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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de

Araken de Assis)

EXECUÇÃO CIVIL (UM ESTUDO FUNDADO NOS COMENTÁRIOS DE


ARAKEN DE ASSIS)
Revista de Processo | vol. 102/2001 | p. 24 - 54 | Abr - Jun / 2001
DTR\2001\668

José Maria Rosa Tesheiner

Área do Direito: Civil; Processual


Sumário:

1. Introdução - 2. Conceito de execução - 3. Espécies de execução - 4. Elementos da


ação de execução - 5. Exceção de pré-executividade - 6. Ônus da prova - 7. Mérito e
coisa julgada na execução - 8. Responsabilidade do credor - 9. Natureza jurídica da
execução

1. Introdução

Edifico aqui uma teoria da execução fundada nos Comentários ao Código de Processo
Civil (LGL\1973\5) de Araken de Assis (Rio de Janeiro, Forense, 2000, vol. VI). A solidez
do alicerce é garantida por sua experiência como advogado, professor, doutrinador e
juiz.

Comentários não são escritos para serem lidos. Destinam-se a consulta, nas horas dos
desafios dos casos concretos. Seus destinatários são os "jurisfeitores", aqueles que
fazem o Direito no dia-a-dia da atividade forense. Mas eles supõem uma teoria que
coordene logicamente as soluções apresentadas.

Uma teoria da execução Araken de Assis apresentou-nos em outra obra: seu Manual do
processo de execução (São Paulo, RT, 1998), já na 5.ª edição. Por uma questão de
método, ignoro-a, no presente artigo, em que comento seus Comentários.

O que me proponho a fazer é extrair de seu novo livro, sua teoria da execução, qualquer
que tenha sido a que expôs na obra anterior. Em comentários, a doutrina que os informa
fica fragmentada, não tendo outra sistematização que a decorrente dos dispositivos
comentados. Trata-se, aqui, de restabelecer a unidade de pensamento do autor.
Apreender e expor a teoria que, expressa ou implicitamente, fundamenta a exegese dos
dispositivos comentados.

Não se levanta uma edificação obedecendo rigorosamente às linhas do arquiteto. O


construtor introduz modificações que podem até desfigurar o projeto.

Sou este construtor que lê a planta a seu modo, preocupado, não com a fidelidade ao
plano, mas com a solidez da obra.

Não me limito a expor o pensamento de Araken de Assis. Exponho o meu próprio,


rejeitando às vezes suas lições.

O leitor recebe uma síntese, que o convida a participar do debate científico sobre o
processo de execução.

2. Conceito de execução

O que é execução? Uma resposta simples é dizer que execução é o tema de que trata o
Livro II do Código de Processo Civil (LGL\1973\5). Isso seria suficiente para quem se
dispõe a comentar as normas nele contidas. Mais do que isso pode até ser considerado
como perda de tempo. De um modo geral, para os operadores do Direito, não importa o
que é a execução em si. Importante é saber fazer ( know how): saber interpretar e
aplicar o art. 566 do CPC (LGL\1973\5) e seguintes. Creio que devemos a Sócrates essa
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Araken de Assis)

mania de conceituar os fenômenos. Seja útil ou inútil a resposta, não posso deixar de
perguntar: o que é, afinal de contas, execução?

Araken de Assis nos responde que é transformação, operada no mundo dos fatos, com o
emprego da força do Estado, em obediência a um comando judicial. Diz: "Execução, vale
recordar, se realiza no mundo real, implicando variações de fato, e não se contenta com
ordens solenes ou declarações de princípio" (p. 35).

"O ATO EXECUTIVO POSSUI A VIRTUALIDADE DE PROVOCAR ALTERAÇÕES NO MUNDO


NATURAL. OBJETIVA A EXECUÇÃO, ATRAVÉS DE ATOS DESTE JAEZ, ADEQUAR O
MUNDO FÍSICO AO PROJETO SENTENCIAL, EMPREGANDO A FORÇA DO ESTADO" (P.
105).

"A EXECUÇÃO OSTENTA CARÁTER ESPECÍFICO, EXPRESSO NAS TRANSFORMAÇÕES


MATERIAIS DESTINADAS À SATISFAÇÃO DE DIREITOS" (P. 257).

"A NOTA COMUM DOS ATOS EXECUTIVOS RECAI NO DESLOCAMENTO COATIVO,


ABRANGENDO PESSOAS E COISAS, E, NO CASO DE SE DESTINAREM À SATISFAÇÃO DO
DIREITO, NA TRANSFERÊNCIA, TAMBÉM FORÇADA, DE BENS PARA OUTRO CÍRCULO
PATRIMONIAL" (P. 22).

Não constitui execução o cumprimento espontâneo de obrigação declarada ou


constituída por sentença. A espontaneidade exclui o requisito "emprego da força do
Estado".

Não constitui execução a medida prevista no art. 570 do CPC (LGL\1973\5): "O devedor
pode requerer ao juiz que mande citar o credor a receber em juízo o que lhe cabe
conforme o título executivo judicial; neste caso, o devedor assume, no processo, posição
idêntica à do exeqüente".

"INCONCEBÍVEL SE MOSTRA QUE O PRÓPRIO OBRIGADO PROMOVA A INVASÃO DE SUA


ESFERA JURÍDICA QUANDO, NELA, TEM AMPLA LIBERDADE DE DISPOSIÇÃO. O
REMÉDIO PREVISTO NO ART. 570 DO CPC (LGL\1973\5) REFOGE À ÍNDOLE EXECUTIVA,
PORQUE INCOMPATÍVEL COM SUA NATUREZA" (P. 68).

O que dizer, se o devedor entrega a prestação devida, em face de ameaça de prisão ou


multa? Há os que afirmam e os que negam existir execução nessa hipótese. Araken de
Assis não deixa dúvidas sobre o que pensa a respeito: "cumpre não contaminar a pureza
conceitual do ato executivo, inoculando o vírus das restrições ao campo executório,
hauridas da ultrapassada idéia de jurisdição como atividade estatal substitutiva.
Segundo a frágil ressalva, a autêntica execução forçada se realiza contra e
independentemente da vontade do executado (execução direta).

No entanto, visando a função jurisdicional executiva obter aqueles mesmos fins práticos
que teriam sido alcançados se a vontade do indivíduo titular daquela esfera jurídica
houvesse sido conforme ao direito, sem que se lhe possa atribuir o monopólio da tutela
satisfativa, parece consentâneo à multiplicidade das condutas voltadas ao
restabelecimento do império do direito o emprego de vários meios, inclusive os de
pressão psicológica contra o executado, na chamada execução indireta, na hipótese em
que sua colaboração se revela imprescindível à obtenção do bem da vida in natura" (p.
107).

A técnica das astreintes, "apesar de resistências variadas, invocando a proteção de


direitos relacionados à personalidade, constitui instrumento executivo, meio e modo de
forçar o cumprimento da obrigação, mediante a cooptação da vontade do obrigado. Ela
provoca intercâmbio patrimonial e, por isso, refoge ao âmbito dos poderes cautelares do
órgão judiciário" (p. 420).

"Não se revela difícil agrupar os meios executórios em duas classes fundamentais: a


sub-rogatória, que despreza e prescinde da participação efetiva do devedor; e a
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Araken de Assis)

coercitiva, em que a finalidade PRECÍPUA DO MECANISMO RESIDE EM CAPTAR A


VONTADE DO EXECUTADO. AMBAS REPRESENTAM EXECUÇÃO FORÇADA" (P. 24).

Via de regra, a execução visa a tirar bem do patrimônio do devedor, para, transformado
ou não em dinheiro, entregá-lo ao credor. O que dizer se o ato não tem natureza
patrimonial? Se o juiz determina, por exemplo, que a mãe entregue o filho ao pai?
Araken de Assis responde que ainda nesse caso há execução: "a pessoa humana pode
ser objeto de entrega e, conseguintemente, atingida pelo meio executório" (p. 355, com
nota sobre a posição de autores a respeito do assunto).

"O ato executivo possui a virtualidade de provocar alterações no mundo natural.


Objetiva a execução, através de atoS DESTE JAEZ, ADEQUAR O MUNDO FÍSICO AO
PROJETO SENTENCIAL, EMPREGANDO A FORÇA DO ESTADO (ART. 579 DO CPC
(LGL\1973\5)). ESSAS MODIFICAÇÕES FÁTICAS REQUEREM, POR SUA VEZ, A INVASÃO
DA ESFERA JURÍDICA DO EXECUTADO, E NÃO SÓ DO SEU CÍRCULO PATRIMONIAL,
PORQUE, NO DIREITO PÁTRIO, OS MEIOS DE COERÇÃO, ALÉM DA FINALIDADE
TRADICIONAL DE ARREDAR OBSTÁCULOS À REALIZAÇÃO DO DIREITO, TAMBÉM VISAM
OBTER O BEM DA VIDA, MEDIANTE PRESSÃO psicológica. Enquanto a medida dos atos
do processo de conhecimento é seu conteúdo decisório, a do ato executivo consiste na
força" (p. 105-106).

Outra pergunta: é correto falar-se em execução de medida cautelar? A dúvida decorre


da circunstância de que, não raro, afirma-se que a execução visa necessariamente a
satisfazer o credor.

Araken de Assis responde negativamente, ao afirmar que "a força executiva retira valor,
situado no patrimônio do demandado, e o coloca no patrimônio do demandante" (p. 17).
Alarga o conceito de execução, ao dizer que "os atos executivos às vezes não produzem
a satisfação do direito, e, sim, sua simples asseguração, o que se verifica em várias
ações cautelares típicas" (p. 18). Estabelece distinção, ao asseverar:

"Existirá condenação, convenientemente acompanhada do efeito executivo, matriz da


ação executiva, tanto em ações que se adscrevem ao processo de conhecimento (...)
quanto no processo cautelar. É verdade que, neste último caso, o provimento se despe
da função cautelar, representando modalidade atípica de tutela satisfativa. Neste
sentido, condenação haverá na sentença ou na decisão que condena a prestar alimentos
provisionais, conforme explícita previsão do art. 733, caput, do CPC (LGL\1973\5)" (p.
144).

Parece-nos que melhor traduz seu pensamento a afirmação de que só impropriamente


pode falar-se de execução de medida cautelar típica: convém assinalar que, em alguns
casos, não há sequer satisfação do direito, mas simples asseguração dele, denotando o
império da função cautelar, sempre mediante atos que, à falta de melhor terminologia,
se designam de executivos (p. 17).

O conceito de execução assim obtido resta claro contra o pano de fundo da divisão
tripartite dos processos: de conhecimento, de execução e cautelares. Ao ameaçar o
devedor com prisão ou multa, o juiz não se limita a dizer o direito. Por isso, o respectivo
processo desborda do campo do mero conhecimento. Trata-se de execução. O processo
cautelar é outro mundo. Nele praticam-se atos de execução, mas não se trata de
processo de execução. Cabível, pois, falar-se em execução imprópria.

Todavia, como outros autores, Araken de Assis nega cientificidade a essa divisão: "O
artificialismo bradante da divisão tricotômica dos processos, e a pureza funcional dessas
estruturas, não explica por que há cognição em qualquer processo, mesmo executivo e
cautelar, e a misteriosa razão de atos executivos (art. 412, caput, do CPC (LGL\1973\5);
art. 65 da Lei 8.245/1991) ocorrerem dentro do processo de conhecimento" (p. 10).

Esclareço: o art. 412 do CPC (LGL\1973\5) refere-se à condução de testemunha. O art.


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Araken de Assis)

65 da Lei 8.245/91 trata da execução na própria ação dita de conhecimento,


dispensando a propositura de ação de execução de despejo.

Araken de Assis rejeita a classificação tripartite "processos de conhecimento, de


execução e cautelares", mas acolhe a classificação das sentenças proposta por Pontes de
Miranda: declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas.
Tratemos, pois, de conceituar a execução contra o pano de fundo dessa classificação.

Encaixa-se a execução na categoria das ações executivas? A pergunta é ardilosa, porque


Pontes de Miranda classifica as ações segundo a sentença a que tendem, havendo, pois,
ações declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas. Mas há
um detalhe: para Pontes de Miranda, a execução tem a natureza de sentença, porque
constitui entrega da prestação jurisdicional do Estado. Isso vale para Araken de Assis?
Arriscamos dizer que não. Nascido em outra época, já encontrou o obstáculo do art. 162,
§ 1.º, do CPC (LGL\1973\5): "Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo".
Assim, há de haver uma sentença que encerre o processo de execução, mas a execução
como tal não é uma sentença.

A sentença é ato de natureza declarativa. O ato executivo tem natureza material, no


sentido de que não se limita a palavras. A execução não é sentença. Portanto, a
execução não é sentença executiva. A ação de execução tem por finalidade a prática de
atos de execução. Não visa à obtenção de uma sentença (ato de natureza declarativa)
executiva.

Daí decorrem duas perguntas a que Araken de Assis deve responder: 1) o que é ação
executiva? 2) o que é sentença executiva?

Ação executiva é aquela em que os atos materiais de execução se praticam no mesmo


processo em que foi proferida a condenação ou expedido o mandamento, dispensada,
pois, a propositura de ação de execução. Diz Araken de Assis: "Quanto às sentenças
executivas e mandamentais, sua execução se realiza internamente ao processo em que
surgiram, não carecendo da formação de nova relação processual, como sói ocorrer com
a sentença condenatória" (p. 143).

"O art. 621 do CPC (LGL\1973\5) regula a ação executória nascente da condenação civil
ou do título extrajudicial a ela equiparado, e se aplica a quem tiver de prestar coisa.
Excluem-se de seu âmbito todas as ações executivas, reais ou pessoais, reguladas em
procedimentos especiais. Por exemplo, ações de reintegração de posse, de depósito, de
busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, de busca e apreensão de bem
alienado com reserva de domínio, do comodante para reaver a coisa, de despejo, de
nunciação de obra nova, de petição de herança, de imissão de posse, divisão e outras,
que visem à retirada de coisas, previamente indicadas, ilegitimamente na posse do réu.

Essas ações, exemplificativamente arroladas, já ostentam força executiva, e, portanto,


se caracterizam pela prática, internamente à relação processual em que se decide acerca
da legitimidade da posse do réu, do ato executivo necessário à sua restituição. A
autonomia das ações de força executiva, relativamente ao seu cumprimento, que não
carece da instauração de outro processo da natureza executiva, se consolidou, como
revela precedente da 4.ª Turma do STJ: Nas ações possessórias, a sentença de
procedência tem eficácia executiva lato sensu, com execução mediante simples
expedição e cumprimento do mandado" (p. 352-353).

Correspondentemente, sentença executiva ou com força executiva é aquela que autoriza


a prática dos atos materiais de execução no próprio processo em que foi proferida. É
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também aquela que, por si só, satisfaz o credor, como previsto nos arts. 639 e 641 do
CPC (LGL\1973\5). Diz Araken de Assis: "A ação de cumprimento, originada do contrato
preliminar, é dotada de força executiva. Quer dizer, a execução do comando da sentença
se realiza na própria relação processual, e, portanto, é desnecessário inaugurar outra
relação processual. Manifestou-se, com razão, José Carlos Barbosa Moreira, de que, na
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verdade, o assunto de que tratam os arts. 639 a 641 nada tem a ver com o processo de
execução, que, por supérfluo, nem sequer chega a formar-se.

"Essas regras heterotópicas expõem a fragilidade da classificação tripartida e, antes de


expor sua forma de cumprimento (art. 641), apesar de interna ao processo originário, se
impõe avaliar alguns aspectos dessa ação.

"O Estado substitui o comportamento do parceiro inadimplente, no sentido de emitir


declaração de vontade, através de sentença, baseada nos arts. 639, 640 e 641 do CPC
(LGL\1973\5), ou em regras esparsas na legislação extravagante.

(...)

"A sentença do art. 639 do CPC (LGL\1973\5) possui força executiva. Por conseguinte,
ela opera imediatamente a sub-rogação e fornece um título que substituirá o contrato
definitivo (p. 403-404).

"O único pedido correto, para os fins do art. 639 do CPC (LGL\1973\5), reside na
emissão de sentença substitutiva da vontade do réu. Porém, alguns litigantes
desatentos, confundidos por doutrinas errôneas, postulam providência diversa e inútil: a
expedição de alvará para lavrar a escritura pública de compra e venda, por exemplo" (p.
408).

Araken de Assis compartilha com Pontes de Miranda a idéia de que a sentença produz
múltiplos efeitos. Em graus de intensidade diferente, produz efeito declaratório,
constitutivo, condenatório, mandamental e executivo. A sentença que autoriza a
execução, mas em outro processo, exatamente por isso produz efeito executivo, mas é
predominantemente condenatória. A sentença que autoriza a execução no próprio
processo em que foi proferida é predominantemente executiva.

Observe-se que Araken de Assis expõe uma regra: a sentença é (predominantemente)


executiva, autorizando a execução no mesmo processo em que foi proferida, quando se
trata de restituir algo ao credor que já era seu, como ocorre nas ações de reintegração
de posse, de despejo e de reivindicação. A sentença é (predominantemente)
condenatória, exigindo a propositura de posterior ação de execução de sentença, quando
se trata de entregar ao credor parcela integrante do patrimônio do condenado, como
ocorre nas obrigações em geral. Diz: A eficácia executiva "é imediata quando a incursão
na esfera jurídica do réu mira valor identificado, que lá se encontra de maneira já
reconhecida como ilegítima no pronunciamento judicial, e, por tal motivo, dispensa nova
estrutura (processo); e diferida (efeito), ao invés, quando a penetração atinge o
patrimônio legítimo do réu. Neste último caso, há necessidade de nova estrutura,
visando a controlar os atos executivos" (p. 17).

No que se refere às ações de reintegração e de despejo, a lei é clara, no sentido de que


a execução se procede no mesmo processo. No que se refere à ação de reivindicação,
tem-se apenas uma tese, como tal discutível, defendida originalmente por Ovídio A.
Baptista da Silva.

Estabelecida a distinção entre ação/processo de execução e sentença executiva, cabe


perguntar ao autor o que ele entende por sentença mandamental.

As sentenças declaratórias e constitutivas são auto-suficientes. Produzem elas próprias o


efeito pretendido, não exigindo atos ulteriores, de realização prática do comando
sentencial. As sentenças condenatórias e mandamentais são insuficientes ou
incompletas, pois supõem atos ulteriores, de natureza material, para a realização do
direito por elas declarado. Por isso, como já vimos, Araken de Assis afirma haver
execução tanto de sentenças condenatórias quanto de sentenças mandamentais. Se
assim é, qual a diferença entre condenação e mandamento?

Diz o autor que, por intermédio da eficácia condenatória, o juiz reprova o réu e ordena
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que sofra a execução (p. 15). Diz mais: "que o próprio efeito executivo se revela
eliminável, como ocorre na hipótese de se impor prestação pecuniária à Fazenda Pública"
(p. 16).

Não negamos que condenação implica reprovação. Mas esse elemento reprobatório
também se pode encontrar em sentença mandamental. Dizer que, ao condenar, o juiz
ordena a execução é muito forte. Condenando, o juiz apenas autoriza a execução. Mais
ainda: se pode haver condenação sem efeito executivo, nada resta para explicar o que
seja condenação. Preferimos ficar com a idéia de que a condenação abre as portas para
a ação de execução, definindo-a, assim, por seu efeito. Isso nos obrigará a afirmar que a
execução por precatório constitui autêntica execução. A sentença predominantemente
condenatória autoriza a execução, mas em outro processo. A sentença
predominantemente executiva autoriza a execução no próprio processo em que foi
proferida ou é, ela própria, entrega da prestação devida pelo réu.

Segundo Araken de Assis, a sentença mandamental também autoriza a execução, no


que se confunde com a condenatória, execução esta que se leva a efeito no mesmo
processo em que foi proferida, no que se confunde com a sentença executiva. Cabe,
então, perguntar-lhe em que se distingue a sentença mandamental da condenatória e da
executiva.

Na doutrina de Pontes de Miranda, execução é tirar bens do devedor para satisfazer o


credor. Trata-se de um conceito restrito. Não há execução de medida cautelar, porque
acautelar é menos do que satisfazer. Tirar uma criança da mãe para satisfazer o pai não
é execução, porque pessoa alguma integra o patrimônio de outra. Nesse contexto,
apresenta-se indispensável o conceito de sentença mandamental, para um espaço vazio,
não coberto por qualquer outra categoria de sentença. A sentença mandamental não é
(preponderantemente) declaratória ou constitutiva, porque incompleta. Exige atos
materiais ulteriores. Não é (preponderantemente) condenatória ou executiva, porque os
atos que ela autoriza não implicam tirar bem de um devedor para satisfazer um credor.
Nesse mesmo contexto, deve-se falar em cumprimento de mandamento, jamais em
execução de sentença mandamental.

Araken de Assis, todavia, adota um conceito amplo de execução, que abrange até
mesmo a condução de testemunha. Execução é a concretização de um direito, por ato do
juiz, terceiro imparcial. Executa-se a sentença mandamental no próprio processo em que
foi proferida. Nesse contexto, parece não restar vazio, a ser preenchido pela categoria
das sentenças mandamentais, por ele assim definida: "Eficácia mandamental - Foi
graças ao exame empírico das eficácias que se localizou a eficácia mandamental. Ela se
caracteriza pela ordem emanada do órgão judiciário, em ato que só o juiz pode praticar
por sua estatalidade. Enquanto no projeto de adequação do mundo, imposto pela
condenação, o juiz irá sub-rogar o que o obrigado não cumpriu, embora pudesse fazê-lo,
na execução do mandado o mundo se alterará em área que só o réu, e ninguém mais,
poderia agir eficazmente.

"Exemplos de ações mandamentais são os embargos de terceiro e as ações cautelares.


Na common law, o descumprimento da ordem gera o Contempt of Court, ou seja, a
prisão por desobediência.

"Seja como for, a sentença em si não outorga o bem da vida, carecendo ela de
operações físicas em benefício do autor, mesmo que isto ocorra dentro da mesma
estrutura (processo). E convém assinalar que, em alguns casos, não há sequer
satisfação do direito, mas simples asseguração dele, denotando o império da função
cautelar, sempre mediante atos que, à falta de melhor terminologia, se designam de
executivos" (p. 17).

Constata-se, assim, que Araken de Assis tem idéias claras sobre o que seja execução,
ação executiva e sentença executiva, mas não explica bem (pelo menos nesta obra) o
que seja sentença mandamental. Mas isso pouco importa, porque o objeto de seu estudo
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é a execução.

3. Espécies de execução

3.1 Execução direta e indireta

3.1.1 Execução direta

"A sub-rogação, também designada de execução direta, abrange a expropriação (art.


647 do CPC (LGL\1973\5)), o desapossamento (art. 625 do CPC (LGL\1973\5)) e a
transformação (art. 635 do CPC (LGL\1973\5)).

"Aplicam-se tais meios, respectivamente, às obrigações pecuniária, de entrega de coisa


e de fazer fungível.

"Na expropriação se distinguem, outrossim, o desconto (art. 734 do CPC (LGL\1973\5)),


aplicável à obrigação pecuniária alimentar; a alienação (art. 708, I, do CPC
(LGL\1973\5)), a adjudicação (art. 708, II) e o usufruto (art. 708, III), relativas às
obrigações pecuniárias comuns" (p. 24).

"Deve-se a Liebman a difusão da idéia de que a responsabilidade, em vez de elemento


da obrigação, representa vínculo de direito público processual, consistente na sujeição
dos bens do devedor a serem destinados a satisfazer o credor, que não recebeu a
prestação devida, por meio da realização da sanção por parte do órgão judiciário" (p.
207).

"O princípio da responsabilidade patrimonial põe à mostra a sujeição dos bens do


devedor à realização forçada de dívidas de dinheiro e de entrega de coisa certa. Fora daí,
permanece estranho a outras conseqüências do inadimplemento e não regula, por
natural decorrência, a realização de obrigações nas quais a prestação do devedor se
limita a certo comportamento ( facere).

"A orientação de Liebman, calcada na aplicação da sanção processual, explica a atividade


executória restritivamente e, portanto, de modo insatisfatório e incompleto.

"Caracterizar-se-ia a execução, na sua linha de raciocínio, por certas medidas, cuja


atuação se realiza sem colaboração da atividade voluntária do inadimplente. Por isso,
refoge ao seu âmbito as medidas coercitivas, a exemplo da astreinte (arts. 644 e 645 do
CPC (LGL\1973\5)), porque, apesar de seu caráter coativo, essas medidas visam
conseguir a satisfação do credor com a colaboração do devedor.

"Evidente se revela o erro de Liebman ao outorgar tal elastério ao princípio contemplado


no art. 591 do CPC (LGL\1973\5), e restringir o fenômeno executório a medidas
patrimoniais" (p. 209).

3.1.2 Execução indireta

"A coerção, designada de execução indireta, utiliza a ameaça de prisão (art. 733, caput,
do CPC (LGL\1973\5)), infligida na obrigação pecuniária alimentar, e da imposição de
multa em dinheiro (astreinte), receitada, indiferentemente, às obrigações de fazer
fungível e infungível (arts. 644 e 645 do CPC (LGL\1973\5))" (p. 24).

"A seu tempo, José Alberto dos Reis já advertia: Não se deve ter como absolutamente
certo que a falta de cumprimento de uma obrigação civil nunca autoriza a aplicação de
sanções restritivas da liberdade pessoal. Entre nós, a execução da obrigação alimentícia
prova que a atividade executiva não é somente patrimonial" (p. 210).

3.1.3 Sobre a prisão

"O deferimento do regime aberto ao executado constitui amarga pilhéria. Dele não
resultará, seguramente, estímulo real sobre a vontade renitente do devedor. O controle
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do cumprimento, ademais, se revela difícil e, na maioria das vezes, improvável; assim,


terminará inócua a ameaça derivada do meio executório" (p. 36).

O autor admite a prisão mesmo no caso de alimentos indenizativos (p. 271).

3.1.4 Sobre as astreintes

"Já se defendeu a harmonização do caráter cumulativo da astreinte, que, em vista disto,


alcançará montante considerável, com o princípio do enriquecimento injustificado,
reduzindo seu valor ao das perdas e danos. Isto acabará por desfazer os propósitos
intimidativos da pena. Corretamente, a 3.ª Turma do STJ proclamou a inexistência de
limites à fixação e ao acúmulo da astreinte, porquanto ela objetiva a garantir a
efetividade do processo" (p. 34).

Obrigação de fazer infungível. "Ao contrário do que induz a acreditar o art. 638 do CPC
(LGL\1973\5), o credor dispõe da coerção patrimonial para obter execução específica"
(p. 400).

3.2 Execução contra a Fazenda Pública

Ao tratar da sentença condenatória, afirma o autor que "o próprio efeito executivo se
revela eliminável, como ocorre na hipótese de se impor prestação pecuniária à Fazenda
Pública" (p. 16). Isso induz a crer que não haveria execução contra a Fazenda Pública.

Contudo, seu pensamento revela-se mais claramente na seguinte passagem: "Evidente


se revela o erro de Liebman ao outorgar tal elastério ao princípio contemplado no art.
591 do CPC (LGL\1973\5), e restringir o fenômeno executório a medidas patrimoniais.
Na execução contra a Fazenda Pública, para demonstrá-lo no próprio campo das
obrigações pecuniárias, se localiza magnífico exemplo. Ela não constitui exceção àquele
princípio, mas prova cabal da existência de restrições à responsabilidade patrimonial,
como ressalva a parte final do art. 591 do CPC (LGL\1973\5). Segundo Liebman, como
toda condenação implica, tout court, uma sanção, a sentença condenatória da Fazenda
Pública, que não permite a agressão patrimonial e, nada obstante, constitui título
executivo, é simples condenação aparente.

Como afirmou Pontes de Miranda, há na idéia não somente erro, mas absurdo, por força
da influência maléfica de escritores italianos. Na verdade, há simples regime especial,
decorrente da impenhorabilidade dos bens públicos, avultando a ameaça de seqüestro
como mecanismo coercitivo" (p. 209-210).

3.3 Execução provisória

"Consagrada pelo uso, a palavra provisória não representa, adequadamente, o fenômeno


sob exame, porque se cuida de adiantamento" (p. 190).

"Parece relativamente fácil catalogar as situações em que atos decisórios autorizam a


execução provisória: 1.ª) qualquer decisão interlocutória, cuja carga seja condenatória,
principalmente a antecipação liminar da tutela; 2.ª) qualquer acórdão unânime e não
embargado, pois os recursos especial e extraordinário carecem de efeito suspensivo;
3.ª) a sentença atacada por apelação, que o juiz, mediante decisão, não recebeu e deste
ato agravou o apelante; 4.ª) a sentença agredida por apelação carente de efeito
suspensivo" (p. 194).

É definitiva a execução, na pendência de apelação, sem efeito suspensivo, interposta da


sentença que rejeitou os embargos: "representaria manifesto contra-senso transformar
em provisória execução iniciada definitiva".

"Manifestou-se de acordo com a tese, finalmente, a jurisprudência do STJ, valendo citar


a 4.ª Turma do STJ: É definitiva a execução fundada em título extrajudicial, ainda que
pendente de julgamento a apelação da sentença que repeliu embargos do executado" (p.
Página 8
Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

191).

"Algumas demandas, formalmente cautelares, apresentam carga condenatória - v.g.


alimentos provisionais -, e, portanto, seguem ao aqui disposto" (p. 194).

"O desconto e as coerções, pessoal e patrimonial, se ostentam completamente


inadmissíveis. Tais providências provocam efeitos irreversíveis, contrariando o princípio
da provisoriedade" (p. 197).

4. Elementos da ação de execução

São elementos da ação as partes, a causa de pedir e o pedido. Assim, dispõe o art. 301,
§ 3.º, do CPC (LGL\1973\5) que "uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas
partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Ação que é, também a de execução
tem partes, causa de pedir e pedido".

4.1 Pedido

Costuma-se fazer distinção entre pedido imediato, que indica a natureza do provimento
solicitado (declaração, constituição, condenação, mandamento, execução) e pedido
mediato, que é o bem da vida pretendido pelo autor (dinheiro, coisa certa etc.).

Nas ações executivas lato sensu, o fato de limitar-se o autor a pedir pronunciamento do
juiz, por exemplo, a decretação do despejo, não impede que se proceda, depois, no
próprio processo, à respectiva execução, porque tal decorre da lei.

Nas ações executivas stricto sensu, o autor não só tem que formular pedido de
execução, como indicar o meio executivo pretendido, havendo mais de um, como ocorre
na execução de alimentos, que se pode alcançar por vários meios: desconto em folha de
pagamento, prisão e penhora de bens.

Diz Araken de Assis, após se referir ao pedido mediato:

"Em seguida, para atingir aquele bem da vida, o credor haverá de pedir ao juiz a
atuação de determinado meio executório. À diferença do que sucede no processo
executivo (o autor está a se referir às sentenças executivas lato sensu), o exeqüente
não reclama um pronunciamento, mas atos executivos, em geral devassadores da esfera
patrimonial do executado" (p. 321).

"Existindo mais de um meio executivo (...), cabe ao credor indicar qual o adotado" (p.
327).

4.2 Causa de pedir

Causa de pedir é o fato ou conjunto de fatos alegados pelo autor como fundamento de
sua pretensão (teoria da substanciação). Para que seja acolhido pedido de execução é
indispensável que o autor alegue fatos que, pelo menos em tese, autorizem a execução.

A causa de pedir consiste em alegação do autor. Eventual falsidade da alegação não lhe
retira a natureza de causa de pedir.

O art. 580 do CPC (LGL\1973\5) e seguintes apontam, os requisitos necessários para


realizar qualquer execução, a saber: o inadimplemento do devedor (Seção I) e o título
executivo (Seção II).

Araken de Assis resume: "A causa de pedir, no processo executivo, consiste na


afirmação, realizada pelo credor, de que o obrigado não satisfez, espontaneamente, o
direito de crédito reconhecido no título executivo".

4.2.1 Inadimplemento

A alegação de inadimplemento sem dúvida integra a causa de pedir: o credor precisa


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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

alegar que o credor não pagou, para pedir a execução. Não há coincidência entre o ônus
de alegar e o de provar. Embora o credor tenha o ônus de alegar o inadimplemento para
pedir a execução, é do réu o ônus de provar o adimplemento. Observe-se, também, que
é de mérito o juízo que se faça a respeito da causa de pedir. Julga o mérito a sentença
que afirma que ocorreu ou que não ocorreu pagamento.

Sendo, como é, de mérito a alegação do pagamento, não se pode considerar a alegação


de inadimplemento como condição da ação. Nem se pode qualificá-la como integrante da
causa de pedir passiva, entendida esta como o fato constitutivo do interesse de agir. Não
é o interesse de agir que está em causa. É o mérito.

Araken de Assis comenta: "Na linha de raciocínio de Liebman, faltando o inadimplemento


não socorre interesse em propor a demanda executiva. Efetivamente, o art. 581 do CPC
(LGL\1973\5), 1.ª parte, proíbe ao credor iniciar a execução, na hipótese de o devedor
cumprir a obrigação, que é o reverso do disposto no art. 580, caput, do CPC
(LGL\1973\5) segundo o qual verificado o inadimplemento do devedor, cabe ao credor
promover a execução. No entanto, parece óbvio que o inadimplemento representa a
causa de pedir passiva: Se o autor reclama a restituição da quantia emprestada, a causa
petendi abrange o empréstimo, fato constitutivo do direito alegado e o não pagamento
da dívida no vencimento, fato lesivo do direito alegado. Fato constitutivo da obrigação,
cabe ao credor o ônus de alegar (e provar) o descumprimento da obrigação constante do
título executivo" (p. 319-320).

Parece-me que Araken de Assis tem razão, na crítica que faz a Liebman, por subsumir o
inadimplemento no interesse de agir. Acaba, porém, por incidir no mesmo equívoco, ao
afirmar que ele integra a causa de pedir passiva. Como ele próprio explica, em outra
3
obra para a qual remete o leitor, define-se como causa de pedir passiva o fato
constitutivo do interesse de agir. Assim, ambos estariam de acordo e igualmente
equivocados.

Todavia, o verdadeiro pensamento de Araken a respeito do assunto, vem expresso em


outros trechos de seu livro:

"Quanto ao inadimplemento, como já se assinalou há pouco, a doutrina mais ortodoxa e


fiel a Liebman se rendeu à realidade: o adimplemento é causa da extinção da obrigação
e motivo de improcedência da demanda (Cândido Dinamarco, Marcelo Lima Guerra)" (p.
118).

"Como é notório, influenciado por Liebman, o CPC (LGL\1973\5) em vigor organizou o


título executivo e o inadimplemento como requisitos necessários para realizar qualquer
execução. No entanto, nenhum deles se relaciona com as condições da ação executiva.
O pronunciamento judicial sobre a existência, ou não, de inadimplemento respeita ao
mérito, tanto que cabe ao executado alegar pagamento mediante embargos. A falta de
prova do implemento do termo ou da condição ou do título, é que constituem requisitos
de admissibilidade da demanda executiva. Eventual declaração de que o documento
exibido não é título, porque refoge à tipologia legal, envolve julgamento de mérito."

"Desta maneira, conforme o grau de cognição do juiz, o ato decisório, tendo por objeto o
título e o inadimplemento, variará de natureza. Limitando-se o juiz à prova do título ou
do inadimplemento, há simples juízo de inadmissibilidade; declarando a inexistência
desses elementos, ao invés, proverá o órgão judiciário sobre o mérito" (p. 319).

"Embora a designação de pressuposto, em realidade o inadimplemento, considerando o


trinômio de questões - pressupostos processuais, condições da ação e mérito - que, no
processo brasileiro, ao juiz é dado conhecer, integra o objeto litigioso, ou mérito, da
demanda" (p. 121).

A questão do ônus da prova do inadimplemento, ponto em que Araken e eu divergimos,


será tratada adiante.
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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

4.2.2 Título executivo

Repetimos, aqui, esta lição de Araken de Assis: "A causa de pedir, no processo
executivo, consiste na afirmação, realizada pelo credor, de que o obrigado não satisfez,
espontaneamente, o direito de crédito reconhecido no título executivo."

O inadimplemento não existe como requisito autônomo. Completa-se com a indicação


daquilo que se inadimpliu. O inadimplemento que autoriza a execução é de um crédito
reconhecido no título executivo. Portanto, a alegação da existência de um crédito a que
a lei atribui força executiva também integra a causa de pedir da execução.

Podemos definir o título executivo como o crédito a que a lei atribui força executiva.

Em geral, pensa-se no título executivo como sendo um documento. Nada impede,


porém, que a lei atribua força executiva a um crédito não comprovado
documentalmente. Na vigência do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) de 1939, era
executiva a ação "dos credores por foros laudêmios, aluguéis ou rendas de imóveis,
provenientes de contrato escrito ou verbal" (art. 298, IX). Isso mostra, às escâncaras,
que a exigência de contrato escrito, como hoje exige o art. 585, IV, do CPC
(LGL\1973\5) vigente, não decorre da natureza das coisas, mas resulta de simples opção
legislativa: atualmente, não há execução sem documento.

Araken de Assis, porém, considera título executivo o documento a que a lei atribui força
executiva. Diz: "A natureza do título constitui questão duvidosa, que ensejou célebre
polêmica (Liebman e Carnelutti)" (p. 134).

O pensamento de Carnelutti (...) se harmoniza com a concepção tradicional, atualizada


na expressão documento do ato.

Contrapõe-se Liebman a semelhante noção, coerente à teoria da execução como


realização pelo órgão estatal da sanção prevista na lei, observando, inicialmente, o título
acumula e consolida toda a energia necessária para o procedimento in executivis. Daí
por que o título abstrai sua causa, consistindo a fonte imediata, direta e autônoma da
regra sancionadora e dos efeitos jurídicos dela decorrentes. A eficácia do título, derivada
da lei, torna desnecessária toda a prova do crédito" (p. 134).

"Na realidade, nenhuma dessas prestigiosas opiniões se revela exata e infensa à crítica"
(p. 135).

"Que, na realidade, o título executivo é documento ou ato documentado, parece se


tornar noção vitoriosa, como revela a adesão de Sérgio Shimura, acompanhando a
melhor doutrina. O exemplo do contrato de locação (art. 585, V) bem demonstra seu
acerto: desprovido de forma escrita, não tem ele força executiva, sendo irrelevante a
tipicidade do ato" (p. 135-136).

O título resulta de certa forma especial do ato, e, portanto, é mais lógico e congruente
considerá-lo como documento (Sérgio Shimura, Título executivo)" (p. 136).

"Ele constitui a representação documental típica do crédito (Ítalo Andolina)" (p. 136).

"Previsto o documento num dos tipos arrolados no art. 585, está autorizada a ação
executória; refugindo ele ao catálogo legal, o mesmo se afigura imprestável para basear
a demanda executória. Por isso, se menciona o princípio da tipicidade do título
executivo, cuja eficácia deriva, exclusivamente, da lei" (p. 155).

"O papel do título executivo é o de prova pré-constituída do crédito. Em outras palavras,


o título constitui a representação documental típica do crédito" (p. 320).

Diz ainda Araken de Assis: "O título não institui, a priori, os meios executórios. Eles
dependem, exclusivamente, do regime processual. Por exemplo, a obrigação pecuniária
alimentar possui pródigo leque de meios executórios, totalmente estranhos ao contexto
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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

do título" (p. 138).

"A multiplicação de cópias não compromete o caráter documental do título, nem sua
função probatória" (p. 139).

Juízo a respeito da causa petendi envolve o mérito. Tanto é de mérito a afirmação de


que não ocorreram os fatos alegados pelo autor como fundamento de seu pedido,
quanto a de que, embora verdadeiros, deles não decorre a conseqüência pretendida.
Como a causa de pedir integra o título executivo, segue-se que não constitui
pressuposto processual. Um requisito não pode ser havido, sob o mesmo aspecto, como
pressuposto processual e como mérito. Um exclui o outro.

Tratando dos pressupostos necessários à execução, diz Araken de Assis: "Esses


pressupostos são dois, organizados em ordem invertida, e correspondem àqueles
requisitos prático e legal defendidos pelo processualista (Liebman), também chamados
de substanciais. Tratam-se do inadimplemento (arts. 580 a 582 do CPC (LGL\1973\5)) e
do título (arts. 583 a 586 do CPC (LGL\1973\5)). É certo, do nosso ponto de vista, que
tais pressupostos não condicionam, realmente, a instauração da relação processual
executiva, nem constituem questões de processo. Chegou a tal conclusão Marcelo Lima
Guerra, relativamente ao inadimplemento, elemento que respeita ao mérito da ação
executiva. Desse modo, há que se lamentar, também neste passo, o desacerto de um
Código eleger certa doutrina, a despeito de falsa ou, no mínimo, passível de intensa
crítica" (p. 117).

"Tudo isto vale, por identidade de razões, para o título executivo. No entanto, bem ou
mal, a falta de apresentação do título gera a nulidade do procedimento in executivis,
dentro do regime de invalidades cominadas criado pelo legislador com vistas à execução
(art. 618, I, do CPC (LGL\1973\5)). Assim, o atendimento ao disposto no art. 614, I, do
CPC (LGL\1973\5) constitui pressuposto de validez do processo. Sob tal aspecto,
considerando o trinômio de questões conhecíveis pelo órgão judiciário - pressupostos
processuais, condições da ação e mérito -, inicial desguarnecida do título agasalhará
invalidade, assunto situado naquela primeira classe.

Nada obstante, rejeitando o juiz a execução, quiçá liminarmente, por não haver título
executivo, consoante notou Ovídio A. Baptista da Silva, ainda que pelo só fato de a
inicial se encontrar desacompanhada deste tipo de prova, igualmente decide o mérito. E
não se pode duvidar que, resolvendo desfavoravelmente ao autor, o órgão judiciário
possa ultrapassar o plano dos pressupostos e ir ao mérito, porque inexiste ordem
pré-constituída para o exame dessas questões" (p. 119).

À primeira vista, parece haver contradição entre os dois últimos parágrafos. Havendo
corretamente situado no mérito a existência do título executivo, deparou o autor com a
dificuldade decorrente de ser ele havido pelo Código como pressuposto de validade do
processo (art. 618, I, do CPC (LGL\1973\5)). Veio então a afirmar, primeiro, que, bem
ou mal, trata-se de pressuposto processual e, depois, que o juiz decide o mérito, ainda
que o juiz indefira a inicial pelo só fato de encontrar-se a inicial desacompanhada do
título executivo.

Penso que o mesmo requisito não pode ser havido como pressuposto processual e como
questão de mérito. Uma qualificação exclui a outra.

O autor supera (ou tenta superar) a dificuldade, dizendo: "Em síntese, cumpre distinguir
o grau da cognição judicial. Omitindo o exeqüente a exibição do título, embora afirme
tê-lo, faltar-lhe-á pressuposto de desenvolvimento válido do processo; ao contrário,
asseverando ele que o documento apresentado, embora estranho ao rol dos arts. 584 e
585 do CPC (LGL\1973\5), constitui título, ou que lhe é lícito agir executivamente sem
título, então o juiz se pronunciará sobre o mérito. Em linhas gerais, a distinção
corresponde à avaliação externa ou interna do documento" (p. 129).

Contudo, antes afirmara que o juiz decide o mérito, mesmo se indefire a inicial por
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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

desacompanhada do título. Não me parece relevante a circunstância de o demandante


afirmar "tenho o título, mas o esqueci em casa". Ainda assim estará o juiz indeferindo a
inicial porque desacompanhada do título.

A meu ver, a apresentação do documento a que a lei atribui força executiva não constitui
4
nem pressuposto processual nem integra o mérito. É condição da ação (categoria cuja
existência é negada pelo autor, que adota o binômio - pressupostos processuais e
mérito). O que integra a causa de pedir, constituindo, pois, questão de mérito, é a
alegação do autor de que é titular de crédito a que a lei atribui força executiva. Como a
lei, via de regra, exige prova escrita do crédito e como há casos, como o das cambiais,
em que o crédito e o documento que o representa como que se confundem, nem sempre
se estabelece com clareza a distinção entre o crédito a que a lei atribui força executiva
(mérito) e o documento exigido por lei para que o juiz receba a inicial (condição da
ação).

4.3 Partes

Autor é aquele que pede a tutela jurisdicional; réu, aquele contra quem ou em face de
quem é solicitada essa tutela. É o conceito adotado por Araken de Assis: "Autor é quem
pede a tutela jurídica do Estado, e réu é aquele perante quem esta tutela é pedida
(Rosenberg)" (p. 37).

Portanto, se peço execução contra Pedro, sou autor, ainda que não seja credor e Pedro é
réu, ainda que nada me deva. Ambos somos partes nesse processo.

4.3.1 Legitimidade

Ser parte é uma coisa. Ser parte legítima é outra. Tem legitimidade para pedir a
execução (legitimidade ativa) aquele a quem a lei atribui o poder de promover a
execução, com base no título executivo apresentado ao juiz. Tem legitimidade para
sofrer a execução (legitimidade passiva) a pessoa que, por norma relativa a esse mesmo
título, pode sofrer coerção pessoal ou cujo patrimônio pode ser expropriado, para
satisfação do credor.

"Há casos em que não coincidem os legitimados e aquelas pessoas indicadas no título. O
sub-rogado (art. 567, III, do CPC (LGL\1973\5)), na posição ativa, e o fiador judicial
(art. 568, IV, do CPC (LGL\1973\5)), na passiva, não figuram no título, que é apenas
fonte mediata da legitimação (Cândido Rangel Dinamarco)" (p. 40).

Via de regra, tem legitimidade ativa o credor como tal indicado no título executivo. Pode,
porém, ocorrer substituição processual: autorizado por lei, o substituto processual
promove execução para satisfazer crédito que não é dele, mas do substituído.

Se o Ministério Público atuou como substituto processual no processo de conhecimento,


é como substituto processual que promove a execução. Se obteve condenação em prol
do substituído, é claro que promove a execução para satisfazer, não crédito próprio, mas
do substituído.

Mas Araken de Assis não pensa assim. Diz: "Em relação ao processo de conhecimento,
que originará o título, a legitimidade ativa do Ministério Público poderá ser ordinária ou
extraordinária, conforme acontece, respectivamente, quando defende em juízo
interesses difusos e coletivos, de um lado, e individuais, de outro. No entanto, a
execução é autônoma, e, quanto a ela, porque vencedor da ação. Sua legitimidade se
afigura ordinária primária" (p. 50).

Sobre a legitimidade em geral, observa ainda Araken de Assis: "Quando há coincidência


entre os sujeitos do processo e as pessoas que se encontram autorizadas a conduzi-lo, o
que exige redobradas atenções, haja vista a natureza do ato executivo, já se alcançou
patamar diverso, relativo à parte legítima" (p. 38).

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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

"A falta de legitimidade jamais impede a ação executiva, ou qualquer outra, pois não
constitui empecilho à formação do processo. Quem provoca o órgão judiciário, embora
ilegitimado, se torna parte naquele processo" (p. 39).

"Partes são todos os que, embora flagrante sua ilegitimidade, porque o título executivo
não as menciona, a petição inicial indica, quer no pólo ativo, quer no passivo" (p. 41).

Como outros autores, preocupados em distinguir a legitimidade como condição da ação,


da legitimidade como mérito, Araken de Assis assevera que a primeira implica exame de
meras alegações ( in status assertionis) e a segunda, o das provas produzidas. Diz:
"Inteiramente estanha ao mérito, a noção de legitimidade se cifra à teórica identificação,
in status assertionis, das pessoas legalmente tituladas à demanda executória, ou seja,
examina-se o tema no terreno dos esquemas abstratos, traçados pela lei, para habilitar
alguém ao processo, também chamados de situações legitimadoras. A utilidade desta
noção se revela, na sua inteireza, nos casos de substituição" (p. 39-40).

Como Ada Grinover, entendo incabível essa distinção. A legitimidade decorre da


incidência da lei sobre fatos. Se não são verdadeiros os fatos alegados, a lei não incidiu.
Legitimidade afirmada com base em falsa ou equivocada afirmação do autor não é
legitimidade. É falsa legitimidade. É falta de legitimidade. O exame da legitimidade,
como das demais condições da ação, deve levar em conta a realidade e, portanto, não
apenas as alegações do autor, mas também as provas produzidas.

O que ocorre é que, de regra, a legitimidade não é condição da ação. É questão de


mérito. Se o juiz afirma que não tenho legitimidade porque não sou credor, julga o
mérito. Se afirma que o réu não tem legitimidade porque não é devedor, julga o mérito.
A legitimidade somente se destaca do mérito, constituindo condição da ação, nos casos
de substituição processual. Se alguém, por exemplo, o Ministério Público, promove
execução em favor de terceiro, aí sim têm-se duas questões destacadas: a primeira,
sobre a legitimidade do Ministério Público (condição da ação); a segunda, sobre a
existência de um credor e de um devedor (mérito).

É o que bem viu Araken de Assis, ao observar que: "a utilidade desta noção se revela,
na sua inteireza, nos casos de substituição" (p. 40) e que, "emitindo o juiz provimento
apontando a divergência entre a pessoa que ajuizou a execução e o titular do crédito, ou
da dívida, no sentido de que o primeiro era credor aparente, o segundo devedor suposto,
enfrenta o mérito, abandonando o plano processual" (p. 40).

Suponhamos que alguém peça execução com base em título que não tem força
executiva, por exemplo, duplicata não aceita e sem comprovante da entrega da
mercadoria. Qual a natureza da decisão que indefere a inicial ou extingue a execução?

Segundo o autor, a ilegitimidade é declarada porque o título exibido não consta do rol
dos que autorizam a execução, constituindo falta de pressuposto processual; a decisão é
de mérito se o juiz afirma que outro é o credor ou o devedor de título a que a lei confere
força executiva (p. 41): "Eventual provimento do órgão judiciário declarando que aquela
pessoa não pode demandar ou ser demandada, à luz de certa situação legitimadora, não
julga o mérito, mas examina pressuposto processual" (p. 41).

A nosso ver, ambas são questões de mérito. Em ambos os casos o juiz nega que o autor
tenha o direito de executar. Não tem maior relevância a circunstância de, no segundo
caso, o juiz acrescentar que outrem teria o direito de executar, ou que o autor teria, sim,
esse direito, mas contra aquele réu.

Por igual razão, discordamos da assertiva de que "o equívoco do exeqüente, no


endereçamento da ação executiva, rende juízo de inadmissibilidade" (p. 138). É de
mérito da decisão do juiz que afirma que o autor não tem o direito de executar aquele
réu, embora possa ter o direito de executar um terceiro.

Costuma-se fazer distinção entre débito e responsabilidade. O devedor deve, o fiador


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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

não é devedor, mas responde com seus bens pelo cumprimento da obrigação do
devedor. Diz Araken de Assis: "Essa distinção de responsabilidade, que Liebman
designou de secundária, serve apenas para esclarecer algumas situações legitimadoras
do pólo passivo da demanda executória. Fica nítido, dissociando a dívida da
responsabilidade, que tanto o devedor quanto o terceiro responsável, se afiguram partes
legítimas, a despeito da diferença, no plano material, entre o obrigado e o garante" (p.
211).

"Inteiramente diverso é o destino da conseqüência pretendida através desta distinção,


declarando os responsáveis terceiros, quanto ao processo executivo. O conceito de parte
não autoriza semelhante conclusão, e, de toda sorte, a própria noção de
responsabilidade não induz tal duplicidade incompreensível de papéis. Na verdade, o
obrigado e o responsável são partes passivas na demanda executória porque
executados, sem embargo do fato de que, à luz da relação obrigacional, o primeiro
assumiu a dívida e o outro, não" (p. 214).

Pouco importa que se promova a execução contra o devedor ou contra o responsável. A


legitimação passiva é idêntica. Diz Araken de Assis: "É parte passiva todo aquele cujos
bens se sujeitam à execução" (p. 57).

"Partes legítimas se ostentam todas as pessoas designadas no título. E também os que,


por efeito de situação legitimadora, incorrem na órbita da responsabilidade executiva, a
exemplo do fiador judicial" (p. 41).

"A doutrina que nega a qualidade de parte legítima aos responsáveis, se contradiz, em
seguida, atribuindo legitimidade passiva ao fiador judicial" (p. 57).

"Só é terceiro, no processo executivo, aquela pessoa cujo patrimônio não se sujeita à
execução. Quando o sócio ou o cônjuge respondem pela dívida (...) figuram como
partes, porque o credor pediu ao órgão judiciário a atuação do meio executório na sua
esfera patrimonial e este a autorizou" (p. 211).

4.3.1.1 Do cônjuge do devedor - Recaindo a penhora em bens imóveis, deve ser


intimado também o cônjuge do devedor (CPC (LGL\1973\5), art. 669, par. ún.).
Segundo Araken de Assis, não se trata, no caso, de litisconsórcio passivo: "a intimação
do cônjuge, na expropriação imobiliária, em que pesem respeitáveis opiniões
divergentes, e a orientação da jurisprudência, constitui caso de integração da capacidade
processual (de acordo com o texto, Sérgio Shimura)" (p. 44).

Ficam sujeitos à execução os bens do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios,
reservados ou de sua meação respondem pela dívida (CPC (LGL\1973\5), art. 592, III).
Não é preciso prévia condenação. Se o cônjuge foi condenado, é como devedor (CPC
(LGL\1973\5), art. 568, I) que sofre a execução. Não tendo sido condenado, "o cônjuge
defenderá seu patrimônio, negando a extensão da responsabilidade, através de
embargos de terceiro, ex vi do art. 1.046, § 3.º, do CPC (LGL\1973\5), conforme o
entendimento uniforme da doutrina. É comum a defesa da meação da mulher contra
execução por dívida contraída pelo marido, embora intimada da penhora (Súm. 134 do
STJ). No entanto, admite-se idêntica alegação nos embargos do devedor (STJ, 4.ª T.,
REsp 31.956-4, rel. Min. Fontes de Alencar, j. 09.11.1993)" (Araken de Assis, p. 222).

A citada Súmula 134 dispõe: "Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o


cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação".

Se o credor pede que a penhora recaia sobre bens do cônjuge, afirmando tratar-se de
caso em que seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela dívida, o
cônjuge, a rigor, é réu, porque contra ele o autor formulou pedido de execução. Ele é
considerado terceiro por força de lei (CPC (LGL\1973\5), art. 1.046, § 3.º: "Considera-se
também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados
ou de sua meação"). A equiparação ao terceiro ocorre por identificação com uma
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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

situação limítrofe: a de, penhorados bens na presunção de serem do devedor, vir o


cônjuge com seus embargos (de terceiro), vindo o credor a sustentar a extensão da
responsabilidade na contestação.

4.3.1.2 Do fiador - Não obstante a diferença, no plano material, entre devedor e


responsável, obrigado e garante, um e outro são igualmente partes legítimas passivas
(p. 211).

O fiador é responsável pelo débito. Salvo estipulação em contrário, tem o direito de


exigir que sejam primeiro excutidos os bens do devedor (CC, art. 1.491). É o chamado
benefício de ordem, que não lhe aproveita: se a ele renunciou; se obrigou-se como
principal pagador, ou devedor solidário; se o devedor for insolvente ou falido (CC, art.
1.492).

Não há dúvida de que o fiador é passivamente legitimado para a execução. Entretanto, o


art. 568, IV, do CPC (LGL\1973\5), aponta como sujeito passivo na execução apenas o
fiador judicial. Raciocinando-se a contrario sensu, concluir-se-ia que o fiador
convencional não seria sujeito passivo na execução. Mas isso estaria em contradição com
a afirmação de que o responsável ou garante é legitimado passivo para a execução e
com o disposto no art. 585, III, do mesmo Código, que inclui, entre os títulos executivos
extrajudiciais, o contrato de caução. Ora, a fiança é espécie de caução. Por que, então,
referiu-se aquele dispositivo apenas ao fiador judicial e não simplesmente ao fiador?

Responde-se: para que se legitime passivamente o fiador convencional, é preciso que ele
conste, como tal, no título executivo extrajudicial ou judicial. Se a sentença condenou o
devedor, mas não o fiador, contra este não pode ser promovida a execução. Mas o fiador
judicial é legitimado passivamente, independentemente de prévia condenação, por força
do art. 568, IV, do CPC (LGL\1973\5).

Seja convencional ou judicial a fiança, haja o fiador se obrigado como principal pagador,
ou devedor solidário, "subsiste a posição do fiador como garante subsidiário e eventual,
e, desenganadamente, continua ele apenas responsável" (Araken de Assis, p. 60). Daí
tirou o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão citado pelo autor, uma importante
conseqüência: a carta de fiança somente é título executivo se o credor igualmente tem
5
título executivo contra o devedor principal.

Tendo pago a dívida, o fiador passa a ter legitimidade ativa, para executar o afiançado
nos autos do mesmo processo (CPC (LGL\1973\5), art. 595, par. ún.). Observa Araken
de Assis que essa cláusula final, "induz a falsa idéia de que o fiador executará o
afiançado quando e se demandado ou executado, com base em título judicial ou
extrajudicial, vez que lhe autoriza veicular seu direito no mesmo processo. Em realidade,
por força da sub-rogação, surgirá pretensão a executar a despeito de o fiador solver,
voluntariamente, a obrigação do afiançado" (p. 250).

"O FIADOR POSSUI LEGITIMIDADE PARA PROMOVER A EXECUÇÃO SE O CREDOR


PERMANECE INERTE OU RETARDÁ-LA FRENTE AO AFIANÇADO. IDENTICAMENTE, O
FIADOR OU O ABONADOR, DOTADOS DE LEGITIMIDADE PARA PROPOR A EXECUÇÃO,
OSTENTEM JURÍDICO INTERESSE PARA INTERVIR EM PROCESSO PENDENTE, OBJETIVO
BEM MENOS AMBICIOSO DO QUE EXECUTAR, E, NADA OBSTANTE, ACEITÁVEL. ESTE
EXEMPLO BASTA PARA JUSTIFICAR A ADMISSIBILIDADE DA ASSISTÊNCIA" (P. 46).

Podendo o mais, que é executar, o fiador pode o menos, qual seja, assistir o exeqüente.

4.3.1.3 Do sócio - Ficam sujeitos à execução os bens do sócio, nos termos da lei (CPC
(LGL\1973\5), art. 592, II). Araken de Assis comenta: "Este dispositivo (art. 592, II, do
CPC (LGL\1973\5)) estende a eficácia do título executivo, judicial ou extrajudicial, ao
sócio solidário ou subsidiariamente responsável pela dívida. Do contrário, imperiosa se
mostraria a prévia condenação do societário. Nenhuma aplicação tem a regra, porém,
quanto às sociedades de fato ou irregulares (...), pois a transparência da pessoa jurídica
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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

enseja responsabilidade primária (p. 216)".

"O art. 592, II, do CPC (LGL\1973\5) outorga legitimidade extraordinária ao sócio, nos
termos da lei. Esse dispositivo ampliou a eficácia do título ao sócio solidário ou
subsidiariamente responsável pela dívida social. Deste modo, eliminou a necessidade de
prévia condenação, caso em que, de resto, a legitimidade passiva se transformaria em
ordinária primária. Porém, a regra não se relaciona com as execuções movidas contra as
sociedades irregulares ou de fato - de resto, partes como quaisquer outras - porque a
transparência do ente enseja legitimidade ordinária" (p. 62).

De minha parte, não vejo razão para que se afirme tratar-se de hipótese de legitimação
extraordinária. Se o sócio responde e são seus bens que sofrem a execução, sua
legitimação é ordinária. A diferença, com relação às sociedades irregulares ou de fato,
está em que a execução contra seus respectivos sócios supõe prévia sentença que os
haja condenado.

Diz mais Araken de Assis: "É manifesto, apesar das resistências, que o art. 596 do CPC
(LGL\1973\5) agasalha situação legitimadora do sócio. A tese de que os responsáveis
são terceiros, relativamente à demanda executória, não condiz com a noção de parte.
Por conseguinte, o sócio se defenderá através de embargos do devedor" (p. 251).

Se o credor, afirmando haver responsabilidade solidária ou subsidiária, pede que a


penhora recaia sobre bem de sócio do devedor, tem-se pedido de execução formulado
contra este. Do conceito de parte adotado, decorre que ele é réu. Há, pois, que se
concordar com Araken de Assis.

4.3.1.4 Do responsável tributário - O responsável tributário é sujeito passivo na


execução (art. 568 do CPC (LGL\1973\5)). É responsável quem, sem revestir a condição
de contribuinte, é obrigado ao pagamento de tributo, por disposição expressa de lei (art.
121, II, do CTN (LGL\1966\26)).

Dispõe o Código Tributário Nacional (LGL\1966\26):

"Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação


principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que
intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos pelos filhos menores;

II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo


concordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre


os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão de seu ofício;

Os sócios, nos caso de liquidação de sociedade de pessoas."

"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações


tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei,
contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."


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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

Araken de Assis comenta: A responsabilidade tributária "se define, em muitos casos, de


forma prévia, e, assim, o título executivo designará o responsável (art. 2.º, § 5.º, I, da
Lei 6.830/80). Também se concebe, porém, que a responsabilidade apareça
posteriormente, no processo executivo, ante a constatação de que a sociedade se
dissolveu irregularmente e inexistem bens penhoráveis. Neste caso, lícito se afigura à
Fazenda Pública voltar a execução contra o sócio-gerente, posto que omisso o título.
Manifestou-se, neste sentido, a 2.ª Turma do STJ: Ajuizada execução fiscal contra
sociedade por quotas de responsabilidade limitada, e não localizados bens desta
suficientes para o adimplemento da obrigação, pode o processo ser redirecionado contra
o sócio-gerente, hipótese em que este deve ser preliminarmente citado em nome próprio
para se defender da responsabilidade imputada, cuja causa o credor deve traduzir em
petição clara e precisa. Caberá à Fazenda Pública, ademais, o ônus de provar a
ocorrência de fatos típicos da responsabilidade, na própria execução ou nos embargos"
(p. 217-218).

"O responsável tributário utilizará embargos do devedor, e não de terceiro, para


controverter sua responsabilidade" (p. 218).

4.3.1.5 Do adquirente de coisa litigiosa - Diz Araken de Assis: "Embora o exeqüente


omita referência ao adquirente da coisa na inicial, pouca dúvida resta de que, desde tal
momento, ou na oportunidade em que o oficial de justiça certificar a alienação e o
exeqüente optar pela perseguição do bem, ele passará a sofrer execução. Por
conseguinte, é parte, postergando-se a controvérsia acerca da sua legitimidade para os
embargos do executado. (No sentido do texto, Pontes de Miranda. Em sentido contrário,
Alcides de Mendonça Lima, Theodoro Jr., Paulo Furtado, Costa e Silva, Donado Armelin.)

Em certa oportunidade, o acerto dessa tese se comprovou de forma dramática.


Tratava-se de execução hipotecária, controvertida a condição de parte do terceiro dador
da hipoteca. Ora, morrendo o devedor sem deixar bens e herdeiros, não há sucessão em
dívida, e, naturalmente, a execução há de prosseguir para realizar o crédito do
exeqüente, garantido pela hipoteca, o que só é possível contra o terceiro hipotecante. Na
verdade, deixou ele de figurar como terceiro, pois não há execução sem executado" (p.
42-43).

"Apesar da resistência da doutrina, mal influenciada pela contraditória lição de Liebman,


o sucessor é parte passiva legítima na demanda executória. Assentou a 3.ª Turma do
STJ, com absoluta razão, que não tem a qualidade de terceiro aquele que adquire a coisa
litigiosa, com o que não pode opor os respectivos embargos" (p. 216).

Relembremos os conceitos: autor é aquele que pede o provimento judicial e réu aquele
contra o qual é formulado o pedido.

Cabem embargos de terceiro quando se apreendem, como sendo do devedor, bens que
são do embargante. Se peço que a execução recaia sobre bem do devedor em poder de
terceiro, nada peço contra este. O que se discutirá, nos embargos, é se o bem é ou não
do devedor, único executado.

No caso da hipoteca, a execução deve ser endereçada tanto contra o devedor como
contra o dador da hipoteca. Ao pedir que a penhora recaia sobre o bem hipotecado, o
credor reconhece a propriedade do dador da hipoteca, mas afirma que ele responde por
força do vínculo hipotecário.

No caso da coisa litigiosa, o bem, cuja apreensão requer o credor, integra o patrimônio
do devedor ou do terceiro?

Respondendo-se que se trata de apreender bem que, para o credor, continua a integrar
o patrimônio do devedor, por força da ineficácia da alienação, o terceiro não é parte.

Respondendo-se que se trata de apreender bem que é de terceiro, mas que responde
pelo débito, por força de vínculo processual, há de se dizer que o adquirente é parte: o
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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

credor está a pedir que a execução recaia sobre bem que é do adquirente.

A hipótese de morte do devedor, sem deixar bens e herdeiros, é decisiva no sentido de


apontar a condição de parte tanto do terceiro dador da hipoteca quanto do adquirente de
coisa litigiosa. Em ambos os casos, o credor somente poderá mover a execução contra o
"terceiro". Processualmente, este já não será tal, porque contra ele se formulou pedido
de execução. Inaceitável a outra alternativa: a de uma execução sem réu.

Dispõe o art. 626 do CPC (LGL\1973\5): "Alienada a coisa quando já litigiosa,


expedir-se-á mandado contra o terceiro adquirente, que somente será ouvido depois de
depositá-la".

Argumenta Araken de Assis: "Legitima-se para opor os embargos do art. 736 do CPC
(LGL\1973\5) aquele perante o qual atuam os meios executórios. Por conseguinte, o
adquirente se torna parte, cabendo-lhe controverter a justiça da sua submissão à força
da sentença (art. 42, § 3.º, do CPC (LGL\1973\5)) através de embargos do executado,
tanto que somente será ouvido depositando a coisa.

Existem divergências sobre a natureza desses embargos, manifestando-se a corrente


majoritária pelo cabimento de embargos de terceiro. É decisiva, na definição do ponto, a
necessidade de segurar o juízo (art. 737, II, do CPC (LGL\1973\5)), requisito estranho
aos embargos de terceiro" (p. 364-365).

Na prática, há que se admitir certa fungibilidade, em face das divergências doutrinárias e


jurisprudenciais a respeito do assunto. É o que preconiza o próprio Araken de Assis: "é
razoável que, inexistindo o explícito cúmulo da execução hipotecária e a citação do
terceiro hipotecante haja vista, exatamente, a inexistência de chamamento válido,
ensejando a solução voluntária da dívida (art. 652 do CPC (LGL\1973\5)), oponham-se
embargos de terceiro." Como quer que seja, de rigor o exeqüente tratar o terceiro
hipotecante como parte passiva desde o início" (p. 57).

"É bom recordar que a falta de oposição dos embargos, como sói ocorrer, nenhum
reflexo produz quanto à existência do direito do adquirente, que poderá demandá-lo em
ação autônoma" (p. 365).

4.3.1.6 Do adquirente de bens em fraude de execução - Se o adquirente de coisa


litigiosa é parte, na execução, também o é aquele que adquiriu bens em fraude de
execução.

Também aqui se resolve o problema com a hipótese do devedor que morre sem deixar
bens e herdeiros. Contra quem prosseguirá a execução senão contra o adquirente?

Mas Araken de Assis não extraiu todas as conseqüências de seu raciocínio. Diz: "O art.
592, V, do CPC (LGL\1973\5) estabelece que os bens alienados ou gravados em fraude
contra a execução se sujeitam aos meios executórios.

"Esses bens passaram do patrimônio do executado para o de terceiro, ou este adquiriu


aquela responsabilidade real especial outorgada pela hipoteca, pelo penhor ou pela
anticrese, no plano material, mas ineficazmente. Entre seus figurantes, tais negócios
jurídicos valem, existem e se mostram eficazes; perante o exeqüente, no entanto, é
como se não existissem.

"Por conseguinte, de responsabilidade secundária não trata o art. 592, V, do CPC


(LGL\1973\5) na realidade, porque os bens integram o patrimônio do obrigado, em
razão desta ineficácia, perante o credor. E não há a necessária separação entre a pessoa
que deve prestar e aquela cujo bem responde pelo cumprimento da obrigação, como
exige o conceito de responsabilidade secundária, reunidos que se encontram na figura do
executado e autor da fraude.

"Disto decorre que, ocorrendo fraude à execução, o adquirente continuará terceiro


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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

quanto à demanda condenatória. Diversa é a posição, por exemplo, do terceiro


hipotecante: neste caso, o bem integra, legitimamente, o patrimônio do terceiro, a
despeito de sujeitar-se à execução" (p. 223).

Que o adquirente continua terceiro quanto à demanda condenatória é fora de dúvida.


Mas não é disso que se trata aqui. Trata-se de saber se a execução dirige-se também
contra o adquirente. Mais uma vez lembramos a hipótese do devedor que morre sem
deixar bens e herdeiros. Contra quem mover a execução senão contra o adquirente?

Tanto constitui hipótese de ineficácia a alienação de coisa litigiosa como a de bens em


fraude de execução. Em ambos os casos é possível afirmar-se que, por força dessa
ineficácia, o bem continua a integrar o patrimônio do devedor. Em ambos os casos
pode-se dizer que "entre seus figurantes, tais negócios jurídicos valem, existem e
mostram-se eficazes; perante o exeqüente, no entanto, é como se não existissem".
Fosse terceiro, na execução, o adquirente de bens em fraude de execução, também o
seria o adquirente de coisa litigiosa.

5. Exceção de pré-executividade

A chamada "exceção de pré-executividade" é admitida por Araken de Assis, como pela


generalidade da doutrina atual: "Nada obstante o meio natural de alegar a ausência de
inadimplemento, que é a ação de embargos, o executado poderá fazê-lo na própria
execução, mediante petição avulsa" (p. 129).

"Têm os embargos, sem dúvida, a finalidade de prevenir o desenvolvimento da agressão


patrimonial injusta. Constitui exagero, todavia, vedar o exame do mérito da ação
executiva no seu próprio processo" (p. 128).

6. Ônus da prova

Segundo Araken de Assis, o credor tem o ônus de provar o inadimplemento. Diz: "o
credor possui o ônus de provar, na inicial, o inadimplemento, consoante exige o art. 614,
III, do CPC (LGL\1973\5)" (p. 322).

"O JUIZ MANDARÁ O CREDOR COMPLETAR A INICIAL DESACOMPANHADA DOS


DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS. DENTRE ELES SE SITUAM, A TEOR DO ART. 614 DO
CPC (LGL\1973\5), O TÍTULO EXECUTIVO, A PROVA DO INADIMPLEMENTO" (P. 330).

"Ao contrário do que sugere Theodoro Jr., ao credor compete provar o inadimplemento
junto com a inicial, pois se trata do fato constitutivo do seu direito" (p. 126).

A meu juízo, equivoca-se o autor. O adimplemento é fato extintivo da obrigação, cuja


prova incumbe ao devedor (CPC (LGL\1973\5), art. 333, II). Mesmo nos embargos em
que é autor, incumbe ao devedor o ônus de provar o pagamento.

Tanto não tem o credor o ônus de provar o inadimplemento, que, via de regra, o
protesto do título não constitui condição da execução. Dispensado o protesto, de que
outra forma provará o autor o inadimplemento?

Trata-se, aliás, de prova freqüentemente impossível. Como provar que em tempo algum
e em lugar algum o devedor não entregou ao seu credor a quantia de dinheiro que está
sendo exigida? Qual juiz indefere a inicial de execução por não provada a falta de
pagamento?

Na verdade, o credor tem o ônus de alegar o inadimplemento, mas é do devedor o ônus


de provar o adimplemento. Nem sempre coincidem essas duas espécies de ônus.

O autor, porém, tem razão ao afirmar que incumbe ao demandante a prova do


implemento de condição (fato constitutivo do direito). O advento de termo não precisa
ser provado. Basta consulta ao calendário.

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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

7. Mérito e coisa julgada na execução

Quanto aos pressupostos processuais, parece não haver, na execução, particularidades


dignas de nota.

Quanto às condições da ação, pode-se reproduzir, na execução, o debate sobre a


admissibilidade ou não dessa categoria intermediária, entre os pressupostos processuais
e o mérito, bem como de sua exata significação.

Há mérito na ação de execução? Mérito é juízo sobre a procedência ou improcedência do


pedido do autor. Na execução, há juízo de mérito sempre que o juiz afirma ou nega o
direito de o autor executar o réu.

A distinção entre condições da ação e mérito é importante, na medida em que serve


para distinguir os casos em que se produz daqueles em que não se produz coisa julgada.
Em princípio, a execução não produz coisa julgada, o que torna menos importante a
distinção.

Mas produz coisa julgada a sentença de mérito proferida em embargos do devedor e, a


meu ver, também a proferida em exceção de pré-executividade. Tem esta a mesma
natureza dos embargos, embora dispensada a segurança do juízo.

É de mérito a decisão que nega os "pressupostos" do inadimplemento e da existência de


título executivo.

Diz Araken de Assis: "O pronunciamento judicial sobre a existência, ou não, de


inadimplemento respeita ao mérito, tanto que cabe ao executado alegar pagamento
mediante embargos. A falta de prova do implemento do termo ou da condição ou do
título, é que constituem requisitos de admissibilidade da demanda executiva. Eventual
declaração de que o documento exibido não é título, porque refoge à tipologia legal,
envolve julgamento de mérito" (p. 319).

Se o juiz nega tenha o crédito força executiva, poderá o autor propor ação condenatória
(ação diversa, por ter outro pedido imediato), mas não poderá renovar a ação de
execução. Haverá coisa julgada.

Estabelece o art. 794 do CPC (LGL\1973\5) que a execução se extingue quando o


devedor satisfaz a obrigação; quando o devedor obtém, por transação ou por qualquer
outro meio, a remissão total da dívida; quando o credor renunciar ao crédito.

Sem dúvida, tal sentença (art. 795 do CPC (LGL\1973\5)) é de mérito. Contudo, "o
provimento extintivo da execução (art. 795 do CPC (LGL\1973\5)) não exibe carga
declaratória suficiente para redundar na indiscutibilidade própria da eficácia de coisa
julgada (art. 467 do CPC (LGL\1973\5)). Concluída que esteja a execução, ensina
Liebman, o devedor permanece livre para demandar o reconhecimento da injustiça da
execução, sob a condição, é claro, de que não se lhe hajam anteriormente rejeitado as
alegações em seguida à oposição por ele formulada antes. É a opinião dominante no
direito brasileiro e no italiano" (p. 260).

Segue-se, portanto, que a satisfação do credor pela via jurisdicional não impede que o
executado proponha depois ação de repetição do indébito, suposto que não haja oposto
embargos com idênticas alegações.

8. Responsabilidade do credor

O art. 574 do CPC (LGL\1973\5) estabelece que "o credor ressarcirá ao devedor os
danos que este sofreu, quando a sentença passada em julgado, declarar inexistente, no
todo ou em parte, a obrigação que deu lugar à execução".

"É bem de ver", diz Araken de Assis, "que o processo executivo, do ângulo das regras
processuais, se desenvolveu válida e legitimamente, mas produziu, fora do processo,
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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

dano injusto, porque inexistente a obrigação" (p. 84).

Do art. 574 do CPC (LGL\1973\5) estabelece a regra da responsabilidade objetiva do


autor, no caso de execução injusta.

Araken de Assis restringe duplamente o alcance desse artigo: primeiro, exclui as


hipóteses em que existia a obrigação, embora extinta; segundo, exige culpa, no caso de
danos causados a terceiros. Diz: "revela-se muito difícil exigir do credor avaliação prévia
da possibilidade de êxito da impugnação do executado. Por isso, o sistema peninsular,
ao fim e ao cabo, se baseia na culpa do exeqüente. E, igualmente, o art. 456 do CPC
(LGL\1973\5) português exige dolo e se aplica ao processo executivo, não indo além das
despesas do processo a responsabilidade do exeqüente" (p. 84).

"Em todo caso, o art. 574 reclama provimento judicial cujo fundamento básico consista
na declaração de inexistência. Falecem desse alcance, por exemplo, as sentenças que
reconhecem a prescrição, a compensação e a simples invalidade do procedimento
executivo. Nas hipóteses lembradas, e talvez em outras, a obrigação subsiste ou se
extinguiu mediante exceção, jamais se tornou inexistente" (p. 86).

"O art. 574 é inequívoco ao regular a responsabilidade perante o devedor, terceiro que
sofrer execução ilegítima nele não encontrará tutela. Em tal hipótese, a responsabilidade
se mostra subjetiva e dependerá de apuração em ação própria" (p. 87).

Pensamos que a responsabilidade objetiva há de se afirmar em ambos os casos: o juiz


tanto declara inexistente a obrigação quando afirma que ela jamais existiu como quando
afirma que, embora haja existido, extinguiu-se pelo pagamento, por compensação ou
tornou-se inexigível por prescrição; se o credor responde objetivamente perante o
devedor, com maior razão há de responder objetivamente perante o terceiro, que nada
tinha a ver com o assunto.

9. Natureza jurídica da execução

Chegou a hora de colocar-se a abóbada em nossa construção, determinando a natureza


jurídica da execução.

Seguindo a doutrina dominante, senão unânime, Araken de Assis concebe a ação,


inclusive a de execução, como direito abstrato à tutela jurisdicional do Estado; abstrato,
por competir tanto a quem tem quanto a quem não tem razão. No que se refere à
execução, não admite sequer a categoria das condições da ação. O direito de pedir a
execução é abstrato e incondicionado. Diz: A ação (processual) "correspondendo ao
direito à tutela jurídica, não se vincula a quaisquer condições, principalmente aquelas
mencionadas no art. 267, VI, do CPC (LGL\1973\5) (legitimidade, interesse e
possibilidade do pedido), pois o acesso à tutela jurisdicional, assegurado no art. 5.º,
XXXV, da CF/88 (LGL\1988\3) em caráter preventivo ou repressivo, desconhece limites e
não admite restrições apriorísticas" (p. 25). "A ação executiva, mesmo a que nasce da
condenação civil, se mostra abstrata e incondicionada, utilizável a despeito de qualquer
condição" (p. 25).

Penso diferentemente. É certo que qualquer um pode pedir execução contra quem quer
que seja, sem que haja qualquer pressuposto ou condição que impeça a formação do
processo de um "credor" contra determinado "devedor", sobretudo se o juiz determina a
citação. Tal processo diz-se de execução porque é dessa natureza o pedido formulado
pelo autor. Sob esse aspecto, a ação de execução apresenta-se realmente como abstrata
e incondicionada.

Entretanto, só impropriamente pode falar-se de execução sem atos de execução. Se,


como ensina Araken de Assis, "a execução ostenta caráter específico, expresso nas
transformações materiais destinadas à satisfação de direitos" (p. 257), é preciso que se
reconheça que não há execução, se o juiz indefere a inicial.

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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

A palavra "execução" é empregada em dois sentidos distintos. No primeiro sentido, um


processo é de execução pela simples razão de haver pedido de execução. No segundo
sentido, somente há execução depois que se praticou pelo menos o primeiro ato
executivo. Distinguimos os dois sentidos falando, no primeiro caso, em execução, e, no
segundo, em atos executivos.

A ação de execução somente é abstrata e incondicionada enquanto referida a mero


pedido de execução. Mas quando se praticam atos executivos, o pedido de execução do
autor já foi acolhido. Em outras palavras, a prática de atos executivos traduz
acolhimento do pedido do autor. Ora, o acolhimento do pedido não é incondicionado:
supõe a existência do direito alegado, ou seja, o direito de executar. Portanto, a
execução, referida aos atos executivos, não é abstrata, mas concreta.

É por esse motivo que uma questão de mérito, qual seja, a inexistência de título
executivo, acarreta a nulidade da execução (art. 618, I, do CPC (LGL\1973\5)). Há que
se desfazer os atos executivos. Por igual motivo o autor responde objetivamente pelos
danos decorrentes de execução injusta.

É essa concretude que distingue a ação de execução.

Tanto no processo de conhecimento quanto no de execução, o réu submete-se ao


processo por vontade do autor. A doutrina dominante concebe a ação como um direito
de crédito do autor contra o Estado: direito à prestação jurisdicional, direito à sentença.

Isso, todavia, não exclui que também constitua um direito potestativo do autor contra o
réu. É inegável que o réu se submete ao processo por vontade do autor.

Rejeitando a teoria abstrata da ação, Chiovenda só via essa submissão nos casos de
procedência do pedido do autor. Submetia-se o réu à atuação da vontade da lei. Há que
se alargar essa visão e reconhecer que a submissão é do réu ao processo, o que ocorre
mesmo nos casos de improcedência.

Na esteira da doutrina dominante, Araken de Assis vê sujeição do réu apenas na


execução: "o credor se encontra em posição de proeminência, diversamente do que
ocorre nos domínios do processo de conhecimento" (p. 3-4). Mas é claro que também
nas ações de conhecimento o réu é submetido ao processo por vontade do autor. O que
ocorre é que, na execução, essa submissão é muito mais intensa. Qual a razão da
diferença?

A explicação é esta: se o direito de ação, referido ao processo de conhecimento, pode e


deve ser concebido como cabendo mesmo a quem não tem razão (teoria do direito
abstrato), o mesmo não ocorre quanto ao direito de executar. Como a prática de atos
executivos implica acolhimento do pedido de execução, eles pressupõem a existência do
direito. Portanto, a execução, referida aos atos executivos, não é abstrata, mas
concreta.

O título executivo integra o mérito, mas sua falta determina a nulidade da execução,
porque esta, referida aos atos de execução, supõe a existência do direito de executar.
Trata-se de um direito formativo (como tal sujeito a decadência, e não a prescrição),
porque é por declaração de vontade do autor que o réu sofre a execução. A
intermediação do juiz não desnatura esse direito. Também no processo de conhecimento
há direitos formativos, como, por exemplo, o de pedir a nulidade ou anulação de
casamento, que não se exercem senão pela via jurisdicional (sentença constitutiva
necessária).

Um (parcial) retorno a Chiovenda? Que importa, se assim desvelamos a verdadeira


natureza da execução?

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Execução civil (Um estudo fundado nos Comentários de
Araken de Assis)

(1) "Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a
outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença
que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado."

(2) "Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez


transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida."

(3) Araken de Assis. Cumulação de ações, RT : São Paulo, 1989, n. 33.

(4) Elementos para uma teoria geral do processo. Saraiva : São Paulo, 1993.

(5) STJ, 3.ª T., REsp 1.941-SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 13.03.1990.

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