores do
equipamento, a Funasa junto com a Prefeitura já implantou, em 2017 e 2018,
55 SALTA-z e prevê que até 2020 todas as 72 ilhas estejam utilizando a SALTA-z.

31 Ministério da Saúde. “Portaria n.º 2.914, de 12 de dezembro de 2011”. Dispõe


sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo
humano e seu padrão de potabilidade. Brasília, 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.
gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2914_12_12_2011.html. Acesso em: 13 ago. 2019.
32 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. “Coletânea Guias de Reaplicação”.
(5 volumes) – Programa SALTA-z – Abaetetuba/PA (v1). Brasília, 2019, p. 49, p. 52.
33 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. “Coletânea Guias de Reaplicação”.
(5 volumes) – Programa SALTA-z – Abaetetuba/PA (v1). Brasília, 2019, p. 49, p. 52.

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552
Isso posto, infere-se que a SALTA-z atende às disposições da alínea a) do
inciso I do artigo 3º da Lei n.º 11.445/200734 que se refere a Saneamento
Básico, mais especificamente à água potável:

I - saneamento básico - conjunto de serviços, infra-estruturas e


instalações operacionais de:

a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades,


infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento
público de água potável, desde a captação até as ligações
prediais e respectivos instrumentos de medição; (grifei)

3.1.1 SALTA-Z - Problemas Enfrentados

Observou-se com a pesquisa que foram enfrentados diversos proble-


mas no começo do invento do equipamento, entre eles: 1 – ausência
de análise técnica assegurando a eficiência do objeto para a solução do
problema que se pretendia resolver (o consumo de água não tratada por
comunidades isoladas); 2 – falta de indicação dos locais em que a solução
a ser contratada seria implantada; 3 – falta de compromisso de terceiros
responsabilizando-se pelas despesas de manutenção e preservação da
solução (Funasa, Despacho n.º 129/2017. 2017 p. 62)35.

34 Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o


saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de
maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a
Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Brasília, 2007.
35 Fundação Nacional de Saúde. “Despacho n.º 129/2017/PFE/FUNASA, de
31/03/2017”. NUP.: 25100.001539/2017-35. 2017. p. 62. Disponível em: https://sei.funasa.
gov.br/sei/controlador.php?acao=procedimento_trabalhar&acao_origem=protocolo_pes-
quisa_rapida&id_protocolo=106202&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual-
=110000019&infra_hash=314215811f549d30a0bba1d17e2624c33768fc1ee80f5d5f0b-
52dc94471bedbd. Acesso em: 3 jul. 2019.

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553
Estudos de Direito do Saneamento

Todavia, no decorrer da pesquisa constatou-se que a SALTA-z utiliza


o filtro de zeólita, dosadores de coagulante e cloro desenvolvidos pela
FUNASA/SUEST-PA, com capacidade de produção de 1.000 l/h de água
potável (Manual da SALTA-z, 2017, pp. 27 - 29)36 e que a qualidade da
água foi aprovada por parecer técnico, bem como houve a participação
de Estados e Municípios junto à Funasa para a implantação da SALTA-z
nas pequenas comunidades, com o compromisso de manutenção do
equipamento e acompanhamento e consolidação das informações.

Neste sentido, o Parecer Técnico N.º 02/2017 do Farmacêutico Bi-


oquímico da Funasa, de 31/03/2017 (Funasa, 2017, p. 64)37:

[...] o funcionamento do equipamento e analisando os resulta-


dos laboratoriais, a eficiência e efetividade do equipamento, que
capta água bruta com características bastante proeminentes de
turbidez e provável contaminação bacteriana e produz, após sua
utilização, água potável segundo os parâmetros Cloro Residual
Livre, turbidez, pH, cor, ferro, manganês e bacteriológico.

Conclui-se então, que a SALTA-Z é um equipamento de baixo cus-


to, de fácil instalação, operação e manutenção, que vem demons-
trando eficiência e eficácia no tratamento da água destinada ao
consumo humano, possibilitando, por todas essas características

36 Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. “Manual da solução alter-


nativa coletiva simplificada de tratamento de água para consumo humano em pequenas
comunidades utilizando filtro e dosador desenvolvidos pela Funasa/Superintendência Esta-
dual do Pará”. Brasília, 2017.
37 Fundação Nacional de Saúde. “Parecer Técnico N.º 02/2017, de
31/03/2017”. NUP.: 25100.001539/2017-35. 2017. p. 64. Disponível em: https://sei.funasa.
gov.br/sei/controlador.php?acao=procedimento_trabalhar&acao_origem=protocolo_pes-
quisa_rapida&id_protocolo=106202&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual-
=110000019&infra_hash=314215811f549d30a0bba1d17e2624c33768fc1ee80f5d5f0b-
52dc94471bedbd. Acesso em: 3 jul. 2019.

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554
ao poder público aumentar o acesso à água potável às popula-
ções distantes dos grandes centros, promovendo-lhes mais saú-
de e melhor qualidade de vida. (grifei)

Desta feita, a Funasa enfrentou e provavelmente ainda confrontará


problemas dado ser um invento recente, no aguardo de patente, e com a
responsabilidade em atender às numerosas expectativas quanto ao uso e
disseminação da SALTA-z para contribuir para a materialização do direito
de acesso à água potável, não só no Brasil, mas também em outros países.

3.1.2 Público Alvo

Segundo o Manual da SALTA-z da Funasa/Superintendência Estadual


do Pará (2017, p. 5, p. 43)38:

[...] um procedimento simplificado para realizar a clarificação, fil-


tração e desinfecção em águas de superfície e subterrânea, com a
implantação de solução alternativa coletiva de abastecimento de
água potável em situações especiais e excepcionais, em pequenas
comunidades, tais como: moradores da zona rural, pequenas co-
munidades ribeirinhas, escolas da zona rural, comunidades indí-
genas, que ainda não contam com abastecimento público. (grifei)

A Solução Alternativa Coletiva Simplificada de Tratamento de Água –


SALTA-z– ora apresentada poderá ser a solução para nichos popula-
cionais ainda não contemplados com fontes de água potável. (grifei)

38 Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. “Manual da solução alter-


nativa coletiva simplificada de tratamento de água para consumo humano em pequenas
comunidades utilizando filtro e dosador desenvolvidos pela Funasa/Superintendência Esta-
dual do Pará”. Brasília, 2017.

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555
Estudos de Direito do Saneamento

Importante considerar a observação feita por Farnham (1904, pp.


1578-1580 apud RIBAS, 2016, p. 185)39 ao se referir sobre o uso da água
por ribeirinhos:

O ribeirinho pode usar a água como bem entender, seja para fins
domésticos ou para irrigação, desde que esse uso seja razoável,
o que implica dizer que não podem diminuir o volume de água
disponível, nem comprometer a sua qualidade. Além disso, tam-
bém tem o direito a todos os produtos oriundos das águas, desde
que não prejudiquem os demais proprietários (FARNHAM, 1904,
p. 1578). (grifei)

[...] Outro requisito também deve ser observado: os usos priori-


tários. Em caso de escassez, o uso primordial deve ser o domés-
tico, de maneira que todos os proprietários de terras, ao longo
do curso de água, possam dela fazer uso para suas necessidades
primárias (FARNHAM, 1904, p. 1580). (grifei)

Conforme se extrai do Anexo II - Critérios de Elegibilidade, da Ordem


de Serviço n.º 58/201840, o público alvo inclui municípios/comunidades
com águas superficiais ou subterrâneas com presença de ferro e manga-
nês, sem fornecimento de água potável, sendo priorizadas as comunida-
des com indicadores elevados de doenças relacionadas ao saneamento
ambiental inadequado e com maiores números de domicílios.

39 PRIMOR RIBAS, RVD, pp. 185.


40 Fundação Nacional de Saúde. “Ordem de Serviço ou de Fornecimento de Bens
n.º 58/2018/COSAD/GAPR/PRESI”. Boletim de Serviço, BS n.º 016, p. 3, 16/04/2018. Dis-
ponível em: https://funasa.sharepoint.com/sites/Conecta/Legislao/Funasa/BOLETINS%20
DE%20SERVI%C3%87O%20-%20PRESID%C3%8ANCIA/2018/BS_16_PRESI_2018.pdf. Aces-
so em: 19 jun. 2019.

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556
Neste sentido, várias comunidades estão sendo atendidas, conforme
se verifica, por exemplo, no Boletim Informativo da Funasa, Ano XIII – N.º
4 – Setembro/201741:

[...] (Salta-Z). A beneficiada com a tecnologia foi a comunidade


Maracapuru Cariá/PA que, de acordo com a agente comunitária
de saúde, Ana Izabel Marques Sardinha, atenderá em torno de
54 famílias que sobrevivem do extrativismo do açaí e são despro-
vidos de escola e posto de saúde. Consumindo água bruta do rio
sem nenhum tipo de tratamento, a comunidade pôde receber a
Salta-Z após o diagnóstico preliminar realizado e o levantamento
do perfil epidemiológico da localidade, o qual identificou altos
índices de doenças de veiculação hídrica. (grifei)

[...]

A implantação da tecnologia na região trouxe outros benefícios,


dentre eles o desenvolvimento da renda familiar, uma vez que
grande parte da população são produtores de agricultura familiar
e poderão utilizar a água de qualidade para extração do açaí, aba-
te de aves e agricultura, consumindo um produto de qualidade,
livre de contaminação. (grifei)

3.2 Fontes que respaldam a salta-z

Sabe-se que fonte no sentido exato do vocábulo significa um marco ori-


ginário, uma procedência determinada que permita saber a origem de um
acontecimento qualquer, de maneira que o vincule a um texto científico.

41 Fundação Nacional de Saúde. “Instalação da SALTA-z muda dia a dia de famílias


em comunidade do estado do Pará”. Boletim Informativo da Funasa, Ano XIII, N.º 4, setem-
bro/2017. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38969/bol_Funa-
sa_set2017_web.pdf/e1661039-7dcb-4f97-a4a7-672c7871d55a. Acesso em: 18 jun. 2019.

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557
Estudos de Direito do Saneamento

Para alguns autores, as fontes são a origem, o nascimento do Direi-


to, para outros, são formas de expressão, modos de aparecimento ou
simples manifestações, e há aqueles para quem as fontes são causas do
nascimento do direito em geral, seja das instituições jurídicas, seja das
regras jurídicas.

Conclui-se, pois, que se a fonte é a origem do direito, não é, no entan-


to, uma origem qualquer.

Ante o disposto, passa-se a postar algumas das fontes que respal-


dam/orientam a SALTA-z:

Constituição da República Federativa do Brasil, de 05/10/1988;

Lei n.º 8.666/93, de 21/06/1993- institui normas para licitações e


contratos da Administração Pública;

Lei n.º 9.433, de 8/01/1997 – Institui a Política Nacional de Re-


cursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos [...]

Lei n.º 9.784, de 29/01/1999 (alterada pelas Leis n.º 11.417, de


19/12/06; e 12.008, de 29/07/09) – Regula o processo adminis-
trativo no âmbito da Administração Pública Federal;

Lei n.º 10.406, de 10/01/2002 – Institui o Código Civil;

Resolução n.º 357, de 17 de março de 2005 – CONAMA (alterada


pelas Resoluções 410/2009 e 430/2011);

Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007 – Estabelece diretrizes


nacionais para o saneamento básico [...];

Decreto n.º 7.217, de 21/06/2010 – Regulamenta a Lei n.º 11.445/2007


(estabelece normas para a execução da lei em comento);

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558
Resolução da Assembleia Geral da ONU n.º A/RES/64/292, de 28
de julho de 2010, que reconhece o direito humano à água potá-
vel e ao saneamento

Decreto n.º 8.867, de 03/10/2016 – aprova o Estatuto da Funasa


(II – controle da qualidade da água para consumo e III – desenvol-
ver estudos e pesquisas);

Ordem de Serviço ou de Fornecimento de Bens n.º 58/2018/


COSAD/GAPR/PRESI, de 16/04/2016 – publicado no Boletim de
Serviço da Funasa BS n.º 016, p. 3, de 16/04/2018;

Pode-se extrair, entre outros, dos arts. 5º, 6º, 227, da CR/88, que a
vida e a saúde são direitos protegidos constitucionalmente e que o direi-
to à água está implicitamente esposado na CR/88 ao se referir ao direito
à saúde e à alimentação, uma vez que para se ter saúde e para a confec-
ção de alimentação a água é de suma importância. Ressalta-se, inclusive,
que a água faz parte da nossa alimentação e higiene. Ademais, com água
de qualidade é possível não só prevenir como erradicar vários tipos de
doenças, ou seja, não há que se falar em saúde e alimentação sem água
a qual deve ser potável e de qualidade.

Neste norte, a Resolução da ONU n.º A/RES/64/29242, consagrou ex-


pressamente o direito de acesso equitativo à água potável e ao saneamen-
to como componente integral da realização de todos os direitos humanos
e reafirmou a responsabilidade dos Estados de promove-los e protege-los,
bem como o compromisso assumido pela comunidade internacional para
alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio de reduzir o volume
de pessoas sem acesso à água potável ou que não podem pagar por ela.

42 UNITED NATIONS. “Resolution adopted by the General Assembly on 28 July


2010, A/RES/64/292”. 3 August 2010.

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559
Estudos de Direito do Saneamento

Neste sentido, conforme Madalena Vasconcelos (2017, pp. 13-14, p.


37) : a Resolução em comento não cria obrigações jurídicas para os Esta-
43

dos Membros das Nações Unidas, uma vez que a natureza jurídica desta
resolução é a de um ato jurídico sem efeito vinculativo para os Estados
por ser uma soft law, todavia cria uma pressão político-mediática sobre
os Estados que pode conduzir a melhorias significativas, sendo o direito
de acesso à água autônomo e parte da ordem jurídica internacional a
que os Estados estão vinculados.

Segundo o mestre António Leitão (2013, pp. 37 - 39)44, há reconheci-


mento pela Organização das Nações Unidas do “direito à água e ao sa-
neamento” como um dos direitos humanos, sendo os serviços de águas
garantia (institucional) do direito das pessoas de acesso à água, mas tam-
bém do direito à saúde, visando dois fins: proteger os recursos e os siste-
mas hídricos e assegurar os usos da água pelos seres humanos, sendo a
função de regulação tipicamente atribuída a entidades públicas.

Por fim, o abastecimento alternativo de água efetuado pela SALTA-z é


regulado, também, pela Resolução CONAMA n° 357/2005, alterada pela
Resolução n.º 410/2009 e pela 430/201145, que dispõe sobre a classifi-
cação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadra-

43 M. VASCONCELOS ROSA, “O direito humano de acesso à água e ao saneamento:


legitimado pelo costume internacional”, in: coordenação de J. MIRANDA et. al. Temas de
Direito da Água. Lisboa: 2017 pp. 13-14, 37.
44 A. LEITÃO AMARO, “Perspetivas de Reorganização Institucional dos Serviços de
Água”, in: coordenação científica de J. MIRANDA et. al. Direito da Água. Lisboa: ICJP, 2013.
pp. 37-39.
45 Ministério do Meio Ambiente. “Resolução n.º 357, de 17 de março de 2005”.
Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enqua-
dramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e
dá outras providências. Brasília, 2005. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/co-
nama/legiabre.cfm?codlegi=459. Acesso em: 14 maio 2019.

Voltar ao índice
560
mento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de
efluentes e dá outras providências.

3.3 Principais objetivos da salta-z

A SALTA-z criada e implantada pela Funasa, Administração Pública Fe-


deral, tem por objetivo levar água tratada às comunidades com até 50
mil habitantes, dentro de suas competências como fundação pública fe-
deral, sempre amparada pelos princípios administrativos, de saneamen-
to básico e pela legislação.

Assim, consta no Plano de Implantação da SALTA-z em Comunidades


(Funasa, 2017, p. 68v)46 como objetivo “estabelecer as diretrizes para a
Implantação da Solução Alternativa Coletiva de Tratamento de Água para
Consumo Humano/SALTA-z em comunidades rurais e especiais.”

Consoante o Boletim Informativo da Funasa, Ano XIII, N.º 4 – Setem-


bro/201747 “[...] o projeto da Presidência da Funasa é disseminar essa
tecnologia para todo o Brasil, fornecendo qualidade de vida, promoven-
do a saúde pública e a inclusão social.”

Para tanto, a Funasa, desde 2017, já entregou 364 unidades de Salta Z


em diversos Estados do Brasil, sendo implantadas/instaladas 192 unida-
des da SALTA-z em 167 municípios e 607 comunidades, havendo previsão
de instalação de 783 (ANEXO II).

46 Fundação Nacional de Saúde. “Plano de Implantação da SALTA-z em comunida-


des”. NUP.: 25100.001539/2017-35. 2017. p. 68v, pp. 70v–75v. Disponível em: https://sei.
funasa.gov.br/sei/controlador.php?acao=procedimento_trabalhar&acao_origem=protoc-
olo_pesquisa_rapida&id_protocolo=106202&infra_sistema=100000100&infra_unidade_
atual=110000019&infra_hash=314215811f549d30a0bba1d17e2624c33768fc1ee80f5d5f-
0b52dc94471bedbd. Acesso em: 3 jul. 2019.
47 Fundação Nacional de Saúde. “Instalação da SALTA-z muda dia a dia de famílias em
comunidade do estado do Pará”. Boletim Informativo da Funasa, Ano XIII, N.º 4, setembro/2017.

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561
Estudos de Direito do Saneamento

3.4 Processo administrativo

Tendo em mente o que é processo, o que é procedimento, convém re-


lembrar neste tópico, em suma, que o processo administrativo é gênero,
meio pelo qual a Administração Pública registra seus atos, controla as ativi-
dades dos agentes públicos, decide controvérsias ou conflitos de interesse
em relação aos administrados e servidores públicos, é medida indispensável
à atuação da Administração, é meio pelo qual se efetiva a função adminis-
trativa, bem como todos os procedimentos destinados à concretização do
ato administrativo (Ladisael Bernardo e Sérgio Viana da Silva (2004, p. 132)48.

Além disso, referindo-se ao processo administrativo, Fernanda Mari-


nela (2010, p. 967)49 destaca que este é “[...] instrumento de legitimação
da conduta dos Administradores, para documentar e padronizar as ativi-
dades administrativas [...].”

E prossegue, Fernanda Marinela (2010, p. 968)50:

[...] indispensável o processo como mecanismo de documentação


da atuação estatal. Enquanto instrumento de documentação, o pro-
cesso explica as decisões de um dado momento histórico, descreve
as razões que justificaram certa providência à época em que foi to-
mada, permitindo muitas vezes a compreensão da atual realidade.

É no processo que o Administrador vai explicar e fundamentar a


realização do ato, demonstrando a conveniência e oportunidade,

48 L. BERNARDO e S. VIANA DA SILVA, “Polícia Federal: manual prático processo


administrativo disciplinar e sindicância”. Campinas: Bookseller, 2004.
49 F. MARINELA, “Direito Administrativo”, 4ª ed., ver., ampl., reformada e atualiza-
da até 01/01/2010. Niterói: Impetus, 2010.
50 F. MARINELA, “Direito Administrativo”, 4ª ed., ver., ampl., reformada e atualiza-
da até 01/01/2010. Niterói: Impetus, 2010.

Voltar ao índice
562
a urgência, a gravidade da medida necessária ao caso concreto,
o excepcional interesse público, além de outras razões, o que o
torna também instrumento de fundamentação da conduta, de
legitimação da atividade administrativa. (grifei)

Por todo o exposto, entende-se que a SALTA-z em seu processo ad-


ministrativo adotou um conjunto de procedimentos, resguardada pela
legislação e princípios, e está promovendo os objetivos da União, repre-
sentada pela Funasa, de levar água potável para consumo humano às
pequenas comunidades.

3.4.1 Roteiro legal da salta-z

Algumas considerações acerca do procedimento usado pela Funasa


para a implantação da SALTA-z nas pequenas comunidades.

O procedimento está dividido em 03 fases, consoante Ordem de Servi-


ço n.º 58/2018 (2018, p. 4)51, as ações anteriores à implantação da SALTA-z
se resumem em 07 (sete) que são: 1 – encaminhamento de ofício circular
aos município contendo a apresentação da SALTA-z, critérios de elegibili-
dade e prazo para o envio das demandas; 2 – seleção das comunidades; 3
– elaboração e divulgação dos resultados; 4 – promoção de reunião técnica
e gerencial com gestores; 5 – análise das respostas dos municípios sobre o
Acordo de Cooperação; 6 – elaboração do plano de ação; e 7- capacitação
das equipes municipais para formação de multiplicadores.

Após concretizada a 1ª fase, passa-se à 2ª com as ações de implan-


tação pela equipe Serviço de Saúde Ambiental – SESAM que também irá

51 Fundação Nacional de Saúde. “Ordem de Serviço ou de Fornecimento de Bens


n.º 58/2018/COSAD/GAPR/PRESI”. Boletim de Serviço, BS n.º 016, p. 3, 16/04/2018.

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563
Estudos de Direito do Saneamento

avaliar a atuação das equipes municipais, elaborar e enviar ao chefe do


SESAM o Relatório de acompanhamento da implantação em 10 dias após
a implantação e encaminhar bimestralmente ao Departamento de Saúde
Ambiental – DESAM relatório situacional de implantação da SALTA-z no
Estado contendo cenário epidemiológico, gestão e sustentabilidade do
sistema e controle social de cada município/comunidade atendida.

Finalmente, passa-se à 3ª e última fase com ações de acompanha-


mento e monitoramento sendo as Superintendências Estaduais da Funa-
sa – SUEST’s responsáveis por orientar os municípios quanto aos relató-
rios de acompanhamento e monitoramento e consolidar as informações
dos relatórios recebidos.

Para tanto, destaca-se:

a) solicitação de instalação pelo Município (Prefeitura);

b) tramitação interna (Funasa);

c) celebração de Acordo de Cooperação Técnica entre a


Funasa e o Município cujo objetivo é o apoio técnico às
ações de controle da qualidade da água para consumo
humano, por meio de doação da SALTA-z;

Ao supracitado Acordo, aplica-se, no que couber, o artigo 116, §1º,


da Lei n.º 8.666/9352.

52 Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública
e dá outras providências. Brasília, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 2 jul. 2019.

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564
Neste sentido, o plano de trabalho de que trata o §1º do artigo 116
em tela deverá conter só as informações enumeradas nos incisos I - iden-
tificação do objeto a ser executado, II - metas a serem atingidas, III - eta-
pas ou fases de execução, e VI - previsão de início e fim da execução do
objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas.

d) celebração de Termo de Cessão de Uso entre a Funasa


e o Município cujo objeto é a cessão de uso da SALTA-z,
sem ônus para o cessionário, exceto quanto à sua ma-
nutenção, pelo prazo de 12 meses, sem prorrogação.

e) celebração de Termo de Doação entre a Funasa (doa-


dora) e o Município (donatário) para doação da SALTA-z
com capacidade para produção de 1.000 a 1.500 l/hora
de água potável. Etapa necessária para se concretizar
o objeto do Acordo de Cooperação firmado entre a
Funasa e o(s) Município(s), para que as comunidades
possam ser beneficiadas com a disponibilização da SAL-
TA-z e desta forma a Funasa cumpra a sua missão de
promover o fomento de ações de saúde entregando
água tratada dentro do padrão de potabilidade da água
previsto na Portaria MS n.º 2.914/2011.

Vale lembrar que a doação é um contrato típico, gratuito e bilateral


(artigo 538, do Código Civil)53, mediante o qual se transfere do patrimô-
nio do doador bens ou vantagens para o do donatário e depende da
aceitação do donatário.

53 Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 22 ago. 2019.

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565
Estudos de Direito do Saneamento

Ademais, em se tratando de bem público móvel (SALTA-z), a doação


está sujeita à observância da alínea a) do inciso II do artigo 17 da Lei
n.º 8.666/9354, ou seja, a doação é permitida exclusivamente para fins
e uso de interesse social após avaliação de sua oportunidade e conve-
niência sócio-econômica.

Para tanto, a SALTA-z se amolda à doação, com licitação dispensada,


haja vista o bem ter fim e uso destinado ao atendimento do interesse so-
cial que é a promoção de melhores condições de vida com acesso à água
potável às comunidades carentes, selecionadas previamente, as quais
devem assumir obrigações próprias atinentes à conservação do bem.

3.4.1.1 Da Qualidade da Água

A Resolução n.º 357/2005 (CONAMA)55 classifica em seu artigo 3º as


águas do Território Nacional em treze classes de qualidade e dispõe em
seus arts. 40 e 45 que devem ser observadas as normas sobre qualidade
da água e padrões de potabilidade para o consumo humano, sendo que
o não cumprimento da legislação sujeitará o infrator às sanções legais,
uma vez que nem toda água é passível de consumo.

Cauteloso aos graves problemas que a qualidade da água pode gerar,


o Ministério da Saúde, por meio da Portaria MS n.° 2.914/2011, dispôs
no artigo 13 os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade
da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, estabe-

54 Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e
dá outras providências. Brasília, 1993.
55 Ministério do Meio Ambiente. “Resolução n.º 357, de 17 de março de 2005”.
Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enqua-
dramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá
outras providências. Brasília, 2005.

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566
lecendo para o responsável, no caso a Funasa, pelo sistema ou solução
alternativa coletiva de abastecimento de água para consumo humano
– SALTA-z, a competência nas ações de controle da qualidade da água.

Assim, a Portaria n.º 190, de 27 de fevereiro de 201456, da Funasa, de-


finiu um conjunto de ações que visa o controle da qualidade da água para
consumo humano, devendo verificar se a água fornecida à população é
potável e assegurar a manutenção desta condição. No caso, a SALTA-z só
é implantada após a análise da água, conforme já exposto neste trabalho.

Ainda, a Portaria MS n° 270/201457 que dispõe sobre o Regimento


Interno da Funasa, no artigo 80, III, traz a competência da Coordena-
ção de Controle da Qualidade da Água para Consumo Humano – COCAG
como coordenadora e executora das ações de controle e/ou vigilância da
qualidade da água para consumo humano em situações de vulnerabilida-
de, desastres naturais e não naturais nos Estados, Municípios e Distrito
Federal; e no artigo 101, IV, que é competência do SESAM coordenar
e executar ações supletivas e complementares de saúde e saneamento
ambiental em situações de risco à saúde de populações vulneráveis.

Neste sentido, segundo o artigo 12, II e III, do Decreto n.° 8.867/201658


que aprova o Estatuto da Funasa, cabe ao DESAM o controle da qualida-

56 Fundação Nacional de Saúde. “Portaria n.º 190, de 27 de fevereiro de 2014”. BS


n.º 009, pp. 1-6, 05/03/2014.
57 Ministério da Saúde. “Portaria n.º 270, de 27 de fevereiro de 2014”. Aprova
o Regimento Interno da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Brasília, 2014. Disponível
em: http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/uploads/2015/09/Regimento-Interno-Por-
taria-270-2014-MS.pdf. Acesso em: 13 ago. 2019.
58 Decreto n.º 8.867, de 3 de outubro de 2016. Aprova o Estatuto e o Quadro
Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Fundação Nacional
de Saúde, remaneja cargos em comissão, substitui cargos em comissão do Grupo Direção
e Assessoramento Superiores-DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE.
Brasília, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/
Decreto/D8867.htm. Acesso em: 4 jul. 2019.

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567
Estudos de Direito do Saneamento

de da água para consumo humano e apoio ao desenvolvimento de estu-


dos e pesquisas na área de atuação da Funasa.

Por fim, o Manual da SALTA-z (2017, 11)59 diz ser indispensável o


tratamento da água:

As águas de superfície são as que mais necessitam de tratamen-


to, porque se apresentam em algumas situações com qualidades
físicas e bacteriológicas impróprias, com exceção das águas de
nascentes que, com uma simples proteção das cabeceiras e clo-
ração, podem ser muitas vezes consumidas sem perigo. As águas
de grandes rios, embora não satisfazendo pelo seu aspecto físico,
podem ser relativamente satisfatórias, sob o ponto de vista quí-
mico e bacteriológico, quando captadas ou colhidas em locais do
rio menos sujeitos à contaminação, ainda assim, é indispensável
o tratamento simplificado. (grifei)

Pelo exposto, como exemplo, os resultados da SALTA-z ocasionaram


o recebimento do prêmio MuniCiência Ciclo 2017-201860 e 201961 ao
município de Abaetetuba em que a SALTA-z garantiu água tratada para
consumo humano a 50 ilhas, beneficiando diretamente mais de 20 mil

59 Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. “Manual da solução alter-


nativa coletiva simplificada de tratamento de água para consumo humano em pequenas
comunidades utilizando filtro e dosador desenvolvidos pela Funasa/Superintendência Esta-
dual do Pará”. Brasília, 2017.
60 Fundação Nacional de Saúde. “A SALTA-z instalada em Abaetetuba (PA) recebe
premiação no MuniCiência”. 24 de maio de 2018. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/
todas-as-noticias/-/asset_publisher/lpnzx3bJYv7G/content/a-salta-z-instalada-em-abaetetu-
ba-pa-recebe-premiacao-no-municiencia/pop_up?inheritRedirect=false. Acesso em: 4 set. 2019.
61 Prefeitura de Abaetetuba. “Abaetetuba Ganha Prêmio Municiência, em Brasí-
lia, com Projeto Salta Z”. 10 de abr de 2019. Disponível em: https://abaetetuba.pa.gov.br/
informa.php?id=82. Acesso em: 4 set. 2019.

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568
ribeirinhos e, segundo o Prefeito, os moradores não manifestaram novos
casos de doenças como Diarreia, Hepatite A e Febre Tifoide.

Além disso, Abaetetuba/PA (16 bairros, 32 comunidades e 72 ilhas),


conforme o Guia de Reaplicação – Programa SALTA-z (2019, p. 42 e p.
52)62 diminuiu o número de atendimentos de casos relacionados a do-
enças provocadas pela ingestão de água não tratada (antes da SALTA-z:
50 pessoas, sendo 25 crianças e 25 adultos; depois da SALTA-z o n.º caiu
para 6 crianças em cada ilha) e houve diminuição da evasão escolar.

Também, no Amapá, segundo o Prefeito63, a SALTA-z implantada na


cidade de Tartarugalzinho já reduziu o índice de doenças por água conta-
minada, sendo possível perceber a sua eficácia e a meta é a implantação
de mais 50 kits a serem distribuídas em 16 municípios.

3.4.1.2 Da Implantação da SALTA-z nos Estados e Municípios

Objetivando universalizar a implantação da SALTA-z, a Funasa criou


um Plano de implantação da SALTA-z em comunidades (Funasa, 2017, pp.
70v – 75-v)64 no qual estabeleceu diretrizes: para a capacitação dos servi-
dores da Funasa nas Superintendências Estaduais para a atuação junto a
essas comunidades e para a capacitação dos operadores da SALTA-z nas
comunidades municipais que utilizarão o equipamento.

62 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. “Coletânea Guias de Reaplicação”.


(5 volumes) – Programa SALTA-z – Abaetetuba/PA (v1). Brasília, 2019.
63 A. SANTOS. Governo do Estado do Amapá. “Amapá vai expandir fornecimento
de água em comunidades distantes com sistema da Funasa”. Disponível em: https://www.
portal.ap.gov.br/noticia/1209/amapa-vai-expandir-fornecimento-de-agua-em-comunida-
des-distantes-com-sistema-da-funasa. Acesso em: 15 set. 2019.
64 Fundação Nacional de Saúde. “Plano de Implantação da SALTA-z em comunida-
des”. NUP.: 25100.001539/2017-35. 2017. p. 68v, pp. 70v–75v.

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569
Estudos de Direito do Saneamento

Ainda, estabeleceu os critérios de prioridade para seleção das comuni-


dades a serem beneficiadas pela SALTA-z e definiu o método de acompa-
nhamento da efetividade dessa solução alternativa, desenvolveu ações de
mobilização e educação em saúde ambiental de forma integrada, interviu
para a transformação da realidade das comunidades com foco na sustenta-
bilidade e indicou o Acordo de Cooperação como o instrumento adequado.

As vantagens do sistema são que, além de atender às comunidades


carentes e desprovidas de água potável, possui um sistema barato e de
fácil manejo.

Enfim, conforme Ordem de Serviço n.º 58/2018 (arts. 1º, 2º e 4º)65,


a implantação da SALTA-z é competência das SUEST’s, após apresentar
planos de ação de implantação para aprovação da Presidência da Funasa,
cabendo-lhes tão somente apoiarem os municípios para a instalação e
sustentabilidade e não para a execução da SALTA-z.

3.4.2 Da Denúncia de Irregularidades sobre a SALTA-z

Cabe a qualquer pessoa fiscalizar, denunciando e/ou representando


aos órgãos públicos indícios de irregularidades para que estes adotem as
providências cabíveis.

Depreende-se do inciso IV do artigo 5º da CR/88 que a autoridade


competente não está obrigada a apurar denúncia ou representação que
não contenha a identificação, endereço e assinatura do autor explicita-
dos e confirmados, ou seja, anônima.

65 Fundação Nacional de Saúde. “Ordem de Serviço ou de Fornecimento de Bens


n.º 58/2018/COSAD/GAPR/PRESI”. Boletim de Serviço, BS n.º 016, p. 3, 16/04/2018.

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570
Todavia, conforme a gravidade dos fatos, poderá realizar uma apuração
para confirmá-los, de acordo com Edson Jacinto da Silva (2004, p. 78)66:

Ao receber uma denúncia, a autoridade deverá diligenciar no


sentido de levantar a verdade dos fatos narrados na denúncia,
seja ela feita por escrito ou verbalmente, porque não importa o
meio ou a via pelo qual se teve a notícia da falta, nem a qualidade
do denunciante, que pode ser inclusive pessoa completamente
estranha ao serviço público.

Portanto, a Administração pode considerar a denúncia anônima e


adotar meios de investigação preliminar, pois o Brasil é signatário da
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assem-
bléia-Geral das Nações Unidas em 31/10/2003, que, conforme o artigo
13, item 2, do Decreto n.º 5.687/200667, assim dispõe:

2. Cada Estado Parte adotará medidas apropriadas para garan-


tir que o público tenha conhecimento dos órgãos pertinentes de
luta contra a corrupção mencionados na presente Convenção, e
facilitará o acesso a tais órgãos, quando proceder, para a denún-
cia, inclusive anônima, de quaisquer incidentes que possam ser
considerados constitutivos de um delito qualificado de acordo
com a presente Convenção. (grifei)

66 E. J. DA SILVA, “Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar – de acordo


com o Novo Código Civil”, 3ª ed. São Paulo: Habermann, 2004.
67 Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de
outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Brasília, 2006. Dispo-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm.
Acesso em: 9 jul. 2019.

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571
Estudos de Direito do Saneamento

Ainda, para Fernanda Marinela (2010, p. 991)68 “A Administração tem


o dever de decidir sobre os processos administrativos e todas as solicita-
ções ou reclamações em matérias do seu núcleo de competências.”

Sobre o tema em comento, é oportuna a colocação dos autores Ladi-


sael Bernardo e Sérgio Viana da Silva (2004, pp. 130- 131)69 ao afirmarem
a necessidade incessante de se obter a prova para se ter um processo e
julgamento seguros quanto à verdade apurada:

[...] Princípio da Verdade Material ou da Liberdade de Busca, au-


toriza a Administração a buscar de forma incessante novas provas
que possam caracterizar a ilicitude ou a inexistência da prática
funcional em qualquer tempo do processo. Com efeito cabe à
Administração no processo administrativo colher documentos,
informações ou dados atinentes ao objeto do apuratório [...].

[...] o próprio administrador vai a busca de documentos, com-


parece a locais, inspeciona bens, colhe depoimentos e, ao final,
adota realmente todas as providências que possam conduzi-lo
a uma conclusão baseada na verdade material ou real. É esse o
exato sentido do princípio da verdade material. (grifei)

Ante o exposto, se confirmada, entre outras, a inércia dos municípios


no cumprimento de sua parte (contrapartida) pactuada, consoante o ar-
tigo 37 da CR/88, cabe à Funasa aplicar medidas eficazes para a concreti-
zação da política pública, isto é, encerrar o Acordo de Cooperação Técnica

68 F. MARINELA, “Direito Administrativo”, 4ª ed., ver., ampl., reformada e atualiza-


da até 01/01/2010. Niterói: Impetus, 2010.
69 L. BERNARDO e S. VIANA DA SILVA, “Polícia Federal: manual prático processo
administrativo disciplinar e sindicância”. Campinas: Bookseller, 2004.

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572
- ACT, notificando o representante legal do Município, o Poder legislativo
municipal, bem como o parlamentar (deputado ou senador) em caso de
recurso proveniente de emenda parlamentar, para cumprimento do pac-
tuado no ACT, fixando prazo, ainda que não haja cláusula no instrumento,
uma vez que ambas as Administrações públicas federal e municipal devem
obediência ao princípio constitucional da eficiência em benefício da popu-
lação (Nota n. 00014/2019/COLCA/PFFUNASA/PGF/AGU)70.

Ademais, a Administração deve agir de acordo com a lei, levando em


consideração os princípios de proporcionalidade e razoabilidade, como
leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 630)71:

Como a lei não define essas infrações, tem-se a impressão de que a


Administração é inteiramente livre para enquadrar determinadas faltas
funcionais em uma ou outra categoria. Mas, diante do caso concreto, a
discricionariedade será bastante reduzida pelo exame do motivo, ou seja,
dos fatos que cercaram a prática do ato ilícito.

Assim, não cumprido o acordado no ACT, pode-se encerrá-lo e rema-


nejar os equipamentos a outros municípios se não forem provenientes
de recurso de emenda parlamentar.

70 Fundação Nacional de Saúde. “Nota n. 00014/2019/COLCA/PFFUNASA/PGF/


AGU, de 16/07/2019”. NUP.: 25100.007225/2019-16. 2019. Disponível em: https://sei.
funasa.gov.br/sei/controlador.php?acao=procedimento_trabalhar&acao_origem=protoc-
olo_pesquisa_rapida&id_protocolo=1547635&infra_sistema=100000100&infra_unida-
de_atual=110000019&infra_hash=6b08dc7863a558c26d8f4068cd928df707564e6795ae-
06d77df3e5fb7365da95. Acesso em: 3 jul. 2019.
71 M. S. ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo Brasileiro”, 22ª ed. São Paulo:
Atlas, 2009.

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573
Estudos de Direito do Saneamento

4. COMPETÊNCIAS FEDERATIVAS NO SANEAMENTO BÁSICO

O Estado é o agente normativo e regulador da atividade econômica e


exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planeja-
mento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o
setor privado (artigo 174 da CR/88).

Ademais, é competência privativa da União legislar sobre águas (arti-


go 22, IV da CR/88) as quais são bens da União, conforme disposição do
artigo 20, III, da CR/88.

A partir deste raciocínio o artigo 1º, I e VI, da Lei n.º 9.433/97, pre-
ceitua que a água é um bem de domínio público e a gestão dos recursos
hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder
Público, dos usuários e das comunidades.

Desta feita, de acordo com Ana Alice de Carli (2015, p. 6)72, “[...] a Lei
n.º 9.433/97, além de instituir a Política Nacional, regulamenta e siste-
matiza as diversas formas de tutela dos mananciais de águas no território
brasileiro.“ (grifei)

Conforme Paulo Affonso Leme Machado (2001, p. 414)73, o Poder pú-


blico é por lei gestor e não proprietário da água “a dominialidade pública
da água, afirmada na Lei 9.433/97, não transforma o Poder Público fede-
ral e estadual em proprietário da água, mas torna-o gestor desse bem, no
interesse de todos.” (grifei)

72 A. A. DE CARLI, “A política nacional das águas e seus instrumentos em prol do


potencial hídrico brasileiro: uma reflexão”. Revista de Direito Econômico e Socioambiental.
Curitiba, v. 6, n. 2, pp. 184-208, jul./dez. 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.7213/
rev.dir.econ.socioambienta.06.002.AO07. Acesso em: 19 ago. 2019.
73 P. A. LEME MACHADO, “Direito ambiental brasileiro”. 9ª ed. São Paulo: Malhei-
ros, 2001, p. 414.

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574
Neste sentido, Ana Alice (2015, p. 9)74 afirma que a água é um bem
que por essência e finalidade, pertence a todos e não é de ninguém,
assim como o ar:

Esses dois elementos da Natureza, por serem vitais aos seres vi-
vos, não podem submeter-se à ideia tradicional de propriedade,
da qual são extraídos os direitos, em regra, incontestes, de uso,
gozo e disposição (CÓDIGO CIVIL, 2002) do titular, tampouco, dei-
xados à mercê dos desejos e da negligência individuais, donde se
infere a importância de a Constituição reservar aos Entes Políti-
cos as prerrogativas de gerir, controlar e fiscalizar os mananciais
de água. (grifei)

Nesta linha de raciocínio, José Afonso da Silva (2002, p. 120)75, com base
não só na Constituição, mas em uma interpretação axiológica, alega que:

A água é um bem insuscetível de apropriação privada por ser in-


dispensável à vida, ainda que na legislação e na doutrina se fale,
freqüentemente, em águas do domínio particular e águas do
domínio público. [...] Toda água, em verdade é um bem de uso
comum de todos. (grifei)

Já para Herman Benjamin (1993, p. 71 apud RIBAS, 2016, p. 196) 76,


como todos os corpos de água passaram a ter domínio público e não po-
dem mais ser apreendidos, são públicos não pelo caráter subjetivo e sim
porque o titular é toda a coletividade que tem direito a usá-lo.

74 DE CARLI, RDES, pp. 184-208.


75 J. A. DA SILVA, “Direito ambiental constitucional”, 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
76 PRIMOR RIBAS, RVD, pp. 196.

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575
Estudos de Direito do Saneamento

Ainda, de acordo com Sampaio Cassuto (2011, p. 387 apud RIBAS,


2016, p. 198)77:

Os sistemas jurídicos hídricos no Brasil e nos Estados Unidos se


assemelham em alguns aspectos. Ambos são baseados no prin-
cípio de que a água é um recurso público gerido pelo Estado e
em prol de toda a população. Esta doutrina tem origem no Direi-
to Romano e é conhecida nos Estados Unidos como Public Trust
Doctrine, e se amolda ao art. 225 da Constituição Federal do Bra-
sil de 1988. (grifei)

Cabe ressaltar que se incluem entre os bens dos Estados as águas


superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, res-
salvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União
(artigo 26, I, da CR/88).

Ademais, para efeitos administrativos, a União poderá articular sua


ação, visando à redução das desigualdades regionais com incentivos re-
gionais que compreenderão, além de outros, na forma da lei “prioridade
para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água
represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas
periódicas” (artigo 43, §2º, IV, da CR/8878).

Assim, consoante disposições constitucionais, subentende-se que a


legislação sobre águas é de competência federal, mas as águas superfici-
ais, como é o caso utilizado pela SALTA-z, é bem do Estado e a fiscalização
e inspeção de águas para consumo humano compete ao sistema único
de saúde – SUS, consoante o artigo 200, VI, da Carta Magna.

77 PRIMOR RIBAS, RVD, pp. 198.


78 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (de 05 de outubro de 1988).

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576
Neste contexto, verifica-se no Boletim de Serviço n.º 58/2018/CO-
SAD/GABPR/PRESI que a Funasa tem missão no âmbito do SUS, assim,
também tem responsabilidade pela fiscalização e inspeção da água.

4.1 A responsabilidade do titular dos serviços pode ser delegada

Segundo o artigo 22, IV, da CR/88, compete privativamente à União


legislar sobre águas e o controle do uso das águas, feito por meio de ou-
torga, pertence à União que estabelece os critérios para a concessão de
outorga de direito de uso dos recursos hídricos (artigo 21, XIX, da CR/88
e artigo 11 da Lei n.º 9.433/97).

Para tanto, a Lei n.º 9.433/97, em seu artigo 14, §1º, permite ao Execu-
tivo Federal delegar aos Estados e ao Distrito Federal a competência para
concessão de outorga de uso de recursos hídricos de domínio da União.

Neste sentido, Giovanna (2016, p. 197) 79:

Portanto, incumbiu-se o Estado de controlar o uso desse recurso, o


que foi efetivado por meio da Política Nacional de Recursos Hídricos,
segundo a qual a captação de água, regra geral, depende da conces-
são de outorga pela União ou pelos Estados-membros. (grifei)

Todavia, em atenção ao princípio do mínimo existencial, o uso de re-


cursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos
populacionais, distribuídos no meio rural independem de outorga pelo
Poder Público (artigo 12, §1º, I, da Lei n.º 9.433/97). Portanto, no caso, a
SALTA-z não está sujeita a outorga.

79 PRIMOR RIBAS, RVD, pp. 197.

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577
Estudos de Direito do Saneamento

Cabe destacar que os arts. 8º-A (Medida Provisória n.º 844/2018) e 8º-C
(Medida Provisória n.º 868/2018) alteraram a Lei n.º 11.445/2007 para esta-
belecer que os Municípios e o Distrito Federal eram os titulares dos serviços
públicos de saneamento básico. Contudo, tais MPs tiveram sua vigência en-
cerrada, prevalecendo no momento o disposto no artigo 10, §1º, “b”:

Art. 10. A prestação de serviços públicos de saneamento básico por


entidade que não integre a administração do titular depende da cele-
bração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante convêni-
os, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.

§ 1o  Excetuam-se do disposto no caput deste artigo:

I - os serviços públicos de saneamento básico cuja prestação o


poder público, nos termos de lei, autorizar para usuários organi-
zados em cooperativas ou associações, desde que se limitem a:

b) localidade de pequeno porte, predominantemente ocupada


por população de baixa renda, onde outras formas de prestação
apresentem custos de operação e manutenção incompatíveis
com a capacidade de pagamento dos usuários;

§ 2o  A autorização prevista no inciso I do § 1o deste artigo deverá


prever a obrigação de transferir ao titular os bens vinculados aos
serviços por meio de termo específico, com os respectivos cadas-
tros técnicos. (grifei)

Neste sentido, conforme os arts. 8º e 9º, II e VII, da Lei n.º


11.445/200780, pode-se delegar a regulação, a fiscalização e a prestação
de serviços de saneamento básico, in fine:

80 Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o


saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de
maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a
Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Brasília, 2007.

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578
Art. 8º Os titulares dos serviços públicos de saneamento bási-
co poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e
a prestação desses serviços, nos termos do art. 241 da Consti-
tuição Federal e da Lei n.º 11.107, de 6 de abril de 2005. (grifei)

Art. 9º O titular dos serviços formulará a respectiva política públi-


ca de saneamento básico, devendo, para tanto:

II - prestar diretamente ou autorizar a delegação dos serviços e


definir o ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem
como os procedimentos de sua atuação; [...]

VII - intervir e retomar a operação dos serviços delegados, por in-


dicação da entidade reguladora, nos casos e condições previstos
em lei e nos documentos contratuais. (grifei)

Quanto à regulação de serviços públicos de saneamento básico, segun-


do o artigo 23, §1º, da Lei n.º 11.445/2007, esta poderá ser delegada pelos
titulares a qualquer entidade reguladora, constituída dentro dos limites do
respectivo Estado, contendo o ato de delegação, a forma de atuação e a
abrangência das atividades a serem desempenhadas pelas partes.

Assim, o Decreto n.º 7.217/2010, em seu artigo 23, II e §1º, confir-


ma que o titular dos serviços formulará a respectiva política pública de
saneamento básico, prestará diretamente os serviços ou autorizará a sua
delegação, bem como poderá, por indicação da entidade reguladora, in-
tervir e retomar a prestação dos serviços delegados nas hipóteses previs-
tas nas normas legais, regulamentares ou contratuais.

Ainda, segundo artigo 31 do Decreto em comento, as atividades ad-


ministrativas de regulação, organização e fiscalização dos serviços de sa-
neamento básico poderão ser executadas pelo titular: I – diretamente ou
II – mediante delegação.

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579
Estudos de Direito do Saneamento

Cabe destacar que compete à Agência Nacional de Águas – ANA (Lei


n.º 9.984/2000)81 a regulação do acesso de uso dos recursos hídricos de
domínio da União, a implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos (Lei n.º 9.433/97), a outorga, a fiscalização da legislação e do
direito de uso de recursos hídricos em corpos de água da União.

Portanto, respeitando-se o artigo 241 da CR/88 a regulação, a fiscali-


zação e a prestação de serviços podem ser delegadas, exceto o planeja-
mento, uma vez que este corresponde à titularidade a qual é indelegável.

4.2 Considerações acerca da cooperação internacional

Há vários normativos, fóruns etc, dispondo sobre a necessidade de co-


operação tanto interna como externa sobre a água, a exemplo da Carta Eu-
ropeia da Água (1968) – XII82. “A água não tem fronteiras. É um recurso co-
mum que necessita de uma cooperação internacional”, do Plano de Ação
para o Desenvolvimento Sustentável das Américas (1996)83 “aumentar o
acesso a água segura e potável, a promoção da cooperação entre países,
bem como a participação do usuário, etc.” e do 8º Fórum Mundial da Água

81 Lei n.º 9.984, de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacio-
nal de Águas- ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hí-
dricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá
outras providências. Brasília, 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
LEIS/L9984.htm. Acesso em: 5 set 2019.
82 “Carta Europeia da Água”. Conselho da Europa. Estrasburgo, 6 de maio de 1968.
Disponível em: https://pt.slideshare.net/bloguedaesag/carta-europeia-da-gua-10402509.
Acesso em: 2 set. 2019.
83 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Cúpula das Américas sobre Desen-
volvimento Sustentável. “Plan de Acción para el Desarrollo Sostenible de las Américas”.
Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, 7 al 8 de diciembre de 1996. Disponível em: http://www.
summit-americas.org/summit_sd/summit_sd_poa_sp.pdf. Acesso em: 2 set. 2019.

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580
(2018) 84, em que, baseados no objetivo de desenvolvimento sustentável
número 6 (ODS 6 – itens 6.5 e 6.a)85, firmaram acordo para até 2030 imple-
mentar a cooperação transfronteiriça e ampliar a cooperação internacional
em atividades e programas relacionados à água e saneamento.

Neste sentido, importante trazer ao contexto o Relatório de Avaliação


da Funasa/DF – Exercício 2017, de 04/07/2018 (2018, pp. 182- 183)86, da
Controladoria Geral da União – CGU, explanando sobre a cooperação em
comento no que concerne à SALTA-z:

167. Nesta alínea abordaremos de forma resumida as melhorias


realizadas pela gestão no ano de 2017 [...].

168. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsável pelas


ações de saneamento em municípios com até 50 mil habitantes,
concluiu no ano de 2017 um total de 152 empreendimentos nas
mais diversas áreas: abastecimento de água, [...] e planos muni-
cipais de saneamento básico.

[...]

 Cooperação bilateral sul Brasil – Haiti: Projeto de cooperação


técnica com o Haiti em qualidade da água”. Tendo a ONU o com-
promisso de trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundial, e a

84 AGÊNCIA BRASÍLIA. “Acordos firmados no 8º Fórum Mundial da Água fortale-


cem consciência sustentável”. 26 de mar. de 2018. Disponível em: https://www.agenciabra-
silia.df.gov.br/2018/03/26/acordos-firmados-no-8o-forum-mundial-da-agua-fortalecem-
consciencia-sustentavel/. Acesso em: 2 set. 2019.
85 NAÇÕES UNIDAS BRASIL. “Objetivo 6. Assegurar a Disponibilidade e Gestão Sus-
tentável da Água e Saneamento para Todas e Todos”. Disponível em: https://nacoesunidas.
org/pos2015/ods6/. Acesso em: 2 set. 2019.
86 Controladoria Geral da União. “Relatório de Avaliação – Fundação Nacional de
Saúde – Distrito Federal – Exercício 2017”. Disponível em: https://auditoria.cgu.gov.br/
download/11970.pdf. Acesso em: 17 maio 2019.

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581
Estudos de Direito do Saneamento

mesma assumindo a responsabilidade pelo agravo da dissemina-


ção da epidemia da cólera no Haiti, cabe ao Brasil, país signatário
e membro fundador desta Organização, promover ações congru-
entes a este objetivo. Aliado ao compromisso da ONU, a Funasa
tem a intenção de compartilhar com o Haiti a experiência exitosa
da Salta Z- Sistema Simplificado de Abastecimento de Água de bai-
xo custo desenvolvido pelos servidores da Funasa. Nesse sentido,
a proposta é desenvolver o projeto com quatro eixos principais
de ação, a saber: [...] Transferência da metodologia do Salta Z ao
DINEPA (departamento gestor das águas do Haiti) e projetos pilo-
to de implantação do equipamento em comunidades; Vigilância/
monitoramento e controle da qualidade da água [...].

179. Dentre as realizações de 2017, a Funasa, como uma das res-


ponsáveis pela qualidade da água para consumo humano e em
parceria com a Secretaria de Agricultura do município de Aba-
etetuba (PA), implantou mais uma Solução Alternativa Coletiva
Simplificada de Tratamento de Água (Salta-Z). A beneficiada com
a tecnologia foi a comunidade Maracapuru Cariá que, de acordo
com a agente comunitária de saúde, atenderá em torno de 54
famílias [...].

180. Consumindo água bruta do rio sem nenhum tipo de trata-


mento, a comunidade pôde receber a Salta-Z após o diagnóstico
preliminar realizado e o levantamento do perfil epidemiológico
da localidade, o qual identificou altos índices de doenças de vei-
culação hídrica. (grifei)

Depreende-se que há disseminação de cooperação (nacional e in-


ternacional), uma vez que se tem firmado Termos de Cooperação com
diversos Estados e Municípios e até com o exterior, como o Haiti, bus-
cando facilitar o desenvolvimento, gestão e uso eficiente da SALTA-z para
benefício de toda a coletividade carente de acesso à água potável nas
pequenas comunidades.

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582
4.3 Reconhecimentos externos via ações civis públicas

Colaciona-se a seguir algumas solicitações, via judicial, do Ministé-


rio Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU) para
a implantação da SALTA-z para fornecer água potável às comunidades,
em que se confirma o até aqui exposto acerca da SALTA-z, ou seja, sua
contribuição para a materialização do direito de acesso à água potável.

Ação Civil Pública n. 1003449-63.2018.4.01.3100 - MPF do Estado do


Amapá (Ata de Reunião de 27/11/2018)87:

Por outro lado, informou que a FUNASA oferece o SALTA Z que é


um sistema de abastecimento de água contendo uma caixa de 15
mil litros, mas precisam da contrapartida do município fornecen-
do mão-de-obra para operar o sistema, aduzindo que a FUNASA
tem 80 kits para entrega. Sugeriu que o município fosse instado
com a FUNASA a respeito do SALTA Z, uma vez que se isso funci-
onar, a CAESA somente entra com o suporte técnico, agilizando
a instalação nas escolas. Segundo o Coronel Wagner a vantagem
do SALTA Z é que nas comunidades menores ele atenderia as es-
colas e a comunidade. (grifei)

[...]

2) o MPF expedirá ofício para FUNASA e município de Macapá, a


fim de iniciar tratativas acerca de eventual parceria para execu-
ção do Projeto SALTA Z, [...] (grifei)

87 Ata de Reunião de 27.11.2018, Tribunal Regional Federal (1 Região), Seção Judi-


ciária do Amapá, na Ação Civil Pública n. 1003449-63.2018.4.01.3100, 6ª Vara Federal Cí-
vel, Inquérito Civil n.º 1.12.000.000223/2015-95. Amapa/AP. Disponível em: https://www.
transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 4D1FCF4C.02473594.5B3FE18E.
31C8A609. Acesso em: 3 jul. 2019.

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583
Estudos de Direito do Saneamento

Ação Civil Pública n. 001/2019 - MPF do Estado de Alagoas (inquérito


civil n.º 1.11.001.000013/2012-81)88:

[...] Conforme mencionado pelo próprio DSEI-AL/SE nas fls. 96/97


do IC em anexo, existe um equipamento alternativo chamado
“Salta-Z”, desenvolvido pela FUNASA e capaz de promover o tra-
tamento de água para consumo em pequenas comunidades utili-
zando filtro e dosador, [...] (grifei)

[...] comprometendo-se o órgão em juízo, no prazo de 90 (no-


venta) dias, a implantar e operacionalizar, mediante treinamento
do agente indígena Uiracanã Celestino da Silva, o filtro Salta Z
na comunidade Xucuru-Kariri do Boqueirão, Palmeira dos Índios.
[...] (grifei)

Ação Civil Pública Cível n. 1001391-42.2019.4.01.4300 MPF do Esta-


do de Tocantins (Parecer, de 29/07/2019)89:

[...] proposta pela Defensoria Pública da União em conjunto com


a Defensoria Pública do Estado do Tocantins em face da União e
da Fundação Nacional de Saúde objetivando o estabelecimento
de água potável para comunidade indígena da etnia Krahô, aldeia
Takaywrá, através de implantação do sistema SALTA-Z ou outra
forma capaz de determinar o abastecimento da comunidade com
água de qualidade. (grifei)

88 Inquérito Civil n.º 1.11.001.000013/2012-81, Tribunal Regional Federal (5 Re-


gião), Justiça Federal de Alagoas, Processo 0800143-66.2019.4.05.8001, Ação Civil Pública
n. 001/2019, 12ª Vara Federal. Alagoas/AL. Disponível em: https://pje.jfal.jus.br/pjeconsul-
ta/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?signedIdProcessoTrf-
=4fa781d077fb250042a5cceb42cb52b4. Acesso em: 3 jul. 2019.
89 Parecer de 29.07.2019, Tribunal Regional Federal (1 Região). Seção Judiciária do
Tocantins. Ação Civil Pública n. 1001391-42.2019.4.01.4300. 1ª Vara Federal Cível. Tocan-
tins/TO. Disponível em: https://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento Chave
B23D2756.F78EE23A.E8708B3C.A938789E. Acesso em: 3 jul. 2019.

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584
Ação Civil Pública - Inquérito Civil n.º 1.36.002.000114/2014-3590 –
MPF no Município de Gurupi/TO (fl. 30):

[...] Há solução técnicas de baixo custo que podem minimizar a


situação e prover acesso à água potável enquanto não se cons-
troem sistemas de abastecimento de água. Como providência
técnica de baixo custo a FUNASA elaborou uma “solução alter-
nativa coletiva simplificada de tratamento de água para consumo
em pequenas comunidades utilizando filtro e dosador ” (Salta-Z),
[...] (grifei)

Assim, o MPF e a DPU têm reconhecido a eficiência da SALTA-z em


levar água potável em situações especiais e excepcionais às pequenas co-
munidades rurais, ribeirinhas, indígenas etc, que ainda não contam com
abastecimento público.

5. CONCLUSÃO

Com a realização deste trabalho, conclui-se que SALTA-z – Solução Al-


ternativa Coletiva de Tratamento de Água para Consumo Humano – é um
equipamento de baixo custo, de fácil instalação, operação e manutenção,
tem demonstrando eficiência e eficácia ao levar água potável a comuni-
dades que nunca haviam recebido qualquer outra forma de tratamento
de água, materializando, assim, o direito humano ao acesso à água potá-
vel e respeitando a legislação expressa nesse sentido.

90 Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Município de Gurupi/


TO. “Ação Civil Pública. Inquérito Civil n.º 1.36.002.000114/2014-35”. Gurupi/TO, 13 de
setembro de 2018. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/to/sala-de-imprensa/docs/
ACPAbastecimentodeguaIlhaBananal.pdf. Acesso em: 7 set 2019.

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585
Estudos de Direito do Saneamento

Percebe-se, ainda, que mesmo assim o acesso à água potável para con-
sumo humano continua sendo preocupação não só do Brasil como de outros
países com escassez deste recurso do qual depende toda forma de vida, con-
forme legislação, ensinamentos doutrinários e julgados encontrados.

Também foi possível constatar que a SALTA-z está respaldada por


vários princípios e legislações que orientam as condutas da Administra-
ção Pública, os quais respaldam os objetivos, o alcance e as atividades
envolvendo a SALTA-z.

Ademais, foi traçado um roteiro com todos os contornos da SALTA-z,


desde as ações anteriores à implantação até o acompanhamento e mo-
nitoramento pela autoridade competente, ou seja, a forma geral de pro-
ceder entre a Funasa, Estados e Municípios.

Assim, as hipóteses de eficiência e viabilidade do ponto de vista le-


gal frente às exigências das políticas públicas de recursos hídricos para
levar água potável e de qualidade para o consumo humano às pequenas
comunidades, consequentemente reduzindo os problemas de saúde,
prevenindo e/ou erradicando doenças e aumentando a oferta de Sane-
amento Básico encontradas vieram confirmar as hipóteses iniciais desta
pesquisa, evidenciando que o ordenamento jurídico foi respeitado e que
este equipamento deve ser disseminado a todos que dele necessitam.

Percebeu-se, contudo, que há Estados e Municípios que ainda não


estão totalmente abertos à implantação da SALTA-z, já que esta existe
desde 2016, mas a quantidade implantada mostra que há um longo ca-
minho a percorrer.

Por conta disso, é premente a necessidade de mudança de cultura


quanto a este bem finito – água – que é direito humano do qual todos

Voltar ao índice
586
devem ter acesso para uma melhor qualidade de vida, tema há muito
debatido e que deixa muito a desejar.

Assim, se o assunto direito humano de acesso à “água potável” ob-


tiver plenitude de ação da sociedade, no meio jurídico, doutrinário etc,
talvez volte a ser objeto de atenção e transformação não só do nosso
país, mas de outros.

Notou-se que a SALTA-z preenche o vazio há muito existente no que


diz respeito à água potável para pequenas comunidades e ilhas que se
encontram longe dos grandes centros e de outras formas de tratamento
da água, possibilitando, ao poder público promover-lhes mais saúde e
melhor qualidade de vida.

Apesar das intensas mudanças com a implantação da SALTA-z, inclusive


com a melhora de abastecimento de água potável em muitas regiões, ob-
serva-se que há um déficit (escassez) muito grande de água potável e que a
SALTA-z sozinha não o pode resolver até porque sua competência se limita
às comunidades com até 50 mil habitantes. Mesmo assim, a Funasa tem tra-
balhado para definir os locais a serem implantadas a SALTA-z e, com isso, de-
senvolver uma acomodação mais razoável de interesses públicos e privados.

Sugere-se, assim, a todas as partes envolvidas que outras formas de


tratamento de água sejam levadas ao público que delas necessitam dada
a sua importância na redução de doenças e melhor qualidade de vida.

Enfim, espera-se que esta pesquisa tenha continuidade e possa abrir


caminhos para que a SALTA-z seja estudada, debatida e, por fim, incor-
porada a todos os lugares, vislumbrando, inclusive, que ela possa ser re-
ferência para outras descobertas, como o tratamento das águas de rios,
lagoas, lagos etc. contaminadas por dejetos, rejeitos etc.

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587
Estudos de Direito do Saneamento

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ivanilde.alves@funasa.gov.br e ivanildehalves@gmail.com. Fundação


Nacional de Saúde (FUNASA) – Setor de Rádio e Televisão Norte (SRTVN)
– Quadra 701 – Lote D – Edifício PO 700 – Brasília/DF – CEP 70.070-056.

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Estudos de Direito do Saneamento

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590
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planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9433.htm. Acesso em: 02 jul. 2019.

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37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei n.º 8.112,
de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n.º 11.111, de 5 de maio de
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7. ANEXOS

ANEXO I - SALTA-Z

Fotos de maquete da SALTA-z, tirada na FUNASA presidência

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601
Estudos de Direito do Saneamento

ANEXO II - PLANILHA SALTA-Z

602
Saneamento básico:
Prestação dos serviços de água
e esgoto no Estado do Amapá
JOSÉ WELTON MEDEIROS FERREIRA1

a1

RESUMO

Embora ostente a condição de direito fundamental, a importância da


prestação dos serviços que compõem o saneamento básico se mostra his-
toricamente relegada a segundo plano pela sociedade brasileira, refletindo
em precárias condições de saúde, sobretudo por alto índice de contamina-
ção por doenças de veiculação hídrica. Nesse cenário figura o Estado do
Amapá, unidade federativa emancipada pela Constituição Federal vigente,
cuja prestação de serviços públicos de saneamento retrata índices insa-
tisfatórios até mesmo diante do acanhado desempenho nacional. Nesse
sentido, busca o presente trabalho traçar um panorama geral acerca do
cenário político e demográfico do Estado, bem assim apresentar dados
relativos à prestação de água e esgotos, caracterizando a atuação dos ti-
tulares e dos prestadores dos serviços ante o marco legal em vigência. Por
fim, destaca as alterações propostas por projeto de lei em tramitação no
Congresso Nacional e seus desdobramentos à realidade local.

1 Procurador Federal em exercício na Procuradoria Federal Especializada junto à


Fundação Nacional de Saúde - FUNASA

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603
Estudos de Direito do Saneamento

Palavras-Chave: Saneamento básico. Amapá. CAESA.

ABSTRACT

Although it has the fundamental right condition, the importance of


providing basic sanitation services has historically been relegated to the
background by Brazilian society, reflecting poor health conditions, espe-
cially due to the high rate of contamination by water-borne diseases. In
this scenario is the state of Amapá, a federal unit emancipated by the
current Federal Constitution, whose provision of public sanitation services
portrays unsatisfactory levels even in the face of the skimpy national per-
formance. In this sense, the present work seeks to draw an overview of
the political and demographic scenario of the State, as well as to present
data related to the provision of water and sewage, characterizing the
performance of the holders and service providers before the legal frame-
work in force. Finally, it highlights the changes proposed by a bill in the
National Congress and its consequences to the local reality.

Keywords: Sanitation. Amapá. CAESA.

Sumário
1. Introdução; 2. Estado do Amapá: origem e principais carac-
terísticas; 2.1. Aspectos político-demográficos do Estado; 2.2.
Indicadores de saneamento básico no Estado do Amapá; 3. Ti-
tularidade dos serviços e atuação à luz do regime jurídico vi-
gente; 3.1. Previsão Constitucional e titularidade dos serviços;
3.2. Marco regulatório vigente; 3.2.1. Ente responsável pela
prestação dos serviços; 3.2.2. Plano municipal de saneamento
básico - PMSB; 3.2.3. Regulação dos serviços; 3.2.4. Órgão de
controle social; 4. Considerações acerca da prestadora dos ser-
viços (CAESA); 5. Propostas de reformulação do marco legal; 6.
Conclusão; 7. Referências bibliográficas.

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604
1. INTRODUÇÃO

Consagrado à direito fundamental pela derradeira Constituição Federal2,


o acesso à saúde caminha a passos lentos no Brasil.

Ainda que dados estatísticos apresentem indicativo de melhora nos


serviços prestados pelo Poder Público desde a implantação do Sistema
Único de Saúde3, inegável também é o fato de que a população ainda pa-
dece de severas restrições de acesso a programas voltados à prevenção
e ao combate de doenças.

Subfinanciamento, gestão pública ineficiente, ausência de profissio-


nais associados à sua distribuição desigual pelo território nacional, lei-
tos insuficientes, tecnologia precária, falta de planejamento. Estes são
reconhecidamente obstáculos à oferta de serviços públicos de saúde,
impactando sobretudo a parcela hipossuficiente da população, deman-
dando a necessária atenção e correção pelo Poder Público.

Embora instintivamente paire no imaginário popular, mostra-se equi-


vocada a concepção de que o serviço de saúde se relaciona tão somente
ao combate de enfermidades. Ao revés, inicia-se com ações, atividades e
programas voltados à prevenção da sua ocorrência, ou seja, promoven-
do medidas que efetivamente impeçam agentes nocivos de se instalar e
provocar efeitos deletérios ao organismo humano.

2 Artigo 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (...) Artigo 196.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econô-
micas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
3 R. MACHADO, “Antes dos SUS”, Drauzio, disponível em https://drauziovarella.
uol.com.br/saude-publica/antes-do-sus/ (acesso em 01/09/2019).

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605
Estudos de Direito do Saneamento

A propósito, inúmeras são as doenças cuja transmissão se associa à


veiculação hídrica ou à exposição de resíduos sólidos, de sorte que a po-
tabilidade da água, coleta de esgotos e de resíduos sólidos são medidas
indispensáveis para o seu enfrentamento.

Nesse cenário é que exsurge a importância do saneamento básico,


compreendido por quatro modalidades distintas e integradas, quais se-
jam, serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário,
limpeza urbana e manejo de recursos sólidos, e cuja finalidade se associa
à prevenção de doenças e à promoção do bem-estar da população.

Firme na compreensão do saneamento básico como importante ins-


trumento de promoção da saúde e diante da necessidade de modernizar
o regime jurídico relativo ao setor, implementou-se inovação legislativa
consubstanciada na lei nº 11.445/07, que teve por escopo “estabelecer
diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766,
de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de
21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no
6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências.”

No entanto, os resultados alcançados durante a vigência do referido


diploma legal foram considerados modestos. Dados recentemente divul-
gados pelo Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (dora-
vante “SNIS”) dão conta da seguinte realidade: Apenas 93% (noventa e três
por cento) da população urbana é atendida por rede de abastecimento de
água, com destaque negativo para a região norte, com apenas 70% (seten-
ta por cento) da população atendida; Quanto ao esgotamento sanitário,
apenas 60,2% (sessenta inteiros e dois décimos por cento) da população
urbana conta com rede coletora de esgotos, com realidades bem distintas
entre as regiões sudeste e norte, respectivamente, com 83,2% e 13% de

Voltar ao índice
606
cobertura4; Apesar de 91% (noventa e um por cento) da população con-
tar com coleta domiciliar de resíduos sólidos, apenas 1,65% desse total é
efetivamente recuperado5; por fim, dos municípios participantes do Diag-
nóstico de Manejo de Águas Pluviais Urbanas – DMAPU de 2017, 70,1%
(setenta inteiros e um décimo) reportaram não possuir mapeamento de
áreas de risco de inundação dos cursos d´água urbanos6.

Os indicadores referidos nitidamente se contrapõem ao princípio de


universalização de acesso que orienta à política pública7, notadamente em
relação aos Estados do Norte, cujos parcos índices de cobertura revelam
acentuada distorção em relação às regiões Sul e Sudeste.

Os benefícios sociais e econômicos advindos da cobertura integral


dos serviços de saneamento básico são incontestáveis. Busca-se sensibi-
lizar a classe política, e porque não dizer, toda a sociedade, aduzindo os
benefícios financeiros das ações de saneamento, à medida em que sua
promoção reduz significativamente as despesas na outra ponta, voltadas
ao combate de enfermidades8. A principal estratégia argumentativa revela

4 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, Diagnóstico dos serviços de


Água e Esgotos – 2017, SNIS, 2019, disponível em http://www.snis.gov.br/component/con-
tent/article?id=175 (acesso em 20/08/2019).
5 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, Diagnóstico anual de resíduos
sólidos – 2017, SNIS, 2019, disponível em http://www.snis.gov.br/diagnostico-residuos-so-
lidos/diagnostico-rs-2017 (acesso em 20/08/2019).
6 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, Diagnóstico do serviço de
águas pluviais – 2017, SNIS, 2019, disponível em http://www.snis.gov.br/diagnostico-a-
nual-aguas-pluviais/diagnostico-ap-2017 (acesso em 20/08/2019)
7 A universalização de acesso constitui princípio fundamental à prestação dos
serviços de saneamento básico, conforme disposto no artigo 2º, I, da lei 11.445/07.
8 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, OMS: Para cada dólar investido em água
e saneamento, economiza-se 4,3 dólares em saúde global, Nações Unidas Brasil, 2014,
disponível em https://nacoesunidas.org/oms-para-cada-dolar-investido-em-agua-e-sanea-
mento-economiza-se-43-dolares-em-saude-global/ (acesso em 15/08/2019).

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607
Estudos de Direito do Saneamento

pouco amadurecimento nacional para questões de cunho eminentemente


social, restando o apelo consubstanciado na demonstração de proveitos
financeiros para reverter o quadro de descaso atrelado à política pública.

No âmbito desse contexto figura o Estado do Amapá, unidade federati-


va emancipada pelo advento da Constituição Federal vigente, cuja presta-
ção de serviços públicos de saneamento retrata índices insatisfatórios até
mesmo diante do acanhado desempenho nacional.

O enfoque das presentes linhas visa traçar um panorama geral acerca


do cenário político e demográfico do Estado, bem assim apresentar dados
relativos à prestação de água e esgotos, caracterizando a atuação dos titu-
lares dos serviços, os municípios, ante o marco legal do setor em vigência,
no caso, a lei nº 11.445/07. Por fim, com base em informações disponibi-
lizadas pela prestadora de serviços, vislumbrar-se-á perspectiva de univer-
salização da cobertura de atendimento à população pela atual companhia,
ou, ante a impossibilidade de consumação no prazo almejado9, delinear
ações dos titulares para a concretização da política pública.

2. ESTADO DO AMAPÁ: ORIGEM E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

2.1. Aspectos político-demográficos do estado

Antes de adentrarmos às especificidades referentes aos índices de cober-


tura de saneamento básico no Estado do Amapá, bem como considerações

9 A Organização das Nações Unidas, em setembro de 2015, instituiu o programa


“Agenda 2030”, a qual propõe ação mundial voltada ao alcance de 17 Objetivos do Desen-
volvimento Sustentável, dentre os quais o objetivo de nº 06 – “Água potável e saneamento:
Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos”.

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608
acerca do formato da prestação do serviço, cumpre-nos, ainda que de maneira
singela, uma melhor percepção dos traços gerais e distintivos do seu território.

A universalidade do acesso constitui princípio fundamental da pres-


tação dos serviços públicos de saneamento básico (artigo. 2º, inciso I,
da lei n.º 11.445/07), o que naturalmente induz à conclusão de que a
cobertura dos serviços, em todas as suas modalidades, deve abranger a
totalidade da população do País, indistintamente.

Sendo assim, para melhor compreensão dos desafios à concretização


da política pública em âmbito Estadual, necessário se faz conhecer as carac-
terísticas e particularidades que envolvem a região, processo de formação,
subdivisão política, contexto demográfico, e tecer breves considerações
acerca de aspectos sociais e econômicos que se mostram relevantes ao
tema, seja para orientar a prestação de serviço no atual cenário, seja para
nortear investimentos necessários no horizonte populacional vislumbrado.

Dito isto, enaltece-se que as feições e limites territoriais do Estado


tem início a partir do seu desmembramento do Estado do Pará, momen-
to em que, por força do Decreto-Lei nº 5.812/1943 passou à condição
de Território Federal10. Posteriormente, foi elevado à categoria de Estado
pela Constituição Federal de 198811, sendo efetivamente instalado por
ocasião da posse do governador, em 1º de janeiro de 1991, contando
dessa maneira com pouco menos de 30 anos desde a sua criação.

Tenra idade, estímulos ao povoamento relativamente recente e exten-


sa área destinada a unidades de conservação, terras indígenas e comuni-

10 Conforme disposto no artigo 1º, caput e §1º do Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de


setembro de 1943.
11 Na forma do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: artigo 14. Os Ter-
ritórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados em Estados Federados, manti-
dos seus atuais limites geográficos. §1º A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos
governadores eleitos em 1990.

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609
Estudos de Direito do Saneamento

dades quilombolas constituem-se fatores relevantes à compreensão da


sua atual configuração política. A propósito, o Estado acha-se subdividido
politicamente em apenas 16 municípios12, contando com população de
669.526 pessoas, segundo dados do último censo realizado pelo Institu-
to Brasileiro de Geografia e Estatística – doravante “IBGE”13, quantitativo
em termos nacionais superior apenas ao Estado de Roraima14.
Sob o aspecto demográfico, é possível verificar uma forte concentra-
ção populacional nas duas maiores cidades do Estado, a Capital Macapá,
e a cidade de Santana, juntas abrigando aproximadamente cerca de 75%
(setenta e cinco por cento) de todo o contingente registrado, conforme
se verifica do seguinte detalhamento15:

Municípios Censo 2010 Municípios Censo 2010


Amapá 8.069 habitantes Oiapoque 20.509 habitantes
Calçoene 9.000 habitantes Pedra Branca do 10.722 habitantes
Amapari
Cutias 4.696 habitantes Porto Grande 16.809 habitantes
Ferreira Gomes 5.802 habitantes Pracuúba 3.793 habitantes
Itaubal 4.265 habitantes Santana 101.262 habitantes
Laranjal do Jari 39.942 habitantes Serra do Navio 4.380 habintates
Macapá 398.204 habitantes Tartarugalzinho 12.563 habitantes
Mazagão 17.032 habitantes Vitória do Jari 12.428 habitantes

12 São eles: Macapá, Santana, Laranjal do Jari, Oiapoque, Porto Grande, Mazagão,
Tartarugalzinho, Pedra Branca do Amapari, Vitória do Jari, Calçoene, Amapá, Ferreira Go-
mes, Cutias, Itaubal, Serra do Navio, Pracuúba
13 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Brasil/Amapá, IBGE, 2019,
disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ap/panorama (acesso em 15/08/2019). Ou-
trossim, dados da mesma fonte estimam para 2019 população de 845.731 pessoas.
14 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Brasil/Roraima, IBGE,
2019, disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rr/panorama (acesso em 15/08/2019).
15 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Amapá, IBGE, 2019, disponível
em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sintese/ap?indicadores=25207 (acesso em 15/08/2019).

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610
Vale o registro de que os municípios de Macapá (capital) e Santana
são circunvizinhos, estando integrados pela mesma região metropolita-
na por força da Lei Complementar Estadual nº 21/200316, o que signifi-
ca dizer que três quartos da população do Estado se aglomeram em um
ambiente relativamente conjugado.

Frisa-se, ainda, que o Estado é caracterizado por forte densidade


urbana, cuja taxa alcança aproximadamente 90% da população. Os dois
maiores municípios do Estado não destoam desta realidade, apresen-
tando semelhantes panoramas demonstrados abaixo.

16

16 Amapá (Estado). Lei complementar Estadual nº 21/2003. Institui a Região Me-


tropolitana do Município de Macapá, Estado do Amapá, e dá outras providências. Macapá/
AP, disponível em http://www.al.ap.gov.br/pagina.php?pg=buscar_legislacao&aba=legi-
slacao&submenu=listar_legislacao&especie_documento=12&ano=&pesquisa=&n_doe-
B=&n_leiB=0021&data_inicial=&data_final=&orgaoB=&autor=&legislaturaB= (acesso em
19/08/2019). Registre-se que, posteriormente, houve a inclusão do município de Mazagão
à região metropolitana, por força da Lei Complementar Estadual nº 96/2016.

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611
Estudos de Direito do Saneamento

Outro dado relevante diz respeito à taxa de crescimento populacional.


Segundo recentes estimativas apresentadas pelo IBGE, ao passo que o Bra-
sil registra índices de crescimento no patamar de 0,79% para o ano de 2019,
o Estado do Amapá desponta no mesmo período para um crescimento na
ordem de 1,96%17. O ritmo exponencial de crescimento se justifica tanto
pela taxa de natalidade e fecundidade ainda superiores à média nacional,
quanto pelos altos índices migratórios de pessoas oriundas de outros Es-
tados da Federação. Com base no último levantamento promovido pelo
IBGE em 2009, o Amapá apresentou índice de eficácia migratória positivo
na ordem de 0,2870, ocupando a terceira posição nacional neste quesito,
revelando-se área de absorção migratória18. Efeito direto dessas variáveis é

17 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, População, IBGE, 2019,


disponível em https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/ (acesso em 21/08/2019).
18 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Brasil/Amapá/Migrações,
IBGE, 2019 disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ap/pesquisa/10053/59645?ti-
po=ranking&ano=2009 (acesso em 18/08/2019).

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612
que o IBGE projeta redução populacional no Brasil a partir do ano de 2049,
já o Amapá manterá índices de crescimento mesmo após 2060.

Com relação a indicadores socioeconômicos, apresenta índice de


Desenvolvimento Humano (IDH) na faixa de 0,708 e rendimento mensal
domiciliar per capita na ordem de 857,00 (oitocentos e cinquenta e sete
reais), ocupando, respectivamente, a 12ª e 21ª posições no cenário na-
cional. No quesito moradia, contabilizou-se 108.086 pessoas residindo em
aglomerados subnormais19, sobretudo em palafitas edificadas em áreas de
ressaca, evidenciado grave problemática de natureza urbanística.

Feitas as referidas considerações, esclarece-se que estas linhas pre-


téritas não se destinaram a exaurir os aspectos socioeconômicos e cultu-
rais referentes ao Estado, mas tão somente externar indicadores gerais
que possam apresentar melhor correlação com os serviços públicos de
saneamento básico, notadamente o universo populacional, capacidade
de pagamento pela população a partir de dados relativos à renda per ca-
pita e condições de moradia, sem olvidar da importância de tantas outras
variáveis igualmente pertinentes e que devem ser levadas em considera-
ção para um exame acurado da realidade local.

Em suma, as informações apresentadas poderão ser sintetizadas da


seguinte maneira:

• Contingente populacional reduzido em comparação à


média nacional, distribuído em apenas 16 municípios;

19 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Brasil/Amapá/Censo.


Universo- Aglomerados subnormais, IBGE, 2019, disponível em https://cidades.ibge.gov.
br/brasil/ap/pesquisa/23/25359?indicador=47382 (acesso em 18/08/2019).

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613
Estudos de Direito do Saneamento

• Alta concentração populacional em apenas dois municí-


pios, Macapá e Santana, os quais pertencem à mesma re-
gião metropolitana (aproximadamente 75% da população).
• Densidade urbana elevada, com 90% da população re-
sidindo em zona urbana.
• Acentuada quantidade de aglomerados subnormais da
população, fixados em áreas de ressaca.

Traçado o referido panorama, pode-se concluir que o reduzido contingente


populacional e sua a alta concentração em apenas dois municípios contíguos
favorecem o alcance de metas bastante razoáveis em curto espaço de tempo,
vez que a universalização dos índices de cobertura apenas neste aglomerado
urbano representaria uma cobertura por volta de 70% (setenta por cento) do
universo populacional do Estado, mesmo considerada apenas a zona urbana.

Quanto aos demais municípios, é certo que representaria um desafio


à parte, sobretudo em face da sua dimensão, cujo contexto não favorece
ao ganho de escala. Entretanto, por serem relativamente poucos, apenas
14, significaria um esforço bem inferior ao, por exemplo, do Estado de
Minas Gerais, que conta com 853 municípios.

Por outro lado, o expressivo crescimento populacional e considerável


contingente de habitações precárias revelam os desafios para a política
pública, uma vez que impõem rigoroso planejamento e significativa alo-
cação de investimentos, devendo guardar íntima relação com a política
urbanística dos municípios, o que em regra não ocorre.

2.2. Indicadores de saneamento básico no estado do Amapá

Do contexto introdutório é possível perceber que apenas pequena


parcela da população efetivamente aufere os benefícios das ações de sa-

Voltar ao índice
614
neamento básico, valendo acrescentar que o percentual de atendimento
varia de acordo com cada componente que integra o sistema.

Face a dimensão continental do País, naturalmente o percentual de


cobertura de acesso apresenta discrepância entre as regiões. Sul, Sudes-
te e Centro-Oeste apresentam resultados mais satisfatórios do que os
demonstrados pelas regiões Nordeste e Norte, sendo que esta última se
sobressai como a de menor atendimento.

Nesse aspecto, assevera-se que os indicadores presentes no Estado


do Amapá destoam da média Nacional, infelizmente de forma negativa.

No que se refere a serviços de água e esgotos, eis quadro compa-


rativo dos índices entres as diversas regiões do Brasil, conforme dados
recentemente consolidados pelo Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento – SNIS, referentes ao ano de 2017:

No que se mostra essencial ao presente trabalho, percebe-se que, em


relação ao índice de atendimento total com rede de abastecimento de
água, o País registrou cobertura média de 83,5% da população. Por sua
vez a região Norte registrou os piores números regionais, ante o atendi-
mento neste quesito a apenas 57,5% da população.

Voltar ao índice
615
Estudos de Direito do Saneamento

O Estado do Amapá, neste quesito, contempla apenas 40,4% da po-


pulação, mantendo-se na última colocação entre os Estados da Federa-
ção. Anota-se que houve leve progresso em relação ao levantamento
referente ao ano de 2016, quando retratava índices inferiores a 40%.

Já com relação ao índice de atendimento com rede de esgotos, o País apre-


senta índice de atendimento na ordem de 60,2% da população urbana, e 52,4%
da população total. Novamente, a Região Norte aparece em último lugar, reve-
lando cobertura urbana a 13,0% da população urbana, e 10,2% da população
total. Novamente o Estado do Amapá retrata números aquém da média nacional
e regional, reportando atendimento urbano inferior a 10% da respectiva popula-
ção, situação também verificada nos Estados do Pará e Rondônia.

Quando o estudo se volta a observar as 100 maiores cidades do País,


ordenando-as a partir dos melhores indicadores, a Capital do Estado,
Macapá, ostenta as seguintes posições: atendimento total de água (98ª
- 41,5%); atendimento urbano de água (98ª - 42,40%); atendimento total
de esgoto (97ª- 10,17%); atendimento urbano de esgoto (97ª – 10,62%);
índices de perdas na distribuição (93ª – 62,15%). Em função de tal qua-
dro, restou posicionada na 96ª posição do ranking, ou seja, a quarta pior
dentre os 100 maiores municípios estudados, à frente apenas Santarém/
PA, Ananindeua/PA e Porto Velho/RO20.

A ausência de política pública que priorize ações para a universalização


do acesso aos subprogramas do saneamento básico desencadeia, por con-

20 GO ASSOCIADOS, Ranking do saneamento Instituto Trata Brasil 2019 (SNIS 2017),


Trata Brasil, 2019. Disponível em http://tratabrasil.com.br/images/estudos/itb/ranking-2019/
Relat%C3%B3rio_-_Ranking_Trata_Brasil_2019_v11_NOVO_1.pdf (acesso em 10/08/2019).

Voltar ao índice
616
sequência, as mais variadas doenças, sobretudo de veiculação hídrica21,
que tendem afetar em maior grau crianças, idosos e mulheres22, e que aju-
dam a explicar os números alarmantes presentes no Estado, seja no campo
social, a exemplo do desempenho escolar insatisfatório e aquém da proje-
ção estimada para o próprio Estado23, ou no campo econômico, retratado
pelo alto índice de desemprego em relação à média nacional24.

Além de tais preocupações, há que se destacar a presença de mer-


cúrio em boa parte da bacia fluvial do Estado, decorrente da constante
e quase sempre ilegal exploração do garimpo para extração do ouro. A
ausência de política de saneamento básico, sobretudo a de fornecimento
de água potável, induz ao consumo de água contaminada pelo metal,
criando campo fértil para o surgimento de doenças de ordem cognitiva
e motora, perda de visão, doenças cardíacas entre outras debilidades25.

21 Como exemplo de doenças de veiculação hídrica direta ou indiretamente po-


demos citar: amebíase, giardíase, gastroenterite, febre tifoide e paratifoide, hepatite infec-
ciosa e cólera, esquistossomose, ascaridíase, teníase, oxiuríase e ancilostomíase, dengue, a
febre amarela e a malária.
22 BRK AMBIENTAL e I. TRATA BRASIL, Mulheres & Saneamento. Trata Brasil,
2018, disponível em http://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/itb/pesquisa-mulher/
brk-ambiental-presents_women-and-sanitation_PT.pdf (acesso em 12/08/2019).
23 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANISIO TEI-
XEIRA, Resultados e metas, IDEB, 2018, disponível em http://ideb.inep.gov.br/resultado/
(acesso em 23/08/2019).
24 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, PNAD Contínua – Pes-
quisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua, IBGE, 2019, disponível em ftp://ftp.
ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicili-
os_continua/Trimestral/Quadro_Sintetico/2019/pnadc_201902_trimestre_quadroSinteti-
co_20190828.pdf (acesso em 30/08/2019). Segundo dados do IBGE divulgados no final do
mês de agosto/2019, referentes ao trimestre maio/junho/julho, o Estado do Amapá apre-
senta a segunda pior taxa de desemprego do País, com 16,9% da população nesta condição.
25 F. LEONEL, Contaminação por mercúrio se alastra na população Yanomami, FIO-
CRUZ, 2019, disponível em http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/
detalhe/46979 (acesso em 25/08/2019).

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617
Estudos de Direito do Saneamento

3. TITULARES DOS SERVIÇOS E ATUAÇÃO À LUZ DO REGIME JURÍ-


DICO VIGENTE

3.1. Previsão constitucional e titularidade dos serviços.

Inicialmente, importa dizer que o presente capítulo se voltar a retra-


tar a estruturação da prestação dos serviços públicos de água e esgoto
em âmbito Estadual, bem como sua conformação às determinações le-
gais instituídas pelo marco regulatório ora vigente.

Para tanto, mostra-se necessário, em caráter precedente, retratar os


aspectos constitucionais envoltos à matéria e o entendimento jurispru-
dencial acerca do ente responsável pela prestação dos aludidos serviços,
o que se passa a fazer no presente tópico.

Pois bem, evidenciando a importância da política pública, o saneamento


básico mereceu atenção do texto Constitucional, notadamente no âmbito
de suas disposições referentes à repartição político-administrativa, estabe-
lecendo as atribuições de cada ente federado em prol da sua consecução.

No âmbito da competência legislativa, reservou à União o papel de de-


limitar as premissas básicas sobre a matéria ao dispor sua competência
para a instituição de diretrizes do setor26. A opção política se revela acerta-
da ante a pertinência e até mesmo necessidade de padronização e fixação
de regramento básico a ser observado pelos demais entes da federação,
sobretudo por parte do ente detentor da titularidade dos serviços.

No que concerne à competência material, ressoa evidente o destaque


conferido ao setor pela Carta Magna, haja vista que preconiza a competên-

26 Artigo 21. Compete à União: XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento


urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.

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618
cia comum dos entes da Federação à promoção de programas voltados ao
saneamento básico27. Sendo assim, independentemente do ente a quem
se atribua a específica prerrogativa de conduzir a política pública, cumpre
aos demais entes exercer efetiva colaboração em prol da sua satisfação, a
qual contempla, se necessário for, auxílios de ordem financeira.

Nesta perspectiva, o Texto Constitucional eleva a promoção do saneamento


básico a patamar de primeira necessidade, em função do qual todos os entes
devem promover mútua colaboração com vistas a sua universalização e, con-
sequentemente, melhoria da saúde pública e qualidade de vida da população.

No entanto, há que se destacar que a Carta Magna absteve-se de


expressamente apontar o Ente Federativo titular do serviço público de
saneamento28, ou seja, aquele encarregado de promover a organização,
regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços.

A ausência de definição expressa propiciou entendimentos conflitan-


tes sobre o tema, o que claramente não beneficiou o setor.

Isto porque estudos apontam para a insuficiência de recursos públicos


destinados ao atendimento dos subprogramas do saneamento básico, so-
bretudo os relacionados a abastecimento de água potável e de coleta e trata-
mento de esgotos. Tampouco há perspectivas no horizonte de alteração des-
se cenário, haja vista que a atual recessão econômica conduziu à estagnação
dos investimentos. Daí a importância da conjugação desses esforços públicos

27 Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal


e dos Municípios: IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico.
28 Como o fez em relação a diversos serviços, a exemplo dos dispostos à União (ar-
tigo 21), gás canalizado atribuído aos Estados (artigo 25, §2º), transporte coletivo atribuído
aos municípios (artigo 30, V).

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619
Estudos de Direito do Saneamento

com a injeção de investimentos oriundos da iniciativa privada, a qual já se


mostrou ávida em participar ativamente deste segmento econômico.

Sucede que a incerteza quanto ao ente titular dos serviços de saneamento


desestimula a participação interessados do setor privado, afastando os recur-
sos que deles poderiam advir. É que, por envolver investimentos de alta monta
e cuja amortização se dá a longo prazo, a segurança jurídica se sobressai como
elemento de fundamental importância a atrair capital privado ao segmento.

Nesse mesmo sentido, assim pontua Fernando Bernardi Gallacci29:

“Do encontro envolvendo os cenários jurídico e fático surgiu uma


importante discussão quanto à titularidade dos serviços de sanea-
mento, seja dentro de regiões conturbadas, seja fora delas. Saber
quem seria o responsável por prestar os serviços diretamente ou
mediante concessão, se tornou essencial para o desenvolvimento
do setor, principalmente em razão da necessidade de captação de
investimentos, em especial, de fontes ligadas à iniciativa privada.
Isso porque, para se captar tais recursos se faz necessário certo ní-
vel de segurança jurídica que somente pode ser concretizado quan-
do se tem certeza da pessoa com quem se contrata os serviços.”

Relevante observar que, por ocasião dos trabalhos legislativos voltados


à instituição de diretrizes relacionadas aos serviços de saneamento básico,
o que culminou na aprovação da lei nº 11.445/07, tratou-se especifica-
mente acerca das prerrogativas do titular da prestação dos serviços, mais
precisamente: a) indicou o modo da prestação de serviços (pessoalmente

29 F. BERNARDI GALLACCI, Reflexão acerca das disputas jurídicas envolvendo o


setor de saneamento brasileiro, Revista de Direito Administrativo Contemporâneo – RE-
DAC, vol. 21, nov/dez/2015, disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/
documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bi-
bli_bol_2006/RDAdmCont_n.21.05.PDF (acesso em 12/08/2019).

Voltar ao índice
620
ou mediante delegação); b) enumerou as ações básicas atinentes à política
pública de saneamento; c) dispôs sobre a formação dos contratos e suas
particularidades, entre outros aspectos de acentuada importância.

No entanto, embora firmado o âmbito de atuação inerente à titulari-


dade, omitiu-se em mencionar o Ente efetivamente detentor da titulari-
dade dos serviços, se a nível municipal, estadual ou federal.

Nesse ponto, registra-se prudência do legislador infraconstitucional


ao se furtar a assinalar o Ente político detentor da titularidade dos ser-
viços. É que a repartição de competência é matéria reservada exclusi-
vamente à Constituição da República, de modo que eventual dissenso
quanto ao ente eleito por legislação infraconstitucional desaguaria ne-
cessariamente em demandas judiciais vindicando o reconhecimento da
inconstitucionalidade da previsão estabelecida.

Em suma, não bastasse o lapso temporal de aproximadamente vinte


anos para a efetivação do comando Constitucional referente à fixação
de diretrizes para o setor, ainda restava a lacuna quanto ao ente político
responsável pela sua titularidade.

A questão envolta ao ente federativo titular dos serviços públicos de


saneamento básico perdurou até meados de 2013, quando então o Su-
premo Tribunal Federal, ao enfrentar o julgamento da ADI 1842, pacifi-
cou a questão, reconhecendo o Município como o real detentor constitu-
cional da titularidade sobre a matéria. Na mesma oportunidade, decidiu
que, mesmo em se tratando de região metropolitana, aglomerações ur-
banas e microrregiões, assim reconhecidas e instituídas pelo respectivo
Estado por meio de lei complementar, na forma do artigo nº 25, §3º da
Constituição Federal, a titularidade dos serviços não se transfere ao Esta-
do. Nesta hipótese, a gestão dos serviços há de ser compartilhada entre
Estado e Municípios integrantes da região metropolitana.

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621
Estudos de Direito do Saneamento

Entendeu a Corte Suprema que o serviço em exame representa interesse


preponderantemente local, o que atrai a incidência do artigo 30, inciso V, do
texto Constitucional, segundo o qual compete ao Município organizar e prestar,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de
interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Dessa maneira, à luz do precedente exarado pela Corte Suprema, restou


sedimentado o entendimento de que, embora a concretização da política
pública de saneamento básico se revele competência material de todos os
entes da federação, a titularidade dos serviços pertence aos municípios,
haja vista sua competência para organizar e prestar serviços públicos de
interesse local, nos termos do artigo 30, inciso V, do Texto Constitucional.
Caso integrado a regiões metropolitanas, haverá o compartilhamento da
gestão do setor por partes dos entes federados envolvidos.

Sendo assim, ante a deliberação do Supremo Tribunal Federal acerca


do tema, resta superada a controvérsia referente à titularidade dos servi-
ços de saneamento básico, o que, além de elucidar a questão no âmbito
da repartição de competências entre os entes federados, propicia maior
segurança jurídica à captação de investimentos da iniciativa privada, em
inegável benefício à ordem jurídica e ao setor.

3.2. Marco regulatório vigente

Em cumprimento ao comando disposto no artigo 21, inciso XX, da


Constituição Federal, o Congresso Nacional aprovou, e o Presidente da
República sancionou, a lei nº 11.445/07, a qual instituiu as diretrizes na-
cionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamen-
to básico, caracterizando-se com o marco legal do setor.

Conhecida como lei do saneamento básico, tratou-se de formidável


inovação legislativa, cuja importância se justifica pela pretensão de ga-

Voltar ao índice
622
rantir maior cobertura dos serviços de saneamento básico à população.
Sinalizou, também, uma maior propensão da União a verter recursos
para o setor, cujos investimentos encontravam-se substancialmente pa-
ralisados há aproximadamente duas décadas.

Dessa maneira, revela-se apropriado enumerar as principais dis-


posições inauguradas pela legislação de regência, bem como apresen-
tar a postura adotada pelos municípios amapaenses, no exercício da
titularidade, em relação ao referido regramento.

3.2.1. Ente responsável pela prestação dos serviços

Dispõe o artigo 8º da legislação supramencionada que os titulares


dos serviços de saneamento básico poderão delegar, dentre outros, a
organização e a prestação dos serviços30, o que induz à compreensão
de que tanto poderá executá-la diretamente quanto outorgar a sua exe-
cução a terceiros, público ou privado.

Já o artigo 10 preconiza que a prestação de serviços públicos de sanea-


mento básico por entidade que não integre a administração do titular de-
pende da celebração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante
convênios, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.
Mais adiante, seu §1º, inciso II, ressalvou tal exigência em relação aos con-
vênios e outros atos de delegação celebrados até o dia 6 de abril de 2005.

Ante a previsão legal em referência, observa-se que não há qualquer


dos municípios do Estado que execute diretamente a prestação dos

30 Artigo 8º. Os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão


delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços, nos termos
do artigo 241 da Constituição Federal e da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005.

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623
Estudos de Direito do Saneamento

serviços, recaindo a execução sobre a Companhia de Água e Esgoto do


Amapá – CAESA, sociedade de economia mista estadual, ostentando o
Governo do Estado a condição de sócio majoritário31.

No que concerne ao instrumento jurídico que regula à referida delega-


ção, anota-se que não há qualquer ajuste firmado pelos municípios a respal-
dar a transferência da execução das atividades à Companhia Estadual, sendo
possível concluir pela informal e irregular concessão tácita dos serviços.

3.2.2. Plano Municipal de Saneamento Básico - PMSB

Em verdadeiro prestígio ao planejamento, racionalidade dos recursos e


integração das infraestruturas e serviços, o artigo 19 determinou a elabo-
ração de plano municipal de saneamento básico, instrumento responsável
por diagnosticar as necessidades, definir objetivos de curto médio e longo
prazos e as ações necessárias para o atingimento desses objetivos.

O Decreto nº 7.217/2010, expedido pelo Presidente da República, em


seu artigo 26 §2º, prevê importante mecanismo de indução à elaboração
do referido instrumento pelos municípios, ao dispor que a existência de
plano de saneamento básico será condição para o acesso a recursos orça-
mentários da União ou a recursos de financiamentos geridos ou adminis-
trados por órgão ou entidade da administração pública federal. Em linhas
gerais, as transferências voluntárias da União somente incidiriam aos Entes
que efetivamente demonstrassem a elaboração do Plano Municipal.

No entanto, cumpre enfatizar que o referido dispositivo sofreu três


alterações desde a sua edição. Inicialmente, a exigência se operava a

31 COMPANHIA DE ÁGUA E ESGOTO DO AMAPÁ. História da CAESA, CAESA, disponível


em http://www.caesa.ap.gov.br/pagina.php?a=163&b=174 (acesso em 13/08/2019).

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624
partir do exercício financeiro de 2014. Após, sucessivas alterações elas-
teceram o prazo para 2016, 2018 e, atualmente, vigora a redação que
impõe a aludida exigência a partir do exercício de 2020. As prorrogações
foram levadas a efeito em razão do reconhecimento de omissão ou em-
pecilhos na elaboração dos planos de saneamento pelos municípios.

Registra-se, ademais, que as prorrogações ocorreram às vésperas de


a condicionante se tornar plenamente exigível, de modo que não causa-
ria espanto nova prorrogação editada ao final do ano 2019.

Sob a perspectiva local, apenas os municípios de Macapá, Santana,


Serra do Navio e Pracuúba expressaram a conclusão do plano municipal
de saneamento básico32.

A Fundação Nacional de Saúde – FUNASA33 envidou esforços no sentido


de fomentar a elaboração dos instrumentos, firmando convênio com os mu-
nicípios de Ferreira Gomes, Calçoene, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari,
Tartarugalzinho e Pracuúba, visando a transferência de recursos para a elabo-
ração dos planos por parte das municipalidades. Destes, apenas o Município
de Pracuúba executou satisfatoriamente o objeto. Os ajustes firmados com os

32 A consulta quanto ao andamento dos ajuste visando a elaboração dos planos mu-
nicipais por parte de Macapá e Santana estão expressas, respectivamente, em http://www.
pac.gov.br/obra/24321 (acessado em 13/08/2019) e http://www.pac.gov.br/obra/35715
(acessado em 13/08/2019), ambas apontando para estágio concluído. O Município de Serra
do Navio elaborou o plano municipal com recursos próprios, transmitindo cópia do documen-
to à Funasa. O Plano municipal de Saneamento básico de Pracuúba foi viabilizado através do
repasse de recursos federais oriundos do convênio 0384/2010, firmado perante à Funasa.
33 Conforme informações da sua página eletrônica, http://www.funasa.gov.br/web/
guest/a-funasa1 (acessado em 15/08/2019), a Fundação Nacional de Saúde – FUNASA é uma
Fundação Pública Federal, vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil, cuja atuação é substan-
cialmente voltada a ações de saneamento básico em municípios com população de até 50.000
mil habitantes. Sendo assim, a ausência de planos de saneamento básico nos municípios aten-
didos pela Funasa inviabilizaria a transferência de recursos federais para programas de sanea-
mento básico, daí a iniciativa da Entidade em financiar a elaboração dos aludidos instrumentos.

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625
Estudos de Direito do Saneamento

demais municípios encontram-se injustificadamente com a execução paralisa-


da, tendendo ao encerramento de vigência sem conclusão do objeto.

Em função do incumprimento da maior parcela dos municípios financia-


dos, bem como da existência de outros municípios desprovidos de plano mu-
nicipal, o Poder Judiciário determinou à Funasa que celebre instrumento de
repasse com a Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, a fim de que esta,
com o auxílio de cada município, confeccione os planos de saneamento básico
de todos os municípios que ainda não o elaboraram. Registre-se que a for-
malização da avença entre as duas entidades se deu neste ano de 2019, com
trabalhos em andamento visando o atendimento da providência judicial34.

3.2.3. Regulação dos Serviços

Em reconhecimento à forte tendência de delegação dos serviços a


terceiros estranhos à pessoa do titular, estatuiu a norma acerca da exi-
gência de entidade de regulação a fim de, dentre outras competências
legais, estabelecer padrões mínimos a serem satisfeitos, fiscalizar a pres-
tação dos serviços de modo a garantir o cumprimento das condições e
metas preconizadas, e definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio
econômico e financeiro dos contratos como a modicidade tarifária.

Importante destacar, no que concerne à competência para fixar o va-


lor das tarifas praticadas, que tal mister não se volta exclusivamente a
prevenir abusos do poder econômico por parte da Empresa Prestadora
dos serviços, em defesa do consumidor. Visa também resguardar os inte-
resses da própria prestadora, na medida em que atua de modo a assegu-
rar o equilíbrio econômico e financeiro contratual, oferecendo condições
para a continuidade dos serviços e à sua prestação de modo satisfatório.

34 Decisão judicial proferida nos autos da ação nº 0002081-85.2008.4.01.3100,


que tramita perante a 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amapá – Justiça Federal.

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626
Assevera-se que o exercício da atividade de regulação poderá ser con-
ferido à entidade instituída no âmbito da Administração do titular dos ser-
viços ou, à luz do artigo 8º da lei 11.445/2007, ser delegada a qualquer
entidade reguladora constituída dentro dos limites do respectivo Estado.

O Estado do Amapá não dispõe, em âmbito estadual ou municipal, de


qualquer entidade voltada à regulação dos serviços de saneamento básico,
circunstância que defere à Companhia Pública Estadual a fixação de tarifas,
definição de metas e a política de investimentos na forma que lhe convier,
dispensada qualquer prestação de contas ao Poder Público municipal, cir-
cunstância que reflete a precariedade da prestação dos serviços no Estado35.

3.2.4. Órgão de Controle Social

Nos termos do artigo 3º, inciso IV, definiu-se o controle social como o
conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade infor-
mações, representações técnicas e participações nos processos de formula-
ção de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços
públicos de saneamento básico. Trata-se de princípio fundamental inerente
à política pública, a teor do artigo 2º, inciso X da legislação vigente.

O artigo 47, a seu turno, prescreveu que o controle social poderá incluir a
participação de órgãos colegiados de caráter consultivo, estaduais, do Distri-
to Federal e Municipais, assegurada a representação de diversos atores em
torno do saneamento básico, dentre eles, dos usuários dos serviços, organi-
zações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor.

35 Dado corroborado por publicação sobre o assunto, cujo acesso encontra-se dis-
ponível no seguinte endereço eletrônico: http://abar.org.br/wp-content/uploads/2017/09/
ABAR_2017.pdf. (acesso em 12/08/2019).

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627
Estudos de Direito do Saneamento

Como forma de persuadir (leia-se impor) os entes federativos a instituí-


rem órgão de controle social de caráter consultivo, preconizou o Decreto nº
7.217/2010, em seu artigo 34, §6º, que a instituição do referido colegiado se
revela condição necessária, a partir do exercício de 2015, para o acesso a recur-
sos federais ou aos geridos ou administrados por órgão ou entidade da União.

Segundo levantamento promovido pelo IBGE, até o ano de 2017 os


municípios pertencentes aos Estados do Amapá e Amazonas figuravam en-
tre os únicos desprovidos de Conselho Municipal de Saneamento básico36.

Mostra-se relevante pontuar a atuação da Fundação Nacional de Saúde


- FUNASA em prol da inversão desse cenário. A propósito, durante os anos de
2018 e 2019, a Entidade desenvolveu trabalho voltado à conscientização dos
municípios da importância do órgão colegiado controle social, advertindo-os
acerca da impossibilidade de transferência voluntária de recursos federais
àqueles que não o instituíssem. Os expedientes foram direcionados não ape-
nas aos municípios, mas também a representantes do Poder Judiciário e Minis-
tério Público, haja vista a importância das ações de saneamento à população.

Como resultado do empenho, vem recepcionando expedientes de


municípios demonstrando a constituição do órgão colegiado de controle
social37, afastando o obstáculo para acesso a recursos federais de sanea-
mento básico. Caso efetivamente desenvolvam suas atividades, partici-
pando ativamente dos debates e promovendo efetiva fiscalização sobre
os serviços prestados pelo poder público, os órgãos colegiados muito
contribuirão à política pública de saneamento.

36 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Aspectos gerais da ges-


tão da política de saneamento básico, IBGE, 2017, disponibilizado em https://biblioteca.
ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101610.pdf (acesso em: 05/08/2019).
37 Os expedientes repousam nos autos do processo administrativo da Funasa de
nº 25115.000696/2019-26.

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628
4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PRESTADORA DOS SERVIÇOS (CAESA)

Antes de promovermos considerações a respeito da Companhia Es-


tadual, necessário dizer que a atual configuração e atores que compõem
o saneamento básico, sobretudo em seus subsetores água e esgoto, re-
monta à década de 70, época cuja prestação dos serviços ocorria pre-
ponderantemente de maneira isolada por parte dos municípios, os quais
encontravam dificuldades em satisfazer a demanda populacional, espe-
cialmente a urbana, que crescia em ritmo vertiginoso.

Compreendendo a necessidade de impulsionar a rede de cobertura,


o Governo Federal instituiu, em 1971, o Plano Nacional de Saneamento –
PLANASA, fomentando a criação de Companhias Estaduais de Saneamento
Básico, as quais restariam encarregadas de centralizar a prestação dos ser-
viços e por intermédio de quem eram repassados recursos originados do
Banco Nacional de Habitação – BNH e de outras fontes38.

Em âmbito local a história não foi diferente, contudo, há que se pon-


tuar o seguinte: durante a década de 70 o Amapá ainda ostentava a con-
dição de Território Federal, uma vez que alçado à categoria de Estado
apenas por expressa previsão Constitucional em 1988.

38 Para Wilson Edson Jorge, a obtenção dos recursos do Banco passou a ser obri-
gatoriamente vinculada, após o PLANASA, à criação do FAE e das Companhias Estaduais de
Saneamento - CES, através dos quais os recursos eram repassados aos municípios, via com-
panhia local vinculada à FAE estadual. As imposições do Banco explicitaram e delimitaram
a tônica empresarial do modelo PLANASA (W. EDSON JORGE, A Avaliação da Política Na-
cional de Saneamento Pós 64, FAUUSP, vol.1, n.2. pp. 21-34, dez. 1992). Por sua vez, Costa,
Pierobon e Soares argumentam que, em decorrência do disposto no art 2º do Decreto-Lei
949/69, os Estados acabaram por comandar a estrutura de saneamento básico no Brasil,
sendo esse, ainda hoje, o cenário que se verifica. Asseveram que nem todos os municípios
foram capazes de estabelecer fundos de financiamentos para água e esgoto, como deter-
mina o citado dispositivo. Com isso, os Estados, através de sociedades de economia mista
criadas à época, dominaram o serviço público de saneamento básico através de concessões
de serviços públicos elaborados pelos municípios. (I. GARCIA DA COSTA, F. PIEROBON E E.
CRISTINA SOARES, A efetivação do direito ao saneamento básico no Brasil: do PLANASA ao
PLANASB, Meritum/MG. v. 13, n. 2, Jul./Dez. 2018, pp. 335-358).

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629
Estudos de Direito do Saneamento

Nesse cenário, a Companhia de Águas e Esgotos do Amapá decorreu não


por deliberação de natureza estadual, mas da própria União que, por intermédio
do Decreto-Lei nº 490/1969, conferiu ao Poder Executivo autorização para cons-
tituir tanto a Companhia Amapaense quanto às de Rondônia e Roraima, todas
na condição de sociedades de economia mista. Sua efetiva criação adveio anos
depois, quando da Assembleia Geral realizada em 24 de abril de 197339.

Como desdobramento da transformação do Território Federal do


Amapá à condição de Estado, operada pela Constituição Federal de 1988,
houve a transferência do domínio dos bens móveis e imóveis pertencen-
tes àquele em benefício deste40, razão pela qual a Empresa passou a figu-
rar como Entidade pertencente à Administração indireta Estadual.

Feito breve escorço histórico, passa-se a analisar dados da Companhia


a partir de elementos presentes no Diagnóstico dos Serviços de Água e
Esgotos referente ao ano de 2017, extraído do Sistema Nacional de In-
formações sobre Saneamento – SNIS41, o qual consolida dados apresen-
tados pelas próprias prestadoras de serviços, permitindo identificar, com
objetividade, aspectos da gestão dos serviços nos municípios brasileiros.

O primeiro ponto objeto de análise condiz com os índices de perdas


da distribuição de água, seja real ou aparente.

39 COMPANHIA DE ÁGUA E ESGOTO DO AMAPÁ. História da CAESA, CAESA, dispo-


nível em http://www.caesa.ap.gov.br/pagina.php?a=163&b=174 (acesso em 13/08/2019).
40 Por força do artigo 14, §2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
da Constituição Federal de 1988, a transferência mencionada seguiu a mesma sistemática
adotada por ocasião da criação do Estado de Rondônia, cujas diretrizes repousam na lei
complementar nº 41/1981, artigos 15 e 16.
41 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL, Diagnóstico dos serviços de
Água e Esgotos – 2017, SNIS, 2019, disponível em http://www.snis.gov.br/component/con-
tent/article?id=175 (acesso em 20/08/2019).

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630
Nos termos do referido diagnóstico, as perdas reais, também conhecidas
como perdas físicas, referem-se a toda água disponibilizada para distribuição
que não chega aos consumidores. Essas perdas acontecem por vazamentos
em adutoras, redes, ramais, conexões, reservatórios e outras unidades ope-
racionais do sistema. Elas compreendem principalmente os vazamentos em
tubulações da rede de distribuição, provocados especialmente pelo excesso
de pressão, habitualmente em locais com grande variação topográfica. Os
vazamentos também estão associados à qualidade dos materiais utilizados,
à idade das tubulações, à qualidade da mão de obra e à ausência de progra-
mas de monitoramento de perdas, dentre outros fatores.

Já as perdas aparentes, também chamadas de perdas não físicas ou comer-


ciais, estão relacionadas ao volume de água que foi efetivamente consumido
pelo usuário, mas que, por algum motivo, não foi medido ou contabilizado, ge-
rando perda de faturamento ao prestador de serviços. São falhas decorrentes
de erros de medição (hidrômetros inoperantes, com submedição, erros de lei-
tura, fraudes, equívocos na calibração dos hidrômetros), ligações clandestinas,
by pass irregulares nos ramais das ligações (conhecidos como gatos), falhas no
cadastro comercial e outras situações. Nesse caso, então, a água é efetivamen-
te consumida, mas não é faturada pelo prestador de serviços.

Por fim, aduz o referido diagnóstico que os indicadores calculados pelo


SNIS não diferem o valor das perdas reais e aparentes, ou seja, não se pode
afirmar que os valores divulgados se caracterizam como desperdício de
água, necessariamente. Esta limitação se dá principalmente no próprio le-
vantamento das informações por parte de alguns prestadores de serviços
que não dispõem de técnicas mais precisas na avaliação de vazamentos na
rede, submedição em hidrômetros, fraudes, dentre outras.

Com relação a dados relativos a índices de perdas na distribuição dos pres-


tadores de serviços de abrangência regional, a Companhia de Água e Esgotos

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631
Estudos de Direito do Saneamento

do Amapá – CAESA apresentou perda correspondente a 66,2% do total de vo-


lume produzido, o equivalente a aproximadamente dois terços de toda a água
distribuída. Registre-se que tais números retratam cenário bem distinto da
média nacional, em 38,1%, e especialmente de prestadoras que apresentam
índice de perdas inferior a 30%, quais sejam, SANEAGO/GO (25,4%) e CEDAE/
RJ (29,8%). A realidade vivenciada pela CAESA a situa na penúltima posição
neste indicador, acima apenas do apresentado pela Companhia de Roraima
– CAER/RR (75,3%). Considerando-se apenas as Capitais do País, Macapá/AP
revela índice de 62,2% de perdas de água, à semelhança da média estadual.
Essa circunstância impacta significativamente o balancete da prestadora de
serviços, uma vez que fatura apenas um terço de toda a água produzida.

Outro aspecto relevante atinente à gestão dos serviços diz respeito


ao consumo de energia elétrica. O diagnóstico em exame evidencia, em
comparação a outros Estados, baixo consumo de energia elétrica des-
pendido à prestação dos serviços. Outrossim, a partir de análise retros-
pectiva, é possível verificar que os níveis de consumo em 2015 retraíram
significativamente em relação a 2014, mas tornaram a se elevar nos anos
de 2016 e 2017, o que requer maior atuação gerencial voltada ao con-
trole de despesas da referida natureza para os anos vindouros. A fim de
auxiliar a gestão, o próprio estudo enumera ações destinadas ao controle
dos custos de energia, cabendo às prestadoras de serviço empenhar-se
no sentido aferir o cumprimento de tais recomendações, em prol de ra-
cionalização das despesas voltadas à prestação do serviço e, consequen-
temente, propiciar tarifas módicas ao consumidor.

No quesito tarifas e despesas médias, indicador que revela o quanto se


gasta por metro cúbico de água ou de esgoto faturado, o Estado do Ama-
pá novamente destoa de forma negativa do restante do País. Enquanto
a média nacional registrou despesa no patamar de R$3,32/m³, o Estado
despontou com folga como a maior despesa no País, na ordem de R$ 8,85/

Voltar ao índice
632
m³. Cumpre apenas pontuar que em 2016 a despesa reportada alcançou a
cifra de R$ 3,60/m³, de modo que apenas os relatórios a serem divulgados
em anos vindouros elucidarão acerca da excepcionalidade ou não do au-
mento verificado no último levantamento. Esse dado há que ser mensura-
do levando-se em conta a arrecadação financeira em função da mesma re-
ferência paradigma, ou seja, o metro cúbico, materializada por intermédio
de instituição de tarifas ou meios de cobrança afins. O Estado reivindicou
pela prestação do serviço o equivalente a R$ 2,50/m³, similar ao registrado
no ano anterior, 2016, no importe de R$ 2,48/m³. Em suma, durante o
exercício de 2017 a Entidade empregou R$ 8,85 por m³, ao passo que, em
contrapartida, exigiu apenas R$ 2,50 por m³ dos seus consumidores pela
prestação do serviço, evidenciando relação demasiadamente deficitária.

O desequilíbrio entre as variáveis receita e despesa por metro cúbico


naturalmente repercute em prejuízo financeiro nas contas da Entidade.
Neste aspecto, o cotejamento de dados relativos à receita operacional to-
tal e as despesas totais com serviços42 revela déficit na ordem de 241,7%
em relação ao ano de 2017, índice superior ao registrado nos anos ante-
riores, uma vez que havia oscilado os valores em patamares mais baixos
como em 2016 (-39,0%), em 2015 (-61,5%), em 2014 (-80,1%), em 2013
(-17,3%) e, finalmente, em 2012 (-169,2%). Note-se que as variações cir-
cundam sempre em órbita deficitária, seja em maior ou menor grau.

Importante anotar que dos 28 prestadores regionais retratados, 16


reportaram superávit no diagnóstico de 2017, quantidade superior aos
14 nesta mesma situação em 2016. Por outro lado, 12 prestadores ainda
apresentam balanço negativo em seus demonstrativos.

42 Segundo a metodologia adotada pelo estudo, a receita operacional total é o valor


faturado anual decorrente das atividades-fim do prestador de serviços e as despesas totais com
serviços é o valor anual total do conjunto das despesas realizadas para a prestação dos serviços.

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633
Estudos de Direito do Saneamento

No entanto, mesmo se considerados apenas os prestadores em condição


deficitária, a Companhia de Águas e Esgotos do Amapá – CAESA ganha rele-
vo. A propósito, a distorção apresentada pela CAESA/AP (241,7%) e COSAMA/
AM (-330,2%) foi tamanha em relação aos demais 26 prestadores regionais
que ambas foram excluídas do gráfico representativo deste indicador, haja
vista que a sua inclusão imporia escala referencial que dificultaria a visua-
lização das demais companhias, conforme passagem a seguir reproduzida:

“O Gráfico 23 mostra a diferença relativa entre a receita opera-


cional total e a despesa total com os serviços para 26 dos 28 pres-
tadores de serviços regionais. A COSAMA/AM e a CAESA/AP estão
excluídas do gráfico, pois possuem um déficit muito grande, de
-330,2% e -241,7%, respectivamente, o que dificultaria a visuali-
zação das demais companhias.”

Ressoa evidente que para reverter tais indicadores se faz necessário,


além de medidas gerenciais voltadas à racionalização de despesas, apor-
tar investimentos visando ampliar a cobertura de atendimento e moder-
nizar meios de produção. Nesse sentido, o Diagnóstico tratou também de
obter informações junto aos prestadores de serviço quanto aos recursos
empregados à título de investimentos. Levando-se em consideração os
Estados da Federação, o Amapá revelou para o triênio 2015-2017 mon-
tante consolidado de investimentos em 5 milhões de reais, números que
o posicionam na última posição do ranking nacional. Corrobora para evi-
denciar cenário desolador o fato de que o Estado do Acre, penúltimo
colocado da relação, declarou investimos em cifra superior a 86 milhões
de reais, ou seja, 17 vezes superior ao declarado pelo Estado do Amapá.
Roraima, unidade federativa de semelhante porte e de contingente po-
pulacional inferior, anunciou investimos para o mesmo período em im-
porte superior a 160 milhões de reais.

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634
As deficiências operacionais e financeiras reportadas acima, quais sejam,
os alarmantes índices de perdas de água, o valor despendido por metro cúbi-
co bem superior à tarifa arrecadada, permanente desequilíbrio dos balan-
cetes financeiros reportado ao longo dos anos, investimentos em patamar
aquém do necessário e destoante até mesmo de Estados com menor po-
pulação, evidenciam uma Companhia com severas restrições à prestação de
serviço público nos moldes exigidos ao saneamento básico, servindo de base
para justificar os parcos índices de cobertura de atendimento no Estado.

Por fim, cumpre frisar que, conforme amplamente noticiado em ca-


nais de comunicação, o Governo do Estado do Amapá firmou parceria
com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES,
visando a elaboração de estudos técnicos para inserção da participação
privada na CAESA, pesquisa que ao final recomendará o melhor modelo
de desestatização aplicável43. A pactuação evidencia a intenção do Es-
tado em se desvencilhar, ao menos integralmente, da responsabilidade
pela prestação dos serviços.

A característica predominantemente estatizante dos serviços públicos


do País proporciona uma certa reticência em relação à recente alternati-
va adotada pela Administração Estadual, sendo certo que encontrará re-
sistência por parte de entidades corporativistas, daqueles que rechaçam
a via privatizante e de organizações que vinculam a participação privada
à pratica de tarifas elevadas. Por outro lado, a escassa rede de cobertura,
ausência de investimentos e a prestação de serviço ineficiente e deficitá-
ria se sobressaem como os pilares do apoio à opção política perpetrada.

43 O procedimento licitatório em prol da contratação de Empresa especializada


encontra-se anunciado pela Estatal em seu portal eletrônico https://www.bndes.gov.br/
wps/portal/site/home/transparencia/licitacoes-contratos/licitacoes/pregoes-eletroni-
cos/2017/pregao-eletronico-2017-15 (acesso em 23/08/2019).

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635
Estudos de Direito do Saneamento

5. PROPOSTAS DE REFORMULAÇÃO DO MARCO LEGAL

A implementação de marco regulatório dos serviços públicos de sa-


neamento básico, consubstanciado na lei 11.445/07, representou avan-
ços na importância conferida à temática. Institucionalizou-se a primor-
dialidade do acesso à política pública como instrumento de inclusão
social e respeito à dignidade da pessoa humana, solidificando o status
de direito fundamental conferido pela Constituição Federal/1988. Além
disso, acentua-se que a aprovação do referido diploma legal decorreu de
maior disposição do Executivo Federal em destinar recursos aos progra-
mas, o que de fato ocorreu sobretudo por intermédio do Programa de
Aceleração do Crescimento – PAC44.

No entanto, o investimento aportado não se mostrou suficiente


para alavancar o acesso aos serviços e impulsionar a inclusão social na
forma como ansiada. Ademais, em função de obstáculos de natureza
estrutural dos agentes que compõem o saneamento básico, parte das
obras financiadas encontram-se paralisadas ou sequer tiveram exe-
cução iniciada.

Constatou-se, nestes poucos mais de dez anos da vigência da refe-


rida norma, pouco avanço na cobertura de atendimento. A propósito,
revela o Instituto Trata Brasil, a partir de dados constantes no Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS, que o índice de

44 O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), instituído pela lei


11.578/2007, objetiva proporcionar a retomada do planejamento e execução de grandes
obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país, contribuindo para o
seu desenvolvimento acelerado e sustentável. Sua operacionalização ocorre através da
transferência de recursos financeiros pelos órgãos da União aos órgãos e entidades dos
Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de interesse da União.

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636
pessoas atendidas com água tratada aumentou de 80,9% em 2007 para
83,3% em 2015, ou seja, 2,4 pp (pontos percentuais) em 9 anos. Na co-
leta de esgotos de 42,0% em 2007 para 50,3% (são 8,3 p.p) e tratamen-
to de esgotos gerados de 32,5% em 2007 para 42,7% em 2015 (10,2
p.p). Esses números traduzem progresso inferior a 1.p.p ao ano, o que é
lamentável. Já nas perdas de água potável nos sistemas de distribuição,
por vazamentos e roubos, a redução foi de 7 p.p. (pontos percentuais),
mas o índice de 2015 se manteve em 36,7%, ainda muito elevado se
considerada a carência de água em várias regiões do Brasil45.

Sendo assim, embora o marco legal simbolizara campo fértil para a cé-
lere ampliação da cobertura de atendimento dos serviços de saneamento
básico, empecilhos de ordem financeira e estrutural inviabilizaram a con-
cretude das ações nos moldes almejados. Tendo em vista o tímido avanço
revelado pelos anos pretéritos, restaria, em perspectiva, apenas a descren-
ça quanto ao período necessário à universalização no setor.

Como desdobramento dessa realidade, desenvolveu-se processo de


reflexão e diálogo entre os diversos agentes que compõem o sanea-
mento básico, incluindo representantes da sociedade civil, acerca de
aspectos do regime jurídico que careciam de reformulação, visando a
correção dos gargalos existentes. Ressalte-se que as teses contrapostas
inviabilizaram uma unidade em torno das alterações necessárias.

De todo modo, com o propósito de atualizar o marco legal do sanea-


mento, o Presidente da República promoveu a edição da medida provi-

45 E. CARLOS e A. GALVÃO, 10 anos da Lei do Saneamento Básico: de quantas décadas


mais precisaremos? Trata Brasil, 2017, disponível em http://www.tratabrasil.org.br/10-anos-da-
lei-do-saneamento-basico-de-quantas-decadas-mais-precisaremos (acesso em 02/08/2019).

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637
Estudos de Direito do Saneamento

sória nº 844/1846, alterando diversos dispositivos e inserido novos atores


e formato ao sistema. Registre-se que o referido instrumento perdeu a
eficácia por decurso do prazo, haja vista que não convertida em lei pelo
Parlamento Federal durante seu prazo de vigência, de 120 dias.

Sucessivamente, o Presidente da República editou a Medida Provisó-


ria nº 868/18, substancialmente idêntica à anterior, a qual padeceu do
mesmo destino, a perda da vigência.

Dentre as relevantes mudanças propostas pelo governo central, estão


as seguintes47:

• Atribui a Agência Nacional de Águas (ANA)48 a competência


de elaborar normas nacionais de referência regulatória para
o setor de saneamento básico, que servirão como balizadores
das melhores práticas para os normativos dos diferentes regu-
ladores de saneamento básico do País.

46 Segundo definição extraída do portal eletrônico da Câmara dos Deputa-


dos, Medida Provisória (MP) é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente
da República, em casos de relevância e urgência. Produz efeitos imediatos, mas depende de
aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei. Seu prazo de vigên-
cia é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Se não for aprovada no prazo
de 45 dias, contados da sua publicação, a MP tranca a pauta de votações da Casa em que se
encontrar (Câmara ou Senado) até que seja votada, disponível em https://www2.camara.
leg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/medida-provisoria (acesso em 13/08/2019).
47 Exposição de motivos para a edição da medida provisória nº 844/2018. Presi-
dência da República, 2018. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2018/Exm/Exm-MP-844-18.pdf (acesso em 13/08/2019).
48 Instituída pela lei 9.984/2000, a Agência Nacional de Águas – ANA é autarquia sob
regime especial, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Desenvol-
vimento Regional, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacio-
nal de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
A Medida provisória referenciada buscou ampliar o leque de atribuições da Agência Reguladora.

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638
• Criação do Comitê Interministerial de Saneamento Básico
- CISB, que tem a finalidade de assegurar a implantação da
Política Federal de Saneamento Básico e de articular a atuação
dos órgãos e das entidades federais na alocação de recursos
financeiros em ações de saneamento básico.

• Adequação das regras de consórcios públicos ao setor de


saneamento. Segundo a proposta, a Lei nº 11.107, de 6 de
abril de 2005, traz regras gerais para os entes federados se
associarem, contudo algumas dessas regras não se mostram
adequadas ao setor de saneamento. E prossegue: Destacada-
mente, a dispensa de licitação para a celebração de contratos
de programa reduziu em demasiado a concorrência no setor
de saneamento onde, por se tratar se um monopólio natural,
os concorrentes competem pelo mercado e não no mercado

Importante asseverar que a ausência de deliberação pelo Congresso


Nacional decorreu da dissonância em torno dos aspectos que envolviam
a constitucionalidade formal e material da proposta levada a efeito pelo
Governo Federal. Além disso, muito se questionou acerca da eficácia das
medidas propostas pelo governo ao setor e dos seus efeitos à popula-
ção, resultando em severa rejeição dos termos da proposição legislativa
por expressiva parcela da sociedade e, por consequência, da maioria dos
congressistas. A perda da vigência refletiu, por assim dizer, a ausência de
perspectiva de aprovação pelos parlamentares.

Sob o ponto de vista formal, suscitou-se a inconstitucionalidade da


proposta de alteração legislativa via medida provisória. É que a Constitui-
ção Federal condiciona a utilização da medida provisória a situações de

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639
Estudos de Direito do Saneamento

relevância e urgência49, de modo que, por envolver investimentos de lon-


go prazo e demandar amplo debate por parte da sociedade, asseverou-
se que tais requisitos não se achavam satisfeitos, maculando a proposi-
ção, portanto, de vicio de inconstitucionalidade, em seu aspecto formal.

No que diz respeito ao aspecto material50, sustentam que a atribuição


legal conferida à Agencia Nacional de Águas para fixar as diretrizes regu-
latórias caracteriza inquestionável usurpação da competência municipal
enquanto titular da prestação dos serviços.

Como alternativa, a matéria foi então transposta para projeto de lei


de autoria do Senador Tasso Jereissati, nº 3.261/2019, o qual obteve
aprovação naquela casa, e atualmente segue tramitação na Câmara dos
Depurados, para discussão e apreciação da matéria.

No entanto, o projeto de lei aprovado pelo Senado Federal, que ainda


demanda apreciação da Câmara dos Deputados, desidratou substancial-
mente a matéria proposta pelo Governo, não atendendo aos anseios da-
queles que rechaçam os privilégios conferidos às Companhias Estaduais
de Saneamento para a outorga do serviço.

Por essa razão, novamente o Poder Executivo sujeitou a matéria à apreciação do


Congresso Nacional, desta vez por intermédio de Projeto de Lei Ordinária, chancelado
sob o nº 4.162/2019, a qual aguarda votação preliminar da Câmara dos Deputados.

49 A teor do artigo 62, caput: em caso de relevância e urgência, o Presidente da


República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de
imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
50 Nesse sentido assevera CALOS ROBERTO DE OLIVEIRA, Medida Provisória nº
844/2018: Considerações sobre as fragilidades do novo marco regulatório do saneamento,
disponível em http://www.arespcj.com.br/noticia/2065/estudo-juridico-aponta-fragilida-
des-da-mp-844.aspx (acesso em 30/08/2019).

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640
Quanto aos efeitos da proposta de inovação legislativa à prestação de ser-
viços do Estado do Amapá, sobretudo a que visa afastar a possibilidade de con-
tratação direta de Companhias Estaduais, com a consequente necessidade de
deflagração de procedimento licitatório para a seleção da prestadora dos servi-
ços, não se revela desmedido afirmar que a medida impactará a realidade local.

A propósito, independentemente de a escolha recair sobre a atual Com-


panhia ou Empresa diversa, o fato é que as disposições contratuais tendem a
apresentar um rigorismo acentuado em relação à completa omissão vigente
por parte dos titulares, vez que a contratação deve vir acompanhada da ins-
tituição de metas e prazos de cumprimento. Efeito disso é que indiscutivel-
mente resultará em ganhos de ordem estrutural, a partir de investimentos
necessários e passíveis de exigência em tal contratação.

Além disso, dada a completa ausência de entidades reguladoras no Es-


tado, tanto em âmbito estadual quanto municipal, pode-se inferir que insti-
tuição de órgão federal, no caso a Agência Nacional de Águas, responsável
por elaborar normas regulatórias em âmbito nacional, decerto fomentaria a
criação de entidades municipais e/ou estaduais bem como balizaria a criação
de normas aos serviços locais. A fixação de diretrizes gerais por parte de Au-
tarquia Federal, por outro lado, propiciaria um ambiente de maior segurança
jurídica, viabilizando o interesse de prestadoras de serviço pelo Estado, e,
consequentemente, ampliando os benefícios inerentes à competitividade.

Noutra perspectiva, sob o olhar consumerista, estima-se uma maior


cobertura de atendimento das redes de água e esgoto, favorecendo a in-
clusão social e prevenção de doenças. No entanto, não se pode olvidar
que investimentos maciços no setor, afora a parcela relativa a lucros (ine-
rente à participação privada), tendem a impactar significativamente os
preços praticados pela prestação do serviço, de modo que estudos pre-
liminares são necessários para se possa aferir os custos do acesso a essa

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641
Estudos de Direito do Saneamento

política pública, sobretudo pelos hipossuficientes, e eventual necessidade


de se instituir política de subsídios a fim de mitigar os efeitos à população.

6. CONCLUSÃO

Aparentemente, os Municípios desconhecem sua condição de efetivos ti-


tulares da prestação de serviços de saneamento básico, na modalidade água e
esgotos, uma vez que não há qualquer instrumento jurídico operando a trans-
ferência da execução dos serviços à Companhia Estadual de Abastecimento,
tampouco instituíram ou delegaram a entidade reguladora a fixação de metas
e fiscalização do seu cumprimento por parte da Companhia Estadual.

Nessa perspectiva, mantido o caótico cenário que ora se relata, seja pela
precária estrutura e escassez de investimentos por parte da prestadora de
serviços, seja pela omissão dos municípios enquanto titulares dos serviços,
vislumbra-se para o setor um horizonte desolador e inapto à ampliação da
cobertura de atendimento dos serviços de Água e Esgoto no Estado do Ama-
pá, aprofundando a distorção já existente em relação à média nacional e
perpetuando as mazelas à saúde resultantes da ausência da política pública.

Sendo assim, a sociedade há que se reconhecer detentora de direitos


inerentes ao saneamento básico e, nessa condição, pressionar os entes
públicos a prestarem serviços públicos de qualidade, reivindicando uma
maior participação do Município na gestão da política pública, a fim
de: elaborar planos municipais que prestigiem o planejamento de suas
ações conjuntamente com as demais políticas urbanísticas; instituir ou
delegar a entidades reguladoras a fixação de metas e fiscalização do
cumprimento das obrigações pelas prestadores de serviços; regulari-
zar a relação jurídica mantida com a prestadora de serviço atual ou
constituir seleção para a escolha de concessionária que detenham me-
lhor capacidade para impulsionar a cobertura de atendimento no Estado.

Voltar ao índice
642
Por outro lado, independentemente de sobrevir aprovação de novo
marco regulatório ao setor, observa-se da Administração Estadual a pre-
tensão de desestatizar a atual Companhia responsável pela prestação dos
serviços de água e esgoto do Estado que, conforme revelam os dados aqui
amplamente retratados, reporta prejuízo há vários exercícios e não detém
capacidade de investimento para a reversão do panorama vivenciado.

A inserção do capital e gestão privada, devidamente fiscalizada pelo poder


público, representaria enorme potencial de elevação dos índices de cobertura
de atendimento. No entanto, demanda estudo prévio a fim de se estimar o
reflexo dos investimentos promovidos na política tarifária adotada, sobretudo
aos hipossuficientes, e a pertinência de se instituir política de subsídios.

Além disso, o formato a ser instituído haverá de proporcionar


acesso condigno a toda a população do Estado, de forma a contem-
plar inclusive as regiões que isoladamente se mostrem deficitárias.

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cisão proferida em 24/04/2017. Juiz Federal João Bosco Costa Soares da Silva

W. EDSON JORGE, A Avaliação da Política Nacional de Saneamento


Pós 64, FAUUSP, vol.1, n.2. pp. 21-34, dez. 1992.

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648
Saneamento -
Breves considerações
sobre a evolução história e
o aspecto normativo do tema no Brasil.
KARLA BAIÃO DE AZEVEDO RIBEIRO1

RESUMO

Este artigo aborda inicialmente uma breve digressão histórica sobre


o saneamento básico, com um rápido olhar sobre a evolução da matéria,
desde a antiguidade até os dias atuais, onde se pode perceber que um dos
momentos mais críticos no que diz respeito a esta seara, ocorreu durante
a idade média, período em que as condições de saneamento eram absolu-
tamente precárias. Posteriormente, passa-se a enfocar a evolução histórica
do saneamento no Brasil, como base para abordar o tratamento legislativo
nacionalmente conferido à questão, observando-se alguns dispositivos cons-
titucionais, com especial atenção, entretanto, à Lei nº 11.445/2007 que é o
atual marco regulatório do saneamento básico em nosso País, culminando
com um breve olhar sobre inovações que se anunciam no que se convencio-
nou chamar de novo marco regulatório do saneamento, qual seja, o Projeto
de Lei nº 3.261/2019, recentemente aprovado no Senado Federal.

Palavras-chave: Saneamento; evolução história; marco regulatório.

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Estudos de Direito do Saneamento

ABSTRACT

This article initially adresses a brief historical tour of basic saniation


with a brief look at the evolution of the material, from ancient times to
the presente day, where it can be noticed that one of the most critical
moments in this area occured during the Middle Ages, when sanitation
conditions were absolutely precarious. Subsequently, we focus on the
historical evolution of sanitation in Brazil, as a basis for addressing the
national treatment of the issue, observing some constitutional provisi-
ons, with especial attencion, however, to the Law number 11.445/2007,
witch is the current regulation mark for basic sanitation in our country,
culminating with a brief look at innovations that are announced in what is
conventionally called the new regulation mark for sanitation, namely, law
Project number 3.261/2019, recently approved by the Federal Senate.

Keywords: Sanitation; historic evolution; regulation mark.

Sumário
1. Introdução; 2. Breve Evolução Histórica do Saneamento; 3.
A Evolução do Saneamento Básico no Brasil; 4. O Aspecto Nor-
mativo da Questão do Saneamento no Brasil; 5. Lei Federal Nº
11.445/2007 – Marco Legal do Saneamento em Vigor; 6. Conclu-
são; 7. Referências Bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho versa sobre o saneamento básico no Brasil, abordan-


do uma breve digressão histórica sobre o tema, com rápidas pinceladas

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650
sobre a evolução da matéria, desde a antiguidade, onde se teve notícia
da construção dos primeiros grandes aquedutos, estando a questão do
saneamento neste período, umbilicalmente ligada ao surgimento e cres-
cimento das cidades; passando pela era medieval, em que as medidas sa-
nitárias sofreram uma verdadeira involução, as cidades eram pequenas,
densamente povoadas e sujas, a maioria das ruas não tinha pavimenta-
ção e tampouco obras de drenagem e recebiam toda a sorte de refugos e
imundície, o que contribuiu enormemente para a disseminação de doen-
ças, entre estas a peste negra, que dizimou cerca de vinte e cinco a trinta
milhões de pessoas em meados do século XIV.

Na idade moderna as preocupações com a saúde pública como co-


nhecemos hoje, tiveram maior desenvolvimento, muito embora a higi-
ene pessoal, mais precisamente, os banhos, continuassem vistos com
certa desconfiança, chegando a ser desaconselhados a pessoas doentes;
finalmente, na idade contemporânea, com a revolução industrial que é
um divisor de águas na história da humanidade, tendo afetado, de algu-
ma forma, quase todos os aspectos da vida cotidiana da época, houve
grande êxodo rural e as populações passaram a se concentrar nas cida-
des em péssimas condições de higiene. O suprimento de água e limpeza
não acompanharam a expansão urbana, deu-se a volta de graves epide-
mias, sobretudo cólera e febre tifoide, transmitidas pela água contamina-
da. Diante da gravidade da situação, os governos passaram a investir em
pesquisa e na área médica e, ao se perceber a intrínseca relação entre
as doenças e as péssimas condições sanitárias, adotou-se várias medidas
concretas que levaram a grande melhoria no saneamento, muito embora
ainda haja um longo caminho a percorrer para que todos tenham acesso
a condições minimamente razoáveis nesta seara.

Após este rápido enfoque sobre a evolução da saneamento no mun-


do, será abordado a mesma questão a nível de Brasil, como base para

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Estudos de Direito do Saneamento

abordar o tratamento legislativo nacionalmente conferido à questão, ob-


servando-se alguns dispositivos constitucionais, com especial atenção,
entretanto, à Lei 11.445, de 05 de janeiro de 2007, que é o atual marco
regulatório do saneamento básico em nosso País, culminando com um
breve olhar sobre inovações que se anunciam no que se convencionou
chamar de novo marco regulatório do saneamento, qual seja, o Projeto
de Lei nº 3.261/2019, recentemente aprovado no Senado Federal.

2. BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SANEAMENTO

O saneamento é o conjunto de ações voltadas para preservar ou mo-


dificar o meio ambiente, de modo a melhorar a qualidade de vida dos in-
divíduos, impedindo que fatores físicos de efeitos nocivos, prejudiquem
as pessoas no seu bem-estar físico, mental e social. O saneamento básico
é o elemento fundamental daquilo a que chamamos medicina preventi-
va, muito mais eficiente e barata que a medicina curativa.

O saneamento básico possui quatro grandes vertentes, quais sejam,


abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza e drenagem ur-
banas, além do manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais.

“Sanear” é uma palavra que vem do latim e significa tornar saudável,


higienizar e limpar. Na antiguidade, aprendeu-se, por experiência pró-
pria, que a água suja, o lixo e outros resíduos, podiam transmitir doenças
e começou-se a adotar medidas para dispor de água limpa e livrar-se
dos detritos, vale dizer, já existia a ideia da importância das medidas sa-
nitárias. Na Grécia antiga, por exemplo, havia o costume de enterrar as
fezes ou deslocá-las para um local distante das residências; os Sumérios
iniciaram a construção de sistemas de irrigação de terraços; na Babilônia
foram construídas as primeiras galerias de esgoto que se tem notícia,

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652
sendo que Império Romano foi a primeira grande civilização a adotar me-
canismos voltados para o saneamento de fato, construindo aquedutos,
reservatórios, chafarizes e banheiros públicos.

Na idade média, também conhecida como idade das trevas, época,


como é cediço, de pouco desenvolvimento cultural, houve outrossim, um
retrocesso no aspecto sanitário. Os ensinamentos sobre hidráulica, sane-
amento e sua gestão, foram ignorados por todo este período.

As péssimas condições sanitárias levaram a proliferação em massa


de doenças como a cólera, lepra e tifo em um período de grandes epi-
demias. A maior delas, provavelmente, foi a peste negra, pandemia que
dizimou cerca de um terço da população que habitava o continente eu-
ropeu. Nas péssimas condições de higiene das cidades medievais, a peste
encontrou um ambiente propício para sua propagação entre as pessoas.
Lixos e excrementos pelas ruas, além de habitações pequenas e superlo-
tadas, facilitavam a reprodução dos ratos e o contato das pessoas com as
pulgas hospedeiras da bactéria causadora da peste.

Na idade moderna, com o aprimoramento do conhecimento e o de-


senvolvimento das ciências naturais, voltou-se a valorizar a relação entre
saúde e saneamento. Os habitantes eram responsáveis pela limpeza das
ruas e os causadores da poluição em cursos de águas de abastecimento
ou nas ruas eram punidos. Entre o século XVI e meados do século XVIII
generalizou-se a pavimentação das ruas e construção de obras de canais
de drenagem, onde escoavam os refugos indesejáveis das ruas em direção
aos lagos e rios. Todavia, o uso deste método produzia maus odores, além
de tornar as provisões de água perigosamente poluídas, dizia-se que os
canais de Antuérpia matavam até mesmo os cavalos que bebiam sua água.

Na idade contemporânea, que se estende até os dias atuais, os pro-


blemas de saúde da população passaram a ter um tratamento prioritário

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Estudos de Direito do Saneamento

e consequentemente, a percepção da intrínseca relação entre saúde e


saneamento, levou aos esforços de melhoria nas condições de sanea-
mento. No século XIX, as autoridades perceberam a clara conexão entre
a sujeira e a doença nas cidades, os engenheiros hidráulicos propuseram,
então, a reforma radical do sistema sanitário, separando rigorosamente
a água potável da água servida, bem assim as valas de esgotos a céu
aberto, seriam substituídas por encanamentos subterrâneos construídos
com manilhas de cerâmica cozida. No século XX o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia, permitiu que fontes contaminadas se tornassem
potáveis após o tratamento. A evolução tecnológica e a industrialização
nos países capitalistas, possibilitaram a execução em larga escala de sis-
temas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, entretan-
to, cumpre ressaltar que, em todas as épocas e em todos os lugares, o
saneamento básico concentrou-se nas zonas urbanas e no atendimento
das camadas privilegiadas, a democratização do acesso ao saneamento é
fenômeno recente e restrito geograficamente. Nunca é demais lembrar
que o saneamento básico é pressuposto fundamental para a saúde da
população, “estima-se que 80% das doenças e mais de 1/3 da taxa de
mortalidade em todo o mundo decorram da má qualidade da água utili-
zada pela população ou da falta de esgotamento sanitário adequado” 1.

3. A EVOLUÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

O saneamento no Brasil é um tema muito complexo. Em um país


de dimensões continentais como o nosso, heterogêneo e desigual em
todos níveis, municipal, estadual e regional, os desafios para encontrar
soluções eficientes, capazes de atender as necessidades da população,

1 ALLAIS apud ANTUNES, 1996, p.259

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654
especialmente os mais pobres, são hercúleos e não vem recebendo a
devida atenção por parte do poder público para universalizar o acesso
aos serviços de água, esgoto, manejo de resíduos e drenagem.

As comunidades indígenas, primeiros habitantes do Brasil, já de-


monstravam alguma preocupação com as questões sanitárias, armaze-
navam água para o consumo em potes ou caçambas de pedra, bem assim
delimitavam áreas para disposição de dejetos. No período colonial, com
a formação das cidades, as ações de saneamento eram feitas em sua
maioria de forma individual, resumindo-se à drenagem de terrenos e ins-
talação de chafarizes. Todavia, neste período, foi construído o primeiro
aqueduto do País, mais precisamente, no Rio de Janeiro, que foi finaliza-
do em 1723, atualmente conhecido como “Arcos da Lapa”.

A vinda da corte portuguesa em 1808 e abertura dos portos em 1810


geraram grandes impactos no país, em especial na cidade do Rio de Janeiro,
onde notadamente, experimentou-se um grande crescimento populacional,
que, nem de longe, foi acompanhado pela evolução das medidas sanitárias
na mesma proporção. O que, como é cediço, é campo fértil para fragilização
da saúde da população e disseminação de doenças, a título exemplificativo,
destaque-se que, entre 1830 e 1851, verificou-se a ocorrência de vinte e três
epidemias letais no Rio de Janeiro, principalmente a febre amarela.

A partir do final do século XIX, ocorreu a organização dos serviços de


saneamento, que foram entregues nas mãos de companhias estrangeiras,
as quais se mostraram muito ineficientes, desenvolvendo um péssimo ser-
viço, fazendo com que o Brasil buscasse outras soluções, acabando, deste
modo, por estatizar o serviço de saneamento no início do século XX. Em
1940, iniciou-se a comercialização dos serviços de saneamento, surgindo
então, mecanismos de financiamento para o abastecimento de água, além
de autarquias e fundações públicas voltadas para o saneamento, notada-

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Estudos de Direito do Saneamento

mente, a Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP) e a Superintendên-


cia de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), cujas ações consistiam no
trabalho de prevenção e combate à doenças, na educação em saúde, na
atenção à saúde de populações carentes, sobretudo aquelas do Norte e
Nordeste, no saneamento e no combate e controle de endemias, além da
pesquisa científica e tecnológica voltadas para a saúde.

Cumpre neste momento, abrir um parêntese para tecer breves conside-


rações sobre a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), fundação pública,
vinculada ao Ministério da Saúde, criada pelo Decreto nº 100, de 16 de abril
de 1991, como resultado da fusão de vários segmentos da área de saúde,
especialmente, da Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP) e a da Supe-
rintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM).

Atualmente a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), é a “instituição


do governo federal responsável em promover o fomento à soluções de
saneamento para prevenção e controle de doenças, bem como formular
e implementar ações de promoção e proteção à saúde relacionadas com
as ações estabelecidas pelo Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde
Ambiental”2 . As ações desenvolvidas por esta importante entidade, bus-
cam sobretudo a melhoria das condições de vida das populações mais
carentes, fomentando a implantação de melhorias habitacionais para
o controle de doenças e prevenção de agravos, de melhorias sanitárias
domiciliares, a execução de sistemas de abastecimento de água e de es-
gotamento sanitário em municípios com até cinquenta mil habitantes.

A mencionada Fundação realiza também “atividades integrantes do


Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), realizando o acompanha-
mento de obras em execução do PAC1 e PAC2, com a programação de

2 FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Atuação. Disponível em http://www.


funasa.gov.br/web/guest/a-funasa1. Acesso em agosto de 2019.

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execução de obras de saneamento em mais de 1000 municípios. Desen-
volve, ainda, ações de  implementação de projetos de coleta e reciclagem
de materiais, diretamente com cooperativas e associações de catadores,
com o objetivo de fomentar a ampliação da área de cobertura dos serviços
públicos de manejo de  resíduos sólidos, por meio do financiamento de
Aterro Sanitário, Construção de Galpão de Triagem e Aquisição de Veículos
e Equipamentos, bem como elaboração de Projeto de Galpão de Triagem
e de Projeto de Aterro Sanitário. Além disso, a Fundação é responsável
pela implementação das ações de saneamento em áreas rurais de todos
os municípios brasileiros, inclusive no atendimento às populações rema-
nescentes de quilombos, assentamentos rurais e populações ribeirinhas,
conforme definido pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab)” 3.  

Com efeito, através das parcerias estabelecidas com os Estados e


Municípios, para repasse de recursos e sua respectiva fiscalização, além
do compartilhamento de conhecimento técnico, a Fundação Nacional de
Saúde – FUNASA é quiçá, o mais importante agente estratégico do gover-
no federal, para efetiva implementação de condições básicas de sanea-
mento nos municípios mais carentes da federação brasileira.

Feita esta oportuna digressão, retorna-se ao assunto sob comento, qual


seja, a evolução, a nível nacional, da questão do saneamento. Entre os meca-
nismos públicos para o financiamento dos serviços de saneamento, destaca-
se a autorização concedida ao Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1969,
para além de seus próprios recursos utilizar, outrossim, com esta finalidade, os
recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), acabando por se
tornar a principal fonte de recursos para o setor naquela época.

3 FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Atuação. Disponível em http://www.


funasa.gov.br/web/guest/a-funasa1. Acesso em agosto de 2019.

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Estudos de Direito do Saneamento

Destaque-se que, até 1970, o saneamento básico no Brasil, caracte-


rizava-se por projetos isolados no âmbito de cada comunidade; ausência
de um sistema racional de tarifas e deterioração das mesmas pela infla-
ção; escassez de recursos financeiros, humanos e técnicos. Diante deste
cenário desanimador, o Banco Nacional de Habitação – BNH, instituiu em
1971, o Plano Nacional de Saneamento – PLANASA, cujo grande mérito foi
estabelecer pela primeira vez, como objetivo de longo prazo para o setor,
o déficit zero, ou seja, a universalização do acesso à agua e ao esgoto.

A meta do Plano era atender a população urbana em 90% com abas-


tecimento de água de boa qualidade e em 65% com esgotamento sa-
nitário. Quando da extinção do programa em 1986, pode-se dizer que
alcançou resultados satisfatórios, pelo menos no que pertine ao abaste-
cimento de água potável. O censo de 1970, informava que apenas 26,7
milhões de brasileiros, ou 50,4% da população urbana, eram abastecidos
com água potável e 10,1 milhões ou 20% servidos pela rede de esgotos.
Quinze anos depois, em 1985, pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE, indicavam que 82,8 milhões de brasileiros
ou 87% da população urbana eram abastecidos com água potável. Vale
dizer, o Plano Nacional de Saneamento – PLANASA, neste período, havia
conseguido acrescentar a população abastecida, 56 milhões de pesso-
as, um contingente maior que a população da França. Todavia, no que
diz respeito à coleta e tratamento de esgoto a evolução foi pífia, a meta
definida para esgotamento sanitário pelo PLANASA (atender 65% da po-
pulação) não se concretizou até os dias atuais.

4. O ASPECTO NORMATIVO DA QUESTÃO DO SANEAMENTO NO BRASIL

A Constituição Federal de 1988 atribuiu competências exclusivas à União,


Estados e Municípios, todavia, influenciada pela experiência alemã, instituiu,

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igualmente, um conjunto de competências comuns ou concorrentes, compar-
tilhadas pelas três esferas de poder, vale dizer, Federal, Estadual e Municipal.

Antes de adentrar na questão atinente à competência político-administra-


tiva para a prestação do serviço de saneamento, registre-se, por oportuno, que
a competência legislativa fixada constitucionalmente para o estabelecimento
das diretrizes sobre a matéria, pertence à União. Outro não é o entendimento
que se extrai do disposto no artigo 21, inc. XX, da Constituição Federal de 1988:

“Artigo. 21. Compete à União:


(...)
XX- instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos.”

Todavia no que pertine à titularidade para a prestação do serviço de sane-


amento, o caminho adotado pelo legislador constituinte foi outro, conferin-
do-o preponderantemente, aos Municípios e em algum grau aos Estados, não
dispondo a União de atribuição constitucional para o exercício de atividades
executivas ou operacionais.

Com efeito, podem ser identificados quatro dispositivos no texto cons-


titucional de 1988, que definem a competência político-administrativa em
matéria de saneamento:

a) Artigo 23, inc. XI:

“Artigo 23.É competência comum da União, dos Estados, do Dis-


trito Federal e dos Municípios:
(...)
IX- promover programas de construção de moradias e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico.”

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659
Estudos de Direito do Saneamento

De fato, o dispositivo suso mencionado estabelece a possibilidade de


uma ação conjunta entre os entes estatais, uma atuação cooperativa e que
se almeja produtiva, sem, entretanto, abordar a titularidade do serviço.

b) Artigo 30, inc. V:

“Artigo 30. Compete aos Municípios:


(...)
V- organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de conces-
são ou permissão, os serviços públicos de interesse local, in-
cluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.”

Diversamente do comando constitucional anterior, este artigo traz


em si previsão de titularidade de serviço. Considerando que o saneamen-
to básico, como destacado no início deste artigo, possui quatro vertentes
principais a saber: abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpe-
za e drenagem urbanas, além do manejo de resíduos sólidos e de águas
pluviais, é de se ver que tais serviços, remetem a ideia de interesse local,
razão pela qual são, em princípio, de titularidade municipal.

A bem da verdade, todo e qualquer serviço possui uma dose de inte-


resse local, em contrapartida, dificilmente, algum serviço de interesse local
será totalmente alheio aos interesses regionais e/ou nacionais. Vale dizer,
é esperada uma superposição de interesses numa certa medida e, para
superar eventual conflito, a doutrina recomenda a utilização do critério
pautado na predominância do interesse. Outro não é o ensinamento do
festejado administrativista Hely Lopes Meirelles, ora transcrito in verbis4:

4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. Ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2000, p. 316,

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660
“O critério do interesse local é sempre relativo ao das demais
entidades estatais. Se predomina sobre determinada matéria o
interesse do Município em relação ao do Estado-membro e ao
da Federação, tal matéria é da competência do Município; se seu
interesse é secundário comparativamente ao das demais pesso-
as político-administrativas, a matéria refoge de sua competência
privativa, passando para a que tiver interesse predominante a
respeito do assunto. A aferição, portanto, da competência muni-
cipal sobre serviços públicos locais há de ser feita em cada caso
concreto, tomando-se como elemento aferidor o critério da pre-
dominância do interesse, e não o da exclusividade, em face das
circunstâncias de lugar, natureza e finalidade do serviço.”

c) Artigo 25, § 3º:

“Artigo 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e


leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
(...)
§3º. Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas
por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização,
o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.”

Esta norma é o contraponto direto ao comando constitucional ante-


rior, na medida em que determinados serviços, que muito embora, em
princípio, sejam de interesse local, em determinadas circunstâncias, po-
dem extrapolar esta seara e refletir o interesse comum de uma região
mais ampla que um Município isolado ou, até mesmo, de um conjunto
de Municípios, de modo que os Municípios, isoladamente, dificilmente
conseguiriam prestar serviços com um mínimo de presteza e eficiência,
para a enorme quantidade de pessoas que vivem neste entorno, sem
qualquer preocupação específica com os limites municipais.

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661
Estudos de Direito do Saneamento

Daí a razão de ser do dispositivo constitucional sob comento, que adotou


como solução para atender as necessidades deste maior contingente popu-
lacional, a prestação integrada pela autoridade regional, isto é, os Estados.

Estes grandes conglomerados urbanos, surgidos principalmente a


partir da década de 30, em função da migração da população do campo
para as cidades em busca de melhores condições de vida, ensejaram esta
nova realidade social, cujas repercussões no que pertine à prestação dos
serviços, o legislador constituinte procurou equacionar com este artigo.
Este cenário foi muito bem delineado por Eros Roberto Grau, in verbis5:

“O intenso crescimento urbano determina como fato caracterís-


tico do século XX o aparecimento dos centros metropolitanos.
Tal processo de crescimento se manifesta de tal modo que em
torno de determinados núcleos urbanos outros vão se agregan-
do, integrando-se a ponto de comporem nova realidade urbana.
Assim, as várias unidades integradas formam um aglomerado
único, tecido de relações e interações mútuas que transformam
todo o conjunto em um sistema sócio-econômico relativamente
autônomo, abrangente de todas elas.
(...)
Ao mesmo tempo, começa a surgir uma grande expansão da de-
manda de serviços públicos, de sorte que as demandas administra-
tivas na área já não podem mais, isoladamente, dar solução satis-
fatória às necessidades coletivas sem o concurso da ação unificada
e coordenada de todos os escalões governamentais implicados.”

Em sendo assim, é válido dizer que o saneamento básico que exsurge,


a priori, como um serviço de interesse local como exposto alhures, se

5 GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas: regime jurídico. São Paulo: J. Buc-
shatsky, 1974, p. 5 e 10

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662
for, por alguma circunstância, considerado de interesse comum ou regi-
onal, deverá ser prestado pelo Estado e não pelo Município.

d) Artigo 200, inc. IV:

“Artigo 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras


atribuições, nos termos da lei:
(...)
IV-participar da formulação da política e da execução das ações
de saneamento básico.”

Finalmente, traz-se a colação o último dispositivo constitucional sobre


a matéria, o qual, igualmente não define a titularidade do serviço, todavia,
assim como o artigo 23, inc. IX, referido anteriormente, admite, em certo
grau, a participação da União, em conjunto com os demais entes, no plane-
jamento e execução das ações de saneamento, o que pode ocorrer de for-
ma direta ou indireta, através de custeio, investimentos, auxílio técnico, etc.

5. LEI FEDERAL Nº 11.445, DE 05 DE JANEIRO DE 2007 –


MARCO LEGAL DO SANEAMENTO EM VIGOR.

Ab initio, cumpre destacar que antes da sanção da Lei 11.445/2007, o


saneamento não dispunha de um normativo específico, que estabeleces-
se regras mínimas, de âmbito nacional, para as relações entre titulares,
prestadores e usuários do serviço. Evidenciada assim, a importância des-
ta lei, considerada o marco regulatório para o setor.

Com efeito, como mencionado no tópico anterior, à União não com-


pete o exercício de atividades executivas e operacionais do setor de sane-
amento, tendo optado o legislador constitucional, por lhe conferir a com-
petência para a fixação das diretrizes gerais para organização da matéria.

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663
Estudos de Direito do Saneamento

A Lei 11.445/2007 é orientada pelo princípio da universalização dos


serviços de saneamento, aí compreendidos o abastecimento de água, es-
gotamento sanitário, limpeza e drenagem urbanas, além do manejo de
águas pluviais e dos resíduos sólidos urbanos, sem, entretanto, descuidar
da garantia de estabilidade de investimentos no setor, partindo de uma
visão equilibrada da função social do saneamento. Vale dizer, considera sua
importância para a saúde pública, o meio ambiente e o bem-estar geral da
coletividade, mas não ignora a necessidade deste serviço possuir sustenta-
bilidade econômica para garantir sua prestação com qualidade e eficiência.

Firme no propósito de criar um ambiente mais propício para o inves-


timento no setor de saneamento, foi regulamentada a prestação regio-
nalizada do serviço, criando condições legais estáveis para a atuação de
entidades e empresas estaduais, municipais e privadas em vários muni-
cípios, com ganhos de escala, otimizando recursos logísticos, administra-
tivos, técnicos e operacionais (artigo 14).

A multicitada Lei buscando cercar de maior segurança jurídica as rela-


ções entre titular e prestadores do serviço de saneamento, reduzindo a ins-
tabilidade do setor, passou a exigir que sejam formalizadas por contrato,
vedando a utilização de instrumentos precários (convênios, termos de par-
ceria, etc). Ao tempo em que cuidou de impor como condição de validade
destes contratos, um mínimo de organização e planejamento, de modo a
restar assegurada sua viabilidade técnica e financeira (artigos 10, 11 e 12).

Cumpre observar que a Lei em comento confere muito importância


a questão do planejamento, reconhecendo que este elemento é fun-
damental para a eficiência do serviço a ser desenvolvido. Assim é que
determina que os serviços sejam planejados e regulados, fornecendo
conteúdo mínimo da regulação. Permite que o planejamento seja elabo-
rado mediante cooperação de outras entidades, inclusive dos próprios

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664
prestadores de serviços. O planejamento possibilita contratos de dele-
gação com definição mais precisa dos direitos e obrigações de titulares e
delegatários (artigos. 15, 17, 19, 21, 22, 23,24, 25 e 27).

Sem ignorar a necessidade da sustentabilidade econômica do serviço, esta


Lei estabelece, neste sentido, diretrizes econômicas e sociais, as quais incluem
as regras gerais para a cobrança dos serviços de saneamento (tarifas, preços
públicos e taxas), inclusive as formas de quantificação deste serviço, como o
volume de água consumida e de esgoto coletado, além da quantidade de lixo
recolhido. Por outro lado, permite a adoção de subsídios para os usuários e
localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica
capaz de cobrir o custo dos serviços (artigos 29, 30, 31, 35, 36, 37, 38).

Enfatizando novamente a importância do planejamento a fim de que se


alcance o mínimo de eficiência e efetividade na prestação do serviço de sa-
neamento, o diploma legal em questão determinou à União a elaboração do
Plano Nacional de Saneamento Básico – PNSB, o qual, de fato, foi elaborado
em 2013 pelo Ministério das Cidades e que apresenta metas de curto, médio
e longo prazo para todo o setor (artigo 52). Além disso, os Municípios ficam
responsáveis por criar os Planos Municipais de Saneamento Básico –PMSB,
que se consubstanciam no instrumento fundamental para que os gestores
públicos possam contratar ou conceder os serviços de abastecimento de
água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais urbanas,
bem como limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos (artigo 9º).

É de se ver que estes Planos, os quais devem ser revistos a cada qua-
tro anos, para aferir seu cumprimento por parte dos prestadores, devem
ser aprovados pelo Governo Federal para liberação de verbas. Com efei-
to, nos termos do Decreto 7.217, de 21 de junho de 2010, que regula-
mentou a Lei 11.445/2007, os Municípios tinham, inicialmente, até 2014
para elaborarem seus Planos. Dado a grande dificuldade em cumprir esta
exigência, principalmente pelos Municípios mais carentes, este prazo foi

Voltar ao índice
665
Estudos de Direito do Saneamento

sendo sucessivamente prorrogado e, atualmente, os entes municipais,


dispõem apenas até o dia 31 de dezembro de 2019 para fazê-lo, sob pena
de não mais terem acesso aos recursos federais destinados a serviços
de saneamento básico. Penalidade que, registre-se, acaso concretizada,
trará péssimas consequências à população dos Municípios “bloqueados”,
sendo que os mais atingidos certamente, serão os mais pobres, justa-
mente aqueles que mais dependem dos recursos da União.

Lançadas estas breves digressões sobre as disposições da Lei 11.445/07,


sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, mas, tão-somente, com o ful-
cro de ilustrar, em linhas gerais, a orientação normativa em vigor no País,
não se pode, outrossim, deixar de registrar que, recentemente, mais preci-
samente, em junho de 2019, foi aprovado no Senado Federal, um projeto
de lei estabelecendo o novo marco regulatório do saneamento básico.

Trata-se do Projeto de Lei nº 3.261/2019, o qual, entre suas inovações,


pode-se mencionar que não mais admite a celebração dos contratos de
programa, permanecendo os que já existem em vigor, até o final da vigên-
cia. Empresas públicas e privadas poderão disputar, através de licitação,
contratos de concessão para prestação de serviço de saneamento básico.
Prevê ainda, a realização de licitações em blocos de municípios, agregando
cidades mais e menos rentáveis, como forma de garantir ganho de escala,
além de viabilidade técnica e econômica para a prestação dos serviços

Pelo texto aprovado, fica autorizada a assinatura de contratos de con-


cessão por dispensa de licitação com empresas públicas ou sociedades
de economia mista, caso a licitação não tenha interessados ou não haja
viabilidade econômica que justifique a sua privatização. O projeto de lei
estipula ainda, prazo para o fim dos lixões que varia de 2021 a 2024, este
último para os municípios com população inferior a 50 mil habitantes.
Registre-se, por oportuno, que o multicitado projeto de lei agora segue
para as deliberações perante a Câmara dos Deputados.

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666
6. CONCLUSÃO

Conforme exposto, os serviços de saneamento básico que englobam o


abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de
resíduos sólidos, além da drenagem e manejo de águas pluviais, representam
medidas essenciais para prevenção de doenças, promoção da saúde e qualida-
de de vida dos indivíduos, isso sem mencionar a proteção ao meio ambiente.

São serviços públicos e exsurgem como atribuição estatal essencial


à dignidade da população. Pode-se afirmar que o texto constitucional
atribui sua titularidade aos Municípios, desde que sejam de interessem
local, por outro lado quando extrapolam, por alguma circunstância, o
interesse de um Município isolado, atingindo uma região mais ampla,
diz-se que o interesse é comum, daí devem ser prestados pelos Estados,
que terão melhores condições de atender, com qualidade e eficiência, a
demanda de uma maior quantidade de pessoas. Enquanto à União foi
reservado um papel predominantemente regulatório, sem atribuição
para o exercício de atividades executivas ou operacionais. Com efeito,
com todas as suas nuances, a intenção do legislador constitucional foi
estabelecer uma cooperação produtiva entre os entes federados, sem
que houvesse uma superposição inútil e dispendiosa de competências.

Com a sanção da Lei 11.445, em 05 de janeiro de 2007, que exsurge como


marco regulatório para o setor de saneamento, foram estabelecidas as diretri-
zes nacionais para o setor e sua respectiva prestação, orientadas pelo princípio
da universalização dos serviços e a garantia de estabilidade de investimentos.

Apesar de ao longo da história, como ventilado no texto deste artigo,


ter-se percebido a estreitíssima relação entre o saneamento e a saúde da
população, ainda estamos muito longe de atingir um patamar minimante
ideal neste quesito. Segundo dados do Instituto Trata Brasil, quase 100
milhões de brasileiros não tem acesso ao serviço de coleta de esgoto e,

Voltar ao índice
667
Estudos de Direito do Saneamento

em torno de 35 milhões, não são atendidos com abastecimento de água


tratada. A nível mundial também salta aos olhos a deficiência nesta sea-
ra, ainda são 2,4 bilhões de pessoas no mundo vivendo sem saneamento
adequado e 633 milhões sem acesso a uma fonte de água potável.

Trata-se de um desafio gigantesco, mas que tem que ser enfrentado pe-
los governantes, segundo estudos publicados pelo Instituto Trata Brasil, a
expansão dos serviços de água e esgoto no país não reflete positivamente
apenas na qualidade de vida das pessoas, acarreta ganhos econômicos e so-
ciais concretos, especialmente nos setores da saúde, educação, produtivida-
de, turismo e valorização imobiliária, na verdade os ganhos com a expansão
da infraestrutura de água tratada e esgotamento sanitário, superariam em
muito os custos da universalização dos serviços.

Infelizmente é forçoso reconhecer que a questão do saneamento


básico, apesar de representar papel fundamental, numa sociedade sau-
dável, não vem recebendo o nível de investimentos nem a necessária
dedicação em políticas públicas como merece.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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670
Saneamento ambiental e a
importância do planejamento
e da participação popular para
a sua efetividade
LUIZ HENRIQUE DE CASTRO PEREIRA1

a1 2
RESUMO

Este artigo aborda o estudo acerca do saneamento ambiental, abrangen-


do a diferença entre o saneamento básico e o saneamento ambiental e os
desafios para o atendimento desta política pública a toda a sociedade. Além
do mais, ele visa a analisar a importância da elaboração do planejamento por
parte do governo a fim de que a política pública possa atender aos seus ob-
jetivos. Por fim, ele pretende, ainda, estudar a democracia participativa, com
ênfase na participação popular para a efetividade do saneamento ambiental.

Palavras-chave: Saneamento ambiental; Saneamento básico; Políti-


ca pública; Planejamento; Participação popular.

1 Mestrando em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Adminis-


trativo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Graduado em Direito pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo. Procurador Federal responsável pela Unidade de
Execução da PGF/PFE/FUNASA/SP.
2 E-mail: luiz.castro@funasa.gov.br, endereço profissional: Rua Bento Freitas, 46,
5º andar, Vila Buarque, CEP: 01220-000, São Paulo-SP.

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671
Estudos de Direito do Saneamento

ABSTRACT

This article approches the study of environmental sanitation, cover-


ing the difference between basic sanitation and environmental sanitation
and the challenges for the fulfillment of this public policy to the whole
society. In addition, it aims to analyze the importance of planning by the
government so that public policy can meet its objectives. Finally, it also
intends to study participatory democracy, with an emphasis on popular
participation for the efectiveness of environmental sanitation.

Keywords: Environmental sanitation. Basic sanitation. Public policy.


Planning. Popular participation.

SUMÁRIO

Introdução. 1. Desafios do saneamento ambiental. 2. Planeja-


mento. 3. Democracia e participação popular. Conclusão. Refe-
rências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Em minha atuação como Procurador Federal em exercício na Unidade


de Execução da Fundação Nacional de Saúde no Estado de São Paulo,
dentre as várias atividades inerentes à atividade consultiva, destaca-se
a análise jurídica de processos referentes aos convênios e termos de
compromisso celebrados entre a FUNASA e os diversos municípios, bem
como organizações não governamentais para a ação de saneamento am-
biental em suas diversas modalidades.

Voltar ao índice
672
Dessa forma, o presente artigo visa ao estudo do tema referente ao sa-
neamento ambiental, sobretudo procurando identificar a importância do ade-
quado planejamento por parte da Administração Pública para a sua execução.

Além do mais, considerando a importância da participação da socieda-


de na concretização do saneamento, sendo este um importante aspecto da
cidadania, visa, também, à análise da forma e eficácia da participação dos
cidadãos na formulação e acompanhamento das ações de saneamento.

Muito embora grande parte da doutrina refira-se a saneamento bá-


sico no sentido de identificar os serviços básicos de água e esgoto, op-
tou-se no presente artigo pela denominação saneamento ambiental em
virtude do caráter amplo que foi dado ao saneamento com o advento de
seu marco regulatório, a Lei nº 11.445/2007.

Neste sentido, tal como exposto por Bruna Cavalcante Drubi Burger, ao se
utilizar o termo saneamento ambiental “não se deve pensar em saneamento
como algo básico que envolve apenas obrigação de cuidado pelo poder públi-
co e que envolve apenas tratamento de esgoto e distribuição de água”3.

Considerando que a cidadania não significa atualmente apenas o direito


de votar e ser votado, mas abrange uma dimensão muito mais ampla, que
compreende os direitos civis, políticos e sociais4, é importante que a socie-
dade também possa participar das políticas públicas relacionadas ao sanea-
mento para que possam ser ouvidas e atendidas suas reais necessidades.

A respeito da participação social na área do saneamento, Eduardo


Maffia Queiroz Nobre e Tiago Mirabeau Lobão C. Cosenza entendem que

3 “O conceito de saneamento”, in A. SADDY e R. FONSECA CHAUVET (coord.),


Aspectos Jurídicos do Saneamento Básico, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2017, p. 8.
4 G. P. SMANIO, “As dimensões da cidadania. Novos direitos e proteção da cidadania”,
Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, ano II, jan./jun. 2009, p. 16.

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673
Estudos de Direito do Saneamento

o controle social previsto no artigo 3º da Lei nº 11.445/2007 “é a parti-


cipação da sociedade civil organizada nos processos de planejamento,
monitoramento e avaliação das ações de gestão pública e execução das
políticas e programas de governo5.

Assim, não se trata apenas da fiscalização por parte da sociedade da atuação


da Administração Pública na área do saneamento, mas, principalmente, a atua-
ção efetiva desde a fase do planejamento até a execução propriamente dita6.

Para garantir a efetiva participação dos cidadãos e para que não se torne
letra morta referido dispositivo, é importante que a Administração Pública esti-
mule a participação da sociedade civil através de ampla divulgação deste canal
de comunicação, promoção de cursos, seminários temáticos, divulgação em
associações comunitárias e outras organizações não governamentais locais7.

As discussões acerca da importância do saneamento para o cidadão


ultrapassam as fronteiras nacionais, atingindo um alcance universal.

Neste sentido, a Assembleia Geral das Nações Unidas emitiu a Reso-


lução nº 64/92 entendendo que a água limpa e segura e o saneamento
representam um direito humano especial ao pleno gozo da vida, bem
como de todos os demais direitos de mesma natureza8.

5 “A participação e o controle social nos serviços de saneamento básico”, G. F.


GOMES LUNA et al, (coord.), Saneamento Básico: Temas fundamentais, propostas e desafi-
os, 1. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2017, p. 144.
6 C. MOTA, Saneamento básico no Brasil, p. 342.
7 C. MOTA, O controle social no setor de saneamento básico: principais aspectos
da Lei Federal n. 11.445, de 05 de janeiro de 2017 – Lei de Saneamento Básico, in C. MOTA
(coord.). Saneamento básico no Brasil: aspectos jurídicos da Lei Federal n. 11.447/2007, São
Paulo, Quartier Latin, 2010, p. 149.
8 Comunicado aos Média. Programa da Década da Água da ONU-Água sobre Ad-
vocacia e Comunicação (UNW-DPAC). “O Direito Humano à Água e Saneamento”, disponível
em http://www.un.org.ga/searc/view_doc.asp?symbol=A/HRC/RES/16/2 (acedido em 20
de setembro de 2019).

Voltar ao índice
674
Trata-se de tema atual e importante no cenário atual, já que o que se
busca é a conscientização da importância da participação da sociedade na
formulação das políticas públicas de saneamento, como forma de efeti-
vação da cidadania e, principalmente, da promoção da dignidade, saúde
e bem estar de todos os cidadãos, sem qualquer tipo de discriminação.

No item 1 será abordada a diferença entre saneamento básico e sanea-


mento ambiental, bem como os atuais desafios deste tema para uma am-
pla disponibilização a toda a população. Nos ítens 2 e 3 serão abordados o
planejamento e a participação popular como meios de aumentar a efeti-
vidade do saneamento. Por fim, haverá a conclusão sobre os assuntos de-
senvolvidos na presente pesquisa, buscando dar a visão pessoal do autor.

Enfim, trata-se de trabalho que muito acrescentará à vida profissional do


aluno, sendo útil a todos os operadores do Direito que trabalham nesta área e
importante fonte de produção intelectual, procurando trazer alguma contribui-
ção ao tema já debatido há longa data pela doutrina especializada na matéria.

1. DESAFIOS DO SANEAMENTO AMBIENTAL

O saneamento ambiental compreende não apenas os aspectos liga-


dos ao saneamento básico, que diz respeito às ações de abastecimento/
tratamento de água, bem como do esgoto, mas ações mais amplas que
visam a um devido tratamento de todos os aspectos adequados a pro-
porcionar um adequado meio ambiente a toda a população.

A este respeito, a Fundação Nacional de Saúde definiu o saneamento


ambiental como:

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675
Estudos de Direito do Saneamento

“conjunto de ações socioeconômicas que tem por objetivo a salu-


bridade ambiental, por meio de abastecimento de água potável,
coleta e disposição sanitário de resíduos sólidos, líquidos e gaso-
sos, promoção da disciplina sanitária de uso do solo, drenagem
urbana, controle de doenças transmissíveis e demais serviços e
obras especializadas com a finalidade de proteger e melhorar as
condições de vida urbana e rural”9.

A Organização Mundial da Saúde aprovou no Primeiro Congresso In-


teramericano de Higiene, em Havana, em setembro de 1952, a seguinte
definição para saneamento: “ramo da salubridade destinado a eliminar
os riscos do ambiente natural, sobretudo resultantes da vida em comum,
e criar e promover nele as condições ótimas para a saúde”10.

Com uma definição ampla de saneamento, constata-se que a Organização


Mundial da Saúde também adotou a ideia de saneamento ambiental, já que não
se limitou a considerar como saneamento apenas o tratamento da água e esgoto.

Na verdade, trata-se de conceito dinâmico, que deve ser adaptado


ao meio ambiente real, estabelecendo-se as características ambientais
mínimas que possibilitem uma adequada qualidade de vida11.

Dentre as ações de saneamento, os meios técnico, acadêmico-científi-


co e político-institucional no Brasil tendem a considerar as seguintes ações:

9 Manual da FUNASA, 2007, p. 15.


10 C. OPAZO, 1969, p.1 apud L. HELLER et al. (coord.), Participação e controle social
em saneamento básico: conceitos, potencialidades e limites, Belo Horizonte, Editora UFMG,
2016, p. 166.
11 HESPANHOL, 1999, p. 267 apud M. G. ARTEIRO da PAZ, M. A. PIMENTEL TOLOZA
e A. PAULA FRACALANZA, “Saneamento ambiental: importância socioambiental, política e
atores sociais”, in P. ROBERTO JACOBI, et al. (coord.), Metodologias para o fortalecimento
do controle social no saneamento básico, São Paulo, USP, 2016, p. 14.

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676
1- abastecimento de água; 2- esgotamento sanitário; 3- limpeza pública; 4
– drenagem pluvial; e 5 – controle de vetores de doenças transmissíveis12.

A Lei nº 11.445/2007 considerou como saneamento básico as quatro


primeiras, ficando de fora o controle de vetores de doenças transmissí-
veis, conforme previsto em seu artigo 3º.

O advento da Lei nº 11.445/2007 foi importante para o setor, pois


desde a extinção do PLANASA – Plano Nacional de Saneamento13 na dé-
cada de 80 não havia, ainda, um instrumento legal e uma política pública
voltados a enfrentar esta questão.

O PLANSAB – Plano Nacional de Saneamento Básico foi aprovado em


dezembro de 2013 por sete ministros de estado (Cidades, Fazenda, Casa
Civil, Saúde, Planejamento, Meio Ambiente e Integração Nacional) com
metas de universalização para 20 anos (2033) e previsão de R$ 508 bi-
lhões para universalizar os serviços de água, esgoto, resíduos sólidos e
drenagem urbano, sendo R$ 304 bilhões somente para água e esgotos.

Porém, atualmente ainda não foi possível atingir grandes porcentagens de


atendimento à população no tocante aos serviços públicos de saneamento bá-
sico, sendo que, na Região Norte, apenas 57,49% da população é atendida com
água tratada e somente 10,24% da população tem acesso a esgoto. A região Su-
deste concentra os melhores índices, com 91, 25% e 78,56%, respectivamente14.

12 HELLER, 1998 apud L. HELLER et al., Participação e controle social, p. 163.


13 Vale lembrar que o PLANASA, instituído pela Lei nº 5.318/67, foi o instrumento
que articulou, do modo mais completo até hoje no Brasil, as ações dos diversos atores pú-
blicos e privados numa estratégia de expansão dos serviços de saneamento básico com um
objetivo nacional. Ele foi lançado com o objetivo de atender, até 1980, 80% da população com
abastecimento de água e 50% com esgotamento sanitário. O PLANASA priorizou o abasteci-
mento de água em detrimento das demais ações que compõem o saneamento básico. In V.
M. de CARVALHO, O direito do saneamento básico, São Paulo, Quartier Latin, 2010, p. 110.
14 Disponível em http://www.tratabrasil.org.br (acedido em 25 de setembro de 2019).

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677
Estudos de Direito do Saneamento

Apesar das altas cifras previstas para universalizar os serviços de sa-


neamento básico, na prática os recursos efetivamente destinados para
este objetivo são insuficientes para atenderem a toda a população15.

Assim, a doutrina tem se debruçado sobre o tema e estudado as formas


pelas quais seria possível atingir tal objetivo. Na verdade, não há uma fórmula
única, já que este relevante serviço pode ser prestado de variadas formas, seja
diretamente pela Administração Pública, seja através da criação de empresas
públicas, sociedades de economia mista ou mesmo pela iniciativa privada.

Não é o objetivo do presente artigo estudar estas formas e nem mes-


mo apontar aquela que seria mais eficaz para que o saneamento seja
prestado a toda a população, até porque há divergências na doutrina
a este respeito e esta pluralidade de instrumentos é bem-vinda, já que
cada uma pode contribuir e somar para que este resultado seja atingido,
não sendo prudente excluir-se uma ou outra forma.

O que interessa no presente artigo é, a partir das deficiências na prestação


deste relevante serviço, apontar dois mecanismos que podem ser auxiliares
para a superação das dificuldades neste setor, quais sejam, o planejamento e a
participação popular, que serão desenvolvidos nos tópicos seguintes.

2. PLANEJAMENTO

Para que determinados objetivos específicos sejam atingidos, é funda-


mental elaborar um bom planejamento, estipulando metas, prazos, meios,
recursos, pessoas e outros aspectos específicos para cada situação, seja ela
pessoal, profissional ou social.

15 Em 2017, por exemplo, foram alocados 9 bilhões de recursos das mais diversas
fontes, porém, de acordo com a meta do PLANSAB, houve um déficit de mais de 11 bilhões.
Disponível em https://www.eosconsultores.com.br/investimento-em-saneamento-basico
(acedido em 28 de setembro de 2019).

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678
Se esta lógica deve ser aplicada à vida privada, mais ainda ela deve
ser utilizada no âmbito público, sobretudo porque se trata de recursos
públicos e é preciso que aqueles que irão administrar esta verba possam
expor o que, como, quando e onde pretendem investi-lo.

Aliás, por esta razão, o artigo 174 da Constituição Federal determina


que o planejamento é obrigatório para a Administração Pública. Além do
mais, ele deverá estar de acordo com os objetivos fundamentais do país
previstos no artigo 3º da Constituição Federal.

O professor João Miranda define planejamento como “(p)rocesso ar-


ticulado de decisões que identificam, de modo prospetivo (juízo de prog-
nose através de antecipação de evolução da realidade futura), objetivos
e metas a atingir com base no conhecimento da realidade e da previsão
de meios, técnicas e formas de os alcançar”16.

O planejamento é composto por três fases: a decisão de planejar, ou


seja, uma decisão política, a implementação do plano, sendo este um
fenômeno político relacionado à Administração Pública e o plano em si,
que é a única fase que pode ser analisada sob o prisma técnico, com o
exame econômico do documento escrito17.

Para a elaboração do planejamento, deve haver grande participação


do Legislativo e a vinculação do plano ao orçamento e aos fins enuncia-
dos no texto constitucional18.

16 Conforme slide da aula sobre Planejamento dos Recursos Hídricos do curso de


extensão em direito ao saneamento, proferida no dia 27 de julho de 2019 em Brasília-DF.
17 C. LAFER, 2002, pp. 25-26 apud G. BERCOVICI, “Planejamento e políticas pú-
blicas: por uma nova compreensão do papel do Estado”, in M. P. DALLARI BUCCI (coord.),
Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico, São Paulo, Saraiva, 2006, pp. 146-147.
18 G. BERCOVICI, Políticas Públicas, p. 153.

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679
Estudos de Direito do Saneamento

O texto constitucional, assim, fornece as bases para um planejamento democrá-


tico, com o aumento da transparência e o controle sobre o gasto público, exigindo-se
coerência entre o gasto atual do governo e o planejamento de médio e longo prazos.

Muito embora o planejamento seja fundamental para concretizar-se os ob-


jetivos do país e implementação das políticas públicas visando ao bem-estar da
população, há questões políticas que dificultam a sua devida implementação.

Para diminuir o impacto negativo desta questão e a fim de garantir


a aplicação do planejamento, é importante a vinculação do plano ao or-
çamento, sendo que a Constituição Federal integrou o planejamento ao
orçamento de longo e médio prazos. Assim, o plano plurianual, as dire-
trizes orçamentárias e o orçamento anual devem ser integrados entre
si e compatibilizados com o planejamento global, conforme previsto no
artigo 165, §4º da Constituição Federal19.

No âmbito do saneamento, a Lei nº 11.445/2007 previu no Capítulo


IV a necessidade da elaboração de planejamento, sendo que, de acordo
com o artigo 19, ele deverá conter, no mínimo:

I - diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de


vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemio-
lógicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as cau-
sas das deficiências detectadas;

II - objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a uni-


versalização, admitidas soluções graduais e progressivas, ob-
servando a compatibilidade com os demais planos setoriais;

III - programas, projetos e ações necessárias para atingir os ob-


jetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos

19 G. BERCOVICI, Políticas Públicas, pp. 153-157.

Voltar ao índice
680
planos plurianuais e com outros planos governamentais cor-
relatos, identificando possíveis fontes de financiamento;

IV - ações para emergências e contingências;

V - mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da


eficiência e eficácia das ações programadas.

Além do mais, o plano deverá ser revisto em prazo não superior a


quatro anos e, quando o serviço não for regionalizado, deverá abranger
todo o ente da Federação que o elaborou.

Sobre o titular do serviço de saneamento básico, o artigo 8º da Lei nº


11.445/2007 não o definiu expressamente, sendo que a Constituição Fe-
deral estipulou no artigo 21, inciso XX que compete à União instituir dire-
trizes sobre desenvolvimento urbano, incluindo habitação, saneamento
básico e transporte urbano, bem como no artigo 23 que é competência
comum da União, Distrito Federal, Estados e Municípios cuidar da saúde
(inciso II), proteger o meio ambiente (inciso VI) e promover programas
de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e
de saneamento básico (inciso IX).

Ainda, a Constituição Federal previu no artigo 30 que compete aos


Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.

Ora, considerando que o saneamento básico é um exemplo típico de


serviço público de interesse local, não restam dúvidas a respeito da titu-
laridade do Município referente a serviço, sendo que a extinta Medida
Provisória nº 844/2018 havia alterado a redação do artigo 8º acima men-
cionado para dispor que os titulares dos serviços públicos de saneamen-
to básico são o Município e o Distrito Federal.

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681
Estudos de Direito do Saneamento

A este respeito, o Supremo Tribunal Federal decidiu na Ação Direta de


Inconstitucionalidade nº 1842-RJ, cuja ementa transcrevemos em razão
da importância para o presente estudo:

1. Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de região me-


tropolitana e competência para saneamento básico. Ação direta
de inconstitucionalidade contra Lei Complementar n. 87/1997,
Lei n. 2.869/1997 e Decreto n. 24.631/1998, todos do Estado do
Rio de Janeiro, que instituem a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro e a Microrregião dos Lagos e transferem a titularidade
do poder concedente para prestação de serviços públicos de in-
teresse metropolitano ao Estado do Rio de Janeiro.

2. Preliminares de inépcia da inicial e prejuízo. Rejeitada a preli-


minar de inépcia da inicial e acolhido parcialmente o prejuízo
em relação aos arts. 1º, caput e § 1º; 2º, caput; 4º, caput e
incisos I a VII; 11, caput e incisos I a VI; e 12 da LC 87/1997/RJ,
porquanto alterados substancialmente.

3. Autonomia municipal e integração metropolitana. A Constitui-


ção Federal conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencio-
nar os municípios como integrantes do sistema federativo (art.
1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os estados e o Distrito Fe-
deral (art. 18 da CF/1988). A essência da autonomia municipal
contém primordialmente (i) autoadministração, que implica ca-
pacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação
ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a
eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no
Legislativo. O interesse comum e a compulsoriedade da inte-
gração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia
municipal. O mencionado interesse comum não é comum ape-
nas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios
do agrupamento urbano. O caráter compulsório da participação
deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações

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682
urbanas já foi acolhido pelo Pleno do STF (ADI 1841/RJ, Rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silvei-
ra, DJ 17.12.1999). O interesse comum inclui funções públicas e
serviços que atendam a mais de um município, assim como os
que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo
dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de fun-
ções públicas, bem como serviços supramunicipais.

4. Aglomerações urbanas e saneamento básico. O art. 23, IX, da


Constituição Federal conferiu competência comum à União,
aos estados e aos municípios para promover a melhoria das
condições de saneamento básico. Nada obstante a competên-
cia municipal do poder concedente do serviço público de sa-
neamento básico, o alto custo e o monopólio natural do servi-
ço, além da existência de várias etapas – como captação, trata-
mento, adução, reserva, distribuição de água e o recolhimen-
to, condução e disposição final de esgoto – que comumente
ultrapassam os limites territoriais de um município, indicam a
existência de interesse comum do serviço de saneamento bá-
sico. A função pública do saneamento básico frequentemente
extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse
comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglo-
merações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, §
3º, da Constituição Federal. Para o adequado atendimento do
interesse comum, a integração municipal do serviço de sanea-
mento básico pode ocorrer tanto voluntariamente, por meio
de gestão associada, empregando convênios de cooperação
ou consórcios públicos, consoante o arts. 3º, II, e 24 da Lei Fe-
deral 11.445/2007 e o art. 241 da Constituição Federal, como
compulsoriamente, nos termos em que prevista na lei comple-
mentar estadual que institui as aglomerações urbanas. A ins-
tituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou
microrregiões pode vincular a participação de municípios limí-
trofes, com o objetivo de executar e planejar a função pública

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683
Estudos de Direito do Saneamento

do saneamento básico, seja para atender adequadamente às


exigências de higiene e saúde pública, seja para dar viabilidade
econômica e técnica aos municípios menos favorecidos. Repi-
ta-se que este caráter compulsório da integração metropolita-
na não esvazia a autonomia municipal.

5. Inconstitucionalidade da transferência ao estado-membro do


poder concedente de funções e serviços públicos de interesse
comum. O estabelecimento de região metropolitana não signi-
fica simples transferência de competências para o estado. O in-
teresse comum é muito mais que a soma de cada interesse local
envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico
por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço
do conjunto, além das consequências para a saúde pública de
toda a região. O parâmetro para aferição da constitucionalidade
reside no respeito à divisão de responsabilidades entre municí-
pios e estado. É necessário evitar que o poder decisório e o po-
der concedente se concentrem nas mãos de um único ente para
preservação do autogoverno e da autoadministração dos muni-
cípios. Reconhecimento do poder concedente e da titularidade
do serviço ao colegiado formado pelos municípios e pelo estado
federado. A participação dos entes nesse colegiado não necessi-
ta de ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do
poder decisório no âmbito de um único ente. A participação de
cada Município e do Estado deve ser estipulada em cada região
metropolitana de acordo com suas particularidades, sem que se
permita que um ente tenha predomínio absoluto. Ação julgada
parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade
da expressão “a ser submetido à Assembleia Legislativa” cons-
tante do art. 5º, I; e do § 2º do art. 4º; do parágrafo único do art.
5º; dos incisos I, II, IV e V do art. 6º; do art. 7º; do art. 10; e do §
2º do art. 11 da Lei Complementar n. 87/1997 do Estado do Rio
de Janeiro, bem como dos arts. 11 a 21 da Lei n. 2.869/1997 do
Estado do Rio de Janeiro.

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684
6. Modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Em razão da necessidade de continuidade da prestação da
função de saneamento básico, há excepcional interesse social
para vigência excepcional das leis impugnadas, nos termos do
art. 27 da Lei n. 9868/1998, pelo prazo de 24 meses, a contar
da data de conclusão do julgamento, lapso temporal razoável
dentro do qual o legislador estadual deverá reapreciar o tema,
constituindo modelo de prestação de saneamento básico nas
áreas de integração metropolitana, dirigido por órgão colegia-
do com participação dos municípios pertinentes e do próprio
Estado do Rio de Janeiro, sem que haja concentração do poder
decisório nas mãos de qualquer ente20.

Porém, o fato da titularidade do serviço público de saneamento ser do


Município, não significa que não possa haver a cooperação por parte dos Es-
tados e União Federal, sobretudo levando-se em consideração a competên-
cia comum já referida e a consagração do federalismo cooperativo previsto
no artigo 23, parágrafo único da Constituição Federal de 1988, a despeito
de até o momento ainda não terem sido elaboradas leis complementares.

Neste sentido, levando-se em consideração as deficiências de muitos


Municípios brasileiros, é fundamental o auxílio cooperativo dos Estados,
bem como da União Federal.

Vale lembrar que, de acordo com o último censo realizado pelo IBGE
em 2010, dos 5.565 municípios brasileiros, 4.997, ou seja, 89,2% do total
possuem menos de cinquenta mil habitantes21.

20 Acórdão do Supremo Tribunal Federal de16.09.2013, proferido na ADI: 1842


RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, pesquisável em http://www.stf.jus.br.
21 Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/2098-np-
censo-demografico/9662-censo-demografico-2010.html?=&t=destaques (acedido em 25 de
setembro de 2019).

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685
Estudos de Direito do Saneamento

Este é o quantitativo de Municípios atendidos pela Fundação Nacional


de Saúde, que, não só fomenta soluções de saneamento para a prevenção
e controle de doenças, dentre outras missões, como, no estudo referente ao
planejamento em relação às ações de saneamento, também fornece o apoio
técnico a estados e municípios para a execução de projetos de saneamento22.

Importante destacar, ainda, a importância do plano de saneamento do Muni-


cípio estar integrado com outras políticas públicas, como saúde, meio ambiente,
habitação, energia, transporte, planejamento urbano, dentre outras, pois muitas
delas estão interligadas e o bom êxito de uma irá depender da boa execução
das demais para a proteção da saúde humana e preservação do meio ambiente.

Basta imaginar, por exemplo, que a política de desenvolvimento ur-


bano deve estar integrada com a política de saneamento, pois problemas
podem surgir, caso, ao se pensar no desenvolvimento de um município,
como, por exemplo a expansão ou melhorias em um determinado bairro,
não se leve em consideração a questão do saneamento23.

A respeito da política de saúde, a Constituição Federal determina no artigo 200


que compete ao sistema único de saúde, dentre outras atribuições, participar da
formulação da política e execução das ações de saneamento básico (inciso IV)24.

22 O Programa de Cooperação no Apoio à Gestão dos Serviços Públicos de Sanea-


mento possui, dentre as diferentes linhas de ação, uma a respeito do Plano Municipal de
Saneamento Básico (PMSB), cujo objetivo é “instrumentalizar e assegurar aos entes federa-
dos as condições necessárias ao planejamento das ações locais de saneamento ambiental
e a sustentabilidade dos serviços”. Disponível em http://www.funasa.gov.br/web/guest/
cooperacao-tecnica (acedido em 25 de setembro de 2019).
23 Não houve a preocupação de inserir o plano de saneamento no ciclo do plane-
jamento urbano e no calendário de elaboração dos planos diretores de desenvolvimento
urbano, o que seria desejável. A. Santos CUNHA, Saneamento Básico no Brasil: Desenho
institucional e desafios federativos, Rio de Janeiro, IPEA, 2011, p. 21.
24 Esta determinação também foi inserida na Lei nº 8.080/90, que cria o SUS,
conforme previsto nos artigos 6º, incisos II e V, artigo 7º, inciso X e artigos 17 e 18.

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686
Destaque-se, ainda, a importância da integração da política de sanea-
mento com os planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas, tendo
em vista o correto uso e tratamento da água para toda a população25.

Aliás, a respeito das bacias hidrográficas, a Lei nº 11.445/2007 previu no


artigo 19, § 3º, que os planos de saneamento básico deverão ser compatíveis
com os planos das bacias hidrográficas em que estiverem inseridos.

Por fim, é fundamental que haja a participação da sociedade na formulação do


planejamento, de acordo com o previsto no artigo 19, § 5º da Lei nº 11.445/2007.

A este respeito, a FUNASA auxilia os Municípios na elaboração dos


Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), sendo que nos convê-
nios celebrados com este objeto um dos itens necessários para a aprova-
ção do plano é justamente a participação social.

A fim de ilustrar esta prática, importante citar o caso do convênio


celebrado entre a FUNASA e o Município de Pereira Barreto para a ela-
boração do PMSB. No processo nº 25100.003.481/2019-2626 constam os
estudos técnicos necessários para a elaboração do plano, bem como o
resultado final que resultou na promulgação da Lei Complementar nº 84,
de 15 de outubro de 2018, do Município mencionado, que dispõe sobre
a política de saneamento básico e dá outras providências27.

25 Ainda sobre a importância da articulação entre as diferentes políticas públicas,


destacamos os ensinamentos de A. SANTOS CUNHA, Saneamento Básico no Brasil, p. 8.
M. G. ARTEIRO da PAZ, M. A. PIMENTEL TOLOZA e A. P. FRACALANZA, Metodologias para o
fortalecimento, São Paulo, USP, 2016, p. 19; S. DIONISIO RUBINGER, S. CRISTINA REZENDE e
L. HELLER, “Discursos dissonantes: a comunicação entre técnicos e a população como fator
para a participação social”, in L. HELLER, M. MARTINS de AGUIAR e S. CRISTINA REZENDE,
Participação e controle social em saneamento básico: conceitos, potencialidades e limites,
Belo Horizonte, Editora UFMG, 2016, p. 169
26 Disponível em https://sei.funasa.gov.br (acedido em 25 de setembro de 2019).
27 Agradecimento especial à servidora Sandra Regina Rodrigues de Souza, respon-
sável pelo NICT/FUNASASP, que disponibilizou as informações e contatos necessários para
a presente pesquisa.

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687
Estudos de Direito do Saneamento

Ainda, no sítio plataforma +Brasil28 poderá ser acessado o produto J do con-


vênio mencionado, que contém a ampla divulgação para a sociedade civil de
Pereira Barreto da audiência pública realizada para a discussão do PMSB, resul-
tando na participação de representantes da sociedade civil de diversos setores.

O tema da participação social nas ações de saneamento será desen-


volvido no item seguinte.

3. DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR

As democracias liberais ocidentais vêm abrindo espaços para a participação


cidadã, sendo esta uma importante forma de coibir a livre ação dos governos
e remediar os frequentes vícios que resultam da representação parlamentar29.

Além do mais, a interação entre a sociedade e Administração Pública a aproxima


dos conflitos sociais e políticos, aumentado o grau de eficiência de sua atuação30.

O teórico por excelência da participação foi Rousseau, que, em sua doutri-


na sobre a vontade geral, defendeu que uma pessoa só pode ser considerada
verdadeira cidadã quando quer o bem geral e, não, o seu em particular31.

As primeiras manifestações da democracia participativa consistiram em


institutos de democracia semidireta, que combina institutos de participação

28 https://www.plataformamaisbrasil.gov.br.
29 HELLER, 1998 apud L. HELLER, M. Martins de AGUIAR e S. CRISTINA REZENDE
(coord.), Participação e controle social, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2016, p. 17.
30 M. Augusto PEREZ, “A participação da sociedade na formulação, decisão e exe-
cução das políticas públicas”, in M. P. DALLARI BUCCI (coord.), Políticas Públicas: Reflexões
sobre o conceito jurídico, São Paulo, Saraiva, 2006, pp. 165 e 169.
31 1968, apud M. da GLÓRIA GOHN, Conselhos Gestores e participação sociopolí-
tica, 2. ed., São Paulo, Cortez, 2003, p. 22.

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688
direta, como a iniciativa popular de leis, referendo, plebiscito, veto popular,
revocação de mandatos e ação popular com a participação indireta que se
dá através das eleições dos representantes dos cidadãos através do voto32.

Há diferentes graus de participação popular: a pseudoparticipação,


que se restringe à consulta realizada pelos governantes aos cidadãos sobre
determinados assuntos; participação parcial, que é aquela em que mui-
tos participam do processo, mas o poder de decisão está concentrado nas
mãos de um pequeno grupo e a participação plena, em que os diversos
grupos de indivíduos têm igual poder e influência na decisão final33.

A Constituição Federal de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito e,


assim, acolheu princípios e institutos de democracia participativa, sobretudo ao
dispor no artigo 1º, parágrafo único que o poder é exercido pelo povo, que o exer-
ce através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.

Assim, com o advento da constituição cidadã, passou-se de uma pers-


pectiva unidimensional de um Estado súdito em que os cidadãos eram
considerados administrados e não possuíam direitos frente ao Estado, mas
apenas deveres, para uma perspectiva bidimensional formada pelo Estado
e cidadãos, com direitos e deveres para ambos34.

32 J. Afonso da SILVA, “Democracia Participativa”, in Cadernos de Soluções Cons-


titucionais 2, São Paulo, Malheiros, 2006. p. 191. Ainda sobre a democracia participativa, J.
J. GOMES CANOTILHO a define como “formação da vontade política de ‘baixo para cima’,
num processo de estrutura de decisões com a participação de todos os cidadãos”, Direito
Constitucional, 5. ed, 2ª reimpr., Coimbra, Almedina, p. 413.
33 M. C. CARDOSO DE MELLO e S. CRISTINA REZENDE, “Perspectivas de controle
e participação social na trajetória do Conselho Municipal de Saneamento de Belo Horizon-
te”, in L. HELLER, M. MARTINS de AGUIAR e S. CRISTINA REZENDE (coord..), Participação e
controle social em saneamento básico: conceitos, potencialidades e limites, Belo Horizonte,
Editora UFMG, 2016, p. 284.
34 G. Justino de OLIVEIRA, Administração Pública Democrática e a efetivação dos
direitos fundamentais. Disponível em www.publicadireito.com.br/compedi/manaus/arqui-
vos/anais/br/gustavo_justino_de_oliveria.pdf (acedido em 27 de setembro de 2019).

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689
Estudos de Direito do Saneamento

Acompanhando a transformação da sociedade a partir do advento da


Constituição Federal de 1988, a Administração Pública também deve ser
participativa, reconhecendo o papel social de canalização das demandas
sociais, seja através das diversas associações, seja pela atuação do cidadão
isolado, portador de um interesse metaindividual.

A participação cidadã é considerada, inclusive, um princípio que faz parte


do Estado Democrático de Direito, o único possível de diminuir o abismo en-
tre o sistema normativo e a realidade social e do Estado e a sociedade civil35.

Neste sentido, é importante que, onde não existam canais de comuni-


cação, sejam criadas oportunidades de diálogo e troca de saberes por meio
da realização de eventos públicos que podem ser oficinas de trabalho, au-
diências públicas e seminários visando, assim, a estimular a participação do
maior número de pessoas dos diversos segmentos sociais36.

A participação possui um caráter plural que permite aos cidadãos dividir


as responsabilidades na construção coletiva das políticas públicas, comparti-
lhando as responsabilidades entre a Administração Pública e a comunidade37.

A este respeito, a inciativa PHAST – Participatory Hygiene and Sanitation


Transformation, da Organização Mundial de Saúde, chegou à conclusão de que,
quando as pessoas sabem que são responsáveis por encontrarem uma solução,
exigem informação e demandas que abrem o caminho para a informação e o

35 F. Menezes SOARES, Direito Administrativo de Participação (Cidadania, Direito,


Estado e Município), Belo Horizonte, Del Rey, 1997, p. 157.
36 “Política e Plano Municipal de Saneamento Básico”, Convênio FUNASA/ASSE-
MAE, 2. ed., Brasília, Funasa, 2014, p. 19.
37 M. da GLÓRIA GOHN, Conselhos Gestores e participação sociopolítica, 2. ed.,
São Paulo, Cortez, 2003, p. 19.

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690
diálogo. As comunidades identificam aquilo que será apropriado a elas, bem
como o que será mais efetivo e de acordo com as suas necessidades38.

Dentre os objetivos da participação dos cidadãos, Siedentopf enumera


os seguintes:

1 – racionalização das decisões administrativas através de uma


informação melhor e disponível;

2 – previsibilidade do cidadão quanto ao conteúdo das decisões


administrativas;

3 – vontade reforçada da ação administrativa através da publici-


dade e transparência;

4 – maior legitimação da decisão administrativa tomada;

5 – integração do cidadão e grupos de cidadãos à decisão admi-


nistrativa tocada pelo bem comum; e

6 – desenvolvimento da autodeterminação e da emancipação do


cidadão na sua comunidade39.

Como exemplo de participação popular no Poder Legislativo, há a pre-


visão do plebiscito, referendo e iniciativa popular previstos no artigo 1440.

38 S. DIONÍSIO RUBINGER, S. CRISTINA REZENDE e L. HELLER, Participação e con-


trole social, p. 171.
39 1985, apud F. MENEZES SOARES, Direito Administrativo, pp. 142-143.
40 É bem verdade que se trata de instrumentos de pouco efetividade social, já
que, nos últimos quinze anos, houve apenas um plebiscito, não houve referendo e, diante
das duras exigências para a iniciativa popular, apenas dois projetos foram apresentados
à Câmara dos Deputados. D. VITALE, “Democracia Direta e Poder Local: a experiência do
orçamento participativo”, in V. SCHATTAN COELHO e M. NOBRE (coord.). Participação e
Deliberação: Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil contemporâneo, São
Paulo, Editora 34, 2004, p. 242.

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691
Estudos de Direito do Saneamento

Em relação à participação no Poder Executivo, cita-se a formulação e


fiscalização de políticas públicas nos setores de seguridade social (artigo
194, inciso VII), saúde (artigo 198, inciso II), assistência social (artigo 204,
inciso II), educação (artigo 206, inciso VI), cultura (artigo 216, § 1º), meio
ambiente (artigo 225, caput e inciso VI), criança e adolescente (artigo 227,
§1º) e como usuário na Administração Direito e Indireta (artigo 37, §3º).

Por fim, em relação à participação no Poder Judiciário, cita-se a ação


popular (artigo 5º, inciso LXXIII), bem como a participação no Tribunal do
Júri (artigo 5º, inciso XXXVIII).

O país também experimentou novos modelos de participação cidadã,


tais como os orçamentos participativos e a criação de conselhos para o com-
partilhamento de políticas públicas e o controle de sua implementação41.

A respeito dos Conselhos no país, eles podem ser divididos em três tipos:

1 – criados pelo Poder Executivo para mediar suas relações com


os movimentos e organizações populares, como é o caso dos
conselhos comunitários criados para atuar junto à adminis-
tração municipal no final dos ano 70;

2 – populares, que são os resultantes dos movimentos populares


ou setores organizados da sociedade civil em suas relações
de negociação com o poder público, como é o caso dos con-
selhos populares do final dos anos 70 e parte dos anos 80 e

3 – conselhos institucionalizados, com a possibilidade de par-


ticipação da gestão dos negócios públicos criados por leis

41 Heller, 1998 apud L. HELLER, M. Martins de AGUIAR e S. CRISTINA REZENDE


(coord.). Participação e controle social, p. 17.

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692
originárias do Poder Legislativo, surgidos após pressões e
demandas da sociedade civil, como é o caso do conselho de
representantes previsto na Lei Orgânica do Município de São
Paulo e os conselhos gestores institucionalizados setoriais42.

No tocante aos conselhos gestores, Maria da Glória Gohn propõe o


seguinte critério para classificá-los:

1 - ligados à questão urbana, como meio ambiente, moradia,


dentre outros;

2- relacionados à prestação de serviços urbanos por setores da ad-


ministração, como saúde, educação, transporte, dentre outros;

3 - os que dizem respeito a grupos etários da população, como


idosos, crianças, jovens ou categorias específicas, como mu-
lheres, grupos raciais, dentre outros e

4 - conselhos na área da cultura43.

Hannah Arendt defendia que os conselhos são a única forma possível de


um governo horizontal, que tem como condição de existência a participação e a
cidadania. Ainda, ela afirmou em Crises da República que os conselhos poderiam
ser não apenas uma forma de governo, mas também uma forma de Estado44.

Os conselhos são arenas de interação entre o governo e a sociedade


onde os interesses da sociedade e do poder público são expressos e me-

42 M. da GLÓRIA GOHN, Conselhos Gestores, pp. 70-71.


43 M. da GLÓRIA GOHN, Conselhos Gestores, p. 96.
44 1973, apud M. da GLÓRIA GOHN, Conselhos Gestores, p. 107.

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693
Estudos de Direito do Saneamento

diados visando à instauração de processos consensuais de tomada de de-


cisão e aumento da eficácia e efetividade das políticas públicas locais45.

A despeito da importância dos conselhos como forma de interação


entre o governo e a sociedade, isso não significa que eles sejam a única
forma possível de participação da sociedade civil, sendo que o trabalho de
base é fundamental para alimentar e fortalecer a representação coletiva
nos colegiados da esfera pública46.

Em relação à área de saneamento, a população esteve à margem das decisões a


respeito desta política pública, acumulando-se um verdadeiro “passivo democrático”47.

Com o advento da Lei nº 11.445/2007, a participação popular torna-


se importante não só na fase de elaboração do plano municipal de pla-
nejamento, conforme previsto no artigo 19, §5º da Lei nº 11.445/2007,
como esta lei previu, ainda, no artigo 47 a criação ou adaptação aos órgãos já
existentes do controle social dos serviços públicos de saneamento, devendo
ser assegurada a representação dos titulares dos serviços, de órgãos gover-
namentais relacionados ao setor de saneamento básico, dos prestadores de
serviços públicos de saneamento básico, dos usuários de serviços de sanea-
mento básico e de entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de
defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico.

45 O. A. SANTOS JÚNIOR, S. de AZEVEDO e L. C. de QUEIROZ RIBEIRO, “Democracia


e gestão local: a experiência dos conselhos municipais o Brasil”, in O. A. SANTOS JÚNIOR, S.
de AZEVEDO e L. C. de QUEIROZ RIBEIRO (coord.). Governança democrática e poder local: a
experiência dos conselhos municipais no Brasil, Rio de Janeiro, Revan, 2004, p. 47.
46 M. da GLÓRIA GOHN, “Os Conselhos Municipais e a gestão urbana”, in ibid., p. 80.
47 M. MARTINS de AGUIAR, E. MACHADO de MELO e L. HELLER, “A participação so-
cial em três modelos institucionais de sistemas de abastecimento de água e de esgotamen-
to sanitário no Espírito Santo”, in L. HELLER, M. MARTINS de AGUIAR e S. CRISTINA REZENDE
(coord.), Participação e controle social em saneamento básico: conceitos, potencialidades e
limites, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2016, p. 204.

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694
O Decreto nº 7.217/2010, que regulamenta a Lei nº 11.445/2007, previu no
artigo 34 as formas pelas quais pode ser realizado o controle social, quais sejam:
debates e audiências públicas, consultas públicas, conferências das cidades ou
participação de órgãos colegiados de caráter consultivo na formulação da políti-
ca de saneamento básico, bem como no seu planejamento e avaliação. 

Como forma de garantir que os Municípios instituíssem órgãos de


controle social para os serviços públicos de saneamento ou adaptas-
sem os já existentes, o § 6º do artigo 34 acima referido determinou que,
“após 31 de dezembro de 2014, será vedado o acesso aos recursos fe-
derais ou aos geridos ou administrados por órgão ou entidade da União,
quando destinados a serviços de saneamento básico, àqueles titulares de
serviços públicos de saneamento básico que não instituírem, por meio
de legislação específica, o controle social realizado por órgão colegiado”. 

Aliás, a previsão de suspensão de transferência de recursos públicos


federais para os Municípios na hipótese de não ser prevista a partici-
pação popular na gestão das políticas públicas foi fundamental para a
criação e disseminação dos Conselhos no Brasil48.

Não se ignora, porém, que a questão da participação popular traz alguns


dilemas quanto aos limites da participação substantiva da parcela mais ex-
cluída das políticas públicas, assimetria de participação, diferentes motiva-
ções e a própria (in)disposição dos gestores em abrir espaços participativos49.

Isso porque, não há uma tradição participativa da sociedade civil na


gestão dos negócios públicos, que, aliás, conviveu há pouco tempo com

48 M. E. LOPEZ RAMIREZ. “A gestão complexa da água”, in L. HELLER, M. MARTINS


de AGUIAR e S. CRISTINA REZENDE (coord.), Participação e controle social em saneamento
básico: conceitos, potencialidades e limites, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2016, p. 117.
49 Heller, 1998 apud M. E. LOPEZ RAMIREZ, Participação e controle social, p. 20.

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695
Estudos de Direito do Saneamento

mais de 20 anos de ditadura. Assim, a trajetória de vida dos conselhos


ainda é curta, o que resulta em uma falta de exercício prático e do des-
conhecimento da maioria da população de suas potencialidades, o que
acaba gerando espaços ocupados e apropriados como mais um mecanis-
mo da política das velhas elites.

Em relação à participação nos conselhos de segmentos sociais com ca-


pacidade de organização e presença na cena pública, sendo aqueles que
possuem maior renda e escolaridade, parte da doutrina entende que seria
uma forma de inserir pessoas capazes de “falar a língua das elites”, como
forma de maximizar os interesses populares50. Há três aspectos que dificul-
tam a atuação dos conselhos: caráter consultivo, demanda por informar e
capacitar os conselheiros51 e a necessidade de agir intersetorialmente52.

A respeito do caráter consultivo, Maria da Glória Gohn é contra, pois

“nos municípios sem tradição organizativo-associativa, os con-


selhos têm sido apenas uma realidade jurídico-formal e, muitas
vezes um instrumento a mais nas mãos dos prefeitos e das elites,
falando em nome da comunidade, como seus representantes ofi-
ciais, não atendendo minimamente aos objetivos de se tornarem
mecanismo de controle e fiscalização dos negócios públicos”53.

50 O. A. SANTOS JÚNIOR, S. de AZEVEDO e L. C. de QUEIROZ RIBEIRO, Governança


democrática, p. 28.
51 A este respeito, Maria da Glória Gohn destaca que o problema não está na ausên-
cia de conhecimento sobre as políticas municipais específicas, pois os conselheiros demons-
tram domínio nas áreas temáticas em que atuam. As lacunas estão na ausência de capacita-
ção em relação à elaboração e gestão das políticas públicas. Conselhos Gestores, p. 96.
52 M. E. LÓPEZ RAMIREZ, Participação e controle social, pp. 122 e 125.
53 Conselhos Gestores, pp. 88-89.

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696
A mesma autora aponta, ainda, outras lacunas existentes nos con-
selhos, como a necessidade de criação de mecanismos que garantam o
cumprimento de seu planejamento, a previsão de instrumentos de res-
ponsabilização dos conselheiros, as restrições orçamentárias e a existên-
cia de múltiplos conselhos no município, com uma competição entre si
por verbas e espaços públicos54.

Maria Sylvia Zanella di Pietro também elenca a resistência dos políticos


que estão no poder e não têm interesse no surgimento de novos grupos e
os grandes grupos organizados estão mal preparados para participar, sen-
do que as pequenas associações, organizações e grupos isolados, apesar
da boa vontade dos autores dos textos constitucionais e legais, não têm na
democracia pluralista outro meio de participar além das eleições55.

Além do mais, a autora faz críticas a respeito da real representati-


vidade dos membros do conselho, pois eles deveriam ser eleitos, mas
nem sempre isso acontece56.

Com o objetivo de ilustrar os avanços e deficiências da participa-


ção social na área do saneamento, buscou-se analisar o funcionamen-
to do Conselho Municipal de Saneamento Básico que foi criado com
a Lei Complementar nº 84/2018 do Município de Pereira Barreto, po-
rém, tendo em vista ser um órgão recente e que um dos integrantes
havia pedido para retirar-se, não tendo sido nomeado novo membro
até o momento da conclusão do artigo e, portanto, ainda não tendo
iniciado suas atividades, optou-se por trazer a experiência pioneira do
Município de Penápolis/SP.

54 M. da GLÓRIA GOHN, loc. cit., p. 89.


55 “Participação Popular na Administração Pública”, Revista Trimestral de Direito
Público 1/1993, São Paulo, Malheiros Editores, p. 138.
56 “Participação Popular na Administração Pública”, Revista Trimestral, p. 138.

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697
Estudos de Direito do Saneamento

O Município de Penápolis dispõe de uma autarquia municipal para a presta-


ção dos serviços de abastecimento de água e esgoto, o Departamento de Água
e Esgoto de Penápolis – DAEP, criado pela Lei nº 935, de 18 de maio de 1978.

A Lei nº 1.798, de 15 de dezembro de 2011, que dispõe sobre a Política


Municipal de Saneamento Básico e o Plano Municipal de Saneamento Bá-
sico do Município de Penápolis, criou o Conselho Gestor de Saneamento
Ambiental, de caráter consultivo e deliberativo, lotado junto ao DAEP.

Em questionário enviado para a compreensão do papel do Conselho Gestor


de Saneamento Ambiental57 e levando-se em consideração as ponderações rea-
lizadas a respeito desta forma de interação da sociedade e governo, conclui-se:

1- no órgão de controle social dos serviços de saneamento bási-


co do Município de Penápolis, há uma devida representação
da sociedade civil, já que ele é composto por 20 membros,
sendo 50% de representantes do poder público e 50% de
representantes da sociedade civil. Dentre os representantes
da sociedade civil, 06 membros são eleitos a cada dois anos
durante o Fórum de Saneamento e Meio Ambiente.

2- Há um predomínio da participação dos homens, sendo que


a grande maioria (não foi especificado o quantitativo) possui
nível superior.

3- Há uma interconexão com outros conselhos municipais, já


que 07 membros participam de outros conselhos e foi res-
pondido que há uma relação com o Conselho de Meio Am-
biente, Conselho de Política Urbana e o Conselho de Desen-
volvimento Rural Sustentável.

57 Mensagem eletrônica enviada no dia 30 de agosto de 2019 para diretoria@


daep.com.br, aos cuidados da Sra. Vera, que trabalha nesta autarquia desde a década de
70. A resposta ao questionário foi enviada pela Sra. Fabiana, secretária do DAEP, pelo e-mail
secretaria2@daep.com.br no dia 12 de setembro de 2019.

Voltar ao índice
698
4 – Em regra, as decisões do conselho são acatadas pelo Sr. Prefei-
to Municipal, sendo que, em caso negativo, ele deverá com-
parecer às reuniões para justificar-se, sendo que esta situação
somente teria ocorrido em relação ao reajuste de tarifas.

5 – O conselho acompanha as ações de saneamento, desde a sua


formulação, até à execução e fiscalização e

6 – Há uma deficiência na capacitação dos conselheiros, já que foi


informado que eles apenas recebem capacitação em relação
à atuação que irão desempenhar, bem como a respeito das
peças orçamentárias (PPA, LDO, LOA).

Interessante que o estudo deste caso ilustrou os avanços e deficiências


apontados pela doutrina, sendo que, em que pese estar estruturado há
alguns anos o órgão de controle social do Município de Penápolis e haver
uma representatividade da sociedade civil e conexão com outros conse-
lhos municipais, ele ainda reveste-se de caráter consultivo, apesar de suas
decisões serem em sua grande maioria aprovadas pelo Prefeito Municipal.

Além do mais, ainda há uma deficiência em relação à devida capacitação de


seus membros e eventual autonomia de recursos para a sua atuação, sendo que
talvez o aspecto mais problemático seja a sua vinculação ao DAEP, já que, por
dependerem do espaço físico e de recursos desta autarquia municipal, isso pode
comprometer a completa independência e imparcialidade de seus membros.

CONCLUSÃO

O presente trabalho procurou analisar a diferença entre o saneamento


ambiental e o saneamento básico para, em seguida, trazer os desafios para o
setor, bem como apresentar o planejamento e a participação social como dois
elementos possíveis de aumentarem a efetividade do saneamento no país.

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699
Estudos de Direito do Saneamento

Sem dúvida que o saneamento básico é importante para a saúde da


população, porém não se pode concebê-lo de maneira restrita apenas
em relação ao tratamento e distribuição da água e tratamento do esgoto.

Na verdade, a Lei nº 11.445/2007 considerou como saneamento básico


ações mais amplas, compreendendo não só aquelas acima referidas, mas tam-
bém a drenagem pluvial e limpeza pública, conforme previsto no artigo 3º.

O Supremo Tribunal Federal decidiu na Ação Direta de Inconstituciona-


lidade nº 1842-RJ que a titularidade do serviço público pertence ao Mu-
nicípio, mas isso não elimina o federalismo cooperativo, de maneira que
Estados e a União podem contribuir para as boas ações de saneamento em
âmbito municipal, sobretudo com a ajuda de recursos financeiros.

Destacou-se no presente artigo a importância da realização de um bom


planejamento por parte do Município, sendo que, aliás, a Constituição Fe-
deral determina no artigo 174 que ele é obrigatório para o poder público.

Neste sentido, a FUNASA auxilia técnica e financeiramente os Municípios


de até 50.000 habitantes na realização de seu Plano Municipal de Saneamento
Básico (PMSB), sendo que um importante aspecto a ser observado, além dos
estudos técnicos necessários, é a inclusão da ampla participação popular.

No Brasil, desde a década de 40 surgiram avanços em relação aos


direitos sociais, sobretudo em relação às mulheres e trabalhadores. Foi
com a Constituição Federal de 1988, a constituição cidadã, que os direi-
tos sociais ganharam papel de destaque, inclusive com previsão expressa
a este respeito, bem como com a inserção de vários dispositivos que pre-
viram a participação popular como importante forma de serem atendi-
dos os anseios da população na atuação do governo.

A Lei nº 11.445/2007 previu que deverá ser criado ou adaptado ao órgão já exis-
tente o controle social em relação às ações de saneamento, de acordo com o artigo 47.

Voltar ao índice
700
Apontou-se no presente artigo a importância, avanços e lacunas em
relação aos conselhos, sobretudo aqueles referentes ao saneamento,
tendo em vista ser recente a sua previsão legal e o condicionamento à
sua existência para a transferência de recursos federais, conforme previs-
to no artigo 34, §6º do Decreto 7.217/2017.

Os casos práticos foram importantes para ilustrarem a importância,


avanços e deficiências da participação popular nas ações de saneamento,
sendo importante fortalecer este importante mecanismo democrático,
pois as vozes dos indivíduos na política devem ser claras, altas e iguais58,
sendo que não importa o Estado máximo ou mínimo, mas o essencial,
que possa ouvir as demandas sociais e atender às necessidades coletivas
de maneira hábil, construtiva, flexível e eficiente59.

De qualquer forma, trata-se de tema em constante evolução e que,


nestas breves linhas, procurou-se delinear possíveis reflexões para a con-
tribuição e aperfeiçoamento da efetividade do saneamento em nosso país.

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58 VERBA, SCHLOZMAN e BRADY (1995), apud T. GUEDES DE OLIVEIRA e S. CRISTI-


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59 J. FREITAS, apud M. S. ZANELLA DI PIETRO, Revista Trimestral, p. 46.

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Estudos de Direito do Saneamento

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703
Estudos de Direito do Saneamento

A água e a necessidade urgente


do pagamento pelo seu uso
LUIZ PAULO FERREIRA

RESUMO

Nossa pretensão no presente artigo é fazer algumas reflexões sobre


o modo como a água vem sendo utilizada ao longo do tempo para de-
monstrar que o seu uso, seja em que modalidade for – mesmo que seja
para o consumo humano das populações de baixo renda, a exemplo das
populações residentes nos municípios atualmente atendidos pela Funda-
ção Nacional de saúde – FUNASA, jamais poderá ser gratuito – Princípio de
usuário-pagador. O pagamento, proporcional ao consumo e/ou à condição
social, inclusive pelas aludidas populações, parece-nos ser instrumento
essencial, como um componente da educação ambiental, de forma a in-
ternalizar em todos nós, uma verdadeira mudança de percepção no que
diz respeito ao modo como enxergamos o meio em que habitamos, es-
pecialmente a maneira como utilizamos a água, de modo que possamos
evoluir para o entendimento definitivo, tão distante ainda, de que a água é
um bem econômico, finito e escasso. Este artigo apresenta uma discussão
teórica construída a partir de pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-chave: água, educação ambiental, funasa, sustentabilidade.

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704
ABSTRACT

Our intention in the present article is, at first, to make some reflections
on the way water has been used over time and then to demonstrate that its
use, whatever the mode is - even for consumption. of low-income popula-
tions, such as those residing in municipalities currently served by the National
Health Foundation - FUNASA, can never be free - User-pays principle. The
payment, proportional to the consumption and / or social condition, includ-
ing by the populations mentioned, seems to us to be an essential instrument,
as a component of environmental education, in order to internalize in all of
us, a real change of perception regarding Concerning the way we see the
environment in which we live, especially the way we use water, so that we
can evolve into the definitive understanding, so far away, that water is an
economic, finite and scarce good. This article presents a theoretical discus-
sion built from bibliographic and documentary research.

Keywords: Water, environmental education, FUNASA, sustainability.

SUMARIO
1.Introdução; 2.Noção Histórica sobre a água ao mundo, no mun-
do, no Brasil e no Piauí; 3.Educação em Saúde Ambiental; 4.A Fu-
nasa como Instituição de Saúde Pública: Origem, Missão, Valores
e Plano estratégico; 5.Eixos de Atuação da Funasa em Saúde Am-
biental; 6.Considerações Finais; 7.Referências

1. INTRODUÇÃO

Ao longo de nossa história, tendo em vista a aparente inesgotabilida-


de (infinitude) e abundância de nossas águas, pouca importância, quando
nenhuma, se deu à questão do uso racional da água. Nada obstante isso,

Voltar ao índice
705
Estudos de Direito do Saneamento

durante o século XX tivemos inúmeros regulamentos e diversas normas


relacionadas ao meio ambiente, mas que sobre a água, e a necessidade
de usá-la de modo racional, pouco, ou quase nada, se disse. Somente em
1934, com a elaboração do Código de Águas Federal do Brasil, por meio
da Lei n. 24.643, se falou, especificamente e mais detalhadamente, sobre
recursos hídricos e também sobre o uso das águas no Brasil. Referida
legislação não cuidava, ainda, do uso racional da água, já de uma vez que
o seu objetivo maior era gerenciar/direcionar o uso das águas para as
novas necessidades e interesses estratégicos nacionais da época.

O Código de Águas de 1934, Lei n. 24.643 de 10 de julho de 1934,


reinou, praticamente sem mudanças impactantes, durante 44 (quarenta
e quatro) anos. Somente em 1988, com a promulgação da Carta Constitu-
cional de 1988, houve mudanças significantes, com o estabelecimento de
novas diretrizes que deram azo à promulgação da Lei n. 9.433/97, a cha-
mada Lei das Águas ou Lei sobre Recursos Hídricos. A partir desse ponto,
promulgação da Lei das Águas, pretendeu-se, acertadamente e com enor-
me atraso cronológico, uma real mudança de paradigma no que se refere à
utilização dos recursos hídricos, em especial à água potável, no nosso País.

A “Lei das Águas”, que implantou a Política Nacional de Recursos Hí-


dricos (PNRH), inovou bastante quanto à questão “água”, trazendo mu-
danças importantes para o Estado Brasileiro, já de uma vez que instituiu
novos mecanismos para uma melhor governança dos nossos recursos
hídricos de domínio federal (aqueles que fazem fronteira entre Estados
ou transpõem mais de um) e criou o SINGREH – Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos. Conforme bem demonstrado por
Catarina de Oliveira Buriti e Erivaldo Moreira Barbosa no Artigo intitu-
lado “Políticas Públicas de Recursos Hídricos no Brasil”, uma das princi-
pais inovações trazidas pelo Lei nº 9.43/97, foi a instalação dos Comitês
de Bacias Hidrográficas, que unem os poderes públicos nas três esferas,

Voltar ao índice
706
usuários e sociedade civil, de forma que a administração dos recursos
hídricos se tornou verdadeiramente democrática.

A Lei 9.433/97, ao instituir o Plano Nacional de Recursos Hídricos –


PNRH, mostrou-se uma Lei moderna, democrática e descentralizadora,
bem diferente do antigo Código de águas de 1934 que, como já se menci-
onou acima, concentrava no Setor Elétrico todas as definições que diziam
respeito à gestão dos recursos hídricos. Aqui, ao contrário, se estabeleceu
critérios justos e pertinentes, com respeito aos usos múltiplos e prioridade
ao abastecimento humano e dessedentação animal em casos de escassez.

2. NOÇÃO HISTÓRICA SOBRE A ÁGUA NO MUNDO, NO BRASIL E


NO PIAUÍ

A água, atualmente existente e disponível no mundo, tem se tornado,


cada vez com maior pungência, tema de relevantes debates internacio-
nais e, mais recentemente, nacionais, em que se tem dialogado exausti-
vamente sobre a forma mais apropriada, encarando a água sob a pers-
pectiva de Direito Humano Fundamental, de garantir o seu uso adequado
a todos e, ao mesmo tempo, preservá-la, quantitativa e qualitativamen-
te, para as gerações futuras. Veja-se:

A água pode ser definida como uma substância líquida e insípida,


encontrada em grande abundância na natureza. Em estado líqui-
do pode ser encontrada nos mares, rios e lagos. Em estado sólido
constitui o gelo e a neve. Em estado de vapor visível na atmosfera
formando as nuvens e a neblina e em estado invisível sempre no
ar. (GRANZIERA, 2006, p. 25).

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707
Estudos de Direito do Saneamento

A quantidade de água, considerando tanto a água doce como a salga-


da, existente em nosso Planeta é imensa. Somente a água salgada, aque-
la que está presente nos nossos mares e oceanos, cobrem cerca de 75%
(setenta e cinco por cento) da superfície da Terra e representam 97,4%
(noventa e sete, quatro por cento) de toda a água. Do total de água doce
existente, 90% (noventa por cento) corresponde às geleiras, estando o
restante em rios, lagos e lençóis subterrâneos.

Apesar desta abundância de água, cerca de 71% (setenta e um por cen-


to) da superfície do nosso planeta é recoberto por ela, a água doce, aquela
que contém os caracteres necessários para que possa ser utilizada pelos se-
res humanos e de vital importância para a vida em nosso planeta, representa
apenas 3% (três por cento) do total das águas existentes. Nesse sentido, Luiz
Gustavo Gonçalves Ribeiro e Neide Duarte Rolim (2017, p. 3) asseveram que:

A água que existe no Planeta está em constante movimento. A


quantidade existente na Terra é praticamente invariável há cen-
tenas de anos. Devido ao ciclo hidrológico, o volume permanece
o mesmo, o que muda é a distribuição regional e o seu estado
físico. O ciclo hidrológico atua da seguinte forma: a água que está
no estado líquido é encontrada nos lagos, rios e oceanos. Em
decorrência do calor do sol, a água evapora. O vapor formado
sobe para a atmosfera dando origem às nuvens. Posteriormente,
a água, que estava em forma de vapor, precipita-se na Terra em
forma de chuva, neve ou orvalho. Nesse processo, a água se reci-
cla, sustentando a vida no Planeta.

No Brasil, assim como de resto no mundo inteiro, só que aqui com


maior intensidade, a água não recebeu a importância que merece, e a
causa disso é cultural. Ainda acreditamos que a água é um bem perma-
nente e inesgotável, e esse é um problema ou “o problema” de difícil so-

Voltar ao índice
708
lução, já de uma vez que nosso País é considerado uma potência econô-
mica mundial, quando o assunto é a disponibilidade hídrica, haja vista
que o território brasileiro concentra cerca de 12% (doze por cento) de
todas as reservas de água existentes no mundo, destacando-se também
pela grande descarga de água doce de seus rios, a qual é estimada em
cerca de 53% (cinquenta e três por cento) da água doce do continente
Sul-Americano. Esses dados conferem ao Brasil a condição de ser um país
rico em recursos hídricos (REBOUÇAS, 1999). Não obstante isso, observa-
se que nosso País tem passado por graves crises de abastecimento de
água, e a causa tem sido atribuída à questão da distribuição da água no
Brasil e sua utilização. É fato que as reservas de água se encontram má
distribuídas no país, assevera Rodolfo Pena (2016).

Destacou Ricardo Novaes (2018), especialista em Recursos Hídricos


do WWF-Brasil, o seguinte:

As gerações mais antigas foram criadas com o mito do país riquís-


simo em água, que água seria um problema crônico, histórico, só
no Nordeste, no semiárido. Obviamente, desde 2013, na primei-
ra crise que a gente teve, o apagão, que na verdade foi um “se-
cão”, porque não foi resultado só de uma questão elétrica, ficou
claro que o Sudeste e o Centro-Oeste têm problemas concretos,
intensificados nos últimos dois anos, de disponibilidade de água.

Em nosso imenso território, existem 12 (doze) regiões hidrográficas e


todas elas já enfrentam enormes desafios para manter sua disponibilida-
de e qualidade hídrica. Débora Brito, ao distinguir os problemas de cada
uma das regiões brasileiras, faz um diagnóstico preciso das deficiências
que afligem cada uma delas, destacando que nas bacias que abrangem a
Região Norte, o impacto vem principalmente da expansão da geração de
energia hidrelétrica. Na Região Centro-Oeste, é a expansão da fronteira

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709
Estudos de Direito do Saneamento

agrícola que mais desafia a conservação dos recursos hídricos. As regiões


Sul e Nordeste enfrentam déficit hídrico e a Região Sudeste apresenta
também o problema da poluição hídrica.

É interessante, para não dizer trágica, a questão da distribuição de água


no território brasileiro, registre-se o paradoxo: ao tempo em que constatamos
que somos a maior potência hídrica do planeta, em diversas áreas do nosso
país grande parte da população convive com a falta d’água (PENA, 2016).

Assim, tanto no Brasil, como no mundo, parece que todos nós pade-
cemos de um problema crônico, quando o assunto é água, qual seja: a
inexplicável incapacidade de darmos à água a importância que ela real-
mente tem. Ora, os recursos naturais, e em especial a água, são essen-
ciais para a sobrevivência humana, mas tanto governos como sociedade
ainda não internalizaram essa percepção, pois apesar de termos esse
“conhecimento”, a cada dia aumentamos o consumismo, a poluição, o
desmatamento etc., o que leva à consequência do uso da água de forma
absolutamente inadequado, gerando escassez e redução da qualidade
das águas doces na maior parte das bacias hidrográficas do mundo.

O Estado do Piauí concentra um enorme volume de águas sub-


terrâneas. Neste importantíssimo aspecto o Piauí galga o 3º (terceiro)
lugar relativamente às reservas aquíferas das bacias sedimentares bra-
sileiras. Em volume de água, as maiores bacias sedimentares brasilei-
ras são: bacia sedimentar do Paraná (50.400 Km³), Bacia Sedimentar
do Amazonas (32.500 Km³) e Bacia Sedimentar do Parnaíba (17.500
Km³), sendo que o Estado do Piauí tem mais de dois terços de sua área
situada na Bacia Sedimentar do Parnaíba (REBOUÇAS, 1999).

Segundo estudos que compõem o Plano Estadual de Recursos Hídricos


(PIAUI/SEMAR, 2010), no que diz respeito à disponibilidade das reservas de

Voltar ao índice
710
águas subterrâneas do Estado do Piauí, poderá ser utilizado um volume de
até 10 bilhões de m³/ano por um período de 50 (cinquenta) anos consecuti-
vos, sem que haja rebaixamento das águas dos aquíferos. No que se refere
ao uso desse potencial, estudos indicaram que até o ano de 1999 só era
utilizado pela população cerca de 1 (um) por cento da reserva explorável,
correspondendo a aproximadamente 101 (cento e um) m³/hab/ano, volume
de água considerado muito baixo, em relação ao grande potencial de reser-
vas de águas subterrâneas existentes no Estado do Piauí (LIMA, 2017).

O principal rio do Estado do Piauí é o rio Parnaíba que também carre-


ga o título de maior rio perene da região nordeste do Brasil. Tem uma ex-
tensão de aproximadamente 1.450 Km (um mil quatrocentos e cinquenta
quilômetros), desde suas nascentes principais até a foz, no Oceano Atlân-
tico, onde forma um grande Delta em mar aberto, através do desmem-
bramento do seu leito em cinco largos canais, o denominado Delta do
Parnaíba, um dos principais pontos turísticos do Estado. Segundo estu-
dos da Agencia Nacional de Águas (ANA – 2007) a disponibilidade hídrica
na Região hidrográfica do Parnaíba, apresenta os seguintes valores:

• Vazão média: 753 m3 /s;


• Vazão específica média: 2,3 l/s/Km2;
• Disponibilidade hídrica (m3 /s): 290;
• Disponibilidade hídrica em 95% de probabilidade:
0,9 l/s/Km2;
• Reservas subterrâneas explotáveis: 20 m3 /s;
• Reservas subterrâneas explotáveis específicas: 0,06 l/s/Km2.

Assim como no Brasil, também no Estado do Piauí, guardadas as de-


vidas proporções, as dificuldades ao acesso e uso da água não podem ser
atribuídas somente à sua escassez e má distribuição territorial, mas à fal-

Voltar ao índice
711
Estudos de Direito do Saneamento

ta de planejamento/gerenciamento e principalmente, a nosso sentir, ao


modo como encaramos os recursos hídricos, em especial, a água, devendo
haver, urgentemente, uma mudança de percepção e de comportamento,
por parte de todos, especialmente o usuário, em relação a esse bem econô-
mico que, ao contrário do que muitos ainda pensam, é finito e escasso.

3. EDUCAÇÃO EM SAÚDE AMBIENTAL

A realidade contemporânea tem imposto à sociedade global grandes


desafios para a sustentabilidade ambiental. Temos um meio ambiente em
vias de degradação, fruto da relação hostil desencadeada entre o homem
e a natureza. Tal relação é materializada pelos sérios problemas de cres-
cimento sociais, econômicos e estruturais, dentre esses o crescimento
populacional, processo de urbanização e industrialização, desmatamento,
poluição do ar, da água e do solo, aquecimento global, entre outros.

Este contexto tem sido motivo de preocupações no mundo todo


(Agenda 2030) considerando a urgente necessidade de assegurar e/ou
estimular um meio ambiente saudável e sustentável, onde a sobrevivên-
cia das espécies esteja garantida mediante a atuação consciente e trans-
formadora do e no atual cenário. Sabe-se que a sociedade e a biodiversi-
dade devem ser beneficiadas com projetos que recuperem os desgastes
do meio ambiente e assim também de fomento à consciência crítica das
pessoas, resgatando a capacidade humana de agir em defesa de sua so-
brevivência e das gerações atuais e futuras.

Todavia, sabe-se que tais decisões dependem de projetos que envol-


vam as estruturas públicas e privadas na construção de um novo cenário,
onde a realidade presente seja transformada a partir de seus múltiplos
aspectos. Desta forma, se constitui como desafios a serem enfrentados:

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712
• O contexto marcado pelas desigualdades econômicas, so-
ciais, culturais, educacionais etc.

• A dimensão ambiental – degradação permanente do meio


ambiente em todas as dimensões

• Os índices de saúde e educação cada vez mais preocupantes

• A inadequação das políticas aos diferentes contextos

• O baixo envolvimento e participação popular.

Não podemos falar em desenvolvimento sustentável sem refletir


sobre a realidade em que vivemos, questionar valores e práticas hu-
manas sobre o meio em que se vive. É tempo de construir uma nova
racionalidade mediante a inter-relação de saberes e práticas que cul-
minem com a construção de uma nova sociedade, considerando que a
preocupação constante com o desenvolvimento sustentável representa
a possibilidade de garantir mudanças que fortaleçam as estruturas soci-
opolíticas de cada contexto.

Para tanto, se faz necessário ações e projetos de educação ambiental de


cunhos construtivistas que venham fomentar o processo de transformação
e nos quais os indivíduos deverão ser capazes de atuar de forma crítica, não
só se reconhecendo como parte do ambiente em que vivem, mas, também,
intervindo na solução dos problemas e no impacto dos mesmos. Neste as-
pecto, é mister destacar a urgente necessidade de uma educação ambiental
crítica capaz de despertar, na população, em todos os níveis, a consciência
de pertencimento, o zelo e a apropriação do meio ambiente em todas as
suas formas de expressões, superando a visão antropocêntrica, e estimulan-
do a construção de relações e articulações nas quais o agir humano se dê
em defesa da cidadania e da qualidade de vida.

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713
Estudos de Direito do Saneamento

No Brasil, a Política de Educação Ambiental – PNEA, foi criada pela Le


nº 9.795 em 27 de abril de 1999. Segundo este dispositivo legal, a edu-
cação ambiental “assume uma perspectiva mais abrangente, não restrin-
gindo seu olhar à proteção e uso sustentável de recursos naturais, mas
incorporando, fortemente, a proposta de construção de sociedades sus-
tentáveis”. Essa Lei, em seu artigo 2° afirma que: “A educação ambiental é
um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo
estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades
do processo educativo, em caráter formal e não formal”.

Neste sentido, a educação ambiental é um processo de formação de


indivíduos com vistas à conservação e preservação dos recursos naturais
e de sua sustentabilidade, de forma a evidenciar os fatores socioeconô-
micos, políticos, ecológicos e éticos que interferem nesta temática. Isto
nos leva a inferir que é somente por meio de atitudes, exclusivamente,
conscientes, como abordagens e manuseios ambientais corretos, o con-
sumo responsável, a destinação correta dos resíduos, que se abrem as
perspectivas para mudanças de contexto a partir de uma visão integra-
da do nosso mundo. Com uma compreensão razoável dos fenômenos
da natureza, poderemos evitar as consequências maléficas para a nossa
própria espécie, assim como para todo o planeta terra, de nossas ações
desregradas, com total desrespeito ao ambiente em que vivemos. Por
isso que a Educação Ambiental, enquanto instrumento de mudança de
percepção e de valores, é o case perfeito para que, nas belas palavras de
Alana Roos (2012, p. 862) “cada pessoa desenvolva as suas potencialida-
des e adote posturas pessoais e comportamentos sociais construtivos,
colaborando para a constituição de uma sociedade socialmente justa, em
um ambiente saudável e acima de tudo sustentável”.

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714
4. A FUNASA COMO INSTITUIÇÃO DE SAÚDE PÚBLICA: ORIGEM,
MISSÃO, VALORES E PLANO ESTRATÉGICO

A Fundação Nacional de Saúde – FUNASA é produto das sucessivas


reorganizações administrativas porque passa o sistema público de saúde
brasileiro. A última Constituinte (1988), resultado de intensa luta, travada
entre o Estado e sociedade, pelos direitos sociais no ano de 1988 traz uma
nova ordem jurídica e define o Brasil como Estado Democrático de direito.
Nesse contexto, a saúde é proclamada como “direito de todos e dever do
Estado” (artigo 196 da Constituição Federal) efetivados mediante a criação
de canais e mecanismos de controle e participação social, qual seja:

Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garanti-


do mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução
do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recu-
peração’. (Artigos 196 a 200 - Seção II - Da Saúde)

4.2- Conforme o Artigo 198. As ações e serviços públicos de saúde


integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um
sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades pre-


ventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

O SUS, pensado e estruturado desta forma, teria seu financiamento ga-


rantido nos termos do artigo 195 da Constituição Federal, com recurso do
orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, além de outras fontes. É neste contexto de profundas

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715
Estudos de Direito do Saneamento

transformações e reformas administrativas do Estado brasileiro que a Fu-


nasa emerge como parte deste cenário. Tais transformações foram capi-
taneadas pelo modelo Neoliberal, cuja centralidade baseia-se no estado
mínimo, culminando com o enxugamento da máquina administra e a con-
sequente transferência das responsabilidades do Estado para a sociedade.

Neste movimento, observa-se, em 1991, por força do  Decreto nº


100, de 16 de abril de 1991, autorizado pelo artigo 14, da Lei nº 8.029,
de 12 de Abril de 1990, a criação da FUNASA como resultado da fusão de
vários segmentos da área de saúde pública, entre os quais a Fundação
Serviços de Saúde Pública (Fsesp) e a Superintendência de Campanhas
de Saúde Pública (Sucam), duas entidades de notável tradição e projeção
internacional, orgulho do serviço público brasileiro. A primeira com a
missão de desenvolver ações de assistência à saúde e a segunda respon-
sável pelo controle de endemias.

A FUNASA constitui-se uma fundação pública federal vinculada ao


Ministério da Saúde do Brasil. Sua criação teve ação decisiva na imple-
mentação e ampliação do Sistema Único de Saúde (SUS). Neste ínterim,
passou por várias mudanças em sua missão, sendo, atualmente, incum-
bida de promover o fomento à soluções de saneamento para prevenção
e controle de doenças, bem como formular e implementar ações de pro-
moção e proteção à saúde relacionadas com as ações estabelecidas pelo
Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental. Neste sentido,
sua missão está expressamente anunciada como sendo de “Promover
a saúde pública e a inclusão social por meio de ações de saneamento e
saúde ambiental”. A partir daí, se define como visão de futuro, contribuir
para as metas de universalização do saneamento no Brasil, e ser referên-
cia nacional e internacional nas ações de saneamento e saúde ambiental.
Abraça como valores filosóficos:

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716
• Agir com excelência;
• Valorizar a integração e o trabalho em equipe;
• Ética e transparência;
• Pensamos e agimos de forma sustentável;
• Valorizamos todos os saberes;
• Oferecemos mais a quem menos tem.

A FUNASA vem se aprimorando, ao longo dos anos, tendo se tornado,


nos dias atuais, em um dos principais órgãos do País, cujas ações têm re-
sultado em uma maior inclusão social, contribuindo, consequentemente,
para a melhoria das condições de vida das populações mais carentes, cul-
minando em uma das estratégias do governo federal para a erradicação
da extrema pobreza, em seus matizes de saúde e saneamento.

Para efetivar sua missão de inclusão social, a Funasa organizou-se e


estruturou-se em duas grandes áreas finalísticas: Engenharia de Saúde
Pública e Saúde Ambiental, além das áreas-meios, responsáveis pela
operacionalização dos processos administrativos que dão sustentabilida-
de às ações estratégicas empreendidas para o alcance da missão.

Neste sentido, a política de saneamento desenvolvida pela Funasa guar-


da uma relação direta com as condições ambientais e de qualidade de vida
das pessoas, levando em consideração o reconhecimento dos problemas
sócio sanitários e ambientais locais, cujo objetivo consiste na prevenção de
agravos e na promoção da saúde das populações que estão sobre o risco de
adoecerem pela ausência dessas ações. Entre as ações de saneamento de-
senvolvidas pela área de engenharia de saúde pública, cita-se: a construção
e ampliação de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sani-
tário, implantação de melhorias sanitárias domiciliares, sistemas de manejo
e destinação final de resíduos sólidos, principalmente em áreas de prolife-

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717
Estudos de Direito do Saneamento

ração do mosquito Aedes aegypti, manejo e drenagem de águas pluviais,


Melhorias Habitacionais para Controle da Doença de Chagas.

Na área de Saúde Ambiental, compete a Funasa planejar, coordenar,


supervisionar e monitorar a execução das seguintes atividades:

• Formular e implementar ações de promoção e proteção à saúde


ambiental, em consonância com a política do Subsistema Nacio-
nal de Vigilância em Saúde Ambiental

• Desenvolver ações de controle da qualidade de água para consumo


humano proveniente de sistemas de abastecimento público, confor-
me critérios e parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde

• Apoiar o desenvolvimento de estudos e pesquisas na área de


saúde ambiental

• Estimular o desenvolvimento de ações de saúde ambiental volta-


das para o controle de agravos visando a prevenção de doenças
e a promoção da saúde em comunidades e áreas especiais (qui-
lombos, assentados, extrativistas e ribeirinhos)

• Atuar em protocolos de desastres relacionados à água, solo e


ar. Neste aspecto, a Funasa  está focada, atualmente, no apoio a
estados, municípios e Distrito Federal nas ações de resposta aos
desastres ocasionados por inundações, de forma complementar,
quando demandada pelo Ministério da Saúde, conforme Portari-
as Funasa nº 1.032/13 e 1.079/13 que instituem, respectivamente,
o Plano e o Protocolo de Atuação da Funasa em Situações de
Desastres ocasionados por Inundações. (WWW.FUNASA.GOV.BR).

No que diz respeito, mais precisamente, aos cuidados com o meio am-
biente e especificamente com a nossa “água de cada dia”, a Fundação Naci-
onal de Saúde – FUNASA vem desenvolvendo ações estratégicas preventivas
de Saúde Ambiental, visando a minimizar os riscos à saúde humana proveni-
entes de contaminação hídrica, através das ações de controle da qualidade

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718
da água para consumo humano, por meio do Programa Nacional de Apoio
ao Controle da Qualidade da Água para Consumo Humano (PNCQA).

As ações de Educação em Saúde Ambiental se sobressaem como estra-


tégia básica e complementar para a política de promoção da saúde, através
do fomento a estados e municípios de ações sócio pedagógicas, estimulo
à elevação da consciência crítica dos cidadãos e de medidas e condutas de
prevenção e controle de agravos à saúde humana e ambiental. Esta ação
tem seu conteúdo teórico-filosófico respaldado pela Política Nacional de
Educação Ambiental (PNEA), nos exatos termos da Lei 9.795/99.

A Educação Ambiental (EA) é descrita como os processos por


meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores so-
ciais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências volta-
das para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum
do povo, essencial à sadia qualidade de vida e a sua sustentabi-
lidade. É um componente essencial e permanente da educação
nacional, devendo estar presente, de forma articulada e integra-
da, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em
caráter formal e não formal (PNEA, 1999).

Esta abordagem tem como principal enfoque, não só reestabelecer a


ligação homem-natureza, mas também, refletir a degradação, o esgota-
mento dos recursos naturais, o modo de vida orientado pelo consumis-
mo, a ausência de uma identidade e de pertencimento do homem com
seu território, dentre outros. Tais aspectos exigem abordagens que visem
transformar as relações entre sociedade, ser humano e natureza. A edu-
cação crítica e transformadora que perpassa este eixo de ação, está foca-
da nas questões ambientais locais e nas condições de vida e saúde do ser
humano. Neste aspecto, busca articular as diferentes visões de mundo
numa perspectiva problematizadora, na qual sejam incorporadas todo o

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719
Estudos de Direito do Saneamento

tecido social e suas manifestações simbólicas e materiais, no intuito de


colocar o homem e suas inter-relações numa relação capaz de mobilizar
competências e estimular a mudança, isto é, a adotar hábitos e atitudes
que favoreçam estilos de vida saudáveis e sustentáveis.

A educação em saúde ambiental torna-se ferramenta de transfor-


mação somente quando, metodologicamente, for capaz de aumentar o
poder e a autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais
nas relações e situações que os circunscrevem, motivando-os a adotar
posturas que promovam a qualidade de vida, a cooperação e a partici-
pação. “O pleno desenvolvimento da pessoa humana exige que o meio
ambiente, onde vive, lhe proporcione mínimas condições de qualidade
de vida. Sem qualidade de vida é inviável o exercício da cidadania, que
somente é possível em uma sociedade justa.” (OMS, s/d)

A educação em saúde ambiental, assim, é entendida como um conjun-


to de práticas pedagógicas e sociais, de conteúdo técnico, político e cien-
tífico, que contribuem efetivamente na formação e no desenvolvimento
da consciência crítica do cidadão, estimulando a participação, o controle
social e a sustentabilidade socioambiental. Desta forma, pode ser ainda
definida como uma prática social, cujo processo contribui para ajudar as
pessoas, grupos e profissionais técnicos a refletirem sobre a realidade, seu
contexto, determinantes e sua relação com os problemas, identificarem e
analisarem as causas dos problemas de saúde ambiental de forma crítica
e agirem para resolver ou superar problemas, buscando alternativas criati-
vas e em parceria com a comunidade/profissionais/governo/SUS.

A Educação em Saúde Ambiental, é uma área estratégica no contexto da


Funasa e enquanto tal, se enquadra como uma área de conhecimento técnico
que contribui efetivamente na formação e no desenvolvimento da consciência
crítica do cidadão, estimulando a participação, o controle social e sustentabili-

Voltar ao índice
720
dade socioambiental, utilizando, entre outras estratégias, a mobilização social,
a comunicação educativa/informativa e a formação permanente.

Baseia-se, entre outros princípios, no diálogo, reflexão, respeito à cul-


tura, compartilhamento de saberes, ação participativa, planejamento e
decisão local, participação, controle social, sustentabilidade socioambi-
ental, mobilização social e inclusão social.

5. EIXOS DE ATUAÇÃO DA FUNASA EM EDUCAÇÃO EM SAÚDE AMBIENTAL

Tendo em vista a necessidade de uma maior organização, direciona-


mento e gestão da educação em saúde ambiental na Funasa, foram es-
truturados, a partir da Portaria Funasa/Nº 587 de 14 de julho de 2014,
sete eixos de atuação para esta área técnica, a saber:

• Fomento a Educação em Saúde Ambiental e à Mobili-


zação Social em Saneamento junto ao Programa Sane-
amento da Funasa e demais programas;
• Estruturação do componente Educação em Saúde Ambi-
ental junto ao Programa Nacional de Saneamento Rural;
• Fomento às ações de Educação em Saúde Ambiental e
à Mobilização Social junto aos estados e municípios be-
neficiados com ações do “Programa Água para Todos”:
Cisternas do Semiárido;
• Fomento às ações de Educação em Saúde Ambien-
tal na Cooperação Técnica em Saúde Ambiental e
Saneamento Básico;
• Apoio técnico por meio da Cooperação Técnica em
Saúde Ambiental e Saneamento Básico visando à in-
serção e o desenvolvimento de ações de Educação em
Saúde Ambiental;

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721
Estudos de Direito do Saneamento

• Produção de material educativo, didático e pedagógico


em apoio à prática educativa e de mobilização social
em Saúde Ambiental e Saneamento Básico;
• Incentivo à busca de novas ferramentas e estratégias de
aprendizagem em Educação em Saúde Ambiental, por
meio de estudos e pesquisas, com vistas ao aperfeiço-
amento técnico das atividades educativas desenvolvi-
das no âmbito da Funasa e junto aos parceiros do SUS.
(DOU, 137 de 21 de julho de 2014, seção 1, p. 73/74).

E é exatamente este ponto, o denominado eixo de Educação em


Saúde Ambiental, para onde voltamos toda nossa atenção e nossas
mais sinceras esperanças, já de uma vez que, como mencionado aci-
ma, é por meio desse importante instrumento, por assim dizer, que
se contribui, efetivamente, para a “formação e o desenvolvimento da
consciência crítica do cidadão, estimulando a participação, o controle
social e sustentabilidade socioambiental”.

E porquê de tanta esperança nessa ação desenvolvida pela Fundação


Nacional de Saúde – FUNASA? Perguntariam alguns. Ora, como se viu
do acima relatado, essa Fundação Pública Federal tem suas ações volta-
das para os municípios com população abaixo de 50.000 (cinquenta) mil
habitantes, isso quer dizer que referida entidade atua em mais de 80%
(oitenta) por cento do território brasileiro, e exatamente junto àquelas
populações com menor índice educacional, principalmente no que diz
respeito à Educação Ambiental. Isso, ao nosso pensar, quer significar que
a Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, pela sua enorme capilaridade e
experiência histórica de trabalho desenvolvido junto a essas populações
mais carentes, é hoje o Órgão mais qualificado, sob praticamente todos
os aspectos, para promover a tão necessária mudança de percepção dos

Voltar ao índice
722
consumidores, das comunidades, enfim, das pessoas, em relação à ma-
neira como enxergamos o meio em que vivemos, em especial, a água, de
forma que passemos, todos nós, a encara-la sob o manto da realidade,
vale dizer: como um bem escasso e finito e que, por isso mesmo, tem
um custo de consumo, quer seja para a natureza, quer seja econômico.

No Estado do Piauí, um dos Estados mais pobres do País, o SESAM


– Serviço de Saneamento Ambiental da Fundação Nacional de Saúde –
FUNASA vem desenvolvendo suas ações obedecendo as diretrizes insti-
tucionais, um trabalho de formiguinha, mas de extrema importância para
a conscientização das populações carentes do estado, quanto à necessi-
dade de se cuidar do ambiente em que vivemos, especialmente a água,
de tão difícil acesso em algumas regiões do Estado.

Em razão das considerações acima mencionadas, podemos afirmar,


com imensa probabilidade de acerto, que no Brasil, assim como no Esta-
do do Piauí, sem, de maneira alguma, desconsiderar os diversos e com-
plexos problemas que afetam o pleno acesso à água potável à totalidade
das pessoas, em especial à camada mais pobre da população brasileira,
o principal obstáculo ao atingimento desse desiderato (acesso de todos à
água de boa qualidade) é a baixa consciência crítica e objetiva das pes-
soas quanto à real importância que todos devemos dá ao meio ambiente
em que vivemos, especialmente à água.
Insistimos em esclarecer que ao afirmarmos que a ausência de consci-
ência das pessoas quanto ao uso adequado dos recursos ambientais, em
especial a água, é o principal empecilho para a resolução do problema de
acesso à água de boa qualidade a todos os indivíduos deste País, não es-
tamos, de maneira alguma, afirmando que este é o único problema, pois
temos plena consciência dos demais problemas existentes naquilo que
diz respeito ao aproveitamento/consumo da água e, de um modo geral,

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723
Estudos de Direito do Saneamento

à maneira como deveríamos agir de forma a garantir um meio ambiente


minimamente saudável para as gerações futuras. A título de exemplo des-
ses problemas podemos citar: a estrutura precária de saneamento, o uso
inadequado do solo, o avanço desenfreado de nossa fronteira agrícola, a
ausência de governança na gestão da água, dente tantos outros.

Nada obstante isso, sem que haja uma verdadeira alteração de para-
digma, querendo isso significar uma real mudança de percepção quanto
ao modo como as pessoas enxergam os problemas relacionados ao meio
ambiente e, mais especificamente como lidam com esse bem chamado
água, todas as demais soluções serão apenas paliativas.

Em vista disso, entendemos que todo e qualquer caminho que venha-


mos a trilhar em busca de soluções para os problemas ambientais, e em
especial o problema da falta de acesso à água potável, terá que, neces-
sariamente, passar pela Educação Ambiental, objetivando a ampliação
da percepção das pessoas, de forma que todos venhamos a desenvolver
um pensamento crítico quanto às nossas próprias ações e, consequente-
mente, alcancemos uma evolução, não apenas do ponto de vista científi-
co e tecnológico, mas, principalmente, ético e moral.

Dentre os convênios firmados entre a Fundação Nacional de Saúde –


FUNASA e os diversos Municípios do Estado do Piauí, percebe-se que a es-
magadora maioria deles visam à implantação de Sistemas de Abastecimen-
to de Água, sem, contudo, estabelecer uma vigilância sobre esses sistemas,
no que se refere ao controle da qualidade da água e aos mecanismos de
tarifação para uso desse bem. A gestão de recursos hídricos parece-nos,
ainda, está condicionada a meros objetivos políticos, em detrimento do
que deveria realmente importar: à saúde da população e do meio ambien-
te. É neste contexto que a Educação Ambiental se coloca como ferramenta
capaz de transformar as visões de mundo e as atitudes dos sujeitos diante

Voltar ao índice
724
da necessidade de uso racional e preservação da água. Em razão disso é
que nos parece ser urgente a necessidade de se acabar com a entrega de
água potável, às populações desses municípios, sem se cobrar, sequer, os
custos de manutenção dos Sistemas, isso por meros objetivos políticos.

Aludido procedimento (fornecimento de água tratada sem nenhuma


contraprestação por parte dos consumidores), sem a devida reflexão de
sua importância e uso sustentável, tem provocado, ao longo do tempo,
uma perversa deseducação dos respectivos usuários, quanto à impor-
tância desse bem (água potável), assim como ao total desperdício dessa
água que tem sido utilizada de forma bastante irracional, onde observa-
mos o seu desperdício das maneiras mais absurdas possíveis.

Tal procedimento configura, inclusive, uma irregularidade ou, ao ser-


mos mais enérgicos, uma ilegalidade, já de uma vez que vai de encontro
aos princípios instituídos pela Lei 9.433/97, que ao estabelecer a cobrança
pelo uso da água como um instrumento da Política Nacional de Recursos
Hídricos, o fez com o objetivo de reconhecer a água como um bem de valor
econômico e por certo, obrigar, de forma indireta, o usuário a utilizar esse
recurso, tão vital para a vida, de forma racional. No nosso entender a co-
brança pelo uso da água é o instrumento mais eficaz para a garantia da tão
sonhada sustentabilidade ou, nos termos da nossa Constituição Federal, a
garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Assim, ousamos colocar para conhecimento e crítica dos doutos no


presente tema, como sugestão para se dá mais um passo rumo à mudança
de percepção das pessoas quanto à importância desse bem essencial à
vida humana, mesmo porque entendemos ser este um dos principais com-
ponentes dentro da Educação Ambiental, que todo fornecimento de água
potável seja acompanhado, obrigatoriamente, de uma contraprestação,

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725
Estudos de Direito do Saneamento

um valor econômico, por mais ínfimo que seja, retirada, por óbvio, a par-
cela da população que não tenha nenhuma condição para tal pagamento.
Referida sugestão que ora apresentamos neste singelo trabalho, visa
apenas dá uma pequena contribuição ao tema, e, por óbvio, não desco-
nhecemos que o artigo 21 da Lei 9.433/97 define os critérios para cobran-
ça, estabelecendo que devem ser observados, para fins de definição do
valor, o volume retirado e o regime de variação, nos casos de atividades
que impliquem em derivações, captações e extrações de água.

O fornecimento de água potável exige custos com insumos para tra-


tamento e manutenção da mesma e devem ser garantidos mediante o
estabelecimento de uma política tarifária. Neste aspecto, a cobrança
pelo uso da água passa a ter um potencial preventivo, promocional e
equânime. Eis que, ao se exigir uma contraprestação pela utilização do
recurso hídrico, impõe-se um consumo responsável (MAMEDE, 2010). A
sugestão de que todo fornecimento de água potável seja acompanha-
do, obrigatoriamente, de uma contraprestação, um valor econômico, por
mais ínfimo que seja, que ora apresentamos, é dirigida principalmente
aos pequenos municípios do nosso País e, especialmente, aos municípi-
os do Estado do Piauí, dada a constatação de que foram investidos, nos
últimos 10 (dez) anos, uma quantidade significativa de recursos públicos
para implantação de Sistemas de Abastecimento de Água nesses muni-
cípios. É mister destacar que somente a FUNASA investiu, nos últimos
10 (dez) anos, aproximadamente no Brasil (valores efetivamente pagos)
$ 1.510.000.000,00 (um bilhão, quinhentos e dez milhões de reais), e
no Piauí 100.494.000,00 (cem milhões, quinhentos e noventa e quatro
mil reais). Contudo, ao acompanhar o desenrolar desses convênios, ob-
serva-se que pouquíssimos desses municípios beneficiados resolveram
os problemas relacionados ao fornecimento de água potável aos seus
cidadãos, bem como impactaram na melhoria dos indicadores de saúde,

Voltar ao índice
726
uma vez que não há uma manutenção adequada desses Sistemas, por
vários fatores, principalmente por falta de recursos financeiros para ban-
car os custos da manutenção dos sistemas, tratamento da água, apoio
laboratorial e renovação dos respectivos equipamentos. A consequên-
cia disso é o refazimento dos mesmos Sistemas, execução das mesmas
obras nos municípios, num ciclo vicioso sem fim, com recursos públicos
oriundos de convênios com a União e que nunca resolve, efetivamente, o
problema, mas que, ao contrário, apenas incentiva a existência, cada vez
mais pungente, da chamada Indústria da Seca.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A oferta de água de boa qualidade , pelo serviço público, notadamen-


te para o cidadão dos pequenos municípios brasileiros, população menos
favorecida deste País, especialmente dos municípios do pobre Estado do
Piauí, tem se constituído em um grande desafio para a gestão pública,
pois dentre os inúmeros problemas existentes, destacamos que os prin-
cipais dizem respeito à oferta de água potável que esteja de acordo com
a Portaria MS nº 2914/2014, ao modo como as pessoas enxergam o
meio ambiente e, mais especificamente, como lidam com esse bem cha-
mado água, e concluímos, por fim, pela urgente necessidade de que haja
uma verdadeira alteração de paradigma, ou seja, uma radical mudança
de percepção da política de gestão dos recursos hídricos e por parte da
população usuária, no sentido de assegurar a sustentabilidade median-
te o racionamento e preservação das fontes de abastecimento em suas
múltiplas formas (nascentes, rios, lençóis subterrâneos, açudes ...).

Enfatizamos, ainda, a importância da Fundação nacional de Saúde –


FUNASA, nesse processo de mudança de percepção quanto à maneira

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727
Estudos de Direito do Saneamento

como encaramos o meio ambiente em que vivemos, destacando algu-


mas características e forma de atuação do referido Órgão.

Por fim, vaticinamos que tal mudança de percepção somente virá por
meio da Educação Ambiental e que um dos aspectos importantes dentro
da Educação Ambiental é fomentar o uso responsável dos recursos hídricos,
no que se refere ao consumo racional e ao manejo da água. A cobrança
pelo uso da água, passa por uma questão da educação ambiental, na me-
dida em que a população usuária seja necessariamente informada de seus
direitos e deveres enquanto consumidora. É dentro deste contexto que os
pequenos municípios brasileiros, especialmente os municípios piauienses,
devem, efetivamente, implantar suas políticas de tarifação, mediante a par-
ticipação da população, já de uma vez que a mesma, além de se constituir
em um fator importantíssimo para o uso racional da água, é também um
dos principais instrumentos para se atingir o desenvolvimento sustentável.

7. REFERÊNCIAS

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Socioambiental. V. 6, nº 02, 2015, pp. 184 – 208, disponível em https://dialnet.
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Estudos de Direito do Saneamento

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731
Estudos de Direito do Saneamento

A prestação do serviço público


de saneamento básico por
atividade desagregada
MARCELA SALES MEINERZ1

z1

Resumo

Visa o presente abordar os contornos do artigo 12 da Lei nº 11.445/07,


por meio do qual se prevê a hipótese de prestação fragmentada, ou con-
cessão por atividade desagregada, com enfoque no abastecimento de
água e esgotamento sanitário, servindo o mesmo para fomentar o de-
bate acerca da pluralidade de possibilidades para o desenvolvimento e
ampliação do setor, na medida em que se acredita não haver saída única
ou modelo genérico para a execução do saneamento básico, cabendo ao
titular a análise de suas particularidades com vistas a alcançar uma presta-
ção adequada desse que é um dos serviços públicos que mais contribuem
para a melhoria da saúde, da qualidade de vida e do meio ambiente.

Palavras-chave: Saneamento Básico. Serviço Público. Prestação Frag-


mentada. Concessão por Atividade Desagregada.

1 Procuradora Federal. Graduada em Direito (UNIFOR). Especialista em Direito Pú-


blico (Universidade Anhanguera). e-mail: marcela.meinerz@funasa.gov.br/marcela.meinerz@
agu.gov.br. Endereço Profissional: SRTN, Q.701, LOTE D, 70719-040, Asa Norte, Brasília-DF.

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732
Abstract

From the perspective of fragmented public service provision, or con-


cession by disaggregated activity, focusing on water supply and sanitation,
fostering the debate about the various possibilities for the development
and expansion of the sector, as far as there is no single way out or generic
model for the implementation of basic sanitation, and the holder is respon-
sible for analyzing its particularities with a view to achieving an adequate
provision of this, which is one of the public services that most contributes to
the improvement of health, quality of life and the environment.

Keywords: Water supply. Sanitation. Public Service. Fragmented pro-


vision. Concession.

SUMÁRIO
Introdução; 1. Serviço público de saneamento básico. Breve
histórico do modelo PLANASA. Panorama atual do setor; 2. Dos
segmentos da cadeia de abastecimento de água e esgotamento
sanitário; 3. Da estrutura contratual e da relação entre os presta-
dores; 4. Do sistema de esgotamento sanitário do município de
JUNDIAÍ-SP; 5. Considerações finais.

INTRODUÇÃO

O ponto de partida deste trabalho, como não poderia deixar de ser,


é constitucional, na medida em que o saneamento básico, conquanto
não previsto expressamente na Constituição Federal como direito fun-

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733
Estudos de Direito do Saneamento

damental, há muito é reconhecido como derivado do direito à saúde2 e,


portanto, como um direito social com as características que são própri-
as à esta categoria, ligadas à coletividade e ao direito à igualdade, com
caráter essencialmente positivo, impondo-se como prestações a serem
cumpridas pelo Poder Público.

É com base nessa premissa que a CF/88 avança impondo a proteção


e a promoção da saúde como dever do Estado3.

Considerando que o saneamento básico é tido como um dos ser-


viços que mais contribuem para a melhoria da saúde, da qualidade de
vida e do meio ambiente, é mais do que urgente que alcancemos a
sua universalização, o que, pelo menos num horizonte próximo, ainda
não é algo factível.

Nesse cenário, onde as metas previstas no Plano Nacional de Sanea-


mento Básico – PLANSAB (BRASIL, 2013) estão longe de serem alcança-
das, com a necessidade de maciços investimentos para a universalização,
manutenção e modernização dos sistemas, vis a vis a situação de crise
orçamentária enfrentada por algumas companhias estaduais, responsá-
veis pela prestação de maior parte dos serviços de saneamento, é preciso
pensar num planejamento estratégico para o setor, envolvendo o poder
público, as concessionárias estaduais e as empresas privadas.

2 Merece menção, por pertinência, a citação de trecho do Parecer AGU nº GM -


027, disponível em https://www.agu.gov.br/pareceres, acessado em 14.09.19, na medida
em que o mesmo destaca a natureza das ações de saúde enquanto ações sociais, dentre as
quais se inserem os serviços de saneamento básico: “No caso da saúde, é forçoso reconhecer
que as ações sociais compreendem aquelas de caráter preventivo, abrangendo não apenas
as vacinações, senão também as obras de saneamento básico, como o esgotamento sanitá-
rio, a canalização de córregos urbanos, os sistemas de abastecimento de água tratada”.
3 Cf. CF/88: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido median-
te políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Voltar ao índice
734
Nessa perspectiva, impõe dizer que não existe saída única ou mode-
lo genérico para a execução desse serviço, cabendo ao titular a análise
de suas particularidades com vistas a alcançar uma prestação adequada,
razão pela qual expomos aqui a hipótese de prestação fragmentada, ou
concessão por atividade desagregada, servindo o presente para fomen-
tar o debate acerca da pluralidade de possibilidades para o desenvolvi-
mento e ampliação do setor.

Por fim, em função dos modelos analisados e buscando apresentar


um trabalho mais conciso, restringimos a abordagem apenas aos ser-
viços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, sem,
portanto, adentrar em nuances ou exemplos desse tipo de prestação nos
casos dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos ou de
drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva
das respectivas redes urbanas.

1. SERVIÇO PÚBLICO DE SANEAMENTO BÁSICO. BREVE HISTÓ-


RICO DO MODELO PLANASA. PANORAMA ATUAL DO SETOR

Não é possível analisar o cenário atual da prestação do serviço pú-


blico de saneamento básico sem antes revisitar o histórico do setor,
em especial no período de vigência do PLANASA, muito em função da
necessidade de compreender a herança herdado daquele plano, que,
mesmo com outro arcabouço jurídico, ainda impregna o modelo ado-
tado com relação à concentração da prestação dos serviços de água e
esgoto junto às empresas estaduais concessionárias.

Como sabido, até a década de 1960 predominava no Brasil a prestação


direta dos serviços públicos de saneamento básico pelos próprios municípios,
através de departamentos ou serviços de água e esgotos (SAEs ou DAEs).

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735
Estudos de Direito do Saneamento

Instituído na década de 70, o Plano Nacional de Saneamento – PLA-


NASA, através dos órgãos do Sistema Financeiro de Habitação, propor-
cionava mecanismos de financiamento para a expansão do setor, em
especial no que diz respeito ao abastecimento de água. Neste modelo,
fomentava-se a concessão dos serviços por parte dos municípios às em-
presas estaduais, competindo à estas últimas o exercício concentrado
de todas as funções afetas ao serviço, cabendo-lhes, além de prestar,
regular e fiscalizar aquilo prestado, inclusive com a instituição de metas
e determinação de tarifas. Nesse cenário, os então denominados “con-
tratos de concessão” franqueavam às CESB’s amplos poderes perante o
ente municipal concedente.

Com o fim do modelo, consequência entre outros fatores da cri-


se no sistema financeiro de habitação e a extinção, em 1986, do BNH
- Banco Nacional da Habitação, tais companhias deixaram de receber
investimentos, o que desacelerou a expansão de suas redes de água e
esgoto, conduzindo-as ao cenário atual onde é possível aferir, em mui-
tas delas, elevados déficits financeiros e dificuldades para organizarem
seus serviços de forma adequada.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e das leis ordinárias


que a sucederam, notadamente a Lei nº 8.987/95, a Lei nº 11.079/04 e
a Lei nº 11.107/05, o cenário fomentado no PLANASA já não era legal-
mente possível, sendo necessário, para continuidade da prestação do
serviço, a implementação de novos arranjos.

A Lei 11.445/07, marco legal do setor, determinou que o titular dos


serviços poderá prestá-los diretamente ou autorizar a delegação:

Art. 9o O titular dos serviços formulará a respectiva política pú-


blica de saneamento básico, devendo, para tanto:

Voltar ao índice
736
II - prestar diretamente ou autorizar a delegação dos serviços e
definir o ente responsável pela sua regulação e fiscalização,
bem como os procedimentos de sua atuação;

Ainda de acordo com a Lei Nacional de Saneamento, “Os titulares dos


serviços públicos de saneamento básico poderão delegar a organização, a re-
gulação, a fiscalização e a prestação desses serviços, nos termos do art. 241
da Constituição Federal e da Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005” (Art. 8º).

Observa-se, pois, permitir a lei diversos modelos de negócios de com-


plexidades distintas, com a participação de diferentes pessoas jurídicas
na prestação do serviço.

A execução, portanto, das atividades integrantes do serviço de sane-


amento básico pode ser exercida diretamente pelo próprio titular, por
meio de gestão associada ou através de delegação, caso em que é pos-
sível o arranjo através de concessão comum (Lei 8.987/95) ou da Lei de
Parcerias Público-Privadas (Lei 11.079/04).

Em que pese a possibilidade aberta de inúmeras construções possí-


veis, observa-se do panorama fornecido pelos bancos de dados a repeti-
ção dos mesmos modelos com a adoção padronizada de solução quando
a realidade estaria a reclamar um arranjo mais específico.

Por ilustrativo, convêm expor em ordem numérica alguns aspectos


extraídos do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, divulgado
anualmente pela Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério do
Desenvolvimento Regional, com base nos dados do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento – SNIS, cuja relevância se assenta no fato
de ser o maior conjunto de dados do setor de saneamento brasileiro,
permitindo a utilização dos seus indicadores como referência para com-
paração de desempenho da prestação de serviços e acompanhamento
da evolução desta área do País.

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737
Estudos de Direito do Saneamento

De acordo com os dados apresentados na vigésima terceira edição


do diagnóstico, referente ao ano de 2017, “... os prestadores de serviços
de abrangência regional (as chamadas companhias estaduais de sane-
amento) são responsáveis pelo atendimento de 78,3% dos municípios
que responderam ao SNIS em 2017 para abastecimento de água e 55,8%
para esgotamento sanitário. Em termos de população urbana, esses per-
centuais são de 74,4% para abastecimento de água e 67,1% para esgota-
mento sanitário. (...) Na comparação com o total de municípios do país,
os prestadores de serviços de abrangência regional atendem a 72,4% dos
municípios brasileiros com abastecimento de água e a 24,6% com esgo-
tamento sanitário, números esses que correspondem a um percentual
da população urbana residente de 73,6% e 59,7%”.4

Para além da área de abrangência, o diagnóstico ainda destaca que


os prestadores de serviços classificam-se no SNIS segundo diferentes
formas de organização jurídica: a) administração direta; b) autarquia; c)
sociedade de economia mista; d) empresa pública; e) empresa privada;
e f) organização social.

Os prestadores de serviços de abrangência regional são em sua grande


maioria sociedades de economia mista, em um total de 24 (85,7%). Além
dessas, existem ainda duas autarquias (DEPASA/AC3 e ATS/TO4), uma em-
presa privada (SANEATINS/TO5) e uma empresa pública (COPANOR/MG6).
Entre os prestadores de serviços de abrangência microrregional, têm-se três
autarquias e três empresas privadas. Por fim, entre os prestadores de servi-
ços locais, 64,8% são de administração pública direta, 27,6% de autarquias,
6,6% de empresas privadas e 0,9% para as demais naturezas jurídicas.

4 Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos - 2017. Disponível em http://www.


snis.gov.br/diagnostico-agua-e-esgotos/diagnostico-ae-2017. Acesso em 28.08.2019.

Voltar ao índice
738
A participação privada no setor, entendida empresa privada como
aquela de capital predominantemente ou integralmente privado, admi-
nistrada exclusivamente por particulares, totaliza o número de 103 em-
presas, sendo 99 de abrangência local, 3 microrregionais e 1 regional.

Do acima exposto, vê-se que a maioria dos municípios brasileiros delega o


serviço de saneamento às empresas estaduais. Ainda que tímida, também é
possível aferir a delegação às empresas privadas, contando o setor com pouco
mais de 2% de municípios onde a prestação é plenamente privatizada5.

Para além da generalização quanto ao agente prestador, observa-se


igual padronização quanto à parcela do serviço concedido, predominan-
do nas delegações a concessão da totalidade das atividades compreendi-
das no conceito do serviço delegado, ou, em grau ainda mais acentuado,
a chamada concessão plena, correspondente à concessão conjunta tanto
do serviço de abastecimento de água quanto de esgotamento sanitário.

Entretanto, muito embora a predominância nas delegações do mo-


delo em bloco, como acima visto, é possível que os serviços sejam execu-
tados por mais de um prestador, fracionando-se a cadeia e permitindo a
concessão por atividade desagregada.

5 PIMENTEL, Letícia Barbosa; ASSALIE, Jorge Luiz Sellin; MACHADO, Francesca


Munia. “Panoramas Setoriais 2030. Saneamento”. Disponivel em https://web.bndes.gov.br.
Acessado em 30.08.2019). De acordo com a obra: “Deve-se observar que a participação
privada, ainda que seja menor em relação aos prestadores públicos, tem aumentado nos úl-
timos anos. Entre 2006 e 2016, segundo levantamento da Associação Brasileira das Conces-
sionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) e do Sindicato Nacional das
Concessionárias de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Sindcon) (ABCON, 2016), o número
de concessões privadas aumentou em torno de 45%, passando de 178 para 258. Segundo
Brasil (2016), a população atendida pelos entes privados é de 11,5 milhões de habitantes. En-
tre os fatores que têm contribuído para o aumento da participação privada, está a melhoria
do ambiente regulatório do setor, promovida pela Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007,1 e a
baixa eficiência operacional de parte das Cesbs e dos municípios na prestação dos serviços,
que acabam por abrir oportunidades para novos contratos com o setor privado”.

Voltar ao índice
739
Estudos de Direito do Saneamento

A previsão normativa, tipificada nos artigos 12 da Lei nº 11.445/07


e 44 do Decreto nº 7.217/10, é o objeto de nossa análise. Não no viés
de apontar a solução como a melhor, mas apenas lançar luz às inúmeras
possibilidades de arranjos para o setor, que, como visto nas linhas anteri-
ores, ainda opera, mesmo que com outra roupagem, à sombra do antigo
modelo instituído pelo PLANASA6.

O presente trabalho busca dar enfoque a esta hipótese de composição


na prestação do serviço de saneamento básico, na convicção de que o se-
tor necessita de saídas outras que não apenas a manutenção da configura-
ção hoje existente, a qual, ao replicar maciçamente um único modelo, es-
quece-se que em matéria de saneamento não existe uma solução padrão.

O setor necessita alcançar metas de expansão com a alocação de no-


vos investimentos. Embora tenha havido crescimento, seu ritmo tem se
mantido aquém do que seria desejável para o alcance das metas estipu-
ladas no Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB7.

Como sabido, para além de gerar externalidades positivas em relação


ao meio ambiente e a saúde pública, a expansão da infra-estrutura de

6 PODER CONCEDENTE E MARCO REGULATÓRIO NO SANEAMENTO BÁSICO. Ca-


derno 10. CADERNOS DIREITO GV. V. 2, N. 2 março 2006. São Paulo. Disponível em https://
direitosp.fgv.br/publicacoes/poder-concedente-marco-regulatorio-saneamento-basico.
Acessado em 29.08.2019. De acordo com a obra: “Principalmente em razão da perda de sua
sustentabilidade financeira, o PLANASA foi extinto em meados da década de 1980, sem que
outra política tenha assumido seu lugar. A estrutura herdada do PLANASA não foi alterada
de forma significativa”.
7 PIMENTEL, Letícia Barbosa; ASSALIE, Jorge Luiz Sellin; MACHADO, Francesca Mu-
nia. “Panoramas Setoriais 2030. Saneamento”. Disponível em https://web.bndes.gov.br. Aces-
sado em 30.08.2019. Segundo os autores: “O principal referencial de investimentos futuros no
setor de saneamento é o Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab (BRASIL, 2013), pu-
blicado em dezembro de 2013 pela secretaria publicado em dezembro de 2013 pela Secretaria
Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades. Previsto na Lei 11.445/2007,
que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento, o Plansab é o instrumento de planeja-
mento do Governo Federal no setor. O plano apresenta diagnóstico, avalia possíveis cenários,
estabelece metas e estima os investimentos entre os anos de 2014 e 2033”.

Voltar ao índice
740
saneamento deve ser considerada como um veículo de redução da po-
breza. E, nessa perspectiva, toda formulação é bem-vinda.

2. DOS SEGMENTOS DA CADEIA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA


E ESGOTAMENTO SANITÁRIO
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saneamento é o
controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou
podem exercer efeitos nocivos sobre o bem estar físico, mental e social
A Lei nº 11.445/07 definiu conceitualmente o que seria saneamento bá-
sico em matéria de abastecimento de água e esgotamento sanitário. É saber:

Art. 3o  Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I- saneamento básico: conjunto de serviços, infraestruturas e ins-


talações operacionais de:

a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades,


infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento
público de água potável, desde a captação até as ligações
prediais e respectivos instrumentos de medição;

b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestru-


turas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamen-
to e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as
ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente;

O Decreto nº 7.217/10, ao regulamentar a LNSB, igualmente conceituou:

Art. 2o Para os fins deste Decreto, consideram-se:


(...)
XXIV - sistema de abastecimento de água: instalação composta por
conjunto de infraestruturas, obras civis, materiais e equipamentos,

Voltar ao índice
741
Estudos de Direito do Saneamento

destinada à produção e à distribuição canalizada de água potável


para populações, sob a responsabilidade do Poder Público;

Art. 4o Consideram-se serviços públicos de abastecimento de


água a sua distribuição mediante ligação predial, incluindo even-
tuais instrumentos de medição, bem como, quando vinculadas a
esta finalidade, as seguintes atividades:
I  - reservação de água bruta;
II  - captação;
III  - adução de água bruta;
IV  - tratamento de água;
V  - adução de água tratada; e
VI  - reservação de água tratada

Art. 9o Consideram-se serviços públicos de esgotamento sanitário


os serviços constituídos por uma ou mais das seguintes atividades:

I - coleta, inclusive ligação predial, dos esgotos sanitários;


II - transporte dos esgotos sanitários;
III - tratamento dos esgotos sanitários; e
IV - disposição final dos esgotos sanitários e dos lodos originários
da operação de unidades de tratamento coletivas ou individuais,
inclusive fossas sépticas. 

§  1o  Para os fins deste artigo, a legislação e as normas de re-


gulação poderão considerar como esgotos sanitários também os
efluentes industriais cujas características sejam semelhantes às
do esgoto doméstico.  

Observa-se, portanto, que existem segmentos na cadeia tanto no


abastecimento de água como no esgotamento sanitário, permitindo a
prestação fracionada. Esta se dará quando vários prestadores executa-

Voltar ao índice
742
rem, de forma interdependente, atividades descritas como integrantes
de um mesmo serviço público de saneamento básico.

Nesse sentido, é o artigo 12 da Lei nº 11.445/07 e o artigo 44 do De-


creto nº 7.217/10, abaixo transcritos, respectivamente:

Art. 12.  Nos serviços públicos de saneamento básico em que mais


de um prestador execute atividade interdependente com outra, a
relação entre elas deverá ser regulada por contrato e haverá enti-
dade única encarregada das funções de regulação e de fiscalização.

Art. 44.  As atividades descritas neste Decreto como integrantes


de um mesmo serviço público de saneamento básico podem ter
prestadores diferentes. 

As disposições legais disciplinam, pois, a segmentação da cadeia de sa-


neamento básico, a partir da participação plural de prestadores os quais
executarão atividades que, embora operacionalmente interdependentes,
não são contratualmente inseparáveis.

É bom ressalvar que não estamos a falar de contratações para aqui-


sição de obras ou serviços acessórios, com disciplina traçada pela Lei nº
8.666/93, na medida em que, nestes casos de terceirização de atividades
pontuais, o particular se restringe a executar apenas aquilo que fora con-
tratado, sem nenhuma delegação de prestação do serviço, como é o caso
de empresas contratadas para construção de uma estação de tratamento.

Na fragmentação da cadeia há a concessão do exercício de determi-


nada fase, cuja prestação ocorre sob a gestão do prestador, assumindo
os riscos daí decorrentes.

Embora o modelo fracionado seja possível ainda é pouco utilizado, sendo,


como já pontuado, mais comum se conceber um único prestador do serviço
atuante em toda a cadeia de saneamento tanto de água como de esgoto.

Voltar ao índice
743
Estudos de Direito do Saneamento

Tal fato, cremos, não pode ser atribuído à sujeição do serviço de sa-
neamento à questão do monopólio natural, notadamente nas chamadas
“atividades de rede”, haja vista que essa falha de mercado também atinge
outros segmentos de infraestrutura, como o de energia elétrica, o que não
impede a segregação das atividades deste último.

Por esclarecedora, segue a lição de Leonardo Vizeu Figueiredo8 acerca


do conceito de monopólio natural:

“Monopólio natural é aquele decorrente da impossibilidade fí-


sica da mesma atividade econômica ser realizada por mais de
um agente, uma vez que a maximização de resultados e a plena
eficiência alocativa de recursos somente são alcançadas quando
a exploração se dá em regime de exclusividade. Isso porque de-
terminada atividades envolvem custos de investimento tão altos
que não há como se estabelecer competição nas mesmas.”

Luiza Saito Sampaio9, ao analisar as características do setor de sanea-


mento, enfatiza: “No setor de serviços de saneamento, caracterizado como
monopólio natural, os custos fixos (e.g. construção e manutenção de reser-
vatórios, estação de tratamento de água e redes de distribuição) são mais
significativos que os custos incrementais de curto prazo (e.g. custos margi-
nais de oportunidade como a depreciação das instalações), de tal maneira
que o custo médio é declinante. Nesse sentido, se o produtor for único nesse
mercado, existirá economia de escala quando uma unidade de custo de pro-
dução diminuir de acordo com o aumento do nível de produção. A conclusão

8 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. “Lições de Direito Econômico”. 4ª Edição. Rio de


Janeiro: Editora Forense. 2015, p 75.
9 SAMPAIO, Luiza Saito. “Considerações sobre a regulação para a universalização
dos serviços de saneamento”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Pau-
lo. V. 104.2009, p.673.

Voltar ao índice
744
é que, diante dessa configuração, o único produtor apresenta maior efici-
ência produtiva, pois opera a um custo mínimo ou receita líquida máxima”.

De fato, em ambos os setores acima citados, é considerado inviável,


sob o ponto de vista econômico, ambiental e etc, a duplicidade de determi-
nadas infraestruturas, a exemplo das tubulações e redes de abastecimento
de água e esgoto ou dos sistemas de transmissão e distribuição de energia.
Entretanto, como já dito, não há óbices no setor energético à existência de
uma pluralidade de prestadores na sua cadeia de atividades básicas.

Nesse sentido, expõe Floriano de Azevedo Marques Neto10:

“A segregação da cadeia de serviço público para fins de delega-


ção não é nova. No setor elétrico ela já é muito comum, haja vista
as concessões separadas de geração, transmissão e distribuição.
Neste modelo, a relação com o usuário final se dá apenas na dis-
tribuição. No restante da cadeia o que há é uma relação entre os
delegatários que se remuneram ou mediante preços de inter-o-
peração livremente negociados (como deveria se dar no setor
elétrico, com o pagamento pela compra de energia, até há bem
pouco tempo), ou mediante tarifas definidas pelo Poder conce-
dente (como ocorre com a tarifa de transmissão ou as tarifas de
rede no setor de telecomunicações).”

Em reforço de argumentação, citemos trechos extraídos da petição


inicial, nos autos do processo de Arguição de Descumprimento de Precei-
to Fundamental- ADPF, interposta pela Associação Brasileira dos Agentes

10 NETO, Floriano de Azevedo Marques. “As parcerias público-privadas no sanea-


mento básico”. In: Sundfeld, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público-Privadas. Disponível em
http://www.sbdp.org.br/books/parcerias-público-privadas/. Acesso em: 13/09/2019.

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745
Estudos de Direito do Saneamento

Comercializadores de Energia Elétrica – ABRACEEL, acessível no endere-


ço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocu-
mento.asp sob o número 405362, onde se observam as características
do setor energético e seu arranjo plural:

“II.1.1. As 3 (três) atividades básicas do setor elétrico

8. O setor elétrico é marcado pela existência de 3 (três) atividades


básicas: (i) a geração, (ii) a transmissão e (iii) a distribuição de
energia elétrica, todas exercidas com base em suportes materiais
(ativos de geração, ativos de transmissão, ativos de distribuição).

II.1.1.1. A atividade de geração

9. A atividade de geração é caracterizada pela produção de


energia elétrica a partir de usinas de diferentes fontes primá-
rias de energia, quais sejam, (i) hidrelétrica – base da matriz
energética nacional -, (ii) termelétrica – carvão, gás natural,
nuclear -, (iii) eólica e (iv) biomassa, entre outras.

II.1.1.2. As atividades de transmissão e de distribuição

10. As atividades de transmissão e de distribuição são desenvol-


vidas com base em suportes materiais através dos quais o
fluxo de energia é conduzido da central de geração até a uni-
dade de consumo.

11. (...)

12. Aspecto marcante dos sistemas de transmissão e de distribui-


ção de energia elétrica consiste na impossibilidade de sua du-
plicação, por motivos econômicos, ambientais e urbanísticos.

13. A inviabilidade de duplicação desses suportes materiais:

(i) caracteriza-os como infraestrutura essencial, cujo acesso e


uso são condições indispensáveis para que a energia produ-

Voltar ao índice
746
zida nas unidades de geração alcance o fim a que se destina
– o consumo; e

(ii) determina a formação do monopólio natural detido pelos


agentes proprietários dessas infraestruturas essenciais.

II.1.2. A atividade de comercialização de energia elétrica

14. Há, ainda, uma quarta atividade no setor elétrico: a ativida-


de de comercialização de energia elétrica, cujo exercício não
pressupõe que o agente detenha ativos, suporte material.

II.1.3. Os agentes do setor elétrico brasileiro

II.1.3.1. as 4 (quatro) categorias de agentes

15. O exercício de uma ou duas dessas 4 (quatro) atividades mar-


ca o perfil de atuação das 4 (quatro) categorias de agentes do
setor elétrico brasileiro:

(i) os agentes de geração, os quais produzem energia elétrica


para comercialização e/ou destinação a seu uso exclusivo;

(ii) os agentes de transmissão, os quais transportam a energia


elétrica em alta tensão;

(iii) os agentes de distribuição, os quais transportam a energia elé-


trica em baixa tensão e também a comercializam (fornecem); e

(iv) os agentes comercializadores, os quais compram energia elétri-


ca para revenda, ou seja, atuam sem deter suportes materiais”.

Como visto, a cadeia de prestação do serviço de energia elétrica é


bastante fragmentada, com a presença múltipla de agentes atuantes no
setor, de forma que considerar a gestão da infraestrutura como monopó-
lio natural não significa rechaçar a possibilidade de haver uma pluralida-
de de prestadores do serviço.

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747
Estudos de Direito do Saneamento

No caso especifico do saneamento, o processo de produção e distri-


buição de água e de coleta e tratamento de esgoto passa, igualmente,
por uma séria de etapas, com características e objetivos distintos, po-
dendo sofrer variações de acordo com as características de cada siste-
ma e da geografia local. Entretanto, numa visão geral, é possível dizer
que a cadeia de saneamento é o conjunto de etapas cujo cumprimento
é fundamental para a efetivação da prestação de: captação e adução e
tratamento de água bruta, adução de água tratada até reservatórios de
distribuição, distribuição na rede aos usuários finais; coleta, afastamento,
tratamento e disposição final desse mesmo esgoto.

Referidas atividades podem ser agrupadas como “atividades de pro-


dução” (captação e tratamento de água e tratamento e despejo de es-
gotos) e “atividades de rede” (adução e distribuição de água e a coleta e
transporte de esgoto).

Por oportuno, convêm aqui mencionarmos, apenas no escopo do co-


tejo, o exemplo da estrutura dos serviços de abastecimento de água e de
saneamento de águas residuais em Lisboa- Portugal, os quais se segmen-
tam em sistemas “em alta” e sistemas “em baixa”:

“A actual arquitectura geral do sector da água e saneamento em


Portugal encontra-se segmentada em sistemas “em alta” (a ver-
tente grossista, desde a captação até às entidades distribuidoras)
e sistemas “em baixa” (a vertente retalhista, que faz a distribuição/
recolha ao consumidor)”11.

11 GODINHO, Rui. “O futuro dos serviços públicos de águas o caso português”.


Disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/texto_rg_icjp-fdul.pdf.
Acesso em 10.09.19.

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748
Em reforço, citemos também trecho do documento intitulado “Rela-
tório do Estado do Ordenamento do Território – REOT”12:

“Rede em “Alta” e Rede em “Baixa”

A rede de saneamento da cidade de Lisboa está dividida na rede


em “alta” e baixa”. A rede em “alta” está concessionada a SIMTE-
JO e a rede em baixa é da Câmara Municipal de Lisboa.

Para uma melhor clarificação, os sistemas em «alta» e «baixa»


distinguem-se pelo seguinte:

Entende-se por “alta” as infra-estruturas que permitem a recolha


nos pontos de entrega, o transporte, o tratamento e a rejeição
de águas residuais e por “baixa” as infra-estruturas que permi-
tem, desde os domicílios das populações servidas, a condução
das águas residuais até aos pontos de entrega”.

Prosseguindo, temos que o fracionamento na cadeia do saneamento


pode estar presente não só na segregação em razão da natureza da ativida-
de, como também em face do produto envolvido, cindindo-se a prestação da
água da de esgoto, o que comumente se denomina de concessão parcial, em
contraponto as tão comuns concessões plenas, concebidas com a delegação a
um único agente para execução de todas as atividades de ambos os serviços.

Os dois arranjos, segregação por atividade ou por produto, não esgo-


tam as possibilidades de fracionamento da cadeia de saneamento, apenas
espelham as citações mais comuns encontradas na doutrina como hipó-
teses de implantação prática do contido no artigo 12 da Lei nº 11.445/07.

12 Relatório do Estado do Ordenamento do Território – REOT. Disponível em http://


habitacao.cm-lisboa.pt/documentos/1238771914B9qAY0fr8Bd16AT8.pdf. Acesso em 10.09.19.

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749
Estudos de Direito do Saneamento

A despeito de legalmente prevista, a questão do fracionamento da cadeia é


matéria bastante intrincada e, não à toa, pouco implantada, notadamente em
função de divergências técnicas quanto aos benefícios econômicos alcançados.

O dissenso quanto à vantajosidade do modelo assenta-se, pois, no


viés econômico. Por ilustrativo, citemos Carlos Werlang Lebelein13, para
quem, sob aquela perspectiva, não há fundamentos para a fragmentação:

“(...) A indústria de rede por conceito, fundamenta-se na exis-


tência de um Monopólio Natural pois os custos do serviço para
um prestador de serviço único, por característica do setor e pela
economia de escala, são menores do que trazendo dois ou mais
prestadores, dada a grande necessidade de investimento em
redes para conexão desses consumidores ao sistema, o que se
apoia ainda na existência das mencionadas externalidades de
rede, ou seja, no crescente benefício individual de cada usuário
quanto maior o número usuários conectados à rede.

Sendo assim, um outro conceito semelhante existe para redes/


serviços que são complementares ou similares, o chamado Mo-
nopólio Natural Multiproduto, que da mesma forma que no
Monopólio Natural pressupõe a economia de custos, porém de-
monstrando que com a associação de dois produtos prestados
por um único prestador, com economias de escopo, geram be-
nefícios e custos menores para os consumidores finais. Caso esse
que pode perfeitamente ser exemplificado para os serviços de
água e esgoto, uma vez que: (i) a rede de clientes é a mesma, por-
tanto os departamentos Comercial, Faturamento e Receita pode-
riam ser unificados; (ii) A operação do sistema da mesma forma

13 LEBELEIN, Carlos Werlang. “O papel do regulador no setor de saneamento no


Brasil”. Disponível em http://www.lmdm.com.br/artigos/o-papel-regulador-setor-de-sa-
neamento-brasil. Acesso em 04.09.19.

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750
pode ser simplificada com um mesmo prestador, unificando área
de O&M, pela expertise de manutenção e operação, compras de
produtos e contratação de serviços; e (iii) a estrutura  administra-
tiva não possui necessidade de ser dividida, não gerando duplica-
ções de gerências, diretorias e presidência.

Ou seja, fica clara a necessidade das agências reguladores e do


próprio poder concedente de se conscientizarem antes de incor-
rer na decisão de separar esses serviços em diferentes presta-
dores, pois pressupõe um maior ônus aos consumidores e uma
maior dificuldade da manutenção do equilíbrio Econômico-Fi-
nanceiro dessas concessões.

Infelizmente, no contexto atual nacional, se vê cada vez mais inici-


ativas (exemplos de: Blumenau-SC, Rio Verde-GO, Mauá-SP e Rio
Claro-SP, entre outras cidades) a favor da separação desses serviços,
uma vez que empresas estatais e municipais estão com enormes
problemas para manter investimentos na universalização das redes
de esgoto. Sendo a alternativa imediatista de conceder esses servi-
ços a outras empresas, na maioria privadas, sem que os governos
municipais enfrentem, ao mesmo tempo, o desafio de delegar tam-
bém os serviços de água para esses mesmos prestadores, principal-
mente pelo medo político da “demonização” da privatização dessas
empresas traria à seus ombros. Essa decisão fatalmente se mostrará
equivocada ao longo dos anos, principalmente pelo custo dos servi-
ços prestados compartilhados com todos os consumidores”.

No mesmo sentido, Luiza Saito Sampaio14:

“No setor de serviços de saneamento, caracterizado como mo-


nopólio natural, os custos fixos (e.g. construção e manutenção

14 SAMPAIO, Luiza Saito. Op., cit., p. 665 – 680.

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751
Estudos de Direito do Saneamento

de reservatórios, estações de tratamento de água e redes de


distribuição) são mais significativos que os custos incrementais
de curto prazo (e.g. custos marginais de oportunidade como a
depreciação das instalações), de tal maneira que o custo médio
é declinante. Nesse sentido, se o produtor for único nesse mer-
cado, existirá economia de escala quando uma unidade de cus-
to de produção diminuir de acordo com o aumento no nível de
produção. A conclusão é que, diante dessa configuração, o único
produtor apresenta maior eficiência produtiva, pois opera a um
custo mínimo ou receita líquida máxima”.

Contrapondo-se ao acima exposto, vemos o contido no trabalho inti-


tulado “Poder concedente e marco regulatório no saneamento básico”15,
o qual, para além de sugerir a viabilidade prática da desverticalização,
serve, em razão da data de sua elaboração, como registro histórico das
ponderações que precederam o advento do marco regulatório do setor:

“Mesmo no que diz respeito à impossibilidade técnica de


separação de redes integradas, o argumento da condicio-
nante de fato irreversível é questionável. A separação das
redes intermunicipais de distribuição de água e coleta de
esgoto é relativamente simples de realizar a um baixo custo,
e a implantação de um sistema de medição nos limites do
território da localidade poderia até mesmo tornar a desvin-
culação física da infra-estrutura completamente desneces-
sária (Montenegro, 2004). Quanto à rede metropolitana
de captação, tratamento e adução de água, bem como ao
sistema de tratamento de esgoto, é importante preservar o

15 PODER CONCEDENTE E MARCO REGULATÓRIO NO SANEAMENTO BÁSICO, Ca-


derno 10. CADERNOS DIREITO GV. V. 2, N. 2 março 2006. São Paulo. Disponível em https://
direitosp.fgv.br/publicacoes/poder-concedente-marco-regulatorio-saneamento-basico.
Acesso em 04.09.19.

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752
sistema integrado. No entanto, mesmo nesse caso poder-
se-ia vislumbrar a implantação de operadores municipais das
redes de distribuição de água e coleta de esgoto, os quais
atuariam coordenadamente com uma empresa metropolitana
de captação, tratamento e adução de água e tratamento e
despejo de esgoto. Tal sistema poderia operar mediante a
desverticalização dos serviços de saneamento, ou através da
criação de um operador metropolitano da rede de adução de
água e das estações de tratamento de esgoto, nos moldes
do Operador Nacional do Sistema Elétrico (Massato, 2005)”.

Na mesma linha é o argumento de Fernanda Meirelles16 que bem re-


sume a hipótese da fragmentação na seguinte perspectiva:

“Como se sabe, o saneamento básico é composto por uma gama


de serviços, de diferentes naturezas: captação, adução e distri-
buição de água; coleta, transporte e tratamento de esgoto; ser-
viços de medição e cobrança, manutenção de rede. A situação
mais comum, no contexto brasileiro, é que se delegue apenas a
um prestador o exercício de todas as atividades (...).

Considerar esta a única estrutura operacional possível seria um


enorme desperdício. Conforme cada situação, a delegação parci-
al dos serviços de saneamento básico, para um ou mais contrata-
dos, pode ser mais vantajosa”.

Para a autora, a centralização dos serviços nas mãos de um único


agente, conquanto cediço que na maioria dos casos traga benefícios
de ordem econômica, pode, em outros, conduzir, por exemplo, a uma

16 MEIRELLES, Fernanda. “Contratos no setor de saneamento básico: desenhos


e incentivos”. In: Mota, Carolina (Coordenação). Saneamento Básico no Brasil. Aspectos
Jurídicos da Lei Federal nº 11.445/07. São Paulo: Ed. Quartier Latin do Brasil, 2010, p. 138.

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753
Estudos de Direito do Saneamento

dependência do titular frente ao prestador do serviço, reduzindo, inclu-


sive, o poder decisório do primeiro.

De certo, o quantum delegado deve coincidir, no mesmo nível e grau,


com a capacidade do titular de fiscalizar e regular a execução delegada, o
que, sabemos, é questão tormentosa para a maioria dos municípios brasi-
leiros que não contam com uma estrutura regulatória nessa envergadura.

É nesse cenário, por exemplo, que se multiplicam os problemas enfrenta-


dos por municípios e concessionárias estaduais quanto ao acompanhamento
de desempenho em relação aos indicadores estabelecidos e metas pactua-
das, abrindo espaço, inclusive, para a manipulação política dos valores das
tarifas, o que é extremamente prejudicial à sustentabilidade dos serviços.

No ponto, convêm a citação da obra Panoramas Setoriais 203017:

“Não obstante, é possível citar alguns pontos de atenção concer-


nentes à parte das Cesbs e dos municípios, quais sejam:

a grande influência política na estratégia de atuação da empresa;

a ausência de um banco de projetos e a baixa capacidade de exe-


cução e acompanhamento dos investimentos;

a falta de planejamento de médio e longo prazos;

a baixa capacidade de captação de recursos para investimentos;

a baixa eficiência em termos de controle de custo.

(...)

17 PIMENTEL, Letícia Barbosa; ASSALIE, Jorge Luiz Sellin; MACHADO, Francesca


Munia. Op., cit. Acesso em 04.09.19.

Voltar ao índice
754
Em relação ao setor em geral, é possível citar a regulação dos servi-
ços como uma questão a ser resolvida para sua melhor prestação.
Apesar da existência de algumas agências estaduais, a regulação ain-
da é exercida de maneira bastante incipiente, havendo problemas
relativos à transparência nos contratos, à fiscalização do cumpri-
mento das metas estabelecidas, ao cálculo da tarifa, entre outros.”

É necessário, portanto, pelo menos reconhecer que a concessão cen-


tralizada, notadamente no que diz respeito àquelas delegadas as CESB’s,
também possui questões sérias a serem repensadas, e que o argumento
de que tal modelo se revelará sempre benéfico em razão das caracterís-
ticas do setor e pela economia de escala nem sempre será verossímil.

Igualmente não se pode ignorar as possíveis desvantagens que po-


dem surgir da fragmentação, tais como a dificultosa gestão pelo titular
do serviço, a um só tempo, de vários contratos administrativos com a
consequente complexidade advinda dos instrumentos que devem reger
as relações negociais entre os agentes envolvidos, bem como a hipótese
de perda na expertise acumulada quando se tem um único prestador, ou
até mesmo a possibilidade da ineficiência ou inadimplência de um dos
agentes contaminar as atividades desenvolvidas pelos demais.

Nesse sentido, volto a mencionar o contido no trabalho “Poder con-


cedente e marco regulatório no saneamento básico18, que, a despeito de
reconhecer a possibilidade física e jurídica da desverticalização, acaba
por concluir que a sua operação em algumas áreas seria indesejável:

18 PODER CONCEDENTE E MARCO REGULATÓRIO NO SANEAMENTO BÁSICO, Ca-


derno 10. CADERNOS DIREITO GV. V. 2, N. 2 março 2006. São Paulo. Disponível em https://
direitosp.fgv.br/publicacoes/poder-concedente-marco-regulatorio-saneamento-basico.
Acesso em 04.09.19.

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755
Estudos de Direito do Saneamento

“Todavia, mesmo levando-se em consideração que as redes


integradas não são irreversíveis, a adoção de um novo mode-
lo de operação nessas áreas pode ser indesejável. A desverti-
calização tornaria indispensável um planejador metropolitano
e um regulador fortes, operando dentro de um marco regu-
latório definido claramente, de forma a neutralizar os custos
da alteração do sistema de operação, majorando benefícios.
Além disso, esse cenário torna indispensável resolver o sério
problema da competição entre os entes federativos, construindo
soluções regulatórias cooperativas.

Isso é especialmente importante para garantir a adequada remu-


neração de cada operador, já que, no cenário institucional atual,
é praticamente impossível obrigar um operador a pagar pelos
serviços prestados por outro, especialmente se ambos per-
tencerem ao poder público. A própria região metropolitana
de São Paulo é farta em exemplos dessa espécie, dentre
os quais se podem ressaltar os conflitos entre a SABESP e os
operadores municipais de Guarulhos e Santo André, em torno do
pagamento pelo fornecimento de água bruta (Massato, 2005).

Por essas razões, a reversão do sistema integrado da região


metropolitana de São Paulo é uma possibilidade física e jurí-
dica; porém, depende de uma prévia e cuidadosa análise de
custos de engenharia e indenizações e de eventuais benefícios
aos usuários, bem como de um planejamento e da construção de
um espaço regulatório hoje completamente inexistente.”

Obviamente, a segregação da cadeia não pode levar a uma inadequa-


ção quanto à prestação do serviço, com muito mais razão quando este
está intrinsicamente atrelado ao direito à saúde e, em grau ainda mais
elevado, à dignidade da pessoa humana.

Voltar ao índice
756
A propósito, transcreve-se o conceito de serviço público adequado, po-
sitivado no artigo 6º da Lei nº 8.987/95, como sendo aquele “que satisfaz
as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atuali-
dade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.

A Lei nº 11.445/07, dada a relevância do serviço público de sanea-


mento, cuidou de reforçar o conceito acima, traçando princípios e dire-
trizes para nortear a sua prestação:

Art. 2o  Os serviços públicos de saneamento básico serão presta-


dos com base nos seguintes princípios fundamentais:

I - universalização do acesso;

II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as


atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de
saneamento básico, propiciando à população o acesso na confor-
midade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações
e resultados;

(...)

VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regi-


onal, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de
proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante in-
teresse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as
quais o saneamento básico seja fator determinante;

VII - eficiência e sustentabilidade econômica;

VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capa-


cidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções gra-
duais e progressivas;

XI - segurança, qualidade e regularidade;

(...)

Voltar ao índice
757
Estudos de Direito do Saneamento

Art. 43.  A prestação dos serviços atenderá a requisitos mínimos de


qualidade, incluindo a regularidade, a continuidade e aqueles re-
lativos aos produtos oferecidos, ao atendimento dos usuários e às
condições operacionais e de manutenção dos sistemas, de acordo
com as normas regulamentares e contratuais.

Assim, nos casos em que a fragmentação importar em ineficiência econômica


ou prejuízo a algum daqueles princípios ou diretrizes, por óbvio deve ser rechaça-
da. O que não significa dizer que em nenhuma hipótese ela se mostre viável.

De certo, a necessidade de investimentos privados não conduz a uma im-


perativa concessão de toda a cadeia à mesma empresa, do mesmo modo que
a presença de uma concessionária estatal no chamado estágio de produção
(tratamento de água e esgoto) não afasta a possibilidade da presença de outro
ente na prestação dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto. A
análise, portanto, deve ser casuística e pautada nas diretrizes acima expostas.

O presente trabalho não pretende, e nem poderia, fincar posição ge-


nérica quanto ao acerto ou não do modelo de atividade desagregada,
muito porque entendemos, como exaustivamente pontuado, que suas
vantagens e desvantagens devam ser aferidas em cada caso concreto.
O objetivo aqui é apenas trazer o tema a discussão, com a exposição, ao
final, de exemplo de implantação desse modelo.

3. DA ESTRUTURA CONTRATUAL E DA RELAÇÃO ENTRE OS


PRESTADORES

Serviço público é tradicionalmente definido como toda atividade de ofere-


cimento de utilidade e comodidade material destinada à satisfação da coleti-
vidade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado

Voltar ao índice
758
assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem
lhes faça às vezes, sob um regime de direito, total ou parcialmente, público.

O saneamento básico, em que pese ser um serviço que representa


muito mais que uma comodidade, na medida em que o seu não pro-
vimento impacta toda a coletividade, em dimensões que afetam desde
a saúde pública, atividade urbanística e meio ambiente, inegavelmente
também possui conteúdo econômico.

Na lição de Floriano de Azevedo Marques Neto19: “(...) o fato de uma


atividade ser considerada por disposição legal ou constitucional como
serviço público não lhe retira a essência de ser passível de exploração
econômica. Tal determinação legal apenas impõe ao poder público que
adote as medidas jurídicas econômicas (inclusive eventual subsídio) ap-
tas a assegurar a oferta continua e plenamente acessível de tal utilidade.”

Assim, para os chamados serviços públicos em sentido estrito, é dizer,


aqueles passíveis de serem objeto de exploração econômica, impôs o
art. 175 da Constituição Federal/88 ao Poder Público a incumbência de
provê-los, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação.

Caso delegada a execução do serviço público de saneamento básico,


na medida em que, neste especial, convergem interesses tão contrapos-
tos (dada as suas facetas de função pública e atividade econômica), faz-
se necessária uma higidez e segurança jurídica a permitir uma pondera-
ção entre a fruição da utilidade, o retorno do capital investido e o valor
pago pelo usuário ou, em outras palavras, trata-se da complexa tarefa de

19 NETO, Floriano de Azevedo Marques. “A regulação no setor de saneamento”. In:


Cordeiro, Berenice de Souza (Org.). Lei nacional de saneamento básico. Perspectivas para
as políticas e a gestão dos serviços públicos. Livro I. Instrumentos das políticas e da gestão
dos serviços públicos de saneamento básico. Brasília: Editora, 2009, p. 176.

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759
Estudos de Direito do Saneamento

equalizar a prestação continua e adequada do serviço, a sustentabilidade


econômico-financeira do sistema e a modicidade tarifária.

Assim, considerando os altos investimentos demandados na presta-


ção do serviço de saneamento e a necessidade de previsão de regras
mínimas que permitam a amortização e o planejamento a longo prazo,
não é de se estranhar que a LNSB traga norma tão expressa acerca da
necessidade de instrumentalizar contratualmente as relações jurídicas
quando houver delegação dos serviços de saneamento básico:

Art. 10.  A prestação de serviços públicos de saneamento básico por


entidade que não integre a administração do titular depende da cele-
bração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante convêni-
os, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.

Na mesma toada, quando vários são os prestadores, a relação entre


eles deverá ser regulada por contrato, o qual, para além das condições
de validade previstas no artigo 11 da Lei nº 11.445/0720, deverá conter:

Art. 12.  (...)


§ 2o  O contrato a ser celebrado entre os prestadores de serviços
a que se refere o caput deste artigo deverá conter cláusulas que
estabeleçam pelo menos:
I - as atividades ou insumos contratados;

20 Cf. Lei nº 11.445/07: Artigo 11.  São condições de validade dos contratos que
tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico:
I - a existência de plano de saneamento básico;
II- a existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-financeira
da prestação universal e integral dos serviços, nos termos do respectivo plano de
saneamento básico;
III - a existência de normas de regulação que prevejam os meios para o cumprimento das
diretrizes desta Lei, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização;
IV- a realização prévia de audiência e de consulta públicas sobre o edital de licitação, no
caso de concessão, e sobre a minuta do contrato.

Voltar ao índice
760
II - as condições e garantias recíprocas de fornecimento e de
acesso às atividades ou insumos;

III - o prazo de vigência, compatível com as necessidades de amorti-


zação de investimentos, e as hipóteses de sua prorrogação;

IV - os procedimentos para a implantação, ampliação, melhoria e


gestão operacional das atividades;

V - as regras para a fixação, o reajuste e a revisão das taxas, tarifas


e outros preços públicos aplicáveis ao contrato;

VI - as condições e garantias de pagamento;

VII - os direitos e deveres sub-rogados ou os que autorizam a


sub-rogação;

VIII - as hipóteses de extinção, inadmitida a alteração e a rescisão


administrativas unilaterais;

IX - as penalidades a que estão sujeitas as partes em caso de ina-


dimplemento;

X - a designação do órgão ou entidade responsável pela regula-


ção e fiscalização das atividades ou insumos contratados.

(...)

§ 3o  Inclui-se entre as garantias previstas no inciso VI do § 2o


deste artigo a obrigação do contratante de destacar, nos docu-
mentos de cobrança aos usuários, o valor da remuneração dos
serviços prestados pelo contratado e de realizar a respectiva ar-
recadação e entrega dos valores arrecadados.

Em igual teor é o §1º do artigo 44 do Decreto nº 7.217/10:

Art. 44.  As atividades descritas neste Decreto como integrantes


de um mesmo serviço público de saneamento básico podem ter
prestadores diferentes. 

Voltar ao índice
761
Estudos de Direito do Saneamento

§ 1o  Atendidas a legislação do titular e, no caso de o prestador não


integrar a administração do titular, as disposições de contrato de
delegação dos serviços, os prestadores mencionados no caput cele-
brarão contrato entre si com cláusulas que estabeleçam pelo menos:

I  - as atividades ou insumos contratados;

II  -  as condições e garantias recíprocas de fornecimento e de


acesso às atividades ou insumos;

III - o prazo de vigência, compatível com as necessidades de amor-


tização de investimentos, e as hipóteses de sua prorrogação;

IV  - os procedimentos para a implantação, ampliação, melhoria e


gestão operacional das atividades;

V  - as regras para a fixação, o reajuste e a revisão das taxas, tarifas


e outros preços públicos aplicáveis ao contrato;

VI  - as condições e garantias de pagamento;

VII  - os direitos e deveres sub-rogados ou os que autorizam a


sub-rogação;

VIII - as hipóteses de extinção, inadmitida a alteração e a rescisão


administrativas unilaterais;

IX - as penalidades a que estão sujeitas as partes em caso de ina-


dimplemento;

X – a designação do órgão ou entidade responsável pela regula-


ção e fiscalização das atividades ou insumos contratados. 

A despeito da determinação de previsões contratuais específicas, os


arranjos jurídicos para a prestação fracionada são inúmeros, variando de
acordo com as partes celebrantes, bem como no que toca à forma de
remuneração entre elas.

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762
Nos exemplos mais corriqueiros fornecidos pela doutrina os regimes
jurídicos aplicáveis a este contrato gravitam em torno da Lei nº 8.987/95,
Lei nº 11.079/04 e Lei nº 11.107/05.

Assim, é possível que o contrato previsto pelo artigo 12 da Lei nº


11.445/11 seja regido pela Lei nº 8.987/95 quando, por exemplo, for
celebrado entre o município concedente e um concessionário privado,
tendo por objeto a concessão apenas de determinada fase da cadeia de
atividades que compõem o serviço, ou, em outra hipótese, aplicando-se
também a Lei 11.079/04, caso a remuneração desse concessionário pri-
vado se dê tanto pela tarifa paga pelo usuário como pela contraprestação
do Poder Público, ganhando, assim, o contrato previsto no artigo 12 da
Lei nº 11.445/07 contornos de concessão patrocinada.

É possível, ainda, a formação de consórcio ou convênio entre mu-


nícipio e Estado, nos termos da Lei nº 11.107/05, com a consequente
celebração de contrato de programa com a concessionária estadual,
de maneira que o titular execute o serviço de distribuição de água e
esgoto e a CEB preste o serviço de captação e tratamento de água e
despejo de esgoto.

Ilustra Floriano de Azevedo Marques Neto que: “Nesta modalidade


de parcerias poderíamos ter a delegação, por concessão administrati-
va ou patrocinada, da adução e tratamento de água, com cobrança de
tarifas pela água fornecida às empresas estatais incumbidas do serviço
de distribuição domiciliar e abastecimento de água potável. Ou pode-
ríamos ter a delegação da construção e operação da infra-estrutura
de destinação final de resíduos (aterros sanitários, incineradores, usi-
nas de compostagens etc.), percebendo o particular remuneração da
Administração pela prestação deste serviço público aos demais pres-

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763
Estudos de Direito do Saneamento

tadores da cadeia de limpeza ou ao Poder Público, quando mantido


responsável pelas demais atividades”21.
O instrumento assumirá, portanto, conforme a remuneração estabelecida en-
tre os prestadores, traços de concessão comum, patrocinada ou administrativa.

A forma de remuneração entre os agentes, destarte, será fundamental


para definir os contornos jurídicos da prestação fracionada, sendo de tal
monta a sua importância que a própria Lei nº 11.445/07 cuidou de enfatizar
a necessária transparência destes pressupostos econômicos, impondo que:

Art. 12 (...)

§ 3º Inclui-se entre as garantias previstas no inciso VI do § 2o des-


te artigo a obrigação do contratante de destacar, nos documentos
de cobrança aos usuários, o valor da remuneração dos serviços
prestados pelo contratado e de realizar a respectiva arrecadação
e entrega dos valores arrecadados.

§ 4º  No caso de execução mediante concessão de atividades inter-


dependentes a que se refere o caput deste artigo, deverão constar
do correspondente edital de licitação as regras e os valores das tari-
fas e outros preços públicos a serem pagos aos demais prestadores,
bem como a obrigação e a forma de pagamento.

Tal medida serve para, além de definir de antemão alguns pressupos-


tos econômicos e obrigações entre os prestadores, deixar transparente
ao usuário final essa divisão de tarefas.

Por fim, não é acertado finalizar o tópico sem ao menos mencionar o papel da
regulação, notadamente na perspectiva ora analisada de prestação desagregada.

21 Neto, Floriano de Azevedo Marques. “As parcerias público-privadas no sanea-


mento básico”. In: Sundfeld, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público-Privadas. Disponível em
http://www.sbdp.org.br/books/parcerias-publico-privadas/. Acesso em: 13/09/2019.

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764
Sem desvirtuar do foco do presente trabalho, importa fazer menção
ao ponto, uma vez que, se a regulação do saneamento básico no Bra-
sil está ainda por ser construída se comparada à regulação de outros
setores, com muito mais atenção se deve olhar a regulação nos casos
de atividades desagregadas, impondo ao regulador uma análise mais
criteriosa quanto ao cumprimento daquilo pactuado nos contratos cele-
brados entre as partes envolvidas na execução da cadeia.

A Lei nº 11.445/07 assentou caber ao titular do serviço a definição


do ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os pro-
cedimentos de sua atuação. Nos termos do Decreto nº 7.217/10, a en-
tidade reguladora ou regulador se definirá como “agência reguladora,
consórcio público de regulação, autoridade regulatória, ente regulador,
ou qualquer outro órgão ou entidade de direito público que possua com-
petências próprias de natureza regulatória, independência decisória e
não acumule funções de prestador dos serviços regulados”.

Nesse sentido, os titulares do serviço público de saneamento bási-


co poderão prestar diretamente ou delegar a regulação22 e a fiscalização

22 Cf. Lei 11.445/07: Art. 23 (...) § 1º A regulação de serviços públicos de saneamento
básico poderá ser delegada pelos titulares a qualquer entidade reguladora constituída dentro
dos limites do respectivo Estado, explicitando, no ato de delegação da regulação, a forma de
atuação e a abrangência das atividades a serem desempenhadas pelas partes envolvidas.
Cf. Decreto nº 7.217/10: Art. 31.  As atividades administrativas de regulação, inclusive orga-
nização, e de fiscalização dos serviços de saneamento básico poderão ser executadas pelo titular:
I -  diretamente, mediante órgão ou entidade de sua administração direta ou
indireta, inclusive consórcio público do qual participe; ou
II - mediante delegação, por meio de convênio de cooperação, a órgão ou enti-
dade de outro ente da Federação ou a consórcio público do qual não participe,
instituído para gestão associada de serviços públicos. 
§ 1o  O exercício das atividades administrativas de regulação de serviços públi-
cos de saneamento básico poderá se dar por consórcio público constituído para
essa finalidade ou ser delegado pelos titulares, explicitando, no ato de delega-
ção, o prazo de delegação, a forma de atuação e a abrangência das atividades a
ser desempenhadas pelas partes envolvidas. 

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765
Estudos de Direito do Saneamento

dos mesmos, nos termos do art. 241 da Constituição Federal e da Lei


nº 11.107/05 (Art. 8º da Lei nº 11.445/07).

No caso dos serviços de saneamento, a regulação deve incluir um conjun-


to de requisitos mínimos para a prestação desses serviços de tal maneira que
haja regularidade do fornecimento e qualidade da água distribuída, bem como
adequação dos sistemas de esgoto para descarte da água utilizada e seu poste-
rior tratamento, atendendo critérios de proteção ambiental básica23.

Uma vez delegada a prestação dos serviços, a Lei 11.445/07 previu,


para além de condicioná-la à existência de normas de regulação, incluindo
a designação da entidade de regulação e de fiscalização, que os contratos
de concessão não poderiam conter cláusulas que prejudicassem tais ativi-
dades ou o acesso às informações sobre os serviços contratados (Art. 11).

Especificamente na hipótese de fragmentação da prestação, o artigo


12 da norma em comento determinou que deveria haver uma única enti-
dade, designada no contrato a ser celebrado entre os prestadores, encar-
regada das funções de regulação e fiscalização, a quem caberia definir:

Art. 12. 

(...)

§ 1o  A entidade de regulação definirá, pelo menos:

I - as normas técnicas relativas à qualidade, quantidade e regula-


ridade dos serviços prestados aos usuários e entre os diferentes
prestadores envolvidos;

23 SAMPAIO, Luiza Saito. Op., cit., p.673.

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766
II - as normas econômicas e financeiras relativas às tarifas, aos
subsídios e aos pagamentos por serviços prestados aos usuários
e entre os diferentes prestadores envolvidos;

III - a garantia de pagamento de serviços prestados entre os dife-


rentes prestadores dos serviços;

IV - os mecanismos de pagamento de diferenças relativas a ina-


dimplemento dos usuários, perdas comerciais e físicas e outros
créditos devidos, quando for o caso;

V - o sistema contábil específico para os prestadores que atuem


em mais de um Município.

Assim, no cenário de fracionamento da atividade, incumbirá à enti-


dade reguladora a ordenação e normatização da mesma, com objetivos
voltados à busca da sustentabilidade econômica de toda a cadeia e equi-
líbrio financeiro entre os agentes envolvidos.

Portanto, utilizando mais uma vez a sempre lúcida lição de Floriano


de Azevedo Marques Neto24, vemos que, nos casos de fracionamento
da prestação, a Lei nº 11.445/07 atribuiu à regulação a nítida função,
além daquelas ordinariamente previstas ao longo da norma, de arbitrar
os conflitos entre os seus distintos atores.

Rodrigo Pinto de Campos25, ao mencionar as relações entre estes


prestadores, ponderou que as mesmas tem sido objeto de muitos com-
bates políticos e judiciais, focados estes últimos sobretudo no inadim-

24 NETO, Floriano de Azevedo Marques. Op., cit., p. 177.


25 CAMPOS, Rodrigo Pinto de. “Regulação e federalismo no serviço público de sa-
neamento básico”. In: Mota, Carolina (Coordenação). Saneamento Básico no Brasil. Aspectos
Jurídicos da Lei Federal nº 11.445/07. São Paulo: Ed. Quartier Latin do Brasil, 2010, p. 106.

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767
Estudos de Direito do Saneamento

plemento dos Municípios diante da empresa prestadora do serviço de


captação, reservação, tratamento e adução de água:

“Em apertada síntese, argumenta-se que os Municípios se bene-


ficiariam do contrato com o consumidor final, de quem podem
cobrar pela utilização dos serviços de distribuição de água e cole-
ta de esgoto, mas não repassariam os valores devidos a título de
contratação do fornecimento de água por atacado, alavancando
passivos multimilionários junto à empresa fornecedora (CESB)”.

Nesse contexto, não há nenhuma estranheza em se afirmar que, com


muito mais razão se comparada à prestação em bloco, a viabilidade da
fragmentação da cadeia pressupõe a existência de uma regulação mini-
mamente estruturada, sob o ponto de vista técnico, financeiro e huma-
no, com condições adequadas de exercer todo esse conjunto de compe-
tências regulatórias, em qualquer das três dimensões apontadas.

4. DO SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DO MUNICÍPIO


DE JUNDIAÍ-SP

Para pôr fim ao artigo, julgo interessante pelo menos pincelar um caso
concreto de prestação segregada, comentando os contornos jurídicos de
seu arranjo contratual, ocasião em que cito o exemplo do Município de
Jundiaí-SP, em especial por considerar seus índices de atendimento com
relação ao esgotamento sanitário. A escolha do caso se deu, não no intuito
de militar em favor da prestação segregada, mas na intenção de demons-
trar que em alguns casos ela pode ser exitosa, cabendo, como já dito em
linhas anteriores, a análise criteriosa por parte do titular para a escolha
mais acertada da forma de prestação deste serviço tão essencial à vida.

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768
Feito o registro, temos que o Município de Jundiaí possui um dos me-
lhores sistemas de saneamento do país, figurando, a título de exemplo,
no ranking do saneamento - Instituto Trata Brasil 2019 (SNIS 2017)26 em
posições de destaque no que toca aos índices de atendimento total de
esgoto e de esgoto tratado por água consumida.

A DAE S.A. – Água e Esgoto, sociedade de economia mista cuja acio-


nista majoritária é a Prefeitura Municipal de Jundiaí, criada pela lei mu-
nicipal nº 5.307/99, atende toda a área urbana e parte da área rural do
município, com o fornecimento de água tratada e serviços de coleta e
afastamento de esgoto, enquanto o serviço de tratamento de esgoto é
de competência da Cia. Saneamento de Jundiaí (CSJ).

A execução das atividades relacionadas ao serviço de esgotamento


sanitário se dá, portanto, de forma segregada, com a participação de
ente da Administração indireta (DAE) e empresa privada (CSJ).

A delegação ocorreu através de concessão precedida de procedimen-


to licitatório, Concorrência nº 02/1995, com critério de julgamento pela
menor tarifa, resultando no Contrato de Concessão nº 002/96, celebrado
entre o Departamento de Água e Esgoto de Jundiaí e a Companhia Sa-
neamento Jundiaí. Após construir a Estação de Tratamento de Esgoto de
Jundiaí (ETE), inaugurada em setembro de 1998, a CSJ passou a executar
serviços de tratamento de esgoto.

Temos, assim, que a concessão do serviço à CSJ, além de parcial, vez


que restrita apenas ao esgoto, reservou-se ainda à determinadas ativida-
des daquele serviço: o tratamento e disposição final.

26 RANKING DO SANEAMENTO. INSTITUTO TRATA BRASIL 2019 (SNIS 2017). Dispo-


nível em http://tratabrasil.com.br/estudos/estudos-itb/itb/ranking-do-saneamento-2019.
Acesso em 14.09.19

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769
Estudos de Direito do Saneamento

De acordo com o Plano Municipal de Saneamento Básico de Jundi-


aí , instituído pela Lei nº 8.881/2017, foram identificados três sistemas
27

coletivos de esgotamento sanitário: a) Sistema coletivo 1: constituído de


redes coletoras, interceptores, emissário, sete estações elevatórias de
esgoto (EEE) e a ETE Jundiaí, para atendimento das áreas de contribuição
das bacias hidrográficas dos rios Guapeva e Jundiaí e parte das bacias
hidrográficas dos rios Jundiaí Mirim e Capivari e do Ribeirão Caxambu;
b) Sistema coletivo 2: constituído de redes coletoras, interceptores, EEE
e ETE Fernandes, para atendimento ao bairro Fernandes, pertencente à
bacia hidrográfica do Rio Capivari; c) Sistema coletivo 3: constituído de
redes coletoras, interceptores, EEE e ETE São José, para atendimento de
parte das sub-bacias São José, Rio Acima, Corrupira e calha do Rio Capi-
vari, pertencentes à bacia hidrográfica do Rio Capivari.

A Estação de Tratamento de Esgoto - ETE Jundiaí, cuja operação com-


pete à CSJ, trata todo o esgoto coletado no sistema coletivo 1, receben-
do, ainda, em seu poço de entrada, contribuições do recalque da EEE
Novo Horizonte, do Efluente Via Caminhão (EVC28) e do clarificado do
sistema de desidratação do lodo, bem assim, os lodos da ETE Fernandes
e ETE São José (integrantes dos sistemas coletivos 2 e 3, respectivamen-
te, cuja operação é de responsabilidade da DAE S.A.)

Assim, de acordo com dados obtidos no site https://daejundiai.com.


br/, 98% de todo o esgoto gerado pelo município é coletado pela DAE S/A

27 Plano Municipal de Saneamento Básico de Jundiaí. Disponível em https://dae-


jundiai.com.br/wp-content/uploads/2018/03/PMSB-JUNDIAI-A4_REVIS%c3%83O-FINAL_
v03b.pdf. Acesso em 10.09.19.
28 Os EVC consistem em contribuições de limpeza de fossas e caixas de gorduras; efluen-
tes de indústrias não interligadas à rede coletora de esgoto pública; chorume e lodo industrial.

Voltar ao índice
770
e 99% deste montante é encaminhado à ETEJ, operado pela CSJ, onde
recebe tratamento e destinação adequados.

A remuneração da concessionária se dá através do pagamento de


tarifa pelo usuário, cobrada da seguinte forma: para as economias do-
mésticas (residenciais, comerciais, serviços ou institucionais), a DAE S.A.
realiza a medição de água e emite a conta mensal dos valores devidos,
com base nos volumes encontrados; para as indústrias, os valores são
calculados de acordo com os volumes e cargas orgânicas de esgoto. Para
as indústrias que optarem por não instalar medidores de vazão de esgo-
to, as tarifas serão aplicadas com base nos volumes de água medidos.

Na discriminação da conta de água e esgoto, os usuários, em respeito ao já


citado artigo 12, §§3º e 4º Lei nº 11.445/07, tem discriminado os valores refe-
rentes às tarifas de abastecimento de água, coleta e afastamento de esgoto e
tratamento de esgoto, sendo o pagamento repassado, pela DAE, à CSJ.

Por fim, no que concerne à entidade reguladora, temos que o Muni-


cípio de Jundiaí ratificou, através da Lei nº 8.266 de 16/07/2014, o Pro-
tocolo de Intenções da Agência reguladora dos serviços de saneamento
das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí - ARES-PCJ, convertido
em contrato de consórcio público, delegando e transferindo-lhe o exercí-
cio das competências municipais de regulação econômica e fiscalização
da qualidade da prestação dos serviços públicos de saneamento básico.

A ARES-PCJ é um consórcio público de direito público, na forma de as-


sociação pública, criado nos moldes da Lei Federal nº 11.107/2005, ten-
do por objetivo realizar a gestão associada de serviços públicos, plena ou
parcialmente, através da delegação das competências municipais de regu-
lação do saneamento básico, cabendo-lhe, neste exemplo de concessão
segregada, as atribuições definidas no artigo Art. 12, §1º, da Lei 11.445/07.

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771
Estudos de Direito do Saneamento

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O serviço de saneamento básico no Brasil, infelizmente, ainda tem um longo


caminho a ser percorrido com vistas a alcançar a sua universalidade, o que recla-
ma urgência dada a sua essencialidade.

Como observado dos dados extraídos do Sistema Nacional de Informações


sobre Saneamento – SNIS, os prestadores de serviços de abrangência regional (as
chamadas companhias estaduais de saneamento) são responsáveis pela maior
parte do atendimento, principalmente na prestação do abastecimento de água.

Esse modelo de concessão plena às CESB’s tem sua importância re-


conhecida, notadamente em face daqueles municípios que não apre-
sentariam viabilidade econômica em seus sistemas, o que faz com que
eles sustentem a prestação dos serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário em função da agregação em escala estadual prati-
cada por essas companhias, com a aplicação de mecanismos de políticas
públicas redistributivas, em especial o subsídio cruzado, permitindo que
municípios mais ricos mantenham, em parte, a sustentabilidade e a mo-
dicidade tarifária praticada em municípios mais pobres.

Entretanto, os aspectos positivos e o êxito obtido em alguns casos


não têm o condão de alçar esse modelo a único existente, o que faz com
que cada titular tenha a obrigação de analisar criteriosamente e decidir
acerca da melhor maneira de prestar esse serviço. O maior desafio para
os municípios é, portanto, buscar alternativas para financiar seus inves-
timentos, razão pela qual expomos aqui a hipótese de prestação frag-
mentada, ou concessão por atividade desagregada, servindo o presente
para fomentar o debate acerca da pluralidade de possibilidades para o
desenvolvimento e ampliação do setor.

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772
O direito de retirada de
município integrante de
consórcio público e o destino
dos bens adquiridos com
recursos oriundos de convênio
OSVALDIR MAGNANI JÚNIOR1

r1

Resumo
O presente trabalho tem como intuito estudar o Consórcio Público
sob a ótica do Direito do Saneamento, o direito de retirada e as con-
sequências do exercício deste direito em relação ao destino dos bens
adquiridos com recursos provenientes de Convênios pelo Município que
se retira Consórcio Público.

Palavras-chave: Saneamento básico; Consórcio Público; Convênio;


Retirada; Bens Públicos.

1 Procurador Federal em exercício na Unidade de Execução da Procuradoria Fede-


ral Especializada Junto à Superintendência Estadual da FUNASA em São Paulo; Pós-Gradua-
do Lato sensu em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Pós-Graduado Lato sensu em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
de São Paulo; Graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo.
E-mail : osvaldir.junior@funasa.gov.br. Endereço Profissional: Procuradoria Federal Es-
pecializada junto à Fundação Nacional de Saúde em São Paulo, Rua Bento Freitas, nº 46, 5º
andar, CEP 04020-000, São Paulo/SP.

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773
Estudos de Direito do Saneamento

Abstract

The present work has the intention of studying the Public Consortium
from the perspective of Sanitation Law, the right of backing down and the
consequences of exercising this right related to the destination of goods
acquired with resources from Agreements signed by the Municipality
which intends to leave the Public Consortium

Key-words: Sanitation Law; Public Consortium; Agreements; Back


Down; Public Goods.

Sumário
INTRODUÇÃO; 1 - Do Consórcio Público como meio de implemen-
tação das políticas de saneamento básico; 2- Da retirada do Muni-
cípio do Consórcio Público; 3 - Da destinação do objeto adquirido
por meio de Convênio para o benefício do Consórcio Público; 4 -
Das possíveis formas de transferência para o Consórcio Público dos
bens adquiridos por meio do Convênio assinado com Município
que pretende exercer o direito de retirada; CONCLUSÃO.

INTRODUÇÃO

Pretende-se com o presente trabalho analisar o consórcio público in-


termunicipal sob a ótica do direito de retirada previsto no artigo 11, da
Lei nº 11.107/2007, bem como do artigo 25, do Decreto nº 6.017/2007,
e as implicações do exercício dessa prerrogativa na destinação dos bens
adquiridos com recursos provenientes de Convênios assinados para a im-
plementação das políticas de saneamento básico.

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774
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE2 mos-
tram que aproximadamente 30% dos municípios brasileiros informam
participação em algum tipo de consórcio na área de saneamento bási-
co, com destaque para as regiões Sul e Nordeste, conforme o gráfico 13
abaixo, o que vem a demonstrar que esta forma de ajuste para a imple-
mentação de soluções de saneamento básico vem recebendo relevante
atenção das administrações municipais e, por consequência, das entida-
des que visam a fomentar a implementação de sistemas de saneamento
básico, como esta Fundação Nacional de Saúde.

Para a Fundação Nacional de Saúde, a importância dos consórcios


fica patente quando verificamos que os Municípios atendidos por sua

2 Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística – IBGE, Perfil dos Municípios


Brasileiros: Saneamento Básico: Aspectos gerais da gestão da política de saneamento bá-
sico: 2017/IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Rio de Janeiro, IBGE,
2018, pp. 24-25, disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101610.
pdf (acedido em 03 de setembro de 2019).

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775
Estudos de Direito do Saneamento

política de transferência de recursos, ou seja, aqueles com populações


de até 50 mil habitantes consorciam-se na proporção de 30 por cento,
conforme o gráfico 14 abaixo elaborado pelo IBGE3.

Considerando a evolução na implementação de Consórcios Públi-


cos no país, considerando a atuação da Fundação Nacional de Saúde
na implementação de políticas de saneamento básico em município de
até 50 mil habitantes, considerando a abordagem do tema no Curso
de Extensão em Direito do Saneamento, justifica-se a análise do tema
no presente trabalho.

3 Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística – IBGE, Perfil dos Municípios


Brasileiros: Saneamento Básico: Aspectos gerais da gestão da política de saneamento bá-
sico: 2017/IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Rio de Janeiro, IBGE,
2018, p. 25, disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101610.pdf
(acedido em 03 de setembro de 2019).

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776
1. DO CONSÓRCIO PÚBLICO COMO MEIO DE IMPLEMENTAÇÃO
DAS POLÍTICAS DE SANEAMENTO BÁSICO

A implementação de sistemas de saneamento básico4 acarreta um


esforço considerável dos entes envolvidos na concepção, execução, ma-
nutenção, acesso dos beneficiários e governança que, não raras vezes, le-
vam à existência de projetos que, se levados a cabo por apenas um ente
federativo, acarretarão prejuízos financeiros e, com isso, dificuldades na
expansão dos projetos inicialmente concebidos.

Tal realidade pode ser verificada ‘in loco’ quando se trata de Mu-
nicípio de pequeno porte, tal qual aqueles atendidos pela Fundação
Nacional de Saúde na implementação de sua missão institucional, nos
termos da Portaria nº 5.598, de 12 de setembro de 2018.

Além de contarem com uma estrutura arrecadatória limitada, depen-


derem de repasses de outros entes federativos, e não possuírem, em
muitos casos, mão-de-obra suficiente para o gerenciamento dos siste-
mas de saneamento básico, na maioria das vezes seus projetos, ainda,
não possuem viabilidade econômica para sozinhos, se financiarem.

Somado ao acima exposto, podemos, ainda, citar o fato de muitos


entes federativos possuírem os mesmos problemas que, se fossem so-
lucionados por meio de um acordo cooperativo que os unisse em um
mesmo projeto, resultaria em ganho de escala e em amplitude, pois,
sendo maior o número de beneficiários, maior, em tese, a possibilidade

4 O conceito legal de saneamento básico encontra-se previsto no artigo 3º, I, da


Lei nº 11.445/2007.

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777
Estudos de Direito do Saneamento

de se criar um projeto mais abrangente com redução de custo, atenden-


do ao princípio elencado no artigo 2º, inciso V, da Lei nº 11.445/20075.

Alice Gonzales Borges destaca especificamente o aspecto da econo-


mia de escala e da eficiência na utilização conjunta de recursos na rea-
lização de políticas públicas de interesse coletivo, inclusive no que diz
respeito ao poder de negociação com os governos estaduais e federal,
e inclusive para atração de investimentos oriundos da iniciativa privada6.

Por essa razão o advento da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, e


seu regulamento, o Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007, edita-
dos para disciplinar o disposto no artigo 241, da Constituição Federal,
com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, no que diz
respeito à gestão associada de serviços públicos, seja por meio de con-
vênios (estes já anteriormente disciplinados e de uso corrente em nossa
realidade jurídica), seja por meio de consórcios públicos, foram de suma
importância para a regulamentação e o aprimoramento da segurança ju-
rídica a respeito deste tipo de instrumento7.

Torna-se, portanto, o instrumento de consórcio público um mecanis-


mo para a implementação de políticas públicas no panorama nacional,

5 Brasil. Ministério Da Saúde. Fundação Nacional DE SAÚDE, Cartilha de Con-


sórcios Públicos de Saneamento Básico: explicitando os caminhos, as experiências e as
vantagens da cooperação interfederativa no saneamento / Ministério da Saúde, Fundação
Nacional de Saúde; Universidade Federal do Rio de Janeiro.– Rio de Janeiro: UFRJ, 2017,
p. 13/21, disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/39040/Cartilha+-
de+Consorcios+Publicos+de+Saneamento+Basico.pdf/7e3f38b7-1e04-4c7f-928c-85d2d9f-
55d7c (acedido em 30 de agosto de 2019).
6 A. GONZALES BORGES. “Os consórcios públicos na sua legislação reguladora”,
Revista Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 7, n. 32, jul./ago 2005.
7 A previsão de contratação regionalizada de serviços de saneamento básico en-
contra amparo nos artigos 41 a 43 do Decreto nº 7.217/2010.

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778
com a sua inserção na política nacional de saneamento básico, conforme
se observa nos artigos 13, 15, inciso II e 16, da Lei nº 11.445, de 05 de janeiro
de 2007, que institui as diretrizes nacionais para o Saneamento Básico8.

Vale aqui adotarmos o conceito legal de consórcio público, ou seja,


“pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na for-
ma da Lei no 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação
federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, cons-
tituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito
público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado
sem fins econômicos;”, conforme artigo 2º, I, do Decreto nº 6.017/20079.

8 Nesse sentido “O objetivo dos consórcios públicos é viabilizar a gestão pública


nos espaços metropolitanos e rurais em que a solução de problemas comuns só pode se
dar por meio de políticas e ações conjuntas. O consórcio permite que pequenos municípios
ajam em parceria e, com o ganho de escala, melhorem a sua capacidade técnica, gerencial
e financeira. Também é possível fazer alianças em regiões de interesse comum, como ba-
cias hidrográficas ou polos regionais de desenvolvimento, melhorando a prestação de ser-
viços públicos relevantes para a população.” (M. R. De Aguiar Jardim Amorim. “Consórcios
públicos: o poder de diálogo das prefeituras junto aos governos estadual e federal”, Seplan,
disponível em http://www.seplan.go.gov.br/sepin/pub/conj/conj8/10.htm (acedido em 20
de setembro de 2009. Apud T. Alvez Chieco, “O papel dos consórcios públicos no setor de
saneamento básico à luz da Lei n. 11.445/2007 e do Decreto n. 7.217/2010”, in A. Neves Del
Pozzo, J. R. Pimenta Oliveira e R. De Pinho Bertoccelli, Tratado sobre o marco regulatório
do saneamento básico no direito brasileiro, São Paulo, Editora Contracorrente, 2017, p.
330). E mais “Com efeito, certamente há vantagens em se contratar um consórcio presta-
ção de serviços de saneamento básico, possibilitando ao titular dos serviços a delegação
das funções de organização, regulação, prestação e fiscalização de tais atividades (artigo 8º
da Lei n. 11.445/2007). Outrossim, a gestão associada por meio de consórcio proporciona
a criação de uma estrutura capaz de atender aos problemas da sustentabilidade e univer-
salidade, bem como viabiliza a concentração de investimentos nos empreendimentos de
saneamento, especialmente nas localidade de baixa renda.” (Alvez Chieco, Tratado sobre o
marco regulatório do saneamento básico, p. 336).
9 No artigo 2º, I, do Decreto nº 60.017/2007 encontramos a definição de consór-
cio público como sendo “pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação,
na forma da Lei no 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa,
inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação públi-
ca, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa
jurídica de direito privado sem fins econômicos;”.

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779
Estudos de Direito do Saneamento

Tal definição tem o intuito de diferenciar o consórcio público (ins-


tituído pela Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, e seu regulamento,
o Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007) do consórcio adminis-
trativo existente antes da entrada em vigor da mencionada legislação.
Destacamos que os consórcios administrativos, eram admitidos somente
entre entidades estatais, autárquicas ou fundacionais da mesma espé-
cie (consórcios entre municípios ou entre Estados, mas nunca entre um
Município e um Estado, por exemplo), não criavam uma pessoa jurídica
própria e careciam de regulamentação específica, o que tornava a sua
implementação mais precária10.

Já os Consórcios Públicos, conforme formulação legal (artigo 1º, caput,


da Lei nº 11.107/2005) podem ser firmados entre as diversas esferas de go-
verno, sendo condição para que a União participe o fato de que todos os Es-
tados Membros em cujo território estejam situados os municípios consorcia-
dos também façam parte do ajuste (artigo 1º, §2º, da Lei nº 11.107/2005).

Lembremos, também, que a União está legalmente autorizada a fir-


mar convênios com consórcios públicos, conforme artigo 2º, §1º, I c.c.
artigo 14, da Lei nº 11.107/200511.

10 J. Dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 25ª ed. rev.,
ampl. e atual. até a Lei nº 12.587, de 3.1.2012, São Paulo, Editora Atlas, 2013, p. 224 e D.
Gasparini, Direito Administrativo, 14ª ed., São Paulo, Saraiva, 2014, p. 807.
11 Importante atentarmos para as condicionantes presentes no artigo 39, do De-
creto nº 6.017/2007 no que diz respeito à assinatura de convênios entre a União e os Con-
sórcios Públicos, especialmente o fato de que, a partir de 1º de janeiro de 2008, a União
somente passou a poder assinar convênios com Consórcios Públicos que se formem com
a personalidade jurídica de associação publica, ou que para essa forma tenha se conver-
tido, a que cada um dos entes consorciados atenda às exigências legais aplicáveis, sendo
vedada sua celebração caso exista alguma inadimplência por parte de qualquer dos entes
consorciados (§1º), e que a comprovação do cumprimento das exigências para a realização
de transferências voluntárias ou celebração de convênios para transferência de recursos
financeiros, deverá ser feita por meio de extrato emitido pelo subsistema Cadastro Único
de Exigências para Transferências Voluntárias - CAUC, relativamente à situação de cada um
dos entes consorciados, ou por outro meio que venha a ser estabelecido por instrução
normativa da Secretaria do Tesouro Nacional (§2º).

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780
Buscando implementar a realização deste tipo de acordo, e aten-
dendo ao que preceitua o artigo 14, da Lei nº 11.107/2005, a Portaria
Interministerial nº 424, de 30 de dezembro de 2016 dedicou o capítulo
V do Título I a determinar que “Os órgãos e entidades da Administração
Pública Federal darão preferência às transferências voluntárias para Es-
tados, Distrito Federal e Municípios cujas ações sejam desenvolvidas por
intermédio de consórcios públicos, constituídos segundo o disposto na
Lei nº 11.107, de 2005” (artigo 11), repetindo a mesma sistemática que
já vinha sendo adotada na Portaria Interministerial nº 507/MP/MF/CGU,
de 24 de novembro de 2011, artigos 13 a 15.

Importante frisarmos que as Portarias Interministeriais acima citadas


permitem que os recursos a serem repassados por meio de Convênios
poderão ocorrer com a assinatura do instrumento de convênio com o
Consórcio Público (artigo 12, da Portaria Interministerial nº 424, de 30
de dezembro de 2016), bem como com um dos integrantes do Consórcio
Público (artigo 13, da Portaria Interministerial nº 424, de 30 de dezembro
de 2016), sendo que, em todos os casos, o objeto pactuado tem como
finalidade beneficiar todos os integrantes do Consórcio Público em tela.

O Convênio assinado, portanto, tem o objetivo de assegurar que as obras


ou serviços contratados com os recursos dele provenientes fossem utilizados
em favor da população representada por todos os entes consorciados, vindo
daí o cálculo da dimensão dos recursos transferidos pelo ente convenente.

O projeto aprovado pelo concedente nestas situações levará em con-


ta a viabilidade de sua implantação tendo em consideração o conjunto de
beneficiários e não somente o Município contemplado.

Nesse ponto, vale a pena atentarmos para a forma como o contrato


de programa foi formulado, pois é nele que encontraremos a disciplina re-
lativa à destinação dos bens adquiridos e repassados pelos consorciados.

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781
Estudos de Direito do Saneamento

O contrato de programa vem previsto no artigo 2º, XVI, da Lei nº 6.017/2005,


sendo o “instrumento pelo qual devem ser constituídas e reguladas as obriga-
ções que um ente da Federação, inclusive de sua administração indireta, tenha
para com outro ente da Federação, ou para com consórcio público, no âmbito da
prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa.”.

É nesse contrato, na verdade um ajuste de caráter cooperativo (visto


que não é firmado para tratar de interesses antagônicos, mas para re-
gular a gestão associada dos bens e de outros compromissos relativos à
gestão dos consócios públicos)12, que encontraremos as disposições que
pretendem disciplinar o regime dos bens que serão utilizados para a rea-
lização dos objetivos previstos pelo Consórcio Público.

Assim, no protocolo de intenções já há possibilidade de menção à trans-


ferência de bens para a gestão do Consórcio Público, como previsto em seu
artigo 4º, §3º, que permite a doação, destinação ou cessão do uso de bens
móveis ou imóveis para a execução do objeto previsto, no artigo 13, §2º, V, da
Lei nº 11.107/2005, bem como artigo 33, §1º. V, do Decreto nº 6.017/2007.

Notamos que os bens transferidos para o consórcio público pelos


seus integrantes podem o ser somente a título de empréstimo, o que
resulta na possibilidade de reversão destes quando da eventual extinção
do consórcio, exclusão do consorciado ou retirada deste da avença, bem
como pode ocorrer a transferência definitiva dos bens, por meio de uma
das formas de alienação previstas na legislação.

Tratando da questão da transferência do bem para o consórcio públi-


co, José dos Santos Carvalho Filho aponta que a melhor solução seria a
utilização de empréstimo dos bens a maneira mais adequada de gerir os

12 J. Dos Santos Carvalho Filho, Consórcios Públicos: Lei nº 11.107, de 06.04.2005,


e decreto nº 6.017, de 17.01.2007, 2ª ed., São Paulo, Atlas, 2013, p. 139.

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782
bens pelo consorciado quando este os adquiriu com recursos próprios,
cuidando-se de exercício de previdência na gestão do patrimônio público
direcionado para a execução do objeto do consórcio público13.

Para o autor, a alienação do bem para o domínio do consórcio público


somente seria cabível quando necessária para a melhor execução do servi-
ço e para atender às demandas da coletividade14, o que pode ocorrer, por
exemplo, quando a manutenção do bem em nome do Consórcio Público seja
necessária para garantir o continuidade da prestação do serviço público.

Nesse caso, a transferência do domínio em benefício do consórcio públi-


co acarretará maior segurança na otimização dos investimentos de recursos
públicos que o município consorciado obtiver por meio de convênio.

Comenta, ainda, o autor que é possível a alteração superveniente na


identificação dos bens mencionados originalmente no contrato de progra-
ma, considerando que a alteração na configuração dos serviços públicos
pode acarretar identificação de novos bens ou substituição dos já existen-
tes, de modo que “bens indicados como suscetíveis apenas de empréstimo
podem ser convertidos em bens disponíveis, e vice-versa”, prevalecendo o
interesse dos consorciados e as metas objeto do Consórcio Público15.

2. DA RETIRADA DO MUNICÍPIO DO CONSÓRCIO PÚBLICO

Por sua vez, o artigo 24 do Decreto nº 6.017/2007 assevera que ”Ne-


nhum ente da Federação poderá ser obrigado a se consorciar ou a per-

13 Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 159.


14 Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 159.
15 Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 139.

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783
Estudos de Direito do Saneamento

manecer consorciado”, de modo que este pode, a qualquer momento,


pleitear a sua retirada do Consórcio.

Sob o prisma do pacto federativo vigente no Brasil, faz todo o sentido a


previsão acima, nos termos do artigo 1º, da Constituição Federal, que enun-
cia que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrá-
tico de Direito e tem como fundamentos:” combinado com o 18 da Consti-
tuição Brasileira, que assevera que “A organização político-administrativa da
República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”.

Dessa forma, se por um lado a cooperação entre os entes federati-


vos é uma realidade atinente à própria forma federativa do Estado bra-
sileiro16, esta mesma forma federativa garante aos componentes des-
te Estado federado o exercício de competências exclusivas e autonomia em suas
escolhas17, desde que estas não afetem a união indissolúvel desse Estado Federal.

16 Nesse sentido “A realidade do regime federativo, entretanto, não pode abdicar do re-
gime de cooperação e parceria ente seus componentes. Não se trata de mera escolha do Consti-
tuinte federal, mas de fator inerente à própria forma federativa e à descentralização do poder que
a caracteriza. Se as entidades federativas ostentam poderes definidos na Constituição – poderes
a serem respeitados pelos demais entes, diga-se de passagem-, daí resulta a notória possibilidade
do surgimento de conflitos entre elas dado que inúmeros são os interesses em jogo, frequente-
mente conflitantes. Assim, a única forma de evolução política e social do Estado federal é aquela
através da qual as pessoas federativas se associam para um fim comum: a evolução do próprio
Estado e o bem-estar da sociedade. Conflitos e desarmonias significam sempre dar um passo á
frente e vários para trás. Na cooperação, ao contrário, todos se envolvem nos mesmos objetivos
e buscam a satisfação de todos os interesses.” (Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 5).
17 Assim “A autonomia federativa assenta-se em dois elementos básicos: (a) na
existência de órgãos governamentais próprios, isto é, que não dependam dos órgãos fede-
rais quanto à forma de seleção e investidura; (b) na posse de competências exclusivas, um
mínimo, ao menos, que não seja ridiculamente reduzido. Esses pressupostos da autonomia
federativa estão configurados na Constituição (arts. 18 a 42).” (J. A. Da Silva, Curso de Direi-
to Constitucional Positivo, 34ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2011, p. 100).

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784
Por essa razão, vem previsto o direito de retirada ou recesso no artigo
11, da Lei nº 11.107/200518, e no artigo 25, do Decreto nº 6.017/200719.
Quanto a essa figura, José dos Santos Carvalho Filho, a define como a forma pela
qual se processa o afastamento voluntário do consorciado por meio de declaração
formal deste de que não mais pretende integrar o consórcio público20/21/22.

Explica-nos o autor que

“O pressuposto da retirada é o interesse do consorciado em afastar-se


do consórcio. A despeito de sua participação gerar uma série de obri-
gações, é possível que fator superveniente conduza o ente ao afasta-

18 Artigo 11. A retirada do ente da Federação do consórcio público dependerá de ato


formal de seu representante na assembleia geral, na forma previamente disciplinada por lei.
§ 1o Os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira so-
mente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no con-
trato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação.
§ 2o A retirada ou a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações
já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do
prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.
19 Artigo 25. A retirada do ente da Federação do consórcio público dependerá de ato
formal de seu representante na assembleia geral, na forma previamente disciplinada por lei.
§  1o  Os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira so-
mente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão do con-
trato de consórcio público ou do instrumento de transferência ou de alienação.
§  2o  A retirada não prejudicará as obrigações já constituídas entre o consorciado
que se retira e o consórcio público.
§  3o (omissis)
20 Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 122.
21 A definição de retirada encontra-se, também, na no artigo 2º, VI, do Decreto nº
6.017/2007.
22 Ensina José dos Santos Carvalho Filho que há também a previsão de afasta-
mento compulsório do consorciado, nos termos do artigo 8º, §5º, da Lei nº 11.107/2005
e artigo 26, do Decreto nº 6.017/2007. A este afastamento a norma denominou exclusão.
(Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 127).

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785
Estudos de Direito do Saneamento

mento. Para não deixar dúvida a respeito, o Decreto nº 6.017/2007


foi peremptório em garantir que nenhum ente da federação pode ser
obrigado a consorciar-se ou a permanecer consorciado.”23

José Maria Pinheiro Madeira observa que a previsão da retirada tem


por escopo estabelecer dar garantia legal à execução dos atos e objeti-
vos do negócio a ser firmado, condicionando o exercício desse direito
ao cumprimento dos requisitos listados. Com isso o autor aponta que as
saídas aleatórias e inconsequentes dos entes públicos serão coibidas24.

3. DA DESTINAÇÃO DO OBJETO ADQUIRIDO POR MEIO DE


CONVÊNIO PARA O BENEFÍCIO DO CONSÓRCIO PÚBLICO

O ponto que se observa quando se adota a possibilidade de exercício do


direito de retirada do município de um consórcio público diz respeito às impli-
cações que tal prerrogativa trará para os demais entes que se consorciaram,
especialmente no que diz respeito ao planejamento traçado para o exercício
de ações objetivando a execução de projetos de saneamento básico.

José Roberto Pimenta Oliveira atenta para o fato de que o planejamen-


to possui fundamentos constitucionais, sendo mecanismo essencial de
organização do Estado brasileiro, atribuindo a todos os entes federativos
o dever poder de planejar as atividades a serem desenvolvidas, conforme
previsto nos artigos 21, IX, 25, §3º, 29, XII e 30, VIII, todos da Constituição
Federal brasileira, de tal modo, que o planejamento passa a ser encarado

23 Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 122.


24 J. M. Pinheiro Madeira, “Aspectos gerais e relevantes da recente Lei dos Consórcios
Públicos e contrato de programa (Lei Federal nº 11.107/05)”, Fórum de Contratação e Gestão
Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 5, n. 49, jan. 2006, disponível em: <http://www.bidforum.
com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=33710>. (acedido em 10 de setembro de 2019).

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786
como expressão do Princípio da Legalidade (na medida em que vem previs-
to em texto normativo), da Moralidade (obsta o arbítrio e o desvirtuamen-
to das competências de cada ente federativo e das obrigações assumidas
por eles quando no exercícios destas) e da Impessoalidade (na impossibili-
dade de tal planejamento servir a interesses pessoais do administrador)25.

O planejamento é, pois, segundo o autor, o exercício da função


administrativa26 e, em última instância, uma dimensão jurídica da
indisponibilidade do interesse público27.

Dessa forma, a análise dos projetos leva em conta a existência de uma ati-
vidade planejada entre os entes consorciados. O planejamento é de suma im-
portância na atualidade para a melhor configuração dos projetos e para o atin-
gimento de uma escala ótima na utilização dos recursos públicos envolvidos.

No que se refere às atividades dos consórcios públicos, a questão do


planejamento28 se torna ainda mais relevante pois a visão a ser adotada

25 J. R. Pimenta Oliveira. “O planejamento do serviço público de saneamento bá-


sico na Lei n. 11.445/2007 e no Decreto n. 7.217/2010”, in A. Neves Del Pozzo, J. R. Pimenta
Oliveira e R. De Pinho Bertoccelli, Tratado sobre o marco regulatório do saneamento bási-
co no direito brasileiro, São Paulo, Editora Contracorrente, 2017, p. 542-544.
26 Adotamos, para o termo função administrativa, o seguinte conceito “[...] a
função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura
e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato
de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infra-
constitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário.” (C. A. Ban-
deira De Mello. Curso de Direito Administrativo, 30ª ed., revista e atualizada até a Emenda
Constitucional 71, de 29.11.2012, São Paulo, Malheiros Editores, 2013, p. 36).
27 Pimenta Oliveira, Tratado sobre o marco regulatório do saneamento básico, p. 542-544.
28 Quanto à técnica de planejamento, José Roberto Pimenta Oliveira atenta que “A
técnica reporta-se à necessidade de que o planejamento consista, fundamentalmente, em
atividade de conhecimento da realidade existente (diagnóstico), da análise das alternativas
da realidade futura (cenários) e de fixação de objetivos e metas (prognóstico), de definição
de programas, projetos e ações necessários ao atingimento dos objetivos, e fixação dos
meios de informação, análise, controle e avaliação das ações executadas.” (Pimenta Olivei-
ra, Tratado sobre o marco regulatório do saneamento básico, p 549.)

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787
Estudos de Direito do Saneamento

tem um efeito mais amplo, pois trata de criar um plano que visa a aten-
der uma gama maior de beneficiários, devendo conter em seu projeto
a integração de interesses de diversos municípios, que não poderão ser
prejudicados com o exercício da retirada de um dos consorciados.

Tal situação também é a expressão da segurança jurídica que deve


guiar as relações firmadas entre os interessados, de modo que as obri-
gações assumidas pelos entes consorciados deverão ser cumpridas inde-
pendentemente do exercício do direito de retirada. A manifestação de
certeza e estabilidade que este princípio encerra garantirá que os Planos
de Saneamento Básico sejam efetivos e que as expectativas dos desti-
natários do projeto aprovado serão atendidas pelos benefícios trazidos
pelas obras de saneamento básico29.

Essa preocupação com o planejamento e com a responsabilidade pe-


los atos dos Consorciados quando da entrada, da atuação e da retirada
do Consórcio Público tem relação também com a chamada Administra-
ção Pública Consensual, pois a realidade atual vem colocando o adminis-
trador público em contato com vários atores, com quem deve negociar
de maneira simultânea, chegando ao melhor projeto para o atendimento
das necessidades de todos os envolvidos, visando ao alcance de objeti-
vos que sejam comuns a todos os envolvidos30.

29 Sobre o Princípio da Segurança Jurídica e seu duplo aspecto de certeza e estabilida-


de, Rafael Valim assim o explica “A certeza encarna, portanto, a noção de que o indivíduo deve
estar seguro não só quanto à norma aplicável, mas também quanto ao sentido deôntico que
encerra essa mesma norma. (...) É de rigor, portanto, que à previsibilidade oferecida pela certeza
se acresça a estabilidade do Direito, de molde a assegurar os direitos subjetivos e as expectativas
que os indivíduos de boa-fé depositam na ação do Estado. (...)” (R. Valim, O princípio da seguran-
ça jurídica no direito administrativo brasileiro, São Paulo, Malheiros Editores, 2010, p. 47).
30 O. Medauar e G. Justino De Oliveira, Consórcios públicos: comentários à Lei
11.107/2005, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006, pp. 30-34.

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788
Assim, os bens adquiridos pelo Consórcio Público ou até mesmo pelo
município que pretende se retirar devem ser destinados à consecução do
projeto inicialmente previsto, beneficiando toda a população abrangida
pela entidade consorcial, pois somente com a manutenção da destinação
inicial prevista a finalidade pública será alcançada.

Dirceu Rodolfo de Melo Junior aponta a segurança jurídica como prin-


cípio a nortear a redação do §2º do artigo 11, do Lei nº 11.107/2005,
como elemento a proteger a gestão associada de serviços públicos, ga-
rantindo a “intangibilidade das obrigações já constituídas nos contratos
de programa, caso o consórcio venha a ser extinto, sendo inclusive pre-
visto o pagamento de indenização”31. Tudo isso pode ser aplicado, tam-
bém, ao destino dos bens concretizados com os recursos provenientes
dos convênios assinados pelos entes consorciados.

Por isso, não seria possível que um Município que assinou um Convê-
nio com a FUNASA para implementação de projeto regional de saneamen-
to básico (por exemplo, a instalação de Sistema de Tratamento de Esgoto,
de construção de um laboratório de análise de qualidade de água) indique
motivos de interesse próprio para se retirar do Consórcio Intermunicipal
e, alegando que o bem construído se encontra em seu território, sobre
terreno de sua propriedade, pretenda auferir somente ele dos benefícios
daquele empreendimento revertendo o bem para o seu nome.

A manutenção das mencionadas obrigações para com o consórcio do qual


o município se retira, a fim de garantir a finalidade conjunta do bem cons-
truído faz todo o sentido se contemplarmos o conceito de interesse público,
conforme acepção de Celso Antonio Bandeira de Mello, no sentido de que

31 D. R. Melo Júnior, “O novo regime dos consórcios públicos e o federalismo


compartilhado: um desafio para o controle externo brasileiro”, Interesse Público – IP, Belo
Horizonte, ano 13, n. 65, jan./fev. 2011, disponível em: http://www.bidforum.com.br/bid/
PDI0006.aspx?pdiCntd=71835 (acedido em 18 de setembro de 2019).

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789
Estudos de Direito do Saneamento

“(...) nada mais é que a dimensão pública dos interesses indivi-


duais, ou seja, do interesse de cada indivíduo enquanto partícipe
da Sociedade (entificada juridicamente no Estado).(...).

(...). Não é, portanto, de forma alguma, um interesse constituí-


do autonomamente, dissociado dos interesses das partes e, pois,
passível de ser tomado como categoria jurídica que possa ser
erigida irrelatamente aos interesses individuais (...). Então, dito
interesse, o público – e esta já é uma primeira conclusão -, só se
justifica na medida em que se constitui em veículo de realização
dos interesses das partes que o integram no presente e das que
o integrarão no futuro. Logo, é destes que, em última instância,
promanam os interesses chamados públicos.

Donde, o interesse público deve ser conceituado como o inte-


resse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos
pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de
membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem.” 32

Assim, se por um lado o princípio federativo garante ao ente con-


sorciado o direito de se retirar da associação em que esteja inserido, a
necessidade de preservação do interesse público subjacente (e que con-
tinua a existir mesmo após a sua opção por se retirar do consórcio) faz
com que este ente federativo tenha que honrar as obrigações assumidas.

Inclusive, a possibilidade de determinação por parte do Concedente


de que os bens realizados com recursos repassados por meio de convê-
nio para benefício do consórcio encontra amparo no artigo 53, do De-
creto nº 7.217/2007, quando instituiu como objetivos da Política Federal
de Saneamento Básico promover alternativas de gestão que viabilizem a
sustentação econômico-financeira dos serviços de saneamento básico,
com ênfase na cooperação federativa (inciso VII), e estímulo à implanta-

32 Bandeira De Mello, Curso, pp. 60-62.

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790
ção de infraestruturas e serviços comuns a Municípios, mediante meca-
nismos de cooperação entre entes federados (inciso XI).

No caso concreto desta Fundação Nacional de Saúde, verificamos que esta


determinação encontra-se na Minuta de Convênio aprovada pelo Parecer Re-
ferencial nº 00001/2017/COVEN/PFFUNASA/PGF/AGU33 quando, na Cláusula
Décima Sétima – Da Prestação de Contas, consta no parágrafo décimo quarto,
inciso II, aponta como obrigação do convenente declarar a realização dos obje-
tivos a que se propunha o instrumento de Convênio, ou seja, que ao objeto do
acordo tenha sido dado o destino apontado no Plano de Trabalho aprovado.

Há fundamento, portanto, para a previsão do artigo 11, §1º, da Lei nº


11.107/2005, e artigo 25, §1º, do Decreto nº 6.017/2007 no sentido de que a re-
versão dos bens destinados pelo município ao atingimento dos fins do Consórcio
Público somente ocorrerá quando de sua retirada em caso de expressa previsão
no contrato de programa. A regra, pois, é a da manutenção dos bens destinados
à implementação do objeto pactuado junto aos consórcios públicos34.

Tal indicação serve para a manutenção das atividades do consórcio, bem


como para garantir segurança às relações dos acordos formados ente o con-

33 Os pareceres referenciados são aqueles exarados nos termos da Portaria/PGF


nº 262, de 5 de maio de 2017, editada para otimizar a atuação dos Procuradores Federais,
quando as matérias analisadas disserem respeito ao temas recorrentes que acarretam exces-
so de processos e impactem na demanda de trabalho em assuntos em que a verificação do
atendimento das exigências legais se restrinja à simples conferência de documentos.
34 Merece destaque a posição contrária que, criticando o dispositivo acima, defende
que a regra deveria ser a reversão dos bens quando da retirada do consorciado. Para tal posiciona-
mento, “[...] dada a inerente vinculação dos bens públicos, em geral, aos fins da entidade respon-
sável por sua gestão e dada a temporariedade dos consórcios [...]”, de modo que a regra seria a da
reversibilidade dos bens. (Medauar e Oliveira, Consórcios públicos, p.99). Em sentido contrário,
Maria Elisa Braz Barbosa defende que a reversão deve ser tratada como exceção, tal o previsto nas
normas. Isso porque, rege a matéria em questão o princípio da Continuidade do serviço público, já
que, por não haver contraposição entre interesse público e interesse privado (como nas relações
entre o poder Público e o particular), não há falar em supremacia do interesse público ou indispo-
nibilidade do interesse público. (M. E. Braz Barbosa, “Os bens nos consórcios públicos”, Fórum de
Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 16, n. 181, jan. 2017, pp. 62/63.

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791
Estudos de Direito do Saneamento

sórcio e terceiros. Por essa razão, nos convênios firmados com a Fundação
Nacional de Saúde, resta ao município convenente responsável a obrigação
de destinar o bem à realização dos interesses do Consórcio Público.

Ampara, ainda, a manutenção do bem junto ao Consórcio Público a


aplicação do Princípio da Cooperação Federativa. Tal princípio se expressa,
por exemplo, na regra prevista no artigo 53, VII, do Decreto nº 7.217/2010,
quando prevê a articulação dos agentes envolvidos na execução de ações
de saneamento básico, estabelecendo meios para a unidade das ações dos
diferentes agentes o que, neste caso, dar-se-á com a disponibilização do
bem para todos aqueles que possuem relação com o consórcio público.

Lembremos que a aprovação do Projeto pelo ente Concedente levou


em consideração as necessidades de toda a população representada pe-
los demais municípios integrantes do consórcio público, as obrigações
assumidas pelo ente federativo que se retira do consórcio público devem
ser mantidas, independentemente de sua retirada, por força do artigo
artigo 25, §2º, do Decreto nº 6017/2007, acima transcrito35.

4. DAS POSSÍVEIS FORMAS DE TRANSFERÊNCIA PARA O


CONSÓRCIO PÚBLICO DOS BENS ADQUIRIDOS POR MEIO DO
CONVÊNIO ASSINADO COM MUNICÍPIO QUE PRETENDE EXERCER O
DIREITO DE RETIRADA

A importância da gestão dos bens dos consórcios públicos, especial-


mente daqueles que resultem em prestação de serviços públicos, como

35 Nesse sentido “Em razão de o consórcio acarretar obrigações para os consor-


ciados, a retirada voluntária deve obedecer ao cumprimento de determinados requisitos e
sujeitar-se a certos efeitos específicos, isso para não desmantelar o consórcio em detrimen-
to dos demais pactuantes.” (...) (Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 123).

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792
os de saneamento básico, deve ser um tópico central quando da imple-
mentação dos consórcios públicos. Por isso

“[...] é de todo conveniente que o regime de reversão seja bem deli-


neado nos instrumentos contratuais, de modo a indicar as condições
em que deverão ser revertidos os bens (e quais exatamente serão re-
vertidos). Essa cautela resta ainda mais evidenciada em face dos con-
sórcios que têm por escopo a conservação, operação e manutenção
de bens imprescindíveis à continuidade dos serviços públicos.”36

Assim, a ideia é a de que os bens obtidos por meio de convênios


assinados em benefício dos consórcios públicos devam ser destinados
a esta finalidade, independente da retirada do município que recebeu
os recursos para este fim, pois o projeto aprovado que deu ensejo à
liberação dos recursos públicos teve como escopo o benefício do ente
consorciado e de todos os seus usuários.

Caso não esteja prevista tal hipótese no contrato de programa, vislum-


bramos como alternativa para a correta destinação do bem a sua doação
para o consórcio público, conforme previsto no artigo 17, da Lei nº 8.666/93.

Por essa razão, interessante que o Consórcio Intermunicipal cobre do


ente federado que obteve recursos para realização de objeto em nome
do Consórcio que este aprove lei destinando o bem para cumprir o obje-
to do consórcio, independente de sua saída do acordo firmado. Com essa
providência estará assegurada a destinação inicial do bem, atendendo ao
disposto no artigo 17, da Lei nº 8.666/93, conforme permitido no artigo
4º, §3º, da Lei nº 11.107/2005, com vistas a manter a estabilidade nas
relações existentes entre os consorciados e seus beneficiários, evitando
o perigo de supressão ou corte no serviço prestado.

36 Braz Barbosa, FCGP, p. 62.

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793
Estudos de Direito do Saneamento

O artigo 17, da Lei nº 8.666/93 trata do regime jurídico da aliena-


ção de bens por parte da Administração Pública. Conforme consta de tal
dispositivo legal, havendo interesse público (no caso, a manutenção do
serviço objeto do Consórcio Público) e avaliação prévia, após autorização
legislativa, no caso de bens imóveis, dispensada a licitação, pelo fato de
o Consórcio Público ser considerado entidade da Administração Pública,
nos termos do artigo 41, IV, do Código Civil Brasileiro37.

Dessa forma:

“Conforme a natureza e os fins do consórcio público, podem ser


ajustadas no pacto consorcial a alienação, destinação ou a trans-
ferência de bens do domínio do ente consorciado em favor da
pessoa jurídica do consórcio.

A propósito de tal possibilidade, a Lei nº 11.107/2005 estabelece que,


quando o consorciado se retira, devem os referidos bens permane-
cer sob o domínio do consorcio. Em outras palavras, esses bens só
podem ser revertidos ou retrocedidos ao ente consorciado se houver
expressa disposição no contrato de consórcio ou no instrumento que
formalizou a alienação ou transferência (artigo 11, §1º).

O dispositivo guarda consonância com o artigo 4º, §3º, da Lei nº


11.107/2005, segundo o qual se permite ao ente federativo efetuar
doação, destinação ou cessão de uso de bens móveis e imóveis para o
consórcio público, visando à gestão associada de serviços públicos.”38

Reconhecemos que a doação, a depender do objeto adquirido, seria


mais adequada em se tratando de bens móveis, como ocorre com os

37 Retomamos, aqui, o disposto no artigo 39, do Decreto nº 6.017/2007 no senti-


do de que a partir de 1o de janeiro de 2008 a União somente passou a celebrar convênios
com consórcios públicos constituídos sob a forma de associação pública ou que para essa
forma tenham se convertido.
38 Carvalho Filho, Consórcios Públicos, p. 124.

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794
caminhões coletores de lixo, os veículos de análise de qualidade de água,
ente outros bens móveis que fazem parte do acervo de bens financiados
por Convênios assinados com a FUNASA.

Por outro lado, quando analisamos a forma de destinação dos bens


imóveis, a alternativa de se proceder à doação do bem pode trazer al-
guns inconvenientes de ordem técnica ou política.

Em primeiro lugar, porque a doação por si só não vai garantir a efeti-


vidade na destinação do bem. Basta pensarmos qual a função de se doar
uma estação elevatória de água ou uma estação de tratamento de esgoto
para o consórcio se ela se situar dentro do perímetro do município que se
pretende retirar. Nesse caso, as dificuldades para o acesso e a manutenção
do equipamento urbano poderão por em risco a sua utilidade, além de im-
plicações sobre a questão da titularidade do terreno onde o bem se situa.

Ademais, temos que encarar a possibilidade de que a destinação do


bem obtido com verbas repassadas por convênio ao Consócio Público
não ocorra. Tal situação poderá se dar caso o Município não proceda
à transferência do mesmo, ou, caso haja início do processo de transfe-
rência, esta não se consume (pensemos no caso de recusa do legislativo
local em autorizar a transferência).

A fim de ampliar a gama de alternativas colocadas à disposição dos


envolvidos para a manutenção do objetivo inicial pelo qual o convênio
foi assinado (ou seja, auxiliar todos os integrantes do consórcio público
na implementação de medidas de saneamento básico), pode-se propor a
utilização da cessão de uso, a fim de que o bem seja utilizado para aten-
der aos anseios do Consórcio Público.

A outra solução vislumbrada seria a de que o Município firme um Convênio


com o Consórcio do qual ele pretenda se retirar, a fim de que o bem em ques-

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795
Estudos de Direito do Saneamento

tão possa ter a sua destinação garantida ao cumprimento do projeto inicial. Tal
iniciativa teria o condão de dar maior liberdade na formulação das propostas
entre os entes envolvidos, considerando que estaria regido pelo artigo 116, da
Lei nº 8.666/93 e ter seu objeto restrito ao uso do bem específico.

Com isso, se o Município verificar que a finalidade do consórcio ul-


trapassa ou fica aquém dos seus interesses presentes, poderá pedir sua
retirada e assinar um convênio com o Consórcio Público com o objetivo
restrito àquele que sirva para a destinação adequada ao bem adquirido
por Convênio para beneficiar o Consórcio Público.

Em todas essas soluções, busca-se a manutenção da finalidade inicial


do bem, e o uso compartilhado dele, a fim de que o maior número de
usuários possa se beneficiar.

Lembremos, ainda, que a função fiscalizadora da gestão dos recursos


repassados e da boa aplicação dos valores provenientes dos convênios
assinados com os consórcios públicos ou com seus integrantes começa
com apresentação da proposta pelo Convenente, segue com a análise do
projeto e desenvolve-se com a fiscalização do andamento do ajuste e ter-
mina com a aprovação contas por parte do órgão concedente, momento
em que este verificará se o bem chegou a sua etapa útil e se está sendo
utilizado conforme previsto no Plano de Trabalho.

O mencionado poder de controle e fiscalização do órgão concedente


se estende até a fase de prestação de contas do convênio assinado, mo-
mento em que, estando o projeto aprovado, este encerra a sua função de
fiscalização do empreendimento patrocinado com seus recursos.

Por essa razão, se a retirada se der antes da aprovação das contas do


Convênio, o concedente terá a incumbência de analisar as consequências
do direito de retirada, a implicação disso na viabilidade da etapa útil da

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796
do Convênio e qual a alternativa será a mais adequada para a manuten-
ção do funcionamento do objeto do Convênio.

Lembremos que, na fase de execução do projeto, outros atores tam-


bém serão responsáveis pela fiscalização da boa e fiel aplicação dos re-
cursos públicos, dentre eles o Ministério público, por força do artigo 129,
II, da Constituição Federal, os órgãos de controle social, como previsto
no artigo 3º, inciso IV e artigo 47 da Lei nº 11.445/2007, c/c artigo 34
do Decreto nº 7.217/2010, e o Tribunal de Contas respectivo, tal como
lembrado no artigo 9°, parágrafo único, da Lei nº 11.107/2005.

Tais atores institucionais terão, ainda, a missão de fiscalizar e garantir


a boa execução do objeto construído para atender às necessidades do
consórcio público na fase posterior a sua entrega e à prestação de contas
das verbas obtidas, utilizado os mecanismos legais adequados (tais como
ações populares, ações civis públicas, auditorias, por exemplo).

Conclusão

A título de conclusão, podemos apontar que:

a) a figura do Consórcio Público regulada pela Lei nº 11.107/2005 e


pelo Decreto nº 6017/2017, possui relevância como instrumentos para
o desenvolvimento das ações saneamento ambiental nacional, consi-
derando seu poder de colocar os atores nacionais em cooperação para
solução dos desafios advindos da necessidade de dotar a população de
instrumentos hábeis para garantir a saúde e o bem estar;

b) a assinatura de Convênios para repasse de recursos com vistas a


efetivação do direito ao saneamento básico encontra amparo no artigo

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797
Estudos de Direito do Saneamento

artigo 2º, §1º, I c.c. artigo 14, da Lei nº 11.107/2005. Daí a importância
do tema para a Fundação Nacional de Saúde, cuja missão institucional
está em fomentar soluções de saneamento ambiental em Município até
50 mil habitantes;

c) é garantido aos entes consorciados o direito de retirada do Con-


sórcio Público nos termos do artigo 11, da Lei nº 11.107/2005 e artigo
25, do Decreto nº 6017/2007, devendo ser seguidos os trâmites legais e
regimentais para a sua formalização, atendendo ao Princípio Federativo,
nos termos do artigo 18 da Constituição Federal;

d) a mencionada retirada não afeta a necessidade de que o município


beneficiado dê continuidade à execução do objeto pactuado, executando
o seu projeto e empregando o bem no atendimento das necessidades do
Consórcio Público;

e) nesse sentido, o Município que se retira poderá doar o bem para


que este seja utilizado pelo Consórcio Público, ceder o seu uso ou, caso
se mantenha com a propriedade do bem, assinar Convênio com o Con-
sórcio Público para que todos os entes possam continuar a utilizar dos
benefícios trazidos

f) o controle quanto à boa aplicação dos recursos públicos e ao desti-


no dado ao bem quando da execução do Convênio cabe primordialmente
à FUNASA até a derradeira aprovação das contas;

g) após a aprovação das contas, o controle da regular utilização do bem


na finalidade para a qual foi concebido passa a ser dos demais entes con-
sorciados, dos respectivos órgãos de controle social e do Ministério Público.

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798
Panorama dos
planos municipais de
saneamento básico no
Mato Grosso
RENATA TATIANA NUNES JUNQUEIRA FRANCO1
o1

RESUMO

Com 35 milhões de brasileiros sem acesso à água potável e quase 100


milhões de moradias sem solução adequada de esgotos, os desafios do
setor de saneamento não são poucos nem simples. A inexistência de pla-
nejamento adequado às características da população beneficiada reflete
uma desestruturada prestação dos serviços de abastecimento de água,
esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos e drenagem urbana
nos municípios brasileiros. Os indesejáveis resultados vão desde a con-
taminação das águas e do solo à explosão de casos de doenças ligadas
ao saneamento. A concretização dos planos de saneamento capacita o
direcionamento de soluções adequadas e sustentáveis na prestação dos
serviços. A despeito das dificuldades e complexidades enfrentadas pelos
titulares do serviço para efetuar o planejamento, a instrumentalização
dos produtos dos planos municipais pode reproduzir efetiva melhoria da

1 Procuradora Federal em exercício na Procuradoria Federal Especializada junto


à Fundação Nacional de Saúde-FUNASA no Mato Grosso. Av. Getúlio Vargas, 867, Centro,
CEP: 78005-370, Cuiabá-MT. renata.nunes@agu.gov.br.

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799
Estudos de Direito do Saneamento

qualidade de vida da população local. Analisando o processo de elabora-


ção dos planos de saneamento básico dos municípios mato-grossenses objeti-
vou-se identificar os procedimentos eleitos para execução, resultados obtidos,
custos, prazos e conteúdo, vislumbrando-se quadro de agilidade e coerência,
apto a apontar aspectos positivos e negativos e contribuir a um direcionamen-
to mais adequado para consecução dos planos municipais de saneamento.

Palavras-Chave: Saneamento Básico. Planejamento. Relevância,


complexidades e implicações. Planos Municipais.

Abstract

With 35 million Brazilians without access to safe drinking water and


nearly 100 million homes without adequate sewage solutions, the chal-
lenges of the sanitation sector are not few or simple. The lack of adequate
planning to the characteristics of the beneficiary population reflects the
unstructured provision of water supply, sewage services, solid waste ma-
nagement and urban drainage services in Brazilian municipalities. The
undesirable results range from water and soil contamination to the ex-
plosion of sanitation-related diseases. The implementation of sanitation
plans enables the targeting of appropriate and sustainable solutions in
the provision of services. Despite the difficulties and complexities faced
by service holders to carry out the planning, the instrumentalization of
municipal plan products can reproduce an effective improvement in the
quality of life of the local population. Analyzing the process of elabora-
tion of the basic sanitation plans of the municipalities of Mato Grosso,
the objective was to identify the elected procedures for execution, results
obtained, costs, deadlines and content, envisaging agility and coherence,
able to point out positive and negative aspects and contribute to a more
appropriate direction for the achievement of municipal sanitation plans.

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800
Keywords: Sanitation. Planning. Relevance, complexities and impli-
cations. Municipal Plans.

Sumário
1. Introdução; 2. O direito humano ao saneamento básico; 3. Políti-
ca e serviços de saneamento básico; 4. Complexidades jurídico-ins-
titucionais e econômico-sociais na elaboração do Plano Municipal
de Saneamento Básico; 5. Planos Municipais de Saneamento Bási-
co no Mato Grosso; 6. Conclusões.

1. INTRODUÇÃO

Doze anos após a edição da Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007 –


marco regulatório do saneamento, índices do setor apontam que o Bra-
sil concentra 12% do volume mundial de água doce, mas tem quase 35
milhões de habitantes sem acesso à água potável e quase 100 milhões
vivendo em moradias sem saneamento2.

O país corre contra o tempo para atingir a cobertura universal de


acesso à água potável e acesso a banheiros e melhores condições de
higiene até 2030 e alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) 6 da Agenda do Milênio da Organização das Nações Unidas, que
trata de saneamento básico.

Os planos de saneamento estruturam e direcionam soluções susten-


táveis na prestação dos serviços de saneamento. A instrumentalização de
seus produtos é capaz de repercutir em efetiva melhoria da qualidade de

2 Dados disponíveis em http://www.tratabrasil.org.br (acedido em 30 de setembro de 2019).

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801
Estudos de Direito do Saneamento

vida da população, pela ampliação do acesso e redução de problemas de


saúde, inclusão social e proteção ao meio ambiente.

No ranking de municípios com melhores índices de acesso à água tra-


tada, coleta e tratamento de esgoto, as categorias com pontuações mais
altas têm uma proporção maior de municípios com Plano Municipal de
Saneamento Básico3.

A universalização é meta ainda distante no cenário de 41,5% de mu-


nicípios com Planos Municipais de Saneamento Básico, regulamentados
ou não, no ano de 20174.

Mas o que de fato obstaculiza a conclusão e aprovação dos planos


municipais de saneamento? Este artigo pretende abordar, sem preten-
são de exaustão, o processo de elaboração dos planos municipais no
Estado do Mato Grosso. Dando enfoque à relevância do planejamento,
seus desafios, complexidades e implicações, objetiva-se investigar quais
as estratégias e procedimentos adotados, os entes envolvidos no pro-
cesso, entraves experimentados, soluções adotadas e a repercussão da
opção de execução de projetos em custos, prazos e conteúdo dos planos.

Para isso, o artigo está dividido em cinco sessões, além dessa introdu-
ção. No primeiro, abordamos o saneamento básico como direito humano
que é internacionalmente reconhecido e como é admitido no ordena-
mento interno. Em seguida, tratamos da política pública de saneamen-
to básico em contraponto com os serviços de saneamento. A terceira
sessão discorre sobre os obstáculos e desafios no exercício da função
planejadora pelo titular dos serviços ao elaborar os planos municipais de

3 Dados da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, disponíveis em


http://abes-dn.org.br (acessado em 30 de setembro de 2019).
4 Disponível em http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisti-
cas/no-brasil/planos-de-saneamento (acedido em 19 de dezembro de 2019)

Voltar ao índice
802
saneamento básico. Após, na quarta sessão apresentamos um panora-
ma da elaboração dos planos municipais de saneamento básico no Mato
Grosso, analisando ações, estratégias e resultados rumo à universaliza-
ção de planos de saneamento no Estado. Na conclusão, mostra-se como
a partir dos planos elaborados e aprovados, os municípios têm outros
desafios para diminuir e encerrar o déficit do saneamento básico em
suas quatro vertentes. Até lá, na medida em que a instrumentalização
da política municipal de saneamento ocorre pela institucionalização dos
produtos dos planos, quiçá os pontos acertados nas fases antecedentes e
nos procedimentos da elaboração dos planos dos municípios mato-gros-
senses poderão nortear outros titulares na relevante responsabilidade
planejadora para prestação dos serviços públicos de saneamento.

Foram realizadas pesquisas bibliográficas, em livros e artigos científi-


cos, analisados dados, consolidação de informações e relatórios técnicos
sobre planos municipais, compilados por entes governamentais [Siste-
ma Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), Plataforma Mais
Brasil, Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), Estado de Mato Grosso, pelos próprios municípios mato-grossen-
ses, pelos órgãos de auditoria e controle externo Controladoria-Geral da
União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU)], fontes não governa-
mentais [Instituto Trata Brasil, Associação Brasileira de Engenharia Sani-
tária e Ambiental (ABES)] e organismos internacionais [Organização das
Nações Unidas (ONU), Organização Mundial de Saúde (OMS)].

2. O DIREITO HUMANO AO SANEAMENTO BÁSICO

O acesso à água potável e ao saneamento básico foi afirmado na Re-


solução 64/292, de 28/07/2010, da Assembleia Geral das Nações Unidas
(ONU) como “condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos

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803
Estudos de Direito do Saneamento

humanos”. É assim reconhecido como direito fundamental, universal, es-


sencial e interdependente à vida e à dignidade humana.

Em vários outros instrumentos internacionais a importância da água


e do adequado saneamento como garantia dos demais direitos humanos
e sua relação com a dignidade humana é enaltecida5. Ao lado disso, a res-
ponsabilidade dos Estados em promover os direitos humanos por meio
de planos e programas políticos foi constantemente destacada, tendo o
Conselho dos Direitos Humanos da ONU reafirmado e incentivado políti-
cas sustentáveis para que os Estados alcancem as Metas do Milênio em

5 São exemplos: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimina-


ção contra as Mulheres de Dezembro de 1979 (Promulgada no Brasil pelo Decreto nº 4.377,
de 13 de setembro de 2002); Convenção sobre os Direitos da Criança de Novembro de 1989
(Promulgada no Brasil pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990); Conferência
de Dublin sobre a Água e o Desenvolvimento Sustentável de Janeiro de 1992; Convenção de
Helsinque para a proteção e utilização dos cursos de água transfronteiriços e dos lagos inter-
nacionais (Convenção da Água); Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o De-
senvolvimento de Junho de 1992; Programa de Ação da Conferência Internacional da ONU
sobre População e Desenvolvimento de Setembro de 1994; Convenção sobre a Utilização
dos Cursos de Águas Internacionais para fins diversos dos da navegação de 1997; Resolução
da Assembleia Geral da ONU A/Res/54/175: “O Direito ao Desenvolvimento” de Dezembro
de 1999; Declaração Política da Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável
de Setembro de 2002; Comentário Geral nº 15 de Novembro de 2002 sobre o Pacto Inter-
nacional de 1966 sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Incorporado ao Direito
Brasileiro pelo Decreto nº 591, de 06 de julho de 1992); Conferência do Clima em Berlim de
Setembro de 2004; Projeto de Diretrizes para a Concretização do Direito a Água Potável e
Saneamento do Conselho Econômico e Social da ONU.E/CN.4/Sub.2/2005/25 de Julho de
2005; Decisão 2/104 do Conselho dos Direitos Humanos de Novembro de 2006; Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de Dezembro de 2006 (Promulgada no Brasil
pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009); Resolução do Conselho dos Direitos Hu-
manos A/HRC/RES/7/22 de Março de 2008; Resolução do Conselho dos Direitos Humanos A/
HRC/RES/12/8 de Outubro de 2009; Resolução da Assembleia Geral da ONU A/RES/64/292
de Julho de 2010; Resolução do Conselho dos Direitos Humanos A/HRC/RES/15/9 de Se-
tembro de 2010; Resolução do Conselho dos Direitos Humanos A/HRC/RES/16/2 de Abril de
2011; Resolução do Conselho dos Direitos Humanos A/HRC/RES/18/1 de Outubro de 2011;
Resolução do Conselho dos Direitos Humanos A/HRC/RES/21/2 de Outubro de 2012; Reso-
lução do Conselho dos Direitos Humanos A/HRC/RES/24/18 de Outubro de 2013; Resolução
do Conselho dos Direitos Humanos A/HRC/RES/27/7 de Outubro de 2014;

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804
matéria de água e saneamento na Resolução do Conselho dos Direitos
Humanos A/HRC/RES/24/18, de outubro de 2013.

No cenário de 2,5 bilhões de pessoas sem acesso a banheiros e siste-


mas de esgoto adequados no mundo todo, no ano de 2016, o saneamento
básico foi reconhecido como direito humano distinto do direito à água po-
tável por uma resolução adotada em 17/12/20156. Não se ignora o entron-
camento com o direito fundamental à água, que a depender da amplitude
que se conferir, não é deste simplesmente destacável. Contudo, assim deu-
se maior notoriedade aos alarmantes dados do setor de saneamento.

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) a qualidade ambiental é


fator determinante e condicionante à saúde. No antigo conceito de saú-
de elaborado em 1978, durante a Conferência Internacional de Atenção
Básica, organizada pela OMS em Alma-Ata, que se tornou uma referência
internacional, a saúde é um completo bem-estar físico, mental e social e
não apenas ausência de doença7.

A inacessibilidade à água potável e à coleta de esgoto afeta a saúde


coletiva pela disseminação de doenças infecciosas e atinge, em maior
amplitude, populações vulneráveis. Resultados do Índice de Pobreza
Multidimensional (IPM) global de 20198 apontam que as crianças sofrem
mais intensamente com a pobreza do que os adultos e estão mais pro-
pensas à privação de elementos essenciais como água potável, sanea-
mento, nutrição adequada ou educação primária.

6 Disponível em https://nacoesunidas.org/assembleia-geral-da-onu-reconhece-
saneamento-como-direito-humano-distinto-do-direito-a-agua-potavel (acedido em 02 de
setembro de 2019).
7 P. BUSS, “Uma introdução ao conceito de promoção da saúde”, in D. CZERINA (org.),
Promoção da Saúde: conceitos, reflexões, tendências, Rio de Janeiro, Fiocruz, 2009, p. 25.
8 Disponível em hdr.undp.org/en/2019-MPI (acedido em 28 de setembro de 2019).

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805
Estudos de Direito do Saneamento

Em setembro de 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sus-


tentável foi unanimemente acordada pelos 193 Estados membros da Or-
ganização das Nações Unidas (ONU). Seu sexto objetivo (ODS6) é a dispo-
nibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. O sane-
amento básico está relacionado, ainda, a outros cinco dos 179 objetivos e
metas da Agenda, seja pela relevância da associada melhoria na saúde, na
queda de mortalidade infantil, melhoria da qualidade de vida e bem-estar,
como na preservação do meio-ambiente e no avanço em sustentabilidade.

A Constituição Federal de 1988 não prevê direito específico ao acesso


à água potável nem ao saneamento básico. Não obstante, tendo por ex-
plícita a ligação entre o consumo de água portável e o direito à vida, bem

9 Os 17 objetivos globais são: 1)Acabar com a pobreza em todas as suas formas,


em todos os lugares; 2)Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da
nutrição e promover a agricultura sustentável; 3)Assegurar uma vida saudável e promover
o bem-estar para todos, em todas as idades; 4) Assegurar a educação inclusiva, equitativa e
de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; 5)
Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6)Assegurar a
disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; 7)Assegurar o aces-
so confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos; 8) Promover
o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo
e trabalho decente para todos; 9)Construir infraestruturas resilientes, promover a indus-
trialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; 10)Reduzir a desigualdade dentro
dos países e entre eles; 11)Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, se-
guros, resilientes e sustentáveis; 12)Assegurar padrões de produção e de consumo susten-
táveis; 13)Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos;
14)Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para
o desenvolvimento sustentável; 15)Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos
ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação,
deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade; 16) Promover
sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o aces-
so à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos
os níveis; 17)Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável (ONUBR, 2015), disponível em https://nacoesunidas.org/
pos2015/ (acedido em 05 de dezembro de 2019).

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806
como entre o saneamento básico e o direito à saúde10, é possível admitir
que também tenham a proteção jurídica dos direitos fundamentais. Até
porque não há como dissociar de um conteúdo mínimo de dignidade
à pessoa humana ter direito à água e instalações sanitárias adequadas.

Nessa linha, a efetividade dos serviços de abastecimento de água e


de esgotamento sanitário integra o rol dos direitos fundamentais sociais,
associada ao direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equi-
librado. E o saneamento básico se emoldura “como um direito e dever
fundamental do indivíduo e da coletividade, além de serviço público es-
sencial e, portanto dever do Estado”11.

O estreito vínculo entre saúde pública e saneamento básico é verifica-


do no inciso IV, do artigo 200, da Constituição Federal, quando se atribui
ao Sistema Único de Saúde (SUS) competência para participar da formu-
lação da política e da execução das ações de saneamento básico. Por sua
vez, a Lei 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, pro-
teção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos ser-
viços correspondentes, em seu artigo 3.º, aclara que a saúde tem como
determinante e condicionante, dentre outros, o saneamento básico.

A Constituição Federal também expressa que à sadia qualidade de


vida é essencial a qualidade do meio ambiente (artigo 225, caput). Assim,
existiriam dois objetos por trás da tutela do ambiente: um imediato, que
é a qualidade do ambiente; e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e
a segurança, sintetizados na expressão “qualidade de vida”12.

10 V. MARQUES DE CARVALHO, O direito do saneamento básico, São Paulo, Quar-


tier Latin, 2010, p. 365
11 I. WOLFGANG SARLET e T. FENSTERSEIFER, Direito Constitucional Ambiental: es-
tudos sobre a Constituição, os Direitos Fundamentais e a proteção do ambiente, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 2011, p.117.
12 J. A. DA SILVA, Comentário contextual à Constituição, 2.ª ed., São Paulo, Ma-
lheiros, 2006, p. 835.

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807
Estudos de Direito do Saneamento

Na perspectiva do direito ao saneamento imbricado ao direito à saúde


e ao meio-ambiente, atraída a proteção jurídica dos direitos humanos com
consequente observância dos princípios fundantes de participação social
e acesso à informação, igualdade e não discriminação e responsabilidades
por parte dos governos na prestação dos serviços e sustentabilidade.

3. POLÍTICA E SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO

No processo de formulação de políticas públicas, diversos grupos se debru-


çam sobre questões políticas que definem a base para mobilização dos atores.
O tipo de política pública pode diferenciar conflitos dentro do sistema político.
Os processos políticos e econômicos e os fatores histórico-culturais podem ser
determinantes a facilitar ou dificultar a adoção de políticas públicas13.

Do ponto de vista técnico-conceitual há clara correlação entre a ausência do


saneamento básico e problemas de saúde coletiva. Mas as políticas públicas nem
sempre são definidas unicamente por razões técnicas. Uma propalada desarticula-
ção ao definir as políticas públicas de saúde e de saneamento pode ter influencia-
do a insuficiente evolução do acesso aos serviços de saneamento no país.

Soma-se que a política pública de saneamento não foi prioritária e bas-


tante se afetou nos processos políticos econômicos. Depois de um período
de vácuo normativo institucional, em 2007 o saneamento básico é reconhe-
cido como direito e os serviços de saneamento básico são expressamente
tratados como serviços públicos. A partir de então verificamos avanços e re-
cuos no direcionamento da política nacional e gestão do saneamento.

13 A. L, BRITTO, “Estudo Proposições para acelerar o avanço da política de sanea-


mento no Brasil: Tendências atuais e visão dos agentes do setor” in L. HELLER (org.), Sanea-
mento como política pública: um olha a partir dos desafios do SUS, Rio de Janeiro, Centro
de Estudos Estratégicos da Fiocruz, FIOCRUZ, 2018, pp. 53-104.

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808
As complexidades na definição de competências dos entes federa-
tivos, o modelo institucional fragmentado, a falta de investimentos ou
sua aplicação ineficiente, os problemas de gestão e governança e pla-
nejamento deficitário ou inexistente repercutem em lentidão de ações
responsivas que, por vezes, são incipientes ou até ineficazes.

O princípio da predominância do interesse norteia a repartição de


competência entre os entes componentes da República Federativa. Assim
se observa não apenas para as matérias cuja definição foi preestabelecida
pelo texto constitucional, mas também em termos de interpretação em
hipóteses que envolvem outras matérias, tal como o saneamento básico14.

A Constituição de 1988 preconiza que à União compete instituir diretri-


zes para o saneamento básico (inciso XX, do artigo 21.º), o que foi exercido
pela edição da Lei Federal 11.445/2007. Lado outro, o inciso IX, do artigo
23.º da CF estabelece a competência comum a todos os entes federati-
vos de “promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico”. Enfim, os incisos I e V,
do artigo 30.º da CF atribuem aos Municípios a competência para “legislar
sobre assuntos de interesse local” e “organizar e prestar, diretamente ou
sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse
local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.

A definição de saneamento básico como o conjunto de serviços, in-


fraestruturas e instalações de abastecimento de água potável, esgota-
mento sanitário, limpeza urbana e drenagem de águas pluviais, entre
outras atividades, conforme artigo 2.º da Lei 11.445/2007, revela ações
e políticas públicas de interesse típico local.

14 Acórdão do STF de 30/08/2019, proferido no processo n.º ADI 2077/BA, in DJe


200 de 16/09/2019, pesquisável em http://www.stf.jus.br.

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809
Estudos de Direito do Saneamento

O Supremo Tribunal Federal já frisou a competência municipal do poder


concedente do serviço público de saneamento básico, cujo interesse é pre-
dominantemente local, embora tenha também frisado o interesse prático
de que tais atividades sejam objeto de enfrentamento pelo Poder Público
em nível regional, por mecanismos de gestão associada de serviços públicos
e integração metropolitana, desde que respeitada a autonomia municipal15.

A Lei Nacional do Saneamento Básico contempla com clareza os serviços


de saneamento como serviços públicos. Afora a previsão legal, o saneamen-
to básico se submete ao regime de serviço público por razões econômicas
e sociais. Economicamente por se cuidar de atividade dependente de infra-
estruturas cuja replicação é economicamente inviável. O detentor da infra-
estrutura de rede pende a ser monopolista por questões físico-espaciais ou
financeiras. Assim, as atividades que compõe o saneamento básico tendem
naturalmente ao monopólio. Daí bastante justificativa para ter sua organiza-
ção e prestação pelo poder público. Por razões sociais em decorrência de sua
imprescindibilidade para saúde pública, para dignidade humana, meio-ambi-
ente equilibrado e desenvolvimento urbanístico sustentável16.

Nesse aspecto, não é dado ao usuário abdicar do seu direito de fruição


como assim é possível com outros serviços públicos (telefonia, energia elé-
trica, distribuição de gás, transporte coletivo). A não utilização do serviço
de saneamento no ambiente urbano pode trazer graves consequências
para a coletividade. Para Azevedo Marques Neto17 o saneamento é “a um

15 Acórdão do STF de 06/03/2013, proferido no processo nº ADI 1.842/RJ, in DJe


181 de 16/09/2013, pesquisável em http://www.stf.jus.br.
16 F. AZEVEDO MARQUES NETO, “A regulação no setor de saneamento”, in B. SOU-
ZA CORDEIRO (coord.), Instrumentos das Políticas e da Gestão dos Serviços Públicos de Sa-
neamento Básico, I, Brasília, Editora, 2009, p. 177.
17 F. AZEVEDO MARQUES NETO, “A regulação no setor de saneamento”, pp. 178 e ss.

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810
só tempo uma atividade econômica organizada como serviço público e
uma política pública de adesão obrigatória para os indivíduos”.

Sob esse enfoque, maior relevância se confere a três responsabilidades pre-


vistas na Lei 11.445/2007, as funções planejadora, reguladora e prestacional.

A função de planejamento é atribuição indelegável conferida ao titu-


lar dos serviços de saneamento básico, a quem compete definir a política
pública que se quer nos serviços imprimir. É condição prévia para regula-
ção e para a delegação dos serviços (artigos 9.º, 11.º, 14.º, 19.º e 20.º).

A função regulatória ultrapassa a mera regulação econômica. Cabe


ao regulador reprimir falhas de mercado e manter o equilíbrio do setor,
além de garantir o alcance dos objetivos postos nas políticas públicas. O
impacto do saneamento básico em outras políticas públicas como as de
saúde e meio ambiente encadeia também uma regulação social.

A prestação dos serviços pode se dar diretamente pelo ente titular,


por ente de sua estrutura administrativa ou mediante delegação a parti-
cular ou ente de outra esfera da federação.

Como norteadores da prestação e organização dos serviços públicos


de saneamento básico foram arrolados na Lei 11.445/2007 importantes
princípios normativos: (i) universalização do acesso; (ii) integralidade;
(iii) respeito ao meio ambiente e a saúde pública; (iv) cobertura integral
e segurança; (v) regionalização; (vi) integração às políticas públicas; (vii)
eficiência e sustentabilidade; (viii) atualidade tecnológica; (ix) transpa-
rência; (x) controle social; (xi) qualidade e regularidade; (xii) integração
e gestão eficiente dos recursos hídricos e (xiii) adoção de medidas de
fomento à moderação do consumo de água. Tais balizas refletem os

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811
Estudos de Direito do Saneamento

diversos e relevantes fatores necessários à consecução do saneamento


como vetor de políticas públicas.

O planejamento, a organização e a regulação dos serviços deverão


assimilar as políticas de desenvolvimento urbano, habitação, combate
à pobreza e de sua erradicação, proteção ambiental e saúde pública. A
exemplificar o conteúdo e compatibilização com outras políticas públi-
cas foi definido que o SUS, por sua direção nacional, deve participar na
formulação e na implementação das políticas de saneamento básico18.
Em assim sendo, o planejamento do setor de saneamento efetivado
como estratégia de saúde pública se mostra adequado ao enfrenta-
mento dos desafios inerentes às numerosas ocupações desordenadas
na zona urbana e suas precariedades. E, também, daqueles desafios
próprios à zona rural, pela notória inviabilidade de modelos tradicio-
nais em face do baixo adensamento de pessoas.

Desse modo, a trajetória para diminuir e terminar o déficit de saneamen-


to deve iniciar com os planos de saneamento como instrumentos que são
para nortear a tomada de decisões dos gestores municipais ao executar a
política de saneamento básico local. Para tanto, os planos devem estabe-
lecer os objetivos, as diretrizes, as metas e as condições de prestação dos
serviços de saneamento básico visando a sua universalização. São necessári-
os à configuração do saneamento municipal: um diagnóstico atualizado, es-
tudos prospectivos, estabelecimento de metas para prestação dos serviços
e cronograma de investimentos, levando em consideração a estimativa de
crescimento geográfico e populacional no município19.

18 Alínea “b”, do inciso II, do artigo 16.º da Lei 8.080/90.


19 G. ROCHA ALBUQUERQUE e A. BECHARA FERREIRA, “O saneamento ambiental no
Brasil: cenário atual e perspectivas”, in BNDES 60 anos: perspectivas setoriais, Rio de Janeiro,
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2012, p. 285.

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812
Dada a relevância do Plano Municipal de Saneamento Básico, sua
existência foi fixada como condição de acesso aos recursos orçamen-
tários da União ou aos recursos de financiamentos geridos ou adminis-
trados por órgão ou entidade da administração pública federal, quando
destinados a serviços de saneamento básico e, também, como requisi-
to para a validade de contratos de delegação da prestação de serviços
públicos de saneamento (artigos 25, § 4º e 26, § 2º do Decreto 7.217,
de 21 de junho de 2010).

No entanto, o prazo, inicialmente estabelecido a partir do exercício fi-


nanceiro de 2014, vem sendo sucessivamente postergado. A data limite
de 201920 foi redefinida para 2022. Em assim se mantendo, os municípios
que até lá não tiverem PMSB, não mais estarão aptos a receber recursos fi-
nanceiros federais para o setor de saneamento. Verdade é, que a repetida
prorrogação do marco temporal para a exigência dos planos como condi-
ção de acesso a recursos não coaduna com a celeridade que tal requisito
teria intentado imprimir. Não obstante, a proporção dos municípios com
planos elaborados regulamentados ou não ou em processo de elaboração
ainda está distante da universalização, conforme gráfico a seguir21:

20 Decreto 7.217, de 21 de junho de 2010, artigo 26, parágrafo 2.º: Após 31 de dezembro
de 2022, a existência de plano de saneamento básico, elaborado pelo titular dos serviços, será
condição para o acesso aos recursos orçamentários da União ou aos recursos de financiamentos
geridos ou administrados por órgão ou entidade da administração pública federal, quando desti-
nados a serviços de saneamento básico. (Redação dada pelo Decreto 10.203, de 2020).
21 Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-impren-
sa/2013-agencia-de-noticias/releases/22611-munic-mais-da-metade-dos-municipios-bra-
sileiros-naotinha-plano-de-saneamento-basico-em-2017 (acessado em 05 de dezembro
de 2019) e em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101610.pdf acessado
em 17 de março de 2020.

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813
Estudos de Direito do Saneamento

4. COMPLEXIDADES JURÍDICO-INSTITUCIONAIS E ECONÔMICO-SOCI-


AIS NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO BÁSICO

A ausência de planejamento atinge boa parte dos serviços públicos


no país. Não é diferente no setor de saneamento básico, relegado que
foi a patamar inferior de importância ao longo de anos. Por décadas os
investimentos foram realizados sem planejamento e sem transparência
nos critérios de priorização, marginalmente à gestão da saúde pública.
O desinteresse político-financeiro em ações de saneamento também é
obstáculo. Os encerramentos dos ciclos de governo demonstram uma
descontinuidade que trava investimentos e põe a perder sua utilidade
para atendimento da população, em especial em longo prazo. A falta de ca-

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814
pacidade técnica dos municípios também repercute na insuficiência e inefi-
ciência dos serviços e, por vezes, até demonstra incapacidade do exercício da
função de poder concedente dos serviços públicos de saneamento básico.

A obrigatoriedade prevista no marco regulatório do setor alçou os pla-


nos de saneamento ao cerne da política pública de saneamento. À União
coube estabelecer o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) como
instrumento de implementação da Política Nacional de Saneamento Básico,
preconizada na Lei 11.445/2007 e regulamentada pelo Decreto 7.217/2010.
Aos titulares, o dever de elaborar seus planos fundamentados nos princípi-
os, diretrizes e abrangência da Política Nacional de Saneamento Básico.

O Plansab, aprovado em dezembro de 2013, com metas para serem


cumpridas até 2033, vem sendo lentamente aplicado, “esbarrando em
interesses e comportamentos institucionalizados e difíceis de reverter,
mantendo-se o setor saneamento com campo de disputas políticas sobre
o seu formato e objetivos”22. No primeiro semestre de 2019 foi iniciado o
processo de revisão do Plansab.

A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos23 prevê o Plano de Gestão


Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS), a disciplinar todos os resíduos sólidos
gerados no território municipal, mesmo os de responsabilidade privada.

O diploma confere, contudo, reunir o componente atinente aos resí-


duos sólidos do plano de saneamento e o PGIRS num único documento,

22 R. D’ALBUQUERQUE, “Política de saneamento vis–à-vis à política de saúde: en-


contros, desencontros e seus efeitos”, in L. HELLER (org), Saneamento como política públi-
ca: um olha a partir dos desafios do SUS, Rio de Janeiro, Centro de Estudos Estratégicos da
Fiocruz/ FIOCRUZ, 2018, pp. 9-52.
23 Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010.

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815
Estudos de Direito do Saneamento

desde que também atendidas as exigências da LNSB (parágrafo primeiro


do artigo 19.º da Lei 12.305/2010).

O Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) é instrumento téc-


nico-participativo de indissociável importância local, por contemplar os
serviços públicos de abastecimento de água, esgotamento sanitário, ma-
nejo de água pluvial e manejo de resíduos sólidos. Podem ser elaborados
mediante apoio técnico ou financeiro prestado por outros Entes da Fe-
deração, pelo prestador dos serviços ou pelas instituições universitárias
ou de pesquisa científica, garantida a participação das comunidades, os
movimentos e as entidades da sociedade civil24.

Em sua grande maioria, a construção dos PMSB tem sido financiada pela
FUNASA e pelo Ministério do Desenvolvimento Regional25, que possuem ro-
teiros para a elaboração, nos quais é enfatizado o protagonismo social. Essa
cooperação federativa auxilia na conciliação das interfaces dos vários atores
dos serviços públicos de saneamento em prol dos avanços à universalização.

O conteúdo mínimo dos planos de saneamento26 denota uma comple-


xa sistemática para sua confecção. Ao contemplar os quatro componentes
dos serviços públicos de saneamento, deve englobar o território do titular
(áreas urbanas e rurais), num horizonte de vinte anos, propondo metas
imediatas, de curto, médio e longo prazo. As etapas de elaboração não
são estanques e podem ser desenvolvidas concomitantemente. Cada uma
delas detém características específicas que devem resultar em produtos.

O PMSB depende de diagnósticos assertivos para propositura de


metas, programas, projetos e ações para o saneamento urbano e rural.

24 Parágrafo terceiro do artigo 25 do Decreto 7.217/2010.


25 Que substituiu o Ministério das Cidades a partir de 2019.
26 Artigo 25 do Decreto nº 7.217/2010 que regulamenta o artigo 19 da Lei 11.445/2007.

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816
Nesse aspecto, medidas remediadoras consentâneas das características
socioculturais e ambientais locais tendem a impactar na melhoria da
qualidade de vida da população. Numa contraposição a planos cosméti-
cos, isto é, desabastecidos de diagnóstico específico, um plano municipal
adequado às necessidades locais e fundado em dados reais é indispensá-
vel para surtir efeitos no setor.

Ademais, pelo teor dos princípios e objetivos da Política Nacional de


Saneamento Básico foi inaugurada prática mais inclusiva, fortificada em
transparência e controle social.

Incumbe à população local, no âmbito de audiência pública (ou con-


ferência municipal) e por deliberação do Comitê de Coordenação, apre-
ciar e aprovar o PMSB. Posteriormente, deve ser submetido à aprecia-
ção e aprovação do Poder Legislativo Municipal por meio de lei munici-
pal a ser enviada pelo Poder Executivo Municipal. No inciso IV do artigo
3º, a Lei 11.445/2007 explicita que o controle social é “o conjunto de
mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações,
representações técnicas e participações nos processos de formulação
de políticas, de planejamento e de avaliação relacionada aos serviços
públicos de saneamento básico”.

Mais adiante, dispõe, em capítulo específico, sobre a participação de


órgãos colegiados no controle social. Por sua vez, o Decreto 7.217/2010
elenca mecanismos para o exercício do controle social dos serviços pú-
blicos de saneamento e clarifica sobre a representatividade dos órgãos
colegiados de caráter consultivo. Assegura-lhes acesso a documentos e
informações produzidos por órgãos ou entidades de regulação ou de fis-
calização, bem como a possibilidade de solicitar a elaboração de estudos
com o objetivo de subsidiar a tomada de decisões.

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817
Estudos de Direito do Saneamento

O engajamento e participação da população no planejamento, imple-


mentação e manutenção das ações de saneamento, é capaz de motivar
a apropriação destas ações pelos beneficiários-usuários. Estando a popu-
lação local apta a compreender mecanismos e processos (opinar, contribuir,
concordar e discordar) a partir de sua experiência, dos saberes construídos no
cotidiano e das informações que lhes chegam ao conhecimento27, agregar-se-á
à eficácia e sustentabilidade destas etapas.

Em adição, a simples implantação das infraestruturas não garante


a sua utilização e manutenção adequadas28. O sucesso no desenvolvi-
mento das ações de saneamento amplia-se com educação em saúde
ambiental. A população torna-se um dos atores envolvidos no proces-
so. Já sua participação efetiva pressupõe interação entre os diversos
atores – representantes dos titulares dos serviços, de órgãos governa-
mentais atuantes no setor, dos prestadores, dos usuários e de outras
entidades relacionadas ao saneamento. Esse diálogo tende a ser in-
trincado numa “sociedade dominada pelo particularismo e pela frag-
mentação”, com relações contraditórias, nas quais tais atores passam
a exigir condições que podem favorecer ou dificultar a participação
social, em relação ao Estado, “aos demais atores sociais e às condições
estruturais e cultura política” local29.

27 C.M.N. SOUZA e C. M. FREITAS, “Discursos de usuários sobre uma intervenção


em saneamento: uma análise na ótica da promoção da Saúde e da prevenção de doenças”,
Revista de Engenharia Sanitária e Ambiental, XIV-1, 2009, p. 61 e ss.
28 A. S. MULAS, “Public Policy Analysis in the Water and Sanitation Sector: Budge-
tary and Management Aspects”, in J. E, CASTRO e L. HELLER (edit.), Water and sanitation
Services: Public Policy and Management, London, Earthscan, 2009, pp. 56-70.
29 E. C, TEIXEIRA, “As dimensões da participação cidadã”, Caderno CRH, X-26/27,
1997, pp. 187-188, disponível em https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/
view/18669/12043 (acedido em 04 de dezembro de 2019).

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818
As relações desenvolvidas entre a sociedade civil e o Estado coope-
ram para edificar a cidadania, consolidar direitos políticos e romper a
“inércia da cultura política brasileira”30.

Nessa linha, muito além da exigência legal, o fator motivacional que guia
a elaboração dos planos de saneamento poderia repercutir na mudança da
realidade sanitária local. Haveria diferenciação na efetividade das ações de-
finidas nos planos confeccionados por obrigação ou, naqueles que, por con-
vicção, houve a desejável análise e discussão de dados precisos e não sim-
plificados da realidade para proposição de medidas corretivas31? A questão
envolve a capacidade de fóruns participativos atuarem nas políticas públicas.

A participação social prescrita na Lei Orgânica da Saúde detém caráter


permanente e deliberativo. No âmbito dos municípios, se dá pelos conselhos
municipais de saúde. Na composição destes há representantes do governo,
dos prestadores de serviços particulares ou sem fins lucrativos, dos represen-
tantes dos profissionais e dos usuários. O “modelo misto privilegia um proces-
so dialético e a criação de práxis e canais de comunicação entre os diferentes
atores, a fim de contribuir na elaboração de objetivos coletivos, favorecendo,
por conseguinte, a construção de um projeto de cidadania ativa”32.

30 L. HELLER, “Elementos conceituais para o saneamento básico”, in L. HELLER (edit.),


Panorama do Saneamento Básico no Brasil, I, Brasília, Ministério das Cidades, 2011, p. 48. L.
HELLER, S. C. REZENDE e P. G. B. HELLER, “Participação e controle social em saneamento básico:
aspectos teórico-conceituais”, in A. C. GALVÃO, M. M. F. XIMENES (edit.), Regulação: controle
social da prestação dos serviços de água e esgoto, Fortaleza, Pouchain Ramos, 2007, pp. 37-68.
31 E. SCHETTINI MARTINS CUNHA, Efetividade deliberativa [manuscrito] estudo
comparado de 2009 Conselhos Municipais de Assistência Social (1997/2006), Belo Hori-
zonte, Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
2009, disponível em http://desafios2.ipea.gov.br/participacao/images/pdfsconselhos/
schettini%20e%20efetividade%20deliberativa.pdf (acedido em 04 de dezembro de 2019).
32 M. SERAPIONI e O. ROMANÍ, “Potencialidades e desafios da participação em
instâncias colegiadas dos sistemas de saúde: os casos de Itália, Inglaterra e Brasil”, Cad.
Saúde Pública, XXII-11, 2006, pp. 2411-2421, disponível em http://www.scielo.br/pdf/csp/
v22n11/15.pdf (acedido em 04 de dezembro de 2019).

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819
Estudos de Direito do Saneamento

No setor de saneamento foram previstos órgãos representativos cole-


giados de caráter consultivo. Mas em que medida a participação social de
caráter meramente consultivo impede influir na prestação dos serviços?
Há debate vigoroso sobre o ponto deliberativo ou consultivo, sendo que
as diferentes vertentes identificam tanto um processo de coparticipação
dos cidadãos nas tomadas de decisão, como uma tentativa de influenciar
o sistema para modificar estratégias de ação sem participar diretamen-
te das decisões33. Segundo Serapioni e Romaní “a experiência brasileira,
por exemplo, não tem demonstrado, até hoje, que existam significativas
vantagens pelo fato de os conselheiros usuários participarem num fórum
com caráter deliberativo”34.

A seu turno, o legislador preocupou-se em coibir uma desproporci-


onalidade no fluxo de informações entre o prestador em comparação
ao regulador e entre o prestador e os usuários (artigo 25 e artigo 27, III,
da Lei 11.445/2007). É que quando verificada, a assimetria inviabiliza
tanto a regulação adequada, por mais especializado e capacitado que
seja o ente regulador, como também o efetivo controle social. Contudo,
são de difícil aferição os parâmetros não externados para que se possa
coibir a indevida atuação.

33 C. M. N. SOUZA e L. HELLER, “Efetividade deliberativa em conselhos municipais


de saneamento e de saúde: Um estudo em Belo Horizonte (MG) e em Belém (PA)”, Revista
Ciência & Saúde Coletiva, XXIV-11, 2019, pp. 4325-4334, disponível em http://www.scielo.
br/pdf/csc/v24n11/1413-8123-csc-24-11-4325.pdf (acedido em 04 de dezembro de 2019).
N. FRASER, “Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually
existing democracy”, in C. CALHOUN (edit.), Habermas and the Public Sphere. Cambridge,
The MIT Press, 1992, pp. 109-142.
D. COOK, The talking cure in Habermas’s republic, New Left Review, XII, 2001, 135-151.
34 M. SERAPIONI e O. ROMANÍ, “Potencialidades”, p. 2417.

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820
5. A ELABORAÇÃO DOS PLANOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO
BÁSICO NO MATO GROSSO

Mato Grosso é o terceiro maior estado do Brasil em área territorial,


com 903.202,446km², abrigando uma população de 3.484.466 habitantes,
distribuída em 141 municípios. Possui Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
de 0,725, ocupando a 11.ª posição em comparação aos outros estados no país.
É drenado por rios da Bacia Amazônica (65,7% do território); da Bacia Platina
(19,6% do território) e Bacia do Tocantins-Araguaia (14,7% do território)35.

Sua pujança hídrica contrasta a realidade de abastecimento de água


e esgotamento sanitário da população. Os novos números do Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) apontam que no MT,
11,7% da população não tem acesso à água, 67,5% não tem coleta de
esgoto e somente 24,3% do esgoto sobre água consumida é tratado36.

Nesse cenário, a elaboração dos planos municipais inicia trajetória


apta a prover as falhas na prestação dos serviços públicos de saneamen-
to básico em cada município.

Os planos de saneamento básico dos municípios mato-grossenses fo-


ram elaborados por execução direta, pelo próprio município ou consórci-
os intermunicipais, e por execução descentralizada.

A contratação direta, com recursos transferidos pela União via Admi-


nistração direta ou indireta, foi verificada nos dez municípios mais popu-
losos, em outros oito municípios menores e num consórcio composto
por quatorze municípios. Nessas localidades os planos foram elaborados

35 Disponível em https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mt/.html? (acedido


em 05 de dezembro de 2019).
36 Disponível em http://www.snis.gov.br (acedido em 30 de setembro de 2019).

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821
Estudos de Direito do Saneamento

por empresa técnica contratada nos moldes da Lei 8666/93. Nos muni-
cípios com população igual ou menor que 50.000 habitantes, identifica-
mos que o Consórcio Complexo Nascentes do Pantanal e os Municípios
de Apiacás, Alta Floresta, Confresa, Nova Ubiratã, Nova Guarita, Pontal
do Araguaia, São José do Xingu e Vera celebraram convênio com a Funda-
ção Nacional de Saúde37 (FUNASA), com objeto de elaboração e implan-
tação do PMSB com transferência de recursos financeiros.

Mas a grande maioria dos pequenos municípios (109) utilizou-se de


apoio técnico e financeiro de outros entes federativos, concretizado por
via de Termo de Execução Descentralizada (TED). Tal instrumento é re-
gido pelo Decreto 6.170/07, com as modificações do Decreto 8.180/13,
que dispõe acerca da transferência de recursos da União mediante con-
vênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada en-
tre órgãos e entidades da administração pública federal com órgãos ou
entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de
programas, projetos e atividades no interesse na unidade repassadora38.

O Termo de Execução Descentralizada (TED) n.º 04/2014 foi firmado en-


tre a Superintendência Estadual da Fundação Nacional de Saúde no Estado

37 A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) é uma fundação pública federal, vin-


culada ao Ministério da Saúde do Brasil, com criação autorizada pela Lei 8.029/1990, insti-
tuída pelo Decreto 100, de 16 de abril de 1991. O Decreto 8.867, de 3 de outubro de 2016,
aprova o novo Estatuto da Fundação, o qual atualmente define as finalidades institucionais
FUNASA, que são, em suma, fomentar soluções de saneamento para prevenção e controle
de doenças; e formular e implementar ações de promoção e proteção à saúde relacionadas
com as ações estabelecidas pelo Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental.
38 Conforme inciso III, do parágrafo 1.º, do artigo 1.º do Decreto 6.170/2007: termo
de execução descentralizada - instrumento por meio do qual é ajustada a descentralização
de crédito entre órgãos e/ou entidades integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade
Social da União, para execução de ações de interesse da unidade orçamentária descentra-
lizadora e consecução do objeto previsto no programa de trabalho, respeitada fielmente a
classificação funcional programática. (Redação dada pelo Decreto 8.180, de 2013).

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822
de Mato Grosso (FUNASA/SUEST-MT), a Fundação Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT) e o Estado de Mato Grosso, tendo os Municípios con-
templados como partícipes intervenientes, com previsão orçamentária de
R$ 9.215.155,46. Os objetivos prescritos foram: mobilizar e sensibilizar os
gestores e técnicos municipais para a importância e a necessidade de elabo-
ração dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB); coordenar os
levantamentos de campo e coleta de informações nos municípios participan-
tes, para a elaboração dos Produtos descritos no Termo de Referência FUNA-
SA versão original de 2012; e elaborar 106 (cento e seis) Planos Municipais
de Saneamento Básico, bem como as respectivas minutas de Leis Municipais
que condicionam a validação e implementação sob as condições específicas
de cada município39. Posteriormente o ajuste foi aditado para incluir mais
três municípios (Comodoro, Nova Brasilândia e Sapezal) e suplementação de
valores, totalizando R$ 11.626.253,83 e 109 (cento e nove) PMSB finalizados.

Como a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico é ato


indelegável a ser praticado por cada município, a elaboração do PMSB
por entidade pública distinta do titular do serviço somente foi possível
por terem os municípios beneficiados manifestado sua anuência e assu-
mido as obrigações que lhes são próprias e exclusivas.

No TED, a relação entre as partes envolvidas se deu primordialmen-


te no seguinte: à FUNASA competiu acompanhar a execução do objeto e
efetuar a descentralização dos créditos orçamentários para a Entidade Re-
cebedora (UFMT); à UFMT, incumbiu planejar, coordenar e executar em
conjunto com a FUNASA as ações do referido Projeto, elaborar material di-
dático para as atividades de sensibilização dos gestores e técnicos munici-
pais com base no Termo de Referência, contratar e coordenar os profissio-

39 Disponível em http://www.funasa.gov.br/documents/20182/67473/TED_04_2014_FU-
NASA_UFMT.pdf/1a35f175-c2e1-4e4f-ae44-f9ff7e3ae0e1 (acedido em 05 de dezembro de 2019).

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823
Estudos de Direito do Saneamento

nais a formar a Equipe Técnica Eventual nas atividades de levantamento de


campo nos municípios e na elaboração dos produtos detalhados no Termo
de Referência, supervisionar e monitorar a execução das ações do Projeto,
apresentar os 109 Planos Municipais de Saneamento Básico, bem como a
minuta da Lei Municipal que condiciona a sua validação e implementa-
ção, sob as condições específicas de cada município; ao Estado de Mato
Grosso, coube contribuir como co-financiador do projeto, depositando na
conta específica do instrumento a importância de R$ 2.500.000,00.

Essa estratégia de atuação vai ao encontro do interesse público, por-


quanto o processo de planejamento por meio dos PMSB vem se mostrando
lento e de difícil consecução. Em razão das exigências de cunho técnico e
da necessária contemplação da participação popular, revelou-se convenien-
te delegar a capacitação técnica em conjunto ou não com o levantamento
de dados e elaboração de minutas dos planos a instituições de ensino com
expertise na temática. Nessa mesma linha, vários outros ajustes da mesma
natureza foram celebrados pela FUNASA, diferindo em cada caso concreto
quanto aos entes envolvidos, especificações e delimitação do objeto.

No Mato Grosso, os municípios compuseram a avença na qualidade de


intervenientes e o objetivo definido foi a própria elaboração dos planos e
minuta da lei municipal que condiciona a sua validação e implementação
em condições específicas de cada município, conjuntamente com a mobili-
zação e sensibilização dos gestores e técnicos municipais para a importân-
cia e a necessidade dos PMSB, além da coordenação dos levantamentos de
campo e coleta de informações nos municípios participantes.

Objetivos assemelhados constaram do vigente Termo de Execução


Descentralizada n.º 06/2018, firmado entre a FUNASA e a Universidade
Federal do Amapá, para mobilização dos gestores, coordenação dos le-
vantamentos de campo e elaboração da minuta dos planos municipais

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824
de saneamento básico dos 06 (seis) municípios selecionados no Amapá
e também do Termo de Execução Descentralizada n.º 02/2017, avença-
do entre FUNASA e a Universidade Federal Rural da Amazônia, para ca-
pacitação, mobilização, assistência técnica e elaboração de minutas dos
PMSB para 38 municípios paraenses, em fase de prestação de contas.
Nos instrumentos celebrados no Rio Grande do Sul (TED n.º 02/2015), no
Tocantins (TED n.º 10/2017), em Roraima (TED n.º 08/2017) e na Bahia
(TED n.º 04/2017) foram previstos objetivos para capacitação, assistência
e apoio técnico aos municípios para elaboração dos Planos Municipais de
Saneamento Básico (PMSB)40.

A elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico mato-gros-


senses via TED contemplou 109 municípios com até 50.000 habitantes,
num total estimado de 1.270.462 habitantes, ou 25% da população do
Mato Grosso, reunida em quatorze dos quinze consórcios intermunici-
pais voltados ao desenvolvimento regional e sustentável de seus inte-
grantes. São eles: Alto do Rio Paraguai, Vale do Rio Cuiabá, Vale do Te-
les Pires, Região Sul, Portal da Amazônia, Vale do Juruena, Alto do Teles
Pires, Vale do Guaporé, Portal do Araguaia, Araguaia, Médio Araguaia,
Norte Araguaia, Vale do Arinos e Nascentes do Araguaia.

Para operacionalizar a implementação das obrigações assumidas pe-


rante o Termo de Execução Descentralizada n.º 04/2014, a Universidade
Federal de Mato Grosso celebrou contrato com a Fundação de Apoio e
Desenvolvimento da UFMT (Fundação Uniselva)41 para apoio institucional

40 Dados disponíveis em http://www.funasa.gov.br/web/guest/ted (acedido em 05


de dezembro de 2019).
41 A Fundação Uniselva é entidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, in-
cumbida, estatutariamente, de promover o desenvolvimento cientifico e tecnológico e transfe-
rência de tecnologia e apoiar as atividades de ensino, de graduação e pós-graduação, de pesqui-
sas, de extensão e assistência técnica no campo de administração pública e privada, conforme
estabelece a Resolução do Conselho Diretor (CD) n.° 14, de 26 de agosto de 2011 e alterações.

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825
Estudos de Direito do Saneamento

na realização do Projeto de Extensão para a elaboração dos 109 PMSB. O


desenvolvimento das atividades foi realizado pela Faculdade de Arquite-
tura, Engenharia e Tecnologia via Departamento de Engenharia Sanitária
(FAET/DES/UFMT), com recursos resultantes da descentralização de cré-
ditos orçamentários via TED.

O controle e monitoramento das ações observaram as metas de en-


tregas vinculadas aos desembolsos financeiros fixadas no Plano de Traba-
lho. As metas determinavam a entrega de produtos e prazos fixados para
validação do patrocinador. O Núcleo Intersetorial de Cooperação Técnica
da Superintendência Estadual da Funasa no Mato Grosso prestou, a cada
fase, acompanhamento técnico e orientativo dos produtos obtidos. A
equipe executora foi composta por engenheiros sênior, júnior, discentes,
graduandos dos cursos de engenharia sanitária e ambiental, engenharia
civil, arquitetura, economia, serviço social, ciência da computação e ad-
ministração, além de pós-graduandos dos programas de engenharia de
edificações e ambiental, serviço social e administração.

A coleta de dados em tantos municípios de um Estado de grandes di-


mensões, alguns deles com dificuldades de acesso, foi aglutinada num portal
eletrônico42. A medida agilizou a comunicação entre os agentes das equipes
multidisciplinares e dos colaboradores dos municípios participantes. Ainda,
serviu como um elemento facilitador da rápida e segura disponibilização de
informações acerca de novas diretrizes emitidas pelas equipes de coordena-
ção do projeto pela UFMT, de acompanhamento pela unidade financiadora
e permitiu à população acessar informações sobre o estágio das diversas eta-
pas dos trabalhos de elaboração do PMSB por município.

42 Dados compilados disponíveis em http://pmsb106.ic.ufmt.br (acedido


em 30 de setembro de 2019).

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826
Os trabalhos realizados nos municípios envolveram levantamentos
de campo e análise dos dados compilados por profissionais do Departa-
mento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMT, agrupados em sete
equipes para mapear os 109 municípios divididos nos quatorze consór-
cios intermunicipais. Os levantamentos e trabalhos nas zonas rurais (as-
sentamentos, quilombolas, áreas indígenas) ficaram sob a responsabili-
dade da parceria município-consórcio, com coordenação pela Faculdade
de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia por intermédio do Departamen-
to de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMT.

A Controladoria-Geral da União43 (CGU) no controle interno da prestação


anual de contas de 2017 da Fundação Nacional de Saúde – Mato Grosso,
emitiu relatório com constatações da avaliação de resultados de convênios
e instrumentos de repasse de recursos federais para elaboração de Planos
Municipais de Saneamento Básico44. No documento, foram identificados da-
dos e ações que, comparados à atuação em procedimentos semelhantes no
território estadual e em outros Estados, na amostragem que elegeu, revelou
opções acertadas no Mato Grosso, em termos de custo, prazo e conteúdo.

Numa comparação dos custos do Termo de Execução Descentraliza-


da n.º 04/2014 com outros instrumentos de transferências voluntárias,

43 Cabe à Controladoria-Geral da União avaliar a execução de programas de go-


verno; comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto a eficácia e eficiência, da
gestão dos administradores públicos federais; exercer o controle das operações de crédito
e, também, exercer atividades de apoio ao controle externo, em cumprimento ao disposto
no artigo 74 da Constituição Federal.
44 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, Relatório de Auditoria Anual de Contas, Se-
cretaria Federal de Controle Interno, Unidade Auditada: Fundação Nacional de Saúde – Mato
Grosso Município Cuiabá-MT Exercício:2017, Relatório nº 201800010, 2018, p. 20, Disponível
em https://auditoria.cgu.gov.br/download/12382.pdf (acedido em 30 de setembro de 2019).

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827
Estudos de Direito do Saneamento

a CGU apontou que o TED apresentou um custo de execução abaixo do


custo de PMSB produzidos em outros municípios.

O resultado foi justificado na economia de escala, dado que os custos


de produção dos planos teriam sido diluídos em muitas unidades de pro-
duto que se utilizaram dos mesmos recursos humanos e tecnológicos, de
estrutura física e de logística. A despesa com pessoal foi relatada como o
insumo mais relevante na composição dos preços dos planos.

Naquela análise comparativa de custos parametrizada por elemen-


tos extraídos de outros instrumentos de repasse, aferiu-se a economia
obtida na realização dos PMSB de 109 municípios por meio do TED n.º
04/2014, em valor equivalente a 40,6% do valor médio de outros pla-
nos elaborados por meio de convênios individuas em municípios do
Estado do Mato Grosso.

A forma de atuação concentrada, envolvendo profissionais espe-


cializados em diversas áreas do conhecimento, agrupados em sete
equipes para cobrir os quatorze consórcios de desenvolvimento regi-
onal beneficiados, somada à utilização de ferramenta informatizada
para controle e monitoramento das atividades desenvolvidas propi-
ciou aumento de desempenho e produtividade e repercutiu no prazo
de consecução.

A vigência do TED foi de três anos e sete meses. Nesse período fo-
ram apresentados 109 PMSB. Em contraposição, os convênios individu-
almente firmados com a FUNASA duraram, em média, 7,95 anos para
sua execução. Nessa estimativa os dados considerados são resumida-
mente compilados na seguinte tabela:

Voltar ao índice
828
Nessa amostragem é possível concluir que houve eficiência e econo-
mia no TED em relação aos ajustes individuais, ainda que não se adentre
aos motivos ensejadores dos atrasos45.

A corroborar a razoável duração do Termo de Execução Descentralizada n.º


04/2014, identificamos que no Rio Grande do Sul, com extensão territorial de
281.707,151 km² e 497 municípios, foi celebrado o Termo de Execução Des-
centralizada n.º 02/2015, em 25/11/2015, entre a FUNASA e a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul para capacitação e acompanhamento da elabo-
ração de PMSB de 100 municípios. O instrumento está vigente com previsão

45 Explica-se: os relatórios dos órgãos de controles federais frequentemente apon-


tam atrasos na execução das ações pactuadas atribuídos a morosidade na liberação na li-
beração financeira das parcelas do recurso do convênio por parte da Funasa; dificuldades
das Superintendências para atender o volume de trabalho em virtude do restrito quadro de
pessoal disponível; mudança de gestores municipais; empresas executoras sem capacidade
técnica-operacional; falhas nos projetos apresentados; cronogramas fictícios; ilegalidades nas
contratações; fiscalização precária; prestação de contas desprovida de elementos suficientes.

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829
Estudos de Direito do Saneamento

de término em 30/12/2019. Transcorridos quatro anos, confirmou-se a adesão


de 52 municípios, os quais terão ao final do processo, seus PMSB concluídos.

No Rio Grande do Norte, com área territorial de 52.809,602 km², divi-


dida 167 em municípios, foi firmado o Termo de Execução Descentralizada
n.º 03/2015, em 25/11/2015, entre a FUNASA e a Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, para capacitação e apoio técnicos à elaboração
de minuta de PMSB de 86 municípios. A avença está vigente com término
previsto para 30/12/2019, totalizando duração estimada de quatro anos.

No Maranhão, com área da unidade territorial de 329.642,170 km²


e 217 municípios, foi firmado o Termo de Execução Descentralizada n.º
01/2014, assinado em 10/09/2014, entre a FUNASA e a Universidade Fe-
deral Fluminense, para capacitação e elaboração de minutas de PMSB
para 150 municípios. A vigência se estenderá até 10/09/2020 para aten-
der 113 municípios, numa expectativa de 6 anos de duração.

Considerando a extensão territorial de Mato Grosso – 903.537 km²


(maior que RS, RN e MA) e o número de PMBS (109), evidenciou-se a
eficiência do TED n.º 04/2014 no quesito prazo de realização em relação
aos demais instrumentos ainda não encerrados.

Noutro viés, o Termo de Execução Descentralizada proporcionou econo-


micidade nos atos de instauração, lançamentos dos registros em sistemas
oficiais de controle, acompanhamento e fiscalização e prestação de contas,
mediante parametrização, aproveitamento e celeridade nos procedimentos e
tramitar processual. Essa prática contribuiu para redução do prazo de execu-
ção e, também para minimizar os riscos de não conclusão dos PMSB por parte
das Prefeituras, caso houvesse a formalização individualizada dos convênios.

Sobre os conteúdos mínimos, fases, atividades e produtos dos PMSB


abrangidos pelo TED n.º 04/2014 foi adotada a forma e definição das
entregas necessárias divididas em produtos esperados (A-K), conforme

Voltar ao índice
830
Termo de Referência da FUNASA versão original de 2012. O mesmo Ter-
mo de Referência foi adotado nos demais convênios individualmente fir-
mados com os municípios com população de até 50.000 habitantes.

Segundo o Termo de Referência para Elaboração de Plano Municipal de


Saneamento Básico versão 201846 as fases da elaboração, atividades e os
respectivos produtos, resumidamente, são: Atividades iniciais e formação
do Comitê Executivo (Produto A); Estratégia de mobilização, participação
social e comunicação do PMSB (Produto B); Diagnóstico Técnico-Participa-
tivo (Produto C); Prognóstico do Saneamento Básico – Cenário de Referên-
cia para a Gestão dos Serviços, Objetivos e Metas, Prospectivas técnicas
(Produto D); Programas, projetos e ações – Metodologia de hierarquização
das propostas do PSMB e Programação da execução (Produto E); Indicado-
res de Desempenho do PMSB (Produto F); Consolidação dos produtos do
PMSB, elaboração da minuta do projeto de lei para aprovação do PMSB
e elaboração do resumo executivo do PMSB (Produto G). Nessa versão
atualizada os produtos H-K estão contidos no Produto G.

Na avaliação da CGU, os PMSB decorrentes do TED estão mais aden-


sados quando comparados com os PMSB do Consórcio Complexo Nas-
centes do Pantanal. O órgão de controle interno concluiu que os conteú-
dos dos Planos Municipais de Saneamento Básico elaborados por força
do Termo de Execução Descentralizada n.º 04/2014 atendem os norma-
tivos que regulam a matéria e capacitam os municípios a buscar recursos
financeiros por meio de parcerias e convênios com a União. Em obser-
vação dos diagnósticos técnico-participativos e a prospectiva e planeja-
mento estratégico aferiu maior detalhamento das informações resultan-

46 BRASIL, Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Termo de referência para


elaboração de plano municipal de Saneamento Básico/ Ministério da Saúde, Fundação Nacional
de Saúde, Brasília, Funasa, 2018, Disponível em http://www.funasa.gov.br/web/guest/termo-
de-referencia-tr-para-pmsb?inheritRedirect=true (acedido em 05 de dezembro de 2019).

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831
Estudos de Direito do Saneamento

tes dos trabalhos desenvolvidos pela UFMT em parceria com a FUNASA e


os comitês de coordenação e comitês de execução dos municípios.

Nossa avaliação do conjunto confirmou que os conteúdos de infor-


mações e dados apresentados nos planos não diferem quanto ao conteú-
do mínimo legalmente exigido.

Considerando a amplitude de complexidades inerentes ao dimensiona-


mento das diferentes realidades de cada município, é a adequada delimitação
que propiciará a correta avaliação das alternativas possíveis. Nesse aspecto,
mesmo sem adentrar a minúcias de conteúdo, notou-se que os dados coleta-
dos em cada uma das fases da elaboração dos planos foram satisfatoriamente
sistematizados. Entretanto, não há informações suficientes para avaliar que
aqueles que mais ricos em informações e dados compilados propiciarão mai-
or aprofundamento paras os titulares enfrentarem suas deficiências e pro-
gredir nos serviços de saneamento básico. A nosso ver, tendem a influir no
processo posterior a aprovação dos planos, as consequências de uma efici-
ente mobilização para participação e controle processual. Mesmo porque há
que se considerar que o eventual adensamento de dados pode ser maior nos
municípios com melhores índices no setor em seus quatro componentes.

Enfim, todos os planos finalizados estão aptos a direcionar avanços


em organização administrativa e operacional, além da eleição da forma e
organização da prestação dos serviços e do ente regulador.

6. CONCLUSÃO

Consideramos a obrigação legal para que o titular dos serviços pú-


blicos de saneamento elabore o plano municipal de saneamento básico
como um dos maiores impactos do marco regulatório do setor. A função
planejadora como linha mestra e imprescindível à prestação e à regula-

Voltar ao índice
832
ção dos serviços coloca o Plano Municipal de Saneamento Básico como
peça central da política pública de saneamento. Sem plano de sanea-
mento básico são inválidas concessão, permissão ou mera prestação dos
serviços de saneamento regida pela Lei 8.666/93. Além disso, há vedação
de acesso a recursos públicos federais a partir de janeiro de 2023 por
municípios que não tiverem seus planos elaborados até 31/12/2022.

Desde o reconhecimento do direito humano ao saneamento como


indissociável do mínimo existencial ao viver com dignidade, podemos
conferir-lhe de maneira imbricada ao direito à saúde e ao meio-ambiente
equilibrado, proteção como direito fundamental.

Em decorrência, maior rigor deve ser conferido à atuação no setor


para se alcançar a universalização.

O enfrentamento dos problemas de governança, limitação de investi-


mentos, da inexistência de viabilidade econômica, barreiras por questões
urbanísticas, ausência de saneamento em áreas rurais, dentre outros
que atrasam o prosperar do setor, inicia-se na elaboração de adequado
planejamento com participação popular.

Se muitos são os desafios para elaborar o próprio plano de sanea-


mento, as mais relevantes deficiências e complexidades somente dele
em diante poderão ser dirimidas. Não há modelo único de planejamento,
contudo, certo é que o aprofundamento sobre a realidade da população
beneficiada afasta que seja meramente cosmético. A fim de definir so-
luções apropriadas na prestação dos serviços de saneamento, almejável
que coexistam os aspectos ambientais, da saúde, sociais, econômicos,
financeiros, políticos e institucionais.

No caso estudado, a cooperação de outros entes da federação para


financiamento, capacitação, mobilização e elaboração de PMSB no Mato

Voltar ao índice
833
Estudos de Direito do Saneamento

Grosso revelou opção acertada ao interesse público. A participação de


instituições de ensino e pesquisa foi positiva e pertinente para qualifi-
car o levantamento de dados e diagnósticos junto às populações muni-
cipais. A formalização de instrumento entre FUNASA, UFMT, Estado de
Mato Grosso e municípios beneficiados para elaboração de planos de
saneamento resultou em 109 PMSB finalizados. O prazo de entrega dos
produtos e o custo por plano municipal é comparativamente inferior aos
de convênios individualmente formalizados com pequenos municípios.
A opção de execução mostrou-se produtiva e ajustada aos elementos e
processos propostos e pode, assim, contribuir para congruentes orienta-
ções na confecção dos planos municipais de saneamento.

Embora novamente flexibilizado o limite temporal para que a inação


dos titulares do serviço lhes coíba o acesso a recursos federais no setor
de saneamento, metade dos municípios brasileiros ainda não possui pla-
nos municipais elaborados, regulamentados ou não.

Certo é que muitos outros desafios surgem a partir dos planos elabo-
rados para implantar as ações de saneamento, operar e manter as infra-
estruturas e viabilizar a regulação. Contudo, já iniciada com os PMSB a
trajetória para concretizar melhoramentos à saúde e qualidade de vida
dos mato-grossenses pela, quiçá mais próxima, prestação adequada e
suficiente dos serviços públicos de saneamento básico.

Voltar ao índice
834
O titular do saneamento básico
diante do modelo de prestação de
serviço proposto pelo PL Nº 3.261
de 2019 do Senado Federal
RUBEM ARANOVICH1

h1

Resumo
O trabalho tem como objetivo perscrutar a quem pertence a titulari-
dade do saneamento básico no Brasil, então analisando as alterações
propostas pelo PL 3.261/19 do Senado Federal, com destaque para o
modelo de contratação do prestador de serviços de saneamento e seus
reflexos positivos e negativos ao intitulado. Projeta o novo paradigma,
problematiza a questão e analisa possíveis soluções para os pontos en-
contrados. Constitui-se em uma pesquisa qualitativa não apenas cingida
à doutrina e jurisprudência, mas munida também de produção na área
da economia e a relatórios técnicos de avaliação de casos. Possui ên-
fase no material pátrio, embora também aborde a questões sob a ótica
de outras nações, em especial de Portugal. Relata a importância do sa-
neamento básico, que repercute fortemente na saúde da população, no

1 Procurador Federal responsável pela Consultoria da Funasa no RS, Especialista


em Direito Ambiental pela UFRGS, Especialista em Direito do Consumidor e Direitos Fun-
damentais pela UFRGS, Especialista em Direito Internacional Público e Privado pela UFRGS.
Especialista em Educação Técnica e Profissional pela Universidade Gama Filho.

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835
Estudos de Direito do Saneamento

meio ambiente e na economia do país, em especial. Analisa a situação


do saneamento no mundo e no Brasil. Conduz o estudo operando a divisão
do tema em três tópicos que antecedem à conclusão, o panorama do sanea-
mento no Brasil e no mundo, investigação acerca da titularidade e a mudan-
ça de paradigma do modelo de contratação e seus reflexos. Conclui que a
mudança tende a trazer aspectos positivos para a maior parte da população,
embora possa trazer dificuldades a municípios pequenos, sendo fundamen-
tal a atuação da Funasa, braço da União que dá suporte a esses na área de
saneamento, a fim de eliminar, ou minimizar possíveis danos.

Palavras-chave: Titularidade do saneamento básico no Brasil. PL


3.261/19 do Senado Federal. Reflexos positivos e negativos. Possíveis
soluções. Atuação da Funasa.

Abstract

This paper aims to examine who owns the basic sanitation ownership
in Brazil, then analyzing the changes proposed by the Federal Senate PL
3,261 / 19, highlighting the new paradigm of hiring the sanitation service
provider and its positive and negative consequences. negative to the titled.
It focuses a projection on the new paradigm and possible solutions to the
problematized points. It is a qualitative research not only limited to doc-
trine and jurisprudence, but also produced in the area of ​​economics and
field research. It has an emphasis on country material, although it also
addresses the issue from the perspective of many other nations, especially
Portugal. It reports the importance of basic sanitation, which strongly af-
fects the health of the population, the environment and the economy of
the country. It analyzes the sanitation situation in the world and in Brazil.
Conducts the study operating the division of the theme into three topics,
besides the introduction and conclusion, the sanitation panorama in Brazil
and in the world, investigation about the ownership and the paradigm

Voltar ao índice
836
change and its reflexes. It concludes that the change tends to bring posi-
tive aspects to the majority of the population, although it may bring prob-
lems to small municipalities, and Funasa’s action is essential to minimize
the possible damages to those who support them in sanitation.

Keywords: Ownership of basic sanitation in Brazil. PL 3,261 / 19 of


the Federal Senate. Positive and negative reflexes. Possible solutions. Fu-
nasa’s performance.

Sumário
1 O saneamento básico no mundo e no Brasil; 2 A titularidade do
saneamento básico no Brasil; 3 O novo modelo de contratação
da prestação de serviços estatuído pelo Pl nº 3.261, de 2019 do
Senado Federal; Conclusão.

1. O SANEAMENTO BÁSICO NO MUNDO E NO BRASIL

A Organização Mundial de Saúde ocupou-se de conceituar saneamen-


to básico, estudar seus elementos, bem como ocupar-se de estabelecer
diretrizes mundiais. 2/3 O Programa Conjunto de Monitoramento da OMS
e do UNICEF (Progressos sobre água, saneamento e higiene: 2000-2017:
Foco especial nas desigualdades), publicado em junho de 2019, dá conta

2 World Health Organization. Guidelines on sanitation and health. Geneva:


World Health Organization, 2018.
3 World Health Organization. Water sanitation hygiene. Disponível em: <https://
www.who.int>. Acesso em: 10 set. 2019.

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837
Estudos de Direito do Saneamento

que mais da metade da população mundial não têm acesso a serviços


sanitários seguros4 Realçando a iniquidade do dado, outro estudo dirigido
pela OMS em 2012 estimou que para cada US$ 1.00 investido nesta área
gera um retorno de US$ 5.50, representado pela diminuição de gastos
com o sistema de saúde, não diminuição/estagnação da produtividade
dos trabalhadores e redução do número de mortes prematuras.5

No Brasil, o conceito de saneamento básico é mais amplo do que


o popularmente conhecido, desde a edição da chamada Lei do Sanea-
mento, Lei nº 11.445 de 5 de janeiro de 2007, haja vista que além da
estrutura afeta à água e esgoto incluiu ainda limpeza urbana, drena-
gem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais, con-
forme seu art. 3º.6/7/8/9

No que tange às carências do quadro atual, assim se pode resumi-lo.

4 World Health Organization. 1 in 3 people globally do not have acess to safe


drinking water – UNICEF, WHO. New report on inequalities in access to water, sanitation
and hygiene also reveals more than half of the world does not have access to safe sanitation
services. Disponível em: <https://www.who.int>. Acesso em: 10 set. 2019.
5 World Health Organization. Sanitation. Disponível em: <https://www.who.int>.
Acesso em: 10 set. 2019.
6 RUBINGER, Sabrina Dionísio. Desvendando o conceito de saneamento no Brasil: Uma
análise da percepção da população e o do discurso técnico contemporâneo. Belo Horizonte: Pro-
grama de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG, 2008.
7 BRASIL. PLANALTO. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes na-
cionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036,
de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga
a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm>. Acesso em: 10 set. 2019.
8 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 3261, de 2019. Disponível em:
<https://www.senado.leg.br>. Acesso em: 10 set. 2019.
9 BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 3261/2019. Disponível em: <https://www.
camara.leg.br>. Acesso em: 10 set. 2019.

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838
Desafios do Saneamento Básico brasileiro: O país ainda apre-
senta quase 35 milhões de brasileiros sem acesso à água trata-
da, quase 100 milhões de brasileiros sem coleta de esgotos
(47,6% da população) e apenas 46% dos esgotos gerados no
país são tratados. [...]10/11

Por outro lado, Atlas elaborado pela Agência Nacional de Águas


(ANA) em parceria com a Secretaria Nacional de Saneamento Ambien-
tal do então Ministério das Cidades, debruçando-se sobre a população
urbana, apontou que o percentual de esgoto com coleta é de 61,4%,
sendo que destes apenas 42,6% são tratados, o restante (18,8%), são
lançados em corpos hídricos. Nota-se, portanto, que 58,4%, ou seja,
quase 60% do esgoto, ou não é coletado e tratado, ou é despejado in
natura nos corpos hídricos.12 Ao analisar-se os dados por regiões e por
estados, vê-se distâncias alarmantes entre os quadros vivenciados em
cada localidade. Também surpreende o baixo volume da carga orgânica
removido, o que acarreta um altíssimo índice de poluição dos rios, con-
forme quadros contidos no Atlas, conforme excertos de alguns deles,
que ora destacamos abaixo. 13

10 TRATA BRASIL. Press Release. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/estu-


dos/estudos-itb/itb/ranking-do-saneamento-2019>. Acesso em: 10 set. 2019.
11 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. Secretaria Nacional de Sa-
neamento. SNIS – Série Histórica. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
Disponível em<http://app4.cidades.gov.br/serieHistorica/>. Acesso em 10 set. 2019.
12 BRASIL. Agência Nacional de Águas. Atlas esgotos: despoluição de bacias hi-
drográficas / Agência Nacional de Águas, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.
Brasília: ANA, 2017, p. 30.
13 BRASIL. Agência Nacional de Águas. Atlas esgotos : despoluição de bacias hi-
drográficas / Agência Nacional de Águas, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental .
Brasília: ANA, 2017, ps. 31 e 42.

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839
Estudos de Direito do Saneamento

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840
Ressalte-se que as 100 cidades mais populosas do País são respon-
sáveis por em torno de 2,2 mil toneladas de DBO/dia de carga orgânica
remanescente nos rios, o que é mais do que as 1,9 mil toneladas de DBO/
dia dos 90% municípios restantes, de até 50 mil habitantes.14 Quase 40%
da carga das maiores cidades provém de apenas 15 cidades, todas com
população superior a 1 milhão de habitantes.15 Tenha-se em mente ai-
nda que a população brasileira está concentrada nos grandes municípios,
sendo que apenas 46 municípios com mais de 500 mil habitantes concen-
tram 31,2% da população, mais do que os 68,4% municípios brasileiros
que possuem até 20 mil habitantes e abrigam apenas 15,4%16

Como se não bastasse a elevada carga orgânica despejada, a capacidade


de diluição dos efluentes pelos corpos hídricos que servem os 5.570 mu-
nicípios brasileiros deixa muito a desejar, haja vista que apenas 32% possui
qualidade boa ou superior, 23% regular e os restantes 45% têm capacidade
ruim, péssima ou nula, o que significa uma forte agressão ambiental.17

O Atlas ainda estimou os custos com a universalização do serviço até


2035, tomando como parâmetro modalidade de tratamento com uma
eficiência mínima de 60% de remoção de matéria orgânica, concluindo que
seria necessário um investimento da ordem de R$ R$ 149,5 bilhões, tendo
o PLANSAB (2014-20133) estimado para esta meta o insuficiente valor de

14 BRASIL. Agência Nacional de Águas. Atlas esgotos: despoluição de bacias hi-


drográficas / Agência Nacional de Águas, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.
Brasília: ANA, 2017, p. 42
15 Ob. cit.
16 BRASIL. Agência IBGE notícias. IBGE divulga estimativas de população dos
municípios para 2018. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sa-
la-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/22374-ibge-divulga-as-estimativas-de-
populacao-dos-municipios-para-2018>. Acesso em: 5 ago. 2019.
17 Ob. cit, p. 57.

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841
Estudos de Direito do Saneamento

R$ 134,3 bilhões.18 Em oposição, estudo da Confederação Nacional da In-


dústria (CNI) relata que neste passo apenas alcançaríamos a universalização
do abastecimento de água em 2043 e do esgotamento sanitário em 2054.19

Na área rural a situação é a mais caótica possível, para uma população


estimada no Plano Nacional de Saneamento Rural (PNSR) em 39 milhões
de pessoas, apenas 5% têm acesso à rede coletora.20 Com base no Censo
Demográfico de 2010, estima-se que 72,2% da população rural ainda
acessa água apenas por meio de poços, cacimbas, açudes e barreiros.21
Mesmo que o PLANSAB fosse cumprido a previsão é que se chegaria, em
2033, na melhor das hipóteses, a 77% da população com água potável e
62% com coleta de esgotos22

Para piorar a situação, há escassez de recursos orçamentários, tendo


o Brasil investido Brasil 10,9 bilhões em água e esgoto, em 2017, valor
nominal sensivelmente inferior ao realizado nos anos anteriores (2014
– R$ 13,29, 2015 -- R$ 12,18 e R$ 2016 – R$ 11,51).23 Assevere-se que o
valor em questão não poderá ser aumentado pelos próximos vinte anos,
apenas corrigido INPC pelos próximos vinte anos, a contar de 2018, ou
seja, até 2037, nos termos do Art. 107, § 1º, II, do Ato das Disposições

18 Ob. cit, ps. 70 e 72.


19 BRASIL. Trata Brasil. 10 anos da Lei do Saneamento Básico: de quantas décadas
mais precisaremos? Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
20 BRASIL. Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento- ASSEMAE.
49º CNSA: saneamento rural é essencial para a sustentabilidade. Disponível em: <http://
abes-dn.org.br>. Acesso em: 10 set. 2019.
21 BRASIL. Planalto. Acesso à água na zona rural: o desafio da gestão. Disponível em:
<>. Acesso em: 11 set. 2019.
22 TRATA BRASIL. Saneamento rural: um enorme desafio para o Brasil – PORTAL DO
SANEAMENTO. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br>. Acesso em: 11 set. 2019
23 TRATA BRASIL. Ranking do Saneamento 2019. Disponível em: <http://www.trata-
brasil.org.br/>. Acesso em: 11 set. 2019.

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842
Constitucionais Transitórias, com a redação da Emenda Constitucional nº
95 de 15 de dezembro de 2016.24

O difícil quadro descrito deixa o Brasil, na época sétima economia


do mundo, 112º lugar dentre 200 pesquisados, ficando atrás de países
como Peru, Argentina, alguns situados na África e Oriente Médio, em
publicação elaborada pelo Instituto Trata Brasil e o Conselho Empresarial
Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), intitulada ‘Bene-
fícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro’.25 O resultado
foi similar em pesquisa realizada pelo Banco Mundial, com base em da-
dos de 2012, em que o país ficou em 101º lugar.26

Assim, diante da importância do saneamento para a saúde da popu-


lação e para o crescimento da a economia do país, contrastados com os
frágeis dados analisados e diante dos rígidos ditames da EC nº 95/2016,
que limita os investimentos públicos, novas soluções urgem, possivelmente
com a criação de um quadro competitivo e ingresso de capital privado.

2. A TITULARIDADE DO SANAMENTO BÁSICO NO BRASIL

Definida a acepção de saneamento e analisado seu panorama mundial


e no Brasil, fundamental se faz conhecer a titularidade para a prestação de
serviço no país, haja vista que, apesar do federalismo cooperativo estabeleci-

24 BRASIL. Planalto. Emenda Constitucional nº 95 de 15 de dezembro de 2016.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 11 set. 2019.
25 TRATA BRASIL. Brasil ocupa 112ª posição no ranking de saneamento. Disponível
em: <http://www.tratabrasil.org.br>. Acesso em: 11 set. 2019.
26 DEEPASK. O Mundo e as Cidades através de gráficos e Mapas. Ranking de países
pelo percentual da população com acesso à saneamento básico. Evolução do percentual da
população com acesso à saneamento básico por país e no mundo. Disponível em: <http://
www.deepask.com>. Acesso em: 11 set. 2019.

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843
Estudos de Direito do Saneamento

do na Constituição de 1988, a este cabe a tarefa de progredir do status atual.


A Constituição Federal, em seu art. 21, XX, estabelece que compete à União
instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive quanto ao sanea-
mento, o art. 23, IX, reza que é competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios promover a melhoria das condições de
saneamento básico e o art. 200, IV, estipula que ao sistema único de saúde,
na forma da lei, também compete participar da formulação da política e da
execução das ações de saneamento básico. Por sua vez, o art. 30, I, estabelece
a competência do município para legislar sobre assuntos de interesse local,
enquanto o inciso V estipula que a este incumbe organizar e prestar, direta-
mente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de
interesse local, que tem caráter essencial, cabendo-lhe também, nos termos
do art. 182, CF, desenvolver a política de desenvolvimento urbano, executada,
visando a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e garantir o bem-estar de seus habitantes.27 Na seara infraconstitucional, a
chamada Lei do Saneamento, Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, ao tra-
tar do exercício da titularidade não nominou explicitamente o titular, apenas
salientando que os titulares dos serviços públicos de saneamento básico po-
derão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses
serviços, nos termos do art. 241 da Constituição Federal e da Lei no 11.107, de
6 de abril de 2005. O dispositivo constitucional em questão preconiza que a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de
lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes fede-
rados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, enquanto que a
lei remetida é a que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios
públicos. Na mesma senda, o Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010,
que regulamentou a norma do saneamento, preconizando em seu art. 2º, VII,
que titular é o ente da federação que possua por competência a prestação de

27 BRASIL. Planalto. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dispo-


nível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.

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844
serviço público de saneamento básico. 28 29 Já na doutrina é assente o posicio-
namento jurídico no sentido de que os titulares do saneamento básico são os
municípios, seja porque lhe compete legislar sobre assuntos de interesse lo-
cal, seja porque incumbe-lhe organizar e prestar, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, que têm
caráter essencial (art. 30, I e V, CF), conforme sinalam Neto e Carvalho.30/31

Quanto à jurisprudência, existem muitos julgados do Supremo Tribunal Fe-


deral afirmando a competência municipal, entre eles, cabe citar a Medida Cau-
telar na ADIn 2.299/RS, a MC na ADIn nº 2.337, a ADIn nº 2.340 e a MC na ADIn
nº 2.077.32/33/34 Ressalte-se que exceção ocorre em se tratando da instituição
de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, instituídas
nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal. A orientação se deu no
mais emblemático julgamento envolvendo a titularidade do saneamento bási-

28 BRASIL. Planalto. Lei nº 11.44, de 5 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://


www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
29 BRASIL. Planalto. Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
30 NETO, Floriano de Azevedo Marques. As parcerias público-privadas no sa-
neamento ambiental. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico-REDAE,
Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 2 maio-jul. 2005. Disponível em: [www.
direitodoestado.com.br]. Acesso em: 27.08.2019.
31 CARVALHO, Vinicius Marques de. Elementos para a implementação do novo
marco regulatório na gestão dos serviços de saneamento básico no Brasil: Qual o espaço da
iniciativa privada? Shapiro, Mario Gomes (Coord.). Direito Econômico: direito e economia
na regulação setorial. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 182-233.
32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MC na ADI nº 2.337. Requerente: Governa-
dor do Estado de Santa Catarina. Requerida: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Ca-
tarina. Rel. Min. Celso de Mello. Julgamento: Brasília, 20 fev. 2002. Disponível em:<http://
www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.340. Requerente: Governador do
Estado de Santa Catarina. Intimado: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina.
Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento: Brasília, 9 mai. 2013. Disponível em:<http://
www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MC na ADI nº 2.077. Requerente: Partido
dos Trabalhadores - PT. Requerida: Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. Rel.p/acór-
dão: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento: Brasília, 6 mar. 2013. Disponível em:<http://
www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 set. 2019.

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845
Estudos de Direito do Saneamento

co, o ocorrido na ADin 1842, cujo objeto fustigava a transferência de compe-


tências administrativas e normativas ínsitas aos municípios, ligadas à prestação
de serviços de saneamento básico, da microrregião dos Lagos, instituída pela
Lei Complementar 87/89, para o Estado do Rio de Janeiro, por intermédio da
Lei estadual 2.869/97. Juntamente com a referida ação, por conexão, foram
também julgadas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 1826, 1843
e 1906. Nelas restou chancelado que se faz inviável a mera transferência de
competências dos municípios aos estados, sem sua participação na gestação
de serviços públicos operados em seu território, sob pena de violar-se o nú-
cleo central do federalismo. Decidiu o STF que a titularidade deve ser exercida
por colegiado formado pelos municípios e pelo estado, definindo ainda que
a composição do ente formado não precisa ser paritária, mas deve evitar a
concentração do poder decisório na esfera de apenas um dos integrantes. Na
decisão, apesar de o Pretório em suas razões de decidir, apesar de reconhecer
a exclusividade titularidade do município para a prestação de serviço local, no
excepcional caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações ur-
banas e microrregiões, com fulcro no art. 25, § 3º, da Constituição Federal, en-
tendeu-se que, em nome do interesse comum, a solução haveria de ser outra.
Pontuou os elevados custos do serviço e o fato de que em face de suas várias
etapas não raro ultrapassam os limites territoriais de um município, podendo
pôr em risco a região inteira.35 Ao estabelecer as diretrizes para a formação
do órgão, mas não sua efetiva composição, argumenta-se que o STF delegou
ao Judiciário a apreciação de casos concretos que possam ser acoimados de
descumprir tais premissas, o que despertou elogios.36

35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1.842. Requerente: Partido Demo-


crático Trabalhista –PDT.
Requerido: Governador do Estado do Rio de Janeiro. Rel. p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes.
Julgamento: Brasília, 6 mar. 2013. Disponível em:<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
36 Galacci, Fernando Bernardi. Reflexão acerca das disputas jurídicas envolven-
do o setor de saneamento brasileiro. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/
page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_
boletim/bibli_bol_2006/RDAdmCont_n.21.05.PDF>. Acesso em 30 jul. 2019.

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846
Em contraposição, o julgado recebeu a crítica de outros, ao argumen-
to de que operou a troca do sujeito estabelecido constitucionalmente
por razões meta jurídicas. 37

O último tema relevante em termos de titularidade do saneamento


posto sob a apreciação do STF e que aguarda julgamento foi a criação de
uma autarquia intergovernamental no Estado da Bahia (Entidade Metro-
politana da Região Metropolitana de Salvador), através da Lei Comple-
mentar nº 41, de 13 de junho de 2014, a ser gerida pelo estado federado
e os municípios que integram a região. A ação alega que houve a intro-
missão do estado na autonomia municipal, ao criar um novo ente políti-
co, assim como ao princípio da especialidade das autarquias. O parecer
da Procuradoria-Geral da República, acertadamente, a nosso ver, quanto
ao mérito, foi pela constitucionalidade a norma.38 Explicitando o entendi-
mento jurisprudencial quanto à titularidade, conforme sua justificativa, o
PL nº 3261, de 2019, do Senado Federal, assim se posicionou ao dar nova
redação ao art. 8º da Lei nº 11.445/2007, dispondo, “in verbis”:39

“Art. 8º São titulares dos serviços de saneamento básico:

I - os Municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse local; e

II- a estrutura de governança interfederativa instituída nos termos do


§ 3º do art. 25 da Constituição Federal, no caso de interesse comum.

37 MARTINS, Ricardo Marcondes. Titularidade do serviço de saneamento básico.


Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/2545> Aces-
so em: 9 set. 2019.
38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 5155. Requerente: Democratas -
DEM. Requerido: Governador do Estado da Bahia. Rel.: Min. Celso de Mello. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
39 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 3261, de 2019. Disponível em:
<https://www.senado.leg.br>. Acesso em: 10 set. 2019.

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847
Estudos de Direito do Saneamento

Parágrafo único. O exercício da titularidade dos serviços de sa-


neamento básico poderá ser realizado por gestão associada,
mediante consórcios públicos ou convênios de cooperação, nos
termos estabelecidos no art. 241 da Constituição.”

A norma em questão explicita que a regra é que a titularidade do sa-


neamento seja exclusivamente exercida pelo município interessado, ou
Distrito Federal, no que tange ao seu território, mas poderão voluntaria-
mente, ampliá-la ao optar por mecanismos estabelecidos no art. 241 da
CF, ou seja, consórcios públicos ou convênios de cooperação. Entretanto,
no caso de o estado federado, por lei complementar, valer-se do art. 25, §
3º, da CF, e criar conurbação, a titularidade do serviço caberá à estrutura
formada entre os diferentes componentes da federação (municípios e estado).

3. O NOVO MODELO DE CONTRATAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE


SANEAMENTO ESTATUÍDO PELO PL N° 3.261, DE 2019 DO SENADO FEDERAL

As companhias estaduais de saneamento básico começaram a surgir


na metade da década de 60, tendo se tornado os primordiais executores
da prestação serviços de água e esgotamento sanitário do Brasil até a
presente data. 40 O Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANASA, e
o então agente financeiro federal, Banco Nacional de Habitação – BNH,
foram fundamentais condicionantes para este fato, explicitando-se que
sob a vigência do referido plano investiu-se em torno de US$ 10 000 mi-
lhões, de 1970 a 1986, tendo o pico ocorrido em 1981, no montante de

40 OLIVEIRA, Thiago Guedes de e LIMA, Sonaly Cristina Rezende Borges de. Privatiza-
ção das Companhias Estaduais de Saneamento: Uma análise a partir da experiência de Minas
Gerais. Ambiente e Sociedade (online). 2015, vol.18, n.3, pp.253-272. ISSN 1414-753X. Disponí-
vel em: <http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422ASOC1234V1832015>. Acesso em 3 set. 2019.

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848
US$ 1.306 milhões, sendo a média anual do período de US$ 625 mi-
lhões, mais do que o triplo do valor médio anual investido pelo Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento-BIRD e o Banco In-
teramericano de Desenvolvimento-BID, de 1961 a 1985, no saneamento
básico em toda a América Latina.41 Há quem argumente que mantido o
ritmo impresso no plano, considerado um marco no saneamento pátrio,
se teria alcançado os índices desejados em tratamento de fornecimento
de água em 1998 e quanto aos esgotos no ano 2000.42 A programação
adrede referida principiou em nosso país em 1968 de maneira ensaística,
adquirindo um conteúdo formal em 1971, destinando recursos às com-
panhias de saneamento, agentes na busca dos objetivos e metas fixados
pelo governo federal, podendo beneficiar os municípios que a ele aderis-
sem.43 O tema chegou a ser tratado na Lei 6.528/78, somente revogada
pela Lei 11.445/2007, cujo art. 5º concedeu às companhias estaduais de
saneamento básico organizadas sob o controle acionário do poder pú-
blico, isenção dos impostos federais que incidissem sobre o patrimônio,
em função dos respectivos serviços ou sobre as atividades desses de-
correntes.44 O Decreto 82.587/78, em seu art. 2º, definiu como serviços
públicos de saneamento básico, integrados ao PLANASA, aqueles admi-
nistrados e operados pelas companhias estaduais de saneamento básico,
conveniadas com o BNH, responsáveis por estabelecem as condições de

41 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. BVSDE – Biblioteca Virtual de Desarrollo


Sostenible y Salud Ambiental. PLANASA. ANÁLISE DE DESEMPENHO. Engenheiro Jose
Roberto do Rego Monteiro, nov. 1993. Disponível em: <http://www.bvsde.paho.org/bv-
sacg/e/fulltext/planasa/planasa.pdf.>. Acesso em 15 set. 2019.  
42 ALLEVANT. Água e esgoto: os impactos do Plano Nacional de Saneamento do
Brasil. Allevant Engenharia, ago. 2018. Disponível em: <https://allevant.com.br>. Acesso
em: 4 jul. 2019.
43 Ob. cit.
44 BRASIL. Planalto. Lei nº 6.528, de 6 de novembro de 1978. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.

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849
Estudos de Direito do Saneamento

execução do plano em seus estados sede, em sintonia com os objetivos e


metas fixados pela União.45 Para os municípios participarem do programa
a condição essencial era que delegassem a prestação do serviço de água
e esgoto às companhias, estimando-se que apenas 25% não o tenha fei-
to.46 Essa proporção continuou similar, em 2007, época da aprovação da
Lei do Saneamento, com base no SNIS, quando estimava-se que apenas
30% do serviço não estava a cargo das operadoras estaduais, permane-
cendo inalterada em 2013.47

A crítica que muitos fazem à sistemática do PLANASA é que os contra-


tos celebrados com as companhias retiravam dos municípios, seja o con-
trole, seja a regulação da prestação dos serviços prestados em seu terri-
tório. Não intervinham na fixação de metas, qualidade de atendimento,
valor de tarifas, decisões sobre investimentos, etc.48 Apesar de o referido
plano ter sido abandonado oficialmente em 1991, a partir de 1986, com
a extinção do BNH, o plano perdeu sua aplicabilidade prática, o que dei-
xou as então fortalecidas companhias de saneamento estaduais sem o
aporte de novos recursos federais, mas livres das diretrizes traçadas pela

45 BRASIL. Planalto. Decreto nº 82.587, de 6 de novembro de 1978. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
46 JUNIOR, Alceu de Castro Galvão e Monteiro, Mario Augusto Parente. Análise de
contratos de concessão para a prestação de serviços de água e esgoto no Brasil. Eng. Sanit
Amient. Vol. 11 n. 4, Rio de Janeiro, oct/dec. 2006, Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-41522006000400008>. Acesso em: 12 set. 2019
47 SOUSA, Ana Cristina A. de e COSTA, Nilson do Rosário. Política de saneamento
básico no Brasil: discussão de uma trajetória. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol.
23, n. 3, Rio de Janeiro, jul./set. 2016, Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
59702016000300002>. Acesso em: 15 set. 2019
48 JUNIOR, Alceu de Castro Galvão e Monteiro, Mario Augusto Parente. Análise de
contratos de concessão para a prestação de serviços de água e esgoto no Brasil. Eng. Sanit
Amient. Vol. 11 n. 4, Rio de Janeiro, oct/dec. 2006, Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-41522006000400008>. Acesso em: 12 set. 2019.

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850
União, ou seja, em um cenário desregulamentado por agente estranho
a seus quadros e interesses.49 Essas empresas passaram a ser uma im-
portante força política para os estados federados, em um cenário de en-
fraquecimento após a CF/88, servindo inclusive de fonte de arrecadação
para alguns, que operam em regime de caixa único.50

A primeira agência reguladora na área de saneamento surgiu apenas em


1997, existindo apenas 21 até a edição da Lei 11.445/2007, o que passou a
representar regulamentação à atividade dessas estatais no país. 51 De outra
sorte, considerado o cenário, não se pode olvidar a existência dos riscos de
captura e corrupção alertados pela Teoria da Regulação Econômica, confor-
me ressalta a professora Patrícia Sampaio, que ainda cita a lição de Hyldon,
da qual se depreende que quanto mais numerosas forem as facções a re-
presentar interesses diversos, maior será a dificuldade de que alguma delas
consiga executar a captura do regulador com exclusividade, “in verbis”: 52

Ao analisar a regulação das telecomunicações nos Estados Uni-


dos, o autor comenta que esse é um típico mercado em que são
tantos os grupos de interesses que nenhum deles será capaz de
capturar a autoridade reguladora isoladamente.

49 SOUSA, Ana Cristina A. de e COSTA, Nilson do Rosário. Política de saneamento


básico no Brasil: discussão de uma trajetória. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol.
23, n. 3, Rio de Janeiro, jul./set. 2016, Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
59702016000300002>. Acesso em: 15 set. 2019.
50 Ob. cit.
51 BRASIL Portal do Saneamento Básico. As agências reguladoras de saneamento
no Brasil. Disponível em: <https://www.saneamentobasico.com.br/as-agencias-regulado-
ras-de-saneamento-no-brasil/>. Acesso em: 5 ago. 2019.
52 SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. Regulação e Concorrência nos setores de
infraestrutura: análise do caso brasileiro à luz da jurisprudência do CADE. Tese de doutora-
do. Orientador: Professor Celso Fernandes Campilongo. Faculdade de Direito Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponi-
veis/2/2139/tde-27082013-143232/>. Acesso em: 26 ago. 2019.

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851
Estudos de Direito do Saneamento

Ademais, quanto maior for a quantidade e a diversidade de natureza e


interesses das empresas a disputar honestamente um mercado, vale dizer,
concorrendo legitimamente entre si, maiores vantagens advém ao usuário,
tanto na qualidade do serviço, como no preço, já que a competição diminui
a consideravelmente a margem de lucro.53/54 Neste cenário de fragilidade
dos municípios, embora enaltecidos pela Constituição Federal de 1988 em
diversas competências, entre as quais a titularidade do saneamento, arts. 30,
I e V, diversas medidas legislativas foram adotadas para empoderá-los. Es-
tas abrangem desde o apoio financeiro da União concedendo recursos não
onerosos, o incentivo à formação de consórcios e convênios, a fim de somar
forças criação e uma nova lei de concessão pública, ao ingresso do capital
privado no setor a fim de aumentar a competitividade. Entre elas: a) a ins-
tituição da Fundação Nacional de Saúde - Funasa pelo Decreto nº 100, de
16/4/1991, com a função de fornecer recursos e fomentar o saneamento em
municípios com menos de 50 mil habitantes, áreas rurais, quilombolas e su-
jeitas a endemias; 55 b) a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe
sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos
previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências; 56 c) a
criação do Ministério das Cidades, em 2003, com a função de fomentar o sa-
neamento e atender municípios com população superior a 50 mil habitantes

53 EXAME. Sob pressão da concorrência, lucro da Cielo desaba 45% no 1º trimes-


tre. Reuters. Disponível em: < exame.abril.com.br/negocios/sob-pressao-da-concorrencia-
lucro-da-cielo-desaba-45-no-1o-trimestre/>. Acesso em: 4 ago 2019.
54 SAMUELSON, Paul A. e NORDHAUS, Willian D. ECONOMIA, 19ª ed. Tradução
Fontainha, Elsa e Pires Jorge Gomes. Revisão Técnica Matsumara, Emílio Hiroshi. Nova
Iorque: A MGH Editora, Ltda: 2012.
55 BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.
Plano Nacional de Saneamento Ambiental – PLANSAB. Brasília, 2013
56 BRASIL. Planalto. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.

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852
ou integrantes de Regiões Metropolitanas (RM) ou Regiões Integradas de De-
senvolvimento (Ride). 57Atualmente o órgão foi incorporado, juntamente com
o Ministério da Integração, ao Ministério do Desenvolvimento Regional, com
base na Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019; d) a Lei 11.079,
de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e con-
tratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública; 58
e) a Lei 11.1075, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de
contratação de consórcios públicos e dá outras providências; 59 f) a já citada
Lei do Saneamento Básico, Lei 11.445/2007; g) Lei 11.578, de 26 de novem-
bro de 2007, que criou o Plano de Aceleração do Crescimento – PAC 60; h) Lei
13.529, de 4 de dezembro de 2017, que, alterou a Lei 11.079 e, entre outras
providências, aumentou substancialmente o limite de participação da União
no fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de con-
cessões e parcerias público-privadas, bem como diminuiu valor limite para a
contratação de PPPs para R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); 61 Justa-
mente nesta seara se destaca o Projeto de Lei nº 3261, de 2019, de autoria
do Senador Tasso Jereissati, aprovado pelo Senado Federal e atualmente na
Câmara dos Deputados, promovendo uma profunda mudança no panorama
contratual- a supressão dos §§ 1º e 2º do art. 10 da Lei 11.445/2007, manten-
do, em seu art. 5º, apenas a cabeça do artigo, que assim dispõe:

57 BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.


Plano Nacional de Saneamento Ambiental – PLANSAB. Brasília, 2013
58 BRASIL. Planalto. Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
59 BRASIL. Planalto. Lei 11.1075, de 6 de abril de 2005. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
60 BRASIL. Planalto. Lei 11.578, de 26 de novembro de 2007. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.
61 BRASIL. Planalto. Lei 13.529, de 4 de dezembro de 2017. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 set. 2019.

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853
Estudos de Direito do Saneamento

Art. 10. A prestação de serviços públicos de saneamento básico por


entidade que não integre a administração do titular depende da ce-
lebração de contrato de concessão, sendo vedada a sua disciplina
mediante contrato de programa, convênio, termo de parceria ou
outros instrumentos de natureza precária. (NR) (grifos não originais)

A regra não significa necessariamente a chamada privatização do sa-


neamento, haja vista que o titular pode pretender prestá-lo diretamente,
ou através de ente de sua administração indireta, vale dizer, autarquia,
empresa pública, ou sociedade de economia mista. Entretanto, se deixar
de optar por exercer diretamente a titularidade, não mais poderá fazê-lo
por contratos de programa, ou instrumentos precários, tal como convê-
nios, termo de parcerias, haja vista que a embrionária regra, em seu art.
16, I, também revoga a dispensa de licitação contida no o inciso XXVI
do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que ora beneficia
aqueles que pactuam com outros entes da federação ou entidades per-
tencentes à administração indireta desses para a prestação de serviços
públicos através de contratos de programa, autorizados por convênios ou
consórcios de cooperação. O que se proíbe, em síntese, é a contratação
de prestadores de serviço sem a salutar seleção competitiva que licita-
ção promove (art. 3º, XV do PL). Caso os titulares queiram vir a delegar
a prestação do serviço deverão valer-se dos instrumentos da concessão
comum (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), ou da concessão ad-
ministrativa, ou da patrocinada (Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004).

Em, síntese, eis as situações possíveis:

a) prestação direta do serviço pelo titular;

b) outorga a ente legalmente criado integrante de sua adminis-


tração indireta (autarquia, empresa pública, ou sociedade de
economia mista); ou

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854
c) a delegação da execução de serviço, exclusivamente através de
concessão de serviço público (concessão comum), ou parceria
público-privada (concessão administrativa, ou concessão patro-
cinada), necessariamente precedida de licitação, art. 175, CF.

Destaque-se que a norma ora embrionária permite a celebração de


contratos de programa apenas em um caso, para formalizar, mediante
acordo entre as partes, as situações de fato de prestação de serviços pú-
blicos de saneamento básico por empresa pública ou sociedade de eco-
nomia mista sem contrato com o titular dos serviços, existentes em 27 de
dezembro de 2018 (art. 15). Quanto ao seu conteúdo, os referidos pac-
tos se limitarão a conter cláusulas que descrevam as condições de pres-
tação do serviço e a identificar os investimentos realizados e ainda não
amortizados ou depreciados, não podendo excederem a cinco anos con-
tados da data de referência na cabeça do artigo (§ 1º do art. 15). Aliás,
em se tratando de sociedades de economia mista e empresas públicas
que já estejam prestando o serviço, porém sem contrato formalizado,
também está facultada a opção de concessão, por dispensa de licitação,
desde que sejam adotados modelos de parcerias com a iniciativa priva-
da, entretanto, submetidos à aprovação do órgão regulador em até 48
meses contados da publicação do diploma ora em exame (art. 12, § 5º).

Por outro lado, foi respeitado o ato jurídico perfeito, permanecendo


em vigor, até o advento do seu termo contratual, os contratos de progra-
ma, assim como os de concessão, para prestação dos serviços públicos
de saneamento básico existentes na data da vigência da norma (art. 12).
Admitida, mediante acordo entre as partes, uma única prorrogação dos
contratos de programa, ou sua conversão em contratos de concessão (§
1.º, art. 12). Em ambos os casos se estabeleceu a necessidade de os pac-
tos adotarem modelos de parcerias com a iniciativa privada, sujeitas à

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855
Estudos de Direito do Saneamento

submissão da minuta e aprovação do órgão pelo órgão regulador, sob


pena de extinção em 24 meses (§§ 2.º e 4.º, art. 12).

Diante da imposição de um novo modelo de negócio, se assim enten-


derem, poderão as companhias estatais prestadoras de serviço de sanea-
mento básico optar por alienar o controle acionário, hipótese em que se
faculta a substituição por novos contratos de concessão para prestação
regionalizada, mesmo quando ausentes os instrumentos que os formali-
zem, mediante anuência dos titulares dos serviços (art. 13).

Analisando o corpo normativo da regra em questão, nos parece que


a principal razão da mudança de paradigma negocial, adotando-se os
modelos das PPPs, está sublinhado no art. 12, é a antecipação de inves-
timentos necessários à universalização dos serviços. Esta preocupação
está espraiada por outros ditames da norma, como no art. 10-A, inci-
so I, que se pretende incluir na Lei do Saneamento, ao estabelecer-se
a necessidade de readequação dos contratos de programa e concessão
substituídos, devendo estabelecer metas de expansão dos serviços, aliás,
exigência que se faz a qualquer novo contrato, com base no art. 11, §
2º, II, ao tratar das condições de validade dos contratos que tenham por
objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico.

Marca do diploma, da mesma forma, é a preocupação com que o sa-


neamento tenha como diretriz o plano de saneamento básico do titular
e não o planejamento da companhia de saneamento estadual, tal como
ocorria na vigência do PLANASA, tendo vinculado as metas de expan-
são, redução de perdas de água, uso racional e eficiente de recursos, ao
PMSB, plano regional ou intermunicipal (art. 11, § 2º, II).

A terceira característica significativa está contida no art. 10-A, ao


preconizar a introdução de cláusulas obrigatórias nos contratos a serem
substituídos. Por sua vez, em seu inciso I, traz a já comentada obrigação

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856
da estipulação de metas de expansão do serviço, assim como de esta-
belecer-se regras quanto ao racional e eficiente de recursos, regular-se
perdas, reúso de efluentes sanitários e do aproveitamento de águas da
chuva. Quanto a essas duas últimas obrigações, em sua grande maioria,
as companhias de saneamento terão uma grande dificuldade em se adap-
tar, já que delas não se ocupavam. Possivelmente, a fim de evitar demandas
judiciais determina que se estipule a metodologia de cálculo de eventual
indenização relativa aos bens reversíveis não amortizados quando do térmi-
no do contrato (inciso III). Estabelece a possibilidade de se prever receitas
alternativas, complementares, ou acessórias, além das ordinariamente utili-
zadas para suportar os custos da prestação de serviço, podendo até mesmo
haver o uso de receitas compartilhadas, provenientes de projetos associa-
dos entre titular e prestador (inciso II). Interessante regra é o inciso IV, que
estabelece a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a
caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.
Segundo a regra geral, cabe ao empresário apenas suportar a álea ordinária,
sendo a álea extraordinária, que se divide em álea administrativa (fato do
príncipe) e álea econômica (caso fortuito e força maior que desequilibram
a equação econômico-financeira do contrato) suportadas pelo concedente
integralmente no direito brasileiro, com base no art. art. 37, XXI, CF, que
vincula as obrigações de pagamento às condições contidas na proposta. 62
No direito francês apenas no fato do príncipe deverá o mesmo suportar in-
tegralmente, sendo na hipótese de álea econômica dividido o prejuízo entre
contratante e contratado.63 Observa-se, portanto, que o teor da inovadora
regra diminui a responsabilidade do poder público, embora não compen-

62 BARG, Anderson. Revista de Doutrina TRF4. Emagis. Contrato de concessão de


serviços públicos, intervenção judicial e equilíbrio econômico-financeiro – a questão da as-
sinatura básica de telefonia fixa. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br>.
Acesso em: 7 jul. 2019.
63 Ob. cit.

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857
Estudos de Direito do Saneamento

se eventuais lucros que também possam derivar de casos fortuitos e áleas


similares. Por fim, os contratos em questão poderão prever mecanismos
privados para resolução, inclusive arbitragem (parágrafo único, art. 10-A).

Para tornar os investimentos mais atrativos, considerados os ganhos de


escala e até mesmo para garantir a viabilidade técnica e econômico-finan-
ceira dos serviços, de forma a alcançar a universalização, o art. 5.º do PL
prevê a prestação regionalizada, ou seja, aquela que abrangerá o território
de mais de um município, ocorrendo nos casos de governança interfede-
rativa e nas hipóteses de adesão dos municípios aos blocos (agrupamentos
de municípios) criados pelos estados, ou pela União, a quem cabe estabe-
lecê-los de forma subsidiária (arts. 2º, V, 3º, XIV, 14 e 50, § 3.º). Nesta sen-
da, a União deverá priorizar a concessão de recursos não onerosos (sem
juros) a esses blocos, o que é um grande incentivo a sua formação, e não
apenas aos municípios que isoladamente possuírem os maiores déficits e
população sem recursos suficientes para sustentar os serviços, conforme
anteriormente previsto, tendo ainda sido abolida a proibição de aplicação
a empreendimentos contratados de forma onerosa, o que, sem dúvida,
vem ao encontro de fomentar as PPPs. (§ 1º, art. 50). Ressalte-se que
para acesso a tais recursos o diploma também criou a obrigação de que o
regulado observe as normas de referência expedidas pela Agência Nacio-
nal de Águas - ANA, ressalvadas as áreas rurais, comunidades tradicionais,
incluindo áreas quilombolas, terras indígenas e as soluções individuais que
não constituam serviço público (art. 50, III e § 10.º).

Quanto ao papel da União na nova sistemática, o art. 6º do PL tam-


bém modifica o art. 1º da Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017,
abolindo o limite de R$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de
reais) para que esta participe de fundo que tenha por finalidade exclu-
siva financiar serviços técnicos profissionais especializados, com vistas a
apoiar a estruturação e o desenvolvimento de projetos de concessão e

Voltar ao índice
858
parcerias público-privadas dela própria, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, em regime isolado ou consorciado, viabilizando que se
injete maiores recursos federais. Poderá também conceder benefícios
ou incentivos orçamentários, fiscais ou creditícios como contrapartida
ao alcance de metas de desempenho operacional previamente estabe-
lecidas aos prestadores privados de serviços a fim de fomentar a me-
lhoria dos serviços públicos, antes restrito aos operadores públicos (art.
50, § 5.º). Acerca da participação da Agência Nacional de Águas-ANA,
cujo grande papel na regulação não se propôs este trabalho a tratar, seja
porque mereceria artigo específico, seja porque nosso objeto é diverso,
cabe grifar que não exerce a regulação dos prestadores propriamente
dita, já que cabe ao titular definir a entidade responsável pela regulação
e pela fiscalização, conforme o inciso III acrescentado ao art. 9º pelo PL.
A agência, coube, contudo, editar normas de referência sobre o serviço
de saneamento, a fim de balizar a edição de regras e o exercício das ativi-
dades de regulação e fiscalização pelos reguladores locais. A sua escolha
para tal papel justifica-se pela interligação que os rios, a maioria deles
patrimônio da União, art. 20, III, CF, têm com a atividade de saneamen-
to, bem como a quantidade de matéria orgânica a eles destinada e não
removida pelas estações de tratamento de esgoto, abordada no primeiro
capítulo deste trabalho.64 Questão repercutida na inteligência do projeto
foi a qualificação da água como um bem de valor econômico, além de ser
um recurso natural limitado, conforme dispõe a legislação que institui a
Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº 9.433/97, em seu artigo 1º,
inciso II. Vale destacar que importantes capitais mundiais como Pequim,

64 LEGADO BRASIL. Rios e Bacias do Brasil formam uma das maiores redes fluviais
do mundo. Disponível em: <http://legado.brasil.gov.br/>. Acesso em: 9 ago. 2019.

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859
Estudos de Direito do Saneamento

Moscou e Santiago são “extremamente carentes de água”, estando em tal


condição quase um terço da população mundial.65 Por sua vez, em 2010, a
ONU já advertia acerca de um cenário mundial de escassez consideradas
as crescentes proporções de consumo.66 O PL, em sua justificação, sinala
que em 2016 as perdas de água significaram um total anual desperdiça-
do em torno de R$ 10 bilhões. Consideradas essas premissas, não obs-
tante a importância de expandir-se o fornecimento do recurso para toda
a população, parece bastante razoável que se crie um cenário competiti-
vo para explorá-la, bem como se busque reduzir as perdas e gerenciá-la
da forma mais eficiente e racional (Art. 4º-A, § 3º, II e Art. Art. 4º-A, § 1º,
V, XIII, Art. 10-A, I, Art. 11, § 2º, II, Art. 23, IV, Art. 43, § 2º e 48, XII).

Inserido na seara de otimizar o fornecimento de água nos termos da


política retro exposta, situa-se, entretanto, polêmico ponto do PL, nada
menos do que a restrição dos chamados “subsídios cruzados”, a partir
da nova redação do art. 31, que os limitou a usuários de baixa renda,
ou seja, os que não possuam recursos suficientes para custear o serviço
(art. 29, § 2º), vedando os externos, entre locais diversos, tal como na
atual redação da Lei de Saneamento que os prevê com acolhida do cri-
tério localidades de baixa renda. A nova regra preconiza inclusive que os
prestadores de serviço de saneamento básico mantenham sistema con-
tábil que permita registrar e demonstrar, separadamente, os custos e as
receitas de cada serviço em cada um dos municípios ou regiões por eles
atendidas (art. 18). Todavia, também prevê que prestação de serviço
contratada estipule a existência de subsídios entre serviços, como água e
esgoto, ao estabelecer que os valores cobrados poderão ser estabeleci-

65 BRITISH BROADCASTING CORPORATION. BBC Brasil. Os países em que a água já é um


recurso em falta. Disponível em:< https://www.bbc.com/portuguese>. Acesso em: 20 ago. 2019
66 BRASIL. Agência Nacional de Águas – ANA. Vai faltar água boa para o consumo, alerta
ONU. Disponível em: < https://www.ana.gov.br>. Acesso em: 13 ago. 2019.

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860
dos também conjuntamente (art. 29, I). A medida parece interessante, já
que é grande a diferença entre os indicadores de abastecimento de água
e o esgoto tratado no Brasil, conforme visto no primeiro capítulo.

Na doutrina estrangeira, o professor João Miranda, ao tratar da chamada


tarifa social, defende que seja utilizada exclusivamente com a observância
do critério pessoal (subsídio segundo condições individuais de insuficiência
econômica), como forma de promover a cultura de valorização dos recursos
naturais, bem como evitar o excessivo consumo de recursos financeiros do
poder público, sendo relevante invocar suas palavras, “in verbis”:67

A proteção dos consumidores de serviços de águas mais vulnerá-


veis no plano financeiro encontra-se plenamente justificada, à luz
do valor social da água. Mas os apoios ao pagamento das tarifas
devem ser canalizados para aqueles que, efetivamente, necessi-
tem por se encontrarem numa situação de carência económica,
não se justificando a sua generalização, sob pena de se gerar uma
pressão muito elevada sobre os orçamentos municipais e o não
reconhecimento do valor ambiental dos recursos hídricos.

Já na doutrina pátria, como bem aponta o professor Rômulo Sam-


paio, após uma conduta desregrada diante do caráter renovável da água,
inclusive quanto a políticas públicas, fez-se necessário uma mudança no
panorama jurídico, “in verbis”:68

67 MIRANDA, João. O DIREITO FUNDAMENTAL À ÁGUA E A SUSTENTABILIDADE DOS


SERVIÇOS PÚBLICOS DE ÁGUA EM PORTUGAL. Artigo não publicado fornecido aos participantes do
Curso de Extensão de Direito do Saneamento para os Procuradores da FUNASA (Fundação Nacional
da Saúde) promovido pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas – ICJP (março a julho de 2019).
68 SAMPAIO, Rômulo. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas
– FGV RIO, graduação 2013.2, p. 159.

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861
Estudos de Direito do Saneamento

[...] com o crescimento demográfico acelerado, o surgimento de


novas fontes de poluição e políticas públicas insustentáveis, as
pressões sobre este recurso natural, vital à própria vida no pla-
neta, tornaram-se fonte de extrema preocupação. [...] A partir do
momento em que a água passa a ser encarada como um recurso
renovável, porém limitado, houve a necessidade de reconstrução
dos ordenamentos jurídicos para adequarem e harmonizarem
noções econômicas e preservacionistas.

Em contraposição, para as companhias de saneamento os subsídios


em razão do local se justificam, já que correspondem a um numerário
cobrado adicionalmente ao valor da prestação de serviço destinada aos
municípios em que esta é lucrativa, a fim de financiar o atendimento
aos municípios em que seria deficitária. 69
Alegam que a exigência de
licitação inviabiliza embutir-se subsídios no preço cobrado dos entes
titulares nos quais a prestação seria sustentável, deixando aqueles em
que é deficitária desamparados, já que os orçamentos das prestado-
ras públicas não contemplariam recursos para sustentar a prestação de
serviço, que, aliás, seria desinteressante para a iniciativa privada, cujo
modelo de negócio visa ao lucro. Caberia então aos estados federados
proverem recursos para sustentarem os municípios carentes.70 Ocorre
que, segundo estudo de situação das contas públicas da Tendências
Consultorias Integrada, dos 27 estados da federação brasileira apenas
um está em situação financeira muito boa, em cinco é qualificada como

69 BRASIL. Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN. Famurs e Corsan


mobilizadas contra o artigo 10-A da MP 844 e o fim do subsídio cruzado. Disponível em:
<http://www.corsan.com.br>. Acesso em: 14 jul. 2019
70 BRASIL. Agência de Notícias do Paraná. Especialistas criticam projeto de lei do
saneamento. Disponível em: <http://www.aen.pr.gov.br>. Acesso em: 12 jun. 2019.

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862
“boa”, em quatro – média, mas nos dezesseis restantes está pechada
de fraca, muito fraca, ou péssima.71 Para agravar o quadro, entre os pio-
res estão os sete estados mais populosos do Brasil, sendo oito entre os
dez maiores. Contraditoriamente entre os dez menos populosos estão
quatro dos posicionados a partir da situação média.72

Replicando as companhias, alinhou contundentes argumentos o en-


tão presidente da ANA, Jerson Kelman, durante palestra no seminário
“Financiando Serviços de Água e Esgotos no Cone Sul: Desafios, Opções
e Limites”, ao criticar o subsídio cruzado realçando que o custo da água
tratada por metro cúbico é muito alto nos pequenos entes federativos,
aproximando-se do valor pago nas contas dos moradores dos municípios
grandes, o que nos parece suscitar dúvida quanto a sua necessidade e
montante. Ressalta ainda que as companhias não utilizam os subsídios
para universalizarem os serviços dos pequenos municípios, mas para ga-
rantir um valor mais baixo para a prestação dos serviços à parcela do
povo já beneficiada, pontuando que o melhor sistema é o subsídio pes-
soal, utilizando-se um sistema de bônus das famílias carentes.73 Em sin-
tonia com essa linha de raciocínio, notícias de baixos investimentos em
pequenas comunidades, problemas de universalização despontam na
mídia, tendo estudo realizado no Estado de São Paulo, apresentado na

71 IG ECONOMIA. Brasil Econômico. Só seis estados brasileiros começarão 2019


com boa situação nas contas. Por Brasil Econômico em 14.12.2018. Disponível em: <
https://economia.ig.com.br>. Acesso em 4 ago. 2019.
72 G1 ECONOMIA. Brasil tem mais de 208, milhões de habitantes, segundo IBGE. Por
Daniel Silveira em 29.08.2018. Disponível em: <https://g1.globo.com> Acesso em: 4 ago. 2019
73 AMBIENTE BRASIL. Presidente da ANA defende subsídio direto para aumentar
acesso de famílias de baixa renda a água. Disponível em: <https://noticias.ambientebrasil.
com.br/clipping/2004/08/16/15696-presidente-da-ana-defende-subsidio-direto-para-au-
mentar-o-acesso-de-familias-de-baixa-renda-a-agua.html>. Acesso em: 7 jul. 2019.

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863
Estudos de Direito do Saneamento

Feira Nacional de Saneamento – FENASAN 2017, concluído que, naque-


la unidade federativa, os subsídios cruzados representavam em termos
comparativos um valor desprezível no faturamento da prestadora
estatal.74/75/76 Ainda no sustento dessa tese, o representante do go-
verno chileno, presente ao evento, Jorge Ducci, assinalou que o país
utiliza sistema pessoal, reduzindo o subsídio na fatura, conforme o
volume consumido, até sua extinção em caso de quantidade conside-
rada excessiva. Ressaltou que utilizando o modelo das PPPs atingiu a
quase 100% da população quanto ao fornecimento de água potável
e 70% de esgoto tratado, mantendo-se o estado como acionista em
1/3 das empresas prestadoras de serviço de saneamento, valor que
supera em US$ 10 milhões a despesa com subsídios diretos.77

Outro ponto que sofre forte crítica na mudança do paradigma ne-


gocial, vale dizer, com a introdução de operadoras de capital privado no
mercado é que essas praticariam elevadas tarifas. 78 O contraponto seria

74 PORTAL ADESSO. Lucro milionário e o pouco investimento da Corsan ainda


gera polêmica em Carlos Barbosa. Portal Adesso, em 26.08.2017. Disponível em: <https://
www.portaladesso.com.br/noticia/3984/lucro-milionario-e-o-pouco-investimento-da-cor-
san-ainda-gera-polemica-em-carlos-barbosa.html>. Acesso em: 4 jul. 2019.
75 PORTAL SANEAMENTO BÁSICO. Cedae tem lucro tem lucro 52% maior em
2016, mas tratamento de esgoto só avançou 0,66%. Portal do Saneamento
Básico, em 11.04.2017. Disponível em: <https://www.saneamentobasico.com.br/
cedae-tem-lucro-52-maior-em-2016-mas-tratamento-de-esgoto-avancou-066/>. Acesso
em 4 jul. 2019.
76 PORTAL TRATAMENTO DE ÁGUA. A MUDANÇA DO MARCO REGULATORIO
DO SETOR DE SANEAMENTO E O MECANISMO DO SUBSIDIO CRUZADO. Disponível em:
<https://www.tratamentodeagua.com.br/artigo/marco-regulatorio-saneamento-subsidio-
cruzado/>. Acesso em 23 ago. 2019.
77 Op. cit.
78 CARTA CAPITAL. Na Argentina e na Bolívia experimentos semelhantes ao que se
quer fazer no Brasil aumentaram os custos e afetaram a população mais carente. Carlos Drum-
mond, em agosto de 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/economia/privatiza-
cao-do-saneamento-basico-e-uma-afronta-diz-economista/>. Acesso em: 12 ago. 2019.

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864
que, na verdade, o prestador privado procede a um ajuste de tarifa a fim
de adequá-la a um preço justo quanto à remuneração do serviço e que
garanta capacidade de investimento, seja para manutenção adequada
dos serviços, inclusive preventiva, seja para expansão do serviço, ou mes-
mo inclusão de novas tecnologias. 79 Ademais, conforme sinala o profes-
sor Rui Cunha Marques, é dever dos agentes reguladores estabelecerem
preços e tarifas adequados, além ocupar-se das obrigações atinentes à
prestação do serviço público e a qualidade da prestação, “in verbis”: 80

O âmbito da regulação deve incluir os aspectos relativos às ob-


rigações de serviço público, à qualidade do serviço e ao estabe-
lecimento de preços e tarifas. (grifos não originais)

Estudo debruçado sobre o caso da Argentina, por exemplo, aponta


que o problema ocorrido teria sido causado pela prática populista de
manter as tarifas abaixo do custo, enquanto em Paris o valor reduzido
cerceava a capacidade de investimento da prestadora de serviço 81.

De outra banda, aponta-se que os principais pontos que levariam ao


insucesso das PPPs seriam uma inadequada política de preços, um de-
senho contratual ruim (falta ou insuficiência das informações sobre os
ativos a serem operados e certame licitatório focado em preço desalinha-
do das metas objetivadas), regulação deficiente (falta de independência

79 AESBE - Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento. ESTUDO


TÉCNICO REMUNICIPALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO ESTUDOS DE
CASO E DEBATE. Disponível em: <https://goassociados.com.br>. Acesso em: 3 jul. 2019.
80 MARQUES, Rui Cunha. A regulação dos serviços de abastecimento de água e de sanea-
mento de águas residuais – Uma perspectiva internacional. Lisboa: Entidade Reguladora dos Serviços
de Águas e Resíduos (ERSAR) e Centro de Sistemas Urbanos e Regionais (CESUR), 2011, p. 301.
81 AESBE - Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento. ESTUDO
TÉCNICO REMUNICIPALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO ESTUDOS DE
CASO E DEBATE. Disponível em: <https://goassociados.com.br>. Acesso em: 3 jul. 2019.

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865
Estudos de Direito do Saneamento

do regulador e assimetria da informação entre regulado e regulador) e


inadequada transparência à opinião pública, dando ciência dos objetivos,
metas e dados operacionais e financeiros. 82 Esta teria sido a grande cau-
sa do retorno do serviço ocorrido em Berlim, onde houve a celebração
de contratos sigilosos, o que causou descontentamento da população.
Conforme, já ressaltado, embora não seja o objetivo deste estudo ana-
lisar a regulação, cabe mencionar profundo trabalho do professor Rui
Cunha Marques, que, ao estudar os sistemas de abastecimento de água
do mundo, listou as dez “boas práticas” a serem observados pelos regu-
ladores e prestadores de serviço, as quais agrupamos, “in verbis”:

a) a necessidade de regulação sectorial/multissectorial; b) o âmbito


da regulação deve incluir os aspectos relativos às obrigações de ser-
viço público, à qualidade do serviço e ao estabelecimento de preços
e tarifas; c) o regulador deve ser pautado por independência e por
instrumentos que lhe permitam cumprir as suas atribuições; d) a in-
dependência do regulador não significa a sua desresponsabilização,
devendo existir sempre mecanismos de apelo; e) Os processos re-
gulatórios devem ser transparentes, participados e compreensíveis;
f) As obrigações de serviço público e, em particular, o serviço uni-
versal, devem ser satisfeitas, enviando a mensagem adequada para
o mercado dos SAS; g) Os níveis de serviço devem ser definidos na
lei e periodicamente analisados e publicitados; h) O regulador deve
usar e promover a utilização da ferramenta de benchmarking; i) O
fornecimento de incentivos para o desempenho deve constituir um
dos principais objectivos da regulação; e j) Os papéis e os objectivos
da regulação devem estar perfeitamente delimitados.83

82 Op. cit.
83 MARQUES, Rui Cunha. A regulação dos serviços de abastecimento de água
e de saneamento de águas residuais – Uma perspectiva internacional. Lisboa: Entidade
Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e Centro de Sistemas Urbanos e
Regionais (CESUR), 2011, p. 301-304.

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866
Nessa senda, os defensores do modelo das PPPs argumentam que,
quando ocorre, a retomada de serviços pelo poder público é uma exce-
ção em todo o mundo e não se verifica por exorbitância de tarifas, des-
cumprimento de obrigações ou má qualidade do serviço prestado pelo
operador privado. 84 Conforme recente pesquisa da Confederação Na-
cional das Indústrias realizada em 12 estados da federação, as empresas
privadas seriam bem mais produtivas na coleta de esgoto, tendo média
nacional de 72% contra 52% dos operadores públicos. 85 Na mesma sea-
ra, estudo realizado pelo professor do IST Rui Cunha Marques, intitulado
“Análise do Desempenho dos Operadores Privados e Públicos no Sector
da Água em Portugal”, apontou maior eficiência dos privados.86

Por fim, diante no novo paradigma proposto, não se poderia deixar


de mencionar o importante papel da Funasa, apesar de não mencionada
no PL, já que atende sua função é promover o saneamento em municí-
pios pequenos (até 50 mil habitantes) em especial quanto a locais des-
favorecidos, tais como áreas rurais e quilombolas. 87 A sistemática em
foco representa um desafio para a Funasa, haja vista que um dos grandes
incentivos para esses formarem blocos é o recebimento de recursos do
governo federal, que poderão ser concedidos mesmo em se tratando de
empreendimentos onerosos, possibilitando uma ação conjunta em caso
de PPPs. Já quanto aos pequenos municípios que não conseguirem for-

84 AESBE- Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento. ESTUDO


TÉCNICO REMUNICIPALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO ESTUDOS DE
CASO E DEBATE. Disponível em: <https://goassociados.com.br>. Acesso em: 3 jul. 2019.
85 ALLEVANT. CNI divulga estudo sobre “A importância da concorrência para
o saneamento básico”. Allevant Engenharia, set. 2019. Disponível em: < https://allevant.
com.br>. Acesso em: set. 2019.
86 PÚBLICO. Estudo do IST diz que privados são melhores a gerir a água. Marga-
rida Marques, jul. 2017. Disponível em: < https://www.publico.pt>. Acesso em: 9 set. 2019.
87 Fundação Nacional de Saúde – FUNASA. Competências. Disponível em:
<http://www.funasa.gov.br/competencias.>. Acesso 3 ago. 2019.

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867
Estudos de Direito do Saneamento

mar blocos, ou os que não possuírem capacidade técnica ou recursos


para operaram um sistema mais complexo, por este último motivo desin-
teressantes para a iniciativa privada, considerando-se ainda o fim do sub-
sídio cruzado em razão do local (praticado pelas companhias estaduais) e
precária situação financeira da grande massa dos estados brasileiros, res-
tará o investimento em soluções alternativas simplificadas coletivas, ou
individuais. Nesta senda, pode-se citar como exemplo o sucesso Sistema
Alternativo de Tratamento de Água para Consumo Humano (SALTA-Z),
premiado pela Confederação Nacional do Municípios – CNM, ganhador
do “prêmio municiência” 2017-2018, bem como o sistema de fossas sép-
ticas, filtro e sumidouro, que podem chegar a 70% na retirada de Deman-
do Bioquímica de Oxigênio (DBO) e 80% na retirada de Sólidos Suspensos
Totais (SST), um excelente padrão.88/89

CONCLUSÃO

A falta de saneamento básico é uma agrura mundial, configurando-se


o atual quadro no Brasil muito problemático, comprometendo a saúde
da população, o meio ambiente, em especial o estado dos rios, além dos
reflexos econômicos. O principal detentor dos recursos, a União encon-
tra-se com sua capacidade de investir limitada em face da emenda cons-
titucional nº 95/2016, vale dizer, mesmo que o país venha a experimentar
um crescimento econômico superior ao esperado o valor excedente não

88 FARACO, Carlos E.; ROCHA, Tales; REBOUÇAS, Thiago. Confederação Nacio-


nal de Municípios – CNM Coletânea Guias de Reaplicação (5 volumes) - Programa SALTA-Z
- Abaetetuba/PA (v.1) Brasília: CNM, 2019.
89 ZAGO, Mayara; DUSI, Luciane. Tratamento de esgoto por fossa séptica e unidade
complementares: Estudo de caso na cidade de Fraiburgo-SC. Disponível em: <https://periodi-
cos.uniarp.edu.br/ignis/article/download/1414/711>.Acesso em 14 set. 2019.

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868
poderá ser direcionado para áreas como o saneamento. Portanto, con-
siderada a escassez de recursos públicos, o aporte de capital privado é
bem-vindo, ainda que a atividade por ele movida vise ao lucro e o sanea-
mento seja um direito fundamental da população. Importantes altera-
ções promove o projeto de lei do Senado Federal nº 3.261/19 na área de
saneamento, entre elas a obrigação de licitar a prestação de serviço de
saneamento, o que fomentará os benefícios da competitividade, própria
da livre iniciativa, arts. 1º, IV e 170, CF, que, além de princípio da ordem
econômica, constitui-se fundamento constitucional. No tocante à sua efi-
cácia, acreditamos que a medida é positiva para os grandes municípios e
para aqueles que puderem formar blocos, sendo capazes de tornarem-
se atrativos para o capital privado, dando ensejo a PPPs, representando
a maior parte da população brasileira, já que os pactos devem prever
metas de expansão do serviço consonante com as diretivas do plano de
saneamento municipal – PMSB, desvinculando-se das prioridades regio-
nais, eventualmente mais lucrativas para as companhias estaduais de sa-
neamento. O sucesso do novo paradigma, contudo, também dependerá
muito da ação da ANA no estabelecimento das diretrizes de regulação e
fiscalização e da efetiva ação do regulador local, cuja captura será dificul-
tada em face do aumento na diversidade dos interesses que se poderá
propiciar pelo ingresso de novos atores. Entretanto, como a nova diretriz
contratual gerará o fim dos subsídios cruzados em razão do local, poderá
tornar-se uma ameaça para os não forem atraentes ao capital privado
e não conseguirem agregar-se em blocos com natureza diversa. Nestes
casos a ação da União, em especial da FUNASA, será fundamental, seja
concedendo recursos não onerosos para obras de expansão, ou, quando
representar a melhor opção, colaborando com alternativas de sucesso
de tratamento de água e esgoto, até que atinjam um crescimento sus-
tentável capaz de atrair o capital privado para soluções mais ambiciosas.

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869
Estudos de Direito do Saneamento

REFERÊNCIAS90

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FARACO, Carlos E.; ROCHA, Tales; REBOUÇAS, Thiago. Confederação


Nacional de Municípios – CNM Coletânea Guias de Reaplicação (5 volu-
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te. Análise de contratos de concessão para a prestação de serviços de
água e esgoto no Brasil. Eng. Sanit Ambient. Vol. 11 n. 4, Rio de Janeiro,
oct/dec. 2006.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=-
sci_arttext&pid=S1413-41522006000400008>. Acesso em: 12 set. 2019.

90 Não foram citadas como referências eletrônicas aquelas que também existen-
tes em meio físico, embora extraídas da internet, mas de fontes oficiais tais como revistas
de tribunais, universidades e repositórios oficiais. A letra foi reduzida, considerado o limite
máximo de páginas fixado pelos organizadores, a fim de manter o conteúdo o mais fidedig-
no possível à pesquisa do autor.

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870
MARQUES, Rui Cunha. A regulação dos serviços de abastecimento de
água e de saneamento de águas residuais – Uma perspectiva interna-
cional. Lisboa: Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos
(ERSAR) e Centro de Sistemas Urbanos e Regionais (CESUR), 2011.

MIRANDA, João. O DIREITO FUNDAMENTAL À ÁGUA E A SUSTENTABILIDA-


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fornecido aos participantes do Curso de Extensão de Direito do Saneamento
para os Procuradores da FUNASA (Fundação Nacional da Saúde) promovido
pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas – ICJP (março a julho de 2019).

NETO, Floriano de Azevedo Marques. As parcerias público-privadas no


saneamento ambiental. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômi-
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SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. Regulação e Concorrência nos se-


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Estudos de Direito do Saneamento

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REMUNICIPALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO. ESTUDOS
DE CASO E DEBATE. Disponível em: <https://goassociados.com.br>. Acesso
em: 3 jul. 2019.

91 Considerando o limite de páginas imposto ao presente trabalho e o extenso


número de referências, optamos por citar apenas uma referência de uma mesma fonte,
embora possam existir outras no artigo. Omitimos os sítios governamentais referentes a
decisões judiciais e legislação e alguns outros, devido a sua vastidão, ressaltando que não
há prejuízo à compreensão do conteúdo, eis que referências completas se encontram como
notas de rodapé ligadas ao texto da obra.

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872
ALLEVANT. Água e esgoto: os impactos do Plano Nacional de Sanea-
mento do Brasil. Allevant Engenharia, ago. 2018. Disponível em: <https://
allevant.com.br>. Acesso em: 4 jul. 2019.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENGENHARIA SANITÁRIA AMBIENTAL -


ASSEMAE. Artigos. Disponível em: <http://www.assemae.org.br/artigos>.
Acesso em 10 set. 2019.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIÇOS MUNICIPAIS DE SANEAMEN-


TO - ABES. Ranking 2018. Disponível em: <http://abes-dn.org.br>.

Acesso em: 10 set. 2019. PORTAL TRATAMENTO DE ÁGUA. A MUDANÇA DO


MARCO REGULATORIO DO SETOR DE SANEAMENTO E O MECANISMO DO SUB-
SIDIO CRUZADO. Disponível em: <https://www.tratamentodeagua.com.br/artigo/
marco-regulatorio-saneamento-subsidio-cruzado/>. Acesso em 23 ago. 2019.

TRATA BRASIL. Ranking do Saneamento 2019. Instituto Trata Brasil.


Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/estudos/estudos-itb/itb/ran-
king-do-saneamento-2019. Acesso em: 10 set. 2019.

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873
Estudos de Direito do Saneamento

Da necessidade de
regulamentação legal
específica para o estabelecimento
de uma política pública efetiva
sobre o reúso de águas no Brasil
SANDRA CARNEIRO VALENÇA SANTOS1

s1

Resumo

O presente artigo dedica-se à análise dos desafios do Brasil no tocan-


te ao planejamento, à regulamentação e à implantação de uma política
pública nacional relacionada ao reúso de águas para garantia de uma
melhor distribuição dos recursos hídricos e da universalização do sane-
amento. Foram objeto de consulta as experiências internacionais bem
sucedidas, além do arcabouço normativo já existente no país e alguns
projetos de lei em tramitação. Ao final, foram identificadas, na missão
institucional da FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, algumas iniciati-
vas que podem ser ampliadas ou potencializadas com o intuito de auxili-
ar a promoção de práticas eficientes de reúso de águas.

1 Procuradora Federal, Graduada em Direito (UFPE) e Especialista em Direito Tri-


butário (UFPE). Atua no consultivo da PFE/FUNASA/PE | e-mail: sandra.santos@agu.
gov.br. Endereço profissional: Av Conselheiro Rosa e Silva, 1489, Recife/PE, 52050-020.

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874
Palavras-Chave: Crise hídrica; Reúso de águas; Saneamento;
Regulamentação; FUNASA.

Abstract

This article is dedicated to the analysis of the challenges of Brazil regar-


ding the planning, regulation and implementation of a national public policy
related to water reuse to ensure a better distribution of water resources and
the universalization of sanitation. Successful international experiences were
consulted, as well as the existing regulatory framework in the country and
some bills in the pipeline. At the end, some institutional initiatives of FUNA-
SA - National Health Foundation were identified that could be expanded or
strengthened in order to help promote efficient water reuse practices.

Keywords: Water crisis; Water reuse; Sanitation; Regulation; FUNASA

Sumário
1. Introdução; 2. Breve panorama sobre a crise hídrica mundial
e exemplos de seu enfrentamento ao redor do mundo através
das práticas de reúso de águas; 3.Quadro atual sobre o reúso de
águas no Brasil: necessidade de regulamentação legal específica
e consolidada; 4. A missão institucional da FUNASA e as possibi-
lidades de sua contribuição para a implantação de uma política
nacional sobre o reúso de águas; 5. Conclusões

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875
Estudos de Direito do Saneamento

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto da conclusão do Curso de Extensão em Direito


do Saneamento, oportunizado pela Procuradoria Federal Especializada junto à
Fundação Nacional de Saúde em parceria com o Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Universidade de Lisboa e com a Fundação Getúlio Vargas.

Os estudos foram desenvolvidos com o objetivo de identificar e en-


tender os principais problemas e desafios enfrentados pelo Brasil no to-
cante ao planejamento, à regulamentação e à implantação de uma polí-
tica pública nacional relacionada ao reúso de águas.

Para tanto, incialmente, foi preciso traçar um breve panorama sobre


a crise hídrica mundial, conhecer experiências internacionais bem suce-
didas, analisar os benefícios ambientais, sociais e econômicos do reúso
como alternativa complementar ao saneamento e à gestão de recursos
hídricos para garantia da saúde pública e ampliação do acesso à água de
qualidade pela população.

Em seguida, foi verificada a realidade atual do Brasil no tocante à dis-


ponibilidade e distribuição de recursos hídricos e à universalização do sa-
neamento, consultando o arcabouço normativo já existente nessas duas
áreas de interesse público e alguns projetos de lei em tramitação, para
identificar e sugerir algumas soluções e medidas de incentivo à regula-
mentação legal, à governança e à fiscalização de uma política específica
e eficiente de reúso de águas no país.

Ao final, foi examinada a missão institucional da FUNASA – Fundação


Nacional de Saúde identificando, no contexto de sua atuação, algumas
iniciativas que poderiam ser ampliadas ou potencializadas com o intuito
de auxiliar a promoção de práticas eficientes de reúso de águas.

Voltar ao índice
876
A metodologia de pesquisa adotada partiu da consulta a sítios eletrô-
nicos institucionais, artigos e livros de referência técnica e jurídica sobre
o tema, assim como do levantamento do arcabouço normativo já existen-
te no ordenamento jurídico brasileiro, dos projetos de lei em tramitação
e da análise de experiências e práticas de reúso de águas que, pontual-
mente, vem sendo adotadas no país.

2. BREVE PANORAMA SOBRE A CRISE HÍDRICA MUNDIAL E EXEMPLOS


DE SEU ENFRENTAMENTO AO REDOR DO MUNDO ATRAVÉS DAS PRÁTICAS
DE REÚSO DE ÁGUAS

De acordo com o Relatório Mundial da Organização das Nações Uni-


das para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre Desenvolvi-
mento dos Recursos Hídricos – 20192, intitulado “Não deixar ninguém
para trás”, a demanda por água no mundo tem crescido a uma taxa de
1% ao ano desde a década de 1980, não apenas devido ao crescimento
populacional, mas também a mudanças nos padrões de consumo. Ainda
segundo dados colhidos no referido relatório, os setores industrial, agrí-
cola e doméstico serão responsáveis pelo contínuo aumento da deman-
da por água no mundo até 2050, o que representará um acréscimo de
20% a 30% em relação ao nível atual de uso.

Atualmente, mais de 2 bilhões de pessoas vivem em países que vi-


venciam um alto estresse hídrico e cerca de 4 bilhões experimentam
escassez severa de água durante pelo menos um mês por ano. A água,

2 UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.


Relatório Mundial sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos – 2019: “Não deixar nin-
guém para trás”, disponível em http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/natural-sciences/
environment/wwdr/ (acedido em 26 de setembro de 2019).

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877
Estudos de Direito do Saneamento

portanto, é um recurso natural sob pressão crescente, sobretudo se tam-


bém considerados os efeitos incontestáveis das alterações climáticas, ve-
rificadas em todo o globo terrestre.

O enfrentamento desse problema não é opcional. No âmbito da Or-


ganização das Nações Unidas, a chamada Agenda 20303 fixou 17 obje-
tivos para assegurar o desenvolvimento mundial de forma sustentável.
Dentre esses objetivos, o de número 6 é “assegurar a disponibilidade e a
gestão sustentável da água e saneamento para todos”, o que deverá ser
feito através do atendimento às seguintes metas e marcos temporais,
com destaque para as metas 6.3 e 6.a:

“6.1 Até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo à água


potável, segura e acessível para todos

6.2 Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequa-


dos e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu
aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres
e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade

6.3 Até 2030, melhorar a qualidade da água, reduzindo a polui-


ção, eliminando despejo e minimizando a liberação de produtos
químicos e materiais perigosos, reduzindo à metade a proporção
de águas residuais não tratadas, e aumentando substancialmen-
te a reciclagem e reutilização segura globalmente

6.4 Até 2030, aumentar substancialmente a eficiência do uso da


água em todos os setores e assegurar retiradas sustentáveis e o
abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água, e
reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com
a escassez de água

3 ONU. Organização das Nações Unidas no Brasil. Agenda 2030 para o Desenvol-
vimento Sustentável, disponível em http://www. nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/
(acedido em 25 de setembro de 2019).

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878
6.5 Até 2030, implementar a gestão integrada dos recursos hídri-
cos em todos os níveis, inclusive via cooperação transfronteiriça,
conforme apropriado

6.6 Até 2020, proteger e restaurar ecossistemas relacionados


com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios,
aquíferos e lagos

6.a Até 2030, ampliar a cooperação internacional e o apoio ao


desenvolvimento de capacidades para os países em desenvolvi-
mento em atividades e programas relacionados a água e ao sane-
amento, incluindo a coleta de água, a dessalinização, a eficiência
no uso da água, o tratamento de efluentes, a reciclagem e as tec-
nologias de reúso

6.b Apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais,


para melhorar a gestão da água e do saneamento.”

Gestão sustentável de águas e saneamento adequado são, portanto, ob-


jetivos associados. O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvol-
vimento dos Recursos Hídricos – 2019 deixa evidente a importância da uni-
versalização do saneamento básico para ampliação do acesso das pessoas
ao abastecimento de água potável de forma segura. Sanear de forma ampla
e eficiente também é multiplicar o acesso das pessoas à água de qualidade.

Atualmente, três em cada dez pessoas pelo mundo afora não pos-
suem acesso à água potável, o que, para as Nações Unidas, representa
a violação de um verdadeiro direito humano4. Viabilizar e multiplicar o
acesso de todos à agua de qualidade é, de fato, um grave problema a

4 ONU. Organização das Nações Unidas. Resolução 64/292, aprovada pela Assem-
bléia Geral da ONU em 28 de julho de 2010. “O direito humano à água e ao saneamento”.
Disponível em: http://undocs.org/es/A/RES/64/292/ (acedido em: 26 de setembro de 2019)

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879
Estudos de Direito do Saneamento

resolver. Porém, se 71% por cento da superfície do planeta é coberta por


água, porque, então, isso não é facilmente solucionado?

Primeiramente, há o aspecto natural da questão. Desse volume de água,


apenas 0,007% está efetivamente disponível para o uso e consumo dos mais
de 7 bilhões de habitantes deste planeta, excluindo-se os percentuais de
água salina ou oceânica e o volume preso em geleiras e campos de neve5.

Em segundo lugar, mas não menos importante, vem o aspecto políti-


co da questão, ou seja, a má gestão desse recurso natural. As tecnologias
estão se tornando obsoletas e os sistemas de governança são frequen-
temente incapazes de lidar com o rápido crescimento demográfico, a
contínua urbanização, os desafios ambientais, variabilidade climática e
desastres relacionados à água.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômi-


co (OCDE), “para estarem preparadas para o futuro, as instituições precisam
se adaptar à evolução das circunstâncias e, por isso, a vontade política e a
continuidade das políticas são elementos chave na transição para práticas
mais inclusivas e sustentáveis.”6. Em obra recente sobre os danos ambien-
tais decorrentes do fenômeno de aquecimento global, David Wallace-Wells
destaca o futuro risco de esgotamento de água doce no mundo e conclui7:

Hoje, a crise é política – o que significa dizer, não inevitável ou ne-


cessária, nem além da nossa capacidade de consertá-la – e, logo,

5 NATIONAL GEOGRAFIC. Página institucional. Disponível em: https://www.na-


tionalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/crise-da-agua-doce/ (acedido em 26 de se-
tembro de 2019).
6 OCDE. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. “Princí-
pios da OCDE para a Governança da Água”. Disponível em: https://www.oecd.org/cfe/regio-
nal-policy/OECD-Principles-Water-portuguese.pdf/ (acedido em 26 de setembro de 2019).
7 WALLACE-WELLS, David. A Terra inabitável: uma história do futuro, São Paulo:
Companhia das Letras, 2019, p.110.

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880
opcional, na prática. Esse é um dos motivos para ser, não obstante,
terrível como parabólica climática: um recurso abundante é tornado
escasso pela negligência e indiferença governamental, pela falta de
infraestrutura, pela poluição e pela urbanização de desenvolvimento
descuidados. A crise de abastecimento de água não é inevitável, em
outras palavras, mas presenciamos uma, de um modo ou de outro,
e não estamos fazendo muita coisa para resolvê-la.

Tais impressões são ratificadas pelas conclusões do Relatório Mun-


dial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos –
2019, segundo as quais:

Pessoas de diferentes grupos são “deixadas para trás” por diferentes


motivos. Discriminação, exclusão, marginalização, desequilíbrios de
poder arraigados e desigualdades materiais estão entre os principais
obstáculos para a realização dos direitos humanos à água potável e
ao saneamento seguros para todos, assim como para o alcance dos
objetivos relacionados à água da Agenda 2030. Políticas mal plane-
jadas e implementadas de maneira inadequada, o uso ineficiente e
inapropriado de recursos financeiros, bem como as lacunas da polí-
tica pública, alimentam a persistência de desigualdades no acesso à
água potável e ao saneamento seguros. Se a exclusão e a desigual-
dade não forem tratadas de forma explícita e responsiva, tanto em
termos de políticas quanto na prática, as intervenções relacionadas
à água continuarão a não alcançar os mais necessitados, que pro-
vavelmente seriam os maiores beneficiados. Melhorar a gestão dos
recursos hídricos e fornecer a todos o acesso a água potável e sane-
amento seguros e acessíveis financeiramente são ações essenciais
para erradicar a pobreza, construir sociedades pacíficas e prósperas,
e garantir que “ninguém seja deixado para trás” no caminho rumo
ao desenvolvimento sustentável. Essas metas são totalmente alcan-
çáveis, desde que exista uma vontade coletiva para proceder assim.

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881
Estudos de Direito do Saneamento

Portanto, os problemas relacionados à disponibilidade de recursos


hídricos se devem, não apenas, mas também, a aspectos relacionados
à má gestão das políticas de ampliação do acesso à água, assim como
à ausência de estratégias mais eficientes na área de saneamento para
garantir maior reciclagem e o reúso desse recurso natural.

De fato, diante do quadro de escassez hídrica mundial, as políticas


de gestão mais eficazes são aquelas que priorizam a chamada “substitui-
ção de fontes”8, reservando águas de melhor qualidade para usos mais
nobres, como o abastecimento doméstico, e liberando aquelas de qua-
lidade inferior ou residuais, tais como esgotos, águas de drenagem agrí-
cola, de descarte industrial e águas salobras, para usos e destinos com
padrões menos restritivos de qualidade.

A institucionalização de uma boa política de reúso deve partir da pre-


missa de que, uma vez poluída, a água pode e deve ser recuperada para
usos dos mais diversos. Obviamente, a depender do destino que lhe será
dado, a qualidade da água em reúso demandará níveis de tratamento,
critérios de segurança e custos de capital, operação e manutenção va-
riados. Essas variantes devem balizar o estabelecimento da política ins-
titucional de gestão de águas e de saneamento em cada país, a qual irá
depender ainda do volume hídrico disponível e de fatores econômicos,
sociais e culturais próprios a cada um desses.

Exemplos de boa gestão e enfrentamento da escassez de recursos hídri-


cos através do reúso de águas residuais podem ser encontrados em vários

8 HESPANHOL, Ivanildo. Potencial de Reuso de Água no Brasil Agricultura, Indus-


tria, Municípios, Recarga de Aqüíferos, RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos, vol.7,
n.4, Out/Dez 2002, pp.75-95.

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882
países. Estados Unidos, México, China, Namíbia, Austrália, Cingapura, Japão e
Portugal, guardadas as suas devidas particularidades, apresentam exemplos
de políticas e regulamentação melhor desenvolvidas e eficientes que as do
Brasil na viabilização de iniciativas de sucesso para o reúso de águas.

Em linhas gerais, pode-se dizer que, por todo o globo terrestre, o


reaproveitamento de recursos hídricos vem sendo feito tanto para fins
potáveis quanto não potáveis. Nesse último caso, que é o mais frequen-
temente implementado mundo afora, o reaproveitamento tem por fina-
lidade suprir o consumo não humano em área urbana, agrícola e indus-
trial. Exemplificam o reuso de água não potável a irrigação na produção
agrícola e nas áreas paisagísticas (parques, cemitérios, escolas, etc), o
resfriamento em sistemas de ar condicionado, a desobstrução de redes
de esgoto, os sistemas de combate a incêndio, a lavagem de veículos, as
torres de resfriamento e caldeiras industriais, e o uso na construção civil,
nas melhorias ambientais e para fins de recreação.

Já o reúso de água potável, pode ser feito de forma indireta, ou seja,


para suplementar fontes de água potável (corpos hídricos superficiais ou
subterrâneos), ou de forma direta, para abastecimento da rede de água
bruta ou água tratada, o que demanda uma certificação de qualidade de
tratamento da água muito maior e, em alguns países, já é uma realidade.

Nos Estados Unidos, um exemplo de projeto de grande porte é o de


Orange County, no Estado da Califórnia, em que o reúso da água é viabi-
lizado para fins industriais e de irrigação, inclusive sob a forma de reuti-
lização de água potável de forma indireta em sistemas subterrâneos de
reposição e injeção em poços para combate à invasão de água do mar9.

9 Orange County Water District. Página institucional. Disponível em https://www.


ocwd.com/what-we-do/water-reuse/ (acedido em 26 de setembro de 2019).

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883
Estudos de Direito do Saneamento

No México, o projeto de reúso de Atotonilco, situado no Vale do Mez-


quital, é a área irrigada com águas residuais mais extensa do mundo,
com mais de 90.000 hectares. Nesse vale, as águas residuais são usadas
juntamente com as águas pluviais para irrigar forragens, cultivo de milho
e alguns outros vegetais10.

Na China, desde dezembro de 2016, o projeto de reúso de Huai Fang


trata efluente sanitário da região sul de Pequim para reúso em fins indus-
triais e urbanos. Esse projeto faz parte de um programa aprovado pelo
Governo Municipal de Pequim chamado Plano de Ação de Três Anos para
Acelerar a Construção de Estações de Tratamento de Esgoto e Estações de
Produção de Água de Reúso em Pequim, que foi definido a partir de uma
versão anterior que visava aumentar o reúso de água na região até 202011.

Na Namíbia, o clima desértico e a ausência de segurança hídrica em


Windhoek, capital do país, foram os principais impulsionadores do proje-
to, que faz reúso direto potável desde 1969. A Estação de Tratamento de
Água de Reúso de Goreangab é um exemplo de inovação praticada em
um país com recursos limitados, tanto naturais quanto financeiros. Após
a última modernização da planta da estação em 2002, Goreangab conta
com o mais moderno processo de tratamento de água de reúso12.

10 FAO. Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. ‘Reutili-


zação de águas para agricultura na América Latina e Caribe: estado, princípios e necessidades”.
Disponível em http://www.fao.org/3/a-i7748s.pdf/ (acedido em 26 de setembro de 2019).
11 INTERÁGUAS- Programa de Desenvolvimento do Setor Água. Página institucional. Dis-
ponível em: http://interaguas.ana.gov.br/Lists/Licitacoes_Docs/Attachments/221/Produto%202_
Experi%C3%AAncias%20de%20Re%C3%BAso.pdf/ (acedido em 26 de setembro de 2019).
12 VAN DER MERWE, B., PETERS, I., MENGE, J. (1994). Namibia Case Study, in:
Health, Agricultural and Environmental Aspects of Wastewater and Excreta Use, Report of
a Joint WHO/FAO/UNEP/UNCHS Regional Workshop, Harare, Zimbabwe, World Health Or-
ganization, Geneva, apud HESPANHOL, Ivanildo. “Potencial de Reuso de Água no Brasil Agri-
cultura, Industria, Municípios, Recarga de Aqüíferos”. Disponível em: https://edisciplinas.
usp.br/pluginfile.php/4904400/mod_resource/content/1/leitura%20complementar%20
aula%204.pdf/ (acedido em 26 de setembro de 2019).

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884
Na Austrália, a cidade de Perth, adota tecnologia para injeção de água
usada pela população e já tratada em aquíferos subterrâneos. A água é
filtrada naturalmente pelo solo arenoso e depois extraída para ser con-
sumida pela população ou usada na irrigação agrícola, o que representou
o aumento em 60% do reúso de água, incluindo o tratamento avançado
e reúso de efluentes sanitários através da recarga de lençóis freáticos13.

O Japão já vem adotando o reúso de efluentes secundários para di-


versas finalidades. Em Fukuoka, através de uma rede dupla de distribui-
ção de água, esgotos domésticos são tratados para uso em descarga de
toaletes em edifícios residenciais. Esse efluente tratado é também utili-
zado para outros fins, incluindo irrigação de árvores em áreas urbanas e
alguns usos industriais, tais como resfriamento e desodorização. Diversas
outras cidades do Japão, entre as quais Ooita, Aomori e Tokio, estão fa-
zendo uso de esgotos tratados ou de outras águas de baixa qualidade,
para fins urbanos não potáveis, proporcionando uma economia significa-
tiva dos escassos recursos hídricos localmente disponíveis14.

O projeto de NEWater em Cingapura, combina segurança hídrica e prote-


ção do meio ambiente e da saúde pública, fornecendo, atualmente, até 40%
das necessidades atuais de água. Em 2060, a estimativa é que a NEWater de-
verá atender até 55% da demanda futura de água de Cingapura para uso po-
tável indireto, ou seja, volume introduzido em reservatórios de água bruta15.

Em Portugal, não obstante o caminho para a concretização de medidas de


reutilização de águas não venha sendo dos mais acelerados, em 2018 foi assu-

13 EBC – Empresa Brasil de Comunicação. Página institucional. Disponível em: http://www.


ebc.com.br/especiais-agua/solucoes-hidricas/#agua-brasil/ (acedido em 26 de setembro de 2019).
14 HESPANHOL, Ivanildo. Potencial de Reuso de Água no Brasil Agricultura, Indus-
tria, Municípios, Recarga de Aqüíferos, RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos, vol.7,
n.4, Out/Dez 2002, pp.75-95.
15 SINGAPORE’S NATIONAL WATER AGENCY. Página institucional. Disponível em https://
www.pub.gov.sg/watersupply/fournationaltaps/newater/ (acedido em 26 de setembro de 2019).

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885
Estudos de Direito do Saneamento

mido o compromisso de incrementar a reutilização das águas residuais, tendo a


empresa Águas do Tejo Atlântico declarado a ambiciosa meta de saltar dos 2%
para 30% de percentual de reutilização de águas residuais até 202716. Muito re-
centemente, em 21 de agosto de 2019, o Decreto-lei n.º 119 foi editado naque-
le país para estabelecer o regime jurídico de produção de água para reutilização,
obtida a partir do tratamento de águas residuais, bem como da sua utilização.
De acordo com o artigo 2.º do referido Decreto-lei, suas regras aplicam-se ao
reúso não potável, ou seja, à reutilização de água proveniente de estações de
tratamento de águas residuais domésticas, urbanas e industriais, destinada a
usos compatíveis com a qualidade da mesma, designadamente de rega, de usos
paisagísticos, de usos urbanos e industriais, bem como à reutilização de água
remanescente proveniente de certos tipos de cultura agrícola, nomeadamente
as culturas fora do solo, que, sendo recolhida, seja passível de ser usada na rega
de outro tipo de cultura. Exclui-se do seu âmbito de aplicação a reutilização de
água para usos potáveis, os quais requerem uma qualidade compatível com o
consumo humano, bem como a recirculação ou a reciclagem de água, quando a
mesma ocorra em circuito fechado dentro de um ou mais processos17.

Essas iniciativas pelo mundo permitem a visualização de diferentes estra-


tégias de enfrentamento da escassez de água, que só tende a ser agravada
pelas alterações climáticas e pelo aumento de densidade demográfica em
determinadas regiões do Globo. O reúso, portanto, apresenta-se, cada vez
mais, como solução sustentável do ponto de vista ambiental e para a con-
servação de recursos hídricos de qualidade ao abastecimento da população.

Além de contribuir para uma maior segurança hídrica e para a preser-


vação ambiental, há um outro fator impulsionador às iniciativas de reúso

16 Revista Águas do Rio Tejo Atlântico, n.º 02, abril/2018. Disponível em: https://
www.aguasdotejoatlantico.adp.pt/sites/aguasdotejoatlantico.adp.pt/files/publicacoes/re-
vista_adta_18abr.pdf/ (acedido em 26 de setembro de 2019).
17 Diário da República n.º 159/2019, Série I de 2019-08-21. Disponível em https://
dre.pt/home/-/dre/124097549/details/maximized/ (acedido em 26 de setembro de 2019).

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886
de águas, qual seja, o chamado water-energy nexus ou a interdependên-
cia entre uso da água e a produção de energia. Para a produção de ener-
gia são necessários grandes volumes de água. Por outro lado, para se garantir
a infraestrutura de abastecimento e consumo de água pela população, são
necessários grandes volumes de energia. O reúso de água se apresenta como
alternativa interessante na redução dos gastos de energia com tratamento e
infraestrutura de transporte, minimizando os impactos negativos no ciclo de
uso de água e no consumo de energia, cada vez mais crescente.

Além dos já citados, ainda devem ser levados em consideração outros


potenciais benefícios associados à melhoria na disponibilidade hídrica
através do reúso, como por exemplo, o de viabilizar o saneamento em
prazos mais curtos (melhorando a relação custo/benefício do tratamento
de esgoto, particularmente no caso de reúso potável); reduzir a depen-
dência sobre transposição/importação de água de outras regiões/munici-
palidades, melhorando a autonomia da localidade beneficiada com essa
iniciativa; diminuição das quantidades de fertilizante necessárias, trazen-
do impacto positivo no solo e nas plantas, no caso do reúso agrícola e o
impacto positivo na pegada de carbono, se comparado às iniciativas de
dessalinização ou de transposição a partir de regiões mais distantes.

As vantagens do reúso da água, portanto, são comprovadas mundial-


mente e há uma tendência crescente pela adoção de políticas voltadas a
sua implementação, sobretudo nas chamadas cidades com sensibilidade
hídrica ou water sensitive cities, que praticam uma gestão integrada dos
recursos hídricos e de saneamento. Por outro lado, a aceitação do con-
ceito de reúso de águas pelo público também está crescendo em boa
parte do mundo, na medida em que há cada vez maior conscientização
sobre os riscos da má gestão na área ambiental.

Esses exemplos bem sucedidos internacionalmente servem como pa-


radigma e incentivo à cobrança pelo estabelecimento urgente de uma

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887
Estudos de Direito do Saneamento

política verdadeiramente específica e eficiente para reuso de águas no


Brasil, cujo contexto, em particular, será melhor explicitado a seguir.

3. QUADRO ATUAL SOBRE O REÚSO DE ÁGUAS NO BRASIL: NECES-


SIDADE DE REGULAMENTAÇÃO LEGAL ESPECÍFICA E CONSOLIDADA

Muito embora possua a maior reserva hídrica do mundo, responden-


do por aproximadamente 12% da reserva de água doce de todo o pla-
neta, a indisponibilidade de recursos hídricos em várias regiões do Brasil
ainda é um grave problema a solucionar.

Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios),


cerca de 85% das casas brasileiras tem como principal fonte de água a rede
geral de distribuição18. Esse alto percentual, no entanto, não afasta as enor-
mes disparidades regionais existentes no Brasil, no tocante ao acesso à água.

Os Estados da Federação com menor acesso às redes gerais de distribui-


ção de água são os das regiões Norte e Nordeste. O Estado de Rondônia, por
exemplo, apresenta a pior situação, com índice de apenas 43,6% de cober-
tura de redes de distribuição de água, contrastando com os Estados do Sul,
Sudeste e Centro-Oeste, que têm índices de acesso à rede de distribuição
de água entre 80%, no caso do Mato Grosso, e 96%, no caso de São Paulo.

Também há grandes contrastes entre áreas urbanas e rurais do país,


ou seja, entre as cidades e o campo. Ainda segundo a Pnad, enquanto
93,4% dos domicílios urbanos do país usam a rede geral de distribuição,
essa proporção cai para 34% em áreas rurais.

18 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Página institucional. “Pesquisa


Nacional por Amostra de Domicílios Contínua- 2018”. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.
br/visualizacao/livros/liv101548_notas_tecnicas.pdf/ (acedido em 26 de setembro de 2019).

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888
O panorama dos índices de saneamento básico no país é igualmente
alarmante. A situação da coleta de esgoto no Brasil é a mais precária den-
tre os serviços de saneamento, com apenas 66% de domicílios com aces-
so à rede, segundo a Pnad. Dados coletados pelo SNIS – Sistema Nacional
de Informações sobre Saneamento, referentes ao ano de 2017, demons-
tram que apenas 46% do esgoto gerado no país recebe tratamento19.

De acordo com o Instituto Trata Brasil, o tratamento de esgoto é o principal


gargalo do saneamento básico no Brasil. Em relatório de 2019 sobre a situação
do saneamento nos 100 Municípios mais populosos do país, o instituto desta-
ca que 21 deles tratam menos de 20% do volume de esgoto produzido20.

Há um longo caminho a ser percorrido a fim de se atingir o objetivo de


ampliar e universalizar o acesso à água e ao saneamento no Brasil. A despei-
to disso, não existe, até o presente momento, em âmbito federal, política es-
pecífica e regulamentação legal consolidada sobre o reúso de águas no país.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 21, incisos XIX e XX21, re-
servou à competência privativa da União a instituição do sistema nacional de

19 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL. Sistema Nacional de Informa-


ções sobre Saneamento – SNIS. Página institucional. Vigésima terceira edição do “Diagnós-
tico dos Serviços de Água e Esgotos, do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamen-
to – SNIS, referente ao ano de 2017”. Disponível em http://www.snis.gov.br/diagnostico-a-
gua-e-esgotos/diagnostico-ae-2017/ (acedido em 26 de setembro de 2019).
20 INSTITUTO TRATA BRASIL. Página institucional. “Ranking do saneamento 2019”. Dis-
ponível em http://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/itb/ranking-2019/Relat%C3%B3rio_
Ranking_Trata_Brasil_2019_v11_NOVO_1.pdf/ (acedido em 26 de setembro de 2019).
21 Artigo 21. Compete à União:
(...)
IX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios
de outorga de direitos de seu uso;
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamen-
to básico e transportes urbanos;

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889
Estudos de Direito do Saneamento

gerenciamento de recursos hídricos e o estabelecimento de diretrizes para o


desenvolvimento urbano, inclusive no tocante ao saneamento básico.

Regulamentando o inciso XIX do artigo 21 da Constituição Federal, a


Lei n.º 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídri-
cos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
apontou o uso múltiplo das águas como um dos fundamentos basilares
da gestão de águas no Brasil22.

Uma década após o início da vigência da Lei n.º 9.433/1997, foi edita-
da a Lei n.º 11.445/2007, estabelecendo as diretrizes nacionais para o sa-
neamento básico e ampliando o universo nele compreendido até então
para incluir os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e
de drenagem e manejo das águas pluviais, além dos de abastecimento de
água potável e de esgotamento sanitário, que já o integravam23.

Em seu artigo 2.º, inciso XII, a Lei n.º 11.445/2007 arrolou como um
dos princípios fundamentais para os serviços públicos de saneamento
básico, a integração de suas infra-estruturas e serviços com a gestão efi-
ciente dos recursos hídricos24. Em seu artigo 45, parágrafo 2.º, no entan-

22 Artigo 1.º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
(...)
IV- a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
23 BURGER, Bruna Cavalcanti Drubi. “O conceito de saneamento”. In: SADDY, An-
dré; CHAUVET, Rodrigo da Fonseca (Coordenadores). Aspectos Jurídicos do Saneamento
Básico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p.1-23.
24 Artigo 2.º Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base
nos seguintes princípios fundamentais:
(...)
XII- integração das infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos.

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890
to, esse mesmo diploma legal vedou a possibilidade de as instalações
hidráulicas prediais ligadas à rede pública de abastecimento de água
também serem alimentadas por outras fontes, o que limitou o desenvol-
vimento de inciativas no país para utilização de água de reúso como fonte
alternativa e direta, para fins potáveis, via rede pública de distribuição25.

Ao regulamentar a Lei n.º 11.445/2007, o Decreto n.º 7.217/2010, em seu


7.º, parágrafo 4.º, autorizou a existência de instalações hidráulicas prediais pró-
prias com objetivo de reúso de efluentes ou aproveitamento de água de chu-
va, desde que devidamente autorizadas pela autoridade competente26.

Pouco antes do advento da Lei n.º 11.445/2007, em 28 de novembro


de 2005, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, órgão deliberativo
e normativo máximo do Sistema Nacional de Recursos Hídricos editou
a Resolução CNRH n.º 54/2005, estabelecendo modalidades, diretrizes
e critérios gerais para a prática de reúso direto não potável de água. De
acordo com o artigo 2.º da Resolução CNRH n.º 54/2005, o reúso de água
é toda a utilização de água residuária, ou seja, esgoto, água descartada,

25 Artigo 45. Ressalvadas as disposições em contrário das normas do titular, da


entidade de regulação e de meio ambiente, toda edificação permanente urbana será co-
nectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponí-
veis e sujeita ao pagamento das tarifas e de outros preços públicos decorrentes da conexão
e do uso desses serviços.
(...)
§ 2.º A instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água
não poderá ser também alimentada por outras fontes.
26 Artigo 7.º A instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento
de água não poderá ser também alimentada por outras fontes.
(...)
§ 4.º Serão admitidas instalações hidráulicas prediais com objetivo de reúso de efluentes ou aproveitamen-
to de água de chuva, desde que devidamente autorizadas pela autoridade competente.

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891
Estudos de Direito do Saneamento

efluentes líquidos de edificações, indústrias, agroindústrias e agrope-


cuária, tratados ou não27. Em seu artigo 3.º, a referida norma indica as
modalidades ou finalidades do reúso direto de água não potável, sendo
essas: (i) para fins urbanos; (ii) agrícolas; (iii) ambientais; (iv) industriais
e (v) aquicultura. Tais modalidades não são excludentes, podendo mais
de uma delas ser empregada simultaneamente em uma mesma área 28.

27 Artigo 2.º Para efeito desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:
I - água residuária: esgoto, água descartada, efluentes líquidos de edificações, indús-
trias, agroindústrias e agropecuária, tratados ou não;
II - reúso de água: utilização de água residuária;
III - água de reúso: água residuária, que se encontra dentro dos padrões exigidos para
sua utilização nas modalidades pretendidas;
IV - reúso direto de água: uso planejado de água de reúso, conduzida ao local de utili-
zação, sem lançamento ou diluição prévia em corpos hídricos superficiais ou subterrâneos;
V - produtor de água de reúso: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
que produz água de reúso;
VI - distribuidor de água de reúso: pessoa física ou jurídica, de direito público ou priva-
do, que distribui água de reúso; e
VII - usuário de água de reúso: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
que utiliza água de reúso.
28 Artigo 3.º O reúso direto não potável de água, para efeito desta Resolução,
abrange as seguintes modalidades:
I - reúso para fins urbanos: utilização de água de reúso para fins de irrigação paisagís-
tica, lavagem de logradouros públicos e veículos, desobstrução de tubulações, construção
civil, edificações, combate a incêndio, dentro da área urbana;
II - reúso para fins agrícolas e florestais: aplicação de água de reúso para produção
agrícola e cultivo de florestas plantadas;
III - reúso para fins ambientais: utilização de água de reúso para implantação de proje-
tos de recuperação do meio ambiente;
IV - reúso para fins industriais: utilização de água de reúso em processos, atividades e
operações industriais; e,
V - reúso na aqüicultura: utilização de água de reúso para a criação de animais ou cul-
tivo de vegetais aquáticos.
§ 1º As modalidades de reúso não são mutuamente excludentes, podendo mais de
uma delas ser empregada simultaneamente em uma mesma área.
§ 2º As diretrizes, critérios e parâmetros específicos para as modalidades de reuso defi-
nidas nos incisos deste artigo serão estabelecidos pelos órgãos competentes.

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892
A Resolução CNRH n.º 121, de 16 de dezembro de 2010, veio, por sua
vez, estabelecer diretrizes e critérios para a prática de reúso direto não
potável de água na modalidade agrícola e florestal. Ganhou destaque,
em suas disposições, a cautela com a preservação do solo, com os riscos
de danos ambientais e à saúde pública29.

Recentemente, a Resolução CNRH nº 181/2016 que aprovou as pri-


oridades, ações e metas do Plano Nacional de Recursos Hídricos para
2016-2020, estabeleceu, como sua prioridade n.º 15, o desenvolvimento
de ações para a promoção do uso sustentável e reúso da água.

Essas normas acima citadas representam, hoje, o nível máximo de


regulamentação do reúso de águas para fins não potáveis no Brasil, não
havendo, no tocante ao reúso de águas potáveis, nenhuma lei editada
especificamente, até o presente momento, em âmbito federal.

A Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA n.º


357/2005 (alterada pela Resolução CONAMA n.º 430/2011), trata da
classificação dos corpos de água e traça diretrizes ambientais para o seu
enquadramento para consumo humano ou não, bem como estabelece as
condições e padrões de lançamento de efluentes.

29 Artigo 5.º A aplicação de água de reúso para fins agrícolas e florestais não pode
apresentar riscos ou causar danos ambientais e à saúde pública.
Artigo 6.º As concentrações recomendadas de elementos e substâncias químicas no
solo, para todos os tipos de reúso para fins agrícolas e florestais, são os valores de preven-
ção que constam da legislação pertinente.
Artigo 7.º A caracterização e o monitoramento periódico do solo que recebe a água de
reúso serão realizados de acordo com critérios definidos pelo órgão ou entidade competente.
Artigo 8.º Qualquer acidente ou impacto ambiental decorrente da aplicação da água
de reuso que possa comprometer os demais usos da água no entorno da área afetada deve-
rá ser informado imediatamente ao órgão ou entidade competente e ao respectivo Comitê
de Bacia Hidrográfica, pelo produtor, manipulador, transportador e ou responsável técnico.
Artigo 9.º Os métodos de análise para determinação dos parâmetros de qualidade da
água e solo devem atender às especificações das normas nacionais que disciplinem a matéria.

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893
Estudos de Direito do Saneamento

A Portaria n.º 2.914/2011, editada pelo Ministério da Saúde, dispõe,


por sua vez, sobre os procedimentos de controle e de vigilância da quali-
dade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade no que
tange à água destinada ao consumo humano proveniente de sistema e so-
lução alternativa de abastecimento de água, não mencionando o reúso de
águas especificamente. Por meio da referida norma, é atribuída à Funda-
ção Nacional de Saúde (FUNASA), em seu âmbito de atuação e conforme
os critérios e parâmetros que ali são estabelecidos, a competência para
apoiar as ações de controle da qualidade da água proveniente de sistema
ou solução alternativa de abastecimento para consumo humano30.

As normas acima citadas, muito embora representem válidas inicia-


tivas no sentido de garantir alguma normatização ao tema, não suprem
por completo a lacuna legislativa ainda existente no tocante à necessida-
de de estabelecimento de uma disciplina jurídica própria e consolidada
sobre o reúso de águas no país. A nível federal, podem ser identificados
alguns projetos de lei sobre o tema, os quais, ou ainda estão em tramita-
ção, ou já foram arquivados.

O Projeto de Lei n.º 1.155/2011, que autorizava o Poder Executivo a


criar o Fundo Nacional de Reutilização de Água, com o objetivo apoiar fi-
nanceiramente projetos de reutilização de água, no âmbito de ações de de-
senvolvimento de sistemas voltados para o reaproveitamento de água; de
aquisição, instalação, conservação, ampliação e recuperação de sistemas de
reutilização de água em edificações residenciais, comerciais, industriais e de
serviços públicos e privados; e de produção e instalação de equipamentos

30 Artigo 9.º Compete à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) apoiar as ações de


controle da qualidade da água para consumo humano proveniente de sistema ou solução
alternativa de abastecimento de água para consumo humano, em seu âmbito de atuação,
conforme os critérios e parâmetros estabelecidos nesta Portaria.

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894
comunitários, urbanos e rurais, destinados à reutilização de água, foi arqui-
vado pela Câmara dos Deputados em janeiro do corrente ano.

O Projeto de Lei do Senado n.º 12/2014, que dispunha sobre incentivos


para fomentar a reutilização de recursos hídricos no âmbito da Contribui-
ção para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio
do Servidor Público - PIS/PASEP, da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social- COFINS, do Imposto sobre Produtos Industrializados- IPI
e Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ, foi arquivado no final de 2018.

O Projeto de Lei n.º 1.675/2015, que estabelecia a utilização de água de


reúso como pré-requisito para a obtenção de alvará de funcionamento por
novas edificações destinadas ao funcionamento de plantas industriais e de
prédios comerciais em regiões de baixa precipitação pluviométrica, também
foi arquivado pela Câmara dos Deputados em janeiro do corrente ano.

Em tramitação na Câmara dos Deputados, por sua vez, estão o Projeto


de Lei n.º 2.427/2015, que estabelece incentivos tributários para estimular
a prática de reutilização da água em todo o território nacional e o Projeto de
Lei n.º 3.401/2015, que institui o Plano Nacional de Gestão, Conservação e
Reuso de Água, consonante às Políticas Nacionais de Recursos Hídricos, de
Meio Ambiente, de Desenvolvimento Urbano, de Saneamento Básico e de
Saúde, permitindo aos entes federativos, no âmbito de suas competênci-
as, oferecer incentivos fiscais a pessoas, físicas ou jurídicas, concessionárias,
sociedades e empresas de serviço e tratamento de água que efetivem a im-
plantação dos Planos de Gestão, Conservação e Reuso de Água.

Dois outros Projetos de Lei que ainda estão em tramitação merecem des-
taque pelo relevo de suas disposições. O primeiro deles é o Projeto de Lei do
Senado n.º 51/2015, que já foi aprovado no Senado Federal e seguiu para a
Câmara dos Deputados em abril do ano passado. O segundo, de n.º 13/2015,
encontra-se no plenário do Senado, aguardando leitura de requerimento.

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895
Estudos de Direito do Saneamento

Pelo Projeto de Lei do Senado n.º 51/2015, pretende-se alterar os 3.º,


5.º, 19 e 45 e acrescer o artigo 45-A à Lei n.º 11.445/200731, permitin-
do o abastecimento de água por fontes alternativas, tais como água de
reúso e água de chuva, determinando sua inclusão em plano diretor e
plano de saneamento básico, bem como excepcionando a exclusividade
no abastecimento de água pela rede pública, em áreas onde haja a co-
bertura. Referido Projeto de Lei inova, portanto, ao autorizar a quebra de
exclusividade, prevendo a possibilidade de inclusão do abastecimento de
água por fontes alternativas, aí incluindo as águas de reúso, como parte
integrante do saneamento básico no país32.

31 Artigo 1.º O artigo 3.º da Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Artigo 3.º:
e) abastecimento de água por fontes alternativas: constituído pelas atividades, infraes-
trutura e instalações de saneamento necessárias ao abastecimento por água de reúso,
água de chuva e demais alternativas aprovadas pela entidade reguladora;
IX – água residuária: esgoto, água descartada, efluentes líquidos de edificações, indús-
trias, agroindústrias e agropecuária, tratados ou não;
X – água de reúso: água residuária que se encontra dentro dos parâmetros de qualida-
de da água exigidos para o uso pretendido;
XI – fontes alternativas de abastecimento de água: água de reúso, água de chuva e
demais alternativas aprovadas pela entidade reguladora.”
Artigo 3.º O artigo 19 da Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007, passa a vigorar com a
seguinte redação:
“Artigo19:
§9.º No planejamento da expansão pública de saneamento básico, o Poder Público
estudará a viabilidade técnica, econômica e ambiental da implantação da rede de abasteci-
mento de água por fontes alternativas e, se viável, deverá implantá-la”
Artigo 4.º O artigo 45 da Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007, passa a vigorar com
a seguinte redação:
“Artigo 45:
§ 2.º A instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá
ser também alimentada por outras fontes, salvo por fontes alternativas de abastecimento de água.”
32 O então Senador Cassio Cunha Lima, apresentou as seguintes justificativas para
o Projeto: “A rigor, a legislação de saneamento básico vigente veda a ligação das fontes
alternativas de abastecimento de água às instalações prediais urbanas, por força do artigo
45, §2.º, da Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Todavia, faz-se necessário inovar por
meio da quebra da exclusividade no abastecimento de água, por parte da concessionária,
ao permitir que haja, concomitantemente, o abastecimento público de água potável e o
abastecimento por fontes alternativas, em sistemas hidráulicos distintos e obedecidos os
parâmetros de qualidade da água para o uso pretendido. A falta de marco legal que disci-

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896
O Projeto de Lei n.º 13/2015 altera tanto a Leis n.º 9.433/97 (Política
Nacional de Recursos Hídricos) quanto a Lei n.º 11.445/2007 (Lei do Sa-
neamento Básico) para incluir o expressamente o princípio da substitui-
ção das fontes no ordenamento jurídico brasileiro e também promover
o uso de fontes alternativas de abastecimento de água, como água de
chuva e água de reúso, igualmente relativizando a vedação hoje contida
no artigo 45 e seus parágrafos da Lei n.º 11.445/200733.

pline essa forma de abastecimento gera insegurança jurídica aos prestadores desse serviço,
aos consumidores e aos gestores públicos responsáveis, por sua regulação e fiscalização.
Ademais, cabe alertar que o uso do abastecimento de água por fontes alternativas, de
forma desordenada, pode trazer riscos à saúde pública. Essas limitações têm impedido a
implementação sistemática dessa prática sustentável. Portanto, para amparar e promover
o abastecimento de água por fontes alternativas, esse projeto não só autoriza o uso dessas
fontes, mas também cria normas para regular a matéria. Prevê a inclusão do abastecimento
de água por fontes alternativas com parte integrante do saneamento básico, podendo ser
prestado de forma particular – situação em que não constitui serviço público-, ou de forma
geral – em que se caracteriza como serviço público. Em ambos os casos haverá regulação e
fiscalização pela entidade reguladora. Finalmente, inova ao prever a inclusão do abasteci-
mento de água por fontes alternativas como elemento a ser estudado pelos planos direto-
res e de saneamento básico previstos, respectivamente, nas Leis n.º 10.257, de 10 de julho
de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana, e n.º 11.445, de 05 de janeiro
de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.”
33 Artigo 1.º O artigo 1.º da Lei n.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997, passa a vigorar
acrescido do seguinte inciso VII:
“Artigo 1.º nenhuma água de boa qualidade deverá ser utilizada em atividades que tole-
rem águas de qualidade inferior, salvo quando houver elevada disponibilidade hídrica.” (NR)
Artigo 2.º O artigo 7.º da Lei n.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997, passa a vigorar acres-
cido do seguinte parágrafo único:
“Artigo 7.º Parágrafo único. Nas metas previstas no inciso IV do caput devem constar
fontes alternativas de abastecimento de água, como água de reúso e água de chuva, a fim
de atender o disposto no artigo 1.º, inciso VII, desta Lei.” (NR)
Artigo 3.º O artigo 45 da Lei n.º 11.445, de 5 de janeiro de 2007, passa a vigorar com
a seguinte redação:
“Artigo 45
§ 2.º A instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água
não poderá ser também alimentada por outras fontes, exceto por:
a) aproveitamento de água de chuva;
b) abastecimento com água de reúso;
c) demais alternativas aprovadas pela entidade reguladora.
§ 3.º Nos casos previstos no § 2.º do caput, a água servida deverá ser tratada e atender
os parâmetros de qualidade para o uso pretendido.” (NR)
Artigo 4.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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897
Estudos de Direito do Saneamento

Esses dois últimos projetos de lei são indicativos de que, a nível fede-
ral, já se começa a tentar traçar as primeiras linhas de um arcabouço ou
marco legal essencial ao desenvolvimento das práticas de reúso de águas
no Brasil. No entanto, muito ainda há que ser feito para a conquista de
uma verdadeira política pública nesse sentido, uma vez que os projetos
de leis federais que vêm sendo apresentados e discutidos o estão sendo
de forma pouco sistematizada e articulada, quando deveriam, verdadei-
ramente, integrar e fortalecer o reúso através dos setores de gerencia-
mento de recursos hídricos, saneamento e saúde pública.

O planejamento de uma política nacional de reúso de águas deve


partir, portanto, da compreensão do caráter multidisciplinar e multiface-
tado do assunto para a definição da estratégia (planejamento de longo
prazo), tática (planejamento de médio prazo) e modo de operação (pla-
nejamento de curto prazo) a ser adotado34. A ciência do Direito e, con-
sequentemente, a definição do arcabouço legal e normativo adequado
se apresentam como o instrumental para a sua concretização de forma
eficiente, com definição de estratégias de tecnologia a serem utilizadas e
padrões de qualidade a serem admitidos para o reúso de águas no Brasil.

Levando em consideração aspectos socioambientais, econômicos e infra


estruturais próprios do país, deverá o Legislativo buscar atingir diretrizes e
critérios realistas e em harmonia com as políticas, leis, regulações e práticas
já existentes nos setores de saneamento, de recursos hídricos e de saúde pú-
blica, uma vez que, como dito, são profundamente interligados. Quanto mais
planejadas as melhorias no tratamento de efluentes sanitários no âmbito da

34 SILVA, Camila Gonçalves da; PERDIGÃO, Sérgio Foster. “Planejamento Público


e Saneamento Básico”. In: SADDY, André; CHAUVET, Rodrigo da Fonseca (Coordenadores).
Aspectos Jurídicos do Saneamento Básico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p.50.

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898
implementação da política de saneamento, por exemplo, mais acertada será
a escolha da tecnologia e melhor contabilizados serão os custos na análise
econômica para implementação da política nacional de reúso de águas.

O levantamento das potencialidades de reúso de águas no Brasil de-


manda, assim, a identificação das facilidades e também das dificuldades
de sua implementação. A prévia visualização dos impactos positivos e,
sobretudo, dos negativos, influenciará diretamente a discussão sobre os
aspectos legais que hão de balizar a política de implementação do reúso
de águas, recusando a opção por normas extremamente rigorosas ou
processos de tratamento caros e insustentáveis.

Evitar o rigor normativo desnecessário, no entanto, não significa ne-


gligenciar o estabelecimento de critérios, diretrizes e parâmetros claros
no tocante à definição de responsabilidades pela produção, distribuição,
utilização e fiscalização do reúso de águas, para adequada proteção da
saúde pública e do meio ambiente. A transparência e a clareza dessas
definições contribuirão, inclusive, para fomentar o investimento e a acei-
tação popular no tocante às modalidades, vantagens e segurança das
práticas de reúso de águas no país.

Estabelecer uma política pública e desenhar os seus limites legais é,


sobretudo, afirmar objetivos de Estado numa determinada área de inte-
resse da população. Para tanto, é fundamental considerar que o Brasil
é uma federação com dimensões continentais e variações em aspectos
relevantes à implementação de uma política eficiente de reúso de águas,
tais como, densidade demográfica, disponibilidade hídrica, nível de co-
leta e tratamento de esgoto, responsabilidade pelos serviços de sanea-
mento básico, renda per capita, etc.

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899
Estudos de Direito do Saneamento

A definição do marco legal sobre o reúso de águas no Brasil passa


pelo prévio reconhecimento de que a sua viabilidade variará significativa-
mente de acordo com a realidade de cada Estado da federação, de cada
bacia hidrográfica e, até mesmo, de cada Município, sendo indispensá-
vel a orientação da implementação dessa política também nos âmbitos
estadual e municipal, ainda mais considerando o disposto no artigo 23,
inciso IX, da Constituição Federal35, que reserva à competência comum a
promoção de programas de saneamento básico.

Atualmente, mesmo dentro do pequeno quadro definido pelas re-


soluções, portarias e as leis existentes, alguns Estados e Municípios tem
publicado leis que exigem ou incentivam o reúso de águas não potáveis.
Todavia, em boa parte dessas iniciativas, não foi estabelecido um quadro
regulamentador específico, tendo os projetos de reúso de águas sido li-
cenciados com avaliação caso a caso.

No Estado do Ceará, a Lei Estadual n.º 16.033/2016 estabeleceu cri-


térios para o reúso de água não potável naquele Estado, de forma muito
similar ao que já é disciplinado, a nível federal pela Resolução CNRH n.º
54/2005. Por meio da Resolução do Conselho Estadual de Meio Ambi-
ente do Ceará (COEMA) n.º 2, de 02/02/2017, houve a regulamentação
da Lei n.º 16.033/2016, com a definição de padrões de qualidade para a
água de reúso para uso não potável.

No Estado do Espírito Santo, a Lei Estadual n.º 10.487/2016 dispõe


sobre a prática do reúso de efluentes tratados para fins industriais e tam-
bém para os parques e praças de áreas públicas do Estado.

35 Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e


dos Municípios:
(...)
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habi-
tacionais e de saneamento básico;

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900
Em Goiás, a Lei Estadual n.º 17.582/2012 dispõe sobre a obrigatori-
edade de instalação de equipamento para tratamento e reutilização da
água utilizada na lavagem de veículos.

Desde 2015, a Lei Estadual n.º 15.630/2015 tornou obrigatória, no


Estado de Pernambuco, a instalação de sistema de captação de água de
chuva para tratamento e reutilização da água empregada na lavagem de
veículos pelos estabelecimentos comerciais que prestem este serviço e
dá outras providências. Além disso, a recentíssima Lei n.º 16.584, de 10
de junho de 2019, estabeleceu normas para o uso racional e reaprovei-
tamento de água derivada dos sistemas de climatização das edificações.

No Estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual n.º 6.034/2011 dispõe so-


bre a obrigatoriedade dos postos de combustíveis, lava-rápidos, transpor-
tadoras e empresas de ônibus urbanos intermunicipais e interestaduais,
localizados no Estado do Rio de Janeiro, instalarem equipamentos de tra-
tamento e reutilização da água usada na lavagem de veículos. Mais re-
centemente, a Lei Estadual n.º 7.424/2016 tornou obrigatória a utilização
de água de reuso por órgãos integrantes da Administração Pública Esta-
dual Direta e Indireta, muito embora não tenha apresentado nenhuma
orientação técnica para a sua real aplicação. Por fim, a Lei Estadual n.º
7.599/2017 dispõe sobre a obrigatoriedade de indústrias situadas naque-
le Estado instalarem equipamentos de tratamento e reutilização de água.

No Estado de São Paulo, desde 2001, o Decreto n.º 45.805 instituiu o


Programa Estadual de Uso Racional de água potável, seguido pelo Decreto
n.º 48.138 que, em 2003, estabeleceu medidas de redução de consumo e
racionalização do uso de água.

Através da Resolução conjunta Secretária Estadual de Saúde de São


Paulo (SES)/Secretária de Meio Ambiente (SMA)/Secretária de Sanea-
mento e Recursos Hídricos (SSRH) n.º 1/2017, foi disciplinado o reúso

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901
Estudos de Direito do Saneamento

direto não potável de água, para fins urbanos, proveniente de estações


de tratamento sanitárias no Estado de São Paulo. Adicionalmente, o Con-
selho Estadual de Recursos Hídricos de São Paulo (CRHSP), por meio da
Deliberação CRH n.º 204, de 25 de outubro de 2017, traçou diretrizes
para o reúso direto não potável de água provenientes de estações de
tratamento de sistemas públicos para fins urbanos (irrigação paisagís-
tica, combate a incêndios, lavagem de espaços públicos, privados e de
veículos, construção civil e desobstrução de galerias), estabelecendo um
quadro regulatório com atribuição de responsabilidades de regulação
aos órgãos estaduais como o Departamento de Águas e Energia Elétrica
(DAEE) e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).

No âmbito municipal, inúmeros são os diplomas legais que tratam sobre


o reúso de águas não potáveis, não sendo uma tarefa fácil estabelecer um rol
exaustivo. Em razão disso, serão apresentadas, exemplificativamente, apenas
algumas das leis existentes nos Municípios considerados capitais de Estado.

A Lei Municipal n.º 16.174/2015 estabeleceu, para o Município de São


Paulo, regramento e medidas para fomento ao reúso de água para aplica-
ções não potáveis, oriundas do polimento do efluente final do tratamento
de esgoto, de recuperação de água de chuva, da drenagem de recintos sub-
terrâneos e de rebaixamento de lençol freático. Por sua vez, a Lei Municipal
n.º 16.160/2015 determina que postos de serviços e lava-rápidos devem ins-
talar sistemas de captação, tratamento e armazenamento de água de reúso.

Em Manaus, capital do Estado do Amazonas, a Lei Municipal n.º


1.192/2007 criou o programa de tratamento e uso racional das águas
nas edificações (Pro-águas), dedicando uma sessão inteira ao reúso.

A Lei Municipal n.º 9.886/2016 criou o Programa Municipal de Cons-


cientização e Conservação para reuso da água proveniente de aparelhos
de refrigeração ou aquecimento, nas edificações públicas e privadas, no
âmbito do Município de Goiânia, capital do Estado de Goiás.

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902
Na capital do Estado da Paraíba, a Lei Municipal n.º 12.166/2011 cri-
ou o sistema de reúso de água de chuva para utilização não potável em
mercados municipais, subprefeituras, condomínios, clubes, entidades,
conjuntos habitacionais e demais imóveis residenciais, indústrias e co-
merciais situados dentro do Município de João Pessoa.

Em Curitiba, capital do Estado do Paraná, a Lei Municipal n.º


10.785/2003 instituiu o Programa de Conservação e Uso Racional da
Água (PURAE) nas Edificações. O programa prevê a adoção de medidas
que visam induzir a conservação da água através do uso racional, e de
fontes alternativas de abastecimento de água nas novas edificações

A Lei Municipal n.º 10.506/2008 instituiu o Programa de Conserva-


ção, Uso Racional e Reaproveitamento das Águas no Município de Porto
Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul.

No Município de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, a


Lei Municipal n.º 8.080/2009 instituiu o Programa Municipal de Conser-
vação, Uso Racional e Reúso da Água em edificações.

Por fim, no município de Aracaju, capital do Estado de Sergipe, a Lei


Municipal n.º 3.739/2010 instituiu o programa municipal de reaproveita-
mento dos subprodutos do tratamento de esgoto e reúso de água.

Muito embora caiba a cada um dos entes federativos, no espectro de


suas respectivas competências, estabelecer os critérios para implementa-
ção da política de reúso de águas com base nas orientações gerais fixadas
em âmbito federal, verifica-se, nas iniciativas acima citadas, a ausência de
definição prazos e responsabilidades dos órgãos aos quais caberá o dever
de regular a atividade. Os diplomas legais acima citados, em boa parte, não
apresentam orientações técnicas suficientes para garantir a sua efetiva apli-
cação, tampouco um quadro regulatório associado a essa prática. Há, por-

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903
Estudos de Direito do Saneamento

tanto, muitas limitações à implementação de uma política eficiente e espe-


cífica sobre o reúso de águas também em âmbito estadual e local, sendo os
licenciamentos de projetos analisados, nesse âmbito, de forma casuística.

No Brasil, não existe, até o momento, um inventário completo de to-


dos os projetos de reúso de água já licenciados ou em operação. Alguns,
no entanto, em razão de maior porte, já são bem conhecidos, como é o
caso do projeto Aquapolo, situado no Estado de São Paulo, que permane-
ce como o único projeto de reúso de efluente sanitário de grande porte
no Brasil e já se encontra implementado e operando desde 2012, sendo
considerado o maior projeto de reúso industrial da América Latina36.

Na Região Metropolitana do Recife, a Companhia Pernambucana de


Saneamento (COMPESA) já está utilizando o esgoto tratado em algumas
de suas estações para manutenção, desobstrução e limpeza de tubula-
ções das redes do sistema de esgotamento sanitário, tornando-o seguro
e gerando uma economia de quase 100.000 litros de água potável por
dia, o que equivale ao consumo diário de cerca de 700 pessoas37.

De fato, a quantidade de projetos de reúso de médio e de grande por-


te é ainda muito limitada no Brasil. A ausência de regulamentação especí-
fica e de uma política pública própria, com objetivos a serem alcançados
a curto, médio e longo prazo, contribui para isso. Essa lacuna legislativa
pode apresentar riscos aos usuários do serviço público e, certamente, to-
lhe novas iniciativas para investimento e desenvolvimento de novos proje-
tos, uma vez que prejudica a análise da viabilidade econômico-financeira
do reúso em comparação a outras alternativas no contexto brasileiro.

36 AQUAPOLO. Página institucional. Disponível em https://www.aquapolo.com.br/


agua-de-reuso/o-que-e/ (acedido em 26 de setembro de 2019)
37 COMPESA. Página institucional. Disponível em https://servicos.compesa.com.
br/cidade-saneada-adota-pratica-que-economiza-quase-100-mil-litros-de-agua-por-dia/
(acedido em 26 de setembro de 2019).

Voltar ao índice
904
Também em razão dessa carência de um marco legal para o reúso de
águas no Brasil, é praticamente inexistente um programa financeiro, por
parte do governo federal ou dos entes federativos, que incentive (direta-
mente ou indiretamente) a implantação de projetos de reúso em grande
escala. Não custa repetir que o Projeto de Lei do Senado n.º 1.155/2011,
que autorizava o Poder Executivo a criar o Fundo Nacional de Reutiliza-
ção de Água (FUNREÁGUA), com o objetivo apoiar financeiramente pro-
jetos de reutilização de água, no âmbito de ações de desenvolvimento de
sistemas voltados para o reaproveitamento de água; de aquisição, insta-
lação, conservação, ampliação e recuperação de sistemas de reutilização
de água em edificações residenciais, comerciais, industriais e de serviços
públicos e privados; e de produção e instalação de equipamentos comu-
nitários, urbanos e rurais, destinados à reutilização de água, foi arquiva-
do em janeiro do corrente ano.

É fundamental, portanto, que o reúso de águas se torne um conceito cada


vez mais divulgado e discutido, tanto nos meios acadêmicos, quanto pela pró-
pria população, para que sejam reduzidos os riscos de problemas de aceitação
social dos projetos e seja gerada a pressão necessária nos agentes públicos
para instituição de uma política pública específica sobre o assunto no Brasil.

4. A MISSÃO INSTITUCIONAL DA FUNASA E AS POSSIBILIDADES DE


SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL
DE REÚSO DE ÁGUAS

O estabelecimento de uma política pública específica sobre o reúso de


águas no Brasil demandará o envolvimento de várias áreas de atuação go-
vernamental, como se pode imaginar. Sendo assim, numa rápida avaliação,
chega-se à constatação de que, em nível federal, a regulamentação de uma

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905
Estudos de Direito do Saneamento

política pública específica sobre o reúso de águas deverá traçar as diretri-


zes para uma atuação integrada e coordenada por parte de vários Minis-
térios (a exemplo de Saúde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional),
Agências (a exemplo da Agência Nacional da Águas), Conselhos (a exemplo
do Conselho Nacional de Recursos Hídricos), Universidades (e demais ins-
tituições de ensino ligadas à formação acadêmica e à pesquisa), etc. Nesse
contexto, a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), vinculada que é ao
Ministério da Saúde, também poderá oferecer valiosa contribuição.

De acordo com o Decreto n.º 8.867, de 03 de outubro de 2016, a


Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, instituída com base no disposto
no artigo 14 da Lei n.º 8.029, de 12 de abril de 1990, tem por missão
institucional a promoção e a proteção à saúde, por meio de ações de fo-
mento a soluções de saneamento para prevenção e controle de doenças,
e também a formulação e implementação de ações de promoção e pro-
teção à saúde relacionadas com as ações estabelecidas pelo Subsistema
Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental.

Nos dias de hoje, a FUNASA concentra sua atuação junto à faixa de


Municípios com população de até 50.000 habitantes, os quais, via de re-
gra, são os mais carentes em renda e infraestrutura. Nesses Municípios, a
FUNASA, por meio de repasse de recursos públicos federais e supervisão
técnica adequada, tem atuação de destaque na viabilização da constru-
ção de sistemas de esgotamento sanitário e de sistemas de abastecimento
de água, além de melhorias sanitárias domiciliares, sempre objetivando a
efetivação da saúde preventiva e a universalização do acesso aos serviços
de saneamento básico, inclusive com o atendimento às populações rema-
nescentes de quilombos, assentamentos rurais e populações ribeirinhas,
conforme definido pelo Plano Nacional de Saneamento Básico38.

38 FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Página institucional. Disponível em


http://www.funasa.gov.br (acedido em 25 de setembro de 2019)

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906
No tocante aos sistemas de esgotamento sanitário, a FUNASA fomen-
ta a implantação de sistemas de coleta, tratamento e destino final de es-
gotos sanitários visando o controle de doenças e outros agravos. Quanto
aos sistemas de abastecimento de água, são financiadas pela FUNASA
ações de captação de água bruta em mananciais superficiais, captação
subterrânea, adutora, estação elevatória de água, estação de tratamen-
to de água, reservatórios, rede de distribuição, ligações domiciliares etc.
Melhorias Sanitárias Domiciliares, por sua vez, são intervenções promo-
vidas nos domicílios, com o objetivo de atender às necessidades básicas
de saneamento das famílias, por meio de instalações hidrossanitárias mínimas, relaci-
onadas ao uso da água, à higiene e ao destino adequado dos esgotos domiciliares39.

A FUNASA, portanto, tanto desenvolve ações estrategicamente preventi-


vas na área de saúde ambiental, quanto atua na redução dos riscos à saúde
humana. Soma-se a isso a atribuição de implementar ações relativas a estu-
dos e pesquisas na área de saneamento e de saúde ambiental, fomentando
e apoiando tecnicamente os Estados e Municípios no desenvolvimento de
ações, planos e políticas para controle da qualidade da água para consumo.

Por fim, cabe citar que a FUNASA ainda desenvolve ações na área de
educação em saúde ambiental. Com essas iniciativas, objetiva-se a forma-
ção de uma consciência crítica do cidadão, estimulando a sua participação, o
controle, a mobilização e a inclusão social na comunidade beneficiada com
as ações da instituição. Essas iniciativas são, muitas vezes, complementares
às demais iniciativas da FUNASA, garantindo a conscientização dos usuários
para a importância das ações implementadas e os impactos positivos dessas
ações na vida de cada um e na preservação do meio ambiente.

39 FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Página institucional. Disponível em


http://www.funasa.gov.br (acedido em 25 de setembro de 2019)

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907
Estudos de Direito do Saneamento

Portanto, pela natureza da missão institucional da FUNASA, suas


atribuições e expertises podem ser potencializadas (e até ampliadas)
quando do estabelecimento de uma política específica para a efetiva im-
plantação do reúso de águas no Brasil. Seja de forma complementar ao
projeto de sistema de esgotamento sanitário, seja por meio de uma nova
técnica para o reaproveitamento hídrico e sua utilização em instalações
de melhorias sanitárias domiciliares, seja por meio do controle da quali-
dade da água, seja na supervisão da implantação dos Planos Municipais
de Saneamento Básico, seja através de ações de capacitação e consci-
entização da população sobre o reúso de águas em ações de educação
em saúde, a FUNASA se apresenta como um dos agentes que podem ter
atuação extremamente relevante nessa política, o que deve ser levado
em consideração no momento de sua regulamentação específica.

A FUNASA pode e deve, assim, ser um dos agentes transformadores


da realidade atual, auxiliando na implementação e no sucesso de uma
política específica sobre o reúso de águas no Brasil, ainda mais conside-
rando a capilaridade e a proximidade de sua atuação junto aos Municípi-
os mais pobres e o acesso direto que possui à população e às comunida-
des beneficiadas com as melhorias sanitárias viabilizadas pela instituição.

5. CONCLUSÕES

Por todo o exposto, conclui-se que uma grave crise hídrica existe não
apenas no Brasil, mas a nível mundial, vitimando, neste exato momento,
milhares de seres humanos aos quais é negado o mínimo essencial para
sobrevivência com dignidade, ou seja, o acesso à água de qualidade e ao

Voltar ao índice
908
saneamento básico, o que, para a Organização das Nações Unidas repre-
senta a violação de direito humano essencial, fundamental e universal40.

A falta de vontade política e de continuidade das políticas, tornam


a má distribuição de recursos hídricos e a ausência/insuficiência de sa-
neamento básico um problema agravado pelas deficiências de gestão
governamental. Não à toa, vários países vem traçando estratégias para
minimizar os efeitos negativos dessa crise por meio de políticas de reúso
de águas, com o objetivo de contribuir para o aumento de oferta de água
em regiões com escassez hídrica, assim como melhorar a qualidade dos
corpos hídricos, reduzindo, na medida do possível, o lançamento direto
de esgoto nos rios e no mar. Sanear bem e reutilizar águas é também
fazer reserva hídrica de qualidade para o consumo de quem precisa.

No Brasil, ainda não há regulamentação legal específica e consolidada


sobre o reúso de águas. Estabelecer um marco legal, com a definição de
competências de cada um dos entes da federação, é providência urgen-
te para minimizar as lacunas e permitir/incentivar a implementação de
novos (e a ampliação dos já existentes) projetos sustentáveis de reúso
de águas no Brasil. Referido objetivo somente será alcançado a partir da
integração de políticas, leis, regulamentos e programas, sobretudo nas
áreas de gestão recursos hídricos, de saúde e de saneamento.

A edição de novas leis e a revisão das já existentes, além de útil para


remoção de barreiras não justificáveis, particularmente na Lei das Águas
(Lei n.º 9.433/97) e na Lei de Saneamento (Lei n.º 11.445/2007), será es-

40 O acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essen-


cial, fundamental e universal, indispensável à vida com dignidade e reconhecido pela ONU
como “condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos” (Resolução
64/A/RES/64/292, de 28.07.2010)

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909
Estudos de Direito do Saneamento

sencial para fornecer diretrizes e orientações a serem seguidas por Esta-


dos e Municípios de forma coordenada, uma vez que a esses cabe parte
da competência para implantação da política de reúso de águas no país.

O estabelecimento de uma política e regulamentação específica so-


bre o reúso de águas no Brasil não pode, ainda, desconsiderar o fomen-
to às pesquisas para desenvolvimento de inovações tecnológicas, assim
como estabelecer um modelo de financiamento adequado que fomente
iniciativas sustentáveis, para que sua implementação se realize conforme
recomendado pelas boas práticas ambientais e de saúde pública.

Em nível federal, portanto, a regulamentação legal específica de uma


política eficiente de reúso de águas deve considerar a necessidade de
envolvimento de várias áreas de atuação governamental, como Minis-
térios, Agências, Conselhos, Universidades, etc. Nesse contexto, poderá
também a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) oferecer valiosa con-
tribuição, considerando a sua expertise e missão institucional de promo-
ção e a proteção à saúde, por meio de ações de fomento a soluções de
saneamento para prevenção e controle de doenças.

Conclui-se, então, que é cada vez maior a necessidade de informar,


sensibilizar e conscientizar gestores e também a população sobre os be-
nefícios do reúso da água, estimulando o desejo de sua efetiva implanta-
ção, para conservação da água tratada e salvaguarda ambiental.

A partir do conhecimento e da aceitação social da necessidade da adoção


dessas práticas, será gerada a pressão necessária sobre os agentes púbicos
para o surgimento de uma regulamentação legal específica e consolidada que
garanta a implantação de uma política eficiente sobre reúso de águas no país.

Como reflexão final, seguem as palavras de Carlos Sanseverino, com trecho


intencionalmente destacado:

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910
Para que o acesso à água potável e ao saneamento básico se torne
uma realidade para todos os brasileiros, repercutindo positivamente
em um ecossistema preservado e, consequentemente, na saúde e
na qualidade de vida da população, é necessário avançar nos pro-
cessos de conscientização e educação ambiental, ampliar os inves-
timentos em infraestrutura, ir além da ineficiência dos serviços de
água e esgoto e aprimorar a legislação, no sentido de melhorar o
uso racional da água, garantindo o esgotamento sanitário de forma
ambientalmente sustentável, afinal, a poluição mata mais que as
guerras, com o agravante de que somente faz vítimas inocentes.41

41 SANSEVERINO, Carlos; “Água, Saneamento e Sustentabilidade: um debate a ser


enfrentado”. In: DAL POZZO, Augusto Neves; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; BERTOCCEL-
LI, Rodrigo de Pinho (Coordenadores). Tratado sobre o Marco Regulatório do Saneamento
Básico no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Contracorrente, 2017, p.97.

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911
Estudos de Direito do Saneamento

Saneamento no Brasil:
Cooperar para universalizar
TÉRCIO ARAGÃO BRILHANTE1

.1

Resumo

Este texto busca apresentar a questão do saneamento no Brasil, suas ca-


racterísticas e dificuldades de implantação plena, propondo pactuação e ação
harmônica entre todos os agentes envolvidos. Feita narrativa histórica e con-
textualização da situação presente, aponta-se o acirrado e inconcluso debate
sobre a repartição federal de competências e a titularidade do serviço como
obstáculo para a universalização, meta que só será alcançada a partir de rela-
ções interfederativas adequadas regidas pelo federalismo cooperativo.

Palavras-chave: Saneamento. Brasil. Titularidade do serviço. Federalismo


Cooperativo. Universalização

1 Procurador Federal desde Agosto de 2002. Iniciou sua atuação na advocacia


publica federal no contencioso, acompanhando processos judiciais no STF, STJ e TST.
Atuação em consultoria e assessoramento jurídicos na Procuradoria Federal Especializada/
FUNASA de final de 2003 a 2006 e de 2007 até o presente, com intervalo de 1 ano e 3
meses (circa) em que foi cedido para a Presidência da República a fim de ocupar cargo
de Corregedor Setorial do Ministério da Justiça, da Controladoria-Geral da União. É o
Responsável pela Unidade da PFE/FUNASA no Ceará desde 2008. Coordenador, substituto,
do Colégio de Consultoria das procuradorias federais junto às autarquias e fundações
públicas federais no Ceará, escolhido pelos pares (biênio 2019/2021). Editor-associado da
Revista Opinião Jurídica. Graduado em Direito (2001) e Mestre em Direito Constitucional
(2011) pela Universidade de Fortaleza/Unifor. Contato: tercioaragao@hotmail.com

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912
Abstract

This text presents the issue of sanitation in Brazil, its characteristics


and difficulties of full implementation, proposing agreement and har-
monic action among all federal political units. Historical narrative and
contextualization of the present situation are presented and it is stressed
the fierce and inconclusive debate on the federal division of competences
and the responsability to provide the service as an obstacle to universal-
ization, a goal that will only be achieved by well suited intergovernmental
relations under cooperative federalism.

Key-words: Sanitation. Brazil. Responsability to provide the service.


Cooperative federalism. Universalization

Sumário
1. Introdução breve; 2. Desafio enfrentado; 2.1. O passado que nos
fez; 2.2. O presente que sofremos; 2.3. O futuro que esperançamos;
3. A quem compete sanear? 3.1 A federação e os textos constitucio-
nais brasileiros; 3.1.1. O Império; 3.1.2. A República; 4. Município,
saneamento e federalismo cooperativo; 5. A questão ambiental: a
inafastabilidade do todo e a dignidade da parte; 6. Ação Direta de
inconstitucionalidade nº. 1842/RJ: descrição da demanda e sua con-
textualização; 6.1. Voto do Ministro-Relator; 6.2 - Voto do Ministro
Joaquim Barbosa: abertura da divergência e conclusão do julgamen-
to pela Corte;7. Considerações finais.

1. INTRODUÇÃO BREVE

Este artigo é apresentado como condição de aprovação no Curso


de extensão em Direito do Saneamento promovido pelo Instituto de
Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Lisboa cujo públi-

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913
Estudos de Direito do Saneamento

co era composto por procuradores federais e servidoras em exercício


na Procuradoria Federal Especializada junto à Fundação Nacional de
Saúde, órgão da Procuradoria-Geral Federal/AGU.

O trabalho será estruturado da seguinte forma: delineamento do de-


safio a ser enfrentado, que é o da prestação universal do serviço de sa-
neamento para a população brasileira. Serão destacados passado e pre-
sente do saneamento no Brasil, com adensamento, por ilustração com
dados e índices, do tamanho do problema a ser superado.

Em seguida, será mostrado o ferramental constitucional-normativo


que estabeleceu, desde o Império, a organização do Estado brasileiro.
Isso porque o federalismo adotado desde a República e em especial o
“Federalismo municipalista” da Constituição da República Federativa de
1988 é fator crucial para entendermos a problemática do saneamento.

Apresentada, então, será a ideia de Federalismo cooperativo e de


governança interfederativa dos serviços de saneamento, propugnando-
se uma visão sistêmica, tanto normativa, quanto fática, quanto técnica
da questão, que culminará na opinião pessoal de ser o saneamento, ne-
cessariamente, saneamento ambiental e necessariamente serviço a ser
prestado em adequadas relações entre os entes federais. Apresentadas
serão visões divergentes.

Antes das considerações finais, apesentaremos e faremos o repasse


crítico da ADI 1842 – RJ, caso líder da matéria titularidade do serviço de
saneamento em regiões metropolitanas.

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914
2. DESAFIO ENFRENTADO

2.1. O passado que nos fez2.

“As cloacas despejam-se nas praias e nas praças públicas...”3 escreveu


C. Schlichthorst, um dos viajantes estrangeiros responsáveis por crônicas
sobre a vida no Império, em livro sobre seus anos de passagem pelo Brasil,
especialmente pela cidade do Rio de Janeiro, em meados dos anos de 1820.

A rede de esgotamento para a Capital do Império teria seu início décadas


depois dessa observação. Antes dela e mesmo após o início de sua implanta-
ção, os dejetos eram jogados por janelas, através de portas ou, quando muito,
conduzidos para locais mais reservados ou praias e outras águas.

Apesar das características próprias do Brasil, a situação de despojar


água suja de dejetos não era exclusividade nossa: “... em diversas cidades
européias, de Edimburgo a Faenza, os moradores tinham permissão para
esvaziar baldes de água suja na rua, desde que antes gritasse pela janela
para dar aos passantes uma oportunidade de se abrigar”4.

A escravidão e a proliferação como fator econômico marcante dos


escravos de ganho participaram ativamente dessa fase do “saneamento”
nacional, por meio dos então notórios escravos tigres ou tigreiros, que,
recipiente posto sobre a cabeça, recolhiam e despejavam os excrementos5:

2 Sobre a importância do exame histórico do saneamento no Brasil: D.A. Musetti


grotti, “Evolução jurídica do serviço público de saneamento básico” in A.N. Dal Pozzo, J.R.
Pimenta Oliveira e R. de Pinho Bertoccelli (Coord.), Tratado sobre o marco regulatório do
saneamento básico no Direito Brasileiro, São Paulo, Contracorrente, 2017, p. 13.7
3 C. Schlichthorst, O Rio de Janeiro como é – uma vez e nunca mais, Brasília:
Senado Federal, 2010, p. 28.
4 P. Burke, “Uma história social do lixo”, in Folha de São Paulo, São Paulo, 09 de De-
zembro de 2001. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0912200109.
htm (acedido em 28 de Setembro de 2019).
5 L. F. Alencastro, “Vida privada e ordem privada no Império”, in L. F. Alencastro
(Org) História da vida privada no Brasil, vol.2, São Paulo, Companhia de bolso, 2019, pp. 52-53.

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915
Estudos de Direito do Saneamento

Com o verão, tudo piorava, na ausência de uma rede de esgotos que


só começa a ser construída em meados dos anos 1860. Até essa data,
e mesmo depois dela, os escravos encarregados de levar os dejetos do-
mésticos até as praias, e por isso chamados “tigres” (muito provavel-
mente por causa da cor tigrada com que a matéria fecal sujava o seu
corpo), continuaram ativos na cidade. No Recife os “tigres” só desapare-
ceram em 1882. Gilberto Freyre acreditava que a facilidade de dispor de
“tigres” retardou a instalação da rede e esgotos nas cidades do Império

A proliferação de epidemias, com destaque para o cólera e a febre amare-


la, alcançaram índices cuja resolução se mostrou inescapável. O cólera grassou
especialmente nos anos de 1855 e 18566 e trouxe o paradoxo sanitarista para
a sociedade escravocrata: a medida sanitária recomendada era o uso de sapa-
tos, uso esse defeso aos escravos7. Vale anotar que em razão das epidemias
a medida profilática tomada pela Corte, cortesãos, e integrantes da elite em
geral era sair da cidade em busca de ares mais frescos e saudáveis8.

Outro aspecto da ausência de saneamento era ser ela questão definido-


ra dos problemas, inclusive de ordem de desenvolvimento econômico do

6 Sobre o auge do cólera e seu caráter devastador: S. Chalhoub, Cidade febril.


Cortiços e epidemias na corte imperial, 2ª ed., São Paulo, Companhia das Letras, 2017, p. 71.
7 L. F. Alencastro, História da vida privada no Brasil, vol.2, p. 61. “Uma das
astúcias dos escravos fugidos no Rio consistia em arranjar sapatos, calçá-los e misturar-se
aos negros e mulatos livres e libertos que circulavam pela cidade”. Idem, p. 62.
8 “O ambiente epidemiológico da corte levou a família imperial a tornar regulares, a
partir de 1847, os veraneios em Petrópolis, vila promovida a cidade dez anos mais tarde em meio
a uma febre de construções. A morte na tenra idade dos dois herdeiros do imperador, Afonso
(1845-7) e Pedro (1848-50), dava novos foros de notoriedade ao ambiente pestilencial do Rio de
Janeiro, nesse contexto, Petrópolis surgia como uma solução de sanitarismo urbanístico, como
uma medida profilática da família real e da elite da corte: dado que era impossível sanear o Rio no
verão, tempo de todos os perigos, o imperador e seus próximos batiam em retirada, mudavam-
se para a montanha”. L. F. Alencastro, História da vida privada no Brasil, vol.2, p. 54. No mesmo
sentido, destacando a fuga “serra acima”, S. Chalhoub, Cidade febril. Cortiços e epidemias na
corte imperial, 2ª ed., São Paulo Companhia das Letras, 2017, p. 71. Curiosamente, a empresa
que presta os serviços de saneamento para a cidade de Petrópolis, em regime de concessão,
desde 1º de janeiro de 1998, se chama Águas do Imperador. Petrópolis foi a primeira cidade
fluminense a promover a concessão dos serviços de água e esgoto à iniciativa privada. Águas
do Imperador- grupo Águas do brasil, disponível em https://www.grupoaguasdobrasil.com.br/
aguas-imperador/a-concessionaria/quem-somos/ (acedido em 28 de Setembro de 2019).

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916
Império em geral e da cidade do Rio de Janeiro. As consequências graves da
epidemia de febre amarela foram assim apresentadas por Sidney Chalhoub9:

(...) a febre amarela causou embaraços constantes às atividades


comerciais do país e, mais tarde, às propostas de implementa-
ção de políticas imigrantistas. Políticos e autoridades públicas
brasileiras tiveram então de lidar com os problemas criados pela
doença, especialmente na capital; neste processo, precisaram
enfrentar temas políticos e ideológicos decisivos que se tornaram
inextricavelmente ligados ao desafio da febre amarela.

A partir de então, nas últimas três décadas dos 1800, o Brasil urbano e
especialmente o Rio de Janeiro adotaram um posicionamento reformador de
cunho higienista, com alterações agudas das construções e ocupações urba-
nas, além de medidas médico-sanitárias de caráter obrigatório, chegando em
seu auge com a Revolta da Vacina de 1904. Foi o processo de Regeneração: “...
metamorfose urbana da capital federal, acompanhada de medidas de sanea-
mento e da redistribuição espacial dos vários grupos sociais”10.

Permita-nos um longo corte na narrativa, não sem pontuar que em


1942 foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública, posteriormente alça-
do à natureza jurídica de fundação, a Fundação Serviço Especial de Saúde
Pública (Fsesp) em 1960. Essa entidade, caracterizada pelo trabalho de
promoção da saúde pública por obras de saneamento em parceria com
municípios de menor porte, é o germe da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa), instituída em 1991, pela junção, especialmente, da Fsesp e da

9 S. Chalhoub, Cidade febril. Cortiços e epidemias na corte imperial, p. 71.


10 N. Sevcenko, A Revolta da Vacina, São Paulo, Editora Unesp, 2018, p. 114.

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917
Estudos de Direito do Saneamento

Sucam, que atuava no combate a endemias e tem por órgão seminal o


Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), criado em 195611.

No final dos 1960 e início dos 1970, a questão do saneamento, com


destaque para o fornecimento de água e esgoto, especialmente para o
fornecimento de água em áreas urbanas, recebeu novo alento com o
PLANASA12, a criação ou reforma de companhias estaduais de água e
esgoto13 e o estabelecimento de Regiões Metropolitanas14. Dessa fase,

11 In 100 anos de Saúde Pública: a visão da Funasa. Brasília, Fundação Nacional de


Saúde-Ministério da Saúde, 2004, et passim. Para breves notas sobre a atuação da FSesp:
S.S. da Costa de e W. A. Ribeiro, “Dos Porões à luz do dia – Um itinerário dos aspectos
jurídicos-institucionais do saneamento básico no Brasil”, in L. Heller et all (Org,), Política
pública e gestão de serviços de saneamento, p. 468; e L. Heller, Política pública e gestão de
serviços de saneamento, Belo Horizonte/Rio de Janeiro, UFMG/FIOCRUZ, p. 486.
12 O interessante e rico tema do PLANASA e a conjuntura jurídico-política-
social em que se deu sua implantação, bem como sua influência na conjuntura atual
são merecedores de artigo próprio. Para um profundo estudo do PLANASA, produzido
contemporaneamente ao plano e focado no que ocorrera no período de 1971 e 1975:
W. J. Manso de almeida, Abastecimento de água à população urbana: uma avaliação do
PLANASA, Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1977. O autor explicita que o plano tinha por área
objeto o quadro-urbano, apresenta dados positivos de incremento do serviço nessas
áreas e chega a fazer a apresentar dados de correlação entre a instrução dos moradores
e a melhoria de condições sanitárias em domicílios que receberam filtros para purificação
de água (p. 71), reforçando a ainda hoje necessária educação em saúde da população,
como fator para fruição plena dos benefícios do saneamento. Reconhecendo avanços
decorrentes do PLANASA e apontado suas insuficiências: S.S. da Costa de e W. A. Ribeiro,
Política pública e gestão de serviços de saneamento, Belo Horizonte/Rio de Janeiro, UFMG/
FIOCRUZ, 2013, pp. 473/475; e L. Heller et alli, A experiência brasileira na organização dos
serviços de saneamento básico in L. Heller et all (Org.), Política pública e gestão de serviços
de saneamento, Belo Horizonte/Rio de Janeiro, UFMG/FIOCRUZ, 2013, p. 486/487.
13 A Companhia de Água e Esgoto do Ceará, a Cagece, é desse período, tendo
sido fundada em 1971. A Cagece é uma empresa de economia mista, in https://www.cage-
ce.com.br/quem-somos/historia/ (acedido em 20 de Setembro de 2019). No mesmo ano
de 1971, sob os mesmos influxos e com mesma natureza, foram fundadas a Companhia
Pernambucana de Saneamento – Compesa (in https://servicos.compesa.com.br/histo-
ria-e-perfil/); e a Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. – Embasa (in http://www.
embasa.ba.gov.br/index.php/institucional/a-embasa/historia).
14 As primeiras Regiões Metropolitanas foram as de Belém, Belo Horizonte, Curitiba,
Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador (Leis Complementares
n.º14/1973 e n.º 20/1974).

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918
herdamos parte significativa do quadro atual de prestação de serviço:
companhias estaduais contratadas por municípios15.

Nova fase seria iniciada nos anos de 1990, com a autonomia munici-
pal na extensão da nova condição de entidade federativa constitucional
do município e em razão da Reforma do Aparelho do Estado. Finalmente,
algum ar novo foi dado ao percurso histórico da matéria com a implanta-
ção do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC16.

2.2. O presente que sofremos.

Entre os anos de 2014 e 2016, fui praticante quase diário de natação


em águas abertas. Fortaleza, capital do Estado brasileiro do Ceará, era a
porção de terra banhada pelo Atlântico que me dava acesso ao Oceano
corriqueiramente. Manhã cedo, muitas vezes acompanhando o raiar do
Sol, lá estava eu acarinhado pelo Atlântico, por vezes a 1 quilômetro da
costa, acompanhado de botos-cinza e peixes. A idílica e renovadora ex-
periência trazia em si o sinal dos tempos e do local. O paraíso não era
perdido, mas tisnado. Na faixa de areia, que caminhava até a água, era
comum encontrar fezes, muitas vezes humanas, ali despojadas pela gen-
te em situação de rua. Vez por outra, alguma galeria pluvial, devido a li-
gações clandestinas à rede de esgotamento ou a galerias pluviais, expelia

15 Reconhecendo a existência do que chama o legado do PLANASA: S.S. da Costa


de e W. A. Ribeiro, Política pública e gestão de serviços de saneamento, p. 475
16 Para ilustrada narrativa histórica da saúde pública no Brasil publicada por entidade
oficial: 100 anos de Saúde Pública: a visão da Funasa. Brasília, Fundação Nacional de Saúde-Mi-
nistério da Saúde, 2004. Para narrativa oficial, mais sintética e atualizada até 2017, focada em
apresentação cronológica: Cronologia histórica da saúde pública, disponível em: http://www.
funasa.gov.br/cronologia-historica-da-saude-publica (acedido em 7 de Setembro de 2019). Para
narrativa histórica do saneamento sob ótica jurídico-acadêmica: D.A. Musetti grotti, “Evolução
jurídica do serviço público de saneamento básico” in A.N. Dal Pozzo, J.R. Pimenta Oliveira e
R. de Pinho Bertoccelli (Coord.), Tratado sobre o marco regulatório do saneamento básico no
Direito Brasileiro, São Paulo, Contracorrente, 2017, pp. 101-123. Sob mesma ótica, focando o
começo da segunda metade do Século XX até o PAC: R.A. Lazzari Lahoz Chalhoub, Serviços
públicos de saneamento básico e saúde pública no Brasil, São Paulo, Almedina, 2016, pp. 69-88.

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919
Estudos de Direito do Saneamento

líquido escuro e fétido, me fazendo transferir o local de entrada no mar


por impropriedade da qualidade da água para o banho17.

A conferência do boletim semanal de balneabilidade publicado pela Secre-


taria de Meio Ambiente do Ceará18 era uma de minhas leituras obrigatórias.
Por vezes, em razão dos índices, nadar por aqui ou ali era indevido.

O Ceará é um Estado que tem no turismo um fator importante para sua


economia, sendo Fortaleza a cidade cearense que mais recebe turistas, além
de ser a porta de entrada para a gente que busca destinos outros no estado19.
A praia que costumava nadar se localiza em área nobre, talvez o metro qua-
drado mais caro da cidade, com bela avenida à beira-mar, apinhada de hotéis.

Essa digressão de experiência pessoal mostra a complexidade dos


desafios enfrentados para quem busca compreender e vencer os proble-
mas do saneamento ambiental no Brasil.

17 Exemplificativamente, eis matéria jornalística contemporânea aos meus tem-


pos de natação em águas abertas. “Esgoto clandestino é lançado no mar da Praia de
Iracema”, in O Povo. Disponível em : https://www20.opovo.com.br/app/opovo/cotidia-
no/2014/08/21/noticiasjornalcotidiano,3301582/esgoto-clandestino-e-lancado-no-mar-
da-praia-de-iracema.shtml (eu lembro desse fato e o presenciei) (acedido em 27 de Se-
tembro de 2019). Para trazer exemplo mais próximo, com reportagem de 2018, “Ligações
clandestinas de esgoto jogam poluição na Beira Mar, em Fortaleza”, in Portal G1 do Sítio
Globo. Disponível em: http://g1.globo.com/ceara/cetv-1dicao/videos/v/ligacoes-clan-
destinas-de-esgoto-jogam-poluicao-na-beira-mar-em-fortaleza/6425568/ (acedido em
27 de Setembro de 2019).
18 Para a conferência sobre o Programa de monitoramento e dos boletins Se-
manais de balneabilidade visitar o sítio da SEMACE-Superintendência Estadual do Meio
Ambiente, disponível em: https://www.semace.ce.gov.br/monitoramento/balneabilidade-
das-praias/ (acedido em 28 de Setembro de 2019).
19 Ilustrativamente, a Secretaria de Turismo do Estado do Ceará estipulou em mais
de 1 milhão de pessoas como os visitantes do Ceará no período de alta estação de final/
começo do ano para a temporada 2018/2019, disponível em: https://www.setur.ce.gov.
br/2019/03/12/ceara-deve-receber-mais-de-11-milhao-de-turistas-na-alta-estacao/ (ace-
dido em 28 de Setembro de 2019).

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920
A falta de acesso à água, ao esgotamento, à limpeza urbana, a falta de com-
bate a endemias afligem a população brasileira como um todo. Essa aflição,
decerto, se agudiza, em número de atingidos e na gravidade das consequên-
cias, na população mais pobre e em regiões de menor desenvolvimento. Uma
das formas de combater a pobreza e inserir a população carente é a busca pela
universalização do saneamento. Esse é o foco principal.

Todavia, a ideia de que a falta ou deficiência de saneamento se circunscre-


ve exclusivamente a áreas distantes dos grandes centros ou com população
exclusiva de baixa renda, apesar de gozar de lógica e encontrar base fática, não
encerra em si a inteireza de uma realidade múltipla como é a brasileira.

Mesmo as disparidades regionais, chagas tradicionais que nosso federa-


lismo ainda não cuidou de sarar, não são suficientes como linha de raciocínio
única e explicativa dos déficits de saneamento. As notas causadas pelas de-
sigualdades sociais e regionais são preponderantes, mas há particularidades.

Conforme o Ranking do Saneamento publicado em 2019 pelo Instituto Tra-


ta Brasil20, utilizando os dados consolidados mais recentes do Sistema Nacional
de Índices de Saneamento (SNIS) publicado em 2017 pela Administração Pú-
blica Federal por seu então-Ministério das Cidades (hoje Ministério do Desen-
volvimento Regional), há cava diferença entre os índices de atendimento para
o fornecimento de água e para os serviços relacionados ao esgoto.

Os dados demonstram que o nível de cobertura do atendimento de água se


encontra em estágio de evolução em prol da universalização bem melhor do que
a de coleta do esgoto. Enquanto a água conta com índices de média brasileira
total de 83, 5%, a média total do Brasil para coleta de esgoto é de 52,4%.

20 Trata Brasil. Disponível em: http://tratabrasil.com.br/images/estudos/itb/


ranking-2019/Relat%C3%B3rio_-_Ranking_Trata_Brasil_2019_v11_NOVO.pdf (acedido em
28 de Setembro de 2019).

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921
Estudos de Direito do Saneamento

É a região Norte do Brasil a mais distante da universalização, seja para


água seja para esgotamento.

Na tabela do Ranking das 10 cidades com piores índices de atendi-


mento total de água, figuram 1 cidade da Região Sudeste (Belford Roxo,
integrante da Região Metropolitana do Rio de Janeiro); 1 cidade do Cen-
tro-Oeste (Aparecida de Goiânia); 2 cidades do Nordeste (Caucaia, com-
ponente da Região Metropolitana de Fortaleza, no Ceará e Jaboatão dos
Guararapes, que faz parte do Grande Recife) e 6 cidades da Região Norte
(com destaque para Ananindeua, que faz parte da Região Metropolitana
de Belém, Capital do Estado do Pará, e Porto Velho, Capital do Estado de
Rondônia, que contam com alarmantes índices na casa dos 30 por cento).

Mais uma ilustração em favor da tese de que, apesar de haver a nota


forte da desigualdade regional e social, a questão é dotada de complexida-
des: na parte de cima dessa tabela, composta pelas cidades de melhores
índices de atendimento total de água, são apresentadas 22 cidades com
índices de 100 por cento. Os 4 primeiros nomes dessa tabela são de cidades
de 3 Estados da Região Nordeste (João Pessoa, capital do Estado da Paraíba;
as pernambucanas Caruaru e Petrolina; e a baiana Vitória da Conquista).
O número de 4 cidades na parte superior da tabela é o mesmo alcançado
pela Região Sul (Curitiba, Florianópolis, Canoas e Porto Alegre). A demais 14
cidades apresentadas com 100 por cento de atendimento total de água são
da Região Sudeste (13 paulistas e a carioca Niterói).

Na tabela do Ranking das 10 cidades com piores índices de atendi-


mento total de esgoto, a maioria delas é nortista (7 cidades, sendo 5
delas capitais de Estado, 3 delas do Estado do Pará (Belém, a Capital, a
limítrofe Ananindeua e Santarém); nordestinas somos 2 (Teresina, Ca-
pital do Estado do Piauí e Jaboatão dos Guararapes, limítrofe à Capital
pernambucana do Recife e local de desembarque para o Estado por ser
onde se localiza o Aeroporto Internacional; e sulina 1 (Gravataí, cidade do
mais populoso Estado da Região Sul, o Rio Grande do Sul).

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922
Quanto aos índices de esgoto tratado referido à água consumida, o
Ranking das 10 piores cidades apresenta um espraiamento territorial di-
verso, com cidades integrantes da Região Norte (novamente 3 delas de
um mesmo Estado: Belém, a Capital do Estado do Pará, sua limítrofe Ana-
nindeua, componente da Região Metropolitana de Belém, e Santarém). A
maioria, todavia, das cidades dessa tabela são integrantes da Região Sudes-
te, a mais rica das regiões brasileira (2 cidades paulistas: Guarulhos, cidade
limítrofe à Capital São Paulo, integrante da Região Metropolitana e porta
de entrada-mor do Estado, da Região e do País, por contar com o maior
Aeroporto Internacional do Brasil, e Bauru; 3 cidades cariocas: Belford Roxo,
Nova Iguaçu, e São João do Meriti, municípios da Região Metropolitana do
Rio de Janeiro; e Governador Valadares no Estado de Minas Gerais).

2.3. O futuro que esperançamos.

Nosso engajamento no tema é iluminado pela consciência da ne-


cessidade do envidamento de todos os esforços, intelectuais, políticos,
administrativos, financeiros, empresariais, coletivos e individuais para
que haja o incremento em prol da universalização do acesso da popula-
ção brasileira ao saneamento ambiental, com todas os benefícios dele
decorrentes. Se falta de educação e saúde são problemas constantes e
de maior amplitude, a fratura social da falta de saneamento, a nosso
ver, junto com a violência urbana, constituem dois obstáculos tremen-
dos a serem superados pelo Brasil.

Feita a apresentação da situação e mesmo uma declaração assemelhada


a uma profissão de fé21, passo à problemática que pretendemos enfrentar:

21 Como teria dito o Papa Inocêncio III a São Francisco, “...me convenci de que era
preferível acender uma luzinha do que atacar as trevas”, apud in I. Larrañga, O Irmão de
Assis, 20ª ed., São Paulo, Paulinas, 2012, p. 238.

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923
Estudos de Direito do Saneamento

a governança cooperativa no federalismo brasileiro do saneamento ambien-


tal, a ser vencida a questão, às vezes paralisante, da titularidade do serviço22.

3. A quem compete sanear?

Dentre as inúmeras questões a serem trabalhadas na problemática do


saneamento no Brasil, escolhemos uma que nos parece prévia a maior
parte das demais: a quem compete, na organização própria do Estado
Federal do Brasil, o exercício de competências legislativas e a titularidade
administrativa do serviço de saneamento. A característica brasileira de ter
os municípios como integrantes da Federação traz complicador ao tema
da distribuição de competências, tema marcado pela necessária busca de
frutíferas descentralização e cooperação e pela constante crise fiscal23.

Passemos ao ferramental normativo de natureza constitucional, nos


permitindo enriquecer a motivação com repasse histórico.

3.1. A federação e os textos constitucionais brasileiros

O Império não teve organização federal. Era Estado Unitário com pro-
víncias sem autonomia pujante. Os regimes constitucionais republicanos
anteriores ao vigente não adotaram a autonomia administrativa, legislativa

22 Ao analisar o desempenho do setor no Brasil, Rui Cunha Marques enumera, entre os


problemas: “...o conflito existente entre os diferentes níveis de governo, relativamente à gestão
e às atribuições destes serviços ...” R. C. Marques. A regulação dos serviços de abastecimento
de água e de saneamento de águas residuais, Lisboa, ERSAR\CESUR, 2011, p. 100.
23 Publicando em 2002, Gilberto Bercovici bem contextualiza a questão, reconhecendo
a importância, mas evitando nomear a crise fiscal como chave única para os problemas do
federalismo brasileiro: “A crise fiscal é, hoje, vista como elemento central dos problemas do
federalismo no país. Realmente, o problema fiscal é de fundamental importância, mas ele
não explica nem resolve, por si só, os impasses do federalismo brasileiro. O real problema da
descentralização ocorrida após 1988 é a falta de planejamento, coordenação e cooperação
entre os entes federados e a união, ou seja, a falta de efetividade da própria Constituição e do
federalismo cooperativo nela previsto”. G. Bercovici, “A descentralização de políticas sociais e o
federalismo cooperativo brasileiro”, Revista de Direito Sanitário, vol. 3, nº1, Março de 2002, p. 25.

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924
e financeira para os municípios, alçados a integrantes de Federação como
pessoas políticas apenas pela Carta da República de 1988.

Trago notas sobre cada uma das Cartas Políticas brasileiras e sua rela-
ção com o Federalismo, especialmente com a autonomia municipal.

3.1.1. O Império

A Constituição Política do Império do Brazil de 1824 era própria de


um estado unitário que expressamente inadmitia qualquer “laço algum
da União, ou federação, que se opponha á sua independência” (artigo
1º). Apesar de o território ser dividido em províncias (artigo 2º) não havia nota
alguma de autonomia para as mesmas, vigorando fortemente o princípio de uni-
dade ou homogeneidade nacional. Como observa Pimenta Bueno, “o Império é
um e único” e sua divisão em províncias tem fins meramente administrativos24.

3.1.2. A República

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 189125


não enumerou os municípios em sequência à União e aos Estados den-
tro das Disposições Preliminares de seu Título I (Da organização fede-
ral). Nessas disposições, em que constam incumbências, competências e
proibições, da União e Estados, a palavra município aparece para ilustrar
que a Capital da União, que era conhecida como município neutro no re-

24 J.A. Pimenta Bueno, Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do


Império. Estados Unidos do Brasil, Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 958, p. 22.
Digno de nota que Pimenta Bueno exortava os leitores a uma melhor divisão do território
imperial, a fim de evitar “ambições federais”.
25 Os textos das Constituições do Brasil podem ser acessados no endereço eletrô-
nico do Planalto, na parte de legislação no item Constituições anteriores, disponível em:
http://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-legis/legislacao-historica/constituicoes-an-
teriores-1 (acedido em 25 de Setembro de 2019).

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925
Estudos de Direito do Saneamento

gime monárquico, passaria a ser chamada de Distrito Federal (artigo 2º).


A autonomia municipal para aquilo que se relaciona ao peculiar interesse
consta bem mais à frente do texto constitucional de 1891, como conse-
quência da forma de organização dos Estados (artigo 68).

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, já


em seu dispositivo inaugural, excluía aos municípios o status de compo-
nente da Nação brasileira. Expressando a continuidade da República fe-
derativa proclamada em 1891, a Carta considerava a Nação como união
indissolúvel e perpétua de Estados, Distrito Federal e Territórios (artigo 1º).

Aos municípios era assegurada organização protetiva de seu peculiar in-


teresse, com eletividade do Prefeito e Vereadores; decretação de impostos e
organização de serviços. Nota curiosa é a de que os governadores poderiam es-
colher os Prefeitos das capitais e das estâncias hidrominerais (artigo 13, caput,
incisos I, II, III e § 1º). A estreiteza da autonomia municipal era ilustrada pela pre-
visão de o Estado criar órgão de assessoria técnica para os temas de adminis-
tração e finanças municipais, bem como pela possibilidade de intervenção dos
estados nos municípios para regularização de finanças em casos determinados
de impontualidade de pagamentos e dívidas (artigo 13, §§ 3º e 4º).

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, ao tratar da orga-


nização do nacional, manteve o Brasil como República, destacando emanar
do povo o poder, que seria exercitado em seu nome (artigo 1º). Estabelecia a
Carta que o Brasil era um Estado federal constituído pela união indissolúvel de
estados, territórios e distrito federal (artigo 3º). Os municípios não eram, por-
tanto, pessoas políticas componentes da Federação. Em nível de autonomia
significativamente inferior, sua organização era prevista de forma que fosse
preservada sua autonomia para seu peculiar interesse (artigo 26). O prefeito
não era eleito, mas escolhido pelo governador (artigo 27).

O instante de avanço da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de


1937 estava na previsão de agrupamento de municípios, com personalida-

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926
de jurídica própria, que estava limitada aos fins específicos de “instalação,
exploração e administração de serviços públicos comuns”. A possibilidade e
a forma de criação desses agrupamentos era de competência do Estado cor-
respondente (artigo 29, caput, e parágrafo único). Tem-se por esse dispositi-
vo a primeira ideia em texto constitucional de uma espécie de região metro-
politana, aos moldes de uma autarquia, por possuir personalidade jurídica26.

Também em 1946, a Constituição promulgada no pós-guerra não inseriu


os municípios no rol de integrantes da Federação: a União compreendia Es-
tados, Distrito Federal e Territórios (artigo 1º, caput e parágrafos). A autono-
mia municipal era assegurada pela eleição de Prefeito e vereadores e a admi-
nistração de seu peculiar interesse na instituição de tributos e prestação de
serviços locais (artigo 28). Perceba-se o uso da expressão serviço local pela
primeira vez, expressão talvez germe do interesse local de 198827.

Seguindo a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934, mas


não em relação de reprodução plena, era prevista possibilidade de no-
meação dos Prefeitos das Capitais pelos Governadores dos territórios e

26 Há quem acredite que a Região Metropolitana foi introduzida no ordenamento jurídico


brasileiro pelo regime constitucional de 1967 (artigo 157, § 10º) e mantida em seu espelho de 1969.
Nesse sentido: W.A. Ribeiro e R. Lamboglia Guimarães, “Região Metropolitana e competência
Municipal”, in A.N. Dal Pozzo, J. R. Pimenta Bueno e R. Bertoccelli de Pinho (Coord.), Tratado sobre
o marco regulatório do saneamento básico no Direito Brasileiro, São Paulo, Contracorrente, 2017,
p. 509. Os autores remontam à origem da região metropolitana a debates da década de 1940, no
seio dos quais surgiu seminal artigo de Hely Lopes Meirelles sobre o tema, intitulado “Autarquias
municipais” (H. Lopes Meirelles, in Tratado sobre o marco regulatório, p. 510).
27 “As municipalidades gozam do direito de legislar sôbre assuntos de interêsse local
e, por isso, melhor conhecidos em suas particularidades pelos habitantes da cidade ou vila.
A restrição especial a semelhante respeito consiste em se não permitir antinomia com as leis
básicas ou ordinárias superiores, isto é, da União e do Estado”. C. Maximiliano, Comentários à
Constituição Brasileira, Vol. 1, Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1948, p. 358. Percebe-
se da cita a ausência de dignidade da legislação municipal: O parâmetro que hoje é o de repartição
de competências era então o de hierarquia, estando as normas dos municípios em nível inferior às
normas da União e dos Estados. Mesmo assim, e sob as luzes de seu tempo, Carlos Maximiliano,
após reconhecer que a autonomia municipal nunca existiu efetivamente (p.350) consigna que: Na
Constituinte de 1946 predominou “zêlo ardoroso pelos interêsses dos municípios” (p.354).

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927
Estudos de Direito do Saneamento

pelos Governadores dos Territórios e dos Estados e das estâncias hidro-


minerais, com detalhamento de serem as estâncias naturais e beneficia-
das pela União ou Estados28. A nomeação deveria ocorrer em casos de
segurança nacional com previsão legal para municípios declarados bases
ou portos importantes para a defesa externa (artigo 28, §§ 1º e 2º).

A Constituição do Brasil decretada em 1967 abandonou a denomi-


nação Estados Unidos, mas manteve o Brasil como República Federativa
composta pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios (artigo 1º). As competências municipais não possuíam enu-
meração em capítulo próprio, fazendo parte do Capítulo III (Da Compe-
tência dos Estados e Municípios). A autonomia era assegurada pela elei-
ção de Prefeito, Vice e vereadores e pela administração própria em prol
de peculiar interesse, com tributação e organização de serviços públicos
locais (artigo 16, caput, I e II, ‘a’ e ‘b’). Como em ordens constitucionais
anteriores, havia a nomeação de Prefeito de Capitais e de estâncias hi-
drotermais, bem como em casos de legalmente declarado interesse de
segurança nacional (artigo 16, § 1).

Para serviços de interesse comum, havia a possibilidade de celebra-


ção de convênios (artigo 16, § 4º), como também havia previsão expres-
sa, no título Da Ordem Econômica e Social, para o estabelecimento de
regiões metropolitanas, a serem criadas por lei complementar da União
e com vinculação socioeconômica para fins de serviços de interesse co-

28 A hoje curiosa menção a estâncias minerais, hidrominerais ou termais será


constante nas Cartas Políticas, ocorrendo até o final da década de 1960. Refletem o chamado
termalismo como medida profilática e até podem servir de exemplo de intervenção do
estado na economia, quando há participação de entes públicos. No Brasil, as estâncias
eram frequentadas, por exemplo, pelo Presidente Getúlio Vargas e seus poderes de cura e
restabelecimento eram considerados em tão alta conta que teriam sido responsáveis pelo
fim da esterilidade da Princesa Isabel( A. Almeida Rocha, Histórias do saneamento, São
Paulo, Blucher, 2016, pp. 121-122).

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928
mum (artigo 157, § 10). Nesse ponto, houve a retomada constitucional,
com detalhamento e alteração, de previsão inicialmente componente da
Carta de 1937 (artigo 29, caput e parágrafo único).

Em 1969, o Congresso Nacional decretou e promulgou longa emenda


à Constituição de 1967. Cuidou-se da Emenda Constitucional n.º 1, de
17 de outubro de 1969. o texto de 1967 foi revogado em sua inteire-
za e substituído por outro a ele muito semelhante, mas com alterações.
No que pertine ao tema que estamos tratando, não houve significativas
mudanças, tirante, por exemplo, a numeração dos artigos: a autonomia
e regras gerais do município foram para o artigo 15, foram aumentadas
as possibilidades de intervenção (artigo 15, § 3º) e controle (artigo 16),
foi suprimida a previsão de convênios para serviços e interesse comum e
mantida a previsão de regiões metropolitanas no Título Da Ordem Eco-
nômica e Social (artigo 164).

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada a 5 de


Outubro de 1988, rompendo com longo período de exceção e estabele-
cendo o Estado Democrático de Direito, concedeu aos municípios sta-
tus por eles jamais tido. De centros de vida ou organizações autônomas
apenas administrativamente, os municípios ganharam, pela primeira vez
desde sempre, natureza de pessoas políticas integrantes da Federação
Brasileira (artigo 1º).

Essa condição municipal e a indissolubilidade da União entre Estados e Muni-


cípios é cláusula pétrea do ordenamento constitucional, não podendo ser objeto
de emenda constitucional que tendente a suprimi-la (artigo 60, § 4º).

De uma maneira geral, a enumeração de competências das entidades


federativas e a natureza das mesmas (exclusivas, comuns, concorrentes)
ganhou tratamento mais longo e denso. Os municípios ganharam capí-

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929
Estudos de Direito do Saneamento

tulo próprio dentro do Título III - Da Organização do Estado. Cuida-se do


Capítulo IV – Dos Municípios, composto por detalhados artigos 29 e 30.
Mais próximos a este trabalho, estão as competências municipais para
legislar sobre interesse local (artigo 30, I) e para organizar e prestar servi-
ços de interesse local (a titularidade sobre tais serviços).

As Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões, a serem


estabelecidas por lei do Estado correspondente, estão previstas no artigo 25, §
3º. Demandam a condição de serem os municípios limítrofes e haver funções
públicas de interesse comum a serem organizadas, planejadas e executadas.

Mais: a Constituição da República de 1988 trouxe a previsão expressa da


figura das Regiões, a serem estabelecidas para efeitos administrativos, coli-
mando desenvolvimento e redução de desigualdades (artigo 43). Apesar da
relevância de sua previsão e de seus fins que são tão próprios aos fins mesmos
de um Estado Federal29, não houve uma instituição de nova figura federativa.
As regiões não são elementos indissolúveis da Federação e sua normatividade
não pertence à organização do Estado brasileiro, mas pertence à Seção IV do
Capítulo VII, destinado a tratar da Administração Pública) 30.

A Constituição de 1988 rompeu o dualismo tradicional de nossa Fede-


ração trazendo para dentro de si os Municípios. Essa inovação, sacramen-

29 “A estruturação federal pressupõe transferência considerável de recursos


públicos entre as regiões, fundamentada no princípio da solidariedade”, como observa G.
Bercovici, Revista de Direito Sanitário, vol. 3, nº 1, Março de 2002, p. 25.
30 Paulo Bonavides é entusiasta da previsão constitucional de Regiões, advogando
evolução para o tratamento do tema, ao tratar de “marcha para a constitucionalização
política das Regiões” (P. Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 15ª ed., São Paulo,
Malheiros Editores, 2004, pp. 358-360). Para estudo mais prolongado do autor sobre o
tema: P. Bonavides, “Federalismo regional num país periférico”, in P. Bonavides, G. Marques
de Lima e F. Silveira Bedê (Coord.), Constituição e Democracia. Estudos em homenagem ao
Professo J.J. Gomes Canotilho, São Paulo, Malheiros Editores, 2006.

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930
tada desde muito, foi recebida com entusiasmos por parte dos autores31.
Contou também com críticos, que não consideravam a inovação ser alvis-
sareira ou mesmo adequada sob aspecto jurídico-político32.

4. MUNICÍPIO, SANEAMENTO E FEDERALISMO COOPERATIVO

31 anos depois da promulgação da Constituição de 1988 e em razão


da necessidade de resolução dos problemas do Estado e do Povo brasilei-
ros, acreditamos que não é mais a condição do Município como entidade
federativa que haveria de ser posta sob escrutínio. Na verdade, a medida
dessa autonomia e as relações entre as entidades em prol da consecução
das finalidades públicas e do bem comum é que devem compor a pauta.

Se em regra e tradicionalmente a nota básica das normas municipais


são a territorialidade, por ser o território limite espacial de competência,

31 Paulo Bonavides tratou o tema como “o mais considerável avanço” e alteração


radical do dualismo federativo (P. Bonavides, Curso de Direito Constitucional, pp. 344 e
345). Ainda segundo Bonavides: “Não conhecemos uma única forma de união federativa
contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de
caracterização política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da
definição constitucional do novo modelo implantado no País com a Carta de 1988, a qual
impõe aos aplicadores de princípios e regras constitucionais uma visão hermenêutica
muito mais larga tocante à defesa e sustentação daquela garantia” (P. Bonavides, Curso de
Direito Constitucional, p. 347).
32 José Afonso da Silva foi o autor com maior respaldo acadêmico e social que se
mostrou avesso à inovação. Para ele, fazendo alusão aos debates constituintes e à tese
vencedora capitaneada por Hely Lopes Meirelles: “A Constituição consagrou tese daqueles
que sustentavam que o Município brasileiro é “entidade de terceiro grau, integrante
e necessária ao nosso sistema federativo”. Data venia, essa é uma tese equivocada (…)
Não é porque uma entidade territorial tenha autonomia político-constitucional que
necessariamente integre o conceito de entidade federativa. Nem o Município é essencial ao
conceito de federação brasileira. Não existe federação de Municípios. Existe Federação de
Estados (J. A. da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, 15ª ed, São Paulo, Malheiros
Editores, 1998, pp. 474-475).

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931
Estudos de Direito do Saneamento

fator determinante e elemento definidor, na situação da prestação de


serviços públicos de saneamento ao lado dessa nota, agrega-se a intera-
ção com demais municípios, estados e mesmo a União.33

Se não mais centro de vida com autonomia pouca, mas Pessoa Políti-
ca com status de elemento constituinte da República Federativa do Bra-
sil, o município não pode destacar dessa autonomia sua condição de ilha.

Cooperação é necessária e atrelada à natureza mesma de um Estado


federal que atue para a consecução dos frutos de políticas públicas cuja
execução se espraiaria por territórios de diversos entes, desconhecendo
- por razões de base empírica - pelo menos a rigidez de limites e frontei-
ras territoriais. As águas de bacias hidrográficas não conhecem fronteiras
municipais; infraestruturas utilizadas nos serviços de saneamento são
usualmente compartilhadas por mais de 1 município, por exemplo.

A forma como se dá uma cooperação deve vir a lume após ideação


e experiência, atentando-se para aspectos gerais e peculiaridades, tanto
dos entes envolvidos diretamente, Estados e Municípios quanto de sua
União (direção, planejamento e financiamento, v.g.), quanto da natureza
mesma da política e dos consequentes serviços a serem implementados.

A proximidade das relações, a natureza da questão do saneamento e a comu-


nhão de interesses deve reverter em comunhão de esforços e reconhecimento da
natureza comum dos interesses, a serem trabalhados sob governança cooperativa.

Usando como ponto de partida a descentralização de políticas públicas de


educação e saúde, Gilberto Bercovici estudou a repartição de competências
no federalismo cooperativo, apresentando pontuações interessantes, como34:

33 J. Miranda, Teoria do Estado e da Constituição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002, p. 297.
34 G. Bercovici, Revista de Direito Sanitário, vol. 3, nº. 1, Março de 2002, p. 17.

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932
O interesse comum viabiliza a existência de um mecanismo unitá-
rio de decisão, no qual participam todos os integrantes da federa-
ção. Na realidade, há dois momentos de decisão na cooperação. O
primeiro se dá em âmbito federal, quando se determina, conjunta-
mente, as medidas a serem adotadas, uniformizando-se a atuação
de todos os poderes estatais competentes em determinada maté-
ria. O segundo momento ocorre em âmbito estadual ou regional,
quando cada ente federado adapta a decisão tomada em conjunto
às suas características e necessidades. Na cooperação, em geral, a
decisão é conjunta, mas a execução se realiza de maneira separa-
da, embora possa haver, também, uma atuação conjunta, especial-
mente no tocante ao financiamento de políticas públicas.

Identificamos uma dificuldade marcante dos intérpretes em geral


com o tema da repartição de competências constitucionais. Alguns en-
traves os conduzem a uma visão parcial, incompleta ou mesmo diversa
daquela que se obteria por reflexões sistêmicas, tanto do sistema norma-
tivo, quanto do sistema fático a ele atrelado.

Há um foco desmedido no interesse local como característica do ser-


viço público de saneamento. Por esse foco, a titularidade do serviço de
saneamento seria dos municípios, nos termos do artigo 30, I e V, da Cons-
tituição da República Federativa do Brasil.

Existem decerto interpretações ricas, que alcançam complexidade do


tema e da realidade a ele atrelada. Vinícius Marques de Carvalho, por
exemplo, faz a enumeração daquilo que cabe a cada uma das entidades
federadas no tema saneamento.

Para a União, a principal competência é a do estabelecimento das diretri-


zes, que muito lucidamente Vinícius Marques de Carvalho insere concretude.
Diversamente de uma ideia de normas gerais abstratas, o autor identifica nas

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933
Estudos de Direito do Saneamento

diretrizes uma porção executiva, as caracterizando como “concretização da


função planejadora da União”35. Reconhece, vale frisar, grande limite a essa
função, qual seja, a preservação da autonomia dos demais entes federados.

Ao tratar da competência dos Estados, Carvalho traz desde o início a


nota de polêmica ao tema, centrando foco no caso das regiões metropo-
litanas, que seria fenômeno inquestionável e dotado de interesse; o inte-
resse comum metropolitano. Fiando-se na expressão constitucional “fun-
ções de interesse comum”, a tese do autor destina aos Estados, em casos
de regiões metropolitanas, além de execução em si do serviço público de
saneamento, seu financiamento, controle, planejamento e fiscalização 36.

Nas palavras do autor37:

Identifica-se, como pressuposto desses novos mecanismos insti-


tucionais, a necessidade de se arrefecerem as tensões entre as
esferas federativas, o que constitui uma exigência de gestão dos
serviços de saneamento básico. Como essa dimensão territorial
comanda a dinâmica metropolita, quando nos referimos às fun-
ções públicas de interesses comuns na gestão dos serviços públi-
cos não pretendemos fazer alusão à organização mais direta de
sua execução, no tocante ao controle e à fiscalização do prestador
da atividade, mas à sua regulamentação mais ampla, abrangendo
desde a disciplina do uso do solo e o estabelecimento de parâme-
tros ambientais até a formulação e a implementação de políticas

35 V. Marques de Carvalho, “Cooperação e planejamento na gestão de serviços


de saneamento”, in C. Mota (Coord). Saneamento Básico no Brasil-Aspectos jurídicos da Lei
Federal n. º 11.445/07, São Paulo, Quartier Latin, 2010, p. 66.
36 V. Marques de Carvalho, Saneamento Básico no Brasil-Aspectos jurídicos da Lei
Federal n.º 11.445/07, p. 67.
37 V. Marques de Carvalho, Saneamento Básico no Brasil-Aspectos jurídicos da Lei
Federal n.º 11.445/07, p. 68.

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934
públicas. Há, assim, conforme cada caso, o compartilhamento de
funções de planejamento, financiamento, controle e fiscalização.

Finalmente quanto aos Municípios, Carvalho destaca que a Consti-


tuição da República Federativa de 1988, alterando os regimes constitu-
cionais anteriores adotou, para as competências municipais, a expressão
interesse local em vez de peculiar interesse. Em razão da falta de definição
dos serviços sob encargo municipal abrangidos pelo conceito de interesse
local, Carvalho advoga a utilização de considerações históricas e geográ-
ficas; apesar de reconhecer a possível insuficiência das mesmas. Enfren-
tando especificamente o que chama de controvérsia da titularidade do
serviço de saneamento em face das competências constitucionais, a con-
clusão é de serem os municípios os titulares. Continuando o raciocínio, se
mostra contrário à transferência dessa titularidade para Estados em casos
de regiões metropolitanas, aceitando para esses casos, a titularidade dos
municípios em comunhão com Estado38.

É comum a identificação desse posicionamento, como também é


comum a apresentação do mesmo em idas e vindas. Na complexidade
do tema, a titularidade exclusiva municipal não é defesa das mais fáceis,
apesar de parecer, muitas vezes, uma âncora que não se consegue alçar.
Um obstáculo epistemológico que obnubila a visão plena do panorama.

Se a municipalização do Estado Federal é cláusula pétrea, o preenchimento


do conceito indeterminado de interesse local não pode ser barreira intrans-
ponível para o alcance de uma conclusão mais frutífera do que aquela que
contribuiu para nos trazer parcela do presente que sofremos. Como obser-
va Gadamer com apoio em Bultmann, ao tratar de pré-compreensão: “...toda
compreensão pressupõe uma relação vital do intérprete com o texto, uma re-

38 V. Marques de Carvalho, Saneamento Básico no Brasil-Aspectos jurídicos da Lei


Federal nº 11.445/07, p. 68-71.

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935
Estudos de Direito do Saneamento

lação prévia com o tema mediado”39. Não apenas na norma, mas também no
tema, na conjuntura relacional de base empírica e nas necessidades a serem
vencidas há de repousar a melhor solução para a interpretação/aplicação.

5. A QUESTÃO AMBIENTAL: A INAFASTABILIDADE DO TODO E A


DIGNIDADE DA PARTE.

Ao menos no enfrentamento da questão da titularidade e do serviço


e na competência constitucional para saneamento, a questão ambiental
é, por vezes, esquecida, se não em discurso, em compreensão e ação.
Como também a questão da água40 e de um modo geral, a natureza
transdisciplinar do saneamento, que envolve as já citadas água e am-
biência, como também saúde, urbanismo, educação e economia. Os ar-
gumentos se fixam apenas nas normas constitucionais de repartição de

39 H.G. Gadamer, Verdade e Método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica


filosófica, 9ª ed., Petrópolis, Editora Vozes, 2009, p. 434
40 A imbricação das políticas de recursos hídricos e saneamento é óbvia. O regime que
se pretendeu estabelecer por meio da Medida Provisória n. º 868/2008, que alçaria a Agên-
cia Nacional de Águas (ANA) à condição de entidade autônoma reguladora geral do sistema
se alimentara dessa obviedade. (Artigo 1º da Medida Provisória n. º 868, de 27 de Dezembro
de 2018: Esta lei cria a Agência nacional de Águas-ANA, entidade federal de implementação
da Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos e responsável pela instituição de normas de referência nacionais para a
regulação da prestação de serviços públicos de saneamento básico, e estabelece regras para
sua atuação, a sua estrutura administrativa e as suas fontes de recursos). Sobre a imbricação,
descreveu Alexandre dos Santos Cunha “É verdade que os serviços de saneamento básico ge-
ram externalidades significativas no que diz respeito ao regime hídrico, alterando o volume e
a qualidade da água disponível para outros setores da economia e vice-versa. Contudo, apesar
de a cadeia industrial do saneamento básico utilizar a água como principal matéria-prima, não
existe uma superposição entre as duas áreas. A água também é a principal matéria-prima da
agricultura e não se imagina que a política de recursos hídricos deva subordinar a política agrí-
cola. De fato, as interfaces entre o saneamento básico e os recursos hídricos estão bastante
bem regulamentadas pela Lei de Águas (Lei federal nº 9.433/1997). A dos Santos Cunha, Sa-
neamento básico no Brasil: Desenho institucional e desafios federativos, Texto para discussão,
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), p. 21, disponível em: http://repositorio.ipea.
gov.br/bitstream/11058/1338 (acedido em 25 de Setembro de 2019).

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936
competências mais próximas ao saneamento, com menção a regras das
regiões metropolitanas no adensamento das teses (artigos 21, XX, 25 §
3°, 30, I e V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) –
sendo comum, repiso, o encandeamento do entendimento pela força do
argumento do interesse local e a dignidade federativa municipal).

As competências de proteção ambiental são comuns a todos os entes fede-


rativos41, e é concorrente a natureza da competência legislativa sobre o tema.
42
Compreender a atuação em políticas públicas de saneamento apartadas da
proteção ao meio ambiente constitui um erro. Um erro por subtração.

A proteção do meio ambiente, da casa-comum, é tema que deve fertili-


zar a conduta humana, individual ou coletiva ou estatal, pública, privada ou
híbrida. No caso do saneamento, por ser a efetivação de suas ações via de
proteção ambiental, a compreensão do saneamento é a compreensão do
saneamento ambiental. O termo saneamento básico é uma etapa anterior, é
uma parte daquilo que é o todo: o saneamento ambiental.

Dicionário técnico científico originariamente destinado às Ciências


Ambientais ao definir o conceito de saneamento ambiental assim o faz:

Conjunto de ações para conservar e melhorar as condições do meio


ambiente em benefício da saúde, do bem-estar e da melhoria da

41 Artigo 23, incisos VI, VII, IX, da Constituição Federal de 1988. “Artigo 23.
Competência comum.(...) VI- proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer
de suas formas VII- preservar as florestas, a fauna e a flora (…) IX- promover programas de
construção de melhoria as condições habitacionais e de saneamento básico.”
42 Artigo 24, incisos VI e VII, da Constituição Federal de 1988. “Artigo 24. Compete à União,
aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:(…) VI- florestas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e
controle da poluição; VII- proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.”

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937
Estudos de Direito do Saneamento

qualidade de vida de uma população. Origina-se da aplicação de


princípios da Engenharia, Medicina, Biologia, Física, Química e outras
áreas do conhecimento para o controle ambiental. Visa alcançar ní-
veis crescente de salubridade ambiental, por meio do abastecimento
de água potável, coleta e disposição sanitária de resíduos líquidos, só-
lidos e gasosos, promoção da disciplina sanitária do uso e ocupação
do solo, recuperação de áreas degradadas ou contaminadas, drena-
gem urbana, controle de vetores de doenças transmissíveis, e demais
serviços e obras especializados.43

Elucidativamente, o dicionarista ao definir em sequência a expressão


saneamento básico, a coloca como solução de problemas relacionados a
um rol mais limitado de ações e conclui que: “alguns autores defendem
a inclusão de outros problemas e, neste caso sob uma ótima mais abran-
gente é melhor utilizar saneamento ambiental”.44

Épocas marcadas pelo saneamento focado tão só na questão da


saúde ou na organização da ocupação urbana ou mesmo no desenvol-
vimento econômico são épocas que podem ter tido sua justificativa. O
desenvolvimento da compreensão, a continuidade da reflexão do gênero
humano e a conscientização das capacidades próprias da contempora-
neidade já não mais permitem essa limitação.

Saúde, economia e urbanismo não foram afastados, mas receberam


o acompanhamento da defesa ambiental. Acompanhamento esse que
não é estanque, e sim prenhe de interações. É um todo inafastável que
não nega a dignidade das partes.

43 A. Nuvolari, Dicionário de Saneamento Ambiental, São Paulo, Editora Oficina de


Textos, 2013, pp. 281-282.
44 A. Nuvolari, Dicionário de Saneamento Ambiental, p. 282.

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938
Argutamente observa Raimundo Bezerra Falcão45:

(…) é da natureza do sistema ser uma unidade. Mas não se trata de uma
unidade morta, parada, apenas física, como, por exemplo, uma casa o
é. Trata-se de uma unidade funcional, em que cada elemento ou parte,
mesmo sem perder sua forma ou base física, tem de contribuir para o
funcionamento do todo. Cada parte ou elemento do sistema somente
adquire sentido em função todo. Só parte também há o todo. No todo.
Para todo. Isso é a lógica dos elementos. É lógica elementar. Essencial. 46

E mais:

(…) a parte fora do sistema não é propriamente parte. È pedaço.


È fração. Por isso não aconselhamos especiais incentivos a postu-
ras interpretativas isolacionistas ou a esforços hermenêuticos es-
timuladores das tentativas de captar o sentido pela via parcial de
dispositivos individualmente visualizados. Insistir numa inexistente
completude da parte em si mesma é um indisfarçável ilogismo.

Dificuldade de compreensão da questão em seus aspectos gerais e


em suas particularidades nos parece algo presente e indesejável. Com-
preensão aqui sendo utilizada como apreensão racional da essência e
dos acidentes da situação do saneamento no Brasil para conduzir à pro-
posição de normas, políticas e atuação prática adequadas para o incre-
mento das condições de universalização.

45 R. Bezerra Falcão, Hermenêutica, 1ªed., 2ª tiragem, São Paulo, Malheiros


editores, 2000, p. 188.
46 R. Bezerra Falcão, Hermenêutica, p. 205.

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939
Estudos de Direito do Saneamento

Sem se afastar do foco central de seu trabalho: relação saúde e sa-


neamento, Mendonça e Motta, ao apresentarem a candente conclusão
de que investir em saneamento gera melhores resultados para a dimi-
nuição da mortalidade infantil do que investir em medidas de saúde de-
fensiva, não olvidam o quão positivo é para o meio ambiente o acesso
populacional aos serviços de saneamento47:

Considerando que o acesso aos serviços de saneamento são me-


didas preventivas que, além das externalidades positivas ao meio
ambiente aqui não contabilizadas, evitam os riscos e desconfortos
das doenças, nossos resultados sugerem que as ações preventiva de
saneamento, em particular no tratamento da água, seriam mais jus-
tificáveis economicamente para a contínua redução da mortaliade
infantil do que os gastos defensivos nos serviços de saúde

Retomando Gilbeto Bercovici, citado acima para ilustrar o federalismo


cooperativo em trabalho publicado em 2002, destaco que o professor voltou
ao tema 3 depois, desta vez centrando forças na questão do saneamento.
Sobre a natureza do serviço público de saneamento, após esquadrinhar as
normas constitucionais envolvidas e apontar a não identificação do titular
do serviço pelo Marco Legal do Saneamento, conclui por ser essa natureza
comum e que o saneamento, a integração e o federalismo estão irmanados:

A Lei n. 11.445/2007 explicitamente deixou de identificar o titu-


lar dos serviços de saneamento básico. Esta aparente omissão
da legislação justifica-se pelo fato de o saneamento básico não
ser titularidade exclusiva de nenhum ente da Federação, mas ser
um serviço público de competência comum, conforme explicita

47 M.J. Cardoso de Mendonça e R. Seora da Motta MOTTA, Saúde e saneamento no


Brasil, Texto para discussão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Disponível em:
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/2079, p. 12. ( acedido 20 de Setembro de 2019).

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940
o artigo 23, IX, da Constituição Federal de 1988 (…) A conclusão
da leitura do texto constitucional de 1988 só pode ser uma: a ti-
tularidade dos serviços de saneamento básico é comum a todos
os entes da Federação Brasileira (União, Estados, Distrito Federal
e Municípios), devendo ser implementados por meio de políticas
conjuntas (…) A política do saneamento básico é, assim, uma com-
provação de que o federalismo é um instrumento de integração.”

A visão sistêmica aqui proposta serve para a Federação, que há de ser vista
dinâmica e em interação cooperativa e serve para a inserção da questão ambiental
no saneamento que deve ser saneamento ambiental, e não apenas básico.

Conforme lembra Dinorá Adelaide Musetti Grotti, apoiada em Marçal Jus-


ten Filho, o conceito de saneamento básico não é jurídico, e sim científico48.
Portanto, ainda que a lei utilize a expressão saneamento básico, a descrição do
conjunto de serviços que compõe o saneamento, apresentado de forma am-
pla, designa o quê cientificamente é conceituado de saneamento ambiental.

6. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº. 1842/RJ:


DESCRIÇÃO DA DEMANDA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO

O conflito de interesses, pressões e debates sobre as competências


constitucionais e titularidade do serviço de saneamento ambiental rece-
beu agente novo no final dos anos de 1990.

Em 1998, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou Ação Dire-


ta de Inconstitucionalidade para ver declaradas contrárias à constituição

48 D.A. Musetti grotti, “Evolução jurídica do serviço público de saneamento básico”,


Tratado sobre o marco regulatório do saneamento básico no Direito Brasileiro, pp. 123-124.

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941
Estudos de Direito do Saneamento

normas do Estado Fluminense que haviam criado e regulado a Região


Metropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos. As normas
postas sob escrutínio do Supremo Tribunal Federal promoviam a trans-
ferência de competências e titularidade dos municípios para o Estado do
Rio de Janeiro, especialmente quanto ao saneamento básico, promoven-
do usurpação, conforme a demanda ajuizada, em favor do ente federa-
tivo estadual, de funções de estrita competência dos entes federativos
municipais. Havia, portanto, o ferimento do equilíbrio federativo, da au-
tonomia municipal e da não-intervenção. A pretensão se fundamentava
na aplicação dos artigos 1°; 23, I e VI; 60, § 4°; 18; 29; 30, I, V e VII; 35,
182 e § 1º e 225 e na inaplicação do artigo 25, § 3º, da Constituição da
República Federativa do Brasil).

Entrava em cena, portanto, o Supremo Tribunal Federal para exercitar a


“suprema inspeção da nação”49

A demanda foi autuada como ADI 1842-RJ.

Durante seu trâmite, o Advogado-Geral da União, no exercício da função


autônoma estabelecida pelo artigo 103, § 3° da Constituição50, se manifestou,
quanto ao mérito (que é o que nos interessa neste estudo), pela improcedên-
cia da ação em virtude da constitucionalidade dos dispositivos questionados,
fiando-se no permissivo constitucional de criação das regiões metropolitanas

49 Na feliz expressão usada por Pimenta Bueno para o Poder Moderador, J.A.
Pimenta Bueno, Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do Império. Estados
Unidos do Brasil, Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 958, p. 201.
50 Artigo 103, § 3 da CF/88: Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a in-
constitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Ad-
vogado-Geral da União, que defenderá o ato ou o texto impugnado. Sobre a natureza da
manifestação do Advogado-Geral da união na fiscalização abstrata de constitucionalidade:
F. Carvalho Leite Bueno “O papel do Advogado-Geral da união no controle abstrato de cons-
titucionalidade: Curador da lei, advogado público ou parecerista” in http://repositorio.ufc.
br/bitstream/riufc/12035/1/2010_art_fcleite.pdf. Acedido em 26 de setembro de 2019.

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942
e sua oportunidade de transferir obras e serviços públicos de alto custo e com-
plexidade para uma administração mais aparelhada e eficiente.

O Procurador-Geral da República, como custos legis, se manifestou pela


improcedência da impugnação, por considerar que certas atividades e serviços
não mais podem ser consideradas de exclusivo interesse local, merecendo tra-
tamento regional, o que não ofende a autonomia dos municípios.

Fora dos autos, a contextualização do objeto da demanda era de expectati-


va. O impasse quanto ao tema era animado pelos dos impactos da autonomia
municipal do regime de 1988 frente a tradicional política de estadualização do
Planasa bem como o papel da União após a reforma do Aparelho do Estado.

Perceba-se que a demanda levou cerca de 15 anos para ser julgada. Duran-
te esse período, a incerteza e ações e inações dela decorrentes ganharam cor-
po. Houve tentativa de estabelecimento de marcos regulatórios para o setor
por iniciativa da União51. Após frustrações, o Marco Regulatório foi promulga-
do, sem definição expressa de quem seria o titular do serviço de saneamento.
O julgamento chegaria ao final cerca de 5 anos após a Lei n.º 11.445/2007.

O demorado julgamento foi acompanhado por atores de diversas searas


envolvidas com a temática, não sendo incomum menção a seu desenrolar em
livros, individuais e coletivos, e artigos. De texto publicado em 2009, colhemos
a seguinte síntese dos anseios e expectativas quanto ao julgamento52:

51 Jerson Kelman, no capítulo 10 de seu Desafios do Regulador, narra a existência de


grupo de trabalho interministerial focado no marco regulatório para o saneamento. Narra
a apresentação do Projeto de Lei n.º4147/2001 (não aprovado pelo Congresso Nacional), a
controvérsia sobre a titularidade do serviço de saneamento, a promulgação do atual marco
regulatório e o acompanhamento do julgamento da ADI 1842, com o detalhamento dos
votos proferidos até a publicação da obra. J. Kelman, Desafios do regulador, Rio de Janeiro,
Synergia, CEE/FG, 2009, pp. 103-110.
52 A. Cândido Stringhini, F. Scharlack Marcato, “A gestão compartilhada dos
serviços de saneamento básico: Uma proposta para a solução da polêmica da titularidade
em regiões metropolitanas”, in G. Oliveira e P. Scazufca (Org.), A economia do saneamento
no Brasil, São Paulo, Singular, 2009, pp. 41-42. Essa expectativa também é a apresentada na
introdução da obra, cuja autoria é de seus organizadores e consta das páginas 21 e 22.

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943
Estudos de Direito do Saneamento

“... a disputa entre Estados e Municípios pela competência para


a prestação de serviço de saneamento em regiões metropolita-
nas ainda representa grande obstáculo para a melhoria desses
serviços nos maiores centros urbanos do país. A controvérsia en-
contra-se em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) e parece
haver uma expectativa generalizada de que, proferida a decisão
do STF, a questão estará resolvida de forma definitiva.”

O compasso de espera em razão da demora do julgamento também


veio a lume em sessão do julgamento da ADI 1842. Já próximo do final do
julgamento, na penúltima sessão, em 28 de Fevereiro de 2013, chamado a
prestar esclarecimentos de fato à Corte e indagado se medida de criação
de entidade, prevista nas normas impugnadas, teria sido efetivada, o ad-
vogado público, Procurador do Estado do Rio de Janeiro, assim esclareceu:
“Na verdade, até a própria Lei, que veio a ser editada com tentativa de
resolver essa questão, ficou no aguardo da decisão do Supremo, porque
havia uma incerteza muito grande quanto a isso. Então, certamente, essa
questão será resolvida a partir da conclusão da decisão do Supremo”.

6.1. Voto do Ministro-Relator.

Em voto proferido na sessão plenária de 12 de Abril de 2004, o Re-


lator, então ministro Maurício Corrêa, após reconhecer perda do objeto
por alterações legislativas supervenientes ao ajuizamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade, julgou improcedente as ações. Dos fundamen-
tos do voto, colhe-se que, para o então ministro Maurício Corrêa, a re-
gião metropolitana é uma “espécie de instância híbrida na organização
estatal brasileira”53 autorizadora de forma administrativa moderna e fle-
xível, garantidora da eficiência dos serviços públicos”.

53 Voto do Ministro-Relator na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.842/RJ,


parágrafo 20. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC-
&docID=630026. Acedido em 04 de Setembro de 2019.

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944
Segundo a linha de raciocínio do voto:

Por óbvio, esse agrupamento de Municípios, que decorre inicial-


mente da necessidade física concreta de formação de conglome-
rado urbano único, não se dá para fins meramente acadêmicos,
geográficos ou algo parecido, mas efetivamente para cometer ao
Estado a responsabilidade pela implantação de políticas unificadas
de prestação de serviços públicos, objetivando ganhar em eficiên-
cia e economicidade, considerados ou interesses de cada núcleo
urbano passam a interagir de tal modo, que acabam constituindo
um sistema sócio-econômico integrado, sem que com isso possa
admitir-se a ocorrência de violação à autonomia municipal, tendo
em vista o comando constitucional autorizador.

A instituição da região metropolitana constituiria limitação natural à


autonomia municipal, cuja manutenção plena e exercício isolado seria
irrazoável e contrária a comunhão superior de interesses54.

Após o voto do Ministro-Relator, houve pedido de vista do Ministro


Joaquim Barbosa.

6.2. Voto do Ministro Joaquim Barbosa: abertura da divergência e


conclusão do julgamento pela Corte

O então Ministro Joaquim Barbosa abriu a divergência votando pela


inconstitucionalidade das normas impugnadas e colacionando conside-
rações para a espécie que muito aclarariam o tema. Por seu poder sinóp-
tico do posicionamento adotado, translato o seguinte trecho:

54 Voto do Ministro-Relator Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.842/RJ,


parágrafo 17. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC-
&docID=630026. Acedido em 04 de Setembro de 2019.

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945
Estudos de Direito do Saneamento

“... a criação de uma região metropolitana não pode, em hipótese


alguma significar o amesquinhamento da autonomia política dos
municípios dela integrantes dela integrantes, materializado no
controle e na gestão solitária pelo estado das funções públicas
de interesse comum. Vale dizer, a titularidade do exercício das
funções públicas de interesse comum passa para a nova entidade
público-territorial-administrativa, de caráter intergovernamental,
que nasce em consequência da criação da região metropolitana.
Em contrapartida, o exercício das funções normativas, diretivas e
administrativas do novo ente deve ser compartilhado com pari-
dade ente o estado e os municípios envolvidos.

Aberta a divergência, o julgamento se estendeu até a sessão de 6 de


Março de 2013. Os demais votos acrescentaram aqui e ali uma ou outra ob-
servação, mas se pode concluir que o quê foi decidido pelo Supremo Tribu-
nal Federal, além da inconstitucionalidade das normas especificamente im-
pugnadas, é que não pode haver uma transferência plena, pela lei de criação
da Região Metropolitana e afins, de competências municipais em favor do
estado. Não houve, contudo, a adoção de posicionamento de mera defesa
da autonomia municipal e do interesse local de forma estática, mas sim o
estabelecimento de proposições para o dinamismo das relações interfede-
rativas e de sua governança cooperativa, por meio de decisões colegiadas
embasadas em norma estadual constitucionalmente razoável.

Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal, a meu juízo, bem decidiu tam-


bém por se conter quanto ao detalhamento dessa governança, deixando
a cargo dos entes federais envolvidos a escolha dos melhores meios para
os fins55. STF prestigiou assim os entes federais e seus Poderes Executivo

55 Em sentido contrário, considerando que o Supremo Tribunal Federal deveria ter


decidido a questão em detalhes, indicando critério e definição: L. F. Pinto Lima Graziano et alli in
A. N. Dall Pozzo, J. R. Pimenta Oliveira e R. de Pinho Bertoccelli (Coord.), Tratado sobre o marco
regulatório do saneamento básico no Direito Brasileiro, São Paulo, Contracorrente, 2017, p. 468.

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946
e Legislativo (conforme se manifestou em debates o então Ministro Teori
Zavascki: “...essa matéria, no meu entender, está reservada, em grande
medida, à discrição política do legislador estadual, que deverá levar em
consideração as circunstâncias territoriais, sociais, econômicas e de de-
senvolvimento próprios de cada agrupamento de municípios”- penúltima
sessão de julgamento, em 23 de Fevereiro de 2013).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É momento de novas ideias e novas ações. É momento de afastar ve-


lhas ideias e inações. Ideias velhas que não satisfazem as aspirações de
época presente, motivadas por uma realidade complexa cravejada de pro-
blemas variados e profundos com capilaridades que se espraiam em áreas
diversas da vida da gente brasileira, causando doença, atraso, pobreza.

Não se pode falar em dormência para o enfrentamento do assunto.


Houve inovações legislativas desde os últimos 12 anos56 pelo menos, com
a vigência breve e recente de novo sistema e a tramitação do Projeto de
Marco Legal Projeto de Lei 3261/201957. Houve a promulgação do Estatu-
to da Metrópole58. As decisões do Poder Judiciário, ora em ativismo, ora
em self-restraint. As demandas da sociedade civil organizada, exemplifi-

56 Lei n.º 11. 445/2007, cuja íntegra pode ser encontrada no sítio eletrônico do
Planalto. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/L11445.htm e,
a Medida Provisória n.º 868/2008, que buscava alterar o marco legal do saneamento e
perdeu a eficácia sem sequer ser votada pela Câmara de Deputados. O texto completo da
Medida Provisória n.º 868/2008 é acessível no endereço https://www.congressonacional.
leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/135061(acedido em 05 de Setembro de 2019).
57 Para conhecimento do texto integral do Projeto de Lei n.º 3261/2019, disponível
em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=EC6B-
AB075C3D8EFCFDA895AF32C5D9D1.proposicoesWebExterno2?codteor=1763626&filen-
ame=PL+3261/2019 (acedido em 05 de Setembro de 2019).
58 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13089.htm.

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947
Estudos de Direito do Saneamento

cativamente o Instituto Trata Brasil59. A atuação dos Poderes Executivos


das entidades federadas, das quais destaco os representantes da Admi-
nistração Pública Federal mais próximos do enfrentamento da proble-
mática: Fundação Nacional de Saúde e Ministério do Desenvolvimento
Regional, anteriormente Ministério das Cidades. Empresas públicas e
privadas60. Enfim: toda a gente brasileira.

Todavia, se pode falar que os esforços por ideação e ação, sob uma
visão nova, calcada na experiência viva, reconhecida a transversalidade e
o caráter comum do saneamento ambiental são essenciais para o incre-
mento dos resultados que há muito tardam.

Se não como Velhos do Restelo, cujo saber era só de experiência feito,


aqueles que tratam do saneamento (ou de qualquer outro assunto) não po-
demos desprezar a experiência. Os dados alarmantes do saneamento foram

59 Para mais informações acerca do Trata Brasil visite o endereço eletrônico:


http://www.tratabrasil.org.br/.
60 Sobre a atuação das empresas privadas na área de saneamento Antônio Carlos
Parlatore traz a seguinte peculiaridade: “Vale ressaltar que o Brasil já conta com diversos
grupos empresariais atuantes em concessões de serviços de água e esgoto, em geral como
atividade paralela à construção civil como empreiteiras de obras públicas, ampliando dessa
forma sua atuação”, A. C. Parlatore “Novo modelo institucional de prestação de abasteci-
mento de água e esgotamento sanitário no Brasil”, in A. N. Dall Pozzo, J. R. Pimenta Oliveira
e R. de Pinho Bertoccelli (Coord.), Tratado sobre o marco regulatório do saneamento básico
no Direito Brasileiro, São Paulo, Contracorrente, 2017, p. 54. Anoto, que a BRK, maior em-
presa prestadora de serviço de saneamento ambiental no Brasil, nasceu como um braço do
Grupo Odebrecht, recebendo em certa altura o nome de Odebrecht Ambiental. A empresa
foi comprada por um grupo canadense e rebatizada de BRK. Disponível em: https://www.
brkambiental.com.br/ (acedido em: 10 de Setembro de 2019). A constatação de Parlatore
(a relação de empresas de construção civil e o saneamento básico) conta com exemplos em
nossa história. Nos fins dos 1800, durante as reformulações dos centros urbanos em prol
do ideário higienista há o seguinte exemplo: “...houve nos anos 1880 algumas tentativas de
incentivar empresários da construção civil a erguer moradias baratas para operários. A maior
parte das tentativas foi malograda, apesar dos vários privilégios concedidos pelo governo aos
investidores. Um dos poucos contratantes que chegou a construir as casas para operários, o
engenheiro e empresário Arthur Sauer, dono da Companhia de Saneamento do Rio de Janei-
ro...”. S. Chalhoub, Cidade febril. Cortiços e epidemias na corte imperial, p. 62.

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948
postos acima. A dificuldade dos municípios no exercício de titularidade dos
serviços são muitas e de diversas naturezas. Não só financeiras ou técnicas,
mas também políticas, pois a redução do raio territorial pode trazer a iden-
tificação do acirramento das disputas no teatro das operações da política
local, com beneficiamento de grupos em detrimento de outros por paro-
quialidades. O Brasil conta com mais de 5 mil municípios61. Reformular a rota
de enfrentamento do tema não seria a negação do status dos mesmos, mas
o aprumar necessário para a a universalização do serviço.

É hora de avançarmos.

Coimbra – Fortaleza, extertor do Verão\albor da Primavera de 2019

61 Mesmo em Portugal, que conta com índices de quase universalização do


fornecimento da água, a multiplicidade (bem menor que a nossa) de agentes envolvidos
recebe nota crítica: J. Miranda. O direito fundamental à água e à sustentabilidade dos
serviços públicos de água em Portugal, texto pendente de publicação, remetido ao alunado
do Curso de Extensão em Direito do Saneamento, em Agosto de 2019.

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949
Estudos de Direito do Saneamento

Salta-Z:
Uma alternativa na
busca de efetividade
do direito humano de
acesso à água potável
WYNSTON LIMA ALEXANDRINO1

o1

Resumo

O Presente trabalho faz uma breve análise da contextualização do direito


ao saneamento básico e a água potável como um direito humano na ordem
mundial e no ordenamento jurídico brasileiro, transitando por fatos e diplo-
mas normativos para demonstrar a sua evolução histórica até os dias atuais.
Feito essa contextualização, apresentamos números do acesso à água po-
tável no território Brasileiro e, de forma pormenorizada, no Estado do Pará,
trazendo as dificuldades enfrentadas por esse Estado na busca pela universa-
lização do acesso à água potável que vão das suas peculiaridades territoriais
a falta de vontade política. E ao final, apresentamos a SALTA-Z, Solução Alter-
nativa de Tratamento da Água para Consumo Humano com Zeólito, criada

1 Graduado pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Especialista em Direito Consti-


tucional pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Procurador Federal, lotado na Fundação Na-
cional de Saúde – Superintendência Estadual do Pará – FUNASA/PA, Av. Doca de Souza Franco,
616. Reduto, Belém – Pará, CEP 66053-000, e-mail: wynston.alexandrino@funasa.gov.br.

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950
pela FUNASA, como instrumento simples, barato e de fácil operacionalização
para se levar água potável as comunidades rurais e ribeirinhas.

Palavras-Chave: Água, Efetividade dos Direitos Humanos, Acesso à


água potável, FUNASA, SALTA-Z.

Abstract
This paper presents a brief analysis of the contextualization of the
right to sanitation and drinking water as a human right in the world and
in the Brazilian legal system, passing through facts and regulatory stan-
dards to demonstrate its historical evolution to the present day. Having
done this contextualization, we present numbers of the access to drinking
water in the Brazilian territory and, in detail, in the State of Pará, bringing
the difficulties faced by this State in the search for universalize the access
to drinking water, that goes from its territorial peculiarities to the lack of
political will. Finally, we present SALTA-Z, an Alternative Solution for the
Water Treatment for Human Consumption made with Zeolite, created by
FUNASA, as a simple, inexpensive and easy-to-use tool to bring drinking
water to rural and riverside communities.

Keywords: Water, Effectiveness of Human Rights, Access to Safe Water,


FUNASA, SALTA-Z.

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO; 2. A ÁGUA COMO UM DIREITO HUMANO; 2.1.
O tratamento jurídico da água na ordem internacional: uma di-
gressão ao longo do tempo; 2.2. O tratamento jurídico da água no
Brasil; 2.3. O pleno exercício da água como direito humano; 2.4.
O papel do Estado na consecução do direito humano à água; 3. A

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951
Estudos de Direito do Saneamento

SALTA-Z COMO ALTERNATIVA DE ACESSO À ÁGUA POTÁVEL; 4. A


REALIDADE DA SALTA-Z NO ESTADO DO PARÁ; 5. A EFETIVIDADE
DO DIREITO HUMANO À ÁGUA; 6. CONCLUSÃO; 7. BIBLIOGRAFIA.

1. INTRODUÇÃO

O acesso a água potável é, sem dúvida, um dos maiores problemas


que enfrenta a humanidade. Não sendo esse problema afeto apenas às
regiões onde a escassez é um fato geográfico, mas uma realidade presen-
te no cotidiano da população mundial.

O Presente artigo foi alicerçado a partir de pesquisa bibliográfica, do-


cumental e experiência trocadas em sala de aula, onde os ensinamentos
dos mestres mostraram o Norte a ser seguido no tratamento jurídico da
água, a bibliografia trouxe a compreensão dos conceitos e as reflexões
que motivaram esse estudo e os documentos fundamentam a realidade
do Estado do Pará confrontada com a expectativa mundial.

A pretensão é trazer uma visão genérica sobre o enquadramento da


água como um Direito Humano, passando pelo tratamento jurídico da
água no ordenamento jurídico brasileiro e, finalmente, analisando de for-
ma crítica a efetividade da Solução Alternativa de Tratamento da Água para
Consumo Humano com Zeólito, batizado de SALTA-Z, no Estado do Pará.

Essa abordagem se faz necessária tendo em vista que apesar da SAL-


TA-Z ser uma solução barata e eficaz de se levar água potável e de boa
qualidade as comunidades carentes, menos populosas, a maioria dos
municípios paraenses, elegíveis para receber o sistema, ainda não en-
camparam essa ideia, tornando o acesso a água potável uma realidade
distante da maioria da população do Estado.

Voltar ao índice
952
Nesse diapasão, percebemos que mesmo com a evolução no trata-
mento jurídico da água, com a criação de soluções alternativas de acesso
e a existência de política e recurso público nesse sentido a efetividade na
consecução do direito de acesso a água potável é mínima no Pará.

A falta ou a insuficiência de acesso à água potável deve constituir uma


preocupação constante de todos e não apenas dos gestores públicos, deven-
do, a sociedade como um todo, participar da busca de sua implementação.

A SALTA-Z, pela sua viabilidade, alternativa simples e acessível, preci-


sa ser abraçada por todos para atingir a sua máxima efetividade.

Por esta razão que análise crítica aqui exposta se faz importante, pois dessa
forma poderemos verificar as distorções na implementação de tão importante
programa, para que assim sejam apontadas novas diretrizes para uma gestão
efetiva e eficiente dos recursos disponibilizados e o, consequente, acesso pelas
comunidades vulneráveis ao direito humano de ter água potável.

2. A ÁGUA COMO UM DIREITO HUMANO

2.1. O tratamento jurídico da água na ordem internacional: uma


digressão ao longo do tempo

O enquadramento jurídico da água sempre esteve presente, de uma forma


ou de outra, na ordem jurídica mundial, porém, com o avanço das atividades
econômicas e o seu uso indiscriminado, tornou-se uma necessidade urgente.

No âmbito Internacional, a água já vinha sendo tratada como um Di-


reito Fundamental, tendo em vista a sua indispensabilidade a vida e a

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953
Estudos de Direito do Saneamento

Dignidade da Pessoa Humana2. Fato que foi observado no Pacto de Direi-


tos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966.

A Conferência da Organização das Nações Unidas - ONU sobre águas


de 1977 reconheceu, de forma inédita, o direito das populações, quais-
quer que sejam seus estágios de desenvolvimento e suas condições so-
ciais e econômicas, o direito ao acesso a água potável em quantidade e
qualidade à altura de suas necessidades básicas.

Em dezembro de 1979, a Convenção sobre a eliminação de todas as formas


de discriminação contra as mulheres, definiu, entre os direitos assegurados as
mulheres pelos Estados signatários, o acesso à água potável e ao saneamento
básico. A referida convenção foi promulgada no Brasil por meio do Decreto n.º
4.377, de 13 de setembro de 2002, ou seja, 23 anos depois de ser firmada.

Nesse percurso de reconhecimento da água como Direito Humano,


podemos citar também a Convenção sobre Direitos da Criança datada de
novembro de 1989 e promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 9.710, de 21
de novembro de 1990, no qual a água e o saneamento básico devem ser
garantidos a todas as crianças dos países signatários, objetivando comba-
ter a desnutrição, doenças e mortalidade infantil.

Tratamento semelhante pode ser visto no 4.º Principio da Conferên-


cia de Dublin de 19923 que assim expressa: “é vital reconhecer primeiro

2 T. V. Gonçalves e Silva, O Direito Humano de Acesso à Água Potável e ao Sanea-


mento Básico. Análise da Posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, disponível
em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/projetos/qualidade-
da-agua/boletim-das-aguas/artigos-cientificos/o-direito-humano-de-acesso-a-agua-pota-
vel-e-ao-saneamento-basico-analise-da-posicao-da-corte-interamericana-de-direitos-hu-
manos/view (acessado em: 20 de agosto de 2019).
3 Organização das Nações Unidas, The Dublin Statement on water and sustainab-
le development, 1992, disponível em: http://www.wmo.int/pages/prog/hwrp/documents/
english/icwedece.html (acessado em 10 de agosto de 2019).

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954
o direito básico de todos os seres humanos a terem acesso a água limpa
e saneamento a um preço acessível”.

Na década de noventa, a preocupação ambiental passa a ocupar a


agenda da grande maioria dos Países e de Organismos Internacionais, pois
é necessária uma mudança comportamental urgente para não agravar ain-
da mais a degradação do meio ambiente e o futuro das próximas gerações.

Diante dessa preocupação foi realizado, no Rio de Janeiro, nos dias


03 a 14 de junho de 1992, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como RIO-92 ou ECO-92, tendo
sido elaborada a agenda 21, na qual, entre os muitos temas abordados,
consolidou-se o direito de todos os povos à água potável.

Podemos citar, também, a Declaração Política da Conferência Mun-


dial sobre Desenvolvimento Sustentável, de setembro de 2002, na qual
traz a diretriz de que para se garantir a dignidade da pessoa humana é
fundamental que seja assegurado o acesso a água potável.

Já no ano de 2004, na Conferência do clima de Berlim, foi qualificado que o


acesso à água potável deve ser de forma suficiente, segura, aceitável, fisicamen-
te acessível e ofertada para atender as necessidades vitais do ser humano4.

No ano de 2006, a convenção sobre direitos das pessoas com de-


ficiência declara que dentro do direito à vida adequada está o direito
à água limpa. Referida convenção foi promulgada pelo Brasil em 25 de
agosto de 2009, por meio do Decreto n.º 6.949.

4 Organização das Nações Unidas, Organização das Nações Unidas Para Educa-
ção, Ciência e Cultura (UNESCO), Resultados da Reunião Internacional de Peritos sobre o
Direito à água, Paris, 7 e 8 de julho de 2009, disponível em: https://unesdoc.unesco.org/
ark:/48223/pf0000185432_eng (acessado em 10 de agosto de 2019).

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955
Estudos de Direito do Saneamento

Finalmente, no dia 28 de julho de 2010, a Assembleia Geral da Organiza-


ção das Nações Unidas declarou, por meio da Resolução n.º 64/292, a água
potável e o saneamento básico como um Direito Humano essencial a vida5.

E não há como ser diferente, posto que não há vida sem água.

Tão essencial quanto o ar que respiramos, devendo-se garanti-la em


qualidade e quantidade que garantam a sobrevivência, posto que o aces-
so à água e ao saneamento básico compõem o núcleo elementar e pri-
mário do direito a dignidade da pessoa humana6.

Não há como se garantir acesso a outros direitos, tais como à saúde,


ao bem-estar, a moradia digna, a alimentação, dentre outros, sem que
antes se assegure às pessoas o acesso a uma quantidade mínima de água
potável, nesse sentido faz-se necessário compreender como o nosso or-
denamento jurídico trata o direito à água.

2.2. O tratamento jurídico da água no Brasil

O Tratamento jurídico das águas, pela sua complexidade e essenciali-


dade para a geração presente, bem como para as gerações futuras, deve
partir do prisma fundamental de que, apesar de um recurso natural re-
novável, não se trata de um bem infinito.

E partindo-se dessa premissa, qual seja, a de que as águas são finitas,


é que se deve encarar e construir todo o seu regramento jurídico.

Porém, nem sempre se enxergou o seu tratamento jurídico desta forma. Tendo
essa preocupação se tornado mais evidente nas últimas décadas do século passado.

5 S. A. Shimada Kishi, Acesso à água potável e ao saneamento básico como Direito


Humano Fundamental no Brasil, Temas Aprofundados do Ministério Público Federal, VITO-
RELLI, Edilson (Org.), Salvador/BA-Brasil, Editora Juspodivm, p.2, 2014.
6 C. Ferreira Macedo D’isep, Água juridicamente sustentável, Revista dos Tribunais, 2010.

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956
No Brasil, antes de 1988, o regramento das Águas era disciplinado pelo Decre-
to n.º 24.643/1934, chamado de Código das Águas de 19347, onde as águas eram
classificadas, quanto a sua titularidade, em águas públicas, águas comuns e águas
particulares. As águas públicas poderiam ser de uso comum ou dominicais.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de


1988, as águas particulares previstas naquele diploma deixaram de existir
em nossa legislação, bem como foi extinta a titularidade pública municipal8.

Desta forma, atualmente, não mais existem águas particulares e nem


municipais, mas tão somente federais, estaduais e, ainda, águas distritais.

Fato que leva a maioria da doutrina pátria a entender que “todos os corpos de água
passaram a ter domínio público, ou seja, não podem ser livremente apreendidos” 9.

Assim, é necessário compreendermos que os municípios não pos-


suem o domínio ou a titularidade das águas, mas tem o poder-dever de
zelar, fiscalizar e buscar a sua proteção, por decorrência mandamental
prescrita nos incisos VI e XI, do artigo 23, da Constituição Federal, sendo
este poder-dever competência comum de todos os entes federativos.

A nossa Constituição perdeu a oportunidade de ter avançado consa-


grando as águas como um direito fundamental expresso, fato que eleva-
ria sua proteção e seu acesso.

7 BRASIL, Planalto, Decreto nº. 24.643 de 10 de julho de 1934, Código das


Águas, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D24643.htm (acessa-
do em 05 de agosto de 2019).
8 E. Moreira Barbosa e M. F. Nóbrega Barbosa, Direito de Águas, Arranjo jurí-
dico-institucional, política e gestão, Revista de informação legislativa, v. XLIX, n. 194, pp.
147-157, abr./jun. 2012, disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/496583
(acessado em: 05 de agosto de 2019).
9 G. P. Primor Ribas, O tratamento jurídico dos recursos hídricos no Brasil e nos
Estados Unidos da América, Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. XIII, n. 27, pp.
179-207, set./dez. 2016, disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/
veredas/article/view/838 (acessado em 12 de agosto 2019).

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957
Estudos de Direito do Saneamento

Podemos, então, atrelar o direito à água ao princípio da dignidade


humana, ao direito à vida, com o direito à saúde e ao bem-estar social.

No nível infraconstitucional, a Lei n.º 9.433/199710, instituiu a Política Nacional


de Recursos Hídricos, formatando um novo arcabouço jurídico-institucional ao trata-
mento jurídico da água no Brasil, qualificando-a como um bem de domínio público,
limitado e dotado de valor econômico, conforme podemos extrair do seu artigo 1.º11.

Assim, diferentemente do tratamento dado pelo Decreto n.º 24.643,


de 10 de julho de 1934, a água foi considerada bem de domínio público,
ou seja, o seu aproveitamento e exploração deve seguir, em regra, os dit-
ames legais para se obter a devida autorização dos órgãos competentes.

Consagrou-se, assim, a supremacia do interesse público sobre o privado.

A Política Nacional de Recursos Hídricos humanizou o tratamento ju-


rídico das águas ao estabelecer que o seu uso deve ser múltiplo, porém,
em casos de escassez, o uso será prioritário para o consumo humano e a
dessedentação dos animais12 (inciso III, do artigo 1.o).

10 BRASIL, Planalto. Lei no. 9.433 de 08 de janeiro de 1997, Política Nacional de


Recursos Hídricos, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9433.htm
(acessado em 05 de agosto de 2019).
11 Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo hu-
mano e a dessedentação de animais;
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação
do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
12 BRASIL, Conselho Nacional do Ministério Público, Revista do CNMP: água, vida e
direitos humanos / Conselho Nacional do Ministério Público, Brasília: CNMP, 2018, p.193.

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958
E em seu artigo 15, estabelece que a outorga do direito de uso dos recur-
sos hídricos pode ser suspensa total ou parcialmente, em definitivo ou por pra-
zo determinado, a fim de possibilitar a sobrevivência humana e dos animais.

Já o artigo 2.o, da lei n.º 9.433/97, traz os objetivos da Política Nacional de


Recursos Hídricos, que tem estreita relação com o artigo 225 da Constituição
Federal Brasileira13, posto que este dispõe que todos têm direito ao meio am-
biente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de
defende-lo e preservá-lo paras as presentes e futuras gerações, enquanto que
aquele traz em seus incisos que sejam assegurados para a geração presente
e para as futuras a necessária disponibilidade de água, o seu uso racional, a
prevenção e a defesa da água contra eventos hidrológicos críticos e incentiva
e promove a captação, a preservação e o aproveitamento das águas pluviais.
No artigo 3.º, estão as diretrizes da Política Nacional de Recursos Hí-
dricos, onde o legislador fixou a integração da gestão de recursos hídricos
com a gestão ambiental, a articulação da gestão de recursos hídricos com
a do uso do solo e, mais especificamente, a integração da gestão das bac-
ias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras.
A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, em seus cinquenta e sete
artigos, tratou, entre outros temas, sobre diretrizes gerais de ação para sua
implementação, sobre seus instrumentos, dos planos de recursos hídricos,
sistemas de informações, enquadramento dos corpos de água em classes
segundo o seu uso preponderante, sobre a outorga de direitos de uso dos
recursos hídricos, materialização ao princípios do usuário-pagador e do po-
luidor-pagador ao estabelecer a cobrança pelo uso dos recursos hídricos e
instituiu o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos.

13 BRASIL, Planalto, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dispo-


nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm (acessado
em: 01 de agosto de 2019).

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959
Estudos de Direito do Saneamento

O Legislador infraconstitucional demonstrou, com precisão, que a


gestão de recursos hídricos só alcançará sucesso se levar em conta as in-
ter-relações existentes entre esses recursos e os demais recursos naturais.

E foi visando esta inter-relação, que a Lei n.o 11.445/200714, que teve
seu bojo recentemente alterado pela Lei n.o 13.312/2016, preconizou,
em seu artigo 2.o, os princípios fundamentais que nortearão os serviços
públicos de saneamento básico, dentre os quais destacamos os incisos
III e IV15, pois neles temos a vinculação do abastecimento de água, da
drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva
das respectivas redes à saúde pública, segurança da vida e patrimônio

14 BRASIL, Planalto, Lei no. 11.445 de 05 de janeiro de 2007, Diretrizes Nacio-


nais para o Saneamento Básico, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm (acessado em 05 de agosto de 2019).
15 Art. 2o Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base
nos seguintes princípios fundamentais:
I - universalização do acesso;
II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes
de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso
na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados;
III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resí-
duos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente;
IV- disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e manejo das
águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes, adequados à saúde
pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado;                      
V - adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais
e regionais;
VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação,
de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde
e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para
as quais o saneamento básico seja fator determinante;
VII - eficiência e sustentabilidade econômica;
VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento
dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas;
IX - transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisó-
rios institucionalizados;
X - controle social;
XI - segurança, qualidade e regularidade;
XII- integração das infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos.
XIII - adoção de medidas de fomento à moderação do consumo de água.                       

Voltar ao índice
960
público e privado, o que demonstra o tamanho da importância da água
e seu poder transformador na sociedade, já que a sua tutela mínima é
capaz de trazer dignidade às pessoas.

2.3. O pleno exercício da água como direito humano

Os direitos humanos, em sua definição, são regras a serem imple-


mentadas para que se possa ter uma vida digna, logo, são os direitos
capazes de garantir a concretização da dignidade da pessoa humana.

Vamos além, esse conjunto institucionalizado de direitos e garantias


servem, também, como forma de proteção contra o arbítrio estatal, de
tal forma que estabelecem as condições mínimas de vida e desenvolvi-
mento da personalidade humana.

Como direito humano essencial à vida, o acesso à água potável e ao


saneamento básico devem ser garantidos a todos os indivíduos, ricos ou
pobres, sejam seus países desenvolvidos ou em desenvolvimento. E esse
acesso deve ser contínuo e em quantidade suficiente para o uso pessoal
e doméstico e, ainda, de fácil acesso.

Quando falamos em fácil acesso, não significa que todas as casas teriam
que ter obrigatoriamente água canalizada, mas que deve haver água potá-
vel a uma distância limite de um quilometro entre a fonte e as residências16.

Infelizmente, apesar do tratamento jurídico dispensado a água na Ordem


Internacional, a realidade de sua concretização está longe de ser atingida, posto
que somente a existência de legislação não é capaz de alcançar a vontade da lei.

16 R. Oliveira Coelho e I. Chagas Pinheiro, O direito humano à água e ao saneamen-


to básico e a sua (não) efetivação no direito brasileiro e no direito internacional, disponível
em: direitodiario.com.br/direito-humano-a-agua/ (acessado em 30 de julho de 2019).

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961
Estudos de Direito do Saneamento

Enquanto as políticas públicas inexistirem, forem ineficientes ou usadas


como instrumento eleitoral de políticos inescrupulosos, as populações sofrerão
as consequências da falta de acesso à água potável e ao saneamento básico.
Sabe-se que a falta de água potável é responsável por 88% dos casos
das doenças diarreicas17, a segunda causa de mortalidade infantil no mun-
do, segundo consta do Relatório de Desenvolvimento Humano de 2006.
No Pará, com base tábua de mortalidade divulgada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, para o ano de 201718, en-
contramos a projeção de que a chance de uma criança não completar
seu primeiro ano de vida é de 16,1%, tendo, no mesmo estudo, o sanea-
mento básico sido relacionado como política pública capaz de impactar,
positivamente, nesse número.

2.4. O papel do Estado na consecução do direito humano à água

Como vimos, a preocupação com o acesso à água não é uma preo-


cupação recente, se deu a partir do momento que a população humana
começou a crescer, estando intimamente ligado à urbanização e aos múl-
tiplos usos que afetam a sua qualidade e quantidade.

A Realidade do Brasil, apesar de ter apresentado alguma melhora, con-


tinua alarmante, a mortalidade infantil apresenta número maior que na Ve-
nezuela e na Síria, segundo o portal Index Mundi19, e no Pará, não obstante
a notória existência abundante de água doce, a realidade não é diferente.

17 Organização das Nações Unidas, O Direito Humano à Água e Saneamento. Co-


municado aos Média, disponível em: https://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/human_
right_to_water_and_sanitation_media_brief_por.pdf (acessado em: 20 de agosto de 2019).
18 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Tábuas Completas de Mortalida-
de, disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9126-tabuas-
completas-de-mortalidade.html?=&t=o-que-e (acessado em: 15 de agosto de 2019).
19 Index Mundo, Mapa Comparativo Entre Países. Taxa de Mortalidade Infantil – Mundo,
disponível em: https://www.indexmundi.com/map/?v=29&l=pt (acessado em: 15 de agosto de 2019).

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962
Percebemos que o que falta é uma maior vontade política na univer-
salização do acesso à água, os governos necessitam compreender que a
crise urbana de água é uma crise de governança, decorrência de políticas
e gerenciamentos fracos, e não um problema de escassez, principalmen-
te no Pará, onde é abundante o volume de água doce.

No Brasil temos que um dos princípios fundamentais da Lei de Diretri-


zes Nacionais de Saneamento Básico, Lei n.o 11.445/2007, é a universali-
zação (artigo 2.o, inciso I), sendo conceituada como a ampliação progres-
siva do acesso ao saneamento básico a todos os domicílios ocupados.

Então, o Estado tem a obrigação de elaborar e implementar progra-


mas e ações que possibilitem a universalização do acesso e criar condi-
ções para que esse direito seja disponibilizado e alcançado.

A Organização das Nações Unidas, na Resolução n.º 64/292, determi-


nou, também, que o papel do Estado é o de garantir os recursos financei-
ros e econômicos capazes de proporcionar este acesso.

Tendo em mente que os direitos fundamentais são invioláveis, o Esta-


do tem na sua responsabilidade a obrigação de alocar recursos suficien-
tes e implementar condições para que todos os indivíduos possam aces-
sá-los ou reivindicá-los. A ideia de universalização é a busca por ofertar
a todos os brasileiros o acesso aos serviços de saneamento básico, sem
barreiras de acessibilidade, seja ela legal, física e ou cultural.

Se o Poder Público se omitir na adoção de políticas de ação com o


intuito de prover direitos para que assim todos possam acessá-los por
seus próprios meios, já estará incidindo na violação do direito em si, con-
sequentemente, em descumprimento da legislação.

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963
Estudos de Direito do Saneamento

De tal sorte que se faz necessária a definição de instrumentos e me-


canismos de proteção dos direitos humanos capazes de obrigar o Poder
Público a suprir a sua omissão, bem como a exercer o controle dos indi-
víduos, quando em desacordo com a lei.

Porém, esse princípio fundamental, se mostra uma realidade distante


em nosso pais, principalmente, nas zonas rurais. Existindo uma desigual-
dade gritante do acesso ao saneamento básico entre as zonas urbanas e
as zonas rurais, sendo os indicadores rurais extremamente desfavoráveis,
tanto no acesso à agua potável, quanto ao acesso ao esgotamento sani-
tário, incluindo aqui o acesso a banheiros.

Não há como tratar essas realidades, zona rural e zona urbana, da mesma
forma, assim como não é viável apenas a transposição de tecnologias. É preci-
so insistir em soluções coletivas para as zonas rurais, onde a dispersão popula-
cional, a baixa renda os tornam pouco atrativos para o investimento privado.

Diante do quadro, é urgente, buscar soluções alternativas de baixo


custo para levar água potável as populações tradicionalmente esqueci-
das e relegadas pelo investimento público e privado.

A proteção dos recursos hídricos é, sem dúvida, essencial, pois sa-


bemos da importância que a água tem dentro da concepção de meio
ambiente equilibrado e protegido, mas primordial se faz a garantia de
acesso a água potável nas comunidades afastadas dos grandes centros
urbanos, muitas vezes esquecidas, já que é mister a essencialidade da
água para a sobrevivência do homem na terra. Razões pelas quais deve
ser tratada como um direito intrínseco à humanidade dos indivíduos.

Assim, a sua proteção passa necessariamente pelo Direito, posto que


seu tratamento jurídico, os meios para sua utilização e os mecanismos para

Voltar ao índice
964
sua defesa devem ser regulados e garantidos pelo Estado, que deve dispor
de recursos públicos para a proteção dos recursos hídricos e acesso à água
potável de qualidade e em quantidade suficiente para a subsistência.

3. A SALTA-Z COMO ALTERNATIVA DE ACESSO À ÁGUA POTÁVEL

A questão ambiental ligada a saúde pública foi se intensificando nas


últimas décadas, ligando a necessidade do progresso com o respeito as
questões ambientais. Os Governos foram cada vez mais exigidos a oferta-
rem às populações melhores serviços públicos, dentre eles, o de univer-
salizar o acesso à água potável e ao saneamento básico.

Porém, essa universalização encontra barreiras de todas as ordens,


dentre as quais podemos citar, a escassez dos orçamentos público diante
de toda a demanda a ser ofertada pelo Estado, a corrupção, as questões
ambientais frente aos interesses econômicos, disputas políticas locais, a
desinformação da população e a desídia dos administradores públicos.

O problema do acesso à água potável e ao saneamento básico é ainda


mais grave, tendo em vista que o seu não oferecimento reflete na saúde
pública, na nutrição, no acesso e rendimento escolar, desenvolvimento
humano e econômico e na geração de igualdade entre os povos.

Em que pese a existência de vasta legislação, no ordenamento jurídi-


co brasileiro, tutelando o direito das águas, a verdade é que o desejado
acesso universal à água potável e ao saneamento básico é uma realidade
ainda distante, segundo dados do site do Instituto Trata Brasil20.

20 Instituto Trata Brasil, Ranking do Saneamento 2019 (SNIS 2017), disponível em:
http://tratabrasil.com.br/images/estudos/itb/ranking-2019/Relat%C3%B3rio_-_Ranking_
Trata_Brasil_2019_v11_NOVO_1.pdf (acessado em: 07 de julho de 2019).

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965
Estudos de Direito do Saneamento

O Brasil tem quase 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada,


quase 100 milhões de brasileiros sem esgotamento sanitário e, pasmem,
pouco mais da metade dos esgotos gerados no país são tratados.

Ainda, segundo o Instituto Trata Brasil, entre o universo das cidades


com mais de 300 mil habitantes, estão entre as piores cidades, no quesi-
to atendimento de esgoto, as cidades de Belém, Manaus, Macapá, San-
tarém, Porto Velho e Ananindeua. Todas cidades da Região Norte, sendo
quatro capitais (Belém-PA, Manaus-AM, Macapá-AP, Porto Velho-RO) e
as outras duas cidades do Estado do Pará.

Segundo dados oficiais constante SNIS (Sistema Nacional de Informa-


ções sobre Saneamento), 83,3% dos brasileiros são atendidos por água
tratada, porém são 35 milhões de Brasileiros que não tem acesso à água
potável, dentre estes, 14,3% são crianças e adolescentes.

Outra questão a ser dita, relacionada a questão da água em nosso


país, está relacionada a aplicação dos recursos nessas áreas. Em 2015
foram 13,26 bilhões de reais os investimentos em água e esgoto. No
ano de 2016 foram 11,51 bilhões de reais, vemos uma diminuição de
quase 2 bilhões de reais.

Esses valores não serão suficientes para cumprirmos o compromisso


de universalizar o acesso à água potável e coleta e tratamento de esgoto
até 2033, conforme prevê o Plano Nacional de Saneamento Básico, e dos
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), metas assumidas junto
à Organização das Nações Unidas.

A Região Norte apresenta muita quantidade de recursos hídricos, no


entanto, suas cidades apresentam sérios problemas referentes ao abas-
tecimento de água e, nesse cenário encontra-se também a Cidade de
Belém, Capital do Estado Pará, mesmo sendo uma das principais Cidades
da Amazônia e banhada por grandes rios e igarapés.

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966
A Região Norte tem apenas 59,2% dos domicílios ligados à rede geral de distribui-
ção, bem menos que os 85,7% do registrado nacionalmente e os 92,5% do Sudeste.

Enquanto isso, é mais comum nesta região o abastecimento por poço


profundo ou artesiano (19,6% contra 6,6% no país) e poço raso freático
ou cacimba (15,0% contra 3,3% nacionalmente).

Em relação ao esgotamento sanitário, enquanto a média nacional de


domicílios ligados à rede geral ou via fossa é 66%, na Região Norte, 69,2%
das residências despejam seu esgoto em fossas não ligadas à rede, con-
forme consta da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua –
Características dos Moradores e dos Domicílios, divulgada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, em 201821.
Nesse contexto, tem-se na região norte do Brasil, onde está localiza-
do o Estado do Pará, a região com a menor porcentagem de população
atendida pelos serviços de abastecimento de água o que retrata a pre-
cariedade do fornecimento na região e o descaso com o qual o Poder
Público tem tratado essa região do país22.

O Estado do Pará integra a região norte do Brasil e é o segundo


Estado mais extenso. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, a população atual é estimada em 8.602.865,
com uma densidade populacional de 6,7 habitantes/km2, possuindo
área total de 1.247.954,666 km23.

21 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Pesquisa Nacional por Amostra


de Domicílios Contínua, disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/traba-
lho/17270-pnad-continua.html?=&t=o-que-e (acessado em 07 de setembro de 2019).
22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Agência IBGE, Norte e Nordeste convivem
com restrições no acesso ao saneamento básico, 2018, disponível em: https://agenciadenoticias.
ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20979-norte-e-nordeste-convivem-
com-restricoes-no-acesso-a-saneamento-basico (acessado em 10 de setembro de 2019).
23 BRASIL, Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Relatório Situacional
Referente ao Projeto SALTA-Z – Solução Alternativa Coletiva Simplificada de Tratamento de
Água no Estado do Pará. Funasa/Superintendência Estadual do Pará, Belém, Funasa, 2019.

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967
Estudos de Direito do Saneamento

Possui cento e quarenta e quatro municípios e é dividido em seis me-


sorregiões: Região Metropolitana de Belém, Região do Baixo Amazonas,
Região do Marajó, Região do Nordeste Paraense, Região do Sudeste Pa-
raense e Região do Sudoeste Paraense.

Belém é a maior cidade do Estado, sendo também sua capital, sendo


também a mais populosa, possuindo população estimada de 1.492.745
habitantes, passando de mais de dois milhões de habitantes quando so-
mados com as populações das cidades que integram a Grande Belém.

As outras regiões paraenses são bem distantes de Belém e pela sua


geografia, dimensão e pela quantidade de rios e igarapés que circundam
todo o estado dificultam ainda mais a universalização do abastecimento
de água potável e o saneamento básico.

Nessas regiões grande parte de sua população ainda obtém água de po-
ços perfurados em seus terrenos ou mesmo de rios e de suas ramificações.

Então, diante de todo esse panorama inicial, surgiu a necessidade


dentro do corpo técnico da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA de
buscar soluções alternativas e simplificadas para levar às comunidades
rurais e ribeirinhas o acesso à água potável.

A Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, Fundação Pública Federal


vinculada ao Ministério da Saúde e integrante do Sistema Único de Saú-
de - SUS, tem como missão institucional promover a saúde pública e a
inclusão social por meio de ações de saneamento e saúde ambiental.

Assim, buscando implementar, na prática, a sua missão institucional, no


ano de 2009, os servidores ELÁDIO BRAGA DE CARVALHO e JOÃO NUNES
MONTEIRO, técnicos do Serviço de Saúde Ambiental - SESAM, integrantes
do quadro de pessoal da Superintendência Estadual da FUNASA no Estado

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968
do Pará desenvolveram uma tecnologia produzida com baixo custo, cuja
manutenção é barata e de fácil manuseio e que vem sendo aperfeiçoada e
testada ano após ano, tendo sido batizada com o nome de SALTA-Z.

A SALTA-Z é uma Solução Alternativa Coletiva Simplificada de Trata-


mento de Água, a ser destinada ao consumo humano, e que, está em
conformidade com a definição preconizada na Portaria Federal (PRC Nº.
05 de 28 de setembro de 2017), Anexo XX, Artigo 5.º, Inciso VII24.

A SALTA-Z é uma ferramenta de grande relevância social, pois além de


ser facilmente aplicada devido a sua viabilidade técnica e operacional, uti-
lizando uma estrutura física simplificada e processo convencional para tra-
tar a água, se tornou um instrumento de transformação social e ambiental.

Conforme exposto na Nota Informativa, de julho de 2018, elaborada pela


Coordenação de Controle da Qualidade da Água para Consumo Humano, a
SALTA-Z trata a água com metodologia convencional completa, usando as eta-
pas de coagulação, floculação, sedimentação, filtração e cloração. Sendo estas
as mesmas etapas usadas pelas estações de tratamento de água dos grandes
sistemas de abastecimento, em se tratando de mananciais superficiais.

A SALTA-Z é, além de uma tecnologia simplificada e barata de trata-


mento de água, um instrumento eficaz no suprimento de água potável
de populações onde os serviços públicos dificilmente serão prestados na
mesma qualidade e intensidade que são nas grandes e médias cidades.

A solução sugerida pelo sistema consiste em melhorar as características or-


ganolépticas, físicas, químicas e bacteriológicas da água, a fim de que se torne

24 BRASIL, Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Manual da solução


alternativa coletiva simplificada de tratamento de água para consumo humano em peque-
nas comunidades utilizando filtro e dosador desenvolvidos pela Funasa/Superintendência
Estadual do Pará, Brasília, Funasa, 2017.

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969
Estudos de Direito do Saneamento

adequada ao consumo humano, objetivando reduzir ou até mesmo eliminar o


consumo de água diretamente do rio, muitas vezes poluída ou contaminada.

O alvo inicial é atingir pequenas comunidades rurais e escolas, pro-


porcionando melhores condições de saúde para essas populações.

A fabricação da SALTA-Z era feita exclusivamente pela Superintendência


Estadual da FUNASA no Estado do Pará. Porém, no ano de 2016, o Presiden-
te da FUNASA entendeu que essa tecnologia social deveria pertencer a Ins-
tituição e sua utilização ser estendida para todas as unidades da federação.

Desta forma, os técnicos da FUNASA-PA realizaram encontros para


capacitar outros técnicos das demais Superintendências Estaduais, ob-
jetivando ensiná-los a compreender a nova tecnologia, bem como o seu
modo de fabricação, uso, seus mecanismos de tratamento, implementa-
ção, manutenção e acompanhamento.

Com a realizações dessas oficinas, pode-se dizer que as Superinten-


dências Estaduais de todas as Unidades da Federação possuem o conhe-
cimento sobre toda a tecnologia do SALTA-Z, estando aptas a implantar a
nova ferramenta em seus Estados.

Conforme, já informado acima, a princípio, a utilização de recursos


com a fabricação da SALTA-Z se concentrou na Superintendência Estadual
da FUNASA no Estado do Pará, tendo em vista ser a única fabricante.

No entanto, essa metodologia foi encampada pelo Presidente da Funasa, em 2016,


por entender como estratégica na modificação social de pequenas comunidades.

Foi estabelecido que as Superintendências Estaduais firmariam com


os municípios interessados um Acordos de Cooperação Técnica para a
instalação dos kits da SALTA-Z, tal acordo é um instrumento em que a
Administração Pública formaliza parcerias com outros entes públicos vi-
sando a soma de esforços para se atingir um objetivo comum de interes-

Voltar ao índice
970
se público25. Há nesse instituto, pela sua natureza, a união de esforços e
colaboração para a consecução de interesses convergentes.

A FUNASA, por meio de sua equipe técnica, ao firmar o Acordo de


Cooperação Técnica, assume as seguintes obrigações:  

1. capacitar técnicos municipais e representantes das


comunidades beneficiadas com relação aos aspectos
técnicos-operacionais da SALTA-Z, com o intuito de
fomentar a sustentabilidade dos sistemas;
2. fornecer as unidades da solução alternativa SALTA-Z
para o Município, em conjunto com dosadores, para
monitoramento de cloro residual e coagulantes e
comparador colorimétrico, além dos insumos neces-
sários para a instalação da SALTA-Z;
3. apoiar as ações de controle da qualidade da água, sob res-
ponsabilidade dos gestores da Solução Alternativa Coletiva
Simplificada de Tratamento e Abastecimento de Água Potá-
vel, conforme Portaria MS nº 2914/2011, Portaria Funasa nº
190/2014 e Plano de Trabalho firmados com os Municípios
para ser cumprido dentro da vigência do Acordo;  
4. orientar a seleção dos locais a serem implantados com
os critérios para utilização da SALTA-Z;
5. apoiar tecnicamente as equipes dos Municípios ofer-
tando capacitação para formação de multiplicadores
no campo da Educação em Saúde Ambiental;
6. orientar as equipes técnicas municipais ao monitora-
mento dos indicadores de saúde relativos a comunida-

25 M. S. Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 32.º ed., Rio de Janeiro, Forense, 2019.

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971
Estudos de Direito do Saneamento

de beneficiada com a implantação da SALTA-Z visando


a análise futura do impacto decorrente de tal ação;
7. designar técnicos para apoiar e acompanhar o cumpri-
mento do presente Acordo, conforme metas definidas
em Plano do Trabalho e  Designar equipe técnica para
monitorar e avaliar o desempenho do Programa.

Os Municípios, em convergência, visando atender à necessidade das co-


munidades especiais e rurais no que se refere a água de qualidade potável
para o consumo humano, como resultante da implantação da tecnologia
denominada SALTA-Z, se comprometem, dentre outras obrigações, a:  

1. construir o suporte(elevado) para sustentação do


reservatório de 5.000 litros, bem como manter a se-
gurança dos equipamentos instalados;
2. constituir formalmente grupo técnico composto por ser-
vidores municipais de sua respectiva Secretaria de Saúde,
assegurando a participação de um educador, para desen-
volver todas as atividades relacionadas a implantação da
SALTA-Z, desde a sua implantação, operação, manutenção
e controle da qualidade da água, visando interlocuções
futuras com a FUNASA e o apoio permanente a comunida-
de, como forma de assegurar sustentabilidade;
3. participar com técnicos municipais e representantes
das comunidades beneficiadas dos cursos ofertados
pela FUNASA visando a capacitação e a execução do
equipamento e promoção da saúde ambiental;
4. selecionar as comunidades dentro dos critérios esta-
belecidos no Plano de Trabalho;

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972
5. promover o controle e a vigilância da qualidade da água
para consumo humano e seu padrão de potabilidade, divul-
gando os resultados à comunidade beneficiada, nos termos
da Portaria MS n.º 291/2011 e do Decreto n.º 5440/2005;
6. disponibilizar os meios, instrumentos e insumos necessários
para o efetivo funcionamento e conservação da SALTA-Z.

Esclarecido, de forma sucinta, as incumbências assumidas pela FUNASA e pe-


los Municípios ao firmarem acordo para instalação da SALTA-Z, passemos a fazer
um diagnóstico dos acordos firmados de dezembro de 2017 a setembro de 2019.

4. A REALIDADE DA SALTA-Z NO ESTADO DO PARÁ

Como etapa sequencial e com anuência do Ministério da Saúde, a


Presidência da FUNASA adquiriu, já em escala industrial, 1.125 unidades
da SALTA-Z a serem implantadas em todo o país nos anos 2018 e 2019.

Das 1.125 unidades adquiridas, 18% (205) foram solicitadas pela


Superintendência Estadual do Pará e ofertados aos municípios a fim de
fomentar o controle da qualidade da água para consumo humano por
meio de doação desse sistema.

Para instalação das 205 (duzentos e cinco) unidades da SALTA-Z, entre-


gues a Superintendência Estadual da FUNASA no Estado do Pará, foram cele-
brados Acordos de Cooperação Técnica com 20 (vinte) municípios paraenses,
conforme dados colhidos junto ao SESAM – Serviço de Saúde Ambiental26.

26 BRASIL, Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, Relatório Situacional


Referente ao Projeto SALTA-Z – Solução Alternativa Coletiva Simplificada de Tratamento de
Água no Estado do Pará. Funasa/Superintendência Estadual do Pará, Belém, Funasa, 2019.

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973
Estudos de Direito do Saneamento

Visando apresentar a situação atual, apresenta-se a situação dos


Acordos de Cooperação Técnica firmados pela Superintendência Esta-
dual do Pará - SUEST-PA, assim como as quantidades do SALTA-Z implan-
tados e a implantar por cada município.

Quadro 01 -
Quantidade de SALTA-Z implantadas e funcionando, segundo populações atendi-
das por municípios, quantidade a instalar, dezembro de 2017 a setembro de 2019.

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974
Quadro 02
Número de Acordos de Cooperação Técnica celebrados com os municípios, se-
gundo vigência, patrimônio, termos de Cessão de Uso e Doação e n° de processo.

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975
Estudos de Direito do Saneamento

Verifica-se, pelo cotejamento dos quadros 01 e 02, que apenas 05


(cinco) Municípios, dentre os 20 (vinte) que firmaram Acordos de Coo-
peração Técnica com a FUNASA para instalação da SALTA-Z em seus terri-
tórios cumpriram integralmente os compromisso assumidos e os equipa-
mentos encontram-se operantes e levando água potável as comunidades
atendidas, são eles: Acará (02), Portel (05), Igarapé Miri (03), Almeirim
(03) e São Sebastião da Boa Vista (03).

Os Municípios de Placas (05), Itaituba (06), Bagre (05), Garrafão do


Norte (05) e Curuá (03), tiveram seus instrumentos cancelados a pedido
ou por descumprimento das obrigações assumidas.

Os Municípios de Nova Esperança do Piriá (05), Cametá (05), Gurupá (05),


firmaram seus Termos de Cooperação Técnicas, mas até o momento nenhum
dos equipamentos foram instalados. Diante de tal quadro, houve a prorrogação
dos instrumentos dos dois primeiros Municípios pelo prazo de 90 (noventa) dias.

Em relação ao Município de Gurupá o termo de acordo teve seu pra-


zo expirado, porém, como foi demonstrado pelo gestor municipal que o
elevado para receber o equipamento fora construído, foi autorizado a
convenção de novo Acordo de Cooperação Técnica.

O Município de Abaetetuba, recebeu 54 (cinquenta e quatro) kits da


SALTA-Z, já foram instalados 46 (quarenta e seis) equipamentos, estando
todos em pleno funcionamento e fornecendo água potável, cumprindo
com as exigências da Portaria do Ministério da Saúde, sendo cadastradas
no SISÁGUA, faltando a instalação de 08 equipamentos. Conforme infor-
mação do SESAM, o Município já solicitou a conclusão da instalação.

A Prefeitura de Abaetetuba instituiu o Grupo Técnico – GTM, cuja a


Coordenação do Projeto SALTA-Z ficou sobre a responsabilidade da Secre-
taria de Agricultura e Abastecimento – SEMAGRI. Este GTM é Imposto por
01 coordenador, 01 instalador e 01 desenvolver de ações de Educação em

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976
Saúde Ambiental. Sendo da Secretaria de Agricultura e Abastecimento a
responsabilidade de aquisição dos insumos, bem como de sensibilização
da comunidade para gerenciar e tomar para si a responsabilidade de ge-
rir, preservar e transmitir os ensinamentos recebidos.

O município de Abaetetuba ainda está com somente 85% das uni-


dades requeridas funcionando, mas já demonstra preocupação em ter
uma estrutura de retaguarda capaz de gerir o sistema e mantê-lo em
pleno funcionamento, com a possibilidade de em pouco tempo atingir a
meta de 100%, já é considerado um exemplo a ser seguido.

No Município de Goianésia foram solicitados e instalados três equi-


pamentos, sendo que nenhum dos equipamentos encontram-se em
funcionamento, um deles não está funcionando, em face do furto do
motor da bomba que integra o equipamento, os outros dois por falta
dos insumos necessários para tornar a água potável.

No Município de Prainha, foram solicitados 04 kits da SALTA-Z, des-


tes apenas um ainda não foi instalado, porém a informação prestada é
que a conclusão do elevado para instalação do equipamento dar-se-á
até o final do mês de setembro de 2019. Foi instituído Grupo Técnico,
composto por 04 (quatro) servidores, sendo seu Coordenador o Secre-
tário Geral da Prefeitura.

O Município de Limoeiro do Ajuru recebeu 50 equipamentos, destes


foram instalados e estão em funcionamento 25 (vinte e cinco), sendo
que os 15 (quinze) kits faltantes estão sendo instalados. Foi instalado
Grupo Técnico composto por 03 (três) servidores, sendo seu coordena-
dor o Secretário de Saúde do Município.

Em Porto de Moz, dos três equipamentos ofertados apenas um está


instalado e em funcionamento, os outros dois esperam a conclusão do
elevado para serem concluídos.

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977
Estudos de Direito do Saneamento

Dentre os Municípios, com acordo de cooperação técnica vigente, o mais


atrasado é o Município de Santarém, para o qual foram disponibilizados 25 equi-
pamentos, apenas dois foram instalados, porém nenhum em funcionamento.

Os dois equipamentos instalados não estão em funcionamento por


falta de insumos que custam para o período de três em torno de R$
80,00(oitenta reais), tamanho é o descaso.

É importante trazer a informação constante dos relatórios internos


do SESAM que toda a água, proveniente dos mananciais superficiais dos
municípios objeto deste estudo antes de serem tratadas com a SALTA-Z,
foram analisadas, apresentando resultado bacteriológico com presença
de Escherichia coli - indicando contaminação fecal e, por conseguinte,
imprópria para consumo humano.

Como podemos observar, metade dos municípios acima relaciona-


dos não adotaram as providências assumidas para que os equipamentos
da SALTA-Z fossem instalados ou entrassem em pleno funcionamento.

Fato este que demonstra que, muito além da falta de recursos orça-
mentários, falta vontade política e conscientização dos gestores públi-
cos de que o investimento em saneamento básico gerará ganho social e
financeiro, posto que nos municípios nos quais o equipamento foi insta-
lado e encontram-se em funcionamento houve diminuição nos índices
de internamento por causa de diarreias.

Em uma análise próxima, o percentual de 50% de efetividade na ado-


ção da SALTA-Z não parece ser tão alarmante, porém, se levarmos em
consideração que o Pará possui 144 municípios, que em sua maioria es-
tão localizados em zonas rurais, o fato de apenas vinte municípios bus-
carem esta alternativa de acesso à água potável e somente dez deles de
fato a implementarem, o Estado do Pará está aquém das expectativas no
fomento da realização do direito humano ao acesso à água.

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5. A EFETIVIDADE DO DIREITO HUMANO À ÁGUA

É um sentimento generalizado de que o Estado é o maior violador de


direitos, a população é bombardeada com a informação de que os Go-
vernos não possuem a capacidade, vontade e interesse para investir na
realização dos direitos da população, de tal forma que aqueles que estão
em situação de vulnerabilidade ficam completamente desamparados.

De forma sucinta, o Estado não se posiciona como garantidor da proteção dos di-
reitos humanos e não investe em instrumentos que possam garantir a sua efetivação.

O direito humano ao acesso à água e ao saneamento básico não poderá ser


assegurado se não deixarem de ser vistos como normas meramente programá-
ticas ou retóricas e passarem a serem vistas como cogentes, vinculantes.

A única saída é seguir pelos caminhos dos princípios dos Direitos


Humanos: universalidade, inalienabilidade, indivisibilidade e interde-
pendência, pois só assim o direito será garantido a todos.

Enquanto isso, o que percebemos é o Poder Público caminhando


na contramão, o acesso à água potável é direito humano, que deve ser,
com base na Constituição Federal, provido de forma igualitária (impes-
soal), mas as populações carentes continuam sendo ceifadas do seu
direito, por mera falta de vontade política.

Instrumentos para que o Estado promova a universalização ao acesso à


água potável não faltam, a SALTA-Z é um exemplo prático, barato e de fácil apli-
cação, ainda mais em um estado como o Pará em que há abundância de rios.

O acesso à água potável não é uma opção, mas uma necessidade,


sua implementação é um meio de trazer dignidade a população, no mo-
mento que o Poder Público se comporta de forma omissa passa a violar
o ordenamento jurídico.

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979
Estudos de Direito do Saneamento

Com a criação da SALTA-Z deu-se um largo passo na direção de pro-


mover a realização do direito humano ao acesso à água potável às popu-
lações emergentes, surgira um instrumento modificador poderoso, mas,
infelizmente, a efetividade desta política pública ainda é muito baixa.

Em alguns casos o acordo é firmado com objetivo eleitoral, porém,


após o período de campanha há a desistência do município em dar
seguimento ao acordo firmado, como é evidente nos acordos firmados
entre a FUNASA e os Municípios de Placas, Itaituba, Bagre, Garrafão do
Norte, Curuá, São Sebastião da Boa Vista e Goianésia, que foram cele-
brados em 04 de julho de 2018, último dia do início do defeso eleitoral
e sem que tenham sido submetidos a análise prévia da Procuradoria
Federal Especializada que atua junto a FUNASA/PA.

A realidade brasileira é múltipla, como também serão múltiplas as


soluções para suas problemáticas. A fotografia muda de uma de uma
região para outra, fato que requer das gestões locais a busca incessante
da solução mais adequada para sua realidade.

Se as gestões municipais não tomarem para si a responsabilidade de


implementar as políticas públicas que estão afetas ao seu dia-a-dia, tal
como é neste caso a de se buscar e implementar soluções alternativas
para levar à maior quantidade de pessoas o acesso a água potável, as
populações mais distantes dos grandes centros urbanos continuarão
esquecidas e submetidas as condições sub-humanas a espera de que
promessas seculares sejam um dia atendidas.

Do mesmo modo, é igualmente indispensável a participação das


populações envolvidas. É necessário o entendimento de que a constru-
ção de um futuro melhor depende da participação e do engajamento da
população na escolha das melhores soluções a serem implementadas e
sobre as quais todos precisam ser agentes transformadores.

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980
Enquanto as populações permanecerem inertes diante do quadro social em
que vivem, esperando o movimento da classe política, não haverá futuro melhor.

Os técnicos da FUNASA, visando empoderar as comunidades agra-


ciadas com a SALTA-Z, promovem oficinas nas quais repassam todas as
informações necessárias sobre o equipamento que estão recebendo,
instruindo-as a mantê-lo, inclusive com a sugestão pela divisão dos gas-
tos entre eles, fato que os libertariam da vontade política dos gestores
municipais, que muitas vezes são omissos em fornecer os insumos para
a purificação das águas coletadas, tamanha a falta de compromisso do
Poder Público local para a efetivação do Direito ao acesso à água.

O poder dessas oficinas é de extrema significância, promove a liber-


tação das comunidades que, agregando as informações à sua rotina, po-
dem alterar qualitativamente a sua realidade.

Não obstante a conscientização dos gestores municipais, a participa-


ção efetiva da população envolvida se faz fundamental e urgente, bem
como a participação efetiva dos órgãos de fiscalização, tais como os Tri-
bunais de Contas e do Ministério Público que no âmbito de suas respecti-
vas competências devem participar ativamente na cobrança, fiscalização
e na apuração das omissões dos agentes que não cumprirem com os
compromissos públicos assumidos e, desta forma, deixaram de dar efeti-
vidade ao Direito Humano de acesso à água potável.

6. CONCLUSÃO

Após uma breve análise do tratamento jurídico que o acesso à água


potável recebe na ordem internacional e pelo ordenamento jurídico bra-
sileiro, somado com a sua importância na manutenção da vida, é possível

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981
Estudos de Direito do Saneamento

concluir que muito há a ser feito para ser assegurado efetividade e uni-
versalidade a esse Direito Humano.

Para alcançar esse objetivo, não basta apenas a sua consagração expres-
sa nos mais variados dispositivos legais, sendo necessário que as políticas pú-
blicas existentes sejam encaradas de forma séria por todos os agentes sociais
envolvidos, sob pena de serem apenas normas sem aplicabilidade concreta.

A falta de efetividade das políticas públicas de acesso à água potável das


populações mais carentes do Brasil, passa não somente pela escassez de
recursos orçamentários e a infinidade de problemas a serem solucionados
pela Administração Pública, mas também pela falta de vontade política e
comprometimento dos gestores na consecução de direitos fundamentais.

A SALTA-Z é uma alternativa barata e criativa, capaz de promover uma


transformação significativa nas comunidades em que é instalada, mas
que, pela sua simplicidade, muitas vezes não traz os dividendos eleitorais
que a classe política tanto deseja na utilização dos recursos públicos.

O que fica exposto é a completa falta de compromisso e omissão do


Poder Público local na efetivação do direito ao acesso à água potável.

No Estado do Pará encontramos abundância de rios e igarapés, logo,


não é por causa de escassez de água, mas sim por pura omissão que o
número de pessoas que não possuem acesso à água potável permanece
acima dos 3 milhões e meio.

Dos 144 municípios que integram o Estado, apenas 20 procuraram aces-


sar a SALTA-Z, dentre os quais apenas 25% atingiram a sua plena efetividade.

Desta forma, sem a convergência dos esforços de todos os atores so-


ciais envolvidos, distante continuara o objetivo de se levar agua potável a
todos cidadãos brasileiros.

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982
7. BIBLIOGRAFIA
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Estudos de Direito do Saneamento

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das-aguas/artigos-cientificos/o-direito-humano-de-acesso-a-agua-pota-
vel-e-ao-saneamento-basico-analise-da-posicao-da-corte-interamerica-
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986
Nota Biográfica dos Autores

Adelâine Feijó Macedo


Procuradora Federal. Coordenadora do contencioso em ma-
téria finalística da Fundação Nacional de Saúde-FUNASA. Es-
pecialista em direito processual e em saneamento ambiental.

Adriana de Luca de Alvarenga


Graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e
Membro da Advocacia-Geral da União.Procuradora Federal
em exercício na Fundação nacional de Saúde no Estado do
Rio de Janeiro.

Alyre Marques Pinto


Procuradora Federal da Advocacia-Geral da União. Gradua-
da em Direito pelas Faculdades Unidas Católicas de Mato
Grosso – FUCMT (1993). Pós-Graduada em Direito Tribu-
tário pela Universidade Católica Dom Bosco em convênio
com o Instituto Nacional de Pós Graduação – INPG (2001).
Procuradora Municipal - Prefeitura Municipal de Campo
Grande/MS (1995/2003). Agente Fiscal de Rendas - Prefei-
tura Municipal de Campo Grande/MS (2003/2006).

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987
Estudos de Direito do Saneamento

Ana Salett Marques Gulli


Procuradora Federal da Advocacia Geral da União.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário de
Brasília - UniCEUB. Especialista em Direito Proces-
sual Civil pelo Centro Universitário do Distrito Federal
- AEUDF. Procuradora-Chefe da Procuradoria Federal
Especializada da Fundação Nacional de Saúde-FUNASA. Ex
Procuradora-Chefe da Agência Nacional de Mineração. Ex
Defensora Pública do Estado do Tocantins.

Andrea Paula Andreassa


Procuradora Federal em exercício na unidade de execução da
Procuradoria Federal da FUNASA no Estado do Paraná. Especial-
ista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu
Felipe Bacellar.

Angela Maria Rocha de Almeida Lima


Angela Maria Rocha de Almeida lima é advogada, graduada
pela Universidade Federal de Alagoas-UFAL, foi Advogada da
Companhia de Saneamento de Alagoas-CASAL e Consultora
contratada pela Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, a Ciência e a Cultura- Unesco e atualmente é Assessora
Técnica na Procuradoria Federal Especializada junto à Fundação
Nacional de Saúde-FUNASA.

Cassia Hoshino
Procuradora Federal em exercício da Unidade de Execução da
Procuradoria Federal Especializada da FUNASA em São Paulo,
graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP),
Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Administrativo pela Pon-

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988
tifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – Departa-
mento de Direito Público da Faculdade de Direito.

Cristiane Souza Braz Costa


Procuradora Federal. Graduada em Direito (UFBA). Espe-
cialista em Direito Civil (UFBA). Coordenadora de Convênios
na Fundação Nacional de Saúde-FUNASA.

Dandara Viégas Dantas


Procuradora Federal, Graduada em Direito (UFPE) e em
Relações Internacionais (FIR), Especialista em Direito Tribu-
tário (IBET) e Mestre em Direito Ambiental (UEA). Atua no
consultivo da PFE/FUNASA/AM e-mail: dandara.dantas@
agu.gov.br. Endereço profissional: R. Oswaldo Cruz, S/N -
Glória, Manaus - AM, 69027-000

Daniel Viana Teixeira


Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2002)
e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de For-
taleza (2008). Procurador Federal da Advocacia-Geral da União.
Possui publicações sobre os temas: ética capitalista, teoria da
democracia e desigualdade de gênero. Lattes iD: http://lattes.
cnpq.br/6839726061333920

Darlene Pereira Martins


Natural de Cristalina/GO, Advogada, Servidora Pública há
mais de 10 anos, experiente em convênios e ajustes congê-
neres. Assistente de Procuradoria na Procuradoria Federal
Especializada junto à Fundação Nacional de Saúde desde
2013, Bacharel em Direito, em 2009, pelo Centro Univer-
sitário de Desenvolvimento do Cento Oeste – UNIDESC. Es-

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989
Estudos de Direito do Saneamento

pecialista em Direito Administrativo pela Faculdade Grande


Fortaleza e em Direito do Saneamento na ICJP em parce-
ria com a FVG. Endereço profissional: FUNDAÇÃO NACIO-
NAL DE SAÚDE. Setor de Rádio e Televisão Norte (SRTVN)
- Quadra 701 - Lote D - Edifício PO 700 - Brasília/DF - CEP
70070-069. Telefone: +55 (61) 3314-6624;endereço ele-
trônico: e-mail funcional: darlene.martins@funasa.gov.br;
e-mail pessoal: darleneplemes@gmail.com.br .

Fatima Regina Ribeiro


Graduada em Direito pela Faculdade Integrada Augusto
Motta no Rio de Janeiro (1987). Procuradora Federal da
Procuradoria Federal Especializada da Fundação Nacional
de Saúde, no Rio de Janeiro.

Fernanda Rodrigues de Morais


Procuradora Federal da Advocacia-Geral da União. Graduada
em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Especialista em Direitos Humanos Internacionais (Teo-
ria, Direito e Prática) pela London School Of Economics and
Political Science. Coordenadora de Licitações e Contratos Ad-
ministrativos da Procuradoria Federal Especializada junto à
Fundação Nacional de Saúde. E-mail: fernanda.morais@funa-
sa.gov.br/fernanda.morais@agu.gov.br. Endereço Profissional:
SRTN, Q.701, LOTE D, 70719-040, Asa Norte, Brasília-DF.

Flávio Marzano
Flavio Brasil Marzano é nascido em 31/01/1968. Formado em
Ciências da Computação e Direito, com diversos cursos de
especialização em Ciências da Computação e em Direito. Pós
Graduado em Didática do Ensino Superior, Mestre em Adminis-

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990
tração Pública. Cursou também o mestrado em Direito Empre-
sarial além de dois módulos do doutorado em Direito Consti-
tucional na UBA (Universidade de Buenos Aires). Foi professor
universitário de cerca de 20 matérias do curso de Direito em
diversas faculdades e universidades, além dos cursos de Con-
tabilidade e Administração de Empresas. Lecionou também
em cursinhos preparatórios para concursos. Foi Editor e Apre-
sentador do programa DIREITO EM ACAO, na Rádio Favela, em
Belo Horizonte por cinco anos. Conselheiro da Cruz Vermelha
do Brasil Filial Minas Gerais. Foi advogado e auditor na área
tributária, empresaria e criminal. M.´. I.´. da GLMMG. Há cerca
de vinte anos é é Procurador Federal atualmente lotado na FU-
NASA – Fundação Nacional de Saúde em Minas Gerais.

Ilko Machado
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Membro da
Advocacia-Geral da União, na carreira de Procurador Federal.
Em exercício Procuradoria na Federal Especializada junto à
Fundação Nacional de Saúde.

Ivanilde Herculano da Silva Alves


Graduada em Ciências Contábeis pela Faculdade Unidas de
Várzea Grande/MT (1997). Especialista em Auditoria pela
Universidade de Brasília/DF (2006). Graduada em Direito
pela Universidade Católica de Brasília/DF (2012). Advogada
inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil desde (2012).
Assistente de Procuradoria na Coordenação de Licitações
e Contratos Administrativos da Procuradoria Federal Espe-
cializada junto à Fundação Nacional de Saúde.

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991
Estudos de Direito do Saneamento

José Welton Medeiros Ferreira


Procurador Federal em exercício na Procuradoria Federal
Especializada junto à Fundação Nacional de Saúde- FUNASA

Karla Baião de Azevedo Ribeiro


Karla Baião de Azevedo Ribeiro, graduada em direito pela
Universidade Federal do Ceará – UFC em 1995, Procurado-
ra Federal da Procuradoria Geral Federal/Advocacia Geral
da União, em exercício na Procuradoria Federal Especial-
izada da Fundação Nacional de Saúde, no Piauí.

Luiz Henrique de Castro Pereira


Mestrando em Direito Político e Econômico e Especialista
em Direito Administrativo pela Universidade Presbiteri-
ana Mackenzie; Graduado em Direito pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Procurador Federal
responsável pela Unidade de Execução da PGF/PFE/FUNA-
SA/SP. E-mail: luiz.castro@funasa.gov.br, endereço profis-
sional: Rua Bento Freitas, 46, 5º andar, Vila Buarque, CEP:
01220-000, São Paulo-SP.

Luiz Paulo Ferreira


Graduado em direito pela Universidade Federal do Piauí – UFPI
em 1991, Procurador Federal da Procuradoria Geral Federal/Ad-
vocacia Geral da União, em exercício na Procuradoria Federal Es-
pecializada da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, no Piauí.

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992
Marcela Sales Meinerz

Procuradora Federal. Graduada em Direito (UNIFOR). Espe-


cialista em Direito Público (Universidade Anhanguera). e-
mail: marcela.meinerz@funasa.gov.br/marcela.meinerz@
agu.gov.br. Endereço Profissional: SRTN, Q.701, LOTE D,
70719-040, Asa Norte, Brasília-DF.

Osvaldir Magnani Junior


Procurador Federal em exercício na Unidade de Execução
da Procuradoria Federal Especializada Junto à Superin-
tendência Estadual da FUNASA em São Paulo; Pós-Grad-
uado Lato sensu em Direito Administrativo pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo; Pós-Graduado Lato
sensu em Direito Tributário pela Universidade Presbiteri-
ana Mackenzie de São Paulo; Graduado em Ciências Sociais
pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo.

Renata Tatiana Nunes Junqueira Franco


Procuradora Federal em exercício na Procuradoria Federal
Especializada junto à Fundação Nacional de Saúde no Mato
Grosso. Graduada em Direito (UFMT). Pós-graduada em Ad-
vocacia Pública (Escola da AGU/Instituto para o Desenvolvi-
mento Democrático–IDDE). Pós-graduada em Direito do
Trabalho e Processo do Trabalho (Anhanguera-UNIDERP).
Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil (UCDB).

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993
Estudos de Direito do Saneamento

Rubem Aranovich
Procurador Federal responsável pela Consultoria da Funasa
no RS, Especialista em Direito Ambiental pela UFRGS, Espe-
cialista em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais
pela UFRGS, Especialista em Direito Internacional Público
e Privado pela UFRGS. Especialista em Educação Técnica e
Profissional pela Universidade Gama Filho.

Sandra Valença Santos


Licenciada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
(1999). Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade
Federal de Pernambuco (2000). Procuradora Federal desde 2003.

Tércio Aragão Brilhante


Procurador Federal desde Agosto de 2002. Iniciou sua atu-
ação na advocacia publica federal no contencioso, acom-
panhando processos judiciais no STF, STJ e TST. Atuação
em consultoria e assessoramento jurídicos na Procuradoria
Federal Especializada/FUNASA de final de 2003 a 2006 e
de 2007 até o presente, com intervalo de 1 ano e 3 meses
(circa) em que foi cedido para a Presidência da República a
fim de ocupar cargo de Corregedor Setorial do Ministério
da Justiça, da Controladoria-Geral da União. É o Respon-
sável pela Unidade da PFE/FUNASA no Ceará desde 2008.
Coordenador, substituto, do Colégio de Consultoria das
procuradorias federais junto às autarquias e fundações
públicas federais no Ceará, escolhido pelos pares (biênio
2019/2021). Editor-associado da Revista Opinião Jurídica.
Graduado em Direito (2001) e Mestre em Direito Consti-

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994
tucional (2011) pela Universidade de Fortaleza/Unifor.
Contato: tercioaragao@hotmail.com

Wynston Lima Alexandrino


Graduado pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Especial-
ista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera
– Uniderp. Procurador Federal, lotado na Fundação Nacional
de Saúde – Superintendência Estadual do Pará – FUNASA/PA,
Av. Doca de Souza Franco, 616. Reduto, Belém – Pará, CEP
66053-000, e-mail: wynston.alexandrino@funasa.gov.br.

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995
Estudos de Direito do Saneamento

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996

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