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MOLINISMO PURO E SIMPLES

5 PONTOS
ARMINIANISMO & CALVINISMO
Atualmente os arminianos e calvinistas adotam acrósticos diferentes ao
representarem suas crenças, resumindo-as em cinco pontos específicos. Aos arminianos,
o acróstico adotado é F A C T S. Esses pontos remetem ao histórico Artigo da
Remonstrância (com algumas nuanças), os quais foram compostos em 1610 pelos
primeiros arminianos. Em resposta aos cinco pontos do arminianismo, no Sínodo de
Dort (1618-19), foi formulado o acróstico conhecido como os “cinco pontos do
calvinismo”, T U L I P.
Abaixo, uma tabela ilustrativa de ambos.

5 Pontos – Arminianos 5 Pontos - Calvinistas


F - Freed by Grace (to Believe) T - Total Depravity
Livre pela graça (para crer) Depravação Total
A - Atonement for All U - Unconditional Election
Expiação para Todos Eleição Incondicional
C - Conditional Election L - Limited Atonement
Eleição Condicional Expiação Limitada
T - Total Depravity I - Irresistible Grace
Depravação Total Graça Irresistível
S - Security in Christ P - Perseverance of the Saints
Segurança em Cristo Perseverança dos Santos
TABELA 1 – Tradução dos Acrósticos

Neste capitulo vamos conhecer um pouco as interpretações dessas escolas


teológicas acerca desses cinco pontos e, também, fazer uma análise utilizando a teologia
molinista sobre os mesmos.

1. DEPRAVAÇÃO TOTAL
Os pensamentos das escolas teológicas arminiana e calvinista sobre a
sistematização da doutrina da Depravação Total são compreendidos como similares.
Ambos alegam que a queda dos primeiros pais (Adão e Eva) afetou toda raça humana, e
que o sentido do nome “depravação total” não significa que os seres humanos são tão
ruins quanto eles poderiam ser, mas a definição da depravação como “total”, em
primeiro lugar, é que ela atinge a toda raça humana. “Como os homens estão
corrompidos, eles geram filhos igualmente corrompidos, pois cada um produz o seu
igual (Jó 14.4; Mt 7.17,18; Lc 6.43)”.1 Em segundo lugar, que o pecado atinge cada
parte do ser de uma pessoa. Portanto, as descendências de Adão agora possuem uma
natureza pecaminosa, uma inclinação natural para o pecado (“total”, no sentido

1
MAIA, C. K. (2015). DEPRAVAÇÃO TOTAL. São Paulo: Reflexão; p. 48

1
5 PONTOS - ARMINIANISMO & CALVINISMO

extensivo, em vez de intensivo). Assim sendo, em terceiro lugar, a depravação é “total”


no sentido de que a raça humana esta destituída de todo bem de cunho espiritual - isto é,
bem com relação a Deus -, de maneira que jamais poderíamos dar o primeiro passo de
fé para a salvação por conta própria. (Algumas referências bíblicas nesse sentido são Gn
6.5; Sl 51.5; 58.3; 130.3; Is 64.6; Jr 17.9; Jo 3.19-21; Rm 3.10-18; 5.12, 19; Ef 4.18; Tt
1.15; 3.3)
Cabe aqui uma analogia para uma melhor elucidação. Pense na depravação total
como uma gota de tinta que é colocada em um copo d'água. A água não fica totalmente
escura - não é tão escura quanto pode ser. Mesmo assim, a tinta se espalha por todo o
copo d'água - água é totalmente afetada pela tinta.
É importante ressaltar que o próprio Armínio (1560-1609) nunca utilizou esse
termo (Depravação Total) e, aparentemente nem Calvino (1509-1564), visto que essa
teologia foi sistematizada somente após a morte de ambos. No entanto, a crença sobre a
concordância da teologia da Depravação Total desses dois importantes teólogos está
subentendida em seus escritos.
O molinismo não implica depravação total. Molina parece argumentar que as
capacidades racionais dos seres humanos não tinham sido afetadas pelo pecado original
(pecado de Adão).
Pois o pecado do primeiro pai só nos prejudicou em relação
à graça e, por isso, depois de pecar, nossas faculdades naturais e as
dos anjos permaneceram em sua integridade como são por sua própria
natureza, se nenhum dom sobrenatural os afeta. (Concórdia 1.3.5)
No entanto, estas são palavras muito parecidas com a do próprio Armínio,
teólogo cujo hoje lhe é imputado a teologia da Depravação Total. Segundo o pastor
Carlos Kleber Maia, que cita Stanglin e McCall:
Armínio entendia o pecado original principalmente como uma
falta de retidão original, que significava a presença eficaz do
Espírito Santo, que trazia o conhecimento de Deus e a santidade, um
dom da Graça que foi perdido pelos primeiros pais e sua
desobediência. Ele via, pois, o pecado original mais como uma
privação da justiça original do que como uma depravação..." 2
Parece que a atribuição de tal teologia à Armínio é motivada por suas fortes
afirmações que apontam a péssima situação espiritual humana, afirmando que em
hipótese alguma, no estado natural do ser humano caído, ele possa realizar algum bem
espiritual, ou seja, para realizar algo de valor positivo espiritualmente só é possível se
tivermos auxílio divino. E, se é devido a isso que lhe atribuem tal teologia, é totalmente
aceitável fazer o mesmo com Molina, visto que sua crença não é diferente (cf. veremos
adiante).
Ainda dentro dessa ceara, é importante destacar um certo distanciamento entre o
entendimento do arminianismo atual (pelo menos de grande parte dele) com o de Luís
de Molina. Arminianos em geral creem que, até mesmo, para o assentimento em
questões sobre a fé se faz necessário que o indivíduo seja auxiliado pela graça especial
(ou “graça preveniente”). Molina, pelo contrário, não via a necessidade de tamanha
mistificação, ele afirmava a suficiência da revelação geral (sem necessidade de uma
revelação especial) para quê nossas capacidades cognitivas, juntamente com nossa
vontade livre, tenham potência/capacidade de consentimento sobre assuntos da fé, isso,
quando há razões e argumentos que tornam algo verossímil, ou seja, este algo é digno

2
MAIA, Op. Cit., p. 43. (itálicos nossos).

2
MOLINISMO PURO E SIMPLES

de ser consentido pelas boas razões e argumentos enunciados. Em outras palavras, antes
de sermos expostos à graça (preveniente) temos capacidade de assentimento para com a
verdade bíblica, assim como temos para qualquer outra proposição que nos for
apresentada, conquanto ela seja exposta de maneira cognoscível e razoável (plausível) 3,
contudo, (é importante que isso fique claro e bem estabelecido que) Molina destaca que,
esse "assentimento" não é suficiente para alcançar a salvação. 4 Mesmo que ele tenha
essa compreensão (que o ser humano natural seja capaz de assentir – ou compreender –
assuntos da fé, e isso quando há boas razões), ele reconhecia que o ser humano é
pecador por natureza devido à queda dos primeiros pais5 (devido ao pecado de Adão e
Eva), e que sem o auxílio especial divino não se alcança a salvação, nem mesmo algum
bem espiritual6. Veja um de seus comentários nesse sentido de sua compreensão sobre o
apóstolo Paulo:
Certamente, São Paulo também nega que, somente com a
assistência geral de Deus, os infiéis podem pronunciar o nome de
Jesus ou conceber de qualquer forma um bom pensamento; visto que
pretende apenas ensinar que, sem a ajuda especial e dom de Deus,
ninguém pode invocar e confessar com verdadeira fé nosso Senhor
Jesus Cristo, nem pensar em algo que, em grau e ordem, conduza a
um fim sobrenatural. (Concórdia 1.6.11)
Para Calvino “Adão perdeu o seu estado original”, embora “a imagem de Deus
não foi completamente erradicada, [...] ela foi, contudo, tão corrompida, que tudo o que
restou não passa de uma terrível deformação” e, a solução desse terrível estado é “por
intermédio de Cristo”7. Em seu entendimento Adão possuía livre-arbítrio e podia ter
permanecido em retidão, mas,
perdendo-se a si próprio, corrompeu todo o bem que nele havia. [...].
Agora importa levar em conta apenas isto: que em sua condição
original o homem foi totalmente diferente de toda sua posteridade, a
qual, derivando a origem do corrupto, dele contraiu mácula
hereditária. (Institutas de Calvino, volume 1 Capítulo 15. 8)
Portanto, com tudo isso em mente, assim como o arminianismo e o calvinismo
amadureceu em sua teologia ao longo dos anos após a morte de seus idealizadores,
também é com o molinismo. Há um crescente movimento molinista na atualidade,
revivida pelo filósofo Alvin Plantinga, onde seus adeptos, já inteirados e convencidos da

3
Teólogos de renome parecem apontar para esse mesmo entendimento. Russel Shedd
(calvinista), por exemplo, em sua Bíblia de Estudo, comenta sobre 1Co 2.4,5 “Convicção baseada apenas
em argumentos racionais fica à mercê de melhores argumentos. Mas são necessários para captar o ouvido
do não crente...”, aqui o “captar” parece conter um sentido de certo assentimento que aguça o interesse;
também em 1Co 2.14-16 comenta: “Natural (gr psuchikos), "da alma", não regenerado. Entende as
palavras, mas rejeita os conceitos. O Espírito em nós fornece uma nova capacidade de discernimento (gr
anakrinetai)...”. Do mesmo modo Norman Geisler, contra a ideia que o não-regenerado não pode
entender o evangelho, argumenta: “o verbo “aceitar” (gr.: dekomaí) significa “dar as boas-vindas”. O
texto simplesmente afirma que, apesar de perceber a verdade (Rm 1.20), ele não a aceita. Não há
nenhuma disposição de dar boas-vindas no coração às coisas que ele conhece em sua mente. Ele tem a
verdade, mas a está detendo ou suprimindo (Rm 1.18). Não faz sentido algum dizer que o não-salvo não
pode entender o evangelho antes de ser salvo. ” (GEISLER, N. Eleitos, mas livres: uma perspectiva
equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Tradução: Heber Carlos de Campos; 2. ed.; São
Paulo: Editora Vida, 2005; p.69-70; cf.p.66); itálicos nossos.
4
Concórdia 1.7.2-5; 1.6.6,7
5
Concórdia 1.3.6; 1.4.10; 1.6.2
6
Concórdia 1.3.9; 1.4.10; 1.6.6, 7, 11
7
Institutas de Calvino, volume 1. Capítulo 15. 4

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5 PONTOS - ARMINIANISMO & CALVINISMO

teologia da depravação total, não veem problemas, nem contradições ao adotar a


teologia da depravação total junto com sua cosmovisão molinista.
Ainda, algo importante dentro do tema “depravação total”, é a forma de
superação desse estado depravado para a salvação. O molinista e o arminiano
interpretam de modo parecido. Afirmam que a pessoa possui livre-arbítrio libertário, no
sentido de que o incrédulo pode fazer essas escolhas autogeradas não coagidas, mas
isso não significa que pensam que essa pessoa não está debilitada pelo pecado. Ela está
debilitada pelo pecado, mas há um tipo de cura, a graça preveniente dada pelo Espírito
Santo que pode ajudar a remediar a obstinação do homem natural às coisas espirituais e
levá-lo a um ponto onde ele pode concordar com a atração do Espírito Santo para Deus
ou ele pode resisti-la ainda mais. Diferentemente, o calvinista crê que essa superação é
unilateral (monergista; uma operação do Espírito Santo qual o ser humano é incapaz de
resistir), um trabalho da “graça irresistível” (que veremos mais a frente).

2. ELEIÇÃO PARA SALVAÇÃO


Há, também, o debate entre essas escolas soteriológica sobre o que a Bíblia
ensina acerca do conceito de “eleição para salvação”: se ela é condicional ou
incondicional. Indo direto ao ponto, o calvinismo defende a eleição incondicional qual
significa que a escolha de Deus por aqueles que ele salvará não tem nada a ver com
eles, que nada sobre eles contribui para a decisão de Deus em escolhê-los, o que parece
tornar a escolha por Deus de qualquer indivíduo, em detrimento de qualquer outro,
arbitrária. Isto também implica reprovação incondicional e arbitrária, pois estes (os não
eleitos) não diferem em nada dos outros (os eleitos), todos são pecadores. Nas institutas
de Calvino encontramos que a fé é obra milagrosa do Espírito Santo dada ao eleito, “que
a própria fé não procede de outra parte senão do Espírito” (cf. Institutas 3.1.4), e que a
eleição e predestinação não se diferem.
Chamamos predestinação o eterno decreto de Deus pelo qual
houve por bem determinar o que acerca de cada homem quis que
acontecesse. Pois ele não quis criar a todos em igual condição; ao
contrário, preordenou a uns a vida eterna; a outros, a condenação
eterna...8
Para o arminiano Robert Shank, a eleição vista nesses termos não é adequada,
pois “a carreira ‘redentora’ de Cristo – encarnação, morte e ressureição, ascensão e
intercessão – é vista como algo incidental e simbólico, uma pompa divinal ao invés de
atos salvadores autênticos.”9 Ele também afirma que
Deus, o qual não poupou Seu próprio filho, mas O entregou
por todos nós (Romanos 8.32) e preparou a morte de Cristo antes da
fundação do mundo (1Pedro 1.20), não precisou de persuasão alguma
para eleger os homens para a salvação. O modelo de expiação não foi
para fornecer uma base sobre a qual Deus salvaria os homens, mais
sim sobre a qual ele poderia salvar os homens (Romanos 3.25,26).10
Ele (Shank) defende a eleição corporativa, onde observa que a eleição do povo
de Deus é consequência da escolha (da eleição) de um indivíduo que representou o
grupo, o cabeça e representante corporativo. Em outras palavras, o grupo foi eleito no

8
Institutas de Calvino, volume 3 Capítulo 21.5 (itálicos nossos)
9
SHANK, R., (2015). ELEITOS NO FILHO – UM ESTUDO DA DOUTRINA DA ELEIÇÃO.
Tradução Vinicius Couto. São Paulo: Reflexão. p.31
10
Ibidem. p.36 (itálicos do autor)

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MOLINISMO PURO E SIMPLES

cabeça corporativo, isto é, como consequência de sua associação com o representante


corporativo. Naturalmente esse indivíduo eleito, cabeça e representante corporativo, não
é outro senão Cristo Jesus (Rm 3-4; 8; Gl 3-4; Hb 9:15; 12:24). Também é feito
diferenciação entre os termos “eleição” e “predestinação”. Para Shank, os dois (eleição
e predestinação), “apesar de intimamente relacionados e mutuamente envolvidos, não
são a mesma coisa”11. Ele continua
Deste modo, a eleição é o ato pelo qual Deus escolhe os
homens para Si mesmo, ao passo que a predestinação é o ato
determinativo de Deus quanto ao destino do eleito que ele escolheu. A
predestinação é a predeterminação de Deus da eterna circunstâncias
da eleição: filiação e herança como co-herdeiros com Cristo (Efésios
1.5,11), e glorificação junto com Cristo em plena conformidade à Sua
imagem (Romanos 8.28-30).12
A visão arminiana também concebe eleição condicional como sendo individual.
Deus escolhendo, antes da fundação do mundo, cada indivíduo que ele dantes soube
que livremente estaria em Cristo pela fé e perseveraria nesta fé. Aqui, é especialmente
a presciência da fé dos crentes (conhecimento eterno de Deus sobre quem irá crer) que
está em vista como condição para a eleição (Rm 8.29; 1Pd 1.1-2). Em uma das obras do
pastor e doutor Carlos Augusto Vailatti (arminiano) é feita uma excelente explanação de
como ele interpreta, o famoso texto, de Romanos capítulo 9, onde ele conclui dizendo
que “de um lado, Rm 9 ensina a eleição incondicional individual e nacional para o
serviço, e, do outro, ensina a eleição condicional individual para a salvação. ”13 Uma
diferenciação bastante adequada que compreende o contexto dos capítulos 9 ao 11.
A eleição ser condicional significa que a escolha por Deus daqueles que ele
salvará, diferente do calvinismo, tem algo a ver com eles, que parte de Sua motivação
para escolhe-los tem algo a ver com eles. Acerca da eleição para salvação, a Bíblia
ensina que Deus escolhe para salvação aqueles que creem em Jesus Cristo e, portanto,
tornam-se unidos a ele, fazendo a eleição condicionada à fé em Cristo.
Deste modo, a doutrina da eleição condicional centra a eleição em Cristo,
condicionada à união com ele, em vez de reduzir o papel de Cristo como sendo
simplesmente o meio pela qual a eleição é efetuada, como simbólico, uma pompa
divinal.
O entendimento molinista, novamente, não difere muito da concepção
arminiana. A salvação (portanto a eleição) é condicional. A salvação é voltar a ter um
relacionamento verdadeiro com Deus, e, para a concretização de um relacionamento, as
pessoas envolvidas devem querer se relacionarem, o que se faz necessário o livre-
arbítrio de suas criaturas. Ou seja, para voltarmos a ter um relacionamento com Deus, é
necessário que desejemos/aceitemos ter este relacionamento com ele. Devido à situação
humana decaída, por conta do pecado dos primeiros pais (Adão e Eva), é imprescindível
que Deus dê o primeiro passo vindo a nosso encontro, nos atraindo, de alguma forma, e
nos dando uma nova chance de voltar a ter um relacionamento com ele. E é justamente
isso que Deus faz. Ele próprio vem a nosso encontro na pessoa de Jesus e nos dá a
chance de nos relacionar com Jesus, amando a ele e confiando nossas vidas a ele. Isso
tudo através da fé que depositamos em Cristo (Is 49.6,8; Jo 10.9; 11.25; Ef 2.18). Logo,
a condição da salvação (da eleição), de voltar a ter um relacionamento com Deus, é
através da crença em Jesus - se faz necessário ter fé nele (Jo 11.25; 14.1,6; Rm 5.2; Hb

11
Ibidem p.162
12
Ibidem p.163
13
Vailatti, C. A. (2015). EXPIAÇÃO ILIMITADA. São Paulo: Reflexão. p.93 (itálicos do autor)

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5 PONTOS - ARMINIANISMO & CALVINISMO

10.19), uma fé viva (Tg 2.17,26; 2Tes. 2: 13), envolvida em verdadeiro amor (Jo 14.15,
21, 23; 1Jo 5.3).
É importante ressaltar que no que diz respeito à obra da salvação, não há o que o
homem possa fazer para ser salvo, porque Cristo já o fez, e nisso o homem não tem
mérito algum (Efésios 2.8-9). No entanto, toda ação ou mesmo palavra da parte de Deus
resultará em resposta do homem, seja positiva ou negativa, o que resultará em bênção
ou maldição (Dt 30.15-20; Hb 3.7-11; Ez 18.31; Jr 4.14) 14. “Na opinião de Molina, Deus
dá graça suficiente para a salvação de todos os homens, mas ela se torna
eficaz apenas na vida daqueles que respondem afirmativamente a ela”15.
Porém, no molinismo, os termos “predestinação” e “eleição”, assim como para
Calvino, não sofrem diferenciação. Veja! No conhecimento médio de Deus, Ele sabia
como cada pessoa possível, em qualquer circunstância concebível, responderia
livremente à sua graça e à atração do seu Espírito. Ele conhece quem aceitaria
livremente e quem rejeitaria livremente as suas iniciativas. Por exemplo, Ele conhece
sobre que circunstâncias Pedro responderia com fé, e, sobre quais circunstâncias ele
rejeitaria, à graça de Deus. Com esse conhecimento em mente, Ele (Deus) decide criar
um mundo com as circunstâncias quais os resultados lhe agradarão. Dessa forma, o
próprio ato de selecionar um mundo a ser criado é uma espécie de predestinação e/ou
eleição para a salvação. No entanto, não pode ser dito que ele elege pessoas só porque
Ele sabe quem irá crer. Não! Ele escolhe o mundo que Ele quer, e introduz nesse
mundo, em seu devido tempo, quem receberia livremente a Cristo. Nas palavras do
famoso molinista William Lane Craig
Os proponentes do conhecimento médio enfatizam que Deus
não predestina pessoas, porque Ele sabe que elas receberiam a Cristo e
perseverariam. Ele também não seleciona um mundo porque Ele sabe
que nele, por assim dizer, Pedro seria salvo [uma escolha arbitrária de
indivíduos]. Pelo contrário, Deus simplesmente escolhe o mundo que
Ele quer, e que esteja nesse mundo quem receberia livremente a
Cristo, pelo próprio ato de seleção de Deus desse mundo, o qual
predestinou a fazê-lo.16
Ou seja, para o molinista, Deus, livremente e soberanamente, determinou criar
um mundo qual as circunstâncias levarão livremente os eleitos (aqueles que em
determinadas circunstâncias iriam crer em Jesus) à salvação. Deus quer que cada
pessoa que Ele cria seja salva e dá graça suficiente para isso, se apenas a pessoa aceitá-
la. Assim, todos podem ser salvos. Deus somente sabia quem iria aceitar livremente a
Sua graça e quem iria rejeitá-la livremente. Pode muito bem ser o caso que um Deus
amoroso não recusaria a ninguém as circunstâncias que bastassem para trazê-lo
livremente à fé salvadora. Portanto, aqueles que não são salvos são os que rejeitaram
livremente Suas iniciativas, aqueles, quais Deus sabia (por seu conhecimento médio),
14
Para Robert Shank (Op. Cit., p.212-13) “o homem tem em si a faculdade de escolher se
permite ou não que Deus faça por ele o que precisa desesperadamente ser feito para sua salvação”, afirma
que “por toda a escritura podem ser encontradas duas verdades paralelas igualmente enfatizadas: a
segurança da iniciativa graciosa de Deus na salvação, e os apelos e exortações ardentes prescrevendo a
iniciativa das pessoas e a necessidade da resposta deliberada delas para a iniciativa anterior de Deus na
realização da salvação individual e pessoal.”
15
Craig, W. L. (1991). Disponível em <https://www.reasonablefaith.org/writings/scholarly-
writings/divine-omniscience/lest-anyone-should-fall-a-middle-knowledge-perspective-on-perseverance/>
Acesso em 13/out/2020 (itálicos nossos)
16
Craig, Willian Lane. O Único Deus Sábio: A Compatibilidade entre a Presciência Divina e a
Liberdade Humana. Tradução de Walson Sales. Maceió: Editora Sal Cultural, 2016. p.130 (palavras entre
colchetes são nossas)

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MOLINISMO PURO E SIMPLES

que em nenhuma circunstância eles livremente responderiam de forma favorável à Sua


graça. Assim, quem quer que não chegue à fé salvadora não teria vindo livremente,
mesmo que tivesse recebido mais provas, ou um agir mais insistente, de Deus (lembre
dos israelitas durante o êxodo; cf. Ne 9.5-35).

3. EXPIAÇÃO, ALCANCE E EFICÁCIA


Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto.
(Salmo 32:1)
Esse tema tenta responder as seguintes perguntas: “Qual foi o propósito de Jesus
ao morrer na cruz? ”; e “Por quem Cristo morreu?”. Será que foi para (1) salvar
automaticamente toda humanidade (Universalismo); (2) salvar um número definido de
pessoas, morreu apenas pelos eleitos (expiação limitada) ou; (3) sua morte foi para
proporcionar a salvação a toda humanidade, porém sob a condição da fé nEle (expiação
ilimitada)?
O entendimento da maior parte dos pensadores calvinistas é que o conceito da
expiação limitada é o qual está correto: Cristo morreu apenas por aqueles determinados
indivíduos que Deus escolheu incondicional e arbitrariamente na eternidade para a
salvação, suportando a punição pelos seus pecados em seu lugar. A morte de Cristo por
aqueles os traz irresistivelmente à salvação e a tudo que for necessário para tal,
incluindo arrependimento e fé em Cristo.
Nos Cânones de Dort (documento calvinista) no capítulo 1.6 encontramos o
seguinte relato:
6. Deus dá nesta vida a fé a alguns enquanto não dá a fé a
outros. Isto procede do eterno decreto de Deus. Porque as Escrituras
dizem que Ele "...faz estas cousas conhecidas desde séculos." e que
Ele "faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade..." (Atos
15:18; Ef 1:11). De acordo com este decreto, Ele graciosamente
quebranta os corações dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a
crer. Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo seu justo juízo, Ele
deixa os não-eleitos em sua própria maldade e dureza. E aqui
especialmente nos é manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo
tempo justa distinção entre os homens que estão na mesma condição
de perdição. Este é o decreto da eleição e reprovação revelado na
Palavra de Deus. Ainda que os homens perversos, impuros e instáveis
o deturpem, para sua própria perdição, ele dá um inexprimível
conforto para as pessoas santas e tementes a Deus. 17
Mais adiante no capítulo 2, nos pontos a seguir, diz:
6. Muitos que têm sido chamados pelo Evangelho não se
arrependem nem creem em Cristo, mas perecem na incredulidade.
Isto não acontece por causa de algum defeito ou insuficiência no
sacrifício de Cristo na cruz, mas por causa de sua própria culpa
7. Mas aqueles que verdadeiramente creem e, pela morte de
Cristo, são libertos e salvos dos seus pecados e perdição, recebem tal
benefício apenas por causa da graça de Deus, que lhes é dada, em
Cristo, desde a eternidade. Deus não deve a ninguém tal graça.
8. Pois este foi o soberano conselho, a vontade graciosa e o
propósito de Deus o Pai, que a eficácia vivificante e salvífica da

17
Disponível em <http://www.monergismo.com/textos/credos/dort.htm> acesso em 10/dez/2020.
(itálicos nossos)

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5 PONTOS - ARMINIANISMO & CALVINISMO

preciosíssima morte de seu Filho fosse estendida a todos os eleitos.


Daria somente a eles a justificação pela fé e por conseguinte os traria
infalivelmente à salvação [...]18
Alguns versículos utilizados para apoiar a Expiação Limitada: Mt 1.21 “ele
salvará o seu povo”; Jo 10.15; 15.13 “dou minha vida pelas ovelhas”, “a favor dos seus
amigos”; Mt 20.28; Mc 10.45 “dar a sua vida em resgate de muitos”; Jo 17.9 “rogo pelo
que me destes, não pelo mundo”; Rm 9.11-13 “não eram os gêmeos nascidos... para que
o propósito de Deus, quanto a eleição, prevalecesse”; entre outros.
No entanto, parece inadequado o ponto 6 do capítulo 2 do Cânones de Dort onde
diz que “muitos são chamados ... mas perecem na incredulidade ... por causa de sua
própria culpa”, sendo que no capítulo 1.6 informa que “Deus dá nesta vida a fé a alguns
enquanto não dá a fé a outros”. Ora, eles não tiveram a mínima chance. O chamado,
qual somos embaixadores (Mc 16.15; Mt 11.28-30; 2Co 5.18-20; Mt 22.1-14), nesses
termos, para essas pessoas é um tremendo embuste. As “boas novas” (evangelho) não
parecem ser tão boas assim.
Para o arminiano a expiação é ilimitada. Ou seja, a morte de Cristo foi
destinada a incluir toda a humanidade, abrangendo tanto crentes como não crentes. Por
tanto, quando a bíblia diz que Cristo morreu por todas as pessoas, ela quer dizer
exatamente isso. No entanto, isso não leva ao universalismo. Pois mesmo que Deus
tenha entregado Seu único Filho para morrer pelos pecados do mundo todo de modo a
proporcionar perdão e salvação a todas as pessoas, devemos lembrar que os benefícios
desta morte expiatória e graciosa são recebidos mediante a fé. Deste modo a expiação
se torna eficaz somente aos que creem. Assim, Deus oferece sinceramente o evangelho
a todos. Ele não é injusto ao condenar aqueles que rejeitam a oferta.
Versículos que apoiam a expiação ilimitada: João 1.29 “tira o pecado do
mundo”; João 3.16 “Deus amou o mundo”; Atos 17.30 “todos os homens em todo
lugar”; Romanos 5.6 “morreu pelos ímpios”; 1 Timóteo 2.4-6 “deseja a todos os
homens”, “se deu em resgate por todos”; 1 Timóteo 4.10 “Salvador de todos os homens,
especialmente dos fiéis”; 2 Pedro 2.1 até os “falsos mestres” tinham sido resgatados,
porém suas atitudes lhes trouxeram “destruição”; 1 João 2.1-2 propiciação “não somente
pelos nossos (pecados) mais ainda pelos do mundo inteiro”; 2 Pedro 3.9 “que nenhum
pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” – esse último versículo o próprio
Calvino vai na contramão de seus seguidores. Veja seu comentário: "Tão maravilhoso é
o seu amor para com a humanidade, que ele gostaria que todos fossem salvos, e está de
si mesmo preparado a conceder a salvação aos perdidos"19.
Posso dizer que para o molinista contemporâneo o entendimento arminiano
acerca da expiação realizada por Jesus na cruz é o mais adequado e coerente com as
informações bíblicas.
Analise os pontos a seguir. Tenha em mente
1) Os versículos a pouco citados que apoiam a expiação ilimitada;
2) Textos bíblicos que mostram que para ser salvos implica que tenhamos fé;
3) Outros textos onde Deus parece ordenar as pessoas a acreditar em certas
coisas e torna-las responsáveis pela escolha em acreditar ou não (o que
aponta para um chamado passivo de ser resistido);

18
Ibidem. (itálicos nossos)
19
CALVIN, John. (apud Vailatti, C. A. (2015). EXPIAÇÃO ILIMITADA. São Paulo: Reflexão.
p.115)

8
MOLINISMO PURO E SIMPLES

4) Princípios que a bíblia infere, como: que Deus não força a vontade de
ninguém, não “arromba a porta”, Ele espera que a pessoa tome a decisão de
abrir (Ap 3:20);
5) Ele é onibenevolente (todo bondoso), portanto deseja a salvação de todos (Lc
24.47; Atos 17.30; 1Tm 2.4) e a morte de Jesus é suficiente para pagar o
pecado de todos (ele quer e pode, porque não o faz? Talvez os pontos a
seguir nos esclareça);
6) Que a salvação é a reconciliação/retomada de um relacionamento entre o
homem e Deus – um relacionamento que envolve um verdadeiro amor;
7) Que a perfeição divina implica que ele seja honesto, verdadeiro, não agir
(nem querer que ajam) com falsidade. O próprio Jesus se diz ser "a verdade"
(Jo 14.6) e a Bíblia nos afirma que Deus não pode mentir (Tt 1.2; Nm 23.19;
2Tm 2.13). Portanto, se o desejo dele é ter um relacionamento, esse
relacionamento deve ser verdadeiro. Se ele deseja que suas criaturas o
amem, essas criaturas devem ter a possibilidade de verdadeiramente ama-lo.
O amor verdadeiro requer livre-arbítrio! Um relacionamento verdadeiro
implica o livre-arbítrio. Não se pode forçar alguém a amar, no máximo
pode-se forçar alguém a agir como se amasse. Portanto, para voltarmos a ter
um relacionamento com Deus, é necessário que desejemos/aceitemos ter este
relacionamento com ele;
8) Um entendimento correto sobre a onipotência divina, onde o fato de Deus
ser todo-poderoso não significa que ele possa fazer acontecer o que é
logicamente impossível, e, é logicamente impossível fazer alguém executar
algo por livre e espontânea vontade. Isso é tão logicamente impossível
quanto fazer um quadrado redondo. Logo, Deus quer um relacionamento de
amor com todos (a salvação de todos), porem cada um deve desejar tal
relacionamento, e, sendo livres, muitos optam por não ter esse
relacionamento com Ele, por isso muitos não são salvos.
Tendo tudo isso em mente, não é difícil chegar a conclusão (um raciocínio sadio,
lógico e sistemático nos aponta para isso) que Deus, em sua soberania, preferiu um
mundo onde ele agiria sinergicamente com suas criaturas, onde a salvação provida por
Jesus seja oferecida a todos, porém condicionada à fé.
É mister, não apenas lembrar do comentário de Calvino acima (qual vai na
contramão de muitos de seus seguidores), mas também considerar alguns comentários
de Russell Shedd (renomado pastor calvinista) sobre dois famosos versículos onde, no
primeiro, Jesus oferece a todos, chamando-os a tomarem seu jugo, e no segundo, João
relata o grande amor de Deus direcionado ao mundo. Comentários, esses, que apontam
para uma expiação que é oferecida a todos, ao invés de ser imputada apenas sobre
alguns irresistivelmente.
Mateus 11.28-30 Sobrecarregados. Os que levam o fardo dos
fariseus, as exigências da lei e as tradições para serem salvos (Mt
23.4). [...] "Vinde a mim". 1) O convite é para todos [...] para vir a
Jesus sem intermediários; [...] é para os aflitos; [...] O convite oferece-
nos descanso espiritual num Mestre verdadeiramente misericordioso. 20
João 3:16 O mundo dos homens, alienado e condenado recebe
no dom do amor (agape) de Deus a opção da vida eterna. • N. Hom.

20
Shedd, R. (2015). Bíblia Shedd. São Paulo: Vida Nova. Comentário sobre Mateus 11.28-30
(itálicos nossos).

9
5 PONTOS - ARMINIANISMO & CALVINISMO

Salvação, [...] Seu destinatário - o mundo; [...] benificiário - todo


aquele que crê [...]21

4. GRAÇA SALVADORA
W. J Seaton (pastor calvinista), ao falar sobre seu entendimento a respeito da
“graça irresistível”, inicia afirmando que essa teologia é uma conclusão lógica advinda
dos outros pontos do calvinismo: devido à incapacidade do homem de salvar a si
próprio, e até mesmo de desejar o “bem espiritual”, e ao anseio de Cristo de salvar,
segue logicamente que Deus deve agir de maneira que supere a natureza degenerada do
homem agindo de forma forçosa, irresistível. Entendimento que, novamente, leva à
doutrina da dupla predestinação (uns predestinados para o céu, outros para o inferno).
Vemos o mesmo entendimento registrado nos Cânones de Dort, já citado apouco.
Deus, nessa vida, concede fé a alguns enquanto não concede
a outros. Isto procede do eterno decreto de Deus. [...] De acordo com
esse decreto, ele [Deus] graciosamente quebranta os corações dos
eleitos, por mais duro que sejam, e os inclina a crer. Pelo mesmo
decreto [...] ele deixa os não eleitos em sua própria maldade e dureza
de coração.22
Ainda sobre o calvinismo defendido por Seaton, ao dissertar sobre a graça
irresistível, ele traz à tona a questão do “chamado”: “Não somente há o chamado
exterior, existe também o chamado interior”23. O “chamado exterior” seria algo como o
evangelismo, que pode até “operar de modos diferentes em diferentes corações”, no
entanto, é um agir superficial. Em suas palavras, para “que seja forjada a obra de
salvação, o chamado exterior precisa ser acompanhado pelo chamado interior do
Espírito Santo de Deus”. Essa ação no interior do ser humano, “esse chamado é
irresistível: não pode ser frustrado, é a manifestação da graça irresistível de Deus.”24
Portanto, a TULIP está toda interligada com esse entendimento sobre a graça de Deus.
Resumidamente, pelo fato do ser humano conter uma natureza pecaminosa (T=
Depravação Total) ele não tem condições de responder favoravelmente à graça, somente
aqueles que Deus elegeu incondicionalmente (U= Eleição Incondicional) terão fé
salvadora, pois foi por estes que Cristo morreu (L= Expiação Limitada) e é sua graça
que opera todo esse esquema sobre os eleitos de maneira determinativa (I= Graça
Irresistível), ignorando os não eleitos, e também é ela (a graça irresistível) que faz com
que os eleitos perseverem na fé até o fim (P= Perseverança dos Santos) impossibilitando
que percam a salvação.
Já, no entendimento arminiano, como também no molinista, a graça é resistível!
Não é apenas para aqueles que são considerados como “eleitos”, ela é para todos. É
uma graça que capacita o ser humano “caído” (depravação total) a responder
positivamente o Evangelho.
Veja uma parte da afirmação arminiana sobre a graça de Deus a respeito da
salvação, por Brian Abasciano e Martin Glynn.
A graça salvadora é resistível, o que significa que ele
dispensa seu chamado, projeto, e graça capacitadora (que nos traria

21
Ibidem. Comentário sobre João 3:16 (itálicos nossos).
22
Os Cânones de Dort (apud Vaillat, C. A. (2015). EXPIAÇÃO ILIMITADA. São Paulo:
Reflexão p. 52)
23
Seaton, W. J. (2018). OS CINCO PONTOS DO CALVINISMO. São Paulo: PES. p. 16
24
Ibid p.17

10
MOLINISMO PURO E SIMPLES

salvação se respondida com fé) de tal forma que possamos rejeitá-la.


Aqueles que ouvem o Evangelho podem ou aceitá-lo pela graça ou
rejeitá-lo para sua eterna destruição.25
Confira também às palavras do molinista William Lane Craig.
O molinista certamente deseja afirmar o livre arbítrio
libertário no sentido de que o incrédulo pode fazer essas escolhas
autogeradas não coagidas, mas isso não significa que o molinista
pensa que essa pessoa não está incapacitada pelo pecado. Ele pode
muito bem pensar que a pessoa está incapacitada pelo pecado, mas
há um tipo de cura, graça preveniente dada pelo Espírito Santo que
pode ajudar a remediar a obstinação do homem natural às coisas
espirituais e levá-lo a um ponto onde ele pode concordar com
aquela atração do Espírito Santo para Deus ou ele pode resistir ainda
mais.26
Portanto, a crença molinista, como a arminiana, é de que devido a Depravação
Total e a Expiação para Todos, Deus, em amor, chama a todas as pessoas, em todos os
lugares, para se arrependerem e crerem no Evangelho e graciosamente capacita àqueles
que ouvem o Evangelho a responder positivamente em fé, dando lhes também o poder
de perseverarem até o fim. O exercício da fé salvadora não é uma obra que o indivíduo
realiza para salvação, mas meramente é o permitir ao Espírito Santo que faça Sua obra
em nós. Essa ação da graça capacitadora não impede o exercício do livre-arbítrio
humano, ele pode escolher rejeita-la. Desse modo, àquele que não é salvo é tão-somente
porque intencionalmente ignorou e/ou rejeitou a atração do Espírito de Deus (sua graça)
em seu coração.
Uma analogia do processo da salvação que tenho em mente é que quando o
indivíduo está diante da graça salvadora de Deus ele se iguala a alguém que está sobre
uma boia numa correnteza: ele não se esforça, nem faz coisa alguma para chegar às
águas calmas, é a correnteza que o leva. No entanto, ele é livre para decidir e agir
nadando contra à força das águas. (Entenda a “correnteza” como a “graça”; o “não fazer
nada” com “não há mérito no indivíduo”; o ser “livre para decidir e agir” com “graça
resistível que não sufoca o livre-arbítrio”). Uma interpretação assim parece mais
coerente com o Deus amoroso relatado nas Sagradas Escrituras.

5. PERSEVERANÇA DOS SANTOS


Esse tema trata da continuidade da "condição de salvo" em Cristo Jesus e
também da possibilidade da perca da salvação daqueles que se encontram em tal
condição. Tema tão complexo que os remonstrantes, assim como Armínio, acharam por
bem deixar em aberto, não dando sua resposta final. No documento "Remonstrância" é
relatado o seguinte, sobre a perseverança dos santos:
Que os verdadeiros crentes tinham força suficiente através da
graça divina para lutar contra Satanás, o pecado, o mundo, sua própria
carne, e obter vitória sobre eles; mas se por negligência eles não
poderiam apostatar da verdadeira fé, perder a alegria de uma boa

25
Disponível em < Traduções Crédulas: Um esboço do FACTS arminiano contra o TULIP
calvinista – credulo (wordpress.com) >, acesso em 08/03/2021 (itálicos nossos)
26
Disponível em < https://www.reasonablefaith.org/media/reasonable-faith-podcast/is-molinism-biblical/
>, acesso em 08/03/2021, tradução livre (itálicos nossos)

11
5 PONTOS - ARMINIANISMO & CALVINISMO

consciência e ser privado da graça necessária, deve ser mais


plenamente investigado de acordo com a Sagrada Escritura.27
Mesmo com o passar dos tempos, arminianos contemporâneos têm visões
diferentes sobre se a Escritura ensina que crentes podem abandonar a fé em Cristo e
então perecer, ou se Deus, por sua graça miraculosa, nos mantém na fé (os que assim
creem são chamados de arminianos de quatro pontos).
Já, no calvinismo, é sustentado que o homem nada tem a fazer para ser salvo, e
que o permanecer salvo é, também, obra de Deus, à parte de qualquer bem ou mal que a
pessoa possa praticar. Os eleitos perseverarão pela simples razão de que Deus prometeu
completar, a obra que ele começou. Não podem cair do estado da graça, porque Deus
irresistivelmente os faz perseverar. A Confissão de Fé de Westminster, capítulo 17.2,
assim afirma:
Esta perseverança dos Santos depende, não do próprio livre-
arbítrio deles, mas da imutabilidade do decreto da eleição, procedente
do livre e imutável amor de Deus pai, da eficácia do mérito e
intercessão de Jesus Cristo, da permanência do espírito e da semente
de Deus neles, da natureza do pacto da graça e de tudo o que gera
também a sua exatidão e infalibilidade.28
Esta doutrina, no entanto, nos moldes calvinista e arminianos (de quatro pontos),
que creem que o crente perseverará e de forma alguma podem perder a salvação, se
encontram em desconforto com numerosas passagens nas Escrituras que alertam os
fiéis do perigo da apostasia e descrevem os terríveis resultados daqueles que
deliberadamente caem em desgraça (por exemplo, Rm. 11.17-24; 1Co 9.27; Gl 5.4; Cl
1.23; 1Ts 3.5; 1Tm 1.19-20; 2Tm 2.17-18; Tg 5.19-20; 2Pe 2.20-22; 1Jo 5.16). É
especialmente explícito, na Epístola aos Hebreus, cujos leitores foram tentados a voltar
ao Judaísmo, as advertências e exortações a seus leitores contra o perigo da apostasia
(Hb 6.1-8; 10.26-31), "afim de que ninguém caia" pela desobediência (Hb 4.11).
Não dá para sustentar a tese de que esses textos estão falando a respeito de
pessoas que nunca foram verdadeiramente regeneradas, tal interpretação parece
altamente duvidosa em vista da linguagem dessas admoestações, que parecem
claramente ser direcionados aos crentes regenerados. Para o teólogo Dwight L. Moody
(1837-99), em seu comentário sobre Hebreus 6, "as palavras usadas são termos fortes.
Hapax photisthentas significa de uma vez para sempre iluminados. "Provaram" foi
traduzido para conheceram nos léxicos mais recentes. "Participantes", do
grego metochous, significa participantes reais"29. Também, para o mestre em Novo
Testamento Craig S. Keener, ainda sobre Hebreus 6, ele comenta que “eles precisavam
passar dos fundamentos à maturidade bíblica (5.11-14) ou apostatariam (6.4-8)”30,
também que o termo "'iluminados' ou 'esclarecidos' claramente é uma referência à
convertidos, como em 10.32"31. Do mesmo modo, afirma que o termo “‘provaram’
(ARA) também significava, normalmente, ‘experimentaram’ [...], e ambos os usos de
27
Olson, R. E. (2006). Disponível em <https://deusamouomundo.com/arminianismo/o-que-e-
arminianismo/> Acesso em 26/set/2017 (itálicos nossos)
28
Confissão de Fé de Westminster 1643-46, Teólogos de Westminster. (13 de Outubro de
2020). Doutrina. Fonte: Igreja Presbiteriana do Brasil: https://www.ipb.org.br/ipb/doutrina.
29
Harrison, C. F. (2019). Comentário Bíblico Mood. São Paulo: Batista Regular (comentário
sobre Hb 6.4-8)
30
Keener, C. S. (2017). COMENTÁRIO HITÓRICO-CULTURAL DA BÍBLIA. São Paulo: Vida
Nova. (Comentário sobre Hb 6.1)
31
Ibidem (comentário sobre Hb 6.4)

12
MOLINISMO PURO E SIMPLES

‘celestial’ na carta (cf. 3.1; 8.1-5) [...] também indicam que essa pessoa foi
genuinamente convertida."32 Keener, ainda lembra do texto de Tiago 5.19, 20 33 dizendo
que alguns autores se utilizam do versículo 6 fazendo referência àqueles que realmente
eram salvos, mas se apostataram intencionalmente e não se arrependem, não voltando à
fé, no entanto, não significa que Deus rejeitará os que tiverem arrependimento,
voltando-se para Cristo novamente.
A dificuldade desse tema nos remonta à questão dos “eleitos para salvação”.
Esses eleitos, que Deus previu/decretou sua salvação antes da criação de todas as coisas,
podem perder a salvação? Deus pode ser enganado, ou ter se enganado? Ele não poderia
ter agido da mesma maneira com toda humanidade?
O molinismo não implica a doutrina da perseverança dos santos. O defensor do
conhecimento médio poderia sustentar que logicamente, antes da criação, Deus sabia
que não havia mundos viáveis para Ele criar em que todos os crentes perseverassem ou
que, se houvesse, tais mundos teriam deficiências primordiais em outros aspectos.
Porém, o molinista que defende a perseverança dos santos pode considerar que o mundo
qual Deus escolheu realizar, os eleitos sempre perseveram na fé. Talvez, tendo em vista
as numerosas passagens nas Escrituras que alertam os fiéis do perigo da apostasia
sejam um dos meios pelos quais Deus age a favor dessa perseverança. Ou seja, no
momento logicamente anterior à criação, Deus, por meio de Seu conhecimento
médio, sabia quem receberia a Cristo gratuitamente como Salvador e que tipo de
advertência contra a apostasia seria extrinsecamente eficaz (eficaz sem interferir no
livre-arbítrio humano) em impedi-los de cair. Portanto, quanto aos eleitos, Ele decretou
cria-los e também decretou em quais “tempos” e circunstâncias coloca-los e as
advertências que seriam necessárias para que, livremente, eles perseverassem. Por isso,
o eleito, podendo não perseverar, pois é livre, certamente perseverará, mas o
faz livremente, levando a sério as advertências que Deus lhe deu. Craig diz que
De acordo com Molina, a graça divina é extrinsecamente
eficaz, ou seja, torna-se eficaz quando combinada com a livre
cooperação da vontade das criaturas. Na opinião de Molina, Deus dá
graça suficiente para a salvação de todos os homens, mas ela se torna
eficaz apenas na vida daqueles que respondem afirmativamente a
ela34.
Quanto a pergunta se “Ele não poderia ter agido da mesma maneira com toda
humanidade? ” O molinista responderia que é possível que exista pessoas que, mesmo
diante do trabalho incessante do Espírito Santo em seus corações, não importando
quantas vezes ou maneiras foram advertidas e, até mesmo, terem presenciado
maravilhas da parte de Deus, ainda recusariam dar suas vidas para Jesus (novamente,
lembre dos israelitas durante o êxodo; cf. Ne 9.5-35). Desse modo, Deus não pode ser
culpado por criar um mundo no qual essas pessoas são perdidas.
Portanto, sobre o tema, sabemos que os primeiros arminianos e muitos de hoje
em dia, ficaram "encima do muro", entretanto, as advertências encontradas na bíblia
contra a apostasia representam uma dificuldade para os que creem que os crentes
perseverarão irresistivelmente, pois, ou as advertências parecem supérfluas, ou então
parece possível para o crente “cair da fé” depois de tudo. O entendimento na doutrina

32
Ibidem (itálicos nossos)
33
Ibidem (comentário sobre Hb 6.6)
34
Craig, W. L. (1991). Disponível em <https://www.reasonablefaith.org/writings/scholarly-
writings/divine-omniscience/lest-anyone-should-fall-a-middle-knowledge-perspective-on-perseverance/>
Acesso em 13/out/2020 (itálicos nossos)

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5 PONTOS - ARMINIANISMO & CALVINISMO

molinista é que os crentes podem cair, mas de fato não o farão devido à graça


extrinsecamente eficaz de Deus, a qual Ele previu a necessidade (por meio de seu
conhecimento médio) e a pôs em prática para a escolha livre do crente. Uma
perspectiva molinista é coerente e, ao contrário da doutrina calvinista, não torna
supérfluas as admoestações apostólicas.

Bibliografia
Craig, W. L. (1991). Lest Anyone Should Fall. Fonte: Resonable Faith:
https://www.reasonablefaith.org/writings/scholarly-writings/divine-
omniscience/lest-anyone-should-fall-a-middle-knowledge-perspective-on-
perseverance/
Craig, W. L. (2016). O Único Deus Sábio: A Compatibilidade entre a Presciência
Divina e a Liberdade Humana. Maceió: Sal Cultural.
Craig, W. L. (14 de Out de 2017). Is Molinism Biblical? Fonte: Reasonable Faith :
https://www.reasonablefaith.org/media/reasonable-faith-podcast/is-molinism-
biblical/
Glynn, B. A. (20 de Nov de 2011). Traduções Crédulas: Um esboço do FACTS
arminiano contra o TULIP calvinista. Fonte: CREDULO: Traduções Crédulas:
Um esboço do FACTS arminiano contra o TULIP calvinista – credulo
(wordpress.com)
Harrison, C. F. (2019). Comentário B´blico Mood. São Paulo: Batista Regular.
Keener, C. S. (2017). COMENTÁRIO HITÓRICO-CULTURAL DA BÍBLIA. São Paulo:
Vida Nova.
Maia, C. K. (2015). DEPRAVAÇÃO TOTAL. São Paulo: Reflexão.
Molina, L. d. (2007). CONCORDIA DEI LIBRE ARBÍTRIO CON LOS DANES DE LA
GRACIA Y CON LA PRESCIENCIA, PROVIDENCIA, PREDESTINACIÓN Y
REPROBACIÓN DIVINAS. (J. A. Echevarría, Trad.) Oviedo, Espanha:
Fundación Gustavo Bueno & Pentalfa Ediciones.
Neto, F. S. (s.d.). Os Cânones de Dort. Fonte: MONERGISMO:
http://www.monergismo.com/textos/credos/dort.htm
Olson, R. E. (26 de set de 2017). O que é Arminianismo? Fonte: Deus Amou o Mundo:
https://deusamouomundo.com/arminianismo/o-que-e-arminianismo/
Seaton, W. J. (2018). OS CINCO PONTOS DO CALVINISMO. São Paulo: PES.
Shank, R. (2015). ELEITOS NO FILHO – UM ESTUDO DA DOUTRINA DA
ELEIÇÃO. São Paulo: Reflexão.
Shedd, R. (2015). Bíblia Shadd. São Paulo: Vida Nova.
Vailatti, C. A. (2015). EXPIAÇÃO ILIMITADA. São Paulo: Reflexão.
Westminster, T. d. (1643-46). Confissão de Fé de Westminster. Fonte: Igreja
Presbiteriana do Brasil: https://www.ipb.org.br/ipb/doutrina.

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