Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
LIVRO 01 - Arte, Memória e Espaços
LIVRO 01 - Arte, Memória e Espaços
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
PARANÁ - UFPR DE PESQUISADORES/AS
REITOR NEGROS/AS - ABPN
Ricardo Marcelo Fonseca DIRETORIA
GESTORES 2020-2022
VICE-REITORA PRESIDENTE
Graciela Bolzón de Muniz Prof. Dr. Cléber Santos Vieira
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
INSTITUTO FEDERAL DO PONTA GROSSA – UEPG
PARANÁ - IFPR REITOR
REITOR Miguel Sanches Neto
Odacir Antonio Zanatta
VICE-REITOR
PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO, PESQUISA, Everson Augusto Krum
PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO
Marcelo Estevam PRÓ-REITORA DE ASSUNTOS
ESTUDANTIS - PRAE
DIRETORA DE EXTENSÃO, ARTE Ione da Silva Jovino
E CULTURA E COORDENADORA
DO NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO- COORDENADORIA DE COMUNICAÇÃO
BRASILEIROS E INDÍGENAS SOCIAL - CCOM
INSTITUCIONAL Luciane Silva Navarro
Mônica Luiza Simião Pinto
NUREGS - NÚCLEO DE RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS, DE GÊNERO E
SEXUALIDADE
Aparecida de Jesus Ferreira
COORDENAÇÃO EDITORIAL DO NEAB UFPR
Paulo Vinicius Baptista da Silva
PROJETO GRÁFICO
Beatriz Vieira de Oliveira
DIAGRAMAÇÃO
Catalogação na Fonte: Sistema de Bibliotecas, UFPR
Brenda M. L. O. dos Santos
Biblioteca de Ciência e Tecnologia
1. Arte negra. 2. Artistas negros. 3. Negras na arte. 4. Pesquisadores. 5. Literatura brasileira - Escritores
negros. 6. Negras na literatura. 7. Cultura Afro-Brasileira. I. Universidade Federal do Paraná. II. Instituto
Federal do Paraná - IFPR. III. Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. IV. Associação Brasileira
de Pesquisadores/as Negros/as - ABPN. VI. Título.
CDD: 320.5408996
CURITIBA - PARANÁ
9 a 12 de novembro de 2020
COMISSÃO CIENTÍFICA
Agradecemos a cada pessoa do Comitê Científico pela emissão dos pareceres as diversas
modalidades de trabalhos submetidos
Abrahao De Oliveira Santos, Acácio Sidinei Almeida Santos, Adilbênia Freire Machado,
Adilson Pereira Dos Santos, Adna Candido De Paula, Adriana Inês De Paula, Adriana Marques
De Andrade, Adriana Soares Sampaio, Agnes Raquel Camisao, Aguinaldo Rodrigues Gomes,
Ahyas Siss, Ailton Mario Nascimento, Alaerte Leandro Martins, Alan Augusto Moraes
Ribeiro, Alcione Correa Alves, Aldia Mielniczki De Andrade, Aleksandra Menezes De Oliveira,
Alessandra Pio Silva, Alexander Cavalcanti Valença, Alexandre Da Silva, Alexandre De
Oliveira Fernandes, Alexandre Do Nascimento, Alexandre Pinheiro Braga, Alexandre Ribeiro
Neto, Alexsandro Do Nascimento Santos, Alexsandro Eleotério Pereira De Souza, Alline
Aparecida Pereira, Amanda Motta Castro, Amarildo Ferreira Júnior, Amauri Mendes Pereira,
Ana Beatriz Sousa Gomes, Ana Cristina Conceição Santos, Ana Dindara Rocha Novaes, Ana
Lidia Cardoso Do Nascimento, Ana Lúcia Goulart De Faria, Ana Lucia Silva Souza, Ana Maria
Carvalho Dos Santos, Ana Paula Procopio Da Silva, Analise De Jesus Da Silva, Anamaria
Prates Barroso, Andrea Mazurok Schactae, Andréa Pires Rocha, Andrea Rosendo da Silva,
Andresa De Souza Ugaya, Andressa Queiroz Da Silva, Angela Maria De Souza, Angela Moraes
Cordeiro Sena, Anna M. Canavarro Benite, Anny Ocoró Loango, Antonio Donizeti Fernandes,
Aparecida De Jesus Ferreira, Aparecido Vasconcelos De Souza, Ariana Kelly Dos Santos,
Basilele Malomalo, Benedito De Sales Santos, Benjamin Xavier De Paula, Bianca Cristina Da
Silva Trindade, Bruna Ribeiro Troitinho, Bruno Camilloto, Camila Daniel, Carlos Alberto
Ivanir Dos Santos, Carlos Benedito Rodrigues Da Silva, Carlos Henrique Ònà Veloso, Carlúcia
Maria Silva, Carmelia Aparecida Silva Miranda, Carolina De Paula Teles Duarte, Carolina
Maria Costa Bernardo, Caroline Felipe Jango Da Silva, Cassiane De Freitas Paixão, Catia
Regina Gutman, Cicera Nunes, Cintia Cardoso, Clarice Martins De Souza Batista, Claudemira
Vieira Gusmão Lopes, Claudete De Sousa Nogueira, Claudete Ribeiro De Araujo, Claudia
Cristina Ferreira Carvalho, Claudia Regina Vieira, Cleber Santos Vieira, Cleide Maria De
Mello, Clélia R. S. Prestes, Cloris Porto Torquato, Cristiane Luiza Sabino De Souza, Cristiane
Maria Ribeiro, Cristiane Sousa Da Silva, Cristiano Dos Santos Rodrigues, Cristina Maria
Arêda-Oshai, Dagoberto José Fonseca, Dalva De Cássia Sampaio Dos Santos, Dalzira Maria
Aparecida, Damaris Bento, Daniara Thomaz Fernandes Martins, Daniela Fagundes Portela,
Daniela Ferrugem, Danilo Luiz Marques, Dayse Cabral De Moura, Débora Alfaia Da Cunha,
Débora Cristina De Araújo, Débora Cristina De Araújo, Debora Cristina Jeffrey, Deivison
Moacir Cezar De Campos, Dejair Dionísio, Delma Josefa Da Silva, Delton Aparecido Felipe,
Denilson Araújo De Oliveira, Denis Moura De Quadros, Denise Maria Soares Lima, Desirée
Francine Dos Santos, Deusa Maria De Sousa, Diléia Aparecida Martins, Diogo Pereira Matos,
Dulce Maria Pereira, Dyego De Oliveira Arruda, Ecivaldo De Souza Matos, Edilene Machado
Pereira, Edimara Gonçalves Soares, Edimilson Antonio Mota, Edineia Tavares Lopes, Edna
Maria De Araujo, Edna Sousa Cruz, Eduardo David De Oliveira, Eduardo Oliveira Miranda,
Eduardo Quintana, Edwin Pitre-Vásquez, Elcimar Simão Martins, Elenita Maria Dias De
Sousa Aguiar, Eliana Cristina Pereira Santos, Eliane Santana Dias Debus, Elisângela De Jesus
Santos, Elison Antonio Paim, Elizabeth De Jesus Da Silva, Ellen Gonzaga Lima Souza, Emanoel
Luís Roque Soares, Emãnuel Luiz Souza E Silva, Emerson Urizzi Cervi, Erica Portilho, Ernane
José Xavier Costa, Estela Carvalho Benevenuto, Eudaldo Francisco Dos Santos Filho, Evandro
Nunes De Lima, Everton Neves Dos Santos, Fabiana De Pinho, Fábio Lucas Da Cruz, Fábio
Macedo Velame, Fany Serafim Nascimento, Fernanda Fares Lippmann Trovão, Fernando
Jorge Pina Tavares, Fernando Luiz Monteiro De Souza, Flávia De Jesus Damião, Flavia Gilene
Ribeiro, Flávia Paola Félix Meira, Flávia Rodrigues Lima Da Rocha, Flávio Santiago, Franciane
Conceição Da Silva, Francisco Antonio Nunes Neto, Gabby Hartemann, Gabriel Nascimento
Dos Santos, Gabriel Swahili Sales De Almeida, Giane Vargas Escobar, Gilberto Ferreira Da
Silva, Gislaine Gonçalves, Giverage Alves Do Amaral, Gracyelle Costa Ferreira, Grazielly
Alves Pereira, Gustavo Pinto Alves Da Silva, Halina Macedo Leal, Helena Do Socorro Campos
Da Rocha, Heloisa Helena De Oliveira Santos, Henrique Cunha Junior, Iamara Da Silva Viana,
Ilka Boaventura Leite, Ilzver De Matos Oliveira, Ione Da Silva Jovino, Iraneide Soares Da
Silva, Irapoan Nogueira Filho, Iris Maria Da Costa Amâncio, Irislane Pereira De Moraes, Isis
Aparecida Conceição, Itacir Marques Da Luz, Ivo Pereira De Queiroz, Ivonete Da Silva Lopes,
Izanete Marques Souza, Jalber Luiz Da Silva, Janaina De Azevedo Corenza, Jaqueline Gomes
De Jesus, Jefferson Gustavo Dos Santos Campos, Jeusamir Alves Da Silva (Tata Ananguê),
Joana Célia Dos Passos, Joana D'arc De Oliveira, Joanice Santos Conceição, João Batista De
Jesus Felix, João Ricardo Bispo Jesus, Jocenildes Zacarias Santos, Joelma Rodrigues Da Silva,
Jonathan Da Silva Marcelino, Jorge Augusto De Jesus Silva, Jorgete Maria Portal Lago, Josafá
Moreira Da Cunha, Josane Dos Santos Oliveira, Josaniel Vieira Da Silva, José Antonio Novaes
Da Silva, José Bonifácio Alves Da Silva, Jose Da Cruz Bispo De Miranda, José Humberto
Rodrigues Dos Anjos, José Nilton De Almeida, José Rivair Macedo, José Valter Pereira,
Joselina Da Silva, Josiane Silva De Oliveira, Juliana Silva Santos, Juliete Da Paixão Vidal, Júlio
César Da Rosa, Julio Claudio Da Silva, Jurema Oliveira, Jussara Alves Da Silva, Kabengele
Munanga, Karina Klinke, Karla Dos Santos Guterres Alves, Kassandra Da Silva Muniz, Katia
Regina Da Costa Santos, Kênia Gonçalves Costa, Kleber Aparecido Da Silva, Laysmara
Carneiro Edoardo, Leandro Passos, Leonardo Lacerda Campos, Leonor Franco De Araujo,
Letícia Carolina Pereira Do Nascimento, Lorena Francisco De Souza, Lourenço Da Conceição
Cardoso, Luana Carla Martins Campos Akinruli, Lucia De Fatima O De Jesus, Lucia Helena
Xavier, Lucia Maria Barbosa Lira, Luciana Alves, Luciana Venâncio, Luciane Ribeiro Dias
Gonçalves, Luciano Mendes De Jesus, Luciene Araújo De Almeida, Lucimar Felisberto Dos
Santos, Lucimar Rosa Dias, Luena Nascimento Nunes Pereira, Luís Carlos Ferreira Dos
Santos, Luis Thiago Freire Dantas, Luiz Alberto De Lima Leandro, Luiz Carlos Vieira Tavares,
Luiz Sanches Neto, Luiza Nascimento Dos Reis, Luiza Rodrigues De Oliveira, Luzia Aparecida
Ferreira, Magali Da Silva Almeida, Maicom Souza E Silva, Mailsa Carla Pinto Passos, Márcia
Basília De Araújo, Marcia Cabral Da Costa, Márcia Lúcia Anacleto De Souza, Marcio Hollosi,
Marco Aurelio Barbosa, Marcos Antônio Alexandre, Marcos Dos Santos Santos, Marcus
Vinicius De Freitas Rosa, Margarida De Cássia Campos, Maria Albenize Farias Malcher,
Maria Alice Rezende Gonçalves, Maria Anória De Jesus Oliveira, Maria Aparecida De Matos,
Maria Aparecida Rita Moreira, Maria Cecília De Paula Silva, Maria Clareth Goncalves Reis,
Maria Cláudia Chantre Costa Cardoso, Maria Da Conceicao Dos Reis, Maria Das Graças
Gonçalves, Maria De Fátima Lima Santos, Maria De Fátima Matos De Souza, Maria Do
Socorro Da Costa Coelho, Maria Ester Ferreira Da Silva Viegas, Maria José De Jesus Alves
Cordeiro, Maria Luísa Pereira De Oliveira, Maria Margarete Santos Benedicto, Maria Nilza
Da Silva, Maria Simone Euclides, Maria Teresa Sánchez Alcolea, Mariana Aparecida Dos
Santos Panta, Mariana Bracks Fonseca, Mariana Gino, Marilu Márcia Campelo, Marina
Pereira De Almeida Mello, Maristela Abadia Guimarães, Marizete Gouveia Damasceno,
Marli De Azevedo, Marlina Oliveira Schiessl, Marluce De Lima Macêdo, Marta Regina Dos
Santos Nunes, Mary Francisca Do Careno, Mary Valda Souza Sales, Mauricio Macedo Vieira,
Megg Rayara Gomes De Oliveira, Michele Guerreiro Ferreira, Miguel ngelo Silva De Melo,
Míriam Cristiane Alves, Moises Melo Santana, Mônica Helena Harrich Silva Goulart,
Monique De Carvalho Cruz, Nádia Cardoso, Nadson Vinícius Dos Santos, Nailza Da Costa
Barbosa Gomes, Natalino Neves Da Silva, Nathalia Savione Machado, Nedy Bianca Medeiros
De Albuquerque, Nelia Aparecida Da Silva Cavalcante, Neli Gomes da Rocha, Nicéa Quintino
Amauro, Nilvaci Leite De Magalhães Moreira, Nubia Regina Moreira, Olindina Serafim
Nascimento, Osvaldo Martins De Oliveira, Otair Fernandes De Oliveira, Patricia Marinho De
Carvalho, Patricia Martins, Paulo Alberto Dos Santos Vieira, Paulo Fernando Soares Pereira,
Paulo Henrique Barbosa Silva, Paulo Roberto Cardoso Da Silveira, Paulo Vinicius Baptista Da
Silva, Paulo Vitor Palma Navasconi, Pedro Barbosa, Piedade Lino Videira, Priscila De Oliveira
Xavier Scudder, Priscila Elisabete Da Silva, Queila Batista Dos Santos, Rayane Noronha
Oliveira, Reginaldo Conceição Da Silva, Reginaldo Ramos De Britto, Reinaldo Da Silva
Guimarães, Renata Giovana De Almeida Martielo, Renata Gonçalves, Renato Noguera,
Renê Marcelino Da Silva Junior, Renilda Aparecida Costa, Ricardo Matheus Benedicto,
Richard Christian Pinto Dos Santos, Roberta Brasilino Barbosa, Roberta Da Silva Gomes,
Roberto Carlos Da Silva Borges, Roberto Gonçalves Barbosa, Rodrigo Pedro Casteleira,
Rodrigo Portela Gomes, Rosa Margarida De Carvalho Rocha, Rosana Machado De Souza,
Rosangela Ferreira De Souza Queiroz, Roselete Fagundes De Aviz, Rosemberg Ferracini,
Rosilene Silvia Santos Da Costa, Rute Ramos Da Silva Costa, Rutte Tavares Cardoso Andrade,
Samuel Silva Rodrigues De Oliveira, Sandra Aparecida Da Silva, Sandra Maria Cerqueira Da
Silva, Sandra Regina Leite De Campos, Sara Da Silva Pereira, Sarita Faustino Dos Santos,
Sátira Pereira Machado, Selma Maria Da Silva, Sergio Da Silva Santos, Sérgio Luís Do
Nascimento, Sérgio Nunes De Jesus, Sérgio Pereira Dos Santos, Silvana Carvalho Da Fonseca,
Silvani Dos Santos Valentim, Silvio Cezar De Souza Lima, Simone Cristina Reis Conceição
Rodrigues, Sirlene Ribeiro Alves Da Silva, Sônia Beatriz Dos Santos, Sulamita Rosa Da Silva,
Tales Willyan Fornazier Moreira, Tharine Louise Gonçalves Caires, Thatianny Alves De Lima
Silva, Thiago Lima Dos Santos, Túlio Henrique Pereira, Valéria Correia Lourenço, Valéria
Gomes Costa, Valéria Gomes Costa, Vanderlei Serafin Antunes, Vera Marcia Marques
Santos, Vera Regina Rodrigues Da Silva, Vilma Patricia Santana Silva, Viviane Gonçalves
Freitas, Walker Douglas Pincerati, Wanderson Flor Do Nascimento, Willian Robson Soares
Lucindo, Wilma de Nazaré Baía Coelho, Wilson Roberto De Mattos, Yone Maria Gonzaga,
Zâmbia Osorio Dos Santos, Zelinda Dos Santos Barros, Zilda Martins Barbosa.
COMISSÃO DE COMUNICAÇÃO
Andréa Rosendo da Silva - USP
Andressa Ribeiro - UFPR
Beatriz Vieira de Oliveira - UFPR
Camille Bropp Cardoso - UFPR
Daniel Alexsander Silva da Luz
Daniele Aparecida de Lima Taques (audiovisual) - UFPR
Débora Ribeiro - UFPR
Deivison Moacir Cezar de Campos - Ulbra
Diego Dias Da Silva - UEMS
Felipe Ferreira Alves (audiovisual) - UFPR
Gabriel Muxfeldt Siqueira- UFPR
Judit Gomes da Silva – UFPR
Juliana Ertes Santos - UFPR
Letícia Rocha Portela - UFPR
Lorenzzo Henrique de Paula Gusso - UFPR
Marina de Arruda Alencar - UFPR
Mateus Camilo dos Santos (audiovisual) - UFPR
Matheus de Castro Borsato - UFU
Naiara Caroline dos Santos Neves - UNIFESP
Sara da Silva Pereira - NEAB/UFPR e NEABI/UFAC
Sérgio Luis do Nascimento- PUCPR
Tainara dos Santos Alexandre- UFPR
Thiago Henrique Borges Brito - UFOP
COMISSÃO DE CULTURA
Ana Lucia Mathias Fernandes Coelho - Profa. da Educ. Básica e NEAB/ UFPR
Benedito Isidoro Diniz - Produtor Cultural (Externo)
Celso Luiz Prudente – UFMT e IEL/UNICAMP
Edwin Ricardo Pitre Vásquez - UFPR – Deartes
Gabriel Arruda - Trancista
Larissa Nepomuceno Moreira - UFPR
Mariana Silva Souza - UFPR
Régis Rodrigues Elisio- UFU
Ronaldo Feitosa - COC/PROEC
Vanderlei Serafin Antunes - UFPR
COMISSÃO DE EDITAIS
Kelvy Kadge Oliveira Nogueira - UFPR
Flávia Rodrigues Lima da Rocha - UFAC
Graciele Alves Babiuk - UFPR
COMISSÃO DE INFRAESTRUTURA
Adriana Inês De Paula – UFPR
Andressa Ribeiro - UFPR
Ébio Luiz Ribeiro Machado - TJPR
Elenilton Vieira Godoy - UFPR
Erick da Silva Santos - UFPR
Ione da Silva Jovino- UEPG
José Carlos Appolinário - TV UFPR
Letícia Sampaio Pequeno - TJPR
Kelvy Kadge Oliveira Nogueira - UFPR
Marina de Arruda Alencar - UFPR
Mônica Luiza Simião Pinto - NEABI IFPR
Nathalia Savione Machado - UFPR
Thaís Regina De Carvalho - UFG
EQUIPE DE MONITORIA
Alexandre F. Braga, Aline Adriana Oliveira, Aline Vargas Escobar, Amanda Barbosa Veiga
dos Santos, Amanda Caroline Alves Pereira, Ana Paula Nascimento Lourenço, Antoniele de
Cassia Luciano, Ariane De Sá Andrade Cruz, Bianca Lopes Brites, Carla Aparecida da Costa,
Carlos Alberto Mendonça Filho, Francisco Otávio Araújo Dos Santos, Gabriella Santos Da
Silva, Gabriel Ribeiro Da Silva, Graciéle Pereira Souza, Higor Natanael Azevedo Carvalho,
Hugo Ribeiro De Souza, Izabely Morais Santana, Jessica Barbosa Joaquim, Jéssica Suzana
Magalhães Cardoso, Jéssica Teixeira Eugênio, Josué Goulart, Lara Danuta Da Silva, Leidiane
Lopes Da Silva, Lilian Soares Da Silva, Lívia Maria Nascimento Silva, Lucas Eduardo Zulin,
Luana Larissa De Carvalho Ferreira, Luana Ribeiro Da Trindade, Luziane Da Silva Pinheiro,
Marília Renata Felix Rodrigues, Matheus Silva Freitas, Nayhara Almeida De Sousa, Pedro
Augusto Gonçalves Alves, Raíssa Ladislau Leite, Rafael Barbosa De Jesus Santana, Rian
Santana Mota.
APOIO TÉCNICO
Ana Lúcia Lourenço - Desembargadora do TJPR
Andrea Kominek - UTFPR
Ana Paula Vieira - PROGRAD/UFPR
Daniel S. P. Soares - FUNPAR//UFPR
Geison David da Silva - Instituição Academia Policial Militar do Guatupê-PR
Mardem Lincoln Amaral Machado - TJPR
Maria Aparecida Blanco de Lima- Desembargadora do TJPR
Rafaela Pauluk - UFPR
Sérgio Luis Do Nascimento - PUC/PR
Toni André Scharlau Vieira - UFPR
EQUIPE DE INTÉRPRETE DE LIBRAS
Aldemar Balbino da Costa – UFPR
Claudinei Matoso – UFPR
Cleverson Rogério dos Santos – IFPR
Danielle Marrie Moraes – UFPR
Edilena da Silva Frazão - UTFPR
Elizete Pinto Cruz Sbrissia Pitarch Forcadell - IFPR
Jonatas Rodrigues Medeiros – UFPR
Juliana da Silva Richter – IFPR
Karianny Aparecida Gerotto Del Mouro - IFPR
Katia Silene Veiga Lamberti - IFPR
Marly Pessoa Souza – UFPR
Peterson Simões – UFPR
Priscila Mara Simões – UFPR
Rhaul de Lemos Santos – UFPR
Sarah Tamara Corrêa Hilgemberg - IFPR
Sérgio Ferreira – UFPR
Tiago Machado Saretto - IFPR
Valdeir Ramos Pereira - UTFPR
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Negras Escrevivências, Interseccionalidades e Engenhosidades: Artes, Memória e Espaços ..
........................................................................................................................................... 23
Rita de Cássia Moser Alcaraz, Juliana Ertes Santos, Paulo Vinicius Baptista da Silva
“Na praia essa mulher ficou chorando”: reflexões acerca do conceito “Mater Dolorosa”
em Gonçalves Crespo e demais escritores(as) negros(as) ................................................. 74
Bruno Barra da Silva
A construção da identidade feminina negra na obra "O mundo no Black Power de Tayó" ......
......................................................................................................................................... 168
Larissa Oliveira de Paula, Renan Fagundes
Personagens negras no livro ilustrado: uma análise da obra “O príncipe da beira”, de Josias
Marinho ........................................................................................................................... 186
Mariana Silva Souza, Débora Cristina de Araujo
Juventude negra e literatura: por um erguer de vozes em sala de aula ........................... 222
Cristina Cristo Alcantara do Nascimento, Maria Anória de Jesus Oliveira
Negras Escrituras: o papel das mídias sociais na divulgação da escrevivência negra ........ 245
Bruna Ribeiro Troitinho
ST 47: POÉTICAS DO EXISTIR: ESCREVIVÊNCIAS DO POVO NEGRO
NA LITERATURA E EM OUTRAS ARTES
Carolina Maria de Jesus: conquistas e desafios na sua trajetória de escrita em 60 anos de
Quarto de Despejo ........................................................................................................... 259
Vanessa Maria Poteriko da Silva
ST 22: ETNOMUSICOLOGIA
Ressignificações, relações e permanência de elementos musicais diaspóricos africanos no
conjunto percussivo de uma casa de candomblé e de uma bateria de escola de samba em
São Paulo ......................................................................................................................... 279
Tata Bewalaja, Rafael Y Castro
O Teatro negro por sobrevivência já nasce cinema! Uma experiência junto ao Movimento
Cor de Anastácia .............................................................................................................. 328
Christiano Cesar Mattos Dias (Cachalote Mattos)
A dimensão subalterna da mulher negra expressa na produção fílmica "a negra de..." ... 337
Sunshine Cristina de Castro Reis Santos
Uma análise da semiótica peirceana, plano de expressão e conteúdo através do clipe "Inácio
da catingueira" ............................................................................................................. 357
Andressa Vieira Almeida
ST 58: RITMOS DA IDENTIDADE: MÚSICA, JUVENTUDE E
IDENTIDADE
Cantos de liberdade: enunciando a subjetividade dos homens negros a partir do rapper
Baco Exu do Blues ............................................................................................................ 371
Matheus Eduardo Borsa
Raça e Gênero: A música como instrumento de resistência das mulheres negras ............ 380
Eloara dos Santos Cotrim, Delton Aparecido Felipe
“Ser feliz (no vão, no triz) é força que me embala”: mulheres negras inventando Tecnologias
de sobrevivência .............................................................................................................. 429
Leidiane Macambira
Fio a fio na luta contra o racismo: as Experiências de mulheres negras na Transição e as mí-
dias .................................................................................................................................. 440
Rejane Macedo, Ana Luisa Aguiar
Mulheres negras, memória e resistência: um olhar de dentro do NEABI Mocinha ........... 548
Amanda Caroline Alves Pereira, Giane Vargas Escobar
100 anos de existência do Clube Social Negro 24 de Agosto através de um jogo didático .......
......................................................................................................................................... 566
Rafael Barbosa de Jesus Santana, Giane Vargas Escobar
Cidades dentro da Cidade: reflexões sobre história, direitos humanos, memórias e Identida-
des – uma ação do PIBID na escola ................................................................................... 595
Elizabeth de Jesus da Silva
ST 05: ARQUITETURA, URBANISMO E CIDADE AFRICANA E AFRO-
BRASILEIRA
Espaços de sociabilidade negra e suas transformações: o Clube Treze de Maio em Curitiba ...
......................................................................................................................................... 604
Juliana Harumi Suzuki, Matheus Becker Walteman de Freitas
Oranian é Paulo da Portela: O mundo que Paulo Benjamim de Oliveira fez crescer ......... 696
Karen Garcia Pêgas
A (re)inserção social de alforriados e libertos no Paraná nas últimas décadas do século XIX ...
......................................................................................................................................... 706
Alexandre Padilha, Camile Ribeiro Texca, Fábio Lucas da Cruz
“Ela faz o destino dela”: Uma história de resistência em Pernambuco-1854 .................... 787
Tatiany de Oliveira Simas
Religiões de matriz africana: um olhar de vida sobre a morte social no contexto de escravi-
dão .................................................................................................................................. 792
Danielle Campos de Moraes
De fato, nas pesquisas, assim como na vida social, as visões de mundo, os va-
lores, entre outras possibilidades indicam trajetórias e princípios para um movi-
mento de pesquisas na área que apresentam sujeitos heterogêneos em um espaço
interseccional diaspórico tendo como eixo o Brasil e que contribuem na construção
de pesquisas na área da Educação das relações étnico-raciais (ERER).
Isso quer dizer que os trabalhos aqui escritos em si guardam memória, traje-
tória, um pouco de Conceição que também é escrevivência, e compartilham por
meio da arte, da memória a complexa tarefa em disseminar a semente teórica de
bases advindas de uma problematização de ideias antirracistas e que tem em si
implicações epistemológicas de investigações que alteram o modo de olhar para a
área de Humanidades.
A perspectiva metodológica de diferentes olhares permite observar tendências
de investigação heterogêneos e interseccionais na expressão de sujeitos sociais
que validam suas pesquisas inclusive pela expressão espacial corporificada na voz,
identidade, cabelo e cor de pele. De fato, a legitimidade ocorre pelas manifesta-
ções atuais e atenções tomando como base o fortalecimento da área. O Copene
em seus mais de 20 anos em diálogo com a sociedade por meio da centralidade
de pesquisadoras negras e pesquisadores negros aponta mudanças em diferentes
áreas de estudo.
Para além de uma distinção teórica e epistemológica em se fazer a pesquisa
e situar a arte, a literatura, a diáspora, a contemporaneidade entre outros se faz
necessário situar os espaços. Refletir em espaços, atualmente, é considerar um
isolamento social devido a pandemia, enfatizamos como tal questão se relaciona
ao espaço intimista, aquele da solitude e por vezes da solidão. Na compreensão de
que a primeira é um ato de interiorização e o segundo um ato possível de adoeci-
mento. Sem dúvida, o país adoeceu, no entanto, a condição crítica deste momento
social pandêmico foi semeada por estudos que permitiram a crítica e a denúncia
do que ocorre neste momento. Significa afirmar que um momento de princípios
de avanços na área de ERER, como o combate antirracista, e na minimização das
desigualdades sociais, de gêneros e raciais encontram-se pautadas em reflexões
teóricas das pesquisas e reflexões apresentadas neste livro. Aqui neste relato como
INTRODUÇÃO
A fim de compreender a dificuldade de mulheres negras serem reconhecidas
e legitimadas enquanto escritoras/autoras de obras literárias pelas instituições
(grandes editoras, mídia, bienais, feiras literárias, universidades e etc.), que esta
pesquisa está dividida em três seções, sendo elas Entre letras: Educação formal,
onde visitamos a história da educação da população negra no Brasil, desde o colo-
nialismo, a fim de perceber como esse passado de ausências reverbera até os dias
atuais. Buscamos mostrar que para a comunidade negra ter domínio das palavras
sempre foi mecanismo de luta por uma participação na sociedade brasileira e isso é
reafirmado na seção Discursos, sabendo que este artigo não dá conta da temática
que é a educação da população negra no Brasil desde o colonialismo que entrela-
çamos com outros estudos para atingir o seu objetivo a partir das pesquisas feitas
por Santiago (2012) ao buscar compreender as narrativas das mulheres negras na
literatura e suas simbologias. Por fim em O Reconhecimento da escrita como forma
de ilustrar essa falta de reconhecimento das instituições trazemos os dois casos de
maior reverberação, os casos de Carolina Maria de Jesus e de Conceição Evaristo.
Ana Flávia Magalhães Pinto (2018), em Escritos da Liberdade nos mostra que
nas décadas de 1860 e 1870 a população negra já se organizava, mas somente a
partir de 1887, um ano antes da abolição da escravatura pela Princesa Isabel, que
estes movimentos, orquestrados por intelectuais negros tomaram notoriedade
na sua militância pelos direitos da população negra. Surgiram nesse contexto os
primeiros grupos do Movimento Negro Brasileiro, como por exemplo, a Liga dos
Homens de Cor, no Rio de Janeiro e a seguir outras Associações Negras em estados
como São Paulo e Rio Grande do Sul. O movimento clubista, dos homens de cor,
teve grande protagonismo nesse processo, já que estes estavam comprometidos a
garantir o pleno exercício da cidadania a população negra à época e positivar a sua
imagem perante a sociedade. Esse movimento tem grande influência nesse proces-
so de alfabetização e escolarização da população negra.
Sob o governo republicano de Getúlio Vargas e com a Constituição de 1934 a
educação escolar tornou- se obrigatória, seu texto não determinava que ela fosse
realizada em instituições escolares oficiais e nada continha em relação a educação
de negros e negras. Ao mesmo tempo a Frente Negra Brasileira cobrava atenção
para a importância da educação formal da população negra, largada à sua própria
sorte.
Segundo Rosemberg e Piza (1996, p.116), em relação a população feminina (5
anos ou mais nos anos de 1872 a 1991), os dados nos mostram que de 1872 a 1970
mais da metade dessa população era analfabeta. Esses dados não distinguem as
mulheres por raça/etnia, mas nos situam da situação da mulher no geral em relação
ao letramento e a escolarização no Brasil. Segundo o site Retratos das Desigualda-
des de Gênero e Raça do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) os dados
a respeito da população brasileira feminina analfabeta de 15 anos ou mais de ida-
Por se tratar de uma escrita insurgente que suas forças são temidas pelas ins-
tituições, pois, colocam a prova as certezas e tradições da lógica operante que be-
neficia aqueles poucos que sempre detiveram o poder. “[...] com ênfase na criação
de vozes poéticas e nas construções discursivas e imaginárias de femininos e femi-
nismo negro, cotejadas por anseios por escrita e vozes literárias que vislumbrem
emancipação e resistência” (Santiago, 2012, p. 147). A autora analisa os textos das
escritoras negras atuais e analisa seus versos com as dimensões simbólicas da vida
em sociedade e suas imbricações no racismo.
O RECONHECIMENTO DA ESCRITA
Os dados anteriormente destacados nos interessam a fim de ilustrar os discur-
sos literários das mulheres negras e como essas dificilmente são legitimadas pelas
instituições.
Carolina Maria de Jesus é um desses exemplos, ela escreveu o livro Quarto de
Despejo: Diário de uma favelada. Sua primeira edição foi lançada em 1960. O livro
começa a ser narrado em 1955 e vai até 1960, em seus textos ela nos mostra como
era incomum uma mulher negra ter interesse pelos livros e pela escrita e também
como a escrita era importante para ela ao viver em condições de subsistência, to-
das narradas em seu livro, denúncias de desigualdades sociais presentes ainda em
nossa sociedade. Ela mostrou também como a sua escrita – cheia de erros grama-
ticais básicos devido ao seu baixo nível de escolarização – tornou- se ferramenta
de luta e resistência.
O caso de Carolina Maria de Jesus, nos mostra também como apesar de ter
ganhado dinheiro com seus livros publicados, ela apenas foi consagrada após a sua
morte. Fato que confirmaisso é que somente recentemente2 a Companhia das Le-
tras3 anunciou que irá publicar todos os escritos da autora. Podemos relacionar
essa ação também ao movimento Black Lives Matter4, que no Brasil através de ati-
vistas e intelectuais negras e negros têm chamado a atenção para as condições de
vida da população negra brasileira e a sua representatividade em espaços de poder.
Conceição Evaristo é outra mulher negra que demorou a colher os louros de sua
produção literária. Ela iniciou na literatura em 1990, publicando contos e poemas
Percebendo que a escrita das mulheres negras foi forjada como mecanismo de
luta identitárias e de possibilidade de narrativas outras que não a aquela instituída
pelo olhar do outro através de denúncia e combate ao racismo e outras opressões,
como de gênero e de classe, numa sociedade estruturalmente racista e negativis-
ta estendemos como e manter essas escritoras deslegitimadas pelas instituições
como autoras e especialistas na arte da palavra faz parte dessa engrenagem.
REFERÊNCIAS
ANJOS, Juarez José Tuchinski dos. Não há salvamento fora da instrução: atitudes e com-
portamentos em torno da escolarização compulsória dos ingênuos no Paraná provincial
(década de 1880). In: FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya Aaronovich Pombo de
(org.). A História da Educação dos Negros no Brasil. Niterói: Eduff - Editora da Universida-
de Federal Fluminense, 2016. p. 247-269.
CAMPOS, Mateus; BIANCHI, Paula. Conceição Evaristo: Ela seria a primeira escritora negra
da Academia Brasileira de Letras. Mesmo com a maior campanha popular da história,
perdeu.. 2018. Disponível em: <https://theintercept.com/2018/08/30/conceicao-evaris-
to-escritora-negra- eleicao-abl/>. Acesso em: 09 nov. 2019.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2009.
CRESSONI, Fábio Eduardo. Missão, ensino e escravidão: pedagogia jesuítica nas obras de
Jorge Benci e Antonil. In: FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya Aaronovich Pombo
de (org.). A História da Educação dos Negros no Brasil. Niterói: Eduff - Editora da Univer-
sidade Federal Fluminense, 2016. p. 73-93.
CRUZ, Mariléia dos Santos. Escravos, forros e ingênuos em processos educacionais e civili-
zatórios na sociedade escravista do Maranhão no século XIX. In: FONSECA, Marcus Viní-
cius; BARROS, Surya Aaronovich Pombo de. A História da Educação dos Negros no Brasil.
Niterói: Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense, 2016. p. 163-189.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: Diário de uma favelada. 10. ed. São Paulo:
Ática, 2018. LITERATURA, Quilombhoje. Cadernos Negros 40 anos. Disponível em: <http://
www.quilombhoje.com.br/site/cadernos-negros/>. Acesso em: 09 nov. 2019.
LUZ, Itacir Marques da. Sobre Arranjos coletivos e práticas educativas negras no século
XIX: o caso da Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco. In: FONSECA,
Marcus Vinícius; BARROS, Surya Aaronovich Pombo de (org.). A História da Educação dos
Negros no Brasil.
ROSEMBERG, Fúlvia; PIZA, Edith. Analfabetismo, gênero e raça no Brasil. Revista USP,
[s.l.], n. 28, p.110-121, 1 mar. 1996. Universidade de São Paulo Sistema Integrado de Biblio-
tecas - SIBiUSP. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i28p110-121. Acesso em:
09 nov. 2019.
UNIVERSA (São Paulo). Companhia das Letras anuncia publicação da obra de Caro-
lina Maria de Jesus.... Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/
redacao/2020/07/17/companhia-das-letras-anuncia-publicacao-da-obra-de-caroli-
na-maria-de- jesus.htm?fbclid=IwAR22iIoCLzZE1S8b1rsnjHcXEn1w27U1RimGAhgvVHkEl-
FUui43cOda3o hg. Acesso em: 20 jul. 2020.
AUTORIA
Athemis Nunes da Fonseca
Bacharelanda do Curso de Produção e Política Cultural; Bolsista do Programa de
Educação Tutorial- Produção e Política Cultural; Membra do Núcleo de Estudos
Afro-brasileiros e Indígenas- Mocinha da Universidade Federal do Pampa- Campus
Jaguarão.
E-mail: athemisfonseca@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2036-0137
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7517117238672313
INTRODUÇÃO
Armei-me de aparatos teóricos que pudessem me aproximar da escrita de Toni
Morrison. Contudo, todas as aproximações intermediadas pelo academicismo tor-
navam a minha compreensão de Compaixão mais distante, menos sensível, mate-
rialista, desastrosa. Crucial foi olhar para mim. Talvez, este tenha sido o exercício
mais importante para a aquisição de uma episteme decolonial.
Os anos de prática intelectual não me soterraram em um conjunto de títulos
que lutei tanto para conquistar e que não me tornaram mais digno. Ardem ainda
em carne viva as antigas feridas que com as novas se acumulam. Minha tessitura
intelectual arde como o corpo vivo de um negro preto diaspórico carregado em
ressentimentos de um existir marcado pelo imperativo da sobrevivência.
Partindo daí, foi possível verificar os enigmáticos pontos de coesão da narra-
tiva e que acabavam do desalinhar meu ser. Não há uma parte deste livro que
não me faça sentir: sentir ódio, tristeza, rancor. Mas, há também alguns pequenos
momentos de amor, de alegria e de verdadeira compaixão. Estes lapsos, em que
nos esquecemos da dor, doem mais em nós, negros e negras, pois sabemos ou
pressentimos que não são duradouros. Porém, é o que nos faz seguir, caminhar.
Como se a vida mesmo fosse algo por vir e ainda assim é necessário aproveitar
cada momento.
Compaixão é um romance lançado em 2008 e com ele, Toni Morrison retoma o
tema da escravidão apresentado em Amada. É interessante observar que os dois
ESTRUTURA NARRATIVA
A voz de Benjamin ainda ecoa em meu fazer acadêmico de forma reverberativa,
fruto de uma antiga paixão materializada em alguns artigos publicados aqui e aco-
lá. Ouço-o afirmar: "a arte de narrar está em vias de extinção" (Benjamin, 1994, p.
REFLEXÃO DECOLONIAL
O pensamento decolonial não se constitui enquanto um esforço de retorno ao
que existia antes do processo de colonização - isso seria um fazer impossível e sem
qualquer possibilidade de ocorrer. Decolonizar é buscar aquilo que Mignolo deno-
minou de pensamento fronteiriço (Mignolo, 2003) - um método que se aproxima
do que vem sendo denominado como epistemologia das encruzilhadas. Afinal, só
ouvindo Exu para entender a lógica dos cruzos. Afinal, Exu matou um pássaro on-
tem com a pedra que arremessou hoje (sabedoria ancestral Iorubá). Portanto, é
preciso acertar a colonialidade de ontem com a pedra que jogamos hoje. Impossí-
vel? Não, apenas é necessário seguir a lógica exuística da encruzilhada. Impossível
é negar a realidade diaspórica do povo negro. Impossível é viver aqui sem pisar o
chão, sem cortar nossos pés neste solo tão hostil, sem criar dureza nos tecidos de
nossa existência.
Porém, abandonar o sonho de retorno ao período anterior ao processo colonial
não significa abrir mão de qualquer tentativa de retorno. Sankofa é o adinkra que
impera nossas existência diaspórica e periférica. O pássaro mítico que gira o pesco-
ço entoando “volte e pegue”, sabendo que nem tudo é possível ou útil pegar. Mas,
é essencial retomar, reconhecer nossa riqueza cultural e conhecer o processo que
nos levou até nossa atual condição:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Florens foi acompanhada por esta pesquisa do início ao fim da narrativa. Assim,
foi possível buscar relações entre aspectos da vida da protagonista e conceitos pró-
prios de epistemologias suleadas e decoloniais. Observando elementos de estilo e
conteúdo narrativo, é visível que o romance de Toni Morrison se nega a permitir
que o esquecimento apague as mazelas que demonstram que humanidade em di-
versos momentos se perdeu. Sua narrativa é um daqueles textos que “(...) teimam
em opor-se à hipocrisia de uma reconciliação amnésica que pretende calar o que,
de qualquer modo, já se sabe” (Sarlo, 1997, p. 32).
É a voz fortalecida de Florens ao final da narrativa de suas perambulações rumo
ao verdadeiro esclarecimento, com seus pés no chão, que ouvimos a canção de-
colonial: “Está vendo? Você está certo. A minha mãe também. Eu virei fúria mas
também sou Florens. (...) Mãe, você pode ter prazer agora porque as solas dos
meus pés estão duras feito madeira de cipreste”(Morrison, 2008, p. 151). É no giro
da personagem que esta pesquisa observa e analisa também a gira epistemológica
encontrando indícios, ferramentas e estratégias para que o subalternizado possa,
enfim, falar.
BONNICI, T.; ZOLIN, L. O. (Org). Teoria Literária: Abordagens históricas e tendências con-
temporâneas. 2º edição. Maringá: Eduem, 2009.
FANON, F. Pele Negra, Máscaras Negras. Trad. Renato da Silveira. Editora da UFBA: Salva-
dor, 2008 [1968].
GILROY, Paul. O Atlântico Negro: Modernidade e dupla consciência. São Paulo, Rio de Ja-
neiro: 34/Universidade Cândido Mendes – Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
HALL, Stuart. Que negro é esse na cultura negra? In: Da Diáspora: Identidades e media-
ções culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003, p.317-333.
HOOKS, B. “Intelectuais negras”. Estudos Feministas, ano 03, n. 2 – Dossiê: Mulheres Ne-
gras. Florianópolis, p. 464-478, jun/dez 1995. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/
index.php/ref/article/view/16465/15035. Acesso em: 25 maio 2020.
HOOKS, B. “Mulheres negras: moldando a teoria feminista (Black women: shaping femi-
nist theory)”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº16. Brasília, janeiro - abril de 2015,
pp. 193-210. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220151608.
KILOMBA, G. “O racismo é uma problemática branca” diz Grada Kilomba. [Entrevista con-
cedida a Djamila Ribeiro]. Carta Capital. 30 de março de 2016. Disponível em: https://
www.cartacapital.com.br/politica/201coracismo-e-uma-problematica-branca201d-uma-
conversa-com-gradakilomba/.Acesso em: 25 maio 2020.
MORRISON, Toni. Compaixão. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1994. v.
1. RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1995.
v. 2. SAID, E. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a
uma ecologia de saberes, In: SANTOS, Boaventura de Souza; MENESES, Maria Paula (Org.).
Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez 2010.
AUTORIA
Dr. Natalino da Silva de Oliveira IF Sudeste MG- Campus Muriaé
E-mail: natalinoletras@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7426-7283
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8958870038386049
Menina
Menina, eu queria te compor em versos,
Cantar os desconcertantes mistérios
Que brincam em ti,
Mas teus contornos me escapolem.
Menina, meu poema primeiro,
Cuida de mim.
Conceição Evaristo
REFERÊNCIAS
GARSON, Isaac Bernat. O olhar do griot sobre o ofício do ator: reflexões a partir de encon-
tros com Sotigui Kouyaté. Acesso: 08 de Nov. de 2020. Disponível em: <www.portalabra-
ce.org/vcongresso/textos/estudosperformance>.
LIMA, Evani Tavares. Por uma história negra do teatro brasileiro. Urdimento, v.1, n. 24,
p92- 104, julho 2015. Acesso: 07 de Nov. de 2020 Disponível em: <http://revistas.
udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101242015092>.
AUTORIA
Lucimélia Aparecida Romão Graduanda em Teatro (UFSJ/ MG)
E-mail: lucimelia.romao@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0133956027436926
INTRODUÇÃO
Negra Belo Horizonte contemplada a partir das Artes Cênicas. Nessa perspec-
tiva raiou no horizonte da capital mineira um empreendimento arquitetado como
prêmio de teatralidades e edificado em epistemologias e estéticas negras. O Prê-
mio Leda Maria Martins de Artes Cênicas Negras de Belo Horizonte é um projeto de
estudos, homenagens e engendramentos. Em cada edição da premiação configura-
-se um tema orientador, na realização de lançamento, em dezembro de 2017, teve
o mote Afeto Emancipatório de Nilma Lino Gomes; a segunda edição, em 2018,
Escrevivência: escrever, viver, se ver de Conceição Evaristo; a terceira edição Exu-
zilhar de Cidinha da Silva; e Quilombismo, na quarta edição, inspirado no livro “O
Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista, de Abdias Nascimen-
to, edição 2019.
O Prêmio Leda Maria Martins forma uma comissão de júri para apreciação das
montagens de teatro, dança e performance catalogadas por meio de curadoria de
Denilson Tourinho, idealizador e coordenador do projeto. A referida catalogação,
com descrições e imagem, encontra-se disponível no site oficial da premiação, e
descortina trabalhos cênicos de Belo Horizonte e região metropolitana, do ano de
1972 até março de 2020, com atualizações realizadas em cada nova edição.
Esse acervo documental das Artes Cênicas Negras de Belo Horizonte, junto às
analises críticas dadas ao trabalho de curadoria, propiciou ao negro artista e edu-
ABRAM-SE AS CORTINAS
Descortinar as teatralidades negras belo-horizontinas tem sido papel artístico,
crítico e educativo de artistas e pesquisadores, exemplar em Marcos Antônio Ale-
xandre (2017), ao apresentar um histórico de espetáculos teatrais negros de Belo
Horizonte em O Teatro Negro em Perspectiva: dramaturgia e cena negra no Brasil e
em Cuba, resultado de pesquisa acadêmica que se tornou livro e é referência para
estudos em teatro negro. E já de cara a capa, Alexandre elencou uma imagem do
espetáculo Madame Satã, de 2015, para anunciar o livro e destacar a cena teatral
negra da capital mineira.
A perspectiva de registrar a negrura cultural belo-horizontina foi negritada em
Afrografias da Memória, por Leda Maria Martins (1997), com levantamento e re-
gistro epistemológico, cultural e artístico da Irmandade de Nossa Senhora do Rosá-
rio do Jatobá, na região do Jatobá, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Martins, nessa
AULA-ESPETÁCULOS
A catalogação de espetáculos do Prêmio Leda Maria Martins atendeu ao levan-
tamento acadêmico da dissertação Artes Cênicas Negras e a Educação das Relações
Étnico/Raciais em Belo Horizonte com referenciais conceituais e estéticos, além de
informações técnicas, das artes da cena negra de Belo Horizonte. Esse conteúdo,
também, atendeu ao que se configurou em uma composição dramatúrgica e pe-
dagógica, chamada de Aula-Espetáculos, e apresentada como recurso educativo
resultante da pesquisa no Mestrado Profissional em Educação (PROMESTRE), da
UFMG. O estratagema dessa Aula-Espetáculos é aquilombar em palavras, bus-
cando aí um significante, começando pelo título do próprio trabalho, Êsquiz q’eu
isse cô es, e seguindo para o restante da produção. Uma composição que come-
ça apresentando a proposta artística pedagógica, depois um abecedário cultural
produzido com nomes e sinopses de espetáculos de Artes Cênicas Negras de Belo
Horizonte e, logo em seguida, um aquilombamento representado em afrografias
que são nomes dos referidos espetáculos, nomes esses que, juntos e intercalados
por algumas de suas sinopses, contam os próprios enredos e propósitos, em meta-
linguagem. Uma Aula-Espetáculos.
Êsquiz q’eu isse cô es é Eles quiseram que eu fosse com eles, é sobreposição da cul-
tura negro africana no falar, e nesse caso também no grafar, sobre a língua imposta
Assim como nas Artes Cênicas, a Educação também pode acessar engendra-
mentos criativos para elaboração de recursos pedagógicos, até mesmo como reco-
nhecimento de produções artístico-culturais que abordam e dramatizam questões
sociais e dialogam com a Educação das Relações Étnico/Raciais.
O espetáculo Mulheres de Baobá, citado logo acima, estreou em 2011 pela Cia
Baobá, tem elenco composto somente por mulheres negras e a dramaturgia inspi-
rada nas escritoras Conceição Evaristo, Leda Maria Martins, Elisa Lucinda e Jussara
Santos. A peça mescla dança afro-brasileira, percussão, declamação de poesias e,
em 2020, foi contemplada pelo Prêmio Leda Maria Martins, na categoria, Oralitura,
da área Texto e Trilha Sonora.
Afrografar as Artes e Culturas Negras belo-horizontina, como Alexandre (2017)
e Martins (1997), faz parte das várias vertentes do movimento social educador
registrado por Gomes (2017) e orientam constructos como o levantamento docu-
mental, de 264 produções de Teatro Negro, do Prêmio Leda Maria Martins de Artes
Cênicas Negras e a tecnologia quilombista que resultou em Aula-Espetáculos.
Essas são algumas cenas em um belo horizonte de teatralidades negras, avista-
das em panoramas de patrimônio cultural, com afirmações de representatividade,
reconhecimento epistemológico e valorização. Diante de tantas cenas que possibi-
litam experimentos criativos, instiga manter abertas as cortinas dos palcos das Ar-
tes e da Educação para os próximos atos com os quase trezentos espetáculos belo-
-horizontinos de Artes Cênicas Negras catalogados pelo Prêmio Leda Maria Martins.
REFERÊNCIAS
FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. XIV Bienal de São Paulo: catálogo geral. Proposições
Contemporâneas. São Paulo. Fundação Bienal de São Paulo, 1977.
CARDOSO, Marcos Antônio. O movimento negro em Belo Horizonte: 1978-1998. Belo Ho-
rizonte: Mazza Edições. 2002.
GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador. Vol. 1. Petrópolis: Editora Vozes, 2017.
NASCIMENTO, Abdias do. O Quilombismo. Petrópolis: Vozes, 1980.
PRÊMIO LEDA MARIA MARTINS. Prêmio Leda Maria Martins. Belo Horizonte. Disponível
em: http://premioledamariamartins.com/. Acesso em 27 de out. de 2019.
TOURINHO, Denilson Alves. Artes Cênicas Negras e a Educação das Relações Étnico/Ra-
ciais em Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Educação. Belo Horizonte. 2020.
AUTORIA
Denilson Alves Tourinho Universidade Federal de Minas Gerais
denilsontourinho@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1226236182121742
INTRODUÇÃO
Durante pesquisa de mestrado realizada no Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de São Carlos, sobre formação de professores(as)
de teatro em educação para as relações étnico-raciais, foi possível perceber que há
uma lacuna teórica sobre a articulação entre a formação de professores(as) de tea-
tro, para atuação na Educação Básica, a educação para as relações étnico-raciais e
o estudo de uma concepção mais ampla de teatro, realizado a partir da experiência
dos corpos negros na diáspora. Esta interseccionalidade é ainda pouco explorada
na formação docente e se constitui em um campo fértil para proposições de novas
metodologias para formação inicial na questão étnico-racial e para o ensino de his-
tória e cultura afro-brasileira e africana, tendo como referência a Lei 10.639/2003.
Nesta pesquisa, concluída em 2017, além de análise documental e bibliográfica
sobre o tema, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, com dois pesquisa-
dores e uma pesquisadora, com as quais foi possível tecer considerações iniciais
sobre as possibilidades de formação inicial de professores(as) de teatro pelo viés
das ações de extensão junto à comunidade, das novas epistemologias e do Outro
Teatro (Ligiéro, 2015), aliando formação prática e investigativa, que valoriza as tra-
jetórias individuais, experiências coletivas e os saberes ancestrais de mestres(as),
compreendendo as corporalidades negras como instâncias de conhecimentos.
A pesquisa de mestrado trouxe novas perspectivas e indicativos de estudos para
a elaboração de pedagogias do teatro afro-diaspóricas, não no sentido de um ma-
nual limitador, mas no sentido de apontar possibilidades de formação de professo-
res(as) de teatro a partir do teatro negro e das performances afro-brasileiras, reco-
nhecendo outras epistemologias presentes nas manifestações culturais e artísticas
produzidas pela população negra na diáspora.
A participação no ciclo de estudos do Grupo de Estudos em Teatro Negro, no
presente ano, proporcionou aprofundamento teórico muito potente ligado a prá-
ticas formativas e performativas da arte negra, compreendendo as performances
negras como pedagogias culturais, com estéticas próprias e marcadas por elemen-
tos como a dança, o canto, a música, a poesia, a oralidade, a tradição, o ritual.
Além da obra de Zeca Ligiéro, é possível encontrar subsídios teóricos nas produ-
ções de Leda Maria Martins, Marcos Antônio Alexandre, Evani Tavares Lima, Licko
Turle e Alexandra Gouvêa Dumas, entre outros(as) pesquisadores(as) que têm in-
vestigado poéticas negras.
A autora nos convida a pensar a memória a partir da voz e do corpo, “[...] dese-
nhados nos âmbitos das performances da oralidade e das práticas rituais (p.63)”,
reconhecendo o corpo como “[...] inscrição, recriação, transmissão e revisão da
memória do conhecimento, seja este estético, filosófico, metafísico, científico, tec-
nológico, entre outros (MARTINS, 2003, p.66)”.
A partir dos estudos de pensadores e pensadoras negros e negras podemos cons-
truir novas possibilidades de se pensar a produção de conhecimento na formação
de professores(as). No Volume 1, da Coleção História Geral da África, no capítulo
A Tradição Viva, de Hampaté Bâ (2010), começa com a seguinte citação de Tierno
Bokar
Esta citação nos faz partir de um outro lugar para entender a construção dos sa-
beres. Partir da ancestralidade, não é uma recusa da ciência e nem da tecnologia.
É a compreensão de nossa totalidade, de uma concepção de integralidade dos di-
ferentes aspectos da vida. Quando falamos em formação de professores(as) na
perspectiva da educação para as relações étnico-raciais é possível buscar subsídios
em epistemologias africanas, afro-brasileiras e indígenas. Rompendo com a visão
da formação, nos moldes eurocêntricos e estadunidenses, centrados na leitura e
na escrita como formas hegemônicas de produção de conhecimentos. Marise de
Santana (2014) ao falar sobre a relação de culturas africanas com o movimento,
nos mostra que são parte fundamentais nos processos educativos.
1 Excerto do texto de apresentação do 3° módulo dos Estudos em Teatro Negro. Disponível em:
(https://www.even3.com.br/etn3/). Acesso: 06 nov. 2020.
2 Excerto do texto de apresentação do 3° módulo dos Estudos em Teatro Negro. Disponível em:
(https://www.even3.com.br/etn3/). Acesso: 06 nov. 2020.
CONSIDERAÇÕES EM PROCESSO
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e africana apontam a área de
Arte como prioritária na implementação da temática étnico-racial nas escolas. Des-
ta forma, é fundamental a formação de professores e professoras para o trabalho
com a temática.
A formação inicial de professores(as) teatro deve contemplar esta temática
tanto para a compreensão e combate das práticas racistas e discriminatórias que
fazem parte da sociedade e que, também estão presentes na escola, quanto para a
promoção práticas pedagógicas que busquem o reconhecimento e a valorização da
cultura afro-brasileira e africana no cotidiano escolar e esteja em consonância com
o campo normativo da educação para as relações étnico-raciais.
Buscamos o entendimento de como tem se dado as pesquisas e experiências
sobre os corpos negros em cena, a partir de uma concepção ampla de teatro e o
estudo das manifestações performáticas afro-brasileiras, pensando na intersecção
com a formação de professores(as) de teatro. Há indicativos de que o mapeamento
de coletivos, grupos ou núcleos de pesquisas, que têm se debruçado em pesquisas
no campo das manifestações performáticas da população negra na diáspora, é um
caminho para o desenvolvimento de propostas de pedagogias do teatro afro- dias-
póricas.
REFERÊNCIAS
ABRAMOWICZ, Anete. CRUZ, Ana Cristina Juvenal da. Cartografias em Educação Infantil:
o espaço de diáspora. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de Faria et al. (Org.). Infâncias e pós-
-colonialismo: pesquisas em busca de pedagogias descolonizadoras. Campinas, SP: Leitura
Crítica; Associação de Leitura do Brasil – ALB, 2015. pp. 155-178
BÂ, Amadou Hampaté. A Tradição Viva. In: História Geral da África I: KI-ZERBO, Joseph
(Ed.). Metodologia e Pré-história da África. Brasília: UNESCO, 2020. pp.167-212.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por
emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
Léxico de pedagogia do teatro. KOUDELA, Ingrid Dormien, ALMEIDA JÚNIOR, José Simões
(Org). São Paulo: Perspectiva: SP Escola de Teatro, 2015.
LIGIÉRO, Zeca. Corpo a corpo: estudo das performances brasileiras. Rio de Janeiro: Gara-
mond, 2011.
LIGIÉRO, Zeca. Teatro das Origens: estudo das performances afro-ameríndias. Rio de Ja-
neiro: Garamond, 2019.
MARTINS, Leda. Performances da Oralitura: Corpo, Lugar da Memória. In: Revista Letras.
n.26, 2003. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11881/7308>
Acesso: 04 out. 2020.
RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019.
SANTANA, M. de. ODEERE: formação docente, linguagens visuais e legado africano no sudo-
este baiano. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2014.
AUTORIA
Monique Priscila de Abreu Reis
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
E-mail: reis.monique@ifsp.edu.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8926-8286
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6493021586914602
INTRODUÇÃO
Tendo em vista que o corpo negro dentro da academia foi, por muito, tomado
como mero objeto de pesquisa, cujas vozes e saberes eram (e por vezes ainda são)
silenciados e deslegitimados, evidenciamos que, ao analisar textos literários de
pessoas negras, não as tomamos como objeto de pesquisa, mas sim como sujeitos
ativos no processo do fazer artístico e científico. Conforme Kilomba (2019) “essa
passagem, de objeto a sujeito é o que marca a escrita como um ato político” (p. 28).
Além disso, tomamos a liberdade de conduzir o texto a partir da primeira pessoa
uma vez que não acreditamos em uma ciência que se diz neutra e imparcial, porém
numa “epistemologia que inclua o pessoal e o subjetivo como partes do discurso
acadêmico, pois todas/os nós falamos de um tempo e lugar específicos, de uma
história e uma realidade específicas – não há discursos neutros” e nesse sentido
o emprego do ‘eu’ nasce em “oposição absoluta do que o projeto colonial prede-
terminou”(KILOMBA, 2019, p. 58). A partir dessa perspectiva, ensejamos estudar o
conceito de ‘Mater Dolorosa’ a partir de poema de título homônimo, escrito pelo
poeta parnasiano negro Gonçalves Crespo, bem como traçar paralelos com textos
da literatura brasileira contemporânea de autoria negra.
Crespo, nascido no Brasil em 1864, era filho de um comerciante português com
uma mestiça escravizada, e ainda adolescente se radicou em Portugal, onde mais
tarde estudou Direito na Universidade de Coimbra, trabalhou como escritor, jor-
nalista, político e se configurou como um dos mais importantes nomes na onda
parnasiana lusitana (CRESPO apud PEIXOTO, 1942).
A obra do autor tem sua classificação bastante dividida pela crítica portuguesa
e brasileira (BARRA, FRANCESCHINI, 2020, p. 128). Massaud Moisés em A literatura
portuguesa, mais especificamente no subcapítulo “Veleidades parnasianas”, afir-
ma que o poeta carioca, embora tenha feito carreira literária em Portugal, demons-
E aquella pobre mãe, não dando conta Que o Sol morrêra, e que
o luar desponta,
A vista embebe na amplidão das vagas... (CRESPO, 1882, p. 132-
133).
Embora escrito no século XIX, esse poema se faz atual uma vez que mulheres,
mães, negras, ainda choram com a partida de seus filhos e filhas, mortos, diuturna-
mente. De acordo com o Atlas da Violência 2020, em 2018 foram assassinados 58
mil brasileiros. Desse total, 75,7% eram negros (pretos e pardos). Carolina Maria de
Jesus, em Quarto de despejo (1960), relata vários episódios de maus-tratos contra
seus filhos: “A D. Rosa, assim que viu o meu filho José Carlos. [...] saiu com um pau
para espancá-lo” (p. 13); “Um dia eu cheguei e encontrei o João chorando. Ele
disse-me:
Após esta passagem, a mãe relata, com muita emoção, a memória do último
abraço que deu no filho. Segundo Mbembe, “poderíamos pensar que as ideias re-
cém-desenvolvidas [sobre a necropolítica] dizem respeito a um passado distante”
(2016, p. 135). Mas não. O autor é enfático ao argumentar que as formas “con-
temporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram
profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror”, além de propor a
noção de necropolítica/necropoder para “explicar as várias maneiras pelas quais,
em nosso mundo contemporâneo”, vários são os meios e objetos, tais “as armas de
fogo” implementados “no interesse da destruição máxima de pessoas e da criação
de ‘mundos de morte’, formas novas e únicas da existência social, nas quais vas-
tas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o status de
‘mortos-vivos’”(MBEMBE, 2016, p. 146).
Nesse sentido, a “Mater Dolorosa” do passado é análoga à “Dolores Feliciana” do
presente – mães de Marielle Franco, de Ágata, de João Vinícius, de João Pedro e
dos milhares de jovens negros(as) cotidianamente assassinados(as) no país. Sobre
essa questão, Vilma Piedade, em Dororidade, expressa: “Tem uma dor constante
que marca as Mulheres Pretas no cotidiano – a dor diante de uma perda. E, nesse
jogo cruel do Racismo, quem perde mais? Quem está perdendo seus filhos e filhas?
Todos pretos. Todas Pretas. A resposta tá estampada nos dados oficiais sobre o
aumento do Genocídio da Juventudo Preta. Dororidade” (2017, p. 18).
De volta ao conto, temos a notícia de que uma foto de Dolores Feliciana foi vei-
culada num jornal com a legenda de “Mater Dolorosa”. A essa expressão é repe-
tida cinco vezes. Num movimento de repúdio a tal legenda, outro jornal, de modo
racista e preconceituoso afirma que um “Jornal Sensacionalista compara a dor de
uma mãe qualquer com a Dor da mãe de Cristo, nosso Salvador. A dor de uma mãe
qualquer não pode tomar como referência a imagem da Mãe de Cristo, Nossa Se-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Num primeiro olhar, o poema “Mater dolorosa”, do parnasiano Gonçalves Cres-
po, poderia evocar apenas a temática bíblica de Maria chorando durante o trajeto
de Cristo pela via-crúcis, e, posteriormente, a mãe segurando o filho morto no
sepulcro. Contudo, por sua identidade de homem negro e brasileiro, acreditamos
aqui que a análise do conceito deveria dialogar com outras vozes, a exemplo das
escritoras brasileiras contemporâneas negras como Carolina Maria de Jesus em
Quarto de despejo (1960), Ana maria Gonçalves em Um defeito de cor (2006) e
Conceição Evaristo em “Os guris de Dolores Feliciana” (2016).
Infelizmente, inúmeros são os relatos literários que trabalham com a dor da
mãe negra, enfatizando-se ainda mais a bruteza do racismo que permeia as re-
lações sociais brasileiras, sobretudo pelo pensamento colonial predominante no
território. O resultado é a assombrosa necropolítica, ou a política da morte que se
apresenta como paradigma tanto dos filhos afastados de suas mães na época da
escravidão quanto nos dias de hoje. Assim que as mulheres que choram não são
cópias fidedignas da mãe do Cristo europeizado, mas mulheres negras que tiveram
seus destinos ceifados pela dor da separação de seus filhos.
REFERÊNCIAS
CONCEIÇÃO, Evaristo. “Os guris de Dolores Feliciana”. In: EVARISTO, Conceição. Histórias
de leves enganos e parecenças. Rio de Janeiro: Ed. Malê, 2016.
CRESPO, Gonçalves. Obras completas. Pref. Afrânio Peixoto. Rio de Janeiro: Livros de Por-
tugal, 1942.
CUTI. Quem tem medo da palavra negro? In: Revista Matriz: uma revista de arte negra,
Porto Alegre, Grupo Caixa Preta, nov. 2010, p. 1-13.
FARIAS, Gabriel. A Mitologia Grega - Ceix e Alcíone: As Alcíones. In: A Mitologia na His-
tória, 30 jul. 2010. Disponível em: http://amitologianahistoria.blogspot. com/2010/07/
mitologia-grega- ceix-e-alcione-as.html, acessado em 28 jul. 2020.
IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Atlas da violência 2020. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020, acesso
em 14 out. 2020.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. Pref. Audálio Dantas.
São Paulo: Francisco Alves, 1960.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Trad. Jess Oli-
veira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte e ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 123-151, 2016. Dis-
ponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169, acesso em 14
out. 2020.
NASSIF, Luís. A vida e a obra de Conceição Evaristo. GGN – O Jornal de todos os Brasis, 11
jul. 2016, Cultura. Disponível em https://jornalggn.com.br/literatura/a-vida-e-a-obra-de-
-conceicao- evaristo/, acesso em 14 out. 2020.
INTRODUÇÃO
A pesquisa “Relações étnico-raciais na sociedade brasileira – a retórica dos Ca-
dernos Negros” foi um estudo de natureza teórica e análise bibliográfica realizada
através da experiência no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica no
Instituto Federal de Goiás (PIBIC IFG - Goiânia Oeste). Esta pesquisa pautou-se na
investigação sobre a retórica histórica da produção de livros de contos e poemas,
intitulados Cadernos Negros, publicados anualmente pela editora Quilombhoje.
De acordo com Schwarcz (2012) a partir de meados dos anos 1970 iniciou-se
uma nova compreensão de cidadania engendrada pela contestação dos valores e
pela luta dos movimentos pela democracia, igualdade e diversidade. E, segundo
Costa (2012), nos períodos derradeiros da década de 1970, ainda em condições
de minoria, o jovem negro começava a ingressar nas universidades e ter acesso
à produção cultural, aos bens culturais, que por sua vez refletiu na necessidade
de busca por sua identidade, de autoconhecimento.
Os Cadernos Negros foram criados justamente nesta fase de redemocratização
do país, num contexto que era praticamente reduzido o tipo de produção que re-
presentasse a população negra e os escritores afro-brasileiros. Estes começaram
a circular em vários Estados brasileiros, contribuindo assim com a visibilidade da
literatura negra, que se distingue da literatura brasileira pela especificidade da re-
presentação do negro, ou seja, “os descendentes de africanos passem de objeto a
sujeito da escrita” (QUILOMBHOJE, Histórico Cadernos Negros). Sobre estes aspec-
tos, Moura (1988) argumenta que na sociedade brasileira os reflexos do modelo
social encontram-se presentes em nossa literatura. Trata-se do modelo despótico
e racista utilizado como superestrutura ideológica que legitima a desigualdade ra-
cial. A esse respeito, a partir de uma revisão sociológica da literatura brasileira é
possível destacar que na primeira fase da literatura nacional romântica, o sujeito
negro é negado, exclui-se sua existência social, estética e humana. Impõe-se ao
negro a configuração de anti-herói, inferior, subalterno e negando sua beleza.
No histórico dos Cadernos chama-nos a atenção sobre a literatura negra não
ser alvo do mercado editorial, assim, esta produção atende a esta demanda dessa
literatura [in]existente. Os Cadernos Negros, portanto, têm como meta dar visibili-
dade à literatura afro-brasileira e discutir questões como auto-estima dos afro-des-
cendentes e afeto negro. Sobre a chamada Literatura Negra Bernd (1988), expõe
que o conceito emerge dos próprios autores negros com o intuito de caracterizar
APORTE TEÓRICO
Os Cadernos Negros, a sua elaboração é oriunda das lutas dos próprios autores
que publicam nele, lutas por um espaço em que o negro, juntamente com sua
produção intelectual, possa se manifestar. Os Cadernos foram custeados por seus
fundadores e vendidos em lançamentos de livros ou distribuídos em poucas livra-
rias, mas, desde o lançamento, tentam alcançar o número máximo de circulação,
uma vez que era limitada o acesso à Literatura Negra impressa. Atuam, assim,
como uma forma de visibilidade destas produções literárias. Compreendemos a
importância da história de criação dos Cadernos para o âmbito acadêmico, pois
disponibilizam fontes de estudos e investigação, com pautas focadas na resistência
cultural e no enriquecimento da questão racial brasileira
O termo Literatura Negra, conforme aponta Bernd (1988), emerge dos autores
negros com o intuito de caracterizar e diferenciar suas produções e, por isso, a
crítica tem a função de tornar essa nomeação visível e legitimá-la. É uma questão
de o negro construir sua própria identidade e desconstruir um mundo criado pelo
branco, do qual ele não faz parte. A escrita da Literatura Negra segue algumas
leis fundamentais, que Bernd (1988) nos apresenta da seguinte forma: Emergência
do eu enunciador (de um eu-que-se-quer-negro; o eu funde-se ao nós coletivo; e
que apresenta um negro que narra em primeira pessoa); Construção da epopéia
negra (cantar os seus heróis); Reversão dos valores (reconstruir um mundo que
não seja dos brancos para que possam tomar consciência e enfrentar sua condição
de negro); e Nova ordem simbólica. Essa necessidade de uma nomeação para a
literatura ou mesmo a construção de uma identidade e desconstrução de outra
1 http://www.quilombhoje.com.br/cadernosnegros/historicocadernosnegros.htm
2 http://www.quilombhoje.com.br/cadernosnegros/historicocadernosnegros.htm.
3 http://www.quilombhoje.com.br/quilombhoje/historicoquilombhoje.htm
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de natureza teórica e bibliográfica, o estudo teórico
pautou-se pela leitura, interpretação, produção textual e discussão sobre o pro-
cesso histórico de formação das relações étnico-raciais na sociedade brasileira e
seus desdobramentos na contemporaneidade. Foi utilizado como referências os
textos/livros dos autores Moura (1988 e 1989), Ribeiro (2011), Schwarcz (2012) e
Bernd (1988). Concomitante ao estudo teórico foi realizada o estudo bibliográfico
referente à investigação dos Cadernos Negros, buscando compreender sua origem
histórico-político, a relação com a editora Quilombhoje Literatura, as caracterís-
ticas da publicação e coleta de dados disponíveis de cada caderno, haja vista a
finalidade de conhecer e investigar o corpus deste projeto, os Cadernos Negros.
RESULTADOS E ANÁLISE
A pesquisa bibliográfica nos possibilibou analisar os Cadernos Negros, sendo
estes compostos por poemas e contos, teve como primeiros autores, os militantes
poetas. Neste sentido, para compreender os questionamos sobre o motivo se de
escolher estes gêneros como forma de expressão e visibilidade recorremos à auto-
ra Bernd (1988) sobre a significância da chamada Literatura Negra.
4 http://www.quilombhoje.com.br/cadernosnegros/historicocadernosnegros.htm
5 http://www.quilombhoje.com.br/afroescritores/afroescritores.swf
6 http://www.quilombhoje.com.br/oslivros/resenhaintro2.htm
7 http://www.quilombhoje2.com.br/blog/?m=200901
REFERÊNCIAS
BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
COSTA, Aline. Um Pouco de História dos Cadernos Negros: período de 1978 a 2008, uma
história que está apenas começando. 2012. Disponível em: https://issuu.com/mbantu/
docs/historicotresdecadas Acesso em: 10 de maio de 2017.
MOURA, Clóvis. História do Negro no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1989. 84 p. MOURA,
Clovis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1988.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 3º ed. São Paulo:
Companhia das letras, 2011.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na so-
ciabilidade brasileira. 1. Ed. São Paulo: Claro Enigma, 2012a.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Cidadania, um projeto em construção. 1ª- ed. — São Paulo : Claro
Enigma, 2012b.
INTRODUÇÃO
O que é uma dramaturgia negra? O que define uma dramaturgia como negra?
Será que é a cor da pele de quem escreve, é a cor do ou da personagem principal,
é a cor da maioria dos personagens que fazem parte dessa trama? É o tema? Será
que uma pessoa branca pode escrever uma dramaturgia negra? Começo a levan-
tar esses questionamentos antes, durante e após a minha experiência como dra-
maturgo-integrante do Núcleo de Dramaturgia do SESI-PR1 no ano de 2019, onde
me propus a escrever sobre a (r)existência negra no Brasil, procurando investigar
como as questões micro e macro se relacionam na (sobre)vivência das pessoas
negras no Brasil.
Tudo foi e vem sendo impregnado de branco: casas, terras, corpos e corpas,
vozes, palavras. Ao levantar episódios de racismo cotidiano, Grada Kilomba (2019)
reflete que o mundo colonial, além de engendrar uma pilhagem ostensiva de cor-
pos/as, subjetividades, culturas e riquezas naturais dos territórios colonizados,
operou também pela disseminação e manutenção de ideologias supremacistas,
sexistas e racistas através das instituições sociais.
Brasil. Porém, as diferentes linguagens artísticas podem ser utilizadas para pensar essa manutenção
colonial, principalmente ao analisarmos as principais metodologias utilizadas no ensino artístico e a
não-representação de maiorias minorizadas nas iconografias, por exemplo.
4 Para entender a decolonialidade, Nelson Maldonado-Torres define primeiramente o colo-
nialismo moderno como “(...) os modos específicos pelos quais os impérios ocidentais colonizaram a
maior parte do mundo desde a “descoberta.” (MALDONADO-TORRES, 2020, p. 35). Decolonialidade
então, “(...) refere-se à luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e
simbólicos.” (MALDONADO-TORRES, 2020, p. 36)
5 Para utilizar uma definição específica a fim de análise, parto do pressuposto de que a drama-
turgia “(...) corresponde ao planejamento e elaboração de textos de todo e qualquer formato ou gêne-
ro discursivo (...), a ser comunicado publicamente” (NICOLETE, 2013, p. 72). Essa comunicação pública
que a dramaturgia pressupõe não opera somente pelo campo do texto escrito ou verbal, mas também
por uma conjuntura de signos existentes na composição de imagens, por exemplo. Dessa forma, não
restringimos o texto dramatúrgico somente à uma concatenação lógica de falas e acontecimentos, mas
sim abrimos o campo de definição para diversas possibilidades e formas de se fazer.
6 Alinho-me ao prof. Dr. Marcos Alexandre ao dialogar com as teorias pensadas anteriormente
pela profa. Dr. Leda Maria Martins (1995): “(...) a encruzilhada é um lugar de encontro e desencontro,
passagem, interseção, mediação, entrecruzamento. Como espaço de trânsito e deslocamento, na en-
cruzilhada, nós nos deparamos com um ponto de interseção, um lugar em que os corpos se cruzam e
são cruzados, tocados” (ALEXANDRE, 2017, p. 57-58).
7 Um dos cursos que participei foi o projeto “Negro Olhar”, realizado pela atriz e diretora Tatia-
na Tibúrcio, que promove ciclos de leitura dramatizada de textos de autoras/es negras/os e a própria
pesquisa quanto à história do teatro negro brasileiro. Pude participar da etapa curitibana do projeto
em 2019, promovido pelo SESC Paraná.
8 Um exemplo recente dessas ações é o projeto Estudos em Teatro Negro, que promove en-
contros virtuais sobre a cena negra a partir de pesquisas acadêmicas e entrevistas com artistas negras/
os/es. O projeto é realizado a partir da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e é coordenado pelo prof.
Dr. Gustavo Melo Cerqueira e pelo prof. Dr. Licko Turle. Os encontros do Módulo I iniciaram em maio de
2020, com as aulas ocorrendo às terças e quintas-feiras das 14h às 16h. Mais informações disponíveis
em: https://www.youtube.com/channel/UCjVtUsM4PxU05NyK406E_RA. Acesso: agosto, 2020.
9 É impossível que eu não mencione o racismo cotidiano, direto ou simbólico, presente não só
em Curitiba mas em muitos lugares do sul do país, fruto de uma política de embranquecimento ope-
rada pelo governo imperial entre o final do século XIX e início do XX. Um dos exemplos mais recentes
desse racismo velado foi o da juíza Inês Marchalek Zarpelon, que sentenciou um homem negro à prisão
pela sua “raça”, associando a cor da pele à violência e vandalismo. Disponível em: https://www.brasil-
defato.com.br/2020/08/12/exclusivo-juiza-diz-em-sentenca-que-homem-negro-e-criminoso-em- ra-
zao-da-sua-raca. Acesso em: agosto, 2020.
10 Utilizo aqui “teatros negros” para tentar abranger a pluralidade e a diversidade presente tan-
(...) Uma das premissas do teatro negro é ser uma arte engajada
e este engajamento deve ser manifestado em distintos níveis,
assumindo características que vão desde uma arte que seja (por
que não?) panfletária até uma estética que assume vieses que
dialogam com outras nuances que exploram características re-
lacionadas com os aspectos políticos e ideológicos que possam
assumir espaços voltados para questões dos afetos e das subje-
tividades, demonstrando que há um vasto campo de atuação do
teatro negro e que este, hoje, não mais se restringe exclusiva-
mente ao caráter da religiosidade. (ALEXANDRE, 2017, p. 35-36)
to na formação brasileira como nos movimentos cênicos que desde o século XIX pautam o/a negro/a,
suas subjetividades e histórias como centro do que entendemos no ocidente como teatro.
11 Participaram da primeira edição da GiraDramatúrgica as/os dramaturgas/os/es Carolina Ma-
ria, Cláudia Simone, Diego Ferreira, Denise Telles, Jaiara Soares, Kelle Bastos, Mário Alves, Ozzy Souza,
Rafael Cristiano, Tamyres Costa e Yannikson Pereira. Os encontros foram e são realizados virtualmente
pelas plataformas Google Meet e Zoom.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A GiraDramatúrgica - Núcleo de Pesquisa e Criação em Dramaturgia é uma ini-
ciativa inacabada: não há ponto final, mas sim as reticências. Os anúncios e as ur-
gências pairam pelo ar, nossas teias de ligação estão cada vez mais tomando forma
e não há dúvidas de que vieram para ficar. Estes são processos contínuos e que
reverberam pelo tempo, como as dramaturgias. Cabe a nós, dramaturgas/os/es
negras/os/es brasileiras/os/es, continuarmos promovendo discussões, pesquisas
e aquilombamentos outros de formação e encontro para que cada vez mais conti-
nuemos ocupando espaços e visibilizando nossas vozes e reivindicações.
Ao entendermos a dramaturgia feita por dramaturgas/os/es negras como ação
de reescrita da pessoa negra na representação teatral e, consequentemente, no
próprio mundo, ludibriamos e damos uma rasteira em todo um projeto colonial de
REFERÊNCIAS
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo HoriZonte: Letramento, 2017. RUFINO, Luiz.
Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.
Vozes-Mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança nos porões do navio. ecoou lamentos
de uma infância perdida.
Conceição Evaristo
INTRODUÇÃO
O corpo que sente, que fala e exerce linguagem é localizado e sua inscrição no
mundo é marcada também no exercício geopolítico. Nosso objetivo aqui é discu-
tir, dentro de nossas experiências situadas, o que é ser mulher preta, o que é ser
As práticas de vivências que trazemos estão para muito além dos letramentos
alfabéticos. O extermínio desse saber que paira em nossos sonhos querem apagar
os nossos corpos políticos (REZENDE, 2020), nossos corpos-territórios de cura (XA-
Segundo avó Otília, benzedeira que sabe alguns fazeres de cura com raízes, en-
cantamento é a palavra aliada a fé. A fé, não se limita a religião, aqui é algo da
conexão que sempre tivemos para com os seres da natureza, é o que move as
energias e as forças do movimento do ser sendo, como aponta filosofia Ubuntu. A
palavra encantada no ato de benzer é poética, ritmada junto ao pulsar do coração
de quem diz, e movimenta entrada e saída do corpo. A palavra faz, realiza, aliada
aos corpos envolvidos, ao ta de ouvir e falar baixinho, a performance acontece e
direciona o fazer. A criatividade da sobrevivência é o que nos sustenta aqui, as
garrafadas de raízes, o cuidado com as plantas, é o que organiza o ato de fala do
Partimos daqui porque entendemos que esse campo fértil gestou também Leo-
degária de Jesus que abriu caminhos em 1906 com sua escrita (REZENDE, 2020), pri-
meira poetisa a publicar. Precioso (2019) afirma, em termos históricos, que Goiás
se portava como um trecho interno do tráfico atlântico e uma das práticas era as
mandingas pelos negros se configuravam um pluralismo religioso e não em um sin-
cretismo, “em fins do século XVIII, “devotos pretos” de Nossa Senhora do Rosário,
em pleno sertão goiano, praticaram lado a lado o catolicismo e o vodum” (PRECIOSO,
2019, p. 101). Nisso, as bolsas de mandingas, elemento mágico em que se mistura-
va objetos religiosos, como a hóstia, se tornava formas de fechar o corpo, aumen-
tar força vital e promover bem-aventurança em vida. Essas técnicas de restaurar
o que foi perdido com a escravização também fortalecem a base de como ocorreu
a continuidade, a promoção do corpo saudável para essa continuidade e respeito
para com os mortos, por rezas e preces específicas (PRECIOSO, 2019).
A conexão com o cosmos é o sussurro da sobrevivência, ouvir os segredos da
natureza que indica qual planta é melhor para tal tratamento requer uma escuta
atenta, mas sem rejeitar que o outro ouvido deve estar aberto aos ensinamentos
de quem pisou aqui antes. Mulheres negras têm caminhado umas nos rastros das
outras para enfrentar o racismo, sexismo, feminicídios e extermínios nesses cerra-
dos. Evidenciamos no agora a luta de Marta Cezária de Oliveira que desde a década
de 80 vem trabalhando na construção do movimento de mulheres negras em Goi-
ás. (SANTOS, CARVALHO 2017).
REFERÊNCIAS
BÂ, A.Hampaté. Tradição Viva. História Geral da África, I: Metodologia e pré história da
África/ editado Joseph ki- Zerbo. 2 edição. Brasília: Unesco 2010.
PRECIOSO, Daniel. Isabel Angola e Margarida Crioula: duas escravas mandingueiras na Ca-
pitania de Goiás (1783-1804). Sæculum – Revista de História, v. 24, nº 41, p. 99-110, 2019.
RODRIGUES JÚNIOR, Luiz Rufino. Pedagogias das Encruzilhadas. Revista Periferia, v.10,
n.1, p. 71 - 88, Jan./Jun. 2018.
SANTOS, Maria Elisa de Magalhães. CARVALHO, Euzebio Fernandes de. Marta Cezaria de
Oliveira e a Organização do Movimento de Mulheres Negras em Goiânia. Entrevista. Revis-
ta Tempori ação, 2017.
SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. Encantamento: sobre política de vida. Editora Mórula.
Editorial, 2020.
XAKRIABA, Célia. Exposição Virtual Mundos Indígenas- Corpo- território. 2020. https://
www.instagram.com/tv/CFbCcFUnYFu/?hl=pt-br. Acessado em 10/11/ 2020.
AUTORIA
Maria das Neves Jardim de Deus
Universidade Federal de Goiás
E-mail: marianevesjardim@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9798915118054795
INTRODUÇÃO
A discussão apresentada nesse artigo é um recorte das nossas experiencias
construídas a partir de pesquisa do Mestrado e Educação na FAE/UFMG entre 2018
a 2019. Durante esse período, pudemos dialogar com a escrita das vivências de um
grupo de mulheres negras, pobres, trabalhadoras domésticas e estudantes da EJA,
moradoras da região metropolitana de Belo Horizonte. Essas mulheres enfrentam
cotidianamente o peso do preconceito linguístico em uma sociedade que se vale
da linguagem não só como instrumento de comunicação, mas como elemento de
distinção e estratificação social. Procuramos por meio de nossos trabalhos enten-
der como a escrita e a leitura resgata a história de vida dessas mulheres, conside-
rando o retorno delas à escola depois de adultas e também sua produção textual
autobiográficas compreendendo em que medida o fato de serem mulheres, em
sua maioria negras e de baixo poder aquisitivo, interveio em seus processos de
alfabetização e letramentos.Partimos do pressuposto de que as mulheres, sujeitas
desse estudo foram privadas de seus direitos básicos de sobrevivência, entre esses
o direito a educação escolar.
Segundo dados das Nações Unidas, publicados em 2010, em cada três adultos
no mundo que não sabem ler nem escrever, dois são do sexo feminino. Esses dados
justificam o grande número de mulheres matriculadas na modalidade de ensino de
Jovens e Adultos. Quem são essas mulheres? Certamente pessoas que não tiveram
a oportunidade de completar sua escolaridade no Ensino Fundamental e Médio
na infância e adolescência. São jovens, adultas, idosas, maioria pretas ou pardas,
donas-de-casa, ambulantes e trabalhadoras domésticas, exercendo as funções de
cuidadoras, babás, diaristas, etc. Muitas delas desempenham suas funções e nem
sempre mantêm vínculos de trabalho, se mantendo na informalidade. Essas mu-
lheres fazem parte de um grupo de pessoas que foram excluídas de seus direitos
mais básicos de sobrevivência e trazem consigo trajetórias, saberes, experiências
e dúvidas, além de vontade de recuperar o tempo perdido1 aprender a ler e es-
3 Termo usado por Freire para designar a educação tradicional em que o aluno é um ser pas-
sivo, recebendo as informações prontas, como se fosse um banco onde os conteúdos são depositados
pelo educador/a.
Voltar para escola (...) eu acho que tenho muita coisa para
aprender. Meu genro diz que sou muito inteligente e diz por
que não faço curso de bolo o que está dando dinheiro? Um dia
inventei de fazer uns bolos de pote. Ele levou para a empresa e
as pessoas disserem que nunca comeram nada tão gostoso. Mas
eu tenho que conseguir conciliar uma coisa com outra coisa (...).
Sozinha eu não consigo. Já trabalhei demais ( ...) não tenho uma
pensão, não tenho nada” (educanda da EJA) .
CONCLUSÃO
Concluímos que o fato de serem mulheres negras, em uma sociedade patriarcal
e com um passado escravista, intensifica as formas de discriminação que elas so-
frem diariamente. Como empregadas domésticas, as condições de gênero e raça
ganham materialidade, revelando a face perversa de uma sociedade racista e clas-
sista. As histórias de vida contadas pelas educandas da EJA revelam uma escrita
que subverte à tentativa de mantê-las silenciadas. As palavras insurgentes dessas
mulheres negras revelam o passado de exclusão social vivido por elas, possibili-
tam fazer uma análise entre educação, classe, gênero e raça, ao mesmo tempo em
que evidenciam realizações e esperanças de dias melhores com o retorno à escola
por parte das educandas da Educação de Jovens e Adultos. Observamos que as
mulheres negras são uma parcela significativa da nossa sociedade que ainda têm
menos acesso à educação formal e, consequentemente, a vários outros direitos
fundamentais. Essas mulheres, por causa de seu histórico de desigualdade e falta
de escolaridade, estão inseridas nas posições menos qualificadas no mercado de
trabalho e ocupam profissões consideradas de menor prestígio social, cujos ganhos
financeiros não são compatíveis com seus gastos pessoais e familiares. Elas são
invisibilizadas pela sociedade, situação que reflete nas condições de subalterni-
dade em que vivem. O retorno delas à escola é um ato de insurgência, rebeldia e
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Be-
zerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 1ª ed. - São Paulo: Contexto, 2014,
p. 15-17. EVARISTO, Conceição. Poemas de recordação e outros movimentos. Rio de Ja-
neiro: Malê, 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 03-61.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: Diário de uma favelada. São Paulo: Ática.
2000. KATO, Mary A. No mundo da escrita, uma perspectiva psicolinguística. São Paulo:
Ática, 1986.
KLEIMAN, Ângela. Aspectos Cognitivos da Leitura. 10. ed. Campinas: Pontes, 2007.
OLIVEIRA, Míria Gomes de. Shakespeare no subúrbio: crítica, polifonia e carnaval na aula
de leitura. Dissertação (Mestrado), ‒ Universidade Estadual de Campinas- SP. 2000.
PAULINO, Graça. Letramento Literário: Por Vielas e Alamedas. Revista da Faced. n. 5, 2002.
SANTOS, Maria Stella de Azevedo. (Mãe Stella de Oxóssi, OdéKayode). Òwe Provérbios.
Salvador: Sociedade Cruz Santa do Ilê Axé Opô Afonjá, 2007.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2004 .
RESUMO
A existência de mais de uma cultura dentro do espaço das Escolas Bilíngues para
Surdos é um tema rico que traz como realidade a diversidade étnica. Aqui, é pre-
ciso ir além da própria Libras, explorando temas que tragam as raízes da formação
do povo brasileiro: a Cultura Africana e o sentimento de ser parte dessas origens
dando valor e driblando a cultura do racismo que permeia a sociedade. Neste arti-
go narramos uma experiência a partir da participação e estudos no grupo Ubuntu-
-Libras e sua contribuição para futuras ações em práticas em escolas bilíngue para
surdos a partir de projetos envolvendo a Literatura Surda e adaptações de Contos
Africanos em Libras com a finalidade de inserir valores e construir futuros “lugares
de fala” a outros surdos, e combatendo o racismo presente nestes espaços. O uso
da Literatura Universal, Contos Africanos e a Literatura Surda em geral possibili-
tam o sujeito surdo se narrar, conhecer a si e a comunidade linguística a qual faz
parte. Mas para que isso ocorra, é preciso um trabalho que envolve recursos visu-
ais, interpretação, formatação e produção de vídeo. Estes elementos que também
existem na produção de contação de histórias para ouvintes tem um recurso a
mais que é a presença do Surdo como narrador ou um Intérprete de Libras negro.
A presença destes profissionais possibilita que quem narra se identifique com o
personagem e traga mais essência e raiz identitária e cultural as narrativas que se
baseiam em contos africanos. Tal prática contribui para criações literárias visuais
onde a visibilidade da cultura surda e negra se faz presente, possibilitando refle-
xões sobre a identidade e práticas linguísticas nas escolas bilíngue, pois conforme
Furtado (2012), ser surdo e negro é constituir-se de duas diferenças, num processo
de alterização, pois a comunidade surda é vista como um grupo minoritário onde
se insere uma diversidade e onde se reflete as relações de poder nos diferentes
espaços sociais em que convivem.
Ser surdo não significa apenas não ouvir, mas sobreviver no mundo ouvinte
através da percepção visual, pois quando o surdo aprende a falar ele terá que “ou-
vir” com os olhos. Nas palavras de Sacks (1998, p. 129), nascer surdo, ser surdo
expõe o indivíduo a uma série de possibilidades intelectuais e culturais que, quem
ouve, ou melhor, fala num mundo de falantes não pode imaginar. Dentre as habi-
lidades desenvolvidas pelas pessoas surdas, Sacks cita a habilidade de descrever
o espaço quando dialogam ou narram suas “experiências visuais”. E, segundo ele,
é uma experiência tão rica em detalhes que só os que compreendem percebem.
As escolas bilíngues para surdos já foram tratadas como gueto por abrigarem
um grupo seletivo de pessoas: os surdos. No entanto, estes espaços já foram sinô-
nimos de sofrimento, o processo consistia na oralização, e isso só mudou a partir
da década de noventa. As escolas bilíngues foram surgindo após a criação da Lei nº
10.436 de 2002 e o Decreto nº 5.626 de 2005 que oficializou a Libras como língua
de instrução para a comunidade surda.
Em seu sentido corrente, a palavra bilinguismo se refere à pessoa que é fluente
em mais de uma língua. No caso do surdo, o termo se refere ao ensino com a fina-
lidade de inseri-la no ensino regular a fim de satisfazer às necessidades culturais e
linguísticas da pessoa surda. Estas serão tratadas mais adiante neste trabalho nos
termos de Capovilla (2000): é preciso dar acesso a uma base linguística à criança
surda. Este autor destaca que o acesso à linguagem permite o acesso à comuni-
cação, aprendizagem de conceitos, conhecimento do mundo concreto, cultural
e social. Se não houver uma base compartilhada e um acesso que contemple os
requisitos necessários desta língua (cultura surda e convivência com usuários da
Libras), “o mundo da criança ficará confinado a comportamentos estereotipados
aprendidos em situações limitadas”, ou seja, se resumirá a imitação de comporta-
mentos e dificuldade de compreender a surdez (perda de identidade, indefinição).
No caso dos surdos, existe muito além da diferença, que se exprime nesta lín-
gua, a Libras. É preciso de uma política linguística que se volte para suas caracterís-
ticas culturais, históricas e identitárias.
Os surdos participam de duas comunidades: surda e ouvinte. Convivem em
uma sociedade multiculturalista, portanto, dependem da cultura visual criada pelo
ouvinte (tecnologias). Ela acabou se tornando uma necessidade de uso cotidiano.
Mas a Libras continua convivendo de forma subalterna na educação dos surdos
que precisam dela, deixando uma marca de exclusão linguística e social.
Nos espaços de convivência entre surdos e ouvintes ocorre o trabalho frontei-
riço da cultura que exige um encontro com o novo que não seja parte contínua
do passado e presente. No interior de cada grupo cultural, existe a tensão de so-
brevivência cultural, a existência marcada pela sensação de sobrevivência, de ser
diferente (PERLIN, 2006, p. 75).
Mas para compreender essa discussão sobre cultura, identidade, surdez e lín-
gua, é preciso saber se um dado grupo que possui características diversas é dife-
rente do nosso. No caso de um sujeito pertencente a outro grupo étnico, como os
chineses e árabes, por exemplo, que possuem diferença física e linguística em rela-
1 Expressão muito usada pelos surdos ao se referir as pessoas que não são surdas, o oposto
deles, os ouvintes.
Assim, a ela é uma tradição que é passada não pela família do surdo (já que a
maioria possui pais ouvintes) e, sim, pela escola através do contato da criança sur-
da com outros surdos adultos (professores), e também em ambientes como igrejas
e associações de surdos, em menor grau, assim como lugares que contribuem para
a sua divulgação.
Mas um aspecto importante é a valorização dos diferentes surdos que vivem
nestes espaços. Pois conforme o ambiente, a surdez só é evidente para surdos que
convivem em escolas inclusivas, principalmente os estudantes surdos negros. Para
exemplificar, cito um trecho da pesquisa de Furtado (2012), onde os surdos en-
trevistados afirmarem não ter sofrido preconceito por serem surdos negros, mas
serem discriminados, conforme a autora, por serem duplamente diferentes.
O racismo como permanência em nossa sociedade é firmado pela narrativa ma-
joritária do status quo. Ela oferece a oportunidade de desafiar diálogos perniciosos
que perpetuam estereótipos e opressão (WATSON, 2017, p.21tradução minha). As-
sim, na escola bilíngue ao buscar o trabalho na diversidade, é preciso incluir a iden-
tidade cultural negra. É preciso de narrativas e contação de histórias com sujeitos
surdos e também intérpretes negros. Respeitando o lugar de fala, pois conforme
Ribeiro (2017, p. 39) o lugar social não determina uma consciência discursiva sobre
esse lugar, mas sim, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências
distintas e outras perspectivas. Ou seja, o contato com outros falantes da Libras
nos oportuniza a refletir quem somos.
E é nas escolas bilíngues que temos o trabalho com a Arte Surda, Cultura Surda,
a Literatura Surda, o Humor Surdo... Os artefatos culturais. Ao darmos espaço para
outras culturas, buscamos que todos os surdos se aceitem como são não só apenas
na surdez, mas na diversidade racial. Daí a importância de explorar as adaptações
feitas pelos professores surdos negros de contos africanos, de contos em Libras,
adaptações estas que introduzem o personagem surdo negro e até os regionalis-
mos e a diversidade linguística no falar da Libras, o regionalismo linguístico.
CONSIDERAÇÕES
Sabemos que a realidade de quem vive a surdez muitas vezes é retratada fora
do espaço linguístico-cultural, reforçando o lado médico e clínico, criando um este-
reótipo social. Neste caso, se imprime o uso de aparelhos AASI, IC, assim como na
ótica sociológica quando o surdo tem sua vida como indivíduo em que tem contato
com uma sociedade despreparada para recebê- lo. Descrever a surdez e a repre-
sentação da cultura surda sem ser surdo é um desafio fronteiriço, que exige cuida-
do, pois se devem destacar quais sujeitos surdos se quer representar e o contexto
social.
Outro aspecto a se destacar é o papel dos ouvintes que fazem parte do universo
surdo, segundo Anater (2008), vivem em fronteiras, numa perspectiva de auxiliar
o surdo a encontrar seu lugar no mundo. Reafirmando, semelhante às línguas es-
trangeiras e indígenas, é preciso dar destaque e espaço próprio para pesquisas que
agreguem valor à LÍNGUA DE SINAIS como língua e cultura da comunidade surda.
Considerando Skutnabb-Kangas (1988), a educação bilíngue, no caso aqui pro-
posto na educação de surdos, ela não se resume ao ambiente linguístico, mas en-
volve a comunidade e a sociedade. Assim, para que ocorra a educação bilíngue de
surdos com o ensino da Libras como L1 e disciplina como componente curricular,
é preciso de uma política voltada para esse processo, que trabalhe em conjunto
com a sociedade as vantagens de se ter mais de uma língua. O papel do professor
pesquisador surdo e ouvinte que atuam no campo da educação de surdos, neste
cenário conforme Freire, a sua “presença no mundo não é a de quem a ele se adap-
ta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas
objeto, mas sujeito também da História” (2010, p. 54).
Portanto, o grupo de estudos Ubuntu-Libras além de abraçar a luta do Movi-
mento Surdo e Negro, tem proporcionado aos seus participantes momentos de
trocas reflexivas, debates, discussões e fortalecido o papel do professor surdo ne-
gro e do Tils como atuantes e divulgando a Cultura Africana, através de contação
de histórias em Libras, da divulgação de eventos, vídeos e materiais visuais. Ou
seja, sua representatividade, pois o surdo pode sim sinalizar suas dificuldades, as
barreiras que encontram diariamente, mas eu como intelectual não poderei des-
crever minuciosamente o que é ser surdo somente cada sujeito surdo em sua indi-
vidualidade e heterogeneidade tem esse direito, ao qual devo preservar.
ANATER, Gisele Iandra Pessini. Pensando em tradução cultural a partir do sujeito não-sur-
do. In: QUADROS, R. M. (org.) Estudos Surdos III . Petrópolis: Arara Azul, 2008. 127-149.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. CAMA-
CHO, Roberto Gomes. Da linguística formal à linguística social. São Paulo: Parábola, 2013.
CESÁRIO, M. M.; VOTRE, S.; COSTA, M. A. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (Org.).
DIOP, C. A. The cultural unity of black africa. 5. ed. Chicago: Third World Press, 1990. FREI-
RE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
LEITE, Tarcísio de Arantes. Língua, identidade e educação de surdos. Ponto Urbe [Onli-
ne], 2 / 2008. Disponível em: http://journaLÍNGUA DE SINAIS.openedition.org/pontour-
be/1912; DOI: 10.4000/ pontourbe.1912.
LONGMAN, Liliane Vieira. Memórias de Surdos. Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massan-
gana, 2007. 168 p.
McCLEARY, Leland Emerson. Bilingüismo para surdos: brega ou chique? (Mesa redonda:
Os surdos e o bilingüismo – da Casa para o Mundo (29 de setembro de 2006). V Congresso
Internacional e XI Seminário Nacional. Surdez: Família, Linguagem, Educação. Rio de Ja-
neiro: INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos.
PERLIN, Gladis. Histórias de vida surda: Identidades em questão. 1998. Dissertação (Mes-
trado)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
RIBEIRO, Djamila. O que é: lugar de fala? Belo Horizonte (MG): Letramento: Justificando,
2017. 112 p.
SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Trad. Laura Teixeira Motta.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
WATSON, Martreece. Telling Their Stories: Black d/Deaf High School Students Graduating
with Diplomas. A Case Study. 220 p. Dissertation, Graduate Program in Education: Tea-
ching & Learning , the Ohio State University, 2017.
AUTORIA
Evelin Seluchiniak Nunes
PMPG- PR (Escola Bilíngue para Surdos Geny de Jesus Souza Ribas)
E-mail: evy.19@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6375-4841
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5641037502539154
INTRODUÇÃO
Este texto nasce do movimento entre prática-teoria-prática de uma experiência
educativa que se pretende antirracista e, por adotar esse objetivo, reconhece a
necessidade incessante de se (re)pensar e de se (re)inventar. Partimos de nossa
atuação em um programa de extensão, o “A Escrita de Si como Instrumento de
Visibilidade para os Terceirizados do CEFET-MG”, desde as posições de técnica ad-
ministrativa e coordenadora do programa, professora EBTT atuante junto a uma
das turmas e bolsista do Ensino Médio – em todos os casos educadoras/educandas
com distintas trajetórias acadêmicas e pertencimentos raciais – para relatar e discu-
tir teoricamente nossa prática. Nossa expectativa é de que os diálogos promovidos
no âmbito do XI COPENE contribuirão para nossa atuação e para a reflexão sobre
os processos de construção do conhecimento, reprodução de hierarquizações so-
ciais e discriminações, bem como para as práticas de (re)existência e de resistência
à dominação ideológica.
Portanto, mobilizadas pela práxis, a partir da escuta das vozes das(os) sujei-
tas(os) que compõem o projeto (entre as/os quais incluímo-nos), tecemos um en-
saio no qual articulamos algumas formulações dos campos da educação libertária,
da Linguística Aplicada e da Análise de Discurso. Nossas reflexões perpassam os
desafios para o ensino de Língua Portuguesa comprometido com práticas de edu-
cação antirracista, as contribuições das formulações teóricas sobre os letramentos
de reexistência para nossa prática pedagógica e a denúncia da opressão como parte
de processos de subjetivação que podem, ao quebrar silêncios, produzir resistência
e deslocar sujeitos e sentidos. Nosso texto divide-se em três movimentos: 1) re-
flexão sobre as tensões entre o imaginário dominante sobre o ensino de Língua
Portuguesa e os letramentos de rexistência; 2) debate sobre políticas do silêncio,
racismo e denúncia na constituição do sujeito; 3) relato acompanhado de breve
análise sobre uma atividade didática que resultou na produção de cartazes de de-
REFERÊNCIAS
EVARISTO, Conceição. Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. In: Scrip-
ta, Belo Horizonte, Editora PUC Minas, v. 13, n. 25, 2º semestre 2009.
LORDE, Audre. Irmã outsider. tradução Stephanie Borges. Belo Horizonte: Autêntica Edito-
ra, 2019.
ORLANDI, Eni. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Editora da Uni-
camp, 2007. SILVA, P. V. B.; ROSEMBERG, F. Brasil: lugares de negros e brancos na mídia.
In: Van DIJK,
T. (Org.). Racismo e discurso na América Latina. São Paulo: Contexto, 2008, p. 73-119.
SOUZA, Ana Lúcia. Letramentos de reexistência: poesia, grafite, música, dança: hip hop. 1.
ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. v. 1. 176p.
AUTORIA
Mariana Jafet Cestari
Departamento de Linguagem e Tecnologia do CEFET-MG
E-mail: marianajcestaricefet@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2374199330901081
INTRODUÇÃO
Para se ter um norte sobre plágio acadêmico, precisamos mostrar como essa
relação se dá em diversos espaços. Por exemplo, se recito um poema, logo em
seguida tenho que informar ao ouvinte que aquelas palavras não são minhas, ou
mesmo quando criamos e recriamos um poema em público, lidamos com a relação
de autoria constantemente. Por outro lado, a internet tem sido o meio de maior
propagação do plágio, pois através dela os estudantes têm um vasto acervo de
informações e parecem ter dificuldade de usá-la de maneira correta.
Por exemplo: a quantidade de textos que as pessoas copiam e colam nas redes
nos dá uma noção do problema e, para contorná-lo, precisamos dar mais impor-
tância ao tema dos processos de autenticidade da escrita, ou, pelo menos, inserção
do processo de autoria (POSSENTI, 2002), de maneira que a autenticidade esteja
correlacionada à ideia de autoria. Isso implica dizer que, ao falar, cada pessoa tem
seu meio cultural e através dele um lugar de fala (RIBEIRO, 2017), ou, como que-
rem os intelectuais chicanos nos Estados Unidos e os decoloniais na América Lati-
na, lócus de enunciação (MIGNOLO, 2000). O sentido de lugar de fala ou lócus de
enunciação parecem derivar, portanto, do entendimento que Benveniste (1976)
problematizava a respeito do sistema pronominal, em que, ao enunciar o mundo,
o sujeito enuncia sua própria posição de construção do enunciado, a enunciação.
Assim, lugar de fala e lócus de enunciação denunciam o espaço da construção lin-
guística e de poder, inclusive aquela marcada por condições impostas pelo racismo.
Sendo assim, neste trabalho vamos debater a relação entre linguagem e racis-
mo ao provocar a estreita relação entre autenticidade e processo de escrita por
pessoas negras a partir de uma coleta de dados entre estudantes recém-ingressa-
dos na Universidade Federal do Sul da Bahia.
LINGUAGEM E COLONIALIDADE:
O QUE HÁ EM COMUM ENTRE ELES
O processo de construção linguística durante muito tempo foi entendido como
neutro e fora da estrutura geopolítica e racializante do poder construído no Oci-
dente. As mais diversas formas de línguas que chegaram com as caravelas nas
Américas não foram apenas amostras dos falares dos colonizadores, mas também
registros de sua dominação.
Diversos autores têm apontado, por exemplo, para a ideia de que vários desses
registros foram sistematicamente destruídos no processo de invasão colonial. Por-
tanto, nos questionamos: em que medida linguagem e colonialidade podem ter
relações em comum?
Essa pergunta parece ser respondida quando revisamos a própria história do
Português no país. A chegada dos portugueses por aqui, por exemplo, não coinci-
de com a implantação do português como língua oficial, o que só vem acontecer a
partir de 1757 quando, ao impor o uso da língua portuguesa aos indígenas todos
aqueles que viviam no território brasileiro, os portugueses classificaram as línguas
indígenas como:
Nesse documento os portugueses instituem aquilo que pode ser chamado como
primeira política linguística no país, ou seja, a instituição de uma língua europeia,
o português, para substituir as línguas gerais, que eram línguas formadas a partir
das línguas indígenas.
A relação entre colonialidade e linguagem é precisamente íntima se nós enten-
dermos aquilo que Veronelli (2016) chama como colonialidade da linguagem:
Tal como Veronelli (2016), Singh (2018) nomeia essa relação entre linguagem
e colonialidade pelo termo do inglês mastery que, para nós, se versa como “domí-
nio”. A ideia de domínio, aqui retratada a partir das mazelas coloniais herdadas des-
de a chegada dos portugueses, é que guia a visão de que, ao chegar, o português
também trouxe sua língua, o Português, que passou a ser imposta mais especifica-
mente a partir da reforma pombalina do Estado português.
Assim, podemos entender que a linguagem foi um dos aparelhos utilizados para
excluir, subsumir e explorar os povos cujas terras foram invadidas pelos colonizado-
res. Por isso, nosso interesse neste capítulo é averiguar em que medida o processo
de escrita, quando produzido através da ideia de indício de autoria, pode revelar
marcas de autoria/autenticidade no texto.
O PLÁGIO ACADÊMICO
O plágio é uma preocupação atualmente no meio acadêmico. Sendo ele repro-
duzido em várias outras esferas da sociedade, um grande problema que temos
diagnosticado como professores e agentes educacionais é que grande parte dos
alunos do ensino médio, público e que conseguem chegar ao ensino superior não
têm noção da complexidade do que é o plágio, ou mesmo não sabem o que é plágio
acadêmico. Por isso, nos entendemos inicialmente que esse tipo de formação deve
ser ofertada já no ensino médio:
Ou seja, podemos ter como base a concepção de que o plágio se reproduz mes-
mo nos espaços de produção científica, o que muitas vezes se dá por causa da
falta de orientação. Assim:
como um ato pelo qual um indivíduo faz crer aos outros, mesmo
que por omissão, que um determinado trabalho intelectual é de
sua autoria (isto é, assinando-o com o seu nome, sem declarar
explicitamente que porção ou porções são pertencentes a de-
terminado autor, por meio de uma referência de rodapé ou na
bibliografia), quando, na verdade, ele é cópia de algum outro an-
terior. Tal ato é normalmente considerado antiético (ou mesmo
imoral, em praticamente todo o mundo), chegando a ser clas-
sificado como crime em vários países, especialmente no meio
acadêmico. (BONETTE, 2010, p.10).
Dessa forma, entendemos que o plágio precisa, mais do que uma política de pu-
nição que, via de regra, pode significar mais justiçamento e aprisionamento de cor-
pos negros e indígenas não conformados ainda com as regras violentas do sistema
formal de escrita, é necessário haver formação diferenciada sobre autor e autoria
para reconhecimento da importância da autenticidade no texto.
INDÍCIOS DE AUTORIA
O conceito de indícios, segundo o código de processo penal brasileiro, é “a cir-
cunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por in-
dução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.” (Art. 239, CPP.)
Ou seja, a própria noção de indício é uma construção de sentidos evidenciada pela
indução. Interligando-a ao conceito de autoria na escrita, vemos que o autor é uma
Ainda é importante destacar que um texto nasce a partir de outros. Assim, tra-
ta-se de criar e recriar com base nos autores tomando distância como aquele que
enuncia e, ainda assim, colocando suas marcas no texto, e nele enunciado, ou seja,
“o texto é um tecido de citações, oriundas dos mil focos da cultura.” (FURLANETTO,
2016, p. 781). Desse modo, o que dá ao sujeito a condição de autor é o hic-et-nunc,
o aqui-e-agora, aquelas marcas que se fixam estruturalmente no texto de modo in-
visível (FURLANETTO, 2016), evidenciando o que Possenti (2002) chama de indícios
de autoria.
Já sabemos que não há texto sem autor, mas pode haver ausência de autoria
marcada em um texto. Por exemplo: a frase “a coisa tá preta” é de autoria de uma
sociedade branca e racista tendo como intuito diminuir as pessoas negras. Além
disso, é uma frase que pode vir de qualquer fonte ou fonte nenhuma. Porém, lem-
brando Bakhtin (1997), ainda que não esteja marcada, essa ausência de marca, que,
pelo autor, ao se referir à poética de Dostoiévski, chama de sujeito indireto livre,
revela várias vozes que, mesmo que não sejam chamadas de autoras, são traços
da ideologia vigente. É o caso do racismo, cuja autoria é sempre negada por quem
a pratica. Por exemplo, há mais de 20 anos Venturi e Turra (1995) realizaram uma
pesquisa para checar se o racista brasileiro se enunciava como racista. O resultado,
no entanto, foi impactante. No levantamento, 90% dos entrevistados admitiram
que há racismo no Brasil. Porém, mesmo indicando que havia racismo no Brasil, 96%
Portanto, fica claro que o ensino púbico não está morto, é es-
sencial que haja investimentos nessas escolas, para que os jo-
vens continuem sendo influenciados a estudar (grifos nossos).
Nesse caso, destacamos o “fica claro” por ser algo do repertório da estudante,
além do uso de “é essencial”. O tal ouvinte branco oculto na língua (White listening
subject, cf. FLORES e ROSA, 2015), isto é, nosso inconsciente que julga tudo-e-to-
dos pela régua do que não soa correto na língua, ignora que a estudante parece
conversar no texto como uma conversa em que as pausas nem sempre são repre-
sentadas por nosso sistema de pontuação. Ramon (nome fictício), nosso segundo
participante, parece ter traços que confirmam nossa análise sobre Lorena, como
segue abaixo:
REFERÊNCIAS
BRASIL, decreto Lei 3689/41, de 3 de outubro de 1941. Código de processo penal, Art.
239, Rio de Janeiro, 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del3689compilado.htm> Acesso em: 20 de outubro de 2019.
BONETTE, Luzia Maristela Cabreira, O plágio por meio da internet: Uma questão ética pre-
sente desde o ensino médio. Educação em revista, v.11, n.2, p.7-22, Jul.-Dez., 2010 DAVIS,
A. Mulheres, raça e classe. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016. FERREI-
RA, Marília Mendes; PERSIKE, Alissa. O tratamento do plágio no meio acadêmico: O caso
USP. Signótica, v.26, n.2, p.519-540, jul./dez.2014.
VENTURI, Gustavo; TURRA, Cleusa (Orgs.). Racismo Cordial: A mais completa análise sobre
o preconceito de cor no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
AUTORIA
Fernando Porfirio
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
E-mail: fernandoporfirio@aluno.ufrb.edu.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7714-3462
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8767626219021564
Gabriel Nascimento
Universidade Federal do Sul da Bahia
E-mail: gabriel.santos@csc.ufsb.edu.br
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7695-9264
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6926147100348906
INTRODUÇÃO
A construção narrativa dentro de um território abrange suas referências cultu-
rais, étnicas, religiosas, linguísticas e outros marcos identitários de um grupo ou co-
munidade. Devido à aproximação de pessoas de outros grupos, conflitos históricos,
assimilações linguísticas, não teremos uma única narrativa a validar, nem devemos
estereotipar povos, pois os compartilhamentos de saberes nos faz múltiplos e di-
versos. Assim como nos trouxe Chimamanda na acima, vivemos no limiar do perigo
da história única, cuja população negra e suas diversas formas de organização cul-
tural, política e econômica é invisibilizada ou reduzida a características limitantes
de sociedade e aprendizado diante do discurso de quem detém alguma esfera de
poder.
O último informe, realizado em 2017, sobre as certificações de comunidades
territoriais quilombolas no Brasil, apresentou 736 comunidades situadas no estado
da Bahia devidamente certificadas pela Fundação Cultural Palmares – órgão até o
ano de 2019 responsável por esse senso (INCRA, 2017). Deste modo, a Bahia en-
contra-se no topo do ranking dos estados brasileiros com localidades reconhecidas
como de descendentes de quilombolas ou remanescentes de quilombos. Porém,
quando tratamos de educação escolar, produções literárias, materiais didáticos
para essas comunidades quilombolas baianas, o desempenho não se encontra no
mesmo parâmetro.
Desde a institucionalização da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR2) - órgão do Poder Executivo do Brasil, instituída pelo presidente
1 ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. Tradução Julia Ro-
meu. 1ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p.23.
2 Secretaria extinta em 2019.
3 Conceito levantado pela linguista profa. Dra. Ana Lúcia Silva Souza (2011) que
salienta as práticas de letramentos das comunidades negras reverberando as linguagens e
modos de uso da língua considerando a trajetória histórica, a cultura e referências coletivas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As vivências territoriais devem ser espelhadas nos currículos escolares, assim
como refletir as identidades culturais e linguísticas de seus falantes. Em destaque,
as comunidades quilombolas do estado da Bahia ainda apresenta, na literatura
infantojuvenil, baixa menção das histórias das mais de 700 (setecentas) comunida-
des quilombolas reconhecidas. A provocação desse artigo é reforçar aos produto-
res literários (são eles e elas: escritoras/es, editoras, ilustradores/as, curadores li-
Quilombos: espaço de
resistência de homens e Ministério da
01 10.000 2006
mulheres negras (livro do Educação
professor)
Quilombos: espaço de
resistência de homens e Ministério da
02 15.000 2006
mulheres negras (livro do Educação
aluno)
Ministério da
05 Estórias Quilombolas 7.500 2008
Educação
Schuma Schu-
maher, Paulo
06 Minas de Quilombos - No prelo
Corrêa
Barbosa
Meire Cazum-
08 História da Cazumbinha bá, Marie Ange 1000 2010
Bordas
Fonte: http://www.tecendosaberes.com/historias-da-cazumbinha/#ad-image-0
terários) a necessidade de fomentar mais trabalhos descrevendo e compartilhando
o modo de vida e saberes quilombolas peculiares para cada território associando
essas práticas cotidianas quilombolas com práticas pedagógicas fincadas nas refe-
rências ancestrais africanas e afro-brasileiras, musicalidade, circularidade e marcos
da oralidade.
Cada trama reconta um passo da jornada pela liberdade epistêmica das popu-
lações negras na diáspora africana, tão bem nomeada por Lélia Gonzalez como
“Améfrica” ou a “transatlanticidade” das relações América, Europa e África, citada
por Beatriz Nascimento. Ambas teóricas elucidaram o que continuamos a ecoar
nesse texto como o lugar do corpo negro nas linguagens.
REFERÊNCIAS
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. Tradução Julia Romeu. 1ª
Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
CAZUMBÁ, Meire; BORDAS, Marie Ange. Histórias da Cazumbinha. Companhia das Letras.
Selo: Companhia das Letrinhas, 2010. Disponível em: < https://www.companhiadasletras.
com.br/detalhe.php?codigo=40597>. Acesso em 29/09/2020.
LIMA, Maria Nazaré Mota de. Relações étnico-raciais na escola: o papel das linguagens.
Salvador: EDUNEB, 2015.
MACHADO, Vanda. Projeto Irê Ayó. Brasília: Fundação Cultural Palmares, s/n.
NUNES, Davi. Bucala: a pequena princesa do Quilombo Cabula. Ilustrações Daniel Santana.
2º Edição. São Paulo: Editora Malê, 2019.
RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro. (Feminismos Plurais/Coordena-
ção de Djamila Ribeiro) Pólen, 2019.
RÚBIA, Sinara. Dona Sebastiana e como tudo começou. Ilustrações de Renato Cafuzo. São
Paulo: LSS, 2019. (Coleção Griôs da Tapera).
RÚBIA, Sinara. As pedras da Tapera. Ilustrações de Renato Cafuzo. São Paulo: LSS, 2019.
(Coleção Griôs da Tapera).
RÚBIA, Sinara. Como proteger as crianças e fazê-las crescerem fortes. Ilustrações de Rena-
to Cafuzo. São Paulo: LSS, 2019. (Coleção Griôs da Tapera).
RÚBIA, Sinara. Tapera encantada. Ilustrações de Renato Cafuzo. São Paulo: LSS, 2019.
(Coleção Griôs da Tapera).
SANTOS, Ana Fátima Cruz dos. Análise de Livros Didáticos e Paradidáticos em Educação
Escolar Quilombola em Santiago do Iguape. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-
-graduação em Crítica Cultural. Alagoinhas/ Universidade do Estado da Bahia, 2015. Dis-
ponível em: <https://portal.uneb.br/poscritica/wp-content/uploads/sites/113/2018/07/
ANA- F%c3%81TIMA_CARTAZ_DIVULGA%c3%87%c3%83O_DEFESA_P%c3%9aBLICA_DE_
DISSERTA%c3%87%c3%83O.pdf>. Acesso em: 30/09/2020
SECADI, MEC. YOTÉ: o jogo da nossa história: o livro do aluno. Brasília: Ministério da Edu-
cação, Secretaria de educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2008.
SOUZA, Ana Lúcia Silva. Letramentos de Reexistência: poesia, grafite, música, dança: Hip-
-Hop. São Paulo: parábola Editorial, 2011.
AUTORIA
Ana Fátima Cruz dos Santos
Doutoranda no Programa de Crítica Cultural/ Linguagens UNEB/Campus II Profes-
sora Educação Básica – Camaçari/BA
Orientadora: Profa. Dra. Maria Anória Oliveira de Jesus - Programa de Crítica Cultu-
ral/ Linguagens UNEB/Campus II
E-mail: anafatimadossantos@yahoo.com.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5377093428497518
INTRODUÇÃO
A motivação para a escrita deste trabalho se deu do desejo de trazer para o cen-
tro das discussões a literatura infantil e juvenil de matriz afro-brasileira e a constru-
ção da identidade negra dentro desta literatura, para tanto nos propomos a anali-
sar uma narrativa infantil e juvenil, a qual é O Mundo no Black Power de Tayó escrita
por Kiusam de Oliveira (2013). À vista disso, por meio deste trabalho buscamos
contribuir, mesmo que minimamente, para os estudos da área. Para tanto, consi-
deramos a literatura como aporte para o desenvolvimento social e cultural e que
corrobora para a construção identitária dos indivíduos, visto que é um instrumen-
to que auxilia a formação dos indivíduos. Nesta perspectiva, a literatura infantil e
juvenil de origem afro-brasileira tem como objetivos: a construção da identidade
das crianças e jovens negros e não negros, colaborar para o resgate e a afirmação
positiva da cultura afro-brasileira e a formação de crianças que respeitem a diver-
sidade cultural.
No tocante a construção da identidade, tivemos respaldo nos escritos de Hall
(2011) e Gomes (2002), o primeiro explana que a identidade é construída ao longo
do tempo e que as experiências vividas ao longo da vida influenciam neste proces-
so. Tendo em vista a construção da identidade negra, Gomes (2002) explica que
esta se constrói a partir do olhar do negro sobre si mesmo e, também, do olhar do
outro sobre ele, portanto, as relações sociais e as experiencias vividas impactam na
construção identitária. Levando isso em consideração, as narrativas lidas ou con-
tadas para/pelas crianças e jovens são importantes neste processo identitário, por
isso, é importante que estas histórias apresentem personagens negros que rom-
Para além disso, Gomes (2019) explica que o cabelo, nas antigas etnias africa-
nas, era considerado “[...] uma marca de identidade e dignidade” (GOMES, 2019,
p.331), embora esse significado tenha ganhado novas configurações no decorrer
dos anos, ele ainda continua forte entre os (as) negros (as). Portanto, o cabelo e
os penteados usados pelos (as) negros (as) décadas atrás e contemporaneamente
carregam significados e, tendo isso em vista, podemos inferir que o cabelo no estilo
Black Power utilizado pelos negros, no Brasil e no mundo, carrega sentido, como já
explicado, desde o seu surgimento até os dias atuais ele é sinônimo de resistência,
afirmação identitária e exaltação da beleza negra e dos cabelos naturais. Sendo
assim, o (a) negro (a) ao ter uma percepção positiva sobre seu cabelo e seu corpo
e uma autoimagem positiva poderá ter sua identidade construída de modo afirma-
tivo, apesar das tensões que a cercam.
1 Todas a citações referentes a obra O Mundo no Black Power de Tayó serão referen-
ciadas apenas com a página. Todos os trechos são referentes a (OLIVEIRA, 2013).
REFERÊNCIAS
GOMES, Nilma Lino. Corpo e Cabelo como símbolos da identidade negra. 2002
GOMES, Nilma Lino. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Imagens do negro na literatura infantil brasileira: análi-
se historiográfica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n.1, 2005. p.77-89.
JOVINO, Ione da Silva. Personagens negras na literatura infantil brasileira de 1980 a 2000:
revisitando o tema. In: 38° Reunião Nacional ANPEd. São Luís, 2017. p.1-17.
JOVINO, Ione da Silva. Literatura infanto-juvenil com personagens negros no Brasil. In:
SOUZA, Florentina; LIMA, Maria Nazaré (Orgs.). Literatura afro-brasileira. Salvador: Cen-
tro de Estudos Afro-Orientais, Brasília: Fundação Cultural de Palmares, 2006. p.179-217.
OLIVEIRA, Kiusam de. O mundo no Black Power de Tayó. São Paulo: Peirópolis. 2013.
SANTOS, Denise Bispo dos. Para além dos fios: cabelo crespo e identidade negra feminina
na contemporaneidade. Dissertação (Mestrado em História), Sergipe, Universidade Fede-
ral de Sergipe, 2019.
AUTORIA
Larissa Oliveira de Paula
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
E-mail: paulaoliveira.0198@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3281-8563
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0574965138182151,
Renan Fagundes
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
E-mail: renanfagundessouza@gmail.com;
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2817-2691
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1258318808956651
INTRODUÇÃO
O presente estudo apresenta-se como um projeto de mestrado em desenvol-
vimento e pretende fomentar a discussão étnico-racial para potencializar a des-
construção do racismo, uma vez que na Educação Infantil de Vitória/ES existem
práticas e comportamentos sociais que necessitam de enfrentamento. Há relatos
de professores que evidenciam a angústia de famílias negras ao não declararem
o seu pertencimento racial no ato da matrícula; famílias de mães e de pais negros
que negam tal pertencimento na ficha de matrícula dos seus filhos, declarando-os
como “brancos ou pardos”, gerando, com isso, falsos indicadores na promoção de
políticas públicas do município.
Esse contexto revela, ainda, um racismo presente no cotidiano das unidades
de ensino que são invisíveis nas atitudes e nos comportamentos da comunidade
escolar, em relação às subjetividades, às características físicas e territoriais das
crianças negras. Na Comissão de Estudos Afro-Brasileiros (CEAFRO), da Secretária
de Municipal de Educação de Vitória/ES, há registros de discursos de professores e
de técnicos-administrativos que denunciam estereótipos que circulam nas escolas,
tais como, “crianças negras têm o cabelo ruim e não aprendem” ou “as famílias
negras são relaxadas”.
Os territórios, na sua maioria de negras/os, que não tem “jeito”, territórios
de “bandidos”, crianças “fedorentas”, estigmas que revelam a cor da pele como
algo pejorativo e que estão associados a um grupo racial inferiorizado. No ano de
2017, um episódio de racismo na Educação Infantil de Vitória ganhou repercussão
nacional, quando uma professora foi impedida de trabalhar com bonecas abayomi,
sob a acusação de estar promovendo macumba (utilização pejorativa do termo) na
escola. Desta forma, evidenciar o racismo e combatê-lo é uma necessidade urgen-
te, é uma forma de superar atitudes que marcam negativamente as histórias das
crianças negras.
O caderno de estudo Educando Contra o Racismo (VITÓRIA, 2007), produzido
pela CEAFRO, revela que as práticas racistas e incoerentes são sistematicamente
atualizadas na nossa contemporaneidade, por uma rede de invisibilidades e neu-
tralidades que a todo momento produz um "ser negro" desqualificado e inferiori-
zado nas escolas (VITÓRIA, 2007). Para além da denúncia, o documento oferece
APORTE TEÓRICO
A abordagem das relações étnico-raciais na educação infantil pode evidenciar
positivamente a população negra e indígena, constituindo-se como elemento de
formação de suas identidades, assegura a intelectual negra Cida Bento (2012), na
obra intitulada "Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políti-
cos, jurídicos, conceituais". De modo ampliado, Stuart Hall (2015, p. 41), na produ-
ção “A identidade cultural na pós-modernidade”, aponta o processo de formação
da identidade fragmentada do sujeito, deixando evidente que todas as identidades
estão localizadas no espaço e nos tempos simbólicos. Pensado no contexto de glo-
balização, as diversas culturas que caracterizam as várias infâncias transitam entre
as noções de identidade e diferença como uma relação social. Importante pensar
que não há harmonia nessa relação de alteridade e, tanto a sua definição discursiva
como a linguística, estão sob a égide das forças e do poder que representam cam-
pos de disputas (HALL, 2015).
Com base em Hall (2015), considerando a importância de compreender esse
“jogo de inversão” e pensando as infâncias como período de vastas e variadas ex-
periências, em que muito se aprende e muito se media, o trabalho com as rela-
ções étnico-raciais surge pela preocupação dessa mesma infância ser considerada
apenas por uma vertente curricular, numa concepção de criança universalizada.
Privilegia-se uma infância referenciada por apenas uma única cultura de domínio
Além disso, a autora também pontua que os trabalhos realizados pela comuni-
dade acadêmica confirmam os limites para o tema na pesquisa científica. Araújo
(2017) menciona sua preocupação com a formação dos/das estudantes leitores/as
considerando o acervo descomprometido com as relações étnico-raciais afirmati-
vas. Neste contexto, se reforça a preocupação com as/os professoras/es na sua for-
mação inicial e continuada, muitas vezes mediadas por livros de abordagem euro-
centrada. Estas etapas de formação necessitam ser tratadas de modo a contemplar
todo o conjunto de etnias locais e nacionais, em atendimento às Leis 10.639/2003
e 11.645/2008. Mais do que atender às prerrogativas de leis, é necessário um real
compromisso com a educação para as relações étnico-raciais.
As intelectuais negras Nilma Lino Gomes e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva,
na obra "Experiências étnico-culturais para formação de professores", demarca-
ram a importância para a compreensão do campo educacional considerar formas
articuladas das lutas sociais, políticas e culturais na promoção da igualdade racial
na educação. De acordo com as autoras, a diversidade étnico-cultural possibilita
que os sujeitos sociais não deixem de ser sujeitos políticos culturais (GOMES; SIL-
VA, 2006). Neste sentido, a articulação entre a literatura e a corporeidade perfa-
zem componentes fundamentais para uma educação das relações étnico- raciais
prazerosa, lúdica e fundamentada em princípios de equidade.
Nesta perspectiva, Júlio César Tavares, poeticamente, afirma: “[...] corpo que
fala antes mesmo de me utilizar do aparelho fonador pelo qual vou emitindo as
imagens acústicas que pronuncio, antes de me tornar consciente do próprio corpo”
(TAVARES, 2012, p. 37).
No entanto, ao se trabalhar a cultura afro-brasileira como prática pedagógica,
há um risco recorrente: a ideia de folclorização aparece fortemente representada
em muitas literaturas e práticas corporais. Nesse sentido, o filósofo e pesquisador
negro Eduardo Oliveira alerta para o uso do termo quando diz que as culturas afri-
canas e afro-brasileiras foram entregues ao campo do folclore com o objetivo de
trancafiá-las ao campo fossilizado da memória. Para ele, “[...] folclorizar, nesses ca-
sos, é reduzir uma cultura a um conjunto de representações estereotipadas, alheias
ao contexto que produziu essa cultura (OLIVEIRA, 2009, p. 62). Considerando estas
questões, depreendemos que a educação formal carece de possibilidades de inte-
ração com as novas linguagens e formatos educacionais para conseguir atingir de
forma positiva, integral e completa os sujeitos da/na escola com suas singularida-
des étnicas e raciais.
OBJETIVO GERAL
Articular a literatura e a corporeidade afro-brasileira e africana na formação
continuada de professoras/es, pedagogas/os, gestoras/es, Assistentes de Educação
Infantil (AEI) e na produção de conhecimentos para a mediação pedagógica na Edu-
cação Infantil.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
METODOLOGIA
Trata-se de uma Pesquisa-Ação Colaborativa, na perspectiva proposta por Ibia-
pina (2008). De acordo com a autora, essa metodologia possibilita a formação con-
tinuada de professores e a produção de conhecimentos. A Pesquisa Ação-Colabo-
rativa tem como princípio central explicitar a unidade pesquisa-formação que, em
processo de compartilhamento e de negociação, dizeres e fazeres são colocados
sob análise por meio da reflexão crítica, perspectivando a transformação de um
REFERÊNCIAS
FALCÃO, J. L. C. O jogo da capoeira em jogo. In: KUNZ, Eleonor (Org.). Didática da educa-
ção física. Ijuí: Unijuí, 2006.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Rio de Ja-
neiro: IBGE, 2010.
TAVARES, J. C. de. Dança de guerra, arquivo e arma: elementos para uma teoria da capoei-
ragem e da comunicação corporal afro-brasileira. Belo Horizonte: Nandyala, 2012.
TOMÁS, C. A. Para além de uma visão dominante sobre as crianças pequenas: gramáticas
críticas na educação de infância. Revista Humanidades e Inovação, v. 4, n. 1, 2017.
AUTORIA
Sarita Faustino dos Santos
Universidade Federal do Espírito Santo
E-mail: saritafaustino2015@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9101511415717571
INTRODUÇÃO
No contexto das produções literárias para crianças é possível compreender que,
historicamente, muitas narrativas contribuíram para a elaboração de estereótipos
acerca da população negra. Estudos como os desenvolvidos por Maria Anória de
Jesus Oliveira (2003), Heloisa Pires Lima (2005) e Maria Cristina Soares Gouvêa
(2005) apontam categorias recorrentes de estereotipia: subalternização, passivida-
de, pobreza, desamparo, feiura, entre outras. Também sobre as ilustrações, com-
ponente essencial do livro infantil, tais noções relacionadas à inferiorização são
reiteradas, conforme discutem Paulo Vinicius Silva e Fúlvia Rosemberg (2010), ao
constatarem, ao longo do século passando, a predominância de obras literárias com
personagens brancas ilustradas em contextos de valorização, enquanto negras fo-
ram representadas de modo depreciativo. Assim, reiterou-se a associação do cor-
po branco como modelo de humanidade: “a ilustração foi fonte privilegiada para
fixar a pertença que não precisa ser nomeada, pois as pessoas são ‘naturalmente’
brancas” (ROSEMBERG; SILVA, 2010, p. 112).
Diante desse quadro, a escolha de obras literárias para o trabalho com media-
ção de leitura demanda cuidados. A naturalização da ausência de protagonistas
negras nos livros infantis ou a utilização de obras que apresentam tal grupo racial
de modo estereotipado é um entrave, pois provoca uma lacuna na formação iden-
titária de crianças negras. Já o contrário produz impactos extremamente positivos,
como reflete Inaldete Pinheiro Andrade (2005, p. 120): “Se a pessoa acumula na
sua memória as referências positivas do seu povo, é natural que venha à tona o
sentimento de pertencimento como reforço à sua identidade racial”.
As histórias contadas para crianças e as imagens nelas presentes não deve-
riam invisibilizar ou destruir a humanidade de um povo. É imprescindível que as
personagens negras sejam representadas de modo digno, pois podem compor um
repertório múltiplo na memória dos leitores e leitoras em formação. Isso poderia
possibilitar reconhecimento para meninos e meninas negras, como também incitar
o respeito, em crianças brancas, aos distintos grupos raciais. Diante disso, a pro-
posta deste artigo é de discutir sobre a importância do texto visual na elaboração
de representações positivas de personagens negras. O objetivo é de analisar o livro
1 Para a autora Sonia Pascolati (2017, p. 249) os livros ilustrados são produções lite-
rárias nas quais “palavra e imagem constituem um só todo de sentido”. Tratam-se de obras
que apresentam textos verbais e visuais em relação de interdependência na criação dos
significados da história.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dois aspectos são realçados neste estudo, cujo objetivo foi de analisar, ainda
que de modo sucinto, o livro ilustrado “O príncipe da Beira” (2011), de Josias Ma-
rinho, considerando a obra em sua materialidade e os desenhos que compõem a
REFERÊNCIAS
CAMARGO, Luís. Encurtando caminho entre texto e ilustração: homenagem a Ângela Lago.
2006. Tese (Doutorado em Teoria e História da Literatura) – Programa de Pós-graduação
do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2006.
GOUVEA. Maria Cristina Soares. Imagens do negro na literatura infantil brasileira: análise
historiográfica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n.1, p. 77-89, jan./abr. 2005. Dispo-
nível em: https://www.scielo.br/pdf/ep/v31n1/a06v31n1.pdf. Acesso em: 06 out. 2020.
LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. MARI-
NHO, Josias. O príncipe da beira. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011.
OLIVEIRA, Maria Anória de Jesus. Negros personagens nas narrativas infanto-juvenis bra-
sileiras: 1979-1989. Dissertação (Mestrado em Educação). Salvador: Universidade do Esta-
do da Bahia, 2003.
PASCOLATI, Sonia. Ilustração na literatura infantil. Acta Scientiarum. Language and Cultu-
re, v. 39, n. 3, p. 245-253, 6 jul. 2017. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.
php/ActaSciLangCult/article/view/35642. Acesso em: 06 out. 2020.
SILVA, Paulo Vinicius e ROSEMBERG, Fulvia. Negros e brancos na mídia brasileira: discurso
racista e práticas de resistência In: van DIJK, Teun (org). Racismo e discurso na América
Latina. SP: Contexto: 2010.
SOUZA, Mariana Silva; ARAUJO, Débora Cristina de. Crianças negras nas ilustrações de
Josias Marinho. Revista da ABPN, v. 12, n. 33 • jun – ago 2020, p. 197-220. Disponível
em: https://www.abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1009/874. Acesso em:
06 out. 2020.
AUTORIA
Mariana Silva Souza
UFPR
E-mail: marianasouzza09@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2133-0028
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0063672781564386
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar três leituras sobre Zumbi dos Pal-
mares dentro da literatura infanto-juvenil que consideramos essenciais, para o res-
gate da nossa história. Os livros narram a história do guerreiro negro, a partir da
perspectiva de resgates da identidade e da ancestralidade do povo afro-brasileiro,
ensinando as crianças e aos jovens sobre a representação e a representatividade
negra. As narrativas apontam, para ressignificações de valores atribuídos a identi-
dade e a cultura, na figura do herói negro de Palmares.
As leituras são diversificadas, tanto em termos de críticas, intenções discursivas,
representações artísticas e formas de narrar a história, pois temos um encontro de
múltiplas linguagens que parte da literatura, pois é nela, como destaca o crítico
Antônio Candido (2006) que encontraremos essa multiplicidade das linguagens,
esse espaço de profusão de narrativas, cada qual com a sua função social, da mes-
ma forma como salienta Bosi (2000) é nesse encontro das linguagens diversas que
podemos encontrar várias doações, de sentidos as quais podem nos permitir uma
visão ampla das maneiras de ler.
Sabemos, porém, que ainda segundo Munanga (2012) é preciso que se reconhe-
ça o pluralismo que há no Brasil, com relação ao tema racial, pois apesar da ciência
desmistificar esse mito da democracia racial, ainda é muito intenso o preconceito
e o racismo em situações cotidianas e o nosso papel, como agentes sociais é o de
trabalhar para que as mudanças aconteçam. Estas reconfigurações e reconstruções
nós também podemos encontrar em Homi Bhabha (2013), pois o autor reafirma a
importância do ser humano lidar com a diferença, conhecer outras mentes de for-
ma que evite as desigualdades e construam um projeto político de humanismo que
estabeleça como prioridade, conhecer e reconhecer o outro e percebam o quanto
podemos nos encontrar entrelaçados. As leituras das obras que apresentaremos,
com certeza, multiplicarão os olhares dos leitores e ressaltarão a importância do
compromisso que todos devemos ter e da valorização que deve ser dada ao sujeito
negro e sua inserção social.
A nossa leitura terá como foco a apresentação de três grandes livros. O primeiro
livro é o de Sônia Rosa ZUM ZUM ZUMBIIIIIIII, ilustrado por Simone Matias nos
oferece a oportunidade de conhecer profundamente o rei negro que brilha como a
noite e aponta para o combate aos estereótipos, reforçando também a luta contra
o racismo. O segundo livro ZUMBI DOS PALMARES: os tambores da liberdade do
Para livrar-se da cadeia demorou muito tempo, gastando algemas, e como que
o feitor pressentia as fugas já mandava trocar as algemas por outras. O que aumen-
tava os anseios de liberdade, e antes que acabasse o ânimo, começou o trabalho
de desgastá-la de novo. Colocou-se a caminho, mesmo que indagado por um amigo
a respeito dos castigos, mas foi. Não se preocupou com as torturas que poderia
sofrer um fujão como: como ser açoitado por couro cru, castração, amputação de
membros do corpo, ou até ter todos os dentes quebrados por um martelo, se o in-
feliz fosse recapturado. Fez-se destemido e disse que ninguém iria deitá-lo no laço
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que essas narrativas fazem questão de nos mostrar é que Zumbi não pode e
não deve ser esquecido, sua história como líder nunca pode ser esquecida. Ela pre-
cisa ser assou a ser contada e recontada, a cada dia mais e mais, de boca em boca
e por todos os lugares. As notícias de suas vitórias devem ser espalhadas como o
vento. Ele foi um grande guerreiro, um herói, amado pelos negros e odiado pelos
senhores de escravos. Seu objetivo era muito maior do que lutar por Palmares.
Ficou marcado na História por não aceitar acordos com os brancos e lutava para
que todos fossem libertos, não apenas os palmaristas, lutava contra tudo e contra
todos, para que não existisse mais escravidão. Suas peripécias se tornaram letras
de música, livros, séries de televisão, filmes e documentários. E até nas escolas
brasileiras finalmente, passou a ser estudado.
Zumbi se tornou uma inspiração para todos nós os brasileiros: crianças, jovens e
adultos! Ele inspira resistência e nos da força, para lutar contra as injustiças e para
almejarmos um país com mais igualdade. Sua trajetória de vida mostrou o quanto
é importante lutarmos pelos nossos sonhos e perseverar!
AMADO, Janaína. Zumbi o menino que nasceu e morreu livre. São Paulo: Formato, 2012.
BHABHA, Homi K. O local da cultural. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2013.
BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. BERND,
Zilá. Literatura e Identidade Nacional. Porto Alegre Editora da UFRGS, 2011. BOSI, Alfredo.
Literatura e Resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
BRAZ, Júlio Emílio. Zumbi: O despertar da liberdade. Rio de janeiro: Memórias Futuras
Edições, 1995.
CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 2.ed. São
Paulo: Companhia Editorial Nacional,1957.
CANDIDO, Antônio. O escritor e o público. In: . Literatura e sociedade, 12 ed. Rio de Ja-
neiro: Ouro sobre Azul, 2011.
ROSA, Sonia. Zum zum Zumbiiiiiiii: A história de Zumbi dos Palmares para crianças. Rio de
Janeiro: Pallas, 2016.
TENFEN, Maicon. Zumbi dos Palmares: os tambores da liberdade. São Paulo: Sivadi Edito-
rial, 2002.
AUTORIA
Karla Cristina Eiterer Rocha
Universidade Federal de Juiz de Fora
E-mail: karlaeiterersanrana78@gmail.com
Lattes: https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?f_cod=1B-
C0285224140411646B95C13139451F
INTRODUÇÃO
Temos podido observar que a Literatura Infantil e Juvenil vem ganhando cada
vez mais espaço nas prateleiras, nos projetos escolares e também nas pesquisas
acadêmicas. Tal fato pode ser considerado um avanço, tendo como premissa o
histórico desprivilegiado da Literatura feita para crianças e jovens, sobretudo da-
quelas voltadas para a temática negra.
Com base nesse cenário, optamos por pesquisar a Literatura Infantil com temá-
tica étnico- racial em que personagens negras aparecem como protagonistas ativas
da narrativa. Para o presente trabalho selecionamos como objeto de análise, duas
obras infantis que apresentam releituras de clássicos infantis muito conhecidos
pelas crianças, são elas Chapeuzinho e o leão faminto e Pretinha de Neve e os sete
gigantes. As referidas adaptações, além do protagonismo negro, trazem suas nar-
rativas para o contexto africano, apresentando elementos culturais relacionados à
África como pano de fundo para o enredo e para as novas inserções, o que dialoga
diretamente com os pressupostos da Lei 10.639/03.
A relevância das presentes versões está no fato de que a criança negra tem a
possibilidade de se ver retratada em um conto de fadas, não apenas em substitui-
ção de uma personagem branca por uma negra, mas por todo o contexto negro
que contemplam as obras.
A representação de personagens negras na Literatura Infantil sempre foi mar-
cada pela presença de estereótipos racistas, por subalternidades e silenciamento
de suas vozes. No entanto, nos últimos anos é possível observar uma mudança
significativa deste padrão, fato que pode ser comprovado a partir de pesquisas
acadêmicas como as de Débora Araujo, Eliane Debus, Maria Anória entre outras.
A representação positiva de crianças negras na literatura é essencial para sua afir-
mação identitária bem como para seu empoderamento diante de uma sociedade
eurocêntrica e racista.
Não temos dúvidas de que é urgente a construção de uma prática antirracista,
pautada no respeito às diferenças, sejam elas étnico-raciais, identitárias, culturais
ou religiosas, e para isso, entendemos a literatura como facilitadora deste pro-
cesso, uma vez que ela pode ser provocadora de questionamentos e de reflexões
acerca da realidade. Acreditamos que os livros aqui apresentados podem colabo-
rar bastante neste sentido, uma vez que confrontam padrões de representações
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Gostaríamos de reiterar a necessidade de apresentar às crianças negras livros
infantis em que personagens negras apareçam como protagonistas. No entanto
não apenas que elas tenham o papel principal mas que esse protagonismo traga
um sentido de importância e valorização para essas crianças. Segundo o dicionário
a palavra protagonista significa aquela em torno da qual se constrói uma narrativa.
No entanto, acreditamos que a literatura com temática étnico-racial precisa ir mui-
to além deste sentido de protagonismo.
O protagonismo negro deve ser aquele capaz de provocar emoções positivas,
expectativas de futuro e capacidade de escolha em nossas crianças negras. Se ver
retratada numa obra, mas sem que essa representação lhe traga alguma identifica-
REFERÊNCIAS
FILHO, Rubem. Pretinha de Neve e os Sete Gigantes. 4ª. ed. São Paulo: Paulinas, 2013.
SMITH, Alex T. Chapeuzinho e o leão faminto. Tradução: Gilda de Aquino. São Paulo: Brin-
que-Book, 2019.
AUTORIA
Cristiane Veloso de Araujo Pestana
Universidade Federal de Juiz de Fora
E-mail: cristianeveloso.78@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0543012796161285
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto de pesquisa1 realizada no âmbito da Educação para
as Relações Étnico Raciais, tendo como premissa o direito de todas as pessoas, in-
dependente da origem étnica, cultural e religiosa se sentirem pertencentes, repre-
sentados e acolhidos em suas diferentes raízes culturais na Escola.
Há mais de uma década, as Leis 10.639/03 e 11.645/08 (BRASIL, 2003; 2008) que
estabeleceram a inclusão da História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígena
nas redes de ensino, fazem parte de um conjunto de políticas implementadas para
assegurar que, conhecimentos e saberes tradicionais de povos que historicamente
foram suprimidos e invisibilizados, sejam reconhecidos e apreciados na escola.
Tais conquistas não se fizeram sem luta e resistência que acompanham os mo-
vimentos sociais liderados pela população negra e indígena, assim:
METODOLOGIA
A pesquisa foi pautada na abordagem metodológica qualitativa, a qual pressu-
põe: “[...] o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situa-
ção que está sendo investigada. [...] Os ‘significados’’ que as pessoas dão às coisas
e à sua vida são focos de atenção especial do pesquisador” (BOGDAN E BIKLEN,
1994, p. 47-51).
Além da pesquisa bibliográfica, foi realizada pesquisa de campo, envolvendo in-
serção em uma Escola da Rede Pública Estadual de São Paulo, e intervenção com a
vivencia e confecção de dois jogos de tabuleiro de origem africana, com uma turma
de 28 crianças do 6° ano do Ensino Fundamental. O conteúdo foi ministrado du-
rante as aulas de Educação Física, totalizando oito aulas com duração de cinquenta
minutos cada.
Como instrumento de coleta de dados utilizamos questionário para delinea-
mento do perfil da turma, entrevista semiestruturada (NEGRINE, 2004) bem como
registros em diários de campo de cada aula ministrada (BOGDAN & BICKLEN, 1994).
As entrevistas foram feitas com 14 educandos/as, sendo 9 meninos e 5 meninas.
Cada educando/a recebeu um caderno de registros individual com espaços livres
para registrarem por escrito o que aprenderam em cada aula durante toda a inter-
venção. Os dados coletados neste material foram identificados com o sufixo “CR”
após o nome fictício do/a educando/a, enquanto que os relatos captados nas en-
trevistas foram identificados com o sufixo “E”.
Seguindo os preceitos éticos exigidos, a professora de educação física da turma,
os pais ou responsáveis pelos/as estudantes foram solicitados a autorizarem a par-
ticipação na pesquisa, para concessão de entrevista, registro das observações em
diário de campo e uso de imagem, assinando o Termo de Consentimento Livre e
RESULTADO E ANALISE
A categoria “(Re)conhecendo a África” foram analisados os conhecimentos que
os alunos obtiveram durante a vivência e confecção dos jogos. O primeiro dado
interessante é o conhecimento dos/as educandos/as acerca dos jogos de tabuleiro,
circunscrito a Dama e ao Xadrez, dos quais apenas dois citaram conhecer a origem
histórica dos mesmos, e ainda de forma incerta mencionando serem originários da
África ou da Ásia.
Isso é particularmente importante já que com a vivência dos jogos Yoté e Senet
os/as estudantes destacam aprendizagens relacionadas aos aspectos históricos e
culturais relativos aos significados dos jogos e os nomes dos países, bem como co-
nhecimentos relacionados aos respectivos países de origem.
Com relação ao primeiro aspecto, notamos nos relatos como foi significativo
para os/as estudantes compreenderem os significados das expressões presentes
nos jogos, ao destacarem: “Aprendi que o nome dos jogos tem significados” (Cris-
tiano - CR) e “Que Senegal significa “Canoa” e em Wolof, Sunuggal” (Rodrigo - CR).
No tocante aos conhecimentos que aprenderam sobre a origem dos jogos, os
relatos a seguir destacam a ancestralidade: “No Senegal se fala Francês e Wolof. A
ancestralidade que significa passar uma história de geração a geração. Não é can-
sativo e aprendemos a cultura” (Iasmiyn - CR).
Outro aspecto que esta categoria revela tem relação com a desconstrução de
uma visão negativa e limitada sobre a África, seu povo e sua cultura. Observando a
resposta dos/as estudantes com a pergunta que se “O que conhecem sobre a Áfri-
ca?”, percebemos um conhecimento limitado e visões negativas sobre a África: “é
um país triste” (Pedro Rezende - CR), “Que sofreram muito. Tinham o candomblé
como religião. Comiam feijoada e mandioca. Eram escravos dos portugueses” (Cla-
ra - CR), “Só há calor e animais” (Lionel - CR).
Tais resultados coadunam com os estudos de Maranhão; Gonçalves Junior;
Corrêa (2007), tendo em vista que essas respostas negativas prévias à experiência
foram paulatinamente substituídas por percepções positivas sobre a África que
observamos nas falas a medida que ampliavam seus conhecimentos com as vivên-
cias dos jogos: “Aprendi que [...] a palavra Senegal significa Canoa” (Gustavo – CR);
“Descobri que a África tem cinco partes, que a África não é um país” (Larissa – E);
“Aprendo sobre as línguas e o continente africano” (Ariadne – CR); “Aprendi que
o Yoté veio do Senegal, África Ocidental e é bem divertido e estratégico. Aprendi
A postura respeitosa para com o outro a partir da vivência de tais jogos indi-
cam a potencialidade educativa dos mesmos na educação física escolar, na medida
em que, faz emergir outras possibilidades de convivência e de jogar valendo-se de
princípios que não o da disputa, mas o da partilha tanto dos sabores quanto dos
dissabores de toda e qualquer experiência social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O percurso elucidado nessa pesquisa fundamenta a potencialidade pedagógica
da vivência dos jogos Yoté e Senet como conteúdo valioso para a Educação das Re-
lações Étnico Raciais na escola, pois ao ampliar o acervo de conhecimento de jogos,
com destaque aos aspectos históricos e culturais, os/as educandos/as reconstroem
visões negativas e estereotipadas sobre África, além de ampliarem o repertório de
jogos de tabuleiro aprofundando conhecimentos sobre a história dos países de ori-
gem dos jogos, atribuindo significados aos conhecimentos geográficos, linguísticos,
culturais e ancestrais de forma lúdica e convidativa.
Um outro aspecto que ressaltado pelos/as educandos/as e que a comunidade
escolar deve se atentar é o quanto valorizaram os momentos de criatividade e
coletividade. A valorização de estarem livres para criar e (re)criar o jogo, podendo
desenhar hieróglifos no caso do jogo egípcio e de confeccionar as peças dos jogos,
assim como a importância de partilhar estratégias ao jogarem em conjunto, saben-
do ouvir e também ser ouvido/a. Ressaltamos que esses resultados foram possíveis
por conta das estratégias didáticas utilizadas que procuraram trazer e ensinar mui-
to além de um jogo novo com regras e técnicas, mas, sobretudo, como fonte de
conhecimento histórico e cultural.
Consideramos, portanto, que os jogos de tabuleiro são portadores de um rico
conhecimento cultural carregado de ancestralidade africana, que quando trabalha-
do dando destaque para suas origens, contextualizando sua história e cultura e não
apenas como válvulas de escape a dias de chuva, assumem um potencial educativo
como conteúdo intercultural e multidisciplinar valioso na educação básica.
Ressaltamos que tais conhecimentos advindos de uma experiência nas aulas
de Educação Física podem e devem dialogar com outros componentes curricula-
res como Geografia, História e Artes, potencializando um trabalho em conjunto
com demais professores/as para a interlocução com os conteúdos e integração
de conhecimentos entre os componentes curriculares, o que consideramos fun-
damental e bastante construtivo para a efetivação da Educação para as Relações
Étnico Raciais como um compromisso de toda a Escola na efetivação de um projeto
político pedagógico a favor de uma educação democrática, justa e equânime para
todas e todos se sentirem pertencentes ao espaço escolar.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Jogar para competir ou jogar para compartir? Da competição
contra o outro para a cooperação com o outro. In: Aprender o amor: sobre um afeto
que se aprende a viver. Campinas: Papirus, 2005. p.85-116.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2016.
BRASIL. Ministério da Educação. Yoté: o jogo da nossa história. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2010.
BRASIL. As Diretrizes Curriculares para a educação das relações étnico-raciais. In: Gênero
e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Re-
lações Étnico-Raciais. Livro de conteúdo. Versão 2009. – Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília:
SPM, 2009. BRASIL. Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 10.639, de
3 de janeiro de 2003. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11645.htm> Acesso em: 21 out. 2020.
DUARTE, Ana Paula B.; SANTOS, Zuleika, A. Jogos afro-brasileiros e africanos: possibili-
dades de intervenção nas aulas de educação física. 2009. Disponível em: http://livrozilla.
com/doc/796609/jogos-afro-brasileiros-e-africanos> Acesso em: 04 nov. 2020.
GEHLEN, Salete Marcolina; LIMA Christine Vargas de. Jogos de tabuleiro: uma forma lúdi-
ca de ensinar e aprender. In: Programa de Desenvolvimento Educacional PDE. Os desafios
da escola pública paranaense na perspectiva do professor. Paraná: Cadernos PDE, 2013.
Versão on-line. Disponível em
<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_
pde/2013/ 2013_unicentro_edfis_artigo_salete_marcolina_gehlen.pdf> Acesso em: 06
nov. 2020.
GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria Cecília de
S. (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2004.
MUNANGA, Kabengele. Por que ensinar a história da África e do negro no Brasil de hoje?
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 62, p. 20-31, 2015.
PEREIRA, Alesandro Anselmo; GONÇALVES JUNIOR, L.; SILVA, PBG. Jogos africanos e afro-
brasileiros no contexto das aulas de educação física. In: CONGRESSO DE ASSOCIATION
INTERNATIONALE POUR LA RECHERCHE INTERCULTURELLE. 2009. p. 1-18.
PRISTA, Antonio; TEMBE, Mussá; EDMUNDO, Hélio. Jogos de Moçambique. Lisboa: Insti-
tuto Nacional de Educação Física, 1992.
SANTOS, Carlos P; NETO, João P; SILVA, Jorge Nuno. Egipto - Senet. Portugal: Norprint.
2008. (Coleção 10 Livros 10 Regiões 10 Jogos para aprender e dvertir-se). Disponível em:
SARAIVA, Adriana. População chega a 205,5 milhões, com menos brancos e mais par-
dos e pretos. Agência IBGE, 2017. Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/
agencia- noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-mi-
lhoes-com- menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos >. Acesso em: 21 out. 2020.
SILVA, Vívian Parreira da. Conhecendo o jongo. In: CRUZ, Ana Cristina Juvenal da; REIS,
Monique Priscila de Abreu; SOUZA, Edlaine Fernanda Aragon de (Org.) Metodologias de
trabalho em educação das relações étnico-raciais. Assis: Triunfal Gráfica e Editora, 2016.
INTRODUÇÃO
O presente texto resulta de uma pesquisa de mestrado em andamento. Para
a explanação que se segue, situaremos parte do levantamento bibliográfico que
realizamos até o presente momento. Situaremos, também, a ambiência escolar e
destacamos a relevância social da alteração da LDBEN 9.394/96 pela Lei Federal
10.639/03 na educação brasileira. Iniciamos as reflexões contextualizando o cená-
rio social brasileiro em tempos de pandemia e concebemos, ao final, a literatura
infanto-juvenil negra/afro-brasileira (OLIVEIRA, 2010), como um dispositivo impor-
tante que pode contribuir para a ressignificação identitária negra.
Estabelecer os primeiros contatos com o campo de pesquisa em um momento
que coincide com o início de uma guerra contra um inimigo invisível que ameaça a
saúde mundial - um vírus que forçou o mundo a parar e simultaneamente a buscar
uma arma em comum: a cura, através da vacina, é uma batalha árdua. Este é o
panorama no qual a presente pesquisa se encontra.
Trazemos à cena deste trabalho, em um primeiro momento, uma reflexão sobre
o cenário social de desolamento que vivemos, haja vista que fomos surpreendidos
pela pandemia (Covid 19), para trazer ao centro das discussões a invisibilidade de
uma camada da população brasileira que conhece muito bem o que é a vida em
isolamento social, em uma quarentena que está longe de chegar a um desfecho
exitoso. Para essa população que é negra, majoritariamente, passar por privações
materiais, viver isolados e esquecidos na invisibilidade não é algo novo.
Em tempos de pandemia, o que mais se ouve falar em chão brasileiro é comum
ouvirmos dizer que estamos nos reinventando, que iremos sair melhores dessa
situação, que seremos outros após a pandemia e que estaremos mais fortes. Mas,
será que refletiremos melhor sobre os problemas em comum, e quem sabe pen-
saremos mais no outro? Há uma visível esperança de que mudanças se operem no
quesito humanidades. Porém, ao olharmos atentamente a nossa realidade, nota-
mos que estamos diante de uma sociedade dominada por uma política que, diante
do mapa de morte que vem se assolando, não tem o menor escrúpulo ao mostrar
qual é o seu propósito: priorizar quem deve viver e, por outro lado, fazer morrer
quem é preterido na sociedade, a população negra, no caso. Nos referimos, aqui,
à noção de necropolítica de Achile Mbembe (2016), que parte do conceito de bio-
política de Foucault.
não serão pautadas nesse texto, por não ser o foco do estudo.
A autora chama a atenção ainda para o papel da escola, por ser capaz de exer-
cer influência sobre a formação identitária as crianças e jovens que nela estão in-
seridos e por isso tem também a responsabilidade de combater toda forma de
discriminação no ambiente escolar. Esse trabalho, construído a partir das experiên-
cias do chão da escola, contribuirá para a pesquisa em andamento, pois investiga
justamente as desigualdades na caracterização das personagens negras em relação
às brancas, o que faz da literatura um dos maiores fomentadores do preconceito
racial no Brasil.
Para tratar da diáspora negra e as suas relações de cultura e pós-colonialida-
de, Stuart Hall (2003) apresenta doze ensaios e duas entrevistas que percorrem
questões como a discussão da identidade cultural, da questão racial e do racismo, a
contestação à hegemonia cultural na sociedade midiática e de consumo e o diálogo
com correntes contemporâneas de pensamento sobre cultura. A pesquisa empre-
endida encontra em Hall um importante suporte no que se refere às discussões
sobre questões identitárias, atreladas ao racismo, comparando-o com o contexto
de outras sociedades pós-coloniais, trazendo a identidade brasileira para o centro
do debate político-cultural.
Em seu livro intitulado Pele negra, máscaras brancas, Frantz Fanon (2008) discu-
te sobre a negação do racismo contra o negro na França; aborda o pensamento da
Diáspora Africana, o pensamento da descolonização, do pensamento psicológico,
da teoria das ciências, da filosofia e da literatura caribenha. O referido psicanalista
trata também da ideologia que ignora a cor, e como ela pode apoiar o racismo que
nega - pensamento que causou grande turbulência nas décadas de 1960 e 1970.
O livro de Fanon busca aguçar o senso crítico sobre o racismo e seus impactos.
Apresenta uma discussão profunda sobre a negação do racismo e a emergência no
processo de descolonização, o que dialoga diretamente com o problema apontado
na pesquisa em questão, provocando um convite à reflexão sobre a necessidade
de mudanças de paradigmas das relações étnico-raciais em nossa escola, com o
enfoque nas obras literárias que estão presentes na biblioteca e que não somente
apresentem personagens negros, como também os apresentem em espaços de
poder, de protagonismo e que, acima de tudo, possibilitem o conhecimento da sua
história, aquela que lhes fora omitida por gerações.
Achile Mbembe (2016), em Necropolítica, um ensaio que discute e atualiza o
conceito de “biopoder” de Michel Foucault o qual, segundo ele, se exerce por meio
Fazer-se ouvir as vozes das margens, tornando os/as jovens agentes dos letra-
mentos de reexistência é uma das metas do nosso trabalho em construção. Deste
modo, os estudos da autora supracitada serão basilares para avaliarmos os nossos
sujeitos de pesquisa, uma vez que trataremos da busca da sua afirmação identitária
a partir da leitura literária, levando em consideração os seus letramentos sociais e
as suas identidades raciais em re/construção.
Áurea Pereira (2018), cujo livro se concentra na identificação das trajetórias de
vida associadas ao contexto sociocultural da localidade de Saquinho, Bahia; suas
experiências educacionais na comunidade, na família e na escola e as práticas cultu-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando a reflexão que dá início a este artigo, voltamos a pensar no sujeito
de pesquisa a partir do lugar em que ele pode estar neste momento de pandemia.
Um lugar de confinamento e invisibilidade, de incertezas e ameaças de morte cons-
tantes. O vírus só veio a intensificar o que na realidade já existia, o racismo.
Mas se por um lado o vírus intensificou o medo, as desigualdades, o abandono,
isto pode nos instigar a tentar ressignificá-lo, porque é diante das ameaças que se
deve intensificar as lutas, a resistência, o enfrentamento para desmontar as es-
truturas construídas politicamente em seus intentos de silenciar cada vez mais as
vozes interditadas nas margens.
E a literatura pode ser, a nosso ver, o gatilho para um contágio positivo, que
poderá fazer emergir nesses alunos uma linguagem antirracista, despertando neles
o devir negro. Mas ao mesmo tempo há o perigo de uma literatura que seja capaz
de fazer exatamente o contrário, aniquilar o corpo já sofrido e dominado, conven-
cendo-lhe a render-se às verdades construídas sob a ótica do dominador. Por isso
a necessária e crítica análise das obras que levamos para a sala de aula.
Logo, chegamos a essa etapa da pesquisa cientes da complexidade que envolve
a investigação de uma literatura que ofereça para as crianças e adolescentes negro/
as a oportunidade de reconhecer-se como tal, mas em uma perspectiva positiva,
desconstruindo os estereótipos que estão entranhados em suas vidas há gerações,
e cuja manutenção é o propósito de uma sociedade que se vale desse racismo es-
trutural para garantir a sua soberania.
REFERÊNCIAS
hooks, bell. Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra. Tradução de Cátia
Bocaiuva Maringolo. São Paulo: Elefante, 2019.
LIMA, Maria de Nazaré Mota de. Relações étnico-raciais na escola: o papel das linguagens.
Salvador: EDUNEB, 2015.
MOORE, Carlos. Racismo e Sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racis-
mo. Belo Horizonte. Mazza Edições. 2007.
OLIVEIRA, Maria Anória de Jesus. Negros personagens nas narrativas infanto-juvenis bra-
sileiras: 1979- 1989. Dissertação de Mestrado. 2003. 182 p. Programa de Pós Graduação
em Educação e Contemporaneidade.UNEB. Salvador, 2003.
STREET, Brian. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University. Press.
1984
Jurema Oliveira
É só teu proceder
Que, por certo, há de nascer a estrela do novo rumo!1
INTRODUÇÃO
A ancestralidade que nos alimenta aparece na base das linguagens (romance,
conto, poesia, provérbio) e expressões artísticas de matriz africana. O preexistente
é um personagem recorrente nas narrativas contemporâneas da afro-brasilidade,
mas também se manifesta de outras formas à medida que esse sentir e estar nesta
sintonia se mostra nos ritmos, alimentos e religiosidades cultuadas pela comuni-
dade negra. Neste sentido, o objetivo deste estudo é pautar modalidades poéticas
que transitam pelo plano da territorialidade coletiva exposta nas formas enuncia-
tivas moldadas na escrita cuja filosofia de sustentabilidade deste modo de estar
no mundo é de matriz africana. Dito isto, objetiva-se detectar a territorialidade
idealizada nos poemas de Oswaldo de Camargo, Éle Semog e Agostinho Neto. Os
textos selecionados são: Poema XL, Grito de angústia e Em maio, de Oswaldo de
Camargo; Distúrbio psicossomático, aliás, banzo e Ponto histórico, de Éle Semog;
Partida para contrato e Adeus à hora da largada, de Agostinho Neto.
Dê-me a mão!
Meu coração pode mover o mundo com uma pulsação.
Eu tenho dentro em mim anseio e glória que roubaram a meus
pais.
Meu coração pode mover o mundo, porque é o mesmo coração
dos congos, bantos e outros desgraçados,
é o mesmo (CAMARGO, 2015, p. 102).
As mãos de mando não são as mesmas estendidas aos seus compatriotas como
aquelas explicitadas no texto “Grito de angústia”. No poema “Em maio”, identifi-
ca-se uma senhora Liberdade em descompasso com suas ações, pois não libertou
ninguém “e nada sabe” das vidas negras:
Até quando?
Não há luz
não há estrelas no céu escuro Tudo na terra é sombra
Não há luz
Não há norte na alma da mulher Negrura
Só negrura... (NETO, 2004, p. 9).
Minha Mãe
(todas as mães negras Cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis (2004, p. 7).
Eu já não espero
sou aquele por quem se espera Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida (2004, p. 7)
UM PERCURSO EM CONSTRUÇÃO
A leitura desenvolvida a partir dos poemas escolhidos sinaliza a presença da-
quele fogo ancestral sugerido na poética de Camargo para alimentar os sonhos
das gerações futuras pontuadas na escrita de Semog, pois o sujeito mesmo com o
REFERÊNCIAS
CAMARGO, Oswaldo de. Poema XL. In: Raiz de negro brasileiro: esboço autobiográfico.
CAMARGO, Oswaldo de. Grito de Angústia. In: Raiz de negro brasileiro: esboço autobio-
gráfico. São Paulo: Ciclo contínuo, 2015.
CAMARGO, Oswaldo de. Em maio. In: Raiz de negro brasileiro: esboço autobiográfico. São
Paulo: Ciclo contínuo, 2015.
RATTS, Alex (Org.) Ogum’s noques negros: coletânea poética. Salvador: Ogum’s toques
negros, 2014.
OLIVEIRA, Jurema. No limite entre a memória e a história: a poesia. Vitória: Edufes, 2011.
AUTORIA
Jurema Oliveira
Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes, pesquisadora da Fundação de Apoio
à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo - Fapes
E-mail: juremajoliveira@hotmail.com ORCID: 0000-0003-3635-4348
Lattes: http://lattes.cnpq.br/ 7613986737053601
RESUMO
A literatura negra produzida por mulheres esteve sempre à margem do cânone
literário. A redescoberta de Maria Firmina dos Reis é um sintoma do processo de
invisibilização que as escritoras negras passaram no Brasil. A escritora lançou seu
primeiro romance, Úrsula, em 1859, alcançando sucesso à sua época, mas esque-
cido na literatura brasileira até 1975, quando surgiu a segunda edição do romance.
Como Maria Firmina, poderíamos citar outras escritoras: Carolina Maria de Jesus,
Anajá Caetano, Ruth Guimarães, Geni Guimarães e tantas outras que ainda são
colocadas à margem do cânone literário. A presente proposta pretende refletir
sobre o papel das mídias sociais na divulgação e visibilidade da produção de escre-
vivência negra. Por escrevivência, compreendo isto como a dialética entre a escrita
e a experiência, rompendo o silêncio imposto à produção de literatura de sujeitos
negros desde a perspectiva de Conceição Evaristo. Articulo ao longo da pesquisa a
escrita enquanto forma de poder e de tornar-se sujeito, conforme apontam Grada
Kilomba e Patricia Hill Collins. O objetivo é compreender como emerge a voz das
escritoras negras nas mídias sociais a partir de perfis literários organizados por mu-
lheres negras. Essa proposta analisa o perfil literário Negras Escrituras, organizado
pela autora proponente, dialogando com outros perfis com a mesma proposta.
Como resultados parciais, percebe-se que estes perfis literários possuem um an-
seio de criar um espaço de ruptura com o cânone literário, demarcando a produção
dos sujeitos negros à margem em direção ao centro da produção literária. Esses
perfis impulsionam, mesmo que numa proporção menor que perfis dedicados à
literatura hegemônica, a leitura de obras e a aproximação com escritoras negras
brasileiras através da apresentação de suas biografias. Além disso, muitos perfis
criam leituras coletivas, incentivando o compartilhamento de ideias sobre uma
mesma obra.
1 A obra de Maria Firmina dos Reis foi descoberta por acaso em 1973 pelo pesquisador Nasci-
mento Moraes Filho, cuja pesquisa resultou no livro Maria Firmina dos Reis: fragmentos de uma vida.
A consequência desse achado foi a publicação da 2ª edição de Úrsula. (MIRANDA, 2019).
2 A obra recebeu o Prêmio Capes de Tese 2020 na área de Linguística e Literatura.
3 Informações fornecidas pela editora Companhia das Letras em suas redes sociais.
FIGURA 4: POSTAGENS LENDO VOCÊS
FIGURA 8: POST DE APRESENTAÇÃO DAS PRODUTORAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo é resultado de uma pesquisa em andamento que busca compre-
ender como os perfis literários somados com as pesquisas acadêmicas realizadas
por intelectuais negras estão rompendo com o silenciamento estrutural imposto à
literatura de mulheres negras. Ambos têm contribuído para a crescente demanda
ao acesso dessa literatura, resultando em projetos de editoras de lançamento de
novas escritoras negras. Como apresentei durante o artigo, a escrita das mulheres
negras através de suas escrevivências (EVARISTO, 2009) apresenta uma outra nar-
rativa sobre a sociedade e outras formas de fazer literatura.
Os perfis, ainda com impacto pequeno se comparado a outros do mercado, im-
pulsionam as discussões sobre a invisibilidade da literatura de autoria negra atra-
vés de ações como leituras coletivas, debates com as próprias escritoras e divul-
gação de escritoras independentes, como se viu na seção de análise dos perfis.
Devido o momento atual – o isolamento social causado pela COVID-19 – ainda há
muito que analisar sobre o papel desses perfis na divulgação da literatura de auto-
ria negra feminina.
REFERÊNCIAS
BIBLIOTECA, Mulheres Negras na. Quantas autoras negras você conhece?. Instagram. 02
de outubro de 2020. Disponível em << https://www.instagram.com/p/CF0U6j-
NHLR0/?utm_source=ig_web_copy_link>>. Acesso em 4 de outubro de 2020.
HOOKS, bell. Erguer a Voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo: Elefan-
te, 2019.
XAVIER, Giovana. Carta aberta à Festa Literária Internacional de Parati – Cadê as Nossas
Escritoras Negras na FLIP 2016?. Conversas de historiadoras. Online, 27 de junho de 2016.
Disponível em << https://conversadehistoriadoras.com/author/gixavier/>>. Acesso em 15
de setembro de 2020.
AUTORIA
Bruna Ribeiro Troitinho
Universidade Federal de Santa Maria
E-mail: brunari.troitinho@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8178-9319
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7142653390797346
INTRODUÇÃO
Quarto de despejo: diário de uma favelada foi publicado em agosto de 1960, um
diário já esperado pelo público da época devido às reportagens lançadas pelo jor-
nalista e editor Audálio Dantas antes da publicação. Ao anunciar um fato inédito:
uma negra moradora da favela do Canindé, com pouca instrução, escreve um diário
de suas agruras, Dantas desperta previamente no público um sentimento de curio-
sidade a respeito do conteúdo desse diário. Os versos acima, de Carolina Maria de
Jesus, denunciam o tipo de público que viria a receber sua obra: um público que, em
sua maioria, considera loucura uma mulher negra se propor a escrever, público que
reflete uma sociedade que predetermina um local para a mulher negra: o tanque
(que pode ser interpretado também como todo serviço doméstico). Apesar disso,
esse público comprou sua obra e a tornou temporariamente um best seller nacio-
nalmente e internacionalmente conhecido, traduzido em várias línguas.
Este trabalho traz algumas considerações apontadas na minha pesquisa de mes-
trado concluída em 2019, no curso de Pós-Graduação em Letras, Área de Concen-
tração em Estudos Literários, na Linha de Pesquisa Literatura, História e Crítica, do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná (PPGL/
UFPR), intitulada “A trajetória na construção da identidade da personagem-narra-
dora-autora Carolina Maria de Jesus em seus diários”1. Ao analisar a trajetória da
escritora, foi possível perceber as conquistas e os desafios pelos quais a escrita de
Carolina Maria de Jesus enfrentou e ainda enfrenta em nossos dias.
Carolina Maria de Jesus estava descontente com sua nova realidade, porém, ela
a enfrentou, pois, segundo ela mesma dizia “Não nasci para ser teleguiada a pior coi-
sa que ha, é a gente enxergar, e andar puchada num cabrêsto como se não enxer-
gasse” (JESUS, 1996b, p. 153-154). Com a força da insistência, Carolina Maria de
Jesus consegue lançar um LP, pela RCA Victor, hoje conhecida como Sony Music,
no qual cantava suas próprias composições: Quarto de despejo: Carolina Maria de
Jesus cantando suas composições e, sem o apoio de Audálio Dantas, ela publicou
seu terceiro livro: Provérbios, em 1961, com “um apanhado de dizeres populares,
popularescos ou popularizados” (MEIHY E LEVINE, 2015, p.43), da mesma forma
que publicou seu quarto livro, em 1963, o romance Pedaços da fome. Ao analisar
a trajetória de vida da escritora, destaca-se como conquista a realização das publi-
cações e a insubmissão às imposições que a sociedade lhe fazia para que ela fosse
minimamente aceita no mundo elitizado e branco dos escritores.
DOS DESAFIOS
Ao analisar a trajetória de Carolina Maria de Jesus, deparamo-nos com alguns
desafios, dos quais elenco dois: a edição realizada nas publicações, que suprimiu
muitos trechos de modo que o leitor tivesse uma visão parcial das ideias da escri-
tora e a insistência de alguns críticos literários de não considerar seus textos como
literatura, principalmente seu mais famoso livro: Quarto de despejo.
Começando pelas edições realizadas por Audálio Dantas em Quarto de Despejo
e em Casa de Alvenaria. No prefácio de Quarto de despejo ele explica como reali-
zou a edição:
Segundo, Dantas (1963), ele realizou cortes na narrativa para evitar a exaustão
da rotina da favelada, deixando apenas os trechos “mais significativos”. Questiona-
-se aqui que há subjetividade em considerar as coisas como mais ou menos significa-
tivas, de modo a retirar trechos que poderiam ser mais significativos para o público
feminino ou para o público negro, enquanto conhecedor do contexto histórico do
qual estava inserido, Dantas procurou também deixar o texto mais “aceitável” para
o público em geral daquela época. Esse processo de edição também se aplica a
Casa de Alvenaria (1961).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A revisitação dos conceitos do que é Literatura a partir da fala “isto não é Lite-
ratura” para a obra “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus, serviu para
desmascarar a elitização de que sofre ainda a nossa Literatura.
Não é necessário alterar os conceitos de Literatura que já existem para consi-
derar essa obra como literária. Em “Quarto de despejo” há poesia, há um discurso
literário que passou e passará por muitas gerações de leitores deixando sua marca,
sua sensibilização, sua denúncia social e política, sua humanidade e desumanidade.
O que é preciso urgentemente é que mais e mais leitores tenham uma visão crí-
tica para perceberem, dentro do meio literário e editorial em geral, uma ideologia
secular machista e preconceituosa que procura definir o que o leitor pode ler, o que
ele deve considerar cânone, quem pode fazer literatura neste país, etc.
Apesar de a fala “isto não é Literatura” estar carregada de tudo o que queremos
superar do nosso passado escravagista, patriarcal e elitista, a discussão serviu para
que mais pessoas pudessem conhecer quem foi Carolina Maria de Jesus, o que é a
Literatura Marginal, o que é a Literatura Negra ou Afro-Brasileira e que, sim, todos
capazes de trabalhar com a palavra podem produzir Literatura, uma vez que, resu-
midamente, trata-se da arte da palavra. A elitização da arte literária deve dar seu
No caso de Carolina Maria de Jesus, é possível notar que ela atribui à Literatura
não apenas uma arma que age no âmbito das ideias contra a discriminação e mar-
ginalização do negro, mas uma forma também de conseguir recursos financeiros
para lutar contra a fome e as péssimas condições de vida que ela e seus três filhos
levavam.
DANTAS, Audálio. A atualidade do mundo de Carolina. in: JESUS, Carolina Maria de. Quar-
to de despejo. Edição Popular, 1963. Disponível em: <https://historiaafrosuzano.files.wor-
dpress.com/2016/10/1960-quarto-de-despejo-p1.pdf> Acesso em 10/01/2018.
FERNANDEZ, Raffaella. A poética de resíduos de Carolina Maria de Jesus. São Paulo: Aetia
Editorial, 2019.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. Edição Popular,
1963a. JESUS, Carolina Maria de. Provérbios. São Paulo: Luzes, 1963b.
JESUS, Carolina Maria de. Pedaços da fome. São Paulo: Aquila, 1963c.
JESUS, Carolina Maria de. Antologia Pessoal. (Org.) José Carlos Sebe Bom Meihy. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1996a.
JESUS, Carolina Maria de. Meu estranho diário. José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M.
Levine (Orgs.). São Paulo: Xamã, 1996b.
JESUS, Carolina Maria de. Antologia Pessoal. (Org.) José Carlos Sebe Bom Meihy. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1996a.
JESUS, Carolina Maria de. Diário de Bitita. São Paulo: SESI-SP editora, 2014.
JESUS. Carolina Maria de. “Minha vida...” In: MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Cinderela ne-
gra: a saga de Carolina Maria de Jesus. 2 edição. Sacramento MG: Editora Bertolucci,
2015.
JESUS, Carolina Maria de. Clíris: poemas recolhidos. (Org.) Raffaella Fernandez e Ari Pi-
mentel. Rio de Janeiro: Desalinho, Ganesha Cantonera, 2019.
JESUS, Carolina Maria de. Meu sonho é escrever... contos inéditos e outros escritos. (Org.)
Raffaella Fernandez. 1ª ed.. São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial, 2018.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. LEVINE, Robert M. Cinderela negra: a saga de Carolina Ma-
ria de Jesus. 2ª ed. Sacramento, MG: Editora Bertolucci, 2015.
AUTORIA
Vanessa Maria Poteriko da Silva
Doutoranda em Letras – Estudos Literários - UFPR
E-mail: vapoteriko@hotmail.com / vapoteriko@gmail.com ORCID: 0000-0003-
0579-5554
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3089785123426262
INTRODUÇÃO
A trama cultural brasileira oferece ao artista-pesquisador, um território simbó-
lico que se revela através de cores, gestos, vestimentas, comidas, objetos, rituais,
crenças e de fazeres e dizeres que é mediado pelo corpo em experiências cotidia-
nas, seja ela sagrada ou profana. Podemos observar que, a interface da linguagem
da dança com fontes tradicionais da cultura brasileira encontra-se presente na rea-
lização de inúmeras pesquisas e criações cênicas. Nesta perspectiva, estar em cam-
po, observando e vivenciando práticas performativas preservada por uma determi-
nada comunidade social fixa uma etapa fundamental para o artista- pesquisador
investigar a atuação do corpo no processo de reiteração de memórias coletivas.
Atuo como professora no Programa de Ensino e Criação em Dança (formado
pelos cursos de Bacharelado, Licenciatura e Teoria em Dança) do Departamento
de Arte Corporal que prevê a formação de intérpretes, performers, coreógrafos,
professores, críticos e pesquisadores nas artes corporais com conhecimentos e ha-
bilidades que permitem o desenvolvimento de processos de produção artística, a
partir de suportes diferentes, como sendo o resultado da integração da dança com
outras áreas do conhecimento.
Esta comunicação pretende apresentar recortes da pesquisa cênica e apresen-
tação do solo Fé no Corpo ou Corpo em Fé? sem perder de vista, procedimentos
artísticos que venho desenvolvendo na Universidade Federal do Rio de Janeiro a
mais de 20 anos. A ideia é rememorar o caminho trilhado, confirmando e afirman-
do escolhas de pensamentos, pesquisas artísticas e práticas pedagógicas. Proce-
dimentos que mobilizam conceitos e saberes afro-urbano-ancestral ancorados na
cosmovisão africana, afrobrasileira e afroameríndia, entendidos aqui como ações
performáticas contra hegemônica.
FÉ NO CORPO OU CORPO EM FÉ
Fé no Corpo1 é um trabalho artístico em continua construção, cuja pesquisa esté-
tica gestual se ancora nos estudos e discussões da performance que cobre um terri-
tório amplo de ações, singulares e coletivas, identificadas com um comportamento
nido com um ato de se fazer uma oferenda, do reino animal, vegetal ou mineral, de comidas, bebidas
e qualquer objeto, a uma divindade ou entidade espiritual.”.
REFERÊNCIAS
ANTONACCI, Maria Antonieta. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: EDUC -
Editora da PUC-SP, 2015.
ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural.
Tradução de Paulo Soethe. Campinas, SP: Unicamp, 2011.
BENISTE, José. Òrun Àiyé: o encontro de dois mundos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2002.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasi-
leira de Educação. São Paulo, n. 19, 2002.
DAMASCENO, Tatiana Maria; AZEVEDO, Renata Borges de. InCORPO e Fé no Corpo: re-
cordações em movimentos e falas poéticas. V Congresso Nacional de Pesquisadores em
Dança. Manaus: ANDA, 2018. p. 288-299. www.portalanda.
GREINER, C., AMORIM C. (Org.). O Corpo do Ator em Ação. In: leituras do Corpo. São Paulo:
Annablume, 2003.
LAPLATINE, François; TRINDADE, Liana. O que é imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1997.
LELOUP, Jean-Yves. O corpo e seus símbolos: uma antropologia essencial. Petrópolis, RJ: Vo-
zes, 1998.
LIGIÉRO, Zeca Corpo a corpo: estudos das performances brasileiras. Rio de Janeiro: Gara-
mond, 2011.
LODY, Raul. Jóias do Axé: fios de contas e outros adornos do corpo: a joalheria afro-brasi-
leira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
TAVARES, Júlio César de Souza. Dança da Guerra: arquivo e arma: elementos para uma
teoria da capoeiragem e da comunicação corporal afro-brasileira. Belo Horizonte: Nan-
dyala, 2013
AUTORIA
Tatiana Maria Damasceno
Universidade Federal do Rio de Janeiro
E-mail: tatidamaria@gmail.com
ORCID: 0000-0003-4941-6077
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0488607161700226
INTRODUÇÃO
O foco deste trabalho é discutir, a partir da influência da diáspora africana na
musicalidade brasileira, determinados conteúdos e métodos de transmissão de co-
nhecimentos utilizados em terreiros de Candomblé e em Baterias das Escolas de
Samba, observando como muitos dos elementos estruturais trazidos via diáspo-
ra negra foram ressignificados nas formações musicais dos conjuntos percussivos
dessas tradições. Focamos nas relações deste conhecimento herdado e como ele
se apresenta na Casa de Candomblé Angola Kyloatala e na Bateria do GRCSES Im-
pério de Casa Verde, em São Paulo.
Averiguamos também, de maneira geral, quais seriam as principais causas do
baixo nível de informação e reconhecimento das amplitudes destas influências,
tanto nesses próprios ambientes em particular, como no Brasil em geral. Utili-
zamos como principais referenciais teóricos trabalhos de Tiago de Oliveira Pinto
(2015), Rolando Fernández (1986) e Simha Arom (1991), que tratam da circulari-
dade de padrões rítmicos entre musicalidades diaspóricas, naquilo que se refere à
amplitude do entendimento da complexidade da construção polifônica a partir da
polirritmia e da melodia de timbres (conceito de ritmo como fenômeno multidi-
mensional) e de ZERBO (2010), sobre a oralidade.
Discutimos como questões estruturais musicais representam e determinam
comportamentos sociais específicos em busca de um território e de um reconhe-
cimento social maior, suportado pelo conhecimento ancestral oriundo de parte
do continente africano que é utilizado nas religiões de matriz afro e apropriado,
mantido e transformado nas metodologias artístico pedagógicas das Baterias das
Escolas de Samba.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
A partir da influência da diáspora - conteúdos e métodos de transmis-
são de conhecimentos
Consideramos que as Escolas de Samba são utilizadas como veículo de transmis-
são dos saberes oriundos anteriormente da diáspora para os terreiros, e sequen-
cialmente dos terreiros para as Baterias e outros setores. Rodolfo dos Reis (Tata
Kylonderu), Tata Nkisi, sacerdote principal do Kyloatala-Casa de Angola, relata que:
Notamos, neste último exemplo, o que é apontado por Fernández (1986) como
o processo de binarização dos ritmos ternários africanos na América Latina. Um
timeline ou clave que apresenta uma subdivisão ternária em colcheias é transfor-
mado em uma subdivisão quaternária em semicolcheias, mudando a subdivisão de
um sub-pulso ímpar para par, em um mesmo espaço no compasso e com um pulso
comum entre as duas possibilidades.
Observamos que, mesmo que estes locais sirvam de manutenção de uma cultu-
ra que possibilita oferecer certo sentido existencial e de pertencimento aos parti-
cipantes, através da performance musical, ocorre um certo desconhecimento das
particularidades essenciais que representam a herança diaspórica, assim como
uma falta de compreensão do conhecimento promovido dentro da Umbanda e
do Candomblé e o que esses representam para o Samba. Com base nas pesquisas
nos locais aqui investigados, identificamos as seguintes variantes relativas ao baixo
reconhecimento dessas influências:
1. algumas pessoas sabem da herança e a valorizam;
2. algumas pessoas sabem e querem esconder; e
3. algumas pessoas não sabem, apesar da herança aparecer corriqueiramente.
Pra mim é coisa de moda, ouvi falar das relações dos toques com
as batidas de caixa mas prefiro nem me meter nisso. Não posso
falar do que não entendo com clareza. Precisaria conversar com
alguém que é do movimento, que circula na religião e no samba.
(Silva, Dagoberto. Entrevista de Rafael Y Castro. 03/09/2019. Áu-
dio. Quadra do GRCSES Império de Casa Verde).
Vamos tirar o kipá porque o Pai não gosta que circulemos por aí
assim. Precisa dar uma disfarçada. Já tivemos algumas questões
no passado por causa disso. Na verdade, acho que não preci-
sa. O Pai mesmo disse que é preciso se defender. Só não pode
provocar. É importante evitar certos confrontos mas ser quem
somos sempre. (Costa, Carlos da. Entrevista de Rafael Y Castro.
Casa de Angola Kyloatala. Áudio. 01/08/2019).
Notamos que as duas descrições acima, reforçam tais preocupações por fatos
ocorridos. Da mesma forma que tenta-se ocupar o espaço com seus significados
ancestrais existenciais. A busca pelo reconhecimento da identidade e a possibilida-
de de expressar uma opção, uma filosofia de vida, uma outra forma de viver, que
reconecta aos saberes e sentidos oriundos da África, estes: desenvolvidos, amplia-
dos e transformados no Brasil, torna-se uma constante batalha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após identificar conexões entre os dois conjuntos analisados, naquilo que se re-
fere: a) à flexibilidade e similaridade do timeline (linha rítmica central) em proces-
sos iniciais de aprendizado e na construção de todo o arranjo da grade percussiva,
b) às células rítmicas comuns às duas tradições analisadas, c) à sistematização de
breques – convenções utilizadas nos arranjos das baterias (oriundos do conceito
de pergunta e resposta entre instrumentos – prática africana e afro-brasileira – e
d) à transmissão de conhecimentos com base na oralidade, concluímos que as prá-
ticas africanas nos conjuntos percussivos e os locais aqui analisados representam
a continuidade de uma cultura apropriada, mantida e transformada que, através
da performance musical, servem de manutenção de uma cultura que possibilita
oferecer certo sentido existencial e de pertencimento aos participantes. Apesar
disso, e considerando o fato de que essas duas comunidades são formadas, em
sua maioria, por indivíduos afro descendentes, notou-se um desconhecimento de
particularidades essenciais que representam tal herança diaspórica, independente
de apresentarem fortemente essa conexão em suas práticas. As principais razões
disso seriam: a) a tentativa de apagamento por meio da dominação de outras cul-
turas e etnias, b) a compreensão equivocada, por parte dos atores e do público
externo, das características e complexidades musicais existentes nesses grupos,
que têm como base, através de um padrão referencial dominador, aquilo esta-
belecido como uma cultura mais refinada e mais desenvolvida e c) o medo em
se comprometer com práticas desenvolvidas dentro de Casas de religiões afro e
REFERÊNCIAS
AROM, Sinha. African polyphony and polyrhythm: musical structure and methodology.
New York: Cambridge University Press, 1991.
INTRODUÇÃO
Uma cultura de celebração, positivação da imagem de mulheres e homens ne-
gros, ressignificação de uma fé colonizadora em um lugar de resistência; como uma
prática que atravessa os séculos os reinados se destacam por uma performatividade
singular onde louvar as rainhas e reis coroados e os santos canonizados se entrela-
çam.
Inicialmente como uma tradição que surge em um contexto de escravização
ao longo dos séculos a coroação de rainhas e reis negros atestam a renovação da
tradição nos contextos locais; mantendo entre outras questões uma inversão ainda
que temporária do poder performático em sociedades fortemente marcadas por
um passado escravista.
Embebida das concepções de uma organização dos povos negros de origem ban-
tu trata-se de uma complexa organização cultural que com diversas ramificações e
tipologias se firmam em inúmeras regiões do Brasil. Para esse artigo nos interessa
pensar a tradição de maneira mais ampla oferecendo uma ideia geral sobre os mi-
tos fundadores, organização das guardas e expressões de corporalidades negras.
Para essa reflexão ancoro-me em minhas experiências pessoais como perten-
cente a essa tradição a partir da guarda de congo de Padre Pinto - Caxambu em
Minas Gerais onde por vezes me coube o lugar de princesa, herança herdada pela
rainha conga Sá Mena (in memoriam) minha bisavó.
Proponho ao leitor um mergulho por águas que levam até uma tradição de ma-
triz afro- brasileira com moldes e contornos próprios e ainda pouco compreen-
didos. Trata-se de uma celebração festiva que não se resume, portanto, em sua
manifestação performática para o público, mas antes, porém, produz dinâmicas
sociais únicas e ressignifica as estanques noções de identidade cultural.
O MITO
Que é lindo de se ver ninguém duvida, colorindo as ruas as cortes negras mar-
cham entoando cantos de louvação ao sagrado. Em geral fazem parte das tradições
de suas vilas, quilombos e cidades, há uma lógica em toda essa procissão cantada e
dançada; a festa grande como é chamada é um rito do qual antecede muitas outras
preparações.
FUNDAMENTOS
Os reinados em sua diversidade também conhecidos como congado, catupé, ca-
boclinhos, marujadas dentre outras inúmeras linguagens regionais dispõe de uma
complexa organização interna onde embora cada guarda ou terno tenha a mesma
origem; algumas de suas disposições internas são independentes se constituindo
como uma nação única. (BRASILEIRO, 2001, p. 14)
Entre as premissas básicas dessa tradição cultural se encontra a reverência aos
antepassados onde diferente de algumas tradições yorubanas essa antiguidade
não se celebra através dos deuses; nesse caso seguindo os fundamentos bantu a
vênia dirige-se àqueles que viveram entre nós e são celebrados em sua humanida-
de e importância para aquela comunidade.
Fica evidente o caráter familiar desse legado cultural onde os principais funda-
mentos se propagam a cada geração e se mantém vivo através das oralituras, tomo
como o empréstimo o conceito de Leda Maria Martins (1997) para frisar o quanto a
memória se constituiu a única bagagem do negro escravizado que cruza o atlântico
e trata tanto de guardar essas informações, quanto de adaptá-los à realidade em
que passarão a viver.
Refuto, porém, a ideia de compreender os reinados e sua prática de um cato-
licismo negro com algo sincrético entendendo o sincretismo a partir de todas as
concepções negativas associadas a esse conceito. Visto sempre como um aspecto
colonizador e de aculturação dos povos tradicionais a esteia em que se concebe
Salve Maria!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LUCAS, Glaura. Tempo e música nos rituais do Congado mineiro dos Arturos e Jatobá. Tese
de Doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005.
MARTINS, Leda Maria. Afrografias da memória. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997.
MARTINS, Leda Maria. A oralitura da memória. In: FONSECA, Ma. Nazareth S. (org.) Brasil
Afro-Brasileiro. Belo Horizonte, Brasil: Autêntica, 41-59, 2000.
OLIVEIRA, David Eduardo de. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia
afrodescendente. Fortaleza: Lcr, 2003. 182 p.
SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação
de Rei Congo. Belo Horizonte: Editora UFMG. (2002).
AUTORIA
Dayane Nayara Conceição de Assis- Nzinga Mbandi
Doutorando do Programa Interdisciplinar Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo –
UFBA/ Bolsista FAPESB
E-mail: ladaiane@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2646641025063825
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo apresentar alguns resultados da investigação re-
alizada durante a conclusão da graduação em Relações Públicas, sobre o RAP em
Belo Horizonte - Minas Gerais, voltada especificamente para compreender a au-
sência dos artistas do gênero nas principais rádios de sua própria cidade. A pesqui-
sa buscou responder quais são os principais motivos que fazem com que as músi-
cas desses artistas não serem reproduzidas nas principais rádios da capital mineira.
Perguntou-se, também, neste estudo, o que pensam esses artistas sobre a au-
sência de suas músicas nas rádios de sua própria cidade. Espera-se identificar na
visão dos músicos, o que seria necessário para maior veiculação de suas produções
nas rádios locais. A hipótese inicial desta pesquisa defendia a ideia de que o RAP
é gênero musical discriminado por sua origem nos movimentos negros estaduni-
denses.
Ao aprofundar os estudos sobre o tema, foi possível compreender o RAP como
uma estratégia de resistência negra. Segundo Guimarães (2012), alguns estilos mu-
sicais mostram uma imagem romantizada e harmoniosa de país, o que é contesta-
do pelo RAP.
Uma das indagações sobre essa não reverberação do RAP me ocorre ao analisar
o cenário musical desta cidade que ficou conhecida por sediar a Final Nacional do
Duelo de MC´s (maior competição do gênero no país); por revelar alguns dos prin-
cipais artistas da considerada nova geração no país, como: Djonga, FBC, Sidoka,
Clara Lima, Hot e Oreia, Chris Mc e que, mesmo obtendo destaque na cena e tendo
muitos fãs, esses artistas não tocam nas rádios de sua própria cidade .
OS SUJEITOS
FBC Fabrício FBC, nasceu e foi criado na região metropolitana de BH. É um dos
maiores campeões do Duelo de MCs e transita por vários coletivos da cidade, ge-
rando frutos importantes, como o projeto Mestre Sem Cerimônia, do Coletivo Fa-
mília de Rua. Principais lançamentos: 2013
– álbum C.A.O.S; 2018 - álbum S.C.A; 2019 - álbum Padrim e, em 2020, álbum Best
Duo.
MAC JÚLIA Compositora desde os 12 anos, a artista Mac Júlia carrega as influências
do skate e da pichação. Hoje mescla as vivências da tinta nos muros e da poesia
rítmica das ruas de Belo Horizonte. Em 2019, a artista lançou a Sextape: Love Me
Two Times, e, em 2020, a artista lançou o EP $imbio$e.
VINICIN MC Vinícius de Andrade Lima, como consta nos documentos, foi batizado
nas ruas como Vinicin. Criado na Zona Norte de Belo Horizonte, o artista iniciou sua
trajetória no Duelo de MC’s e através de versos certeiros e pela interpretação única,
o artista lançou em 2016 seu álbum Vivenciar, que possui mais de 10.000 discos
vendidos.
FBC
Eu acredito que essa ausência também acontece, mas por desinteresse meu e
também por direcionar o meu investimento para outros lugares, né. A gente dire-
ciona
mais o investimento para o YouTube, trabalhando com clipes, né. Mas eu acre-
dito que para tocar nas rádios se deve pagar um dinheiro, não? Como é que fun-
ciona? Eu não sei. Nunca parei para ligar para um escritório de alguma rádio para
falar sobre a música sabe? Mesmo a minha música atingindo milhões e milhões de
visualizações nenhuma rádio me procurou. O problema é que eles pegam alguns
artistas que estão ficando grandes e colocam eles para dentro do sistema para
que continue funcionando, mas eu entendo que as rádios ainda rendem um bom
dinheiro para os artistas e que a propaganda gira isso tudo.
Hot e Oreia
Eu sinto que nossa música poderia estar lá, né, se a gente tivesse uma maior
concentração para isso. Mas mesmo não estando lá a gente fica feliz porque ela tá
se virando de outras formas, né. São as formas que estão mais ligadas a nós hoje
em dia que é, Spotify, You Tube, shows... que é onde a molecada tá. Mesmo assim,
mesmo com tudo isso mesmo com plataformas gigantes pagas ou grátis, a rádio
ainda é gigante, né? Se não for maior aí eu não sei, mas é muito grande. Então seria
bom tá lá, mas nós não ficamos tristes, nem felizes está normal.
Well
Hoje em dia, indiferente. Não é algo que me abala... seria legal, mas eu entendo
que o contexto é outro, tá ligado? São universos diferentes.
Se existisse uma rádio especializada em Rap, se não tocasse meu som eu ia fi-
car muito triste, eu ia ficar realmente muito triste se tivesse uma rádio tipo a BBC
que tem em Londres e eu não fosse lá mandar uma música ao vivo eu ficaria muito
triste. Mas como a rádio... como eu disse anteriormente é estruturada para que
a maioria do público consome. Ou ele é tendenciosamente obrigado a consumir.
Minha música não tem espaço ali, mano, porque eu percebi isso uma vez que eu
fui tocar numa festa de um mano que gostava muito do meu som. Só que ele
Mac Júlia
É complicado né! Muito complicado nesse quesito então eu ouvir minha música
na Rádio Educativa UFMG umas duas vezes e foi de uma tremenda felicidade para
mim. Muita gente me chamando, me mencionando. Nossa acabei de te ouvir esta-
va aqui no trânsito. Então de certa forma eu me sinto desvalorizada não só eu, mas
eu acredito que vários artistas. Por estar ativa trabalhando, principalmente nesse
tempo de quarentena, não ter parado de trabalhar e ausência das minhas músicas
nas rádios, nos programas, nas entrevistas, isso me causa um pouco de ansiedade.
Não vou falar, não vou falar tristeza ou revolta, mas, principalmente, ansiedade
mesmo por estar trabalhando muito, Tá com planos e acabar vendo que as minhas
músicas talvez não estão chegando para um público que não é só o que eu já tenho
e isso me impossibilita de expandir meu público e isso faz com que eu me sinta
desvalorizada, né?
Tamara Franklin
Não sei se rola bem o sentimento não tive tempo de sentir alguma coisa, é tanta
correria. Eu acho que o corre é tão louco que a gente acaba focando um pouco mais
em onde a gente vê possibilidade, sabe. Por exemplo, na internet, eu tenho a possi-
Vinicin
Para ser sincero, eu não tenho sentimentos a respeito disso porque eu nunca es-
perei. Por acompanhar esse histórico de outros artistas que vieram do meu gênero
que só começaram a tocar em rádio quando eles começaram a trabalhar com outros
artistas de outros gêneros e quebraram essa barreira que ainda é muito grande. Eu
acredito nisso que se a gente ficar esperando um artista mediano, ficar nessa expec-
tativa de que música vai tocar em rádio, criar um sentimento de que a música vai to-
car em rádio é algum tópico, porque os artistas que tocam em rádio ou eles já fazem
aquela música que já é pré-definida como popular e tal que já tem uma aceitação
muito grande né pela sociedade que alguns gêneros como sertanejo. Então, um ar-
tista de rap, se criar essa expectativa aí, é uma perda de tempo, porque não existe
diálogo não tem a oportunidade. Para o artista de rap tocar a rádio ele vai ter que
trabalhar com artistas de outros gêneros até que a rádio se sinta segura para tocar a
música dele no sentido de que a aceitação vai ser muito maior do que eles esperam.
ANÁLISE
A partir dos relatos dos artistas, percebe-se que há um distanciamento entre
as rádios comerciais e eles. Devido a esse distanciamento, os artistas acabam “op-
tando” em desenvolver os seus trabalhos em outras plataformas, principalmente
digitais. Os rappers percebem também a necessidade de se destacar nacionalmente
para ter acesso às rádios. E para isso percebem que terão de fazer trabalhos com
artistas de outros gêneros e fazer um som mais pop, que agrada a galera.
Como disse a Tamara Franklin “é uma corrida mesmo por sobrevivência, né, por-
que eu preciso fazer meu corre, eu preciso fazer minha arte, preciso gerar uma gra-
na com isso. Eu preciso fazer chegar nas pessoas porque senão eu não pago minhas
contas”.
CONCLUSÃO
O objetivo deste artigo foi apresentar o resultado da minha pesquisa de conclu-
são de curso que buscava compreender os fatores que explicam a ausência dos
Rappers belo-horizontinos nas rádios de sua própria cidade.
Para conseguir responder ao que me interessava, realizei seis entrevistas se-
miestruturadas com os/as rappers: FBC, Hot e Oreia, Well, Mac Júlia, Tamara
Franklin e Vinicin.
Como conclusão, verifico a partir das entrevistas, que o Rap não está nas rádios
porque há um distanciamento entre o que se propõe as rádios e as mensagens
contidas nas letras do Rap. Ainda há resistência a esse gênero musical por causa de
sua origem negra, como afirmam alguns dos entrevistados.
Após ouvi-los foi possível perceber que eles e elas não se sentem frustrados
pela sua ausência nas rádios de sua cidade, como eu imaginei no início da pesquisa.
Eles estão buscando outros meios de divulgação de sua música, mas reconhecem o
rádio como uma ferramenta de comunicação potente.
REFERÊNCIAS
CASSEANO, Patrícia; DOMENICH, Mirella; ROCHA, Janaína. Hip Hop. A periferia grita. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
DAYRELL Juares. CAROLINE Áurea. Comunicação e mobilização social. In: LIMA, Rafaela
(org.) Mídias Comunitárias, juventude e cidadania. 2. ed. Revisada e atualizada – Belo
Horizonte: Autêntica. p. 287-300, 2006.
DEE, Roger. Três décadas de Hip-Hop em BH. In: Beltrano, 2016. Disponível em Três déca-
das de Hip hop em BH PARTE 1 – disponível em https://www.obeltrano.com.br/portfolio/
tres-decadas-de-hip-hop-em-bh/
HERSCHMANN, Micael. O funk e o Hip Hop invadem a cena. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000
LOPES, Valéria de Siqueira Castro; PENAFIERI, Vânia. Opinião e pesquisa: instrumentos de
orientação e avaliação. In: [S.l: s.n.], 2011. LOPES, Valéria S. de Castro; PENAFIERI, Vânia.
Opinião e pesquisa: instrumentos de orientação e de avaliação. In: FARIAS, Luiz Alber-
to (Org.). Relações públicas estratégicas: técnicas, conceitos e instrumentos. São Paulo:
Summus, 2011.
PIMENTEL, Spency. O livro vermelho do Hip Hop. São Paulo: Escola de Comunicação e
Artes da USP, 1997. (Trabalho de conclusão do curso, inédito)
Rodrigues, José Humberto O movimento Hip-Hop e os Duelos de MCs em Belo Horizonte:
conexões de saberes através da disputa rimática. Belo Horizonte: UEMG, 2015. 179 f.: il.
RIGHI, Volnei José. RAP: RITMO E POESIA Construção identitária do negro no imaginário
do RAP brasileiro. Tese de Doutorado com Convenção de Co-tutela Internacional de Tese-
Universidade de Brasília UnB, Université Européenne de Bretagne/Renne, 2011.
ROLLING STONE. Racionais MC’s estão na capa da edição de aniversário da Rolling Stone.
In: Rolling Stone. São Paulo, 2013. Disponível em: https://rollingstone.uol.com.br/noticia/
racionais- mcs-estao-na-capa-da-edicao-de-aniversario-da-irolling-stone-brasili/. Acesso
em: 10 de mai 2020.
SAID, Camila do Carmo. Minas da Rima: jovens mulheres no movimento hip-hop de Belo
Horizonte Belo Horizonte Faculdade de Educação Universidade Federal de Minas Gerais
2007.
TEPERMAN, Ricardo. Se liga no som; as transformações do rap no Brasil. São Paulo: Claro
Enigma, 2015.
TRIUNFO. Documentário desenvolvido por Canal Aberto Produções. São Paulo, 2016. Ci-
nebiografia de Nelson Triunfo. Disponível em: Acesso em: 04abr de 2020.
AUTORIA
Vítor Gonzaga dos Santos
FLACSO Faculdade Latina-Americana de Ciências Sociais
E-mail: vitorgonzaga38@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9395352181153340
Cacurucaia eu tô
Perengando eu tô
Mas não posso morrer
Ê, salve o Rosário
Ê, minhas Santas Almas, benditas
Ê, me salve todos jongueiros
Oh, Deus vos salve o Cruzeiro das Almas
Meu povo banto1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho reflete as considerações parciais resultantes do processo
de construção da dissertação, em andamento, sobre o legado afro-banto no can-
cioneiro brasileiro, que encontra, na oralidade, presença legítima de produção de
conhecimento. LOPES, (2008, p. 93) nos alerta:
APORTE TEÓRICO
Para dialogar com nossa voz, os conceitos de Oralitura, cujo objetivo é conver-
ter a oralidade enquanto transmissora una de informação em indício documental
através da registração escrita e a escrita corporal apresentados pela pesquisadora
e ensaísta Leda Martins (2002); de epistemicídio, pela perspectiva da filósofa Sue-
li Carneiro (2005) e a contribuição de elementos musicais africanos de Mukuna
(2006) resultante de uma extensa pesquisa músico-cultural em tribos, como a dos
Bakongo, na África subsaariana. Também nos propomos a estabelecer diálogo, no
contexto léxico musical, com os trabalhos do músico e pesquisador Nei Lopes que
tem uma robusta pesquisa sobre o povo banto no Brasil a partir do levantamento
realizado a respeito deste vocabulário. Para o léxico nas canções que foram reco-
lhidas, propriamente dito, embasaremos nos aportes linguísticos resultantes das
línguas africanas em contato com o português europeu, como referendado na obra
de Yeda Pessoa de Castro (2005).
METODOLOGIA
Como metodologia utilizamos a etnografia dentro da Casa do Jongo. Observan-
do, as rodas de jongo (onde a parte musical e performática ocorre); as hierarquias
e ordenações internas; as interações dos realizadores, colaboradores, voluntários
e demais eventos. Foi perfeitamente possível e feliz a ação-participativa na casa.
Fizemos entrevistas semiestruturadas e gravações em áudio destas. Registros foto-
gráficos e de vídeo foram realizados, tanto das rodas quanto das interações sociais.
Como também consultas em produções acadêmicas. Para melhor sistematização
e organização optamos pela construção de uma tabela com os eventos realizados
na Casa do Jongo que acompanhei – tanto como ouvinte, como participante – e
de onde foram coletados os materiais sonoros, visuais e informativos para a pes-
quisa. O processo de registro áudio-visual na Casa do Jongo foi muito tranquilo, o
grupo está habituado a permitir imagens, conceder entrevistas e afins. Quanto aos
registros externos, foram pouquíssimos, pois exigia uma precaução por conta da
questão do tráfico no local. Para as fotografias e gravações os equipamentos usa-
dos foram um smartphone Iphone 6S – com auxílio de um mini tripé, na maioria
das ocasiões – uma câmera semi profissional Nikon D3200 e um microfone Rode.
A triangulação do material recolhido, com a literatura específica sobre o Jongo da
Serrinha e os testemunhos dos realizadores da tradições foi de valor primordial.
Aqui no Brasil, o povo banto se tornou conhecido por denominações muito am-
plas, principalmente congos e angolas, que trazem em si várias etnias e línguas
distribuídas entre os atuais territórios dos Congos e de Angola, (CASTRO, 2005, p.
34). Portanto identificaremos a robusta presença linguística de congo-angola no
português brasileiro.
O jongo, expressão musical de escravizados em áreas de plantio de café e cana
de açúcar, também chamada de dança de umbigada, foi detectada e catalogada
por vários pesquisadores como ARAÚJO (1964); CARNEIRO (1982); KUBIK (1990) e
um outro traço identificado foi a incidência de testemunhos afirmando a ancestra-
lidade em Angola, como também vocabulários em quicongo, por exemplo.
Em nossa pesquisa e análise lexical/vocabulário foi tomado por material o re-
pertório do Jongo da Serrinha.
RESULTADOS E ANÁLISE
Tomamos como material para as análises lexicais/vocabulário termos presentes
nas cantigas dos repertórios dos dois ritos: o CD Jongo da Serrinha (2002). As pre-
sentes análises levaram em conta o recorte da competência simbólica dos termos
banto e expressões como palavras-chave de força e significado que podem assumir
nos rituais e nas demais transmissões nas comunidades.
CD JONGO DA SERRINHA
Caxambu - Kik./Kimb
Espécie de Membrafone, atabaque.
kizungu, kazungu
Tabela 1-Termos banto identificados nos materiais analisados. Ver dicionário (CASTRO, 2005)
REFERÊNCIAS
GANDRA, Edir. Jongo da Serrinha: Do terreiro aos palcos. Rio de Janeiro: GGE-Giorgio Grá-
fica e Editora / UNI-RIO, 1995.
GREENBERG, Joseph Harold. Language, culture and communication. In: DIL, Anwar Sae-
ga (org.). Essays by Joseph H. Greenberg. Stanford, California: Stanford University Press,
1971.
LOPES, Nei. Bantos e malês e identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
ARTIGOS EM REVISTAS
DISSERTAÇÕES E TESES
CAMARA, Andréa Albuquerque Adour. Vissungo: o cantar banto nas Américas. 191 f. Tese
(Doutorado Faculdade de Educação) – UFMG, Belo Horizonte, 2013.
AUTORIA
Ana Daniela dos Santos Rufino
UFRJ
E-mail: anadanirufino@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3089785123426262
INTRODUÇÃO
O Brasil é um país racista, devido esse racismo o negro encontra inúmeras des-
vantagens em relação ao branco, sendo que este sempre apresenta em condições
desfavoráveis nas escolas, empregos, saúde, moradias e entre outros espaços so-
ciais.
Conforme Gomes (2005) as inciativas de combate ao racismo têm se propagado
ultimamente em alguns espaços escolares devido a práticas adotadas por alguns
educadores e o desenvolvimento de atitudes antirracistas, porém, muito ainda fal-
ta para superar essa realidade, é preciso envolver toda sociedade, pois não é papel
apenas da escola essa responsabilidade de combater a discriminação. Esta tarefa
deve ser realizada em conjunto entre: escola, ambiente familiar e espaço social. No
ambiente educacional a ainda muito a ser feito.
Neste viés, percebemos que há uma necessidade de formação de indivíduos
críticos e que sejam conhecedores dos direitos civis, políticos e sociais. Entretanto,
torna-se de fundamental importância uma reflexão, sobre a presença das desigual-
dades na sociedade e, principalmente, dentro do ambiente escolar, por parte dos
profissionais da educação. Munanga (2012) na sua obra “Usos e sentido” trata bem
sobre esta realidade em que o negro se encontra com estas desvantagens, pois há
alguns que acreditam que:
Contudo Chaves (2008) nota que há algumas pessoas que não se preocupam em
dar maior espaço aos negros, tampouco com a imagem positiva do povo negro, só
pensam em si mesmos e na expansão de seu capital financeiro.
Para Araújo (2000) a mídia apresenta o branco como um padrão social, fazendo
com que os demais sejam consumidores dessa ideologia como algo a ser seguido,
ou seja, já se tem um perfil dominante no espaço comunicativo, a imagem branca,
que entre várias situações encontra-se em ambiente dominantes, reforçando sua
posição ao longo da história. É
ressaltado por Araújo que quando propõem inserir as pessoas negras, isso aca-
ba acontecendo de forma reconstituída, imitando o padrão da sociedade brasilei-
ra, fazendo um branqueamento, onde estes negros que adquirem seus espaços
acabam se adequando ao perfil de um branco.
Mediante aos diálogos de Araújo (2000) concebeu que a forma que o negro é
representado em telenovelas é estereotipada e estas imagens que são apresen-
tadas causam certos incômodos aos telespectadores e aos grupos que lutam con-
tra estas ações. Uma vez que estes sujeitos discutem que quando se pensa em
telenovelas, jamais se consegue associar o negro em um papel de destaque, na
maioria das vezes ele aparece como coadjuvantes nos filmes, telenovelas, entre
outros. Interessante observar que essa população compõe a maior parte da socie-
dade brasileira e deveria estar em outros papéis que não fosse de forma subalterna
aos brancos, mas sim em posições que permitissem a mudança de postura desta
sociedade racista.
Chaves (2008) e Araújo (2000) enfatizam bastante a falta de representação dos
povos afrodescendentes nas mídias e coloca a culpa nos meios de comunicação por
exercer este papel influenciador, não agindo de modo que valorizem a cultura do
negro nos espaços comunicativos.
Nota-se de forma tímida a inserção de negros na mídia brasileira, tendo uma
maior participação em propagandas. Isso possivelmente não significa um avanço
na luta contra discriminação racial, mas sim podemos identificar que seja o mer-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises feitas identificou-se o termo racismo, que ficou evidencia-
do nas abordagens feitas nas obras de Munanga (2012) na sua obra “Usos e senti-
do” e Schawrcz (1999) “Nem Preto Nem Branco, Muito Pelo Contrário: Cor e Raça
na Intimidade”. Ambas as obras demonstraram o segregacionismo (separação de
raças), as quais dão sentido na existência de uma raça superior, e seguidamente,
apontam para uma desigualdade das raças humanas. Racismo é a convicção sobre
a superioridade de determinadas raças, com base em diferentes motivações, em
especial as características físicas e outras descrições do comportamento humano.
Consiste em uma atitude depreciativa não baseada em critérios científicos em re-
lação a algum grupo social ou étnico.
No Brasil, mesmo com um racismo evidente, há dificuldade na definição de
raça, pois neste país com grande nível de miscigenação, há pessoas discriminadas
como negros, índios, mestiços e entre outras (os), porém não são identificados
racialmente como tal, pois as ideologias do branqueamento forjavam uma nação
branca, ou seja, por determinado tempo tentou-se a eliminação desta raça negra,
uma vez que a sociedade dominante concebia a raça negra como algo intolerável
a sua classe.
SCHAWRCZ (1999) ressalta que os mais terríveis atos de racismo institucionali-
zado são a perseguição sistemática e o extermínio físico (genocídio, limpeza étnica
e tortura), como ocorreu na Alemanha nazista com o povo judeu e, mais recen-
temente, na antiga Iugoslávia e em Ruanda, entre outros países. Este momento
de eliminação das raças supostamente inferiores é visto de forma intolerável pela
autora, sobretudo que estas raças não brancas não eram admissíveis à sociedade
que se preocupava em ter somente uma raça, a branca. Vale ressaltar que estudos
têm sido feitos sobre esta concepção do termo de racismo.
Com base nos discursos que foram e continuam sendo realizados nos mais va-
riados contextos, a presente pesquisa possibilitou uma mudança na forma como
compreendemos a questão do racismo nos meios midiáticos e na sociedade. Me-
diante isso, é perceptível que o senso crítico se tornou mais aguçado, pois, não
tínhamos a percepção de que as práticas racistas no futebol se configuravam como
um crime, e que afetava a integridade dos povos negros.
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: O Negro na Telenovela Brasileira. Editora Senac,
São Paulo, 2000.
CHAVES, Maria Laura Barbosa. O negro na mídia brasileira. Monografia. UniCeub – Cen-
tro Universitário de Brasília. 2008.
GOMES, Nilma Lino. Educação e Relações raciais: Refletindo Sobre Algumas Estratégias
de Atuação. IN: MUNANGA, Kabengele (Org). Superando o racismo na escola. [Brasília]:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
2005.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem Preto Nem Branco, muito pelo contrário: cor e raça na
intimidade. História da vida privada no Brasil, Companhia das Letras. S.P 1999.
SILVA, Maria Aparecida (Cidinha) da. Formação de educadores/as para combater ao racis-
mo: mais uma tarefa essencial. ¬¬– in: Racismo e anti-racismo na educação: representa-
do nossa escola/ Eliane Cavalleiro (organizadora). – São Paulo: Summus, 2001.
SILVA, Martiniano José da. Racismo á brasileira: raízes históricas: um novo nível de refle-
xão sobre a história social do Brasil / Martiniano José da Silva – 3. Ed.- São Paulo: Editora
Anita, 1995.
AUTORIA
Rander de Souza Ferreira
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis.
E-mail: randersouza2013@outlook.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6004-3673
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3828407177776902
4 A sinestesia é uma figura de linguagem. Ela está associada com a mistura de sensações
relacionadas aos sentidos: tato, audição, olfato, paladar e visão. Sendo assim, essa figura de lingua-
gem estabelece uma relação entre planos sensoriais diferentes. Para o Teatro do Oprimido sinestesia
é o exercício de transformar a palavra em imagem, a imagem em som, o som em palavra e assim por
diante. Traduzir uma sensação em outra sensação.
Figura 2. Fonte: Acervo pessoal Cachalote Mattos, Print da tela, da esquerdar pra direita e de cima
pra baixo: Carol Netto, Bárbara, Santos, Maiara Mendonça, Cachalote Mattos, Eloana Gentil, Fer-
nanda Dias, Gabriel Horsth, Rachel Nascimento Claudia Simone, Alessandro Conceição.
Figura 3. Fonte: Acervo pessoal Cachalote Mattos, Print da tela, da esquerdar pra direita e de cima
pra baixo: Carol Netto, Claudia Simone, Alessandro Conceição, Bárbara, Santos, Eloana Gentil,
Cachalote Mattos, Fernanda Dias, Maiara Mendonça, Rachel Nascimento Nascimento.
CONSIDERAÇÕES FUTURAS
Representatividade negra na mídia, no cinema, no áudio visual, no teatro e
em todos os setores da sociedade no Brasil e no mundo é fundamental para criar
a possibilidade imagética de projeção de futuro para o povo negro. A proposta
do Movimento Cor de Anastácia é realizar o trabalho cênico a partir e através do
pensamento multidisciplinar artístico-político no teatro, em diálogo com música,
moda, dança, cinema, literatura, artes plásticas, filosofia, fotografia e na ciência.
Fortalecendo as perspectivas direcionais feminista negra, o Movimento Cor do Bra-
sil se transforma em Movimento Cor de Anastácia. Em plena atividade em tempo
de pandemia de COVID-19. Pesquisando um teatro que por necessidade de isola-
mento já nasce registrado, se o nome desta ação é cinema, teatro on line ou outra
nomenclatura podemos decidir. O importante é a dimensão estético/político do
que foi construído. Para que sigamos vivos e ocupando palcos, mesas de debates,
conferências, coordenações e direções de Ongs, empresas, hospitais, escolas de
samba, bancos de universidades, docências em universidades, departamentos aca-
dêmicos, reitorias, terreiros de candomblés e umbandas, púlpitos e ministrações
de igrejas, rodas de samba, rodas de Slam, rap e todo lugar que nós quisermos:
futuros do pretérito e presente dos futuros.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Sílvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento,
2018. BOAL, Augusto. A Estética do Oprimido, Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
BOAL, Augusto. Jogos Para Atores e Não Atores. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006.
BOAL, Augusto. O Arco- Íris do Desejo: Método Boal de Teatro e Terapia. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2012.
COLLINS, Patrícia Hill. Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness, and the Politics
of Empowerment: Nova York: segunda edição, Routledge, 2000.
SANTOS, Bárbara. Teatro do Oprimido Raízes e Asas - Uma Teoria da Práxis. Rio de Janeiro:
Ibis Libris, editora, 2016.
SANTOS, Bárbara. Percursos Estéticos, imagem, som ritmo, palavra - Abordagens originais
sobre o Teatro do Oprimido. São Pulo: Padê, editora, 2018.
SANTOS, Bárbara. Teatro das Oprimidas - Estéticas feministas para poéticas políticas. Rio de
Janeiro: Casa Philos, editora, 2019.
WILLIAM, Rodney. Apropriação Cultural. São Paulo: Pólen, 2019. Links: Manifesto Estético
a Violência nos Violenta: disponível em: https://youtu.be/KAQTosx91p4 https://youtu.be/
EaG1FIXh8bo https://youtu.be/vbXZcTD6c6U https://youtu.be/lLIcCrZfuXU
AUTORIA
Christiano Cesar Mattos Dias (Cachalote Mattos)
UERJ
E-mail: cacha_rj@hotmail.com
ORCID: 0000-00026525-1781
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3250544213303304
INTRODUÇÃO
Este trabalho aborda a condição da subalternidade da mulher negra a partir do
exame do filme “A Negra De...”, do diretor senegalês Ousmane Sembène. O filme,
com sua paleta bicolor, apresenta uma dualidade do feminino, expresso por meio
de uma sobreposição da imagem de uma mulher branca à de uma mulher preta.
Deste modo, constrói uma leitura do colonialismo como plano de fundo. Na nar-
rativa a senegalesa Diouana se submete a uma imigração compulsória por coesão
econômica, ludibriada pelo oportunismo de mobilidade social e a suposta bondade
da branquitude. A imagem de benevolência obtida por Diouana logo em seguida é
desconstruída pela instauração de uma releitura escravista, atrelada à domestifica-
ção e coisificação da protagonista. Com base em pesquisa bibliográfica proponho
um exame das interligações da subalternidade roteirizada e da realidade da mulher
negra na contemporaneidade. Para tanto, analiso o simbolismo imagético da inter-
seccionalidade, as discrepâncias discursivas do pensamento pós-colonialismo e as
práticas condicionadas ao trabalho doméstico.
O retrato da subalternidade apresentado pelo diretor senegalês Ousmane Sem-
bène é convite a reflexão da interseccionalidade, o filme a “A Negra de...” do ci-
neasta considerado o fundador do cinema negro africano, podemos observar a
trajetória de Diouana, uma jovem senegalesa que foi levada à França pelos patrões
que a empregavam em Dakar, as interface do colonialismo permeia o roteiro de
forma contundente, além de apresentar as discrepância entre a imagem do femini-
no branco e o negro, evidenciando a opressão relacionada a raça e classe, visto que
mesmo mediante a interligação de gênero, podemos observa disparidade, como
ressalta Albuquerque (2005) “Apesar de em determinadas relações todos os sujei-
tos em interação serem mulheres, umas detêm mais poder do que outras e é essa
assimetria de poder”.
A lógica simbólica da violência atrelada ao trabalho doméstico de uma africana
em um processo migratório em 1966 sistematizada pela a obra, não se difere da
realidade de mulheres negras em diásporas na atualidade, como no Brasil, onde
as mulheres negras compõem a maioria de trabalhadoras doméstica, segundo
IPEA(2019) cerca de 3,9 milhões ou seja 63%, e mesmo com conquistas pontuais
como a de 2013, onde a PEC 66 foi aprovada, transformando em lei as reivindica-
ções de empregadas domésticas, que há décadas lutavam por direitos trabalhista,
práticas abusivas ainda são vista de forma corriqueira.
SOBREPOSIÇÃO IMAGÉTICA
Ousmane Sembène é considerado um dos grandes representantes da primeira
geração de cineastas na África francófona, que de acordo com Thackway (2003,
apud Oliveira, 2015) tem como características uma produção marcada por três te-
máticas; “Identidade cultural, representação e voz”. O cineasta senegalês optou
por uma abordagem de interesse coletivo, o que contribui para compressão da his-
tória e da cultura africana.
Segundo Gomes (2013) “A perspicácia e audácia em retratar, logo após a inde-
pendência, temas delicados e que questionavam as nefastas consequências causa-
das à cultura africana pelos colonizadores”. Foi o que o encaminhou ao reconheci-
mento internacional, através do prêmio Jean Vigo, auferido após a apresentação do
seu primeiro longa-metragem La Noire de... no Festival de Cannes em 1966.
A narrativa fílmica apresenta o pós-colonialismo como plano de fundo, deixando
em evidencia pontos que geram uma provocação a compreensão de como se deu
a reorganização territorial e subjetiva de uma sociedade recém independentes. As
contradições de um discurso de autonomia sociopolítica e as práticas colonialista,
incita a um questionamento: Até aonde de fato ocorreu uma ruptura colonial?
A nova roupagem do colonialismo e as relações de poder da década de 60, é
exibida em uma sobreposição imagética, onde os lugares sociais são bem definidos,
em uma extremidade temos a branquitude como voz hegemônica, que por hora se
camuflar ao discurso progressista, mas que reestrutura formas de dominação, e
no outro extremo temos a outridade, e o desejo de transgredir a “predestinação”
a subalternidade. Tona-se notável que mesmo como o termino formal do colo-
nialismo, o sujeito pós-colonial recebeu como herança a ansiar pela submissão, e a
Se fui contratada para ser babá por que estou passando, esten-
dendo a roupa, limpando toda a casa, comprando pão, levando
a criança na escola e cozinhando?... Por que faz uso do prono-
me possessivo para se referir a mim quando conversa com outra
pessoa: “É minha empregada...”? (ALMEIDA, 2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diálogo do contexto da produção fílmica com a temporalidade em que a obra
está sendo vista, faz-se necessário para educação para uma consciência crítica, vis-
to que nos leva a confrontar as dimensões de uma possível cumplicidade com a
lógica de dominação personificada na sustentação das imagens de controle, teias
de opressões que enclausuram mulheres negras na base da pirâmide social.
A ruptura sistemática e a autorecuperação só é possível com o reconhecimento
da complexidade multidimensional da violação da identidade de mulheres negras,
pensar criticamente no reflexo que uma narrativa pós-colonial tem na contempo-
raneidade, torna-se essencial para o desenvolvimento de teorias de compreensão,
REFERÊNCIAS
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução: Heci Regina Candiani. 1 ed. São Paulo:
Boitempo, 2016.
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Texto para discussão. Brasília, 2019. Dis-
ponívelem:https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=arti-
cle&i d=35231&Itemid=444. Acesso em: 02 jul. 2020.
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São
Paulo; Editora Cortez. 2009.
SILVA, Fernanda Dorneles da. Histórias cruzadas e a movimentação social feminina negra
pelos direitos civis nos EUA nas décadas de 1950 e 1960. Monografia Graduação em Histó-
ria – Universidade do Vale do Taquari - Univates, Lajeado, jun. 2015. Disponível em: http://
hdl.handle.net/10737/839. Acesso 03 de dez de 2019.
SOJOUNER, Truth. E não sou uma mulher? – Sojourner Truth. Tradução de Osmundo Pi-
nho, Geledés, 8 jan. 2014. Disponível em: https://www.geledes.org.br/e-nao-sou-uma-
-mulher- sojourner-truth/. Acesso em: 21 jun. 2020.
AUTORIA
Sunshine Cristina de Castro Reis Santos
Graduanda do Curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão – UFMA
E-mail: sanycastro12@hotmail.com
Lattes: https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?f_cod=387840AE-
0AEA53B9A404DD BD8920BB77#
SEÇÃO PRIMÁRIA
ST 57: Representatividade negra na mídia, no cinema, e no áudiovisual africano e
afro- diaspórico.
SEÇÃO SECUNDÁRIA
ST 61: Tecnologias, culturas, mídias e linguagens: formas de abordar as questões
étnico- raciais e de enfrentar o racismo.
SEÇÃO TERCIÁRIA
ST 35: Modos de ver e narrar: histórias e memórias negras no brasil e na diáspora
africana.
1 Pós Graduanda Lato Sensu em Ensino de Culturas Africanas e Afro-Brasileiras (IFRJ – Cam-
pus São Gonçalo); Bacharel em Produção Cultural (UFF - Campus Universitário de Rio das Ostras)
2 BACO EXU DO BLUES. BBKing. Selo EAEO Records: 2018.
No final dos anos 1990 e início de 2000, cineastas negras e negros começaram
a definir diretrizes para nomear o cinema negro através do Dogma Feijoada e do
Manifesto de Recife6. Uma ação de auto definição importante para se pensar estra-
tégias de ação e contra argumentar o regime de representação sobre a negritude
nas telas e nos bastidores.
Em 2007, Zózimo Bulbul iniciou o Centro Afro Carioca, espaço situado na re-
gião central do Rio de Janeiro, pensado para fomentar a produção cinematográfica
afro-brasileira e fazer conexões com o continente africano e outras diásporas atra-
vés do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul7, dos cursos de formação profis-
sional, debates e pesquisas.
O Ministério da Cultura lançou em 2012 o Edital de Apoio para Curta- Metragem
– Curta Afirmativo: Protagonismo da Juventude Negra na Produção Audiovisual,
em parceria com a Seppir, contemplando 30 curtas metragens de jovens negras
(os, es) de 18 a 29 anos. A iniciativa, assim como toda ação por parte do Estado
em torno de medidas afirmativas, sofreu críticas e retaliações por ser considerada
anti-democrática e privilegiar um determinado grupo ético-racial8.
A segunda edição do Edital Curta Afirmativo ocorreu em 2014 tendo como foco
o protagonismo de cineastas afro-brasileiros na produção audiovisual sem recorte
de idade, contemplando curtas e médias-metragens. Isabela Aquino fez um levan-
tamento sobre os impactos das políticas públicas no cinema negro em 2018 e apon-
tou dados importantes para percebermos que além do foco racial, houve uma des-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Cinema negro é tudo, é qualquer coisa”. Essa foi a resposta dada pela (orí)
entadora desse trabalho, Janaína Oliveira. Resposta que me colocou em um longo
período de reflexão ou, como eu prefiro chamar, de “fritação”: quando algo é joga-
do no fogo e é transformado em outra coisa, tomando outra consistência.
A ideia inicial deste trabalho era relacionar cinema negro e educação, pensando
caminhos pedagógicos para o cumprimento da lei 10.639/03. Partia da premissa
fixa de que o cinema negro seria instrumento que representaria de forma positiva
a população negra. Nos salvando de estereótipos que nos perseguem e tentam res-
tringir nossas subjetividades na representação colonial.
Após o contato com os filmes, as referências bibliográficas e as provocações de
Janaína, me deparei com a impossibilidade de nomear o que é cinema negro. Foi
preciso, então, não só recusar a imaginação branca mas também as formas que eu
projetava como as mais adequadas à população negra. Nesse processo, meu olhar
foi reeducado para “mover- se para além do trauma”10.
Estar em contexto de diáspora forçada nos encurrala a nos mover dentro da lógi-
ca colonial, a empreender nossos esforços para ser contra o discurso racial. É um
círculo vicioso de dependência: eles violentam e nós, nos ocupamos em reagir.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Isabela da Silva. Cinema Negro e Políticas Públicas: O Impacto dos Editais Curta
Afirmativo no Cinema de Realizadores Negros no Brasil. 50p. Monografia, Bacharel em
Cinema e Audiovisual. Graduação, Universidade Federal Fluminense, 2018.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução Renato da Silveira. Salvador. EdU-
FBA, 2008.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por
emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
HALL, Stuart. Que negro é esse na cultura negra? In: Gina Dent (org.). Seatle: Bay Press,
1992.
HOOKS, bell. Olhares Negros: Raça e Representação. Tradução Stephanie Borges. São Pau-
lo: Elefante, 2019
OLIVEIRA, J. P. Kbela e Cinzas: O cinema negro no feminino do Dogma Feijoada aos dias de
hoje. In: FESTCURTASBH : Belo Horizonte International Short Film Festival / Ana Siqueira
… [et al.] (organizadores). Belo Horizonte: Fundação Clovis Salgado, 2018. p. 257-268.
Disponível em:http://www.festivaldecurtasbh.com.br/wpcontent/uploads/2018/08/20_
FESTCURTASBH_online.pdf Acesso em 08 set. 2020.
INTRODUÇÃO
A obra audiovisual “Inácio da Catingueira”, produzida pelo rapper, compositor
e cantor brasileiro Emicida, faz um cruzamento entre a sua história e a do persona-
gem escravizado Inácio da Catingueira. Durante o clipe, Emicida aborda questões
raciais contemporâneas, do passado escravista brasileiro e da diáspora africana. O
clipe tem como eixo a comparação entre presente/passado e o passado/presente,
utilizando a imagem de Inácio em contraste com a composição e voz do cantor,
produzindo-se assim, a consciência histórica. Emicida enuncia que a música/o vi-
deoclipe:
A SEMIÓTICA
Antes de abordarmos a semiótica peirceana, é importante apresentarmos ou-
tros pesquisadores que estudaram a semiótica. A origem da semiótica foi na Gré-
cia Antiga, pois acompanha o surgimento da filosofia ocidental. No século XX, as
pesquisas de Ferdinand de Saussure e Charles Sanders Peirce, ganharam grande
visibilidade, e foi assim que este campo do saber ganhou sua independência e se
tornou uma ciência.
Para Lúcia Santaella (1986), a semiótica ajuda a entender a construção do sig-
nificado de um fenômeno da expressão da linguagem humana. “A semiótica é a
ciência que investiga todas as linguagens possíveis, ou seja, tem como objetivo o
exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno
de produção de significação e de sentido.” (SANTAELLA, 1985, p. 15). Sendo uma
ciência que cresce à medida que nos aprofundamos no universo das linguagens,
das codificações e das interpretações. Essa ciência tem como objetivo, o estudo
de diversos fenômenos que geram significações distintas, de acordo com cada mo-
mento histórico e social, ligados a todas as formas de expressão enquanto lingua-
gem a semiótica possibilita analisar as relações entre uma coisa e seu significado.
Na comunicação visual, o primeiro elemento é aquele percebido pela visão,
como as palavras escritas e as imagens. O segundo é tudo aquilo que está ausen-
te do percebido pelo olhar e é representado pelo signo. Para explicar o segundo
elemento, podemos usar a tricotomia peirceana, sendo: o signo consigo mesmo;
o signo com seu objeto dinâmico; o signo com seu interpretante. Conforme Silva:
3 Para entender o papel dos repentistas, ver a dissertação “Insultos”, “Elogios” e “Resistên-
cias”: participação da repentistas negros em cantorias do Nordeste (1870-1930), de Germana Guima-
rães Gomes.
ESTILHAÇOS
Na segunda imagem, a primeiridade se faz presente com a figura central de um
terço do rosto de um homem. Temos uma mão segurando um objeto. No canto
direito podemos observar três círculos e no lado esquerdo da imagem dispomos de
outra mão segurando outro objeto, diferente do que foi citado inicialmente. Existe
um terceiro objeto que aparentemente está saindo do que se encontra no canto
esquerdo da imagem.
GRILHÕES5
A terceira imagem contém não apenas figuras, mas também signos. A figura
que aparece na esquerda da imagem apresenta um objeto em formação e que está
presa a outro objeto. No centro da imagem temos um conjunto de signos “PRECISA
DOS PRETO FUDIDO COM GRILHÃO NO PESCOÇO”. À direita temos uma pessoa
com um objeto na boca e outro no pescoço. O objeto do pescoço tem a figura de
outro ser que não parece ser algo bom.
5 Grilhões é uma corrente de metal, formada por anéis, em forma de cadeado. Utilizados há
séculos, como uma ferramenta para tentar impedir os presos de fugirem ou se movimentarem. Os
grilhões viraram símbolo de opressão, crueldade. A função dos grilhões era para o transporte dos
escravizados, para fazer com que eles não fugissem e nem se mexessem muito.
seu grilhão tem a figura de um vampiro. A máscara que a mulher usa é a Máscara
de Flandres6. Podemos fazer analogia em relação ao vampiro que está preso no
grilhão dessa mesma mulher. A escola de samba Paraíso do Tuiuti7 fez referência
ao então Presidente da República Michel Temer, representado por um vampiro. O
feto com grilhões pode ser visto de duas maneiras. A primeira, como os filhos de
mulheres escravizadas que já nasciam nas mesmas condições que as suas mães ou,
a segunda maneira, como a Lei do Ventre Livre8.
“NOVOS” GRILHÕES
Na imagem a seguir, temos uma pessoa imóvel, que está encostada em um
objeto que traz nele um conjunto de signos, “VEJA”9. Nas costas desse mesmo in-
divíduo temos mais um conjunto signos “MBL”10 e um objeto que encosta-se a seu
corpo, que está sendo manuseado por uma mão. Assim, podemos caracterizar a
primeiridade da quarta imagem. A secundidade pode ser estudada a partir do ob-
jeto que está encostando-se às costas das pessoas. Pode ser visto como um chicote
e o local onde esse indivíduo está preso seria o tronco.
Os signos que estão presentes na imagem fazem referência a uma revista bra-
sileira e ao Movimento Brasil Livre. A revista brasileira VEJA, se caracteriza como
a espiral do silêncio. A mídia hegemônica brasileira não coloca a população negra
como centralidade, ou quando se lembra dessa população é apenas em momen-
tos específicos que não representa os negros. O MBL conhecido Movimento Brasil
Livre liderado por jovens e utilizando-se da internet como principal ferramenta,
tornou-se conhecido e influenciador nos últimos anos. A sua pauta, conservadora,
defende a inexistência do racismo, as políticas meritocracias, o movimento escola
sem partido, o apoio do uso de forças policiais como solução para as desigualdades
sociais. Pautas essas que nos remetem ao colonialismo tão presente nos dias de
hoje.
6 Para entender mais sobre Máscara de Flandres, ler Técnicas da tortura: punições e castigos
de escravos no Brasil escravista, de Vilson Pereira dos Santos. E o texto A máscara, de Grada Kilomba,
disponível em: <https://www.revistas.usp.br/clt/article/viewFile/115286/112968> Acesso em 05 de
out. 2018.>
7 Ver o texto sobre a escola de samba em: <https://istoe.com.br/carnaval-do-rio-de-janeiro-
-mostra-criatividade- contra-a-crise-e-o-vampiro-temer/>.
8 Lei estabelecida durante o Brasil Imperial e que libertava crianças nascidas de mães escra-
vizadas após a data de promulgação da Lei, nas palavras da historiadora Giovana Xavier: “era um des-
compromisso do Estado, pois era uma escolha do senhor ficar com as crianças ou não, por isso que
é a primeira grande política institucional de abandono e preterimento das crianças negras no Brasil.”
(XAVIER, 00min31seg - 00min46seg, 2017)
9 É uma revista de distribuição semanal brasileira criada em 1968, durante a ditadura militar
pelo jornalista Roberto Civita, a revista trata de temas variados de abrangência nacional e global. Ver
história da revista em: <https://veja.abril.com.br/brasil/os-50-anos-de-veja-uma-linha-do-tempo/>
10 É um movimento político brasileiro que defende o liberalismo econômico e o republicanis-
mo, ativo desde 2014.
11 Para saber mais sobre as mascaras africanas, ler texto Máscaras africanas: beleza,
magia e importância, de Joelza Ester Domingues
12 Sobre a organização ler artigo, A Ku Klux Klan e a instauração do medo nos EUA, de Viviane
Rodrigues Darif Saldanhas
13 Assistir o clipe <https://www.youtube.com/watch?v=0D84LFKiGbo>
MÁSCARAS E ALMAS
As sete figuras de máscaras espalhadas pela imagem, são diferentes das más-
caras que aparecem na imagem anterior. Junto com essas novas máscaras temos
um conjunto de signos, “DESCENDE DE QUEM DIZIA QUE EU NEM TINHA UMA”. As
máscaras se referem a uma ideia diferente das máscaras Africanas, o fundo preto
instaura uma sensação de medo. Os signos que formam a frase que fazem referên-
cia ao fato de algumas pessoas serem vistas como sem alma, e também faz uma
conexão com a quinta imagem.
A terceiridade faz conexão com a imagem analisada anteriormente, assim po-
demos enfatizar que a cruz se refere a Ku Klux Klan. A frase remete ao período de
concretização da escravidão também, pois uma das fundamentações criadas pelos
europeus, para justificar a sua política de extermínio e exploração dos africanos e
indígenas das terras que hoje são as Américas, foi a de que esses povos não pos-
suiriam “almas” (um conceito cristão). A partir desse conceito, foram diversas as
consequências que aos povos africanos e diaspóricos, como, por exemplo: a per-
seguição às expressões culturais e filosóficas africanas. Esse processo colonial, na
música, se renova a partir da frase “Quem diz que eu vendi minha alma” ganhando
novos sentidos, sendo que os mesmos que excluíam a alma de africanos são aque-
les que acusam o músico de “vender sua alma”, demonstrando que, dentro do
processo capitalista, o artista negro passa a possuir alma, mas o seu trabalho não
pode ser vendido, tornando-se condição de vida (como o restante do videoclipe
demonstra).
As figuras dos quatros indivíduos possuem traços negróides. O que está no cen-
tro com um “garrote” no pescoço, lembra um objeto de tortura, semelhante como
o da terceira imagem. A frase tem um tom de questionamento, causando um possí-
vel desconforto em que ainda acredita que os negros são inferiores e devem servir
ao demais. Ao lembrar uma pessoa negra podemos identificar o mesmo como um
escravo que está sofrendo algum tipo de tortura. Na frase como podemos perce-
ber, é uma interrogação, portanto, indaga ao interlocutor: “Quer dar minha cabeça
pro seu senhor pôr na estante?”. Próximo às figuras, há novamente uma retomada
do período escravista, pois a expressão, “seu senhor” retoma esse período, assim
como a prática de colocar a cabeça na estante retoma um processo de espetacula-
rização da violência contra pessoas negras. Assim caracteriza-se a terceiridade da
sétima imagem.
REFERÊNCIAS
EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. 1° edição. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca
Nacional.
__________. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995.
SANTOS, Vilson. Técnicas da tortura: punições e castigos de escravos no Brasil escravista
XAVIER, Giovana. Entrevista para Alma Preta. 2017. Disponível em: <https://www.
facebook.com/almapretajornalismo/videos/do-ventre-livre-%C3%A0-atualida-
de/1811187805810652/>. Acesso em 05 de out. de 2018.
SEM AUTOR: ‘Vampiro Temer’ traz crítica social ao carnaval do Rio de Janeiro, ISTO É, São
Paulo, 12 de fev, 2018. Disponível em: < https://istoe.com.br/carnaval-do-rio-de-janeiro-
mostra-criatividade-contra-a-crise-e-o-vampiro-temer/>. Acesso em 05 de out. de 2018.
SEM AUTOR: Os 50 anos de VEJA: uma linha do tempo, VEJA, São Paulo, 12 jul, 2018.
Disponível em: < https://veja.abril.com.br/brasil/os-50-anos-de-veja-uma-linha-do-tem-
po/>. Acesso em 05 de out. de 2018.
AUTORIA
Andressa Vieira Almeida
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
E-mail: Andressava2.aluno@unipampa.edu.br ou Andressa.v.almeida@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3476-6560
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8039036534515411
INTRODUÇÃO
Este trabalho historiográfico é fragmento de uma pesquisa maior que tem por
temática as representações de masculinidades negras no rap, em particular, aque-
las produzidas por Baco Exu do Blues em seu álbum Bluesman (2018). A partir disso,
o propósito dessa análise é: por meio das músicas presentes no álbum Bluesman,
perceber como seus ritmos e rimas colaboram para o questionamento do estigma
do negro bandido, negro suspeito que recai sobre a identidade dos homens negros.
Apesar do objeto de análise ser o álbum Bluesman, é imprescindível imergir no
universo do protagonista Baco Exú do Blues e entender suas vivências, porque es-
tão intimamente ligadas a maneira perspicaz do rapper de refletir sobre o racismo
brasileiro e marcar uma postura política de representatividade a gente negra. O
disco, apresenta uma perspectiva pluri artística da música combinando elementos
musicais com referências de outras áreas da cultura, como a pintura, o cinema e a
literatura, usando de fortes metáforas para nos fazer lembrar que o rap continua
sendo a voz do gueto e das ruas.
Posicionar uma produção artística intimamente ligada à vida de uma pessoa
demanda sensibilidade, por isso, como método de análise para esta pesquisa é
fundamental utilizar a teoria interseccional1 estabelecendo uma leitura sobre as
histórias, subjetividades e posições sociais de sujeitos subalternos masculinos en-
volvidos. “As mulheres negras têm tido a consciência de que as experiências das
mulheres e dos homens negros estão unidas por solidariedades objetivas e subje-
tivas[...]” (VIGOYA, 2018, p. 52)
De certa forma, um desafio dos historiadores é deixar claro que a História e o
presente possuem uma relação intrínseca, principalmente no que tange estruturas
incólumes da sociedade transcritas nas relações de poder demonstradas pela cor,
pelo gênero e pela classe. Por isso, a importância de Baco Exú do Blues, um cidadão
fora das fileiras acadêmicas, que através do Rap consegue evidenciar essa relação
basilar entre a História e o presente. Entendendo a linguagem como um mecanis-
6 SILVA, Wagner Machado da. Equidade e Televisão: o programa Mister Brau, da Rede Globo,
e o estímulo à (re)construção do imaginário social do negro no Brasil. [dissertação de mestrado].
PUCRS, 2018.
7 Diretora-Executiva da Center for Media Justice, em declaração no documentário A 13ª
Emenda de Ava Duvernay.
8 EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. 3ª ed. Pallas, Rio de Janeiro, 2019.
16 Rappers negros brasileiros que falam de de sentimentos não é uma exclusividade de Baco
Exu do Blues, existem outros que o fazem, e legitimam as hipóteses deste trabalho. A escolha por
Baco Exú do Blues parte de uma identificação pessoal com a proposta artística do rapper que se con-
cilia com a proposta política que esta pesquisa deseja transmitir.
17 A ideia de fragilidade reinvindica um direito político e vai de encontro a reprodução de uma
ideia da masculinidade hegemônica ocidental, apresentada por Mara Vigoya “Assim, o homem negro
pode ser representado como primitivo, dócil e afável, porque não representa uma ameaça para a
masculinidade hegemônica ocidental (poderosa, autoritária e cheia de iniciativa)[...]”(2018, p. 108).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fundamental perceber que Baco Exu do Blues constrói um espaço de liberda-
de a partir da sua experiência, e a interseccionalidade é a ferramenta que possi-
bilita uma análise dessas subjetividades de uma perspectiva sensível às vivências
dos homens negros no Brasil. Nesse sentido, esse texto é uma contribuição à his-
toriografia das Masculinidades Negras, já que um dos objetivos do campo histo-
riográfico ao estudar a construção das masculinidades, é revelar subjetividades
(SANTOS, 2001). Embora ainda esteja em desenvolvimento, essa análise mostra
que sujeitos negros são capazes de pensar a si mesmos, utilizando um campo em
disputa, mas favorável a expressão de subjetividades. Baco encontrou no Rap um
meio de restituir aos homens negros, por meio da sua voz, o direito ao afeto, o di-
reito à fragilidade e ao fazê-lo ele colabora para o questionamento geral da noção
de masculinidade.
REFERÊNCIAS
FONTES
999. Bluesman: Filme Oficial. Los Angeles: Stink Film, 2018. Disponível em https://www.
youtube.com/watch?v=-xFz8zZo-Dw. Acesso em: 8 jun. 2020.
999. Baco Exu do Blues: BB King. São Paulo: EAEO Records, 2018. Disponível em: https://
www.youtube.com/playlist?list=PLvDieTZVqJZWokopUaYQ7FTvary4WkiJU.Acesso em: 8
jun. 2020.
BACO Exu do Blues. #Provocações. Programa de TV. São Paulo: TV Cultura, 29 out. 2019.
(29m16s). Disponível em: https://tvcultura.com.br/videos/71657_baco-exu-do-blues-
provocacoes.html. Acesso em: 8 jun. 2020.
CANAL BRASIL. Baco Exu do Blues e Lázaro Ramos: Espelho. 2019. (24m23s). Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=ghzaX-NteLI&t=1140s. Acesso em: 8 jun. 2020
BIBLIOGRAFIAS
AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, 2019. ALMEIDA,
Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, 2019.
BORGES, Juliana. Encarceramento em Massa. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, 2019. DU-
VERNAY, Ava. A 13ª Emenda. EUA: 2016.
FLAUZINA, Ana Luiza P. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida
do Estado brasileiro. Tese de Mestrado, Brasília: UNB, 2006.
GILROY, Paul. O atlântico negro. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Cân-
dido Mendes, C. E. Afro-Asiáticos, 2012.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
RESTIER, Henrique; SOUZA, Rolf, M. Diálogos contemporâneos sobre homens negros e
masculinidades. Ciclo Contínuo Editorial, São Paulo, 2019.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Justificando, Letramento, Belo Horizonte, 2017.
VIGOYA, Mara V. As cores da masculinidade: experiências interseccionais e práticas de
poder na Nossa América. Papéis selvagens, Rio de Janeiro, 2018.
AUTORIA
Matheus Eduardo Borsa
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS campus Chapecó
E-mail: matheusborsa@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0259259532957175
INTRODUÇÃO
A possibilidade de utilizar documentos musicais como fontes históricas trouxe
para as discussões acadêmicas temas e perspectivas que até o século XX não eram
possíveis de serem discutidos. Visto que, a maioria dos documentos históricos eram
produzidos por homens, brancos, de classe média, entre outras características dos
sujeitos que eram lidos como normativos. Por isso, a maioria dos textos que ver-
sam sobre raça e gênero escritos por estes indivíduos, utilizam as mulheres negras
como objeto de estudo. Mas, utilizar fontes produzidas e protagonizadas por mu-
lheres negras traz ao estudo subjetividades que só elas poderiam acrescentar ao
relato de suas próprias histórias.
No campo histórico, mulheres negras foram e continuam sendo protagonistas de
grandes revoluções e a música foi somente um dos instrumentos que elas utiliza-
ram como estratégias para defender suas causas. A história da música negra, com
foco no Brasil e nos Estados Unidos, revela aspectos da constituição do movimento
negro relacionada com a história de construção da identidade desses países. Essa
história é importante para entender onde o rap feminino negro se encaixa como
parte de reivindicação de direitos dentro do movimento negro. Assim como, uma
peça de ilustração das narrativas dessas mulheres negras em suas diferentes posi-
ções sociais. Assim, o texto trará questões teóricas e práticas sobre como a música
pode ser um caminho para que indivíduos sejam protagonistas de suas próprias
histórias.
APORTE TEÓRICO
Quando a música é produzida com a intenção de ser um meio de percepção das
mobilizações sociais, colabora para a compreensão da história, subjetividades e
identidades de um determinado grupo. Se torna uma expressão cultural ancorada
a uma memória coletiva podendo ser um instrumento de emancipação e tradu-
ção de processos identitários desses grupos de indivíduos historicamente subordi-
nados. Contribui também, para a compreensão das múltiplas temporalidades por
meio da percepção das mudanças, rupturas, simultaneidades, transformações, re-
corrências e permanências. Sendo assim, a música pode registrar uma orientação
1 Karol Conka, nascida em Curitiba no dia 1 de janeiro de 1987 (idade 33 anos) é uma rapper,
cantora, produtora, apresentadora e atriz brasileira conhecida por seus hits de empoderamento femi-
nino.
2 Tássia Reis, nome artístico de Tássia dos Reis Santos nascida em 16 de agosto de 1989 (ida-
de 31 anos) em Jacareí, São Paulo, é uma rapper, cantora e compositora brasileira. Iniciou a carreira
com o EP "Tássia Reis" em 2014 e além dele possui o álbum de estreia "Outra Esfera" de 2016
3 Jovem rapper que desenvolveu as suas habilidades de freestyle na Batalha do Santa Cruz,
berço do rap contemporâneo. Nascida em São Paulo, em 1992, Drik (pronuncia-se Drika) compõe
desde os 14 anos de idade. Por ir além das rimas, foi convidada para cantar o refrão de alguns raps.
Em 2013, ao lado de Emicida, participou da música “Aos Olhos de uma Criança”, da trilha do filme “O
Menino e o Mundo” – um longa-metragem de animação feita por Alê Abreu. Foi em 2018, contudo,
que a cantora e compositora deu o passo mais sólido da sua carreira. Ao lançar o EP Espelho, que
transita entre o rap e o R&B.
4 Leandro Roque de Oliveira, o famoso Emicida, é um rapper, cantor e compositor brasilei-
ro. Nascido em 17 de agosto de 1985 (idade 35 anos), São Paulo, São Paulo. É considerado uma das
maiores revelações do hip hop do Brasil da década de 2000. O nome "Emicida" é uma fusão das
palavras "MC" e "homicida.
5 Músico que já participou dos dois álbuns de Drik Barbosa, até o momento.
6 ALVES DA SILVA SOUZA, Claudete. A solidão da mulher negra – sua subjetividade e seu
preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo. São Paulo, 2008.
METODOLOGIA
Segundo Bell Hooks7, o protagonismo das mulheres negras é essencial para a
construção de uma subjetividade negra feminina. Para que, sobre as experiências
de luta das mulheres negras, hajam registros para além da dor e da falta. Pensar
em termos plurais é a saída para que as identidades dessas mulheres sejam recu-
peradas fora de um bloco monolítico. As definições de um novo retrato das mulhe-
res negras resultam de imagens que são constantemente reatualizadas nas narra-
tivas ficcionais contemporâneas, sejam escritas ou visuais. Assim, o texto mostra
como as mulheres negras utilizam o rap para questionar tanto o movimento negro
quanto o feminismo e reivindicam através dele suas próprias pautas e direitos.
RESULTADOS E ANÁLISE
Diante desses vários exemplos de mulheres na cena do rap, cada uma com seu
corpo, cada uma com sua idade e trajetória, umas produzindo álbuns, outras cons-
truindo carreiras de longa data apenas com singles. Mas, todas elas têm uma men-
sagem em comum nas suas produções: a importância de levantar a autoestima
de mulheres negras. Assim, cada rapper negra contará uma história, trazendo as
subjetividades de onde nasceram, como cresceram e foram socializadas no mun-
do. Bem como uma das principais bases do rap é não cantar o que não se vive, as
músicas do rap feminino negro, então, são uma das fontes históricas mais seguras
no que diz respeito à local de fala.
ALVES DA SILVA SOUZA, Claudete. A solidão da mulher negra – sua subjetividade e seu
preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo. São Paulo, 2008.
GUIMARÃES, Maria Eduarda Araujo. Do Samba ao Rap: a música negra no Brasil. 1998.
271p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciên-
cias Humanas, Campinas, SP. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/hand-
le/REPOSIP/281318>. Acesso em: 17 jul. 2020.
HOOKS, Bell. Vivendo de amor. In: WERNECK, Jurema; MENDONÇA, Mailsa; WHITE,
Evelyn. (orgs). O livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de longe. Rio de
Janeiro: Pallas / Criola, 2000.
NAPOLITANO, Marcos. História & Música: história cultural da música popular. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 2002.
AUTORIA
Eloara dos Santos Cotrim
Universidade Estadual de Maringá
E-mail: eloara_santos@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3571104607953197
La trajo em las
ancas la negra que
España envió a sus
colonias de allende
la mar,
y el dolor
callado de
su vida esclava
adurmió en el
ritmo del congo bailar.
(Cumbia, Isabella Illueca D.)
INTRODUÇÃO
A cumbia é uma dança e gênero musical que tem uma importância etnico-histo-
rico no Panamá e na Colombia. No entendo na maioria das investigações e publica-
ções especializadas durante o século XX e o presente, tem sido reconhecido como
gênero originário da Colombia; que dependendo da teoria, poderia ter nascido du-
rante a época prehispanica como ritual funerário dos indígenas Pocabuy na parte
alta do rio Magdalena ou como musica e dança de escravos africanos na cidade de
Cartagena de Indias por meio de fins da época colonial. Entretanto, alem da con-
trovérsia que existe em Colombia entre o caráter indígena ou africano da cumbia
em seu origem, estas teorias são insuficientes, porque não se aborda o fenómeno
da cumbia em sua totalidade, devido a que em seus estudos não se toma em conta
a cumbia cultivada no Panamá. É assim como internacionalmente até nos dias de
hoje, se tem definido a cumbia como um gênero musical colombiano, que a mea-
dos do século XX se dinfundio em toda a America, para se converter em um gênero
muito popular no continente americano.
Existem diferenças na percussão entre países, no caso colombiano existem 3
tambores:
1. Caja: bimembranofone de couro animal e madeira, atado com cordas que mar-
ca o compasso.
4 Autores argentinos como carlos aldao e De Monteagudo, tem a teoria que estavam cantan-
do o hino argentino.
Finalmente para culminar as crónicas, Jorge Conte Porras em seu artigo “Fiesta
y miseria en el arrabal”, menciona a seguinte referencia sobre a cumbia na cidade
de Panamá, de recompilado nos arquivos do município, tomo 35, arquivo número
2, anotação de Genaro Pacheco de 21 de janeiro de 1895:
6 O mesmo acontece nas cumbias do noroeste e sudoeste do Panamá, que coincidem com o
território dos antigos quilombos de africanos que se rebelaram contra o poder espanhol.
CONCLUSÃO
A abordagem da origem da cumbia é complexa, se levamos em conta as carac-
terísticas diferenciadas que tem o gênero tanto em Panamá como em Colombia.
É evidente que a nível global Panamá há uma primazia dos elementos africanos
e europeus em sua musicalidade. Enquanto que no caso da Colombia são obser-
váveis notavelmente os elementos africanos e indiginas americanos. É importan-
te destacar que entre Panamá e Colombia não existe um repertório comum na
cumbia tradicional, os instrumentos musicais cumprem funções diferentes, e as
maiores semelhanças se encontram na dança de roda e no que Pitre definiu como
único time-line presente em ambos países. Uma possível origem no cumbé como
um baile-género que esteve presente na bacia do Caribe durante a época colonial,
explicaria porque a existência dessa semelhanças convivendo com estas diferenças
estéticas-musicais, que não são menores levando em conta que Panamá e Colom-
bia são países vizinhos.
ARJONA, Julio. Costumbres de Mi Tierra. El Heraldo del Istmo, Tipografía Casis y Cia, n.
23-24, p. 6-9, dez., 1904.
BERMÚDEZ. Egberto. La cumbia dentro y fuera de Colombia [Vídeo]. Peru: VIII Congreso
IASPM-AL. 2008.
CONTE, Jorge. Fiesta y miseria en el Arrabal. Revista Lotería, Lotería Nacional de Benefi-
cencia, n. 352-353, p. 127-137, jul & ago., 1985.
DE OBARRIO DE MALLET, Matilde. Bosquejos del a vida colonial de Panamá, Editorial Pa-
namá: Impresora Panamá, 1961.
GARAY, Narciso. Tradiciones y Cantares de Panamá, Autoridad del Canal de Panamá, 1999.
HALL, Basilio. Extracts from a journal written on the coasts of Chili, Peru and Mexico. Vol.
II, William Brown Printer, 1824.
JOHNSON, Theodore. California and Oregon; or, sights in the gold region, and scenes by
the way, J.B. Lippincott & co., 1865.
PÉREZ DE ZÁRATE, Dora. Sobre Nuestra Música Típica, Editorial Universitaria, 1996.
WOLFRED, Nelson. Five Years at Panama: The Trans-isthmian Canal. Montreal, William
Drysdale & Co., 1891.
AUTORIA
Nodier Alexander Casanova Camacho
E-mail: opennodo@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3089785123426262
INTRODUÇÃO
O Presente trabalho analisa as letras de rap, sem fazer distinção entre os das
antigas e os contemporâneos1. Como comunicação-da-vida, teoria do linguista
Valentim Volochinov (2017) que descreve a significação da linguagem em relação
com o cotidiano, o rap remonta a uma ética de vida filosófica. Há de se fazer um
outro trabalho evidenciando a repercussão do rap na sociedade brasileira, pois, o
presente texto concentra em explorar as filosofias e sociologias que emergem das
letras de rap, buscando conexão e similitudes. Os contextos de produção e as traje-
tórias dos artistas podem ser vistas em (FELIX, 2005).
O contexto de comunicação do rap “pioneiro”, do final da década de 1980, se
relaciona com a abertura política do país, instalação da democracia, que trouxe
a Constituição, inaugurando a década de 1990 como uma possibilidade de novas
existências e muitas outras fitas2. Nesse contexto os grupos de Hip Hop surgem
1 Existe uma discussão que vale a pena ser abordada em outro momento, em relação à
continuidade do Hip Hop, sobretudo do rap, como manifestação cultural e de denúncia das políticas
violentas do Estado. Aqui apostamos na hipótese da existência de continuidades, não obstante as
rupturas provocadas pelos movimentos de ostentação.
2 Uma fita ou situação como fala Erving Goffman sobre as formas de interação e definição de
situação. O básico para se definir uma situação (fita) é conhecer os contextos, mas, o inusitado deve
ser inquirido com a seguinte pergunta: O que está acontecendo aqui? O que está rolando? A partir
daí se começa a definição de situação, dos quadros básicos da experiência. Quando se define o que
está acontecendo, se entende a participação do sujeito. A partir da definição de situação, tentar defi-
nir a probabilidade deste fenômeno possuir reciprocidade dos pontos de vista. A interculturalidade se
dá então nessa possibilidade de reciprocidade de pontos de vista.
3 As letras de rap, vistas como ações sociais, são táticas organizadas para o grupo (pessoas
periféricas), em equipe. Como define o Filósofo e Sociólogo George Herbert Mead, comunicação é
uma ação social que “[...] proporciona uma forma de comportamento na qual o organismo ou indiví-
duo pode se tornar um objeto para si mesmo” (MEAD, 1982, p.128). A juventude negra e periférica
tem nesta primeira década de noventa liberdade de criar, há possibilidade de ser aquilo que não
pode, devido restrições culturais e políticas. O Rap exerce essa potência conscientizadora, recupera-
dora da auto estima e produtora de subjetividades.
4 No Brasil, Os MC’s e os DJ’s ganharam mais autonomia “frente aos dois outros elementos
(break e grafite)”(FELIX,
2005, p.121).
5 Com o termo forma-de-vida entendemos [...] uma vida que jamais pode ser separada da
sua forma, uma vida na qual jamais é possível isolar alguma coisa como uma vida nua (Agamben,
2015 p. 10). Viver não se restringe às necessidades básicas de sobrevivência, mas na significação do
que se faz, como faz e por que faz. Nesta perspectiva o rap assume a categoria de ação social.
6 Ver definição de fita ou situação como fala Erving Goffman nota 3.
7 A raiz etimológica da palavra Referência: Trazer alguém consigo. Neste caso se pergunta,
que histórias o rap traz consigo?
8 O Termo Boy remete à pessoas de classe média alta, ou, que tenham um projeto de vida.
Isto é, sem hífen, com as referências voltadas para fora da periferia, sendo alienado de seus proble-
mas-de-vida.
Qual seria meu destino senão cantar [...] A sarjeta é um lar não
muito confortável. [...] muitos dormem, e outros morrem [...]
São chamados de indigentes pela sociedade. A maioria negros
[...] A burguesia, conhecida como classe nobre tem nojo e odeia
a todos nós, negros pobres. Por outro lado, adoram nossa po-
12 "Es decir, se han transformado las formas de dominación, no así las estructuras de rela-
ciones entre centro y periferia. Desde esta comprensión, Ramón Grosfoguel (2010) propone que
estamos frente a un sistema-mundo europeo/euro-norteamericano capitalista/ patriarcal moderno/
colonial y, yo agregaría, heterosexual. (CURIEL, 2012, p.49)
Na poesia “Beco sem saída” os Racionais falam deste contexto de falta de op-
ções, em que a miséria e a falta de perspectivas se materializa no dia a dia, no
cotidiano, sendo a educação um ato de resistência, tão qual o crime é. Os membros
do grupo escrevem sobre o processo de reflexão que fazem sobre a relação entre a
realidade que vivenciam, a história do país e as atuais autoridades. Conscientizam a
juventude negra de que seu objetivo em projeto-de-vida deve ser de se construir
como negritude e se possível escapar do arranjo colonial escravista do sistema de
divisão social do trabalho. O rap atua promovendo reflexão sobre o papel da auto-
conscientização ou da consciência coletiva no processo de autoafirmação. A auto-
definição e autoavaliação são formas de desafiar os estereótipos que definem as
condições dos sujeitos e substituir por autodefinições. Para desafiar os estereótipos
é necessário se auto definir para atenuar a colonização do ser. "[...] os estereótipos
são uma representação de imagens externamente definidas e controladoras da [...]
para a desumanização [...] e para a exploração do seu trabalho." (KING in HILL,
2016, p.103). A autodefinição é importante pois desfaz a ideia de representação do
"outro". Ao resistir e não se conformar ao estereótipo, o colonizado, se reconfigura
no espaço social.
Não obstante ao processo de conscientização, havia e há, ideias que taxa a cons-
ciência negra de “chata”, “mimimi” ou “moralista”13. Podemos evidenciar na letra
da música “Negro Limitado”, como quando Edy Rock canta: “Você não me escuta
ou não entende o que eu falo, procuro te dar um toque e sou chamado de preto
otário [...] A verdade é que enquanto eu reparo meus erros. Você se quer admite os
seus” (RACIONAIS, 1992). Portanto para certos públicos as referências e ideias do
Racionais não remetem aos mesmos significados. A consciência negra é um processo
de inflexão e reflexão para entender sua identidade e seu projeto-de-vida. Nesse
processo de conscientização é importante fazer uma crítica à ostentação da rique-
za, ao machismo, à desigualdade social. Isso gera uma situação de questionamento
das próprias sociabilidades, isto é, da capacidade de relação entre periféricos:
[Negro limitado]: Então, vocês que fazem o RAP aí, são cheios
de ser professor. Falar de drogas, polícia e tal, e aí, mostra uma
saída. Mostra um caminho e tal, e aí [...] [Mano Brown]: Cultura,
educação, livros, escola. [...] Esse é o título Da nossa revolução,
segundo versículo. Leia, se forme, se atualize, decore. Antes que
os racistas otários fardados de cérebro atrofiado, os seu miolos
estourem e estará tudo acabado [...] Contra aqueles que que-
rem ver os pretos na merda. E os manos que nos ouvem irão
As juventudes das periferias são interceptadas pelas políticas de morte não obs-
tante ao processo de conscientização que o hip hop, sobretudo o rap, proporciona
aos projetos-de-vida e de comunidade. Se Autodefinir é um ato de resistência à
representação do outro. Não como um luxo, mas como um processo de reconheci-
mento e afirmação da pessoa humana, uma vez que o racismo torna as trajetórias
debilitantes, as mulheres negras autodefinidas se justapõem ante tal fato. Creio
que a auto definição não deve ser entendida como um processo de reconstrução
identitária descompromissada, onde o privilegiado “compra” cultura e identidade
que lhe convém. A autodefinição não anula o racismo existente na sociedade. Es-
creve o grupo de rap ADL: “o táxi não para pra nóiz. Pra nóiz só para o serviço da
Blazer. Padrão para mulheres e moças: Apresentadora loira da emissora, que as
negras e as gordas, só serviam pra cozinha e pra vassoura. Te enganaram quando
falaram Que a vida de favelado era boa” (ADL, 2016). Para se construir não basta
mudar o nome de favela pra comunidade é preciso construir uma verdadeira rede
de cuidado, como faz a cena do Hip Hop e as associações de bairro.
A desconstrução dos estereótipos anda junto do enfrentamento, pois, o Estado
e seus agentes utilizam as características raciais como forma de antecipar a ação.
Como diz Michel Dias Costa, o Rashid, na poesia Esteriótipo, “somos todos alvos”
se referindo aos estereótipos de quem morre nas mãos dos agentes do Estado,
como “[...] um dos 5 moleques no carro no Rio, podia ser eu ou o Douglas que se foi
no Jardim Brasil, podia ser eu. Outro inocente morto a noite e ninguém viu, podia
ser” (RASHID, 2018). Assim como os autores decoloniais, também feministas, que
guiaram o enfoque metodológico e teórico deste trabalho, o rap, traz junto essa
discussão sobre os estereótipos. Rashid também, dizendo que “esse estereótipo é
baseado em séculos de história controversa” (RASHID, 2018). Interessante pensar
o alcance que as teorias decoloniais têm tido. Assim como é interessantíssimo pen-
sar nos movimentos sociais que o rap tem provocado, absorvendo e criando epis-
temologias que empiricamente chegam às mentes periféricas. Que chegam aos
Condenados da Terra, num sentido bem Fanoniano14 mesmo.
ADL, Favela vive. (Cypher) [obra coletiva], (Ft. BK', Funkero & MV Bill). Rio de Janeiro. 2016
ADL, Primeiro de Abril. Da favela para o mundo. Rio de Janeiro. 2016
FELIX, João Batista de Jesus. Hip Hop: cultura e política no contexto paulistano. Tese de
Doutorado em Antropologia. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo. 2005
FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martin Fontes, 2008b FOU-
CAULT, Michel. Segurança, território e população. São Paulo: Martin Fontes, 2008a
MEAD, George Hebert. (1934). Espiritu, persona y sociedad. Buenos Aires: Editorial Pai-
dós, 1982.
NDEE NALDINHO, (Puxa o revólver). Menos um Irmão, Chega Disso São Paulo. 1992 NDEE
NALDINHO, Cuidado na quebrada. Nunca é tarde para viver. São Paulo. 2013 NDEE NALDI-
NHO, Povo da Periferia. O Povo da Periferia. São Paulo. 2015
RACIONAIS, Beco sem saída. Pânico na Zona Sul São Paulo. 1989 RACIONAIS, Negro limi-
tado. Escolha seu Caminho. São Paulo. 1992 RASHID, Esteriótipo. Crise. São Paulo. 2018
SABOTAGE, Bom lugar. Rap é Compromisso. São Paulo. 2000 SABOTAGE, País da Fome II.
Homens Animais São Paulo. 2013
SIMMEL, Geörg. O problema da Sociologia. In: MORAES Fº., Evaristo. Simmel (Col. Gran-
des Cientistas Sociais, nº 34). São Paulo: Ática, 1983, p. 59-78.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, com a popularização da internet e do smartphone, a pro-
dução e o compartilhamento do audiovisual online tem se tornado crescente em
nossa sociedade. Produzir e difundir audiovisual é uma atividade cada vez mais co-
mum entre a juventude, não mais restrita a profissionais do âmbito do cinema
e da comunicação. Desta forma, a juventude negra e periférica também tem se
apropriado dessas tecnologias da informação e da comunicação para produzir con-
teúdos especificamente voltados para discutir temáticas afins às suas vivências. Um
dos espaços privilegiados para esta apropriação tem sido o registro de eventos da
cultura Hip Hop, em especial os "poetry slam". O Slam poesia é um concurso de poe-
sia falada, com duração de três minutos, sobre temáticas variadas. Nos últimos dez
anos, os slams vem se popularizando no Brasil, acompanhado de uma intensa pro-
dução audiovisual. Através dos vídeos, compartilhados online, estes eventos têm
se tornando ainda mais populares os temas discutidos - que costumam abordar as
vivências das/os slammers, geralmente jovens negras/os periféricos - repercutem
ainda mais.
Este trabalho objetiva analisar as narrativas produzidas pelas/os poetas nos
Slams poesias, na cidade do Rio de Janeiro, e difundidas através de canais de vídeo
online no YouTube. Neste sentido, indagamos, por exemplo: 1) quais as temáticas
abordadas nas poesias? e 2) como estas narrativas exprimem práticas de resistên-
cia no enfrentamento ao racismo e outras formas de opressão?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho partiu de vídeos que retratavam os slams poesia no Brasil e, espe-
cificamente, no Rio de Janeiro, alojados na rede social online YouTube. Escolhemos
trabalhar com os vídeos mais visualizados da plataforma, uma vez que a populari-
dade pode ser entendida como um parâmetro que nos possibilita, em certo nível,
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte: Letramento, 2018. BER-
TH, Joice. O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
COLLINS, Patricia Hill. Black Feminist Thought. Knowledge, consciousness, and the politics
of empowerment. New York: Routledge, 2000.
DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo Editorial, 2016.
D’ALVA. Roberta Estrela. SLAM: Voz do Levante. Rebento, São Paulo, n. 10, p. 268-286,
julho, 2019.
GILROY, Paul. O Atlântico Negro. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001. hooks, bell. Olhares Ne-
gros, Raça e Representação. São Paulo: Elefante, 2019. FANON, Frantz. Pele negra, más-
caras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto ge-
nocida do Estado brasileiro. Dissertação de Mestrado em direito. Universidade de Brasília,
2006.
FREIRE, Rebeca Sobral. Participação Política Das Mulheres Jovens: Hip Hop E (Novo) Movi-
mento Social Em Salvador. Seminário Internacional Fazendo Gênero, v.9, 2010. Disponível
em http://www.fg2010.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1277918193_
ARQUIVO_T extoCompletoComunicacaoOralok.pdf. Acesso em 30 set. 2020.
GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos Alfredo. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Editora
Marco Zero, 1982.
NASCIMENTO, Beatriz. Negro e racismo. In: Ratts, A., & Nascimento, M. B. (2007). Eu sou
atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Instituto Kuanza,
2006.
NOGUERA, Renato. Fanon: uma filosofia para reexistir. In: KHALFA, Jean; YOUNG; Robert
J.C (org). Alienação e Liberdade: escritos psiquiátricos. São Paulo: Ubu Editora, 2020, p.
7-p.21.
MEDINA, José. The epistemology of resistance: Gender and racial oppression, epistemic
injustice, and the social imagination. Oxford: Oxford University Press, 2013.
ROSE, Tricia. Black noise: Rap music and black culture in contemporary America. Middle-
town: Wesleyan, 1994.
AUTORIA
Ana Lúcia Nunes de Sousa
Doutora em Comunicação. Professora do Instituto Nutes de Educação em Ciências e
Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
E-mail: analucia@nutes.ufrj.br
ORCID: 0000-0003-1924-5297
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6689983214433853
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende contar parte de uma experiência de um curso
de extensão realizado pelo LEAM - Laboratório de Estudos e Aprontos Multimídia:
relações étnico-raciais na cultura digital
- desenvolvido com uma turma do terceiro ano do Ensino Médio Normal em um
Colégio Estadual, localizado no Município de Nova Iguaçu/RJ no ano de 2018. Utiliza-
mos como suportes para nosso texto documentos, relatórios, projeto e entrevistas,
desenvolvidos coletivamente, não só ao longo deste curso, mas também de estu-
dos e movimentos anteriores.
Compreendemos o curso como mais um dispositivo para nos auxiliar a refletir
sobre como fomos/somos educados para o preconceito dentro e fora da escola.
Este configura-se como mais uma ação do Projeto de Pesquisa Educação das rela-
ções étnico-raciais na cultura digital (2017-2020), que propõe diversos movimen-
tos, cursos, criação de websites com foco em pensar como a educação brasileira
pode ampliar sua democratização através do uso da experiência com as diversas
tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e de conversas nas salas de aula
sobre as questões étnico-raciais e sobre enfrentar o racismo à luz da lei (10639/03)
que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Africana e Afro-brasileira
nas escolas.
O curso Sobre imagens e a educação do preconceito teve como questão proble-
mática as perguntas: Como as imagens tem atuado na educação do preconceito?
“O que temos naturalizado sobre as imagens como produção da "realidade", como
portadoras de "verdades"? Como fomos/somos educados para o preconceito?”
(FILÉ, 2018). Ou seja, o curso pretendeu discutir a formação tendo como referência
a produção do nosso olhar e, consequentemente, as formas naturalizadas de olhar
o Outro e de sermos olhados.
Os encontros entre os alunos e a equipe do LEAM aconteceram em forma de
oficinas, organizadas em quatro módulos, que trabalharam as linguagens mais co-
muns da cultura digital (áudio, vídeo e fotografia), discutindo sobre as possibilida-
des comunicativas e de produção da internet até as constatações dos alunos em
não se encontrarem representados nas tecnologias de ensino como livros, carta-
zes, murais e etc, desconsiderando o cumprimento da lei 10.639/03.
Como foco deste trabalho apresentamos o módulo dois do curso: Vendo e sendo
visto: sobre o olhar para si mesmo, para o outro e para o mundo. Esse módulo foi
JUSTIFICATIVA
Os desafios que enfrentamos para efetivarmos uma educação para relações
étnico-raciais não estão somente na falta de materiais e recursos, mas principal-
mente no âmbito das ideias, do conhecimento, da formação, da experimentação,
do questionar os discursos e as imagens naturalizadas, de buscar outras linguagens
e imagens que estão mais próximas dos estudantes que estão dentro das salas de
aula.
METODOLOGIA
Pensar uma produção de conhecimentos que enfrente esses tempos é refletir:
como fomos ensinados a ver, a pensar, a consumir, a produzir? E como podemos
construir outras possibilidades que destronem os modelos estabelecidos e nos per-
mitam avançar contra o desperdício da experiência, como nos aconselha Boaven-
tura. Contra o desperdício da experiência, inclusive na formação dos professores.
RESULTADOS E ANÁLISE
Conforme esboçamos acima, um dos intuitos do curso de extensão Sobre imagens
e a Educação do preconceito é a criação de um espaço de debate sobre as questões
raciais e as suas implicações para a formação das pessoas, assim como as questões
implícitas na produção das narrativas audiovisuais. Além disso, produzimos a partir
desses encontros dois vídeos sobre a temática que estão disponíveis no Youtube
para que desdobramentos em outros espaços-tempos continuem.
O módulo dois: Vendo e sendo visto: sobre o olhar para si mesmo, para o outro
e para o mundo foi realizado em duas etapas: modo presencial na escola e, tam-
bém, não presencial pela plataforma Schoology. Na atividade presencial tivemos
no primeiro encontro: a gravação de um debate entre os participantes que ofere-
ceram suas opiniões sobre racismo, preconceito e discriminação e formas de olhar
sobre as questões levantadas pela produção audiovisual Memórias de Formação.
1 Vídeo produzido em 2016 pelo LEAM (nosso laboratório). O vídeo tem cerca de 19min e
se configura como uma das ações do projeto de pesquisa Relações raciais nas escolas e formação de
professores. Disponível em: <https://youtu.be/RCsBAqgdMpM>. Acesso em 30 out de 2020.
2 Vídeo produzido em 2018 pelo LEAM (nosso laboratório). O vídeo tem cerca de 15min e se
configura como uma das ações do projeto de pesquisa Educação das relações étnico-raciais na cultura
digital. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pCBF2MWaSPI>. Acesso em 30 out de
2020.
3 Vídeo produzido em 2018 pelo LEAM (nosso laboratório). O vídeo tem cerca de 19min e se
configura como uma das ações do projeto de pesquisa Educação das relações étnico-raciais na cultura
digital. Disponível em: <https://youtu.be/ZcVtHabe9c0>. Acesso em 30 out de 2020.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. 10.ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense Universitária, 2007.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1998; FILÉ,
Valter. Projeto de pesquisa Educação das relações étnico-raciais na cultura digital. 2017.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das
emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63. Outubro, 2002.
AUTORIA
Tais de Almeida Costa
SEEDUC/RJ
E-mail: taisagbara@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5670-9284?lang=en
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1082696389708753
INTRODUÇÃO
Este trabalho é um relato de experiência, fruto de diálogos via aplicativos digi-
tais de comunicação entre duas colegas – mulheres negras – em busca de reflexão
sobre as condições de vida de mulheres negras em nosso país, e suas táticas de
sobrevivência (CERTEAU, 2014). Trata- se de um exercício reflexivo sobre o que
temos considerado tecnologia e como ela influi em nossas vidas. Para isso, busca-
mos, a partir de uma personagem conceitual – a Comadre Mary Lu, presente no
samba composto por Luiz Grande, Marcos Diniz e Barbeirinho do Jacarezinho – ele-
mentos que nos ajudem a entender as diversas tecnologias criadas por mulheres
negras a fim de produzir modos de resistência para si e para os seus neste mundo
estruturado no racismo e no patriarcado. Tais discussões são desdobramentos de
estudos realizados no LEAM (Laboratório de Estudos e Aprontos Multimídias: rela-
ções étnico-raciais na cultura digital) no qual buscamos conhecer alguns dos efeitos
produzidos pelas novas tecnologias nas desigualdades provocadas pelas relações
raciais. Como elas atuam no combate, na resistência e-ou reafirmação do racismo.
Inspiradas na personagem Mary Lu, conversávamos pelo WhatsApp (um aplica-
tivo de mensagens instantâneas muito usado na atualidade por escolas e setores
de trabalho remoto nos tempos de pandemia) sobre nossas experiências e encan-
tamentos com as inúmeras histórias de mulheres negras, ou ao menos não bran-
cas, que, em meio a todo um sistema de opressão, conseguiram resistir e deram
a volta por cima. Tais feitos não foram casos de sorte, muito menos da “benevo-
lente” ação de terceiros, como vemos nas histórias dos contos de fadas europeus,
em que a gata borralheira é salva por um príncipe. Essas mulheres, portanto, não
precisaram de príncipes; elas mesmas produziram suas magias, ou, melhor dizen-
do, elas mesmas criaram suas tecnologias de serem felizes, no vão de suas vidas,
Benza Deus
A comadre Mary Lu
Que já fez muita faxina
Pra gente grã-fina
Lá na Zona Sul (lá na Zona Sul)
Ganhou cacareco pra chuchu
Hoje ela é empresária
Tem brechó na área de Nova Iguaçu
Mary Lu é uma das muitas mulheres que moram em nossa cidade, que transitam
diariamente da periferia à Zona Sul, cruzando os nossos caminhos, sentando-se ao
nosso lado nos coletivos e até mesmo fazendo parte das nossas famílias. Mulheres
comuns, que na paisagem da cidade passam quase invisíveis. Nesse trânsito, Mary
Lu transportou aquilo que, para a elite, não tinha serventia, talvez usado até como
complemento do pagamento por seus serviços. Os cacarecos são reaproveitados e
ressignificados, fazendo deles artesanato para a produção de uma vida possível de
ser feliz. Uma felicidade que não cabe nos princípios individualistas do capitalismo,
[05/08 16:58] Leidiane: Lendo a notícia e ouvindo o que está sendo feito, fico pen-
sando nos elementos presentes nos fazeres e na luta por liberdade que podemos
perceber na vida dessas mulheres, as quais também percebo na sua vida, Mary Lu,
e nas nossas também. Também os vejo na vida de outras mulheres como Elza So-
ares, Dandara dos Palmares, Beatriz do Nascimento, Esperança Garcia, Lélia Gon-
zalez e tantas outras que não nasceram na chamada “Era da Cultura Digital”, mas
que têm muito a nos ensinar sobre tecnologia. Acredito que o que elas produziram,
com seus modos de vida, pode nos ajudar a pensar a educação das relações raciais
na chamada cultura digital.
[06/08 09:00] Shirley: Fiquei muito provocada por essas questões, de trabalharmos
a tecnologia a partir da poderosa comadre Mary Lu. Eu não sei se a gente teria per-
nas diante da imensidão de elementos que são possíveis. Acho que temos que es-
[06/08 09:30] Leidiane: Eu gostei muito! Quando Filé2 fez essa provocação, pois
assim acho que foi, mais que uma proposta, uma provocação. Enfim, na hora, tam-
bém me pareceu algo muito grandioso e até impossível, dado o tempo de que dis-
pomos. Acho que em nossa conversa e na interlocução com a provocação feita por
ele existem elementos muito caros. Não podemos desperdiçá-los.
[07/08 16:40] Leidiane: Shirley, acredito que Mary Lu e o prefácio escrito por Emi-
cida praquele livro que estamos estudando – Comunidades, algoritmos e ativismos
digitais: olhares afrodiaspóricos –, podem nos ajudar a dar corpo a essas questões.
Quando ele vai falar sobre as tecnologias, que não são tão novidadeiras assim,
como está presente no imaginário coletivo, pensando, por exemplo, na diáspora
africana, fico imaginando as inúmeras tecnologias criadas pelos nossos ancestrais
para conseguir se comunicar entre si, mesmo sendo de países distintos, e tendo
que ouvir e falar apenas a língua de seu opressor.
Mas o que é que África tem a ver com tecnologia? [...] Oras, se
a essência das redes sociais é a conectividade, está para nascer
uma que cumpra seu papel com mais eficácia do que um tam-
bor. Sentar-se em círculos, ouvir histórias (principalmente) dos
que vieram antes e extrair os melhores sentimentos dos parti-
cipantes, ressaltando como a escuta é valiosa, me parece estar
anos-luz à frente do mais promissor sonho de funcionalidades
facebookianas de Mark Zuckerberg (EMICIDA, 2020, p. 7).
2 Prof. Dr. Valter Filé, coordenador do LEAM - Laboratório de Estudos e Aprontos Multimídia:
A educação das relações étnico-raciais na cultura digital. Também nosso professor e orientador de
pesquisas.
[08/08 18:40] Leidiane: Mary Lu, o que você trouxe com sua fala, em diálogo com
o prefácio do Emicida, me faz pensar na força das palavras. Não digo apenas na
palavra escrita – pois desta já conhecemos o grau de importância nesta sociedade
grafocêntrica. Chamo a atenção para as múltiplas possibilidades de nos comuni-
carmos por meio da palavra. Há poucos dias li um capítulo do livro de bell hooks,
em que fala sobre a linguagem. Ela falava sobre a situação das pessoas que vieram
trazidas nos navios negreiros: sem suas roupas, adereços e os símbolos religiosos.
Eu até já ouvi falar que tinham suas cabeças raspadas para que não fossem identi-
ficáveis as etnias a que pertenciam. Dentro dos navios havia misturas entre grupos,
cada um com uma língua diferente. hooks, em seu livro, imagina a aflição de estar
no meio do oceano sem saber para onde iria, ouvindo e tendo de entender uma
língua desconhecida – a língua dos traficantes, a língua do opressor. Mas é neste
lugar, que não necessariamente é o seu, que essas pessoas encontram modos para
sobreviver, como expresso na poesia de Adrienne Rich: “Esta é a língua do profes-
sor, mas preciso dela para falar com você” (hooks, 2017, p. 225).
[09/80 08:00] Shirley: Essa poesia me faz pensar nos movimentos produzidos por
Mary Lu ao receber os cacarecos e transformá-los em elementos para produzir sua
autonomia. Talvez a patroa tenha usado esses utensílios como barganha para jus-
tificar o salário mal pago. Enquanto acreditava seguramente que estava se dando
bem com essas trocas e economizando nos baixos salários pagos à sua empregada,
a poderosa comadre estava fazendo daquilo que deveria ser sua aniquilação, as
armas do dominador – a palavra do opressor – um dispositivo para sua libertação.
[09/08 09:00] Leidiane: Então acho que essa proposta de pensar as tecnologias
como algo mais amplo e que expande a ideia de artefatos digitais, pensando a
comunicação e a linguagem como táticas de sobrevivência de mulheres negras
para transgredir os lugares preestabelecidos por uma ordem dominante: o lugar
da escrava e objetos de fetiches dos senhores brancos, a empregada e inimiga da
senhora branca, a ama de leite, mãe preta (por nossas ancestrais), bem como o
lugar da empregada doméstica como podemos ver no samba da poderosa Mary
[01/09 09:20] Shirley: Com base em estudos feitos por Sueli Carneiro (2018), temos
um número muito grande de mulheres negras na ocupação de serviços insalubres,
como babás, lavadeiras, faxineiras e empregadas domésticas, percebendo os mais
baixos rendimentos. No entanto, são essas mesmas mulheres, como apresentado
por estudos da ONU Mulheres, que concentram maior responsabilidade na gestão
financeira de suas famílias – entendendo-se aqui que a família a que nos referi-
mos não é a família nuclear branca burguesa – trata-se de famílias compostas por
membros de diferentes gerações com ou sem vínculo sanguíneo. Em contraponto,
percebemos ainda que essas mesmas mulheres têm sido destaque na produção de
resistência frente ao agravante quadro de pandemia que estamos vivendo.
[01/09 19:00] Mary Lu: O lugar da casa tem sido um lugar de sobrevivência, pois é
com esse trabalho que encontro meios de sustentar minha família. Mas é também
o lugar de confinamento das mulheres negras, o lugar de ocultação dessas presen-
ças dos lugares públicos de produção de saberes e discussões políticas.
[01/09 22:00] Shirley: Lendo uma pesquisa sobre a sobrevivência da mulher negra
nos dias atuais, Taís Oliveira e Dulcilei C. Lima (2020) trazem as seguintes proble-
matizações:
[02/09 01:00] Leidiane: Hoje lendo Lélia González me atentei para algo interessan-
te que dialoga com a pesquisa feita pelas autoras que você trouxe.
Por que será que ela só desempenha atividades que não impli-
cam em “lidar com o público”? Ou seja, em atividades onde não
pode ser vista? Por que os anúncios de emprego falam tanto em
“boa aparência”? Por que será que, nas casas das madames, ela
só pode ser cozinheira, arrumadeira ou faxineira e raramente
copeira? Por que é “natural” que ela seja a servente nas escolas,
supermercados, hospitais, etc. e tal? (GONZALEZ, 1984, p. 233).
[02/09 01:05] Leidiane: Oliveira e Lima (2020) e Gonzalez (1984) tocam em pontos
muito necessários para a nossa conversa sobre as ausências e a invisibilização que
são naturalizadas nas paisagens urbanas, falam do fato de acharem comum e natu-
ral ver mulheres negras uniformizadas transitando pelas regiões elitizadas de nos-
sa cidade e considerarem incomum e até mesmo inconcebível vê-las em lugares de
liderança, gestão pública, espaços acadêmicos etc.
[05/09 09:00] Leidiane: Mary Lu, muitas são as redes de apoio criadas nas comuni-
dades por mulheres negras. Dando suporte umas às outras, vivendo os seus dias,
transitando pela cidade a caminho da Zona Sul. Trazendo os cacarecos que, en-
vernizados, podem se tornar peças de luxo de bem-estar nas casas da periferia.
Circulando nas “metáforas”, fazendo circular as histórias de resistência e rendições
nessa luta que enfrentamos todas.
[05/09 09:10] Shirley: A gente está às voltas com tantos afazeres, mas sempre
atentas a tudo que tem sido nossa paixão. Este trabalho, para além de um trabalho
científico, tem sido um momento de respiro que vamos encontrando no dia a dia. A
partir dessas artes de fazer (CERTEAU, 2014) das mulheres com as quais vamos nos
encontrando, com quem vamos aprendendo a problematizar a produção tecnoló-
gica na chamada era digital, cujos louros são apenas colhidos por pequena parte da
população mundial, na qual não fomos inseridas.
A viagem foi rápida. Chegamos ao ponto de destino de Mary Lu, mas ainda fal-
ta muito para o ponto final. Muitos assuntos ficarão para as próximas conversas,
REFERÊNCIAS
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1: Artes de fazer. 22ª ed. Petrópolis: Vozes,
2014.
ELZA SOARES. O que se cala (Douglas Germano). Rio de Janeiro: Gravadora Deck: 2018
(Meio digital). (3’58”). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5ypEw_9BF-
fQ. Acesso em: 04 ago. 2020.
EMICIDA. Prefácio. In: SILVA, Tarcízio (Org.). Comunidades, algoritmos e ativismos digi-
tais: olhares afrodiaspóricos. São Paulo: Literarua, 2020. p. 7-8. Disponível em: https://
www.researchgate.net/publication/339954112_Comunidades_Algoritmos_e_Ativismos_
Digitais_olhares_afrodiasporicos. Acesso em: 01 out. 2020.
FERRAÇO, Carlos E.; GOMES, Maria Regina L. Sobre as redes que tecem praticaspolíticas
cotidianas de currículo e de formação de professores/as. Currículo sem Fronteiras, v. 13,
n. 3, set./dez. 2013. Disponível em: http://www.curriculosemfronteiras.org/vol13iss3arti-
cles/ferraco- gomes.pdf. Acesso em: 17 jun. 2017.
GRANDE, Luiz; DINIZ, Marcos; JACAREZINHO, Barbeirinho do. Mary Lu. Rio de Janeiro:
1998. Samba.
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. Trad. Mar-
celo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
AUTORIA
Leidiane dos Santos Aguiar Macambira
Doutoranda em educação pelo PPGEducação-UFF (Com bolsa da CAPES) E-mail:
leidianemacambira@id.uff.br
ORCID: 0000-0001-9073-2448
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3966779203035543
INTRODUÇÃO
O que o cabelo crespo fez para ser chamado de ruim? O cabelo crespo dos
negros e das negras é visto como uma das expressões do racismo que cada vez
mais recai sobre estes sujeitos. Ao levantarmos esta questão, fazemos a escolha de
narrarmos nossas histórias de transição capilar. Por muitos anos, nós duas, subme-
temos os nossos cabelos crespos a processos químicos de alisamento sob o argu-
mento de que o cabelo liso era o mais “belo”. Relatamos fio a fio a luta que temos
travado contra o racismo, a partir de um elemento que pensamos ser simbólico - o
cabelo crespo - que é visto como parte de um sistema estruturalmente racista que
nega direitos, impõe estigmas e oprime os sujeitos.
O desejo então é narrar experiências levando em conta o que Larrosa (2002) diz
sobre aquilo que nos passa, nos acontece e afeta. Com isso, as experiências têm
uma dimensão singular, mas que também é coletiva, porque precisa do encontro,
do outro sujeito. Isto nos ajuda a pensar sobre o nosso encontro e de como as nos-
sas histórias se entrecruzam, tendo a questão da identidade negra e da transição
capilar como vivências em comum. Desse modo, é possível pensar que nenhum
processo identitário se constrói no isolamento, se desdobrando como algo nego-
ciado durante a vida toda, nas relações sociais e a partir da dialogicidade. A cons-
trução das identidades negras é um “movimento que não se dá apenas a começar
com o olhar de dentro, do próprio negro sobre si mesmo e seu corpo, mas também
na relação com o olhar do outro, do que está fora” (GOMES, 2019, p.28).
É importante informar a você leitor que fazemos parte do LEAM - Laboratório
de Estudos e Aprontos Multimídia: relações étnico-raciais na cultura digital, vin-
culado a Universidade Federal Fluminense. Durante um encontro do LEAM surgiu
entre nós duas o desejo de propor uma escrita que tratasse sobre as experiências
de transição capilar, apontando a dificuldade da aceitação dos nossos cabelos cres-
pos. Percebemos também que esta questão vem sendo desconstruída no decorrer
de um processo de nos tornarmos negras e educadoras, pois temos entendido que
durante anos fomos forçadas a alisar o cabelo para nos aproximarmos da beleza da
mulher branca, sob o argumento de que nossa beleza foge aos padrões eurocêntri-
cos. Temos visto que o cabelo da população negra é um elemento constantemente
manipulado com o objetivo de mascarar o preconceito que tal titude carrega, de
discriminar a pessoas negras e silenciar histórias de vida, histórias estas muita das
1 BomBril é uma marca de produtos de limpeza, o qual na década de 1950 lança uma linha
de esponja de aço chamada “Krespinha”. Esta usa a imagem de uma menina negra, onde faz alusão
ao cabelo da mesma. Por esta razão a identificação do produto é visto em discursos racistas. No
entanto, recentemente a marca retorna com a mesma linha, onde acaba sendo denunciada pelas
redes sociais como prática racista e é retirada do mercado. https://economia.uol.com.br/noticias/
redacao/2020/06/17/bombril-acusacao-racismo-produto.htm
CONCLUSÃO
Partindo das nossas experiências com a transição capilar e a intervenção das
redes virtuais, especialmente as mídias sociais digitais(Facebook e Instagram), du-
rante este processo, podemos perceber que existe um movimento em que a bele-
za da mulher negra é inferiorizada. O modelo de beleza universal diz respeito ao
perfil da mulher branca, revelando assim uma das faces do racismo. No entanto,
as mulheres negras seguem reagindo e resistindo as práticas de racismo. Com isso,
percebemos que existe uma movimentação para se combater qualquer tipo de
normalização do preconceito racial.
Barros (2020) afirma que “o feminismo negro tem sido uma das principais es-
tratégias de comunincação lançadas pelo ativismo de mulheres negras na internet
há alguns anos no Brasil no combate ao racismo e no fortalecimento de seus pro-
tagonismos”(p, 186). A consciência de que existe um conflito vivido na estética do
corpo da mulher negra marca profundamente uma grande virada histórica que nós
mulheres negras estamos construindo nesta rede que nos une.
Por esta razão, se faz necessário a permanência da luta contínua, em que seja
possível abrir espaços de fala e de escuta, ainda que tenhamos “contra ataques”.
Como nos diz Djamila Ribeiro,
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural - São Paulo : Sueli Carneiro ; Pólen, 2019. 264
p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro).
FOUCAULT, M. Soberania e Disciplina. In: Microfísica do Poder. Edições Graal Ltda, 2012.
GOMES, Nilma Lino. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade ne-
gra. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
.Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra - Body and hair as symbols
of black identity. s/d. http://titosena.faed.udesc.br/Arquivos/Artigos_
textos_sociologia/Negra.pdf
MUNANGA, Kabengele. Negritude - usos e sentidos. Editora Ática - São Paulo, 2015.
Olhares afrodiaspóricos; Organização e Edição: Tarcízio Silva - pág 25-41. Consultoria Edi-
torial: LiteraRUA – São Paulo, 2020.
AUTORIA
Rejane Macedo
Doutoranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação na Uni-
versidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro/Brasil.
E-mail: reluam30@hotmail.com
ORCID: 0000-0002-4264-028
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4173577020037130
INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda o ciberativismo e sua utilização dentro da luta antirra-
cista, tendo como objetivo a análise dos impactos positivos e negativos da discur-
são sobre racismo em mídias digitais, assim como compreender se as mobilizações
em rede configuram-se em uma transformação social efetiva. A revolução tecnoló-
gica (re)configurou a forma que a sociedade passou a se relacionar, proporcionou
a disseminação de informação e comunicação, nesse sentindo agregou pessoas
com interesses semelhantes, tornando-se assim uma ferramenta para o fortaleci-
mento da visibilidade de pautas sociais. Imediatamente o ativismo conquista um
novo espaço, o ambiente virtual, que se destaca como mecanismo propiciador de
divulgação de epistemes contra hegemônicas. Tendo em vista, que os meios de
comunicação tradicionais estão atrelados os interesses elitistas, sendo (re)produ-
tores dos discursos colonizadores. Diante disso, os ciberativistas têm demonstrado
atualmente papel essencial na militância, ao mesmo tempo em que tem se tornado
um movimento controverso, em uma extremidade temos um exercício continuo
de informar, gerando um fomento do processo de conscientização e desconstru-
ção, assim como em outro extremo temos visto uma incompreensão sistêmica dos
conceitos que fundamentam os debates étnico-raciais, tem sido cada vez mais re-
corrente a utilização de conceitos, como lugar de fala, empoderamento e racismo
estrutural de maneira simplista e até mesmo equivocada, que caracteriza muitas
vezes o epistemicídio, visto que a intelectualidade negra e o rigor acadêmico são
postos como secundário na corrida por Likes. Assim, com base em uma pesquisa
bibliográfica, tendo como marco teórico os pensamentos de Rosane Borges, orien-
tamos nossa pesquisa sobre a utilização da transmídia como estratégica antirracis-
ta para além das hashtag.
Concluído assim, que é preciso considerar o ciberespaço sob um ponto de vista
histórico, que insira não somente as ferramentas e métodos da internet (sua base
técnica), mas, especialmente, os sujeitos envolvidos e as condições históricas de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociabilidade das redes não pode ser vista de maneira simplista e muito me-
nos acrítica, mas como uma instrumentalização política com ônus e bônus, pois à
medida que fomenta pautas e mobilizações raciais, podem fragmenta-las.
Deste modo faz-se necessário refletir sobre a complexidade da militância digital
e seus destronamentos na luta antirracista. Os ciberespaços tem uma relevância
significativa no tange a representatividade e a reelaboração de códigos identitá-
rios, de uma matriz preestabelecida em estigmas, no qual a população negra é
posta historicamente as margens, em uma concepção colonialista continua.
Porém no que se refere ao caráter pedagógico dos ciberespaços faz-se necessário
o desenvolvimento de estratégias que amenize apresentações e conceituação ana-
crônica, simplória, reducionista que evite distorção dos pensamentos e da produ-
ção dos intelectuais negros. Um aspecto essencial que deve ser ressaltado é tran-
sição dessa mobilização a esfera física, a concretude e eficiência da mesma na luta
antirracista, o que foi o grande percalço da pesquisa, visto que se trata de estudo
do tempo presente, logo é fragilizado pela ausência da sistematização de dados o
que deixa margem para trabalhos futuros.
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p.
(Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro). AR. Movimento. Ações Concretas.
Disponível em: http://www.movimentoar.com.br/. Acesso 12 set 2020.
CUNHA, Vanildes Vieira da. Comunicação política mediada por redes sociais interativas:
educação política do sujeito na sociedade pós-moderna. 201 f. Tese (Doutorado) Faculda-
de de Ciências Sociais, Educação e Administração, Departamento de Ciência Política, Rela-
ções Internacionais e Segurança, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
Lisboa 2014.
GAJANIGO, Paulo Rodrigues; SOUZA, Rogério Ferreira. Manifestações sociais e novas mí-
dias: a construção de uma cultura contra-hegemônica. Caderno CRH,V. 27, n. 72, p. 577-
592, Salvador, set./dez. 2014. Disponível em:< >. Acesso em: 10 set. 2020.
GRAÇAS, Suzielen Taiane das. Resistência: ativismo e articulação de mulheres negras atra-
vés de redes sociais. 101f. Dissertação (Mestrado em Integração Contemporânea da Amé-
rica Latina), Universidade Federal da Integração Latino-Americano de Economia, Socieda-
de e Política, Foz do Iguaçu, 2020.
LEMOSAndré.Ciberativismo.Disponívelem:http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/le-
mos/ci berativismo.pdf. Acesso em:07 set.2020.
PERASSOLO, João. LOTT, Dianna. Campanha antirracismo com quadro preto viraliza nas
redes e gera críticas. Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/06/
campanha-antirracismo- com-quadrados-pretos-viraliza-nas-redes-e-gera-criticas.shtml.
Acesso 13set.2020.
SANTOS, Giselle Cristina dos Anjos. Os estudos feministas e o racismo epistêmico. In: Dos-
siê Mulheres Negras: experiências, vivências e ativismos. Revista Gênero, Niterói, v. 16,
n.2, p. 11, 2016.
INTRODUÇÃO
O movimento migratório é um fenômeno com o qual a humanidade convive há
séculos. Esse movimento consiste no processo de entrada e saída de pessoas de
determinado local para outro, com caráter temporário ou permanente. O Instituto
Migrações e Direitos Humanos (IMDH, web) define migrar como “movimento de
pessoas, grupos ou povos de um lugar para outro". Os motivadores de uma mudan-
ça brusca de território detêm em suas raízes situações como a carência de meios
de sobrevivência, desastres naturais e a impossibilidade política ou estrutural de
permanecer em seu país de origem.
Baeninger (2016) explica que o Brasil fora inserido na dinâmica migratória inter-
nacional no século XXI, como destino final ou rota migratória, devido às políticas
restritivas de imigração em países como Estados Unidos, França e Canadá. Em 2010
houve grande aumento do fluxo de imigração de haitianos ao Brasil devido à ca-
tástrofe que assolou o seu território e outros fatores estruturais, como a represen-
tação brasileira nas missões da ONU no Haiti1 e as políticas de governo que a época
facilitaram a entrada e permanência dos imigrantes ou pela situação econômica de
estabilidade que o país apresentava naquele momento.
Segundo os dados fornecidos pela Polícia Federal entre os anos de 2012 a 2016,
foram 77.077 imigrantes haitianos registrados no país, destes 21,07% em Santa
Catarina e com um recorte de 12,60% apenas na cidade de Joinville. Neste cenário,
o município destacou-se no recebimento de imigrantes por ser a terceira maior
cidade do sul do país, com viés no setor industrial e possibilidade de fornecimento
de emprego; outrossim do ponto de vista histórico e cultural fora um local que re-
cebeu grandes contingentes migratórios ao longo dos anos (SOUZA, 2019).
Quando solicitado dados atualizados ao Núcleo de Migração da Polícia Federal
de Joinville2, houve a informação que foram atendidos pela Polícia Federal 3.991
1 A operação nomeada MINUSTAH, pelas Nações Unidas, tinha como objetivo realizar a
estabilização do Haiti e prestar ajuda humanitária, estando sob o comando brasileiro do início ao fim,
foi encerrada em 2017 – durando quase quatorze anos. Existem controvérsias e denúncias durante o
período em que diversos indivíduos consideravam uma ocupação militar de um país estrangeiro no
Haiti, e denúncias de agressão, estupro e outros abusos. (POLITIZE, 2018)
2 Encaminhado e-mail solicitando informações sobre a imigração haitiana em Joinville à
Fabiano José Rohr, coordenador do Núcleo de Imigração da Polícia Federal, e na resposta foram
repassadas todas as informações seguintes – em abril de 2020.
Artigo XV
Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade,
nem do direito de mudar de nacionalidade. (ONU. Declaração
Universal dos Direitos Humanos, 1948)
METODOLOGIA
A origem da pesquisa em questão advém da necessidade de analisar as experi-
ências dos imigrantes com racismo e xenofobia em redes socais, se os imigrantes
conseguem utilizar essas redes para divulgar informações acerca dos seus Direitos
e ainda se efetivamente encontraram um local para expressarem suas opiniões e
vivências. Buscando analisar como são utilizadas as plataformas, a primeira etapa
da pesquisa consistiu em uma pesquisa bibliográfica existente sobre os fluxos mi-
gratórios contemporâneos e a imigração haitiana para o Brasil, mais especialmente
para Santa Catarina e Joinville nos últimos anos, também as produções acadêmicas
referente ao ativismo digital.
A segunda etapa da pesquisa, desenvolve-se após a aprovação pelo Comitê de
Ética, em 06/08/2020 sob o número do CAAE: 33719620.0.0000.5366, a partir da
abordagem quantitativa em que se deseja analisar as redes socais públicas de imi-
grantes e os diferentes conteúdos nelas contidos – nas mais utilizadas como Fa-
cebook, Instagram e Twitter. Para identificar tais redes utilizou-se termos como
‘imigrante’, ‘haitiano’ e ‘haiti joinville’ – em português, haitiano e crioulo.
Desse modo, foi possível abrir caminhos para que a pesquisa compreenda os
potenciais desses canais de comunicação quando relacionados ao cotidiano da co-
munidade haitiana de Joinville. Então, foi realizada a catalogação e organização
das informações pertinentes recolhidas, estas foram problematizadas e analisadas.
Mostrou-se de extrema relevância analisar os ataques virtuais ocorridos em 2017
com a Fotógrafa Amanda Araújo, descrita por Souza (2019), com isso fora possível
abranger as diferentes ramificações existentes nas redes acerca de imigração, ra-
cismo e xenofobia.
RESULTADOS E ANÁLISE
Com base nas pesquisas realizadas por Souza (2019) que problematizou diver-
sas manifestações comunicacionais públicas emanadas de mensagens políticas em
desagrado à presença de imigrantes negros em Joinville, que em sua concepção de-
sencadearam disputas simbólicas de pertencimento à cidade. Souza (2019) depa-
rou-se com múltiplas linguagens comunicacionais pertinentes: a) da notícia pública
em um jornal de grande circulação em que definiu o perfil ideal do trabalhador
local, b) pichação anônima com caráter de imposição em uma via pública com a
Ocorre que tal ação não passou sem resposta e o Movimento Antifacista de
Joinville revidou (Figura 3) com o objetivo não de apagar completamente a mensa-
gem anterior, mas sim de se impor em cima do já dito – uma forma de se posicionar
e ainda sendo assinada por um ator político, pois o Movimento Antifa 163 realiza
ações de enfrentamento contra manifestações xenofóbicas e racistas. Como já ex-
posto, essa contrariedade perante o imigrante haitiano possui raízes no racismo
já existente e traz à tona discussões sobre o lugar que é destinado à a população
negra no espaço urbano.
3 Folha de São Paulo. 'Você não é presidente mais', diz haitiano a Bolsonaro após crise do
coronavírus. Disponível em: https://twitter.com/folha/status/1239880166446374912?s=20. Acesso
em: 17 mar. 2020.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte (MG): Letramento,
2018. Disponível em: https://inegalagoas.files.wordpress.com/2020/04/almeida-silvio_-
-o-que-c3a9- racismo-estrutural_-2-pc3a1ginas-1-17.pdf. Acesso em: 20 de set. 2020.
BAENINGER, Rosana; et al. Imigração Haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nações Unidas, 217 (III) A, 1948, Paris.
Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Aces-
so em: 01 set. 2020.
4 Fala do usuário do twitter: “Um imigrante analfabeto e comunista - existe caisa mais tóxi-
ca??? - vindo de um inferno na Terra, o Haiti que tiveram até agora 32 golpes de estado sendo consi-
derado pelos derrotados brasileiros. É forte, hóin que sapiência, rsrs." além de outras mensagens de
ódio. Disponível em: https://twitter.com/mrreynaldo/status/1239864448283807747?s=20. Acesso
em: 12 set. 2020.
POLITIZE. Minustah: O Brasil Na Missão De Paz No Haiti. Publicado em: 01 out. 2018. Dis-
ponível em: https://www.politize.com.br/minustah-missao-de-paz-no-haiti/. Acesso em:
27 set. 2020.
SOLÉ, Carlota; PARELLA, Sònia; CAVALCANTI, Leonardo. Nuevos retos del transnacionalis-
mo en el estudio de las migraciones. Observatorio de la inmigración, 2008. Disponível em:
https://ddd.uab.cat/pub/llibres/2008/217042/nuerettra_a2008iSPA.pdf. Acesso em: 29
set. 2020.
AUTORIA
Sirlei de Souza
Doutora - Professora Adjunta da Universidade da Região de Joinville
E-mail: professorasirlei@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1168-7034
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9958226369659395
Jonathan Prateat
Mestre - Professor Adjunto da Universidade da Região de Joinville
E-mail: j.prateat@univille.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0313114890310260
INTRODUÇÃO
A internet surgiu na década de 60, durante o auge da Guerra Fria, com o propó-
sito militar de formar uma rede de computadores que diminuísse a distância entre
seus pares (CARVALHO, 2006). Desde então, a rede vem cumprindo com o papel
de estreitar laços e viabilizar a comunicação. Assim, novas formas de escrita foram
viabilizadas através de blogs, plataformas de streaming e outras redes sociais, per-
mitindo interação entre narrador e leitor via comentários.
A propagação da velocidade da informação permitida pela rede mundial de
computadores permite levar informação e conhecimento a pessoas de diversas
regiões. A tecnologia surge como subproduto de uma sociedade e cultura, portan-
to, não se deve atribuir sentido único à tecnologia (LÉVY, 1999). Para o autor, uma
tecnologia não é considerada benéfica ou maléfica e tampouco neutra. Seria seu
uso, contexto e cosmovisões que determinariam sua adjetivação. Fato é que as no-
vas tecnologias de comunicação e informação podem promover a disseminação de
conhecimento de forma imagética, audiovisual que são absorvidos pelos sujeitos
de acordo com os signos e significados percebidos por eles.
As novas formas de interação social mediadas pelo computador aproximam su-
jeitos com predileções afins, constituindo-se em redes sociais virtuais. Os sites de
redes sociais possibilitam criação de um perfil público, articulando conexões por
meio de visualizações e navegações. Deste modo, as redes sociais aproximam su-
jeitos com valores sociais semelhantes, influenciando a percepção desses valores a
partir do pertencimento e fortalecendo esses princípios (RECUERO, 2012).
As redes sociais, sobretudo a plataforma de streaming YouTube, configuram-se
em uma rede de comunicação e poder, cujos protagonistas podem comunicar, in-
fluenciando o receptor por afetividade e pertencimento, a partir dos signos e signi-
ficados de suas narrativas. Além disso, as redes sociais, pelo seu potencial, configu-
ram uma alternativa para a ruptura do emudecimento e invisibilização de sujeitos
subalternizados e marginalizados. Dessa forma, a plataforma YouTube opera como
um veículo de comunicação que vem sendo apropriado para ampliação das narra-
tivas de negras/os.
Assim, esta pesquisa parte da seguinte pergunta: Qual o conteúdo predominan-
te nos canais de Youtubers negras/os? Além disso, nos interessa saber: na produ-
YOUTUBE
O YouTube é uma plataforma que abriga conteúdos audiovisuais diversos e está
em segundo lugar entre os sites mais populares no Brasil. Além de oferecer diver-
sas opções de conteúdo audiovisual, um dos recursos disponíveis aos usuários é o
campo para comentários sobre os vídeos publicados.
Fanon (2008), baseado em seus estudos de psiquiatria, revela que os sujeitos
devem possuir um canal para extravasar a agressividade decorrente de energias
acumuladas. Assim, o autor informa que cada sociedade possui uma forma dife-
rente de catarse. Entende-se que a plataforma YouTube pode ser um dos canais
de catarse para negros manifestarem sua voz, rompendo com o sistema que os
emudece; podendo se configurar em uma plataforma que possibilite a prática de
resistência negra, a partir do compartilhamento de suas histórias e vivências. É
importante, entretanto, mencionar que a plataforma não é contra-hegemônica por
natureza. É uma plataforma proprietária, que visa o lucro e, inclusive, opera com
algoritmos que são considerados racistas e sexistas (SILVA, 2020). O que conside-
ramos que pode ocorrer é a apropriação desse conteúdo por movimentos sociais
e ativistas.
CAPITAL SOCIAL
O conceito de capital social originariamente foi empregado para definir um con-
junto de meios ou princípios produzidos, obtidos e compartilhados por meio de
interações no seio de um grupo. Pesquisadores perceberam que o conceito pode-
ria ser empregado nos estudos sobre tecnologias da informação e uso de mídias
sociais, já que esses comportamentos contemporâneos estabelecem um capital
social.
Dentre os autores que definiram o capital social, estão Bourdieu e James S.
Coleman. Para Bourdieu (2012), o capital social relaciona-se com um conjunto de
recursos conectados a uma rede de relações duráveis de conhecimento e reconhe-
cimento. Já para Coleman (1988), o capital social é definido por sua função e se
estabelece a partir de um aspecto de uma estrutura social e das ações de seus ato-
res, configurando uma relação de produção, visto que possibilita o cumprimento
de determinados objetivos que, em sua ausência, seriam inconcebíveis. O capital
social, produto das redes sociais na internet, contribui para alicerçar valores que
podem influenciar o comportamento dos sujeitos que fazem uso destas redes.
MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa se ocupou de analisar o vídeo mais popular de canais de Youtubers
negras/os a fim de responder: qual o conteúdo predominante nos canais, as te-
máticas dos vídeos mais acessados, e perceber se havia um ativismo antirracista.
Para tal, foram mapeados, inicialmente, quarenta e cinco (45) canais de Youtubers
negras/os indicados em reportagens e postagens em redes sociais na Internet. O
critério de inclusão na amostra foi ter, no mínimo, dez (10) mil inscritos no canal de
Youtube. Desta forma, nossa amostra final resultou em trinta e cinco (35) canais. O
critério de escolha para análise dos vídeos de cada canal foi a popularidade (vídeo
favorito], disponibilizado pela plataforma Youtube (Tabela 1).
Religião/ Orientação
14 Muro Pequeno 124.000
Sexual
Representatividade
19 Ana Paula Xongani 76.900
Negra
Representatividade
29 Phcôrtes 27.500
Negra
Livros/Representativida-
31 Levvitalk 16.700
de Negra
A amostra foi selecionada entre janeiro e fevereiro de 2020 e a análise dos re-
sultados ocorreu nos meses de março e abril. Para responder aos questionamentos
da pesquisa, a metodologia utilizada foi a análise temática dos títulos dos vídeos e
dos descritores dos canais, que se dá a partir da contagem dos temas e significados
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos trinta e cinco canais (35) de Youtubers negras/os analisados, vinte e dois
(22) eram comandados por mulheres negras; e treze (13), por homens negros. O
canal que apresentou o maior número de seguidores é comandado por uma Youtu-
ber negra, que possui cento e setenta e um mil (171.000) seguidores. Com menor
número de seguidores é comandando por um Youtuber negro, e contabilizou dez
mil e setecentos (10.700) seguidores.
Segundo o resultado da nuvem de palavras, a palavra beleza apontou a maior
frequência, denotando que grande parte dos canais se ocupa desta temática. As
palavras autoestima, estética, cultura e moda, apresentam a mesma quantidade
de frequência, sendo repetidas nos descritores cinco vezes. As palavras cabelo,
empoderamento, mulher e relações étnico-raciais foram mencionadas quatro ve-
zes e a palavra maquiagem apareceu apenas uma vez, segundo os descritores dos
canais de Youtubers negras/os (Figura 1).
Em relação ao conteúdo temático dos vídeos mais acessados, os resultados
demonstraram que, de trinta e cinco (35) vídeos, quatorze (14) deles abordaram
de alguma forma o assunto cabelo; dois (2) vídeos falaram de maquiagem; outros
CONCLUSÕES
Compreendendo que a internet e as plataformas de streaming disponibilizadas
na rede podem configurar um lócus de narrativas diversas, analisamos o Youtu-
be como uma possibilidade de expressão para ativistas negros/as. Desse modo,
o artigo teve como objetivo identificar o conteúdo predominante nos canais de
Youtubers negras/os e as temáticas abordadas nos vídeos mais acessados desse
Youtubers, além de reflexionar sobre essas temáticas.
Conclui-se portanto que o conteúdo predominante dos canais de Youtubers Ne-
gras/os pesquisados relaciona-se com assuntos pertinentes à beleza, sendo que
a temática dos vídeos mais acessados é o cabelo crespo. Compreendemos que a
presente pesquisa é apenas uma fração de uma pesquisa mais abrangente que pre-
tende, em um segundo momento, perceber na análise do discurso dos Youtubers
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo (L. de A. Rego & A. Pinheiro, Trads.). Lisboa: Edi-
ções 70, 2006 (Obra original publicada em 1977).
BOURDIEU, Pierre. O capital social: notas provisórias. In: Nogueira MA, Catani A, organiza-
dores. Escritos de educação. 13 ed. Petrópolis: Vozes; 2012. p. 67-9.
COLEMAN, James S. Social Capital in the Creation of Human Capital. Am J Sociol. 1988; 94
Suppl: 95-120.
CORRÊA, Maurício de Vargas ; VANZ, Samile Andréa de Souza. A formação do capital social
no YouTube: estudo com base em um canal de divulgação científica de questões aborda-
das pela psicologia. Reciis – Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. jan.-mar.;14(1):167-83,
2020.
GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de
estereótipos ou ressignificação cultural? Revista Brasileira de Educação, Nº 21, Set/Out/
Nov/Dez, 2002.
RECUERO, Raquel. O capital social em rede: como as redes sociais na Internet estão ge-
rando novas formas de capital social. Contemporanea, Comunicação e Cultura, v.10, n.03,
set-dez, p. 597-617, 2012.
SILVA, Joyce Gonçalves da. Nós também somos belas: a construção social do corpo e da
beleza em mulheres negras. Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnoló-
gica Celso Suckow da Fonseca, 2015.
2 https://acaoeducativa.org.br/agenda/lancamento-do-mapa-da-rede-antirracista/
REFERÊNCIAS
AMADOR DE DEUS, Zélia. Ananse tecendo teias na diáspora: narrativa de resistência e luta
das herdeiras e dos herdeiros de Ananse. Belém: Secult/PA, 2009.
AZEVEDO, Jorge Peloso de. A cidade submersa que encontramos na Vila Itororó (inédito).
Disponível em: http://impulsocoletivo.files.wordpress.com/2012/10/a-cidade-submersa-
-que- encontramos-na-vila-itororo.pdf
AZEVEDO, Jorge Peloso de; DONOSO, Marília Gabriela Amorim. Atitude: desdobramentos
e confrontos do treinamento do ator no processo de criação do espetáculo Cidade Sub-
mersa. PesquisAtor, São Paulo, nº1, maio-out. 2012. Disponível em: www.revistas.usp.br/
pesquisator/article/view/36122
AZEVEDO, Jorge Peloso de. Dobrando esquinas, escavo vestígios e arquiteto cidades. Re-
vista Arte e Contexto. Disponível em: http://www.artcontexto.com.br/artigo-edicao04-
jorge_peloso.html
AZEVEDO, Jorge Peloso de; DONOSO, Marília Gabriela Amorim. Problematização e repre-
sentação da memória no espetáculo Cidade Submersa. Revista CPC, São Paulo, nº16, maio/
out. 2013, p. 180-190. Disponível em: www.revistas.usp.br/cpc/article/view/68649/71227
FARIAS, Marcio. Clovis Moura e o Brasil: um ensaio crítico. 1ª ed. São Paulo: Editora Dan-
dara, 2019.
FERREIRA, Abilio. A casa de Fayola. In Cadernos Negros 08. São Paulo: Quilombhoje, 1985.
PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, racismo e cidadania
no Brasil oitocentista. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2018.
SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. Direitos humanos e as práticas de racismo. Brasília: Câ-
mara dos deputados, Edições Câmara, 2013.
MATERIAL ÁUDIOVISUAL
AUTORIA
Jorge Peloso de Azevedo
Impulso Coletivo
E-mail: jorge7peloso@gmail.com / impulso.coletivo@yahoo.com.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2620501736536051
O objetivo desse texto é discorrer sobre saberes e história de vida de vovó Fran-
cisca Correia da Costa como benzedeira, parteira e raizeira. Nessa escrita utilizo
a metodologia da autoetnografia porque é uma narrativa construída na subjetivi-
dade de modo transpessoal, com ênfase sobre a constante relação que se estabe-
lece entre a memória pessoal e a memória coletiva, um tipo de escrita que acaba
por construir uma subjetividade historicizada e contextualiza, segundo Versianni
(2002). Minha escolha pelo método ocorre porque nesse contexto posso expressar
e fazer uma conexão entre o pessoal, social, cultural, espaços físicos e profissional
trazendo à tona o visível e invisível. Falar da minha convivência, emoções, bem
como reflexão política. O método autoetnográfico é pouco explorado no Brasil, há
uma certa resistência a essa metodologia, talvez pelo fato dela valorizar a subjeti-
vidade. Colyar (2013) pondera que na autoetnografia a escrita não é um ato disso-
ciável , é um processo que sustenta a conexão do eu e do sociocultural.
A escrevivência sobre vovó Francisca Correia da Costa é necessária porque esse
oficio de benzedeira já não existe mais no estado de Mato Grosso, por outro lado
ele, geralmente é exercido por mulheres negras do século XIX. Francisca Correia
da Costa exerce esse oficio desde 13 anos, veja que há muitas décadas, porque ela
fez 107 anos, agora em 5 outubro 2020. Há um provérbio africano muito citado
por afrodescendentes no Brasil e em países africanos que cada idoso/idosa é uma
biblioteca viva. Nossas bibliotecas vivas, ou seja as partiras, benzedeiras, raizeiras
estão desaparecendo; num futuro próximo ficará apenas na memória coletiva de
seus parentes e da comunidade onde elas viveram.
Benjamin (1993) afirma que a memória só é possível para aqueles que muito
viveu e por isso tem muito o que contar, os/as velho/as tornam-se narrador(es)(as)
por excelência; são testemunhas que relatam o observado e experenciado. Para
entender porque vovó Francisca não gosta que escreva o que ela nos ensina, pois
ela diz que a palavra é sagrada , e o que você fala, precisa ser cumprido, talvez ela
diga isso, a nós filhos e netas porque é a memória viva dos saberes que aprendeu.
Lembrei de Hampatê-Bá quando diz que a palavra vem antes da escrita, ela tem
sentido humano, som e gestos! É assim que inicio esse diálogo entre minha memó-
ria de tudo que sei sobre vovó Francisca e a escrita; aproveitando minha experi-
ência de ouvir e contar história, que é singular e ao mesmo tempo plural. É nessa
singeleza da oralidade e da fala como alma da narrativa que desejo apresentar, vovó
Francisca Correia da Costa.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. O Narrador. In: Magia e arte, técnica à ciência; Obras escolhidas. Vol
01, São Paulo, Brasiliense, 1993.
DENSHIRE, Sally. On auto-ethnography. Current Sociology. May, 23, 2014. Disponível em:
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0011392114533339. Acessado em 2 de outu-
bro de 2017. GRIFFIN, RA. I am an angry Black.
AUTORIA
Maria Aparecida de Matos
Universidade Federal do Tocantins
E-mail: matos@uft.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1784145961087058
INTRODUÇÃO
Na região metropolitana de Minas Gerais, entre indústrias e vida urbana minei-
ra, encontra- se a Comunidade dos Arturos, no município de Contagem. A cidade
passou por muitas mudanças em sua paisagem nos últimos cem anos, mas, apesar
das transformações culturais, a Comunidade descendente de Arthur Camilo perma-
nece dedicada em manter tradições de seus ancestrais negros, tais como o Reinado,
Festa de Nossa Senhora do Rosário e da Abolição, Bezenção, Folias de Reis, Batuque
e Festa do João do Mato e muitas outras. Muitas destas celebrações, inclusive,
movimentam o município, recebem guardas de outras Irmandades e demais fiéis
visitantes. A preservação de memórias de matriz africana na Comunidade incen-
tivaram pesquisas e documentários sobre os Arturos. Cantos e práticas rituais que
compõem as celebrações do Reinado revelam-se como verdadeiros guardiões de
memórias da Comunidade como os sentidos de sua religiosidade, relações familia-
res, identidade étnica.
No ano de 2014 a Comunidade recebeu o título de Patrimônio Cultural de Minas
Gerais na categoria lugares. No entanto, apesar da relevância que o título pode re-
presentar, tal categoria tende a apresentar limitações, já que não expressa adequa-
damente as múltiplas dimensões que atravessam as práticas culturais dos Arturos
enquanto sujeitos históricos e detentores de bens cujas raízes abrangem visões e
valores de matriz africana (oralidade, circularidade, energia vital, musicalidade, lu-
dicidade e cooperatividade). Fator muitas das vezes invisibilizados na produção dos
documentos e instrumentos técnicos necessários ao Registro do bem conforme os
procedimentos administrativos previstos para o reconhecimento pelo órgão esta-
dual responsável pela política de preservação cultural, o IEPHA1.
O presente artigo busca apresentar os passos iniciais de nosso estudo sobre
o canto no Congado da Comunidade dos Arturos como referência cultural afro-
-brasileira, com foco nas práticas rituais do Reinado dos Arturos a partir de suas
tradições orais e memória ancestral. Este estudo é desenvolvido no âmbito do Pro-
grama de Pós-Graduação em Patrimônio, Cultura e Sociedade (PPGPACS/UFRRJ),
como parte da nossa dissertação no curso de mestrado, portanto, um estudo ainda
APORTE TEÓRICO
A pesquisa terá como aporte teórico conceitos como: tradição oral africana,
conforme cita Jan Vansina (2010) e Ahamadou Hampaté Bá (2010); construção de
memórias, conforme argumentações de Pierre Nora e Michel Pollak; textualida-
de afro-brasileira em festas populares, segundo Reginaldo Prandi (2017) e Mar-
tha Abreu (1994), e no Congado Mineiro, com Glaura Lucas (2002), Leda Martins
(1997), Núbia Gomes e Edimilson de Almeida Pereira (2002). Sérgio Ferretti (1995)
e Caio César Boschi (1986) também integram este trabalho, como Maria
Cecília Londres Fonseca (2000), dentre outros autores.
O papel da memória se manifesta entre os Arturos desde o nome da Comuni-
dade. O termo “Arturos” é uma referência a Arthur Camilo Silvério, fundador do
grupo e pai da primeira geração da Comunidade, o responsável por transmitir as
tradições2. Arthur Camilo muda-se na primeira metade do século XX para terras
compradas por Camilo Silvério, seu pai. Dali, as primeiras gerações da família pas-
sam a depender do cultivo da terra, criam animais, constroem suas moradias e
articulam seus saberes. Entre 1965 e 1970, entretanto, a cidade de Contagem vê
sua paisagem sofrer modificações. Alguns espaços rurais passam por acelerados
processos de industrialização (VIEIRA, 2003: p.10) e muitos integrantes dos Arturos
são gradativamente introduzidos às fábricas na função de operários ou, no caso
das mulheres, passam a atuar como trabalhadoras domésticas em casas da cida-
de (GOMES E PEREIRA, 2000). A organização da Comunidade também passa por
transformações “na medida em que a indústria ocupou o lugar da agricultura como
principal geradora de recursos para o município” (GOMES; PEREIRA, 2000: p.167).
Apesar disso, festejos comuns à vivência rural e ao cuidado da terra continuam
a ser executados, como a Festa do João do Mato3. Além desta festa, da Comunida-
de o IEPHA inventariou outros bens4. Ao tratarem de práticas antigas sobre a terra
rio, Mestra do Batuque – Dona Tetane, Mestre Seu Antônio, Ofício Benzeção, Grupo Filhos de Zambi
(IPAC/IEPHA, 2014).
5 Grupo teatral formado por membros da Comunidade que articula tradições dos Arturos em
encenações. Além dos saberes da Comunidade, os Filhos de Zambi trabalham também com outras
temáticas ligadas à cultura afro-brasileira.
6 O Candombe é compreendido como “rito familiar que homenageia e invoca os antepassa-
dos e a Virgem do Rosário” (IEPHA, 2014: 77).
7 Instrumentos usados em ritos que invocam os ancestrais, como o Candombe.
METODOLOGIA
Como sabe-se, a pandemia internacional de Covid-19 alterou o ano de 2020
e, com isso, a condução de projetos de pesquisa para este ano foram modifica-
dos. Inicialmente, tínhamos organizado uma pesquisa empírica com visitas in loco
à Comunidade dos Arturos. A ideia era observar diretamente no campo a Festa da
Abolição, que aconteceria em 12 de maio, e a Festa de Nossa Senhora do Rosário
que aconteceria a partir do dia 12 de outubro.
Diante das medidas de isolamento social, optamos pela pesquisa bibliográfi-
ca e pesquisa documental. A primeira relaciona-se às fontes secundárias e será
executada na identificação e seleção de trabalhos/ estudos já realizados sobre a
Comunidade. A segunda forma de pesquisa se dará sobre fontes primárias, a partir
de documentos da própria Comunidade, Dossiê, Inventário de Referências Culturais
e Documentário IEPHA, de 2014.
Além disso, e apesar de o objeto desta discussão teórica se manifestar em cele-
brações cuja presentificação e corporeidade são essenciais, a execução das festas
estão momentaneamente canceladas e sem previsão de retorno. No entanto, o
Reinado dos Arturos possui vídeos de fácil acesso na internet e, os cantos, objeto
central desta investigação, tem algumas de suas transcrições registradas em obras
como a de Gomes e Pereira (2000) e de Lucas (2002).
A pesquisa bibliográfica, desse modo, conta com o levantamento de dados so-
bre a Comunidade a partir de Leda Martins (1997), Núbia Gomes e Edimilson de Al-
meida Pereira (2000), Glaura Lucas (2002), Romeu Sabará (1976) e Erisvaldo Santos
(2019) que serão algumas das referências para a contextualização dos Arturos. Para
embasamento da discussão sobre oralidade, performance e memória, os textos de
Jan Vansina (2010) e Ahamadou Hampaté Bá (2010); a construção de memórias, se
darão conforme argumentações de Pierre Nora e Michel Pollak, dentre outros.
A palavra que flui por meio da verbalização oral, mesmo que, para a cultura
escrita, pareça fugaz, tem sua permanência nas práticas das tradições orais e na
maneira como o homem a apreende e a utiliza. Assim, para Hampaté Bá, não ape-
nas a memória atua neste tipo de tradição, mas também os acordos sociais esta-
belecidos entre seus membros e as narrativas construídas são fatores essenciais
para a manutenção dos discursos, bem como o próprio homem que a transporta. O
autor inclusive defende que “os primeiros arquivos ou bibliotecas do mundo foram
o cérebro dos homens. Antes de colocar seus pensamentos no papel, o escritor
ou o estudioso mantém um diálogo secreto consigo mesmo” (HAMPATÉ BÁ, 2010;
p.168). Portanto, aprofundar pesquisas sobre as textualidades e/ gêneros textu-
ais das tradições do Congado que originam-se destes formatos de relação com a
memória, é ter em perspetiva que a visão de mundo destas comunidades e dos por-
tadores destes textos têm suas especificidades de organização do conhecimento,
bem como os caminhos para manter saberes.
Além das percepções sobre a paisagem sonora e a instrumentalização do verbo
serem diferentes, as maneiras de manipulação da linguagem e dos textos, fazem
surgir gêneros próprios das comunidades orais (VANSINA, 2010), sendo o canto um
deles, e, no contexto do Reinado, a dimensão ritual precisa ser considerada como
importante fator. Assim sendo, a estrutura que compõe o canto do Congado e sua
sonoridade, ao constantemente retomarem letras de canções e seus os ritmos, o
grupo está a invocar a memória de seus antepassados. O que é, inclusive, explici-
tamente citado nos cantos: Ih, essa gunga num é minha, ai, ai/ Essa gunga num é
Mesmo fora deste eixo, Pereira destaca em seu artigo8 a ausência dessas pro-
duções em poesias do modernismo, período em que, as artes (plásticas, cênicas e
3. Os conflitos ideológicos
O sô Padro abre a porta
Ô!
Que o nego qué entrá
Qué ouvi a santa missa
Que o Padro
Eterno vai celebrá
4. Valorização da etnicidade
Seo moçambiqueiro
Segura a toada
Que o povo de Angola
Não é caçoada
Nego de coroa
É nego batizado
Nego de coroa
Nego iluminado
CONCLUSÕES
Embora tenhamos avanços nas pesquisas sobre patrimônio cultural negro e/ou
afro-brasileiro, ainda são limitadas as investigações deste campo. O resultado das
análises feitas sob estes bens, tais como as realizadas pelo IEPHA, demonstram o
não desenvolvimento dos sentidos que performance e canto detém sobre os su-
jeitos detentores do bem, ou como estes elementos articulam-se em prol da pre-
servação de memórias de matriz africana. Canto e performance configuram não
apenas métodos de manutenção de ritos ancestrais, mas reivindicam o direito ao
passado. Assim, reconhecer a estética dos cantos, quanto estudá-los como guardi-
ões de memórias, aponta a complexidade destas produções e as lacunas de órgãos
como o IEPHA. Direcionar pesquisas para outras formas de se entender Memória e
Arte, amplia eixos de reflexão acadêmica e diversifica e construção científica.
REFERÊNCIAS
GOMES, Núbia; PEREIRA, Edimilson. Negras raízes mineiras: Os Arturos. 2. ed. Minas Ge-
rais: Maza Edições, 2000.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 12ª ed. Tradução Tomaz Tadeu
da Silva & Guaciara Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.
HAMPATÉ BÁ, Ahamadou. A tradição viva. In: ZERBO, Ki (ed.). História geral da África I:
Metodologia e pré-história da África. 2. ed. Brasília: UNESCO, 2010. v. 1, cap. 8, p. 167 -
212. ISBN 978-85-7652-123-5.
VANSINA, Jan. A tradição oral e sua metodologia. In: ZERBO, Ki (ed.). História geral da
África I: Metodologia e pré-história da África. 2. ed. Brasília: UNESCO, 2010. v. 1, cap. 7,
p. 139 - 136. ISBN 978-
85-7652-123-5.
AUTORIA
Beatriz dos Santos Chaves UFRRJ/ PPGPaCs
E-mail: beatrizdschaves@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3762064626538570
INTRODUÇÃO
Esta comunicação resulta de pequisa de pós-doutorado realizada no Instituto
Superior de Ciencias da Educação - ISCED de Lubango em Angola. Teoricamente
dialogamos com autores da epistemologia decolonial, interculturalidade, História
Oral, memória, patrimônio cultural e história local.
Ao elaborar e desenvolver o projeto Decolonizando tempos, espaços e memó-
rias: experiências educativas na Província de Huíla – Angola, buscamos compreen-
der como são realizadas as aulas e atividades educativas em escolas na Província
de Huíla, no tocante as questões da memória e experiências educativas a partir do
estudo de documentos e das memórias dos professores das Escolas de Educação
Básica.
Foi no emaranhado de relações entre escolas e seus sujeitos que investiguamos
como as memórias, o estudo da história e cultura das comunidades bem como os
saberes não escolares estavam ou não presentes nas Escolas de Educação Básica.
Considerando esse contexto, nossos questionamentos originais foram referen-
tes a como as questões da memória, patrimônio cultural e história e cultura das
comunidades de Huíla estão presentes nas salas de aulas?
O estudo foi realizado a partir de dados coletados em escolas, narrativas de pro-
fessores, Instituto Superior de Ciencias da Educação-ISCED em Lubango e Biblioteca
Pública de Lubango.
Procuramos investigar os diferentes saberes, fazeres e experiências amalgama-
das na produção do conhecimento escolar identificando como as memórias, os
patrimônios e culturas locais são agenciados nas práticas docentes em escolas na
província de Huíla em Angola.
UM POUCO DE ANGOLA
Disponibilizamos, de forma breve, algumas informações com o intuito de apre-
sentar a República de Angola aos leitores.
Angola está situada na África Austral e ocupa uma área de 1. 246.700Km2. Loca-
liza-se entre os 5 a 18 graus de latitude sul e de 12 a 24 graus de longitude. O seu
litoral é constituído basicamente por uma região de terras baixas, abrangendo toda
a faixa longitudinal em sentido norte-sul. Em pontos de planalto suas terras apre-
sentam uma altitude considerável entre 1.200 a 2.100 metros, aproximadamente
(MUACHIA, 2016).
NARRATIVAS MONADOLÓGICAS
Na perspectiva benjaminiana, memória é rememoração e a narrativa encontra-
-se intimamente relacionada ao ato de rememorar, entendido como o "exercício
do despertar, a possibilidade de ressignificação da própria experiência, através de
memórias conscientes e inconscientes cheias de significados, sentimentos e so-
nhos" (ROSA; RAMOS; CORRÊA; ALMEIDA JUNIOR, 2011, p. 203). O rememorar é,
ainda, entrecruzamento de tempos e espaços, pois "ao rememorar voltamos ao
passado com as lentes do presente, para que nesta reconstrução das lembranças,
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.
114-119. (Obras Escolhidas, v. 1).
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte. Ed. Da UFMG/ Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2007.
CHIPALAVELA, Maria João Francisco. [Dez. 2019]. Entrevistador: Elison Antonio Paim.
Lubango, Angola, 23 dez. 2019.
FRANÇA, Cyntia Simioni. O canto da Odisseia e as narrativas docentes: dois mundos que
dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional. Tese (Doutorado) – UNI-
CAMP/FE, São Paulo, 2015.
GALZERANI, Maria Carolina Bovério. Imagens que lampejam: contribuições de Walter Ben-
jamin para a produção de conhecimentos históricos. Encuentro de Saberes. Luchas popu-
lares, resistências Y educación, Buenos Aires-Argentina, v. 1, p. 53, 2013.
KILUANGE, Joana Bula. In: SANTOS, Katya. Pedaços da História: Angola nas palavras de
quem viveu.2018, p. 227-233
PEARCE, Justin. A guerra civil em Angola: 1975-2002 - 1ªED, Lisboa: Tinta da China Edições,
2017.
QUINTAS, Joana; BRÁS, José Gregório Viegas; GONÇALVES, Maria Neves; A Formação de
Professores em Angola: reflexões pós-coloniais. In Revista Transversos. "Dossiê: Reflexões
Sobre e de Angola - Inscrevendo Saberes e Pensamentos". N° 15, Abril, 2019, pp.
31-46 Disponível em <https://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/transversos/index>.
ISSN 2179-7528. DOI:10.12957/transversos.2019.41841.
ROSA, Maria Inês Petrucci. Currículo e narrativa: potencialidades das mônadas para uma
outra compreensão dos acontecimentos educativos. Currículo sem Fronteiras, v.11, n.1,
pp.198-217, Jan/Jun 2011
SOUSA, Sérgio. [Out. 2019]. Entrevistador: Elison Antonio Paim. Lubango, Angola, 12 out.
2019.
ZAU, Fillipe. Educação em Angola: Novos Trilhos Para o Desenvolvimento. Luanda: Movi-
livros, 2009. Acessado em 30 de Maio de 2019, de www.adelinotorres.com: http://www.
adelinotorres.com/teses.htm.
AUTORIA
Elison Antonio Paim
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
E-mail: elison0406@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7509-5572
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8695520812750828
INTRODUÇÃO
O Museu do Negro está situado dentro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
e São Benedito dos Homens Pretos, na Rua Uruguaiana, Centro do Rio de Janei-
ro. Construída no século XVIII, a igreja pode ser considerada o primeiro templo
brasileiro construído exclusivamente pela iniciativa dos “escravizados livres”, tor-
nando-se um polo de religiosidade e, também, um local de refúgio para pessoas
escravizadas que fugiam das senzalas no período escravocrata.
A construção da igreja é oriunda de várias tensões, como territoriais e ideoló-
gicas. Isso porque em 1667, ocorreu a unificação das confrarias de Nossa Senhora
do Rosário e de São Benedito dos Homens Pretos. - assim formou-se a irmandade
"de mesmo nome" – que, nesta época, "localizavam-se" nas dependências da an-
tiga Igreja de São Sebastião do Morro Castelo. Devido "a concessão" do título de
Catedral da cidade à Igreja, ocorreu um conflito entre a irmandade e o Cabido1 res-
ponsável "por ela", fato que gerou o desligamento da irmandade das dependências
daquele templo
No ano de 1708, após a doação de um terreno – na época localizado na rua da
Vala, atual rua da Uruguaiana – a irmandade começou a construção da sua igreja
e, somente em 1938, o imóvel foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN).
Os escravizados que chegavam na igreja traziam consigo instrumentos de tor-
turas do sistema escravocrata. Esses objetos, por sua vez, foram sendo resgatados
pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos
que, além de abrigar a população negra, era uma grande força abolicionista, recru-
tando ações financeiras com a finalidade de comprar cartas de alforrias.
No ano de 1967, a igreja foi atingida por um grande incêndio que devastou
sua estrutura e parte do seu acervo. Devido a esse episódio, a irmandade decide
em 1969 criar o Museu do Negro, portanto, esse patrimônio histórico possui um
acervo que contém objetos de devoção religiosa e documentos históricos do negro
no Brasil. A construção no estilo barroco tem 284 anos e sobreviveu ao processo
1 Organização com vários cônegos em uma catedral - “Sacerdote que pertence a um cole-
giado de uma igreja, trabalha com serviços administrativos, auxiliando também na administração da
diocese”. Saber mais: https://www.dicio.com.br/conego/ - Acesso 29.10.2020
APORTE TEÓRICO
Nessa direção, a abordagem crítica utilizada decorre das leituras provenientes
de consultas bibliográficas de autoras e autores cuja ótica e proposta se aproxi-
mam da realidade do Museu do Negro. Tendo como base teórica Andréa Lúcia da
Silva de Paiva (2007), Janaina Cardoso De Melo (2013), Patricia Hill Collins (1998) e
Franz Fanon (2009) .
Ressaltamos aqui o trabalho de PAIVA (2007), que se intitula “Museu dos Escra-
vos, Museu da Abolição: o Museu do Negro e a arte de colecionar para patrimo-
niar”. A relevância deste artigo caminha juntamente com a relevância da presente
pesquisa, haja vista que foi a única referência encontrada contendo o Museu do
Negro como objeto de estudo direto. A autora nos traz:
OBJETIVOS
O objetivo principal da pesquisa é analisar o impacto do fechamento do Museu
do Negro no imaginário social e naqueles que possuíam contato com o espaço.
Tendo em vista a importância do Museu na construção memorial e identitária do
país, fato trazido na própria história do patrimônio e no corpus documental da
pesquisa. Portanto, através das análises e hipóteses extraídas, este trabalho pre-
tende apontar caminhos para novas perspectivas que possibilitem em específico a
reabertura do Museu e, em geral, a valorização das heranças afro-diaspóricas na
sociedade brasileira, trazendo também como possibilidade um maior investimento
dos órgãos públicos para esse espaço através do impacto da pesquisa.
A pesquisa dialoga com as seguintes hipóteses: (A) O fechamento do Museu
ocorre pela perpetuação do racismo estrutural, que visa o apagamento da memó-
ria da história negra no país. E isso se reflete na negligência dos órgãos públicos
para a manutenção do espaço,(B) A coexistência do museu com um espaço reli-
gioso traria tensões na sua manutenção e valorização e (C) As pessoas frequentam
outros museus do RJ, porém desconhecem a existência do Museu do Negro.
METODOLOGIA
No que tange à metodologia foram adotados dois métodos: qualitativo e quan-
titativo. Com vistas à análise compreensiva de materiais históricos e acadêmicos
acerca do Museu e da Igreja, em consonância a aplicação de surveys e entrevistas
semi-estruturadas.
Desse modo, o exame se desenvolveu da seguinte forma: a) Levantamento de
dados do museu e da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Ho-
mens Pretos. Através de documentos legais e históricos, e produções acadêmicas
sobre o espaço. b) Aplicação de surveys no perímetro do museu - Praça Monte
Castelo; Rua dos Andradas; Rua Uruguaiana e Rua reitor Azevedo Amaral - para
pedestres do local em três turnos: manhã, tarde e noite. O critério de seleção utili-
zado recaiu sobre a abordagem heterogênea com marcadores identitários concer-
nentes à raça, classe, renda, bairro, cor, nacionalidade, gênero, idade, objetivando
uma análise interseccional (COLLINS, 1998). c) Duas entrevistas com o curador do
Museu do Negro, uma sem roteiro e com anotações de campo e outra gravada e
4 Entrevista transcrita pelas autoras e está disponível na plataforma Google Drive - https://
docs.google.com/document/d/17qs1B7GBUB6Rgh0XAQ2ft6WAzD0W0n3hvN9B5K7miHM/edit?usp=s
haring
QUESTIONÁRIOS
Com a finalidade de dimensionar o conhecimento da existência do museu den-
tre a população civil, criamos e aplicamos questionários aos pedestres que passa-
vam nas ruas do perímetro do museu: Rua da Uruguaiana; Praça Monte Castelo,
Rua dos Andradas e Rua Reitor Azevedo Amaral. Até o presente momento analisa-
mos 15 surveys aplicados no turno da manhã7, utilizando o princípio da aleatorie-
dade como critério de abordagem.
5 Instituição que não dispõem de orçamento financeiro para arcar com a manutenção ou
reforma de um bem. Saber mais em: http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=f-
397314c-6e89-4e94-b2e9- d05e06d3b6ca&groupId=10136 - Acesso 01.10.2020.
6 Para mais informações consultar o site: http://www.mpf.mp.br/rj e no campo de busca digi-
tar Ref.: Inquérito Civil no 1.30.001.002591/2012-05 do processo civil de intervenção do no Museu do
negro.
7 Essas entrevistas ocorreram no final do ano de 2019 e estava previsto para voltar junto com
o período letivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Essa etapa foi impactada pela pandemia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Haja vista o passado brasileiro escravocrata, em confluência o legado para popu-
lação negra, o estabelecimento de um Museu do Negro é um grande monumento
histórico da resistência cultural negra no país. A supracitada instituição apresenta
a singularidade de estar inserido em um templo religioso e em um prédio histórico,
construído por mãos negras que visavam assentar neste lugar sagrado um local
para celebrar a sua liberdade, sendo eles agentes e protagonistas da própria cons-
trução. Cabe salientar que a construção apresenta a intersecção entre a liberdade
e territorialidade, ou mesmo, profano e o sagrado. Seu fechamento no ano de 2019
é carregado de tensões que vão além das más estruturas prediais.
Conforme as análises apresentadas nesta pesquisa, apesar de iniciais, o fecha-
mento do Museu do Negro apresenta os seguintes fatos: o racismo estrutural afeta
as relações cotidianas da cidade, a relação do museu com o território, e a cone-
xão(ou ligação) do corpo da Igreja católica para com esse espaço. Perpassando
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BICUDO, Virgínia Leone. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Edição organi-
zada por Marcos Chor Maio. São Paulo: Sociologia e Política, 2010. 192 p.
BARBOSA, Francisco de Assis. Apresentação. In: LACOMBE, Américo Jacobina; SILVA, Edu-
ardo; BARBOSA, Francisco de Assis. Rui Barbosa e a queima dos arquivos. Edição I, Brasília:
Ministério da Justiça; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988, p. 11-26.
COLLINS, Patricia Hill. Fighting Words: Black Women and the Search for Justice. Univ. Of
Minnesota Press; First edition Edição, 1998
FANON, Frantz. Pele Negra. Máscaras Brancas. Rio de Janeiro: Ed. Fator, 1983.
FANON, Frants. Racismo e Cultura. In: LANDI, Gabriel; MANOEL, Jones.; ed. Autonomia
Literária, Revolução Africana-Uma antologia do pensamento marxista, p. 46-57
MELLO, Janaina. (2013). A representação social da escravidão nos museus brasileiros: in-
terfaces entre a Museologia e a História. Sankofa (São Paulo), 6(10), 43-59. https://doi.
org/10.11606/issn.1983-6023.sank.2013.88893
PAIVA, Andréa Lúcia da Silva de.; Museu dos Escravos, Museu da Abolição: o Museu do
Negro e a arte de colecionar para patrimoniar. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário de
VASSALLO, S. P.; CICALO, A. Por onde os africanos chegaram: o Cais do Valongo e a ins-
titucionalização da memória do tráfico negreiro na região portuária do Rio de Janeiro.
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 21, n. 43, p. 239-271
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como escopo analisar as mudanças ocorridas no decorrer da
trajetória histórica de 118 anos da Associação Satélite Prontidão (ASP), a partir da
constituição de um Memorial institucional. A agremiação é um clube social negro,
em funcionamento desde 1902, que promove ações relacionadas à cultura, ao la-
zer, à assistência social, à saúde e à educação para negros e negras da cidade de
Porto Alegre. Clubes sociais negros são lugares de cidadania, territorialidade e em-
poderamento, onde diferentes grupos se reúnem para atividades de socialização
familiar, solidariedade, organização política, valorização da cultura ancestral, edu-
cação antirracista, elevação da auto-estima, potencialização de pertencimentos e
afirmação de identidades negras. Nesse sentido, a investigação tem como objetivo
definir os marcos sócio- históricos que caracterizam a Associação Satélite Pronti-
dão, buscando preservar sua história e memória centenárias. Os aportes teóricos
estão fundamentados em autores que têm se ocupado em pesquisar o movimento
negro brasileiro, e, em especial, aqueles que se dedicam a pensar acerca das traje-
tórias de clubes sociais negros. Além disso, o estudo conta com contribuições teó-
rico-metodológicas de pesquisadores que tratam sobre as temáticas da cultura, da
memória e do patrimônio. A constituição do Memorial da ASP foi suscitada a partir
do anseio de um coletivo que busca conhecer diferentes marcos de um passado
que insiste em não passar, tornando este passado presente, garantindo visibilida-
de às experiências que envolvem trajetórias de instituições e sujeitos negros na
história do nosso país.
Com 117 anos de existência, a ASP, adota como data de fundação o dia 20 de
abril de 1902 e se configura como uma instituição historicamente apta e ampla-
mente credenciada para o desenvolvimento de atividades de cunho social, cultural
e assistencial. Para o desempenho dessas atividades, conta em seu quadro diretivo
com voluntários habilitados em áreas diversas, dentre as quais se destacam edu-
cadores físicos, pedagogos, assistentes sociais, sanitaristas, bibliotecários, historia-
dores, advogados, contadores e outros.
Atualmente, a ASP se caracteriza como um território negro da cidade de Porto
Alegre, pois estes são espaços onde
Por outro lado, a história é uma reconstrução daquilo que já não é mais, abri-
gando diferentes interpretações e reconstruções acerca do passado. A história, en-
tão, pode ser entendida como campo de produção de conhecimentos que se utiliza
de teorias explicativas, documentos, indícios e vestígios que auxiliam a explicar as
ações humanas em movimentos estabelecidos no tempo e no espaço. Segundo
de Decca, no coração da história trabalha um criticismo destruidor da memória
espontânea, a memória é sempre suspeita à história. O referido autor afirma que
a memória coletiva encontra-se refugiada em lugares pouco visíveis, onde alguns
grupos a mantêm resguardada do “assalto” da história. Enquanto a memória esfor-
ça-se para assegurar o sentimento de identidade de grupo ou de grupos, a história
desfaz identidades e põe em crise o próprio enunciado do sujeito histórico (DE
DECCA, 1992). Por seu lado, Foucault nos alerta que é preciso desligar a história da
imagem de “uma memória milenar e coletiva que se servia de documentos mate-
riais para reencontrar o frescor de suas lembranças”. Para ele, a história é
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com fins exploratórios, que utilizou a aná-
lise de conteúdo como método. Segundo Bardin (1977), a análise de conteúdo é,
RESULTADOS E ANÁLISE
Como resultado da investigação, podemos destacar a identificação de ex-sócios
e frequentadores do clube que poderão contribuir para a reconstrução da história
do clube por meio das narrativas de história oral. Verificou-se que ainda existem
no quadro social alguns griots que poderão produzir excelentes narrativas para
a constituição do acervo do Memorial. Quanto à categorização dos materiais do
acervo, os objetos encontrados foram classificados como bibliográficos, museo-
lógicos e arquivísticos. Identificou-se que há pouco material bi e tridimensional
e muitos documentos contabilísticos, fiscais e fotográficos. Além disso, o acervo
conta apenas com objetos a partir dos anos 50, pois a enchente dos anos 40 com-
prometeu o material institucional das décadas anteriores. A análise do acervo con-
tribuiu para a compreensão dos dois principais marcos da trajetória histórica da
Associação Satélite Prontidão, quais sejam: a) MUDANÇAS: mudanças temporais e
territoriais como a fundação, fusão e trocas de sedes; b) ASSOCIATIVISMO: atua-
ção social relacionada a auxílio mútuo, práticas recreativas, atividades esportivas,
vivências culturais e ações educativas. A fim de mapear os principais marcos do
percurso histórico da ASP, elaborou-se a seguinte linha do tempo (Imagem 2).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A organização do Memorial da ASP não tem sido um processo simples e muito
menos fácil. Tal processo, complexo e multifacetado, vem propiciando conhecer a
trajetória centenária de um clube social negro importantíssimo para a articulação
da resistência e manutenção da ancestralidade do povo negro na cidade de Porto
Alegre. Os clubes sociais negros tiveram um papel essencial no pós-abolição e pre-
cisam ter suas histórias contadas e sua função social ressignificada no momento
atual.
A partir da investigação realizada, é possível perceber que a Associação Satélite
Prontidão – ASP possui dois grandes marcos sócio-históricos, sendo estes as mu-
danças e o associativismo. A trajetória da ASP não é linear e constitui-se por meio
de uma rede de articulações entre os contextos históricos e os espaços ocupados
pela instituição (mudanças) e a função social do clube (associativismo negro).
Produzir narrativas e estabelecer os marcos sócio-históricos tende a viabilizar a
organização física e virtual do Memorial da ASP enquanto um lugar de memória e
múltiplas histórias, contribuindo com a construção identitária do negro a partir de
sua potência, ou seja, sua capacidade de organização por meio das famílias em um
espaço associativo.
REFERÊNCIAS
BEZERRA, Ana Lúcia Sulina. As Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pre-
tos no Brasil: Identidade e Diferença Cultural. Projeto História: Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados de História, [S.l.], v. 51, ago. 2015. ISSN 2176-2767. Disponível
em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/19132/19300. Acesso em: 28 set. 2019.
ESCOBAR, Giane Vargas. Clubes Sociais Negros: lugares de memória, resistência negra,
patrimônio e potencial. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Patrimônio Cultu-
ral). Santa Maria: UFSM, 2010.
FEIJÓ, Ana Lúcia Felippe. Os 110 anos da Associação Satélite Prontidão em uma viagem
através da fotografia (2012-2013). 2013. 48 f. Trabalho de conclusão de curso (Especiali-
zação em Pedagogia da Arte) - Programa de Pós-graduação em Pedagogia da Arte, Facul-
dade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
MULLER, Liane Susan. As constas do meu Rosário são balas de artilharia. In: SANTOS, José
Antônio dos. SILVA, Gilberto Ferreira (org.). RS negro: cartografias sobre a produção do
conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009. p. 262-271.
NASCIMENTO, Mara Regina do. A Irmandade do Rosário de Porto Alegre diante dos con-
troles civis e eclesiásticos, no século XIX. ANPUH – XXV Simpósio Nacional de História –
Fortaleza, 2009. Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-
01/1548772006_511c76b5a58a57b6466b872179799355.pdf. Acesso em: 28 set. 2019.
CORRÊA, Leticia Xavier Corrêa; HECK, Adalberto da Rocha. Segregação Racial: O lugar do
negro em Porto Alegre/RS - O bairro Rubem Berta. Anais XVIII ENANPUR 2019. Disponível
em: http://anpur.org.br/xviiienanpur/anais. Acesso em: 28 fev. 2020.
NORA, Pierre.Entre memória e história: a problemática dos lugares. n. 10. Projeto Histó-
ria. São Paulo:PUC-SP, 1993.
STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Camara. História, memória e história da edu-
cação. In: (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Vol. III: século XX.
Petrópolis: RJ: Vozes, 2005, p. 416-429.
Eráclito Pereira
Giane Vargas Escobar
INTRODUÇÃO
O conceito de clube social negro foi construído em 29 de fevereiro de 2008,
durante um encontro em Brasília, com a presença do escritor e poeta da Consciên-
cia Negra, Oliveira Silveira, o Ministro-Chefe da Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR-PR), o sociólogo
Edson Santos e os integrantes da Comissão Nacional de Clubes Sociais Negros do
Brasil1 dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro
e Minas Gerais.
Este conceito foi legitimado pela SEPPIR-PR, com vistas a dar conta das deman-
das de um segmento que se autodefiniu naquele momento histórico e exigiu do
Estado uma ação política de proteção e salvaguarda do seu patrimônio em vias de
desaparecer.
Os clubes sociais negros prestaram inúmeros serviços à comunidade negra e
à sociedade brasileira, pois faziam o que o Estado deixava de fazer. Eles surgiram
como um contraponto à ordem social vigente (em especial, a partir do século XIX), o
que possibilitou uma intensa ascensão econômica, política e social, sentimento de
pertença a um grupo, afirmando uma identidade negra positiva com a sua visão de
mundo, gerando com isso mobilidade social, autoestima elevada dos seus asso-
ciados, que seguiam padrões rígidos de comportamento, de moralidade e de bem
viver, forjando, de certa forma, uma classe média negra emergente.
2 Clubes Sociais Negros serão mapeados em todo o país. Disponível em: http://arquivo.
geledes.org.br/areas-de- atuacao/questao-racial/afrobrasileiros-e-suas-lutas/23903-clubes-sociais-
-negros-serao-mapeados-em-todo-o-pais. Acesso em: 19fev2016.
OBJETIVOS
GERAL
Organizar e sistematizar as informações e pesquisas sobre os Clubes Sociais
Negros do Brasil e do exterior, com vistas a criação de uma plataforma digital na
internet.
ESPECÍFICOS
1. Criar uma estrutura básica para a difusão e acesso ao acervo do centenário Clu-
be 24 de Agosto de Jaguarão, por meio de materiais didáticos, catálogo, exposições
e site, seguindo as diretrizes da LDB e da Lei 10639/03.
2. Desenvolver textos informativos para publicação no Site do Clube 24 de Agosto,
onde se pretende inserir o Banco de Dados do Acervo Fotográfico das Rainhas Ne-
gras do Clube 24 de Agosto e o mapeamento dos Clubes Sociais Negros do Brasil.
3. Tornar conhecido o mapeamento dos Clubes Sociais Negros do Brasil realizado
entre 2001 a 2010, por pesquisadores/as acadêmicas/os negros e negras em mo-
vimento e, em 2015, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN).
METODOLOGIA
A pesquisa de caráter qualitativo (GUERRA, 2010) articula questões aliadas ao
campo dos estudos culturais e do pós-abolição. Pretende-se ainda, refletir, descre-
ver e perceber os olhares das instituições no que se refere ao reconhecimento do
Patrimônio Cultural Negro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos afirmar que os primeiros resultados desta pesquisa são a apropriação
dos conceitos e técnicas que estão sendo colocados em prática no desenvolvimen-
to das categorias, textos e construção do layout que irão compor a plataforma
digital na internet.
Espera-se com a finalização desta pesquisa lançar uma plataforma digital na in-
ternet e que a mesma possa visibilizar os diversos espaços de sociabilidade negra
que foram desenvolvidos, em sua ampla maioria, no pós-abolição e que permane-
cem ainda hoje pouco difundidos nos currículos escolares e na academia.
Ao longo de quatro anos pretende-se, também, produzir materiais didáticos
visando a educação básica, com a produção de exposição, site e um catálogo evi-
denciando as Rainhas Negras dos Clubes Sociais Negros do Brasil e Uruguai.
REFERÊNCIAS
AL-ALLAM, Caiuá Cardoso, ESCOBAR, Giane Vargas; MUNARETTO, Sara Teixeira. Clube 24
de Agosto (1918-2018): 100 anos de resistência de um clube social negro na fronteira Brasil-
-Uruguai. Porto Alegre: Editora ILU, 2018.
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê Final das Atividades
da Comissão e do Grupo de Trabalho de Patrimônio Imaterial. Departamento de Patrimônio
Imaterial/Iphan, 2003.
ESCOBAR, Giane Vargas. Clubes Sociais Negros: lugares de memória, resistência negra, pa-
trimônio e potencial. 221 pp. Dissertação. Mestrado em Patrimônio Cultural, Universidade
Federal de Santa Maria, 2010.
ESCOBAR, Giane Vargas. Projeto de Pesquisa Clubes Sociais Negros do Brasil: mapeamen-
to, memória, patrimonialização e Educação das Relações Étnico-Raciais. Plataforma SIPEE,
nº 20200604232216. Universidade Federal do Pampa Campus Jaguarão. 2020.
RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo:
Imprensa Oficial/Instituto Kuanza, 2007.
SILVA, Fernanda Oliveira da. As lutas políticas nos clubes negros: culturas negras, raciali-
zação e cidadania na fronteira Brasil-Uruguai no pós-abolição (1870-1960). 279 pp. Tese.
Doutorado em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.
AUTORIA
Eráclito Pereira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
E-mail: eraclito@ufrgs.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2348-8104
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6885347338042001
INTRODUÇÃO
O presente artigo parte de inquietações, dificuldades e afetos que me encon-
traram quando eu, estudante do Curso de Produção e Política Cultural adentrei
na Universidade Federal do Pampa (Unipampa) Campus Jaguarão, no segundo se-
mestre de 2019. Escrevo a partir de minhas vivências, conectada ao pensamento
de outras mulheres negras, inspirada no conceito de escrevivência de Conceição
Evaristo (2008), que alude sobre a escrita que emerge de experiências de pessoas
negras no Brasil. Portanto, é deste lugar que escrevo, do corpo de uma mulher ne-
gra, entendida aqui como uma mulher africana da diáspora brasileira (GAIA; SCOR-
SOLINI-COMIN, 2020), que foge dos padrões heteronormativos.
É de dentro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas Maria Cezarina
Cardozo (NEABI MOCINHA) da Unipampa Campus Jaguarão que parte meu olhar
para esta pesquisa, me impulsionando a trazer as questões que acometem ou aco-
meteram não só a mim, mas a outras mulheres negras que estão ou estiveram
nesta Universidade. Para a compreensão do que é o NEABI MOCINHA, o estudo
trará um breve histórico de sua construção, bem como apresentará Maria Cezarina
Cardozo, a mulher negra escolhida para nomear o Núcleo.
Considero este Núcleo tão importante para minha trajetória acadêmica como
para minha vida pessoal, pois, além de ter tido significante papel no processo de
(re)conhecimento do meu corpo preto, foi neste espaço que pude ressignificar o
amor, me permitindo olhar para meu interior e me amar desde dentro, amar mi-
nhas experiências, meu corpo negro e outras mulheres negras. bell hooks, em seu
artigo Vivendo de Amor, explana:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa ao fazer uma reflexão sobre a influência de Maria Cezarina Cardoso,
enquanto mulher negra e por suas contribuições no carnaval da cidade, identifica
que a questão de sua negritude ainda não é encontrada em obras acadêmicas,
dando a relevância necessária, levando em conta o tempo e o espaço em que suas
atuações se dão, deixando possibilidades para possíveis pesquisas futuras.
Mesmo que elucidadas as problemáticas que impedem uma saudável estadia
na Unipampa Campus Jaguarão, no que se refere a saúde alimentar e psicológica,
entre outras, é preciso evidenciar a relevância da existência do NEABI Mocinha,
pois ele auxilia sobremaneira na permanência de mulheres negras na UNIPAMPA
Campus Jaguarão, a medida que oferece um espaço de escuta, acolhimento, aqui-
lombamento, ensino e pesquisa dos estudos que permeiam a vida de pessoas ne-
gras, empoderando essas mulheres. Mocinha, portanto, muito além de um nome,
REFERÊNCIAS
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas por
emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Trad. Jess Oli-
veira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
NUNES, Georgina Helena Lima. Ser mulher, sul mulher: “a gente tem que sempre fazer
vento!” In: SILVA, Joselina, PEREIRA, Amauri Mendes. (Orgs). O movimento de mulheres
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte (MG): Letramento, 2017.
ENTREVISTAS
CRISTAL. Cristal: depoimento. [set. 2020]. Entrevistadora: Amanda C Alves Pereira. Entre-
vista concedida para publicação em artigo.
JOANA. Joana: depoimento. [set. 2020]. Entrevistadora: Amanda C Alves Pereira. Entre-
vista concedida para publicação em artigo
MARIA. Maria: depoimento. [set. 2020]. Entrevistadora: Amanda C Alves Pereira. Entre-
vista concedida para publicação em artigo.
AUTORIA
Amanda Caroline Alves Pereira
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
E-mail: amandacpereira01@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8616-0715
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2695191876796244
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é compreender o relatório de Mapeamento dos Clu-
bes Sociais Negros no Brasil: Análise e Sistematização de Informações, realizado
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que ocorreu
após a Comissão Nacional dos Clubes Negros, em 2009, o qual solicitava o registro
e a inclusão dos Clubes sociais Negros no Livro de Registro dos Lugares de memoria.
A hipótese suleadora é que a conclusão e a resposta negativa sobre o reconheci-
mento dos clubes como patrimônio imaterial vem de uma ótica embranquecida
e não reconhece as diferentes formas de organização das sociedades negras. O
propósito desta pesquisa é apresentar as inquietações e reflexões sobre a visão
de mundo embranquecida com que o Instituto explorou os clubes e, sobretudo
perceber a continuidade do apagamento da cultura negra através do Estado. Os
metodologia desta pesquisa é de caráter qualitativo, onde considera-se a subje-
tividade do objeto estudado e a percepção do pesquisador, bem como os fatores
que culminam na conclusão deste relatório. Utilizamos o método descritivo, pois
este artigo possui o objetivo de expor os fatores que compõem o resultado do ma-
peamento elaborado pelo IPHAN. Conforme Minayo (1993), a pesquisa é uma ação
que busca trazer respostas aos questionamentos, que faz uma combinação entre
teoria e dados, é um cenário que não tem fim. A intenção é ir além de dados nu-
méricos e porcentagens, mas sim, de analisar profundamente todos os fatores que
envolvem os atores que coexistem nesta realidade com a aplicação de ferramentas
e processos científicos (GIL apud SILVA e MENEZES, 2001).
As autoras explicam que foi no contexto daquele cenário pulsante das lutas dos
movimentos negros, que em 2006, numa iniciativa do Museu Comunitário Treze
de Maio de Santa Maria e de alguns clubes sociais negros do Estado do Rio Gran-
de do Sul, com o apoio do Governo Federal, através da Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR e Prefeitura Municipal de Santa Maria, que
ocorreu o I Encontro Nacional de Clubes e Sociedades Negras.
Conforme as pesquisadoras, importantes pautas foram construídas, no sentido
de reivindicar a patrimonialização dos Clubes Sociais Negros no Brasil e deliberar
ações de salvaguarda sob a responsabiliade do Estado e também do próprio Movi-
mento Clubista:
O pedido de Registro dos Clubes Sociais Negros como Patrimônio Imaterial Bra-
sileiro e sua inclusão no “Livro de Registro dos Lugares de memória” foi encami-
nhado ao IPHAN, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 13 de
maio de 2009, em Brasília, pela Comissão Nacional de Clubes Sociais Negros. Nessa
mesma oportunidade, a Comissão Nacional solicitou ao IPHAN autorização para
utilizar a Metodologia do INRC, o Inventário Nacional de Referências Culturais com
vistas a ir em busca de recursos para proceder o inventário nacional. Embora todos
os esforços por parte dos membros dessa comissão, tanto de Santa Maria como do
Paraná, mesmo com o projeto já incluído em plataformas governamentais e com
o recurso na iminência de ser destinado, em 2008 e 2010 não foi possível efetivar
o projeto e, finalmente no ano de 2014, graças aos esforços, luta e reivindicações
da sociedade civil, por parte do Movimento Clubista, o Governo Brasileiro resolveu
assumir esta demanda e efetivar a proposta do movimento clubista, já prevista na
Carta de Santa Maria, desde o ano de 2006.
Na atualidade os Clubes Sociais Negros, muitos centenários, reivindicam o di-
reito à memória e ao reconhecimento de um importante segmento da população
afro-brasileira na história deste país, ou seja, os espaços de sociabilidade e soli-
dariedade construídos pelos negros, em especial no período pós-abolição. Toda
memória pressupõe registro, materializado até mesmo no próprio corpo. É neces-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo que a sociedade ainda acredite no mito da democracia racial e na falá-
cia de que não existe racismo no Brasil, as ações afirmativas, impulsionadas pela
Lei 10639/03, que torna obrigatorio o ensino da cultura africana e afro-brasileira
ns currículos e os Clubes Sociais Negros estão a todo momento contestando e afir-
mando que sim, existe racismo e é preciso problematizá-lo e combatê- lo cotidina-
mente.
As instituições hegemonicamente brancas começaram a perceber a existência
destas organizações negras seculares, entretanto, lançam um olhar ainda sob a óti-
ca e moldes colonizadores, nomeiam, encontram fragilidades e excluem suas for-
mas de existir sob alegação de não estarem dentro dos padrões, desconsiderando
a existência negra e os lugares de resistência que em sua maioria são a única mão
auxiliadora que aquela comunidade possui, mantendo viva a proximidade com as
tradições.
É preciso compreender e respeitar as formas de existência de cada clube, suas
particularidades e limitações são experiências únicas e merecem o devido reconhe-
cimento. Que o IPHAN reconheça a importância e o respeito às particularidades
dos Clubes Sociais Negros, e que o Movimento Clubista possa ser aliado na busca
de novas descobertas. A filosofia Africana tem como pressuposto a transmissão de
conhecimentos através da oralidade, que é algo sagrado e tais costumes devem
REFERÊNCIAS
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê Final das Ativida-
des da Comissão e do Grupo de Trabalho de Patrimônio Imaterial. Departamento de Pa-
trimônio Imaterial/Iphan, 2003.
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Mapeamento dos Clubes
Sociais Negros no Brasil: Análise e Sistematização de Informações, 2015.
ESCOBAR, Giane Vargas. Clubes Sociais Negros: Lugares de Memória, resistência negra,
patrimônio e potencial. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós Graduação Profissio-
nalizante em Patrimônio Cultural, Universidade Federal de Santa Maria, RS, 2010.
ESCOBAR, Giane Vargas; MORAES, Ana Luiza Coiro. Clubes Sociais Negros: memória e
ações para o reconhecimento como Patrimônio Cultural Afro-Brasileiro. In: PAIXÃO, Cas-
siane de Freitas; LOBATO, Anderson P. C. Os Clubes Sociais Negros no Estado do Rio Gran-
de do Sul. Cassiane de Freitas Paixão, Anderson O. C. Lobato (Organizadores). Rio Grande:
Ed. da FURG, 2016.
MACEDO, João Heitor. Narro para narrar o outro A influência Africana sobre a lei
10.639/03: Cultura, Educação e ensino de história para o combate ao racismo. 2018. 136p.
(Dissertação)Doutorado em História – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria,
2018.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec, 1993.
ENTREVISTA
DUTRA, Catia Cilene Morais. Catia Cilene Morais Dutra: Depoimento. [ Set.2020]. Entre-
vistadora: Ariane de Sá de Andrade Cruz. Entrevista concedida para publicação no XI CO-
PENE.
AUTORIA
Ariane de Sá de Andrade Cruz
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
E-mail: arianecruz.aluno@unipampa.edu.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3786-7535
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7201908456583480
INTRODUÇÃO
No ano de 2018, o Clube Social Negro 24 de Agosto, localizado na cidade de
Jaguarão/RS, fronteira Brasil-Uruguai, completou cem (100) anos de existência e
resistência. De sua história, muitas pessoas e instituições fizeram parte. Na ten-
tativa de divulgar essa longa trajetória, no ano subsequente (2019), foi elaborado
um jogo que pode ser utilizado de forma pedagógica em ambientes escolares e
não-escolares. Neste sentido, o presente trabalho se constitui como um relato de
experiência teórico-metodológico do processo de produção desse material didáti-
co, o qual foi elaborado como parte do trabalho final da disciplina de Estágio Super-
visionado III, do Curso de História-Licenciatura da Universidade Federal do Pampa
- Campus Jaguarão. Embasados nas contribuições de Al-Alam, Escobar e Munaretto
(2018) sobre a história do supracitado clube; nas ponderações de Huizinga (2000)
e Pereira & Giacomoni (2013) sobre a potencialidade pedagógica e representati-
vidade dos jogos; assim como em Silva & Silvério (2003) que nos ensinam sobre
a importância dos(as) negros(as) na produção do conhecimento; e nas conside-
rações de Bittencourt (2009) sobre os diferentes materiais didáticos no ensino de
história, buscamos divulgar neste artigo, o processo criativo do jogo didático de
cartas/tabuleiro, procurando responder às seguintes questões: como apresentar o
Clube 24 de Agosto para públicos não acadêmicos que têm pouco contato com o
jargão científico? Como visibilizar histórias e memórias da população negra de Ja-
guarão/RS que não se encontram nos livros didáticos? Como explicitar o poder de
ação dos/as negros/as na sociedade jaguarense pós-escravidão e no século XXI? Ao
compartilhar a experiência de elaboração desse instrumento pedagógico, busca-se
explicitar também a participação e protagonismo da população negra no Clube 24
de Agosto. Destarte, o material produzido mostrou-se e continua apresentando
grande relevância não só para a historiografia sobre a cidade, sobre o espaço de
sociabilidade negra ou para expor o poder de atuação dos/as atores e atrizes so-
ciais nas situações mais adversas, tal qual como uma rica ferramenta para a aula
de História no ensino básico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que o jogo confeccionado conseguiu atingir seu objetivo de visibi-
lizar uma nova história sobre a cidade de Jaguarão, assim como em apresentar um
Clube Social Negro que era pouco conhecido dos(as) alunos(as) até então. Perce-
beu-se que o material é mais adequado ao ensino médio e que pode ser utilizado
tanto para iniciar, como para concluir os estudos sobre o pós-abolição e Clubes
Sociais Negros no Brasil, no Uruguai, no Rio Grande do Sul e em Jaguarão. Talvez
o jogo tenha falhas que só no ato de jogar possamos perceber. Essas possíveis
inconsistências poderão servir de aprendizado para aqueles(as) que coordenarem
a utilização do material, que assim farão melhorias no instrumento ou até mesmo
elaborarão outros materiais didáticos. Contudo, tal constatação não nos impossi-
bilita de afirmar que, o mencionado jogo, nos apresenta o Clube Social Negro 24
de Agosto como um espaço de vida que só existe porque a população negra ainda
vê sentido na existência dessa instituição. O jogo foi doado ao Núcleo de Estudos
Afro-Brasileiros e Indígenas da Unipampa – Campus Jaguarão (NEABI MOCINHA).
REFERÊNCIAS
AL-LAM, Caiuá Cardoso; ESCOBAR, Giane Vargas; MUNARETTO, Sara Teixeira. Clube 24 de
Agosto (1918-2018): 100 anos de resistência de um clube social negro na fronteira Brasil-
-Uruguai. Porto Alegre: Editora ILU, 2018.
AL-LAM, Caiuá Cardoso. O Clube Recreativo Gaúcho: um clube social negro em Jaguarão
(1930-40). In: Anais do 9º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Florianó-
polis/SC, 14 a 18 de novembro de 2019. p. 01-15.
BITTECOURT, Circe. Ensino de História – fundamentos e métodos. São Paulo: Editora Cor-
tez, 2009.
PEREIRA, Nilton Mullet; GIACOMONI, Marcelo. Flertando com o Caos: os jogos no Ensino
de História. In: PEREIRA, Nilton Mullet. GIACOMONI, Marcelo. Jogos e Ensino de História.
Porto Alegre: Editora Evangraf, 2013.
SILVEIRA, Darlize Martinez, et al. Resistência Negra em Jaguarão/RS: primeiras notas so-
bre o Clube Suburbanos. In: Anais do VII Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Exten-
são – Universidade Federal do Pampa, 2015.
INTRODUÇÃO
Este artigo procede de pesquisa de doutorado em andamento no Programa de
Pós- graduação em Estudos Étnicos e Africanos (Pós-Afro / CEAO) da Universida-
de Federal da Bahia, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da
Bahia (FAPESB). Examino neste texto as transformações que ocorreram no cenário
urbano de Salvador e aspectos da experiência do povo de santo baiano na década
de setenta do século vinte, especialmente mudanças na sua performance pública.
A historiografia sobre a religiosidade afro-brasileira ainda não se ocupou minu-
ciosamente desse período apesar de nele encontrarmos momentos críticos para
os religiosos como, por exemplo, o fim dos registros e licenças junto aos órgãos de
segurança pública no Estado da Bahia. Essa década também marca novo direciona-
mento das políticas do Estado da Bahia em relação a religiosidade afro-brasileira.
Nos anos que seguiram a segunda grande guerra, particularmente a partir de
meados da década de cinquenta, a Bahia (e muito especialmente a cidade de Salva-
dor) experimentou transformações nos planos econômico, social, político e cultu-
ral. Um marco fundamental dessas mudanças é o início da exploração de petróleo,
sinalizando o aumento de investimentos federais no Estado e criando um campo
industrial a ser aproveitado. A criação da Comissão de Planejamento Econômico
assumiu a elaboração de um plano de desenvolvimento que abarcou propostas
que viriam a se concretizar através do Centro Industrial de Aratu e do Polo Petroquí-
mico de Camaçari. O cenário de investimentos compreendia a implantação de um
banco de fomento, a aplicação de recursos em telefonia e energia elétrica – com a
construção de usinas e redes de transmissão –, bem como a conformação viária do
Estado às novas exigências de transporte e comunicação (BACELAR, 2006; PINHO,
2010).
Essas circunstâncias geravam diversas expectativas nos setores que compu-
nham a sociedade baiana, mas no que se refere aos estratos mais pobres da popu-
lação representou esperanças de trabalho, emprego e vida melhor. Tal perspectiva
provocou intenso movimento migratório do interior para a capital, impactando
fortemente a configuração da cidade. Entre os anos quarenta e noventa a cidade
passou dos quatrocentos mil habitantes para dois milhões de moradores. Todavia,
parece que as transformações econômicas e sociais mais acentuadas apenas ocor-
reriam na década de setenta quando grandes indústrias com sedes localizadas no
17 A fundação do Ilê Aiyê também explicita intersecções históricas entre classe, raça e religio-
sidade em Salvador. O avô de José Carlos dos Santos (um dos fundadores do bloco, mais conhecido
como Vovô do Ilê) foi estivador e participante do bloco negro de carnaval dos anos quarenta “Africano
Ideal”. A mãe de Vovô é a Ialorixá Hilda Jitolu (1923-2009), distinguida por ter dado permissão e apoio
a iniciativa de criação do bloco desde o início, além de ter cedido o espaço do terreiro para as ativida-
des que antecediam o desfile. Para a história do Ilê Aiyê ver (PINHO, 2010).
18 Outras experiências políticas movimentavam a identidade negra pelo Brasil naqueles anos.
Se levarmos em conta apenas o início dos anos setenta a imprensa negra estava ativa no eixo São
Paulo-Rio de Janeiro, bem como o Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN) era muito atuante na
capital paulista, articulando cultura e política (DOMINGUES, 2007).
19 Jornal Diário de Notícias, 02 de abril de 1977.
20 Jornal Diário de Notícias, 02 de abril de 1977.
21 José Carlos Gomes dos Anjos aborda conflitos semelhantes em Porto Alegre – RS por meio
do conceito de desterritorialização. Assim o antropólogo explica: “Por desterritorialização entendo
aqui o fenômeno no qual dois territórios se sobrepõem no tempo. Um se torna a imagem virtual do
outro (...). A imagem-passado e a imagem-futuro coexistem num presente que as torna indiscerníveis:
o presente pertence à imagem-passado ou à imagem-futuro?” (ANJOS, 2006, p.33).
22 Jornal Diário de Notícias, 11 de outubro de 1974.
23 Ver sobre a liderança de Gamo Lokosì no Terreiro do Bogum (PARÉS, 2006).
24 Jornal Diário de Notícias, 02 de abril de 1977; Anteriormente, Mãe Runhó, antecessora de
Mãe Gamo à frente da comunidade religiosa do Bogum, já havia levado à imprensa suas preocupa-
ções com as intervenções urbanas e a crescente especulação imobiliária: “Ruinhó quer mato e rio
para ‘voduns’ do Bogum”, Jornal A Tarde, 05 de dezembro de 1975.
25 Em 1978, a árvore de Azonodo “caiu”, sobre a importância desse santuário natural para o
ritual jeje, ver (PARÉS, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A modernização de Salvador gerou muitos conflitos: intervenções em favelas,
ambulantes removidos, terreiros prejudicados ou deslocados, entre outros. As re-
moções aconteceram em várias metrópoles, seguindo a lógica desenvolvimentista
do regime militar. Na defesa do mundo negro, os religiosos afro-baianos acionaram
seus templos naturais (as árvores sagradas) também como forma de inserção no
debate público sobre os rumos da cidade. Dessa maneira, elas foram posicionadas
como “um patrimônio de grande significado para os descendentes dos africanos,
e mesmo para todas aquelas pessoas ligadas ao candomblé”. Antes da reforma
viária, o cenário urbano de Salvador dispunha de mais de “duas centenas” de ga-
meleiras “dominando a paisagem dos morros”27. Através dos altares naturais, os re-
ligiosos afro-baianos disputaram de forma material e simbólica os rumos da nova
metrópole.
As reivindicações dos religiosos não conseguiram impedir o avanço dos interes-
ses do capital e do Estado autoritário (nem parece ter sido esse o jogo), mas eles
se posicionaram, ofereceram visibilidade à seus interesses e à sua atitude política
crítica, expuseram valores diferentes, tiveram suas vozes repercutidas e reconhe-
cidas e, embora não obtivessem completo êxito, embaraçaram os poderes públicos
e impediram que importantes altares naturais tombassem.
Além da inscrição no debate público sobre o passado, o presente e os desti-
nos da cidade, é possível notar a tentativa de participação efetiva na dinâmica das
mudanças em curso. As reportagens são emblemáticas de um momento político
diferente para os religiosos afro-baianos. Além de haver a possibilidade de ouvir as
vozes das sacerdotisas e de outros membros das comunidades religiosas, as ma-
térias jornalísticas apenas parecem possíveis devido as novas circunstâncias nas
quais a religiosidade negra se posicionava, incluindo aí a histórica conquista da
liberdade religiosa.
REFERÊNCIAS
BACELAR, Jeferson. Mário Gusmão: um príncipe negro na terra dos dragões da maldade.
Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2006.
DANTAS NETO, Paulo Fábio. Tradição, autocracia e carisma: a política de Antonio Carlos
Magalhães na modernização da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: Editora da UFMG; Rio
de Janeiro: IUPERJ, 2006.
PARES, Luis Nicolau. A formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia.
Campinas: Editora da UNICAMP, 2006.
PARÉS, Luis Nicolau. O processo de nagoização no Candomblé baiano. In: BELLINI, Lígia,
SOUZA, Evergton Sales & SAMPAIO, Gabriela Reis (orgs.). Formas de crer: Ensaios de histó-
ria religiosa do mundo luso-afro-brasileiro, séculos XIV-XXI. Salvador: EDUFBA / Corrupio,
2006.
SANSI, Roger. Fetishes and Monuments: Afro-Brazilian Art and Culture in the Twentieth
Century. New York, Oxford: Berghahn Books, 2010.
SANTOS, Jocélio Teles. O poder da cultura e a cultura no poder: A disputa simbólica da he-
rança cultural negra no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2005.
SERRA, Ordep. Águas do rei. Rio de Janeiro: Editora Vozes / Koinonia, 1995.
AUTORIA
Edmar Ferreira Santos
Professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), doutorando em Estudos
Étnicos e Africanos pelo Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA).
E-mail: estudosafricanos.edu@gmail.com
ORCID: 0000-0003-3059-7023
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3760561084905675
INTRODUÇÃO
A 500 anos não existia o povo brasileiro, o que chamamos de Brasil foi construí-
do sobre o apagamento dos povos nativos, detentores de hábitos, línguas, diversas
etnias que foram reduzidas a um só nome “índios”. A história desse imenso país,
foi descrita a partir do olhar dos colonizadores, que num ato de condescendência
trouxeram supostamente a civilização e modernidade. Os colonizadores vieram
“salvar” da barbárie, os povos primitivos.
Nesse encontro de europeus e não europeus e posteriormente africanos, os
colonizadores europeus forjaram sua identidade de superioridade, de povos civili-
zados e desenvolvidos. Tendo sua cultura transmitida como única verdade, pelos
sistemas ideológicos, a religião, o estado e a ciência.
A percepção da diferença foi categorizada por superioridade e inferioridade. A
ideia de acumular bens implementada pelos colonizadores divide homem e natu-
reza, contrariando os princípios de bem viver que reconhece a igualdade de direito
de todos (as) a dignidade à subsistência e a um ambiente equilibrado. Nesse con-
texto não havia lugar para grupos étnicos diferentes, e a garantia da supremacia
branca como dominante foi constituída.
Nesse processo violento e arbitrário, os povos não europeus foram desconsi-
derados no seu jeito de ser e viver, na tentativa de torná-los semi humanos, infe-
riorizando, convertendo culturas de indígenas e africanos em subculturas. Inclusi-
ve impondo uma nova língua. Maria Joaquina Silva(2003), ou dona Fiota- mulher,
quilombola, viveu em Tabatinga -MG, disse: “Para conhecermos uma história não
precisamos da letra (escrita), mas sim da palavra (falada)” . E disse essas palavras
em Gira de Tabatinga, uma língua afro-brasileira que costumava ser falada nas sen-
zalas de fazendas do interior de Minas Gerais. Essa era uma das maneiras que os
escravizados da região tinham de se comunicar sem que os senhores de engenho
pudessem entender. Pensar uma forma de comunicar para resistir e sobreviver e
Para compreender esse cenário nos apoiamos Ferreira, (2015) que afirma que
através da Teoria Racial Crítica -TRC pode-se utilizar as narrativas e histórias para
entender as próprias experiências e de seus pares e como estas experiências po-
dem contribuir para o desvelar do funcionamento da sociedade e formação das
identidades, dessa forma,
Esses princípios foram atualizados por Solorzano (1997), e tem sido muito uti-
lizados nos últimos 20 nos no campo educacional, primeiramente difundida nos
Estados Unidos, recentemente Europa e aqui no Brasil tem aumentado o número
de pesquisadores/as em torno de estudos raciais críticos na área da educação, da
sociologia e da antropologia tais como Guimarães(1999) Cavalleiro (2001) Gomes
1995 e 2005) entre outros.
Ferreira, (2014) afirma que entre as cinco premissas apresentadas acima,
a mais utilizada nos estudos em educação, a de número 5, a “centralidade
do conhecimento experiencial”, pois é esse princípio que traz as narrativas, as
contranarrativas e as autobiografias como importantes para analisar as experiên-
cias vividas sobre raça e racismo (FERREIRA 2014, p. 253).
A Teoria Racial Crítica também aborda a branquitude, para tratar as relações
raciais, “[...] branquitude como lugar de privilégio racial, econômico e político,
no qual a racialidade, não nomeada como tal, carregada de valores, de experiên-
cias, de identificações afetivas, acaba por definir a sociedade.”(LABORNE, 2014,
p.152 apud FERREIRA, 2015, p.32).
Como veremos na próxima seção as narrativas coletas são desabafos, gritos de
apelo a existência, renovação de esperanças que se entrelaçam com as verdades
que a caminhada revela, na certeza que existem muitas verdades que se colocam
a descobrir , investigar, pesquisar. Não há prática social, mais política que a prática
educativa, educação significa abrir as mentes, despertar e permitir o nascimento
da inteligência. A rebeldia é uma manifestação da práxis político pedagógica de
existência, para romper com as “amarras reais concretas de ordem econômica,
política social, ideológicas que condena homens e mulheres negras a desumaniza-
ção”. A esperança nesse contexto, se torna uma necessidade ontológica que surge
para enfrentar a raiva, os medos, as angustias e construir o amor como aparato
político, amor como ferramenta de libertação. Equipando os subalternizados para,
existirem em um mundo antinegro(a) regido pelo capitalismo, eurocêntrico, bran-
co, embranquecido e colonializado pelo poder, resistindo a desumanização, ao ra-
cismo e a racialização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos, como positivo o resultado da ação considerando que esta pro-
porcionou alguns desdobramentos tais como: uma performance na I Jornada curi-
tibana – “Equidade, família e rede de proteção II Fórum Transformando Realidades:
Equidade na educação, II Fórum da Rede de Proteção”; um encontro de autoras/
es negras/os nas dependências da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba,
nessa ocasião foram compartilhados aspectos sobre as suas vivências na elabo-
ração das narrativas; socializado no “I Seminário do Erê-yá – desafios e perspecti-
vas para uma educação antirracista”. A coletânea das narrativas afro-curitibanas
também provocou reflexões na equipe proponente, durante as rodas de conversa
e grupos de estudo sobre as experiências cotidianas de racismo, discriminação e
preconceito que a população negra enfrentou e continua enfrentando. A partir
da experiência de organização das histórias afro-curitibanas foi possível promover
uma ação de enfretamento ao preconceito, discriminação, além do fortalecimento
e promoção de grupos historicamente silenciados.
Foram recebidos 63 textos, analisados 35 devido ao critério autorização para
uso da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba. São histórias reais de pessoas
reais, que driblam o racismo no dia a dia. São ensinamentos, de pessoas que não
desistiram, um nobre legado.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Liliana Cabral and BIAR, Liana de Andrade. Análise de narrativa e práticas de
entendimento da vida social. DELTA [online]. 2015, vol.31, n.spe, pp.97-126. ISSN 1678-
460X. https://doi.org/10.1590/0102-445083363903760077.
GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas. São Paulo: Ática, 1991.
Moutinho, Karina and Conti, Luciane Análise Narrativa, Construção de Sentidos e Iden-
tidade Psicologia: Teoria e Pesquisa Abr-Jun 2016, Vol. 32 n. 2, pp. 1-8 d http://dx.doi.
org/10.1590/0102-3772e32221.http://www.revistacapitolina.com.br/tradicao-oral-e-a-
-preservacao-de-culturas/ Acesso em 19/10/2020
INTRODUÇÃO
Cidades dentro da Cidade: Memória e Identidades na Construção dos Direi-
tos Humanos intitula esse artigo e um projeto desenvolvido a partir do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) - História da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) no Colégio Estadual Odorico Tavares. A ideia do referi-
do projeto foi resultado de discussão da proposta Institucional do Programa, das
observações na referida escola e pensando nas habilidades especificas de cada um
dos/as bolsistas envolvidos/as, supervisora e coordenadora do Programa. Avalia-
mos ser esse tema agregador, ao mesmo tempo em que resumia a realidade do
citado Colégio. Nesse sentindo, é importante identificarmos as particularidades
dessa Unidade Escolar.
Existe um paradoxo em relação ao espaço social onde a escola está centraliza-
da, trata-se de um bairro de classe média alta da cidade de Salvador que abriga
estudantes de toda a cidade e região metropolitana. A partir do advento desse
Colégio, nesse espaço geográfico, socialmente favorecido com prédios luxuosos,
de grande envergadura estrutural e arborizada, passam a conviver, digamos que
amistosamente, os moradores do lugar, com alto padrão social, e os/as jovens es-
tudantes originários de diferentes e distantes bairros da Capital baiana e região
metropolitana. Não se tratava apenas de uma distância espacial, mas, também, e
fundamentalmente, social e cultural. O público escolar s diferenciava da ambiência
social em que a escola estava imersa.
O Colégio Odorico Tavares foi fundado com o princípio que o caracterizava como
“centro de excelência”, criado para atender filhos e filhas da classe média baiana,
oriundos/as de escolas da rede particular de ensino. No entanto, fugindo da sua
origem de criação, a escola passou agregar estudantes da periferia e subúrbios da
cidade, formando assim uma complexa composição. Os enfrentamentos sociocul-
turais decorrente a essas especificidades do local socialmente privilegiado no qual
a escola está inserida, bem como sua composição estudantil e todo o seu processo
de resistência em ficar naquele lugar pode ser relacionada a acontecimentos his-
tóricos pertinentes aos processos de resistências relacionados aos corpos negros
periféricos que adentram o Corredor da Vitória (nome do bairro que a escola está
inserida).
EDUCAÇÃO E MEMÓRIA
A perspectiva da memória adotada nesse texto se diferencia do clássico estudo
“Memória Coletiva” de Maurice Halbwachs no qual defende a ideia de que a his-
tória liquidou a memória. As reflexões desse autor se fundamentam na associação
da história com a escrita e a memória com a oralidade, no sentido de que a escrita
REFERÊNCIAS
FERNANDES, José Ricardo Oriá. Memória e Ensino de História. In: BITTENCOURT, Circe
Maria F. (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. p.128-148.
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1996.
NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto Histó-
ria. São Paulo: v. 10, p. 7-28, 1993.
INTRODUÇÃO
Espaços de sociabilidade podem ser entendidos como locais onde se percebe
para além da interação social, uma satisfação no compartilhamento de experiên-
cias e identificações dos indivíduos que dela participam. Esse é o conceito trabalha-
do por Guimarães (2008) e que serve como ponto de partida para análise do Clube
Treze de Maio e sua relação com a comunidade negra de Curitiba.
A partir desse ato de compartilhar vivências comuns, diferentes grupos pon-
tuaram nas cidades lugares por eles eleitos como espaços de representatividade.
Por meio dessa lógica de espacialização, ao longo de sua trajetória, a população
negra de Curitiba também elegeu espaços que apoiaram sua presença enquanto
comunidade. Antes da abolição da escravatura em 1888, a Igreja do Rosário, per-
tencente ao centro histórico da cidade, se encontrava como um dos pontos de
referência para a reunião de negros libertos e escravizados. Essa era uma situação
relativamente não rara, vista a existência de igrejas exclusivamente destinadas a
essa população e atreladas a atuação comunitária de algumas irmandades católi-
cas. Após o fim do regime escravocrata no Brasil, ao menos no nível da oficialidade,
o perfil segregador desses templos deixa de fazer sentido para as novas dinâmicas
coletivas e nesse contexto surgem os clubes sociais negros.
Essas entidades emergiram não somente da necessidade de convívio e inte-
ração, mas também daquela relacionada à assistência social. A exemplo disso, o
Clube Treze de Maio foi constituído tendo como objetivo prestar auxílio mútuo,
médico-hospitalar e educacional à comunidade afro curitibana. Ao mesmo tempo,
abrigou manifestações de lazer e demais festividades carregadas de importância
cultural e recorrentes até os dias de hoje. Observada a trajetória da instituição,
atualmente pode-se atribuir a sua imagem um destaque no cenário da memória e
do patrimônio afro-paranaense. Portanto, compreender mais sobre os percursos
dessa entidade a partir de sua espacialidade é mais uma forma de explorar a histó-
ria da presença negra na capital do estado e contribuir para as discussões étnicas
presentes na agenda contemporânea.
Somado a isso, em uma perspectiva de escala mais interior, a pesquisa objetiva
também entender os vetores que influenciaram as transformações espaciais da
sede do clube e dessa forma compreender, por exemplo, o processo de conso-
METODOLOGIA
Com o objetivo de nortear teoricamente a abordagem desenvolvida nesta pes-
quisa, de início foi realizada uma conceituação sobre espaços de sociabilidade por
meio da tese A sociabilidade e seus espaços: um estudo histórico a partir de seus
intérpretes (GUIMARÃES, 2008). Em seguida, utilizando-se de referências web e
bibliográficas foi traçado um panorama histórico da presença negra em Curitiba,
visando introduzir uma contextualização importante para o processo de compre-
ensão a respeito da trajetória do Clube Treze de Maio. Essa aproximação inclui
observações sobre a Igreja do Rosário no objetivo de encaminhar o andamento da
pesquisa para o espaço do clube, visto que ambos os locais protagonizaram o su-
porte para as atividades sociais de seus frequentadores em diferentes momentos.
Por fim, com base em entrevista, buscas webgráficas e consultas aos acervos ins-
titucionais do IPHAN e IPPUC, construiu-se uma análise espacial da sede do Clube
Treze de Maio que explora os possíveis vetores de transformação do lugar ao longo
dos anos. Esse estudo final teve como cerne a leitura de peças gráficas oriundas
de desenhos arquitetônicos desenvolvidos pelo IPPUC e colaboradores em 2000.
RESULTADOS E ANÁLISE
CONCLUSÕES
O mesmo elemento motivador da pesquisa pôde ser constatado a partir das
análises desenvolvidas: a premissa de que o clube possui um destaque no contexto
histórico da comunidade negra de Curitiba. Isso se dá tanto pelo fato deste local se
caracterizar como um espaço de sociabilidade importante, como pelos atravessa-
mentos por ele protagonizados desde o período da abolição da escravatura no final
do século XIX. Nesse sentido, a contextualização histórica desenvolvida colaborou
em muito para esse processo de compreensão.
Com relação às transformações espaciais vivenciadas pela entidade, o que pode
ser inferido a partir dos paralelos estabelecidos entre as análises gráficas e históri-
cas, é a ocorrência de duas fases principais. A primeira delas antecede a conclusão
da obra de 1954 e se relaciona com as primeiras décadas de existência do clube
e seu respectivo amadurecimento enquanto instituição. A segunda fase engloba
uma série de interferências pontuais ocorridas nos anos seguintes e que estiveram
associadas tanto a ideia de expansão e requalificação funcional do espaço, quanto
a necessidade de manutenção do edifício. Somado a isso pode ser observada a in-
fluência do crescimento no número de usuários do local no âmbito da necessidade
de ampliação. Sem dúvida, a consolidação da prática de eventos internos ao clube
e daqueles frutos de locação e arrecadação financeira também impulsionaram as
mudanças constatadas.
Além disso, a presente pesquisa observa outras questões para discussões fu-
turas como a sugestão de uma análise mais aprofundada das características es-
paciais da construção principal de 1950, em comparação a temática arquitetônica
de Curitiba à época. Ao mesmo tempo, é válida uma atenção para a qualidade do
impacto das reformas posteriores no aspecto patrimonial do espaço do Clube Tre-
ze de Maio.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Tatiane Valéria Rogério de. O silêncio sobre o negro na construção da iden-
tidade de Curitiba: memória e esquecimento. 2016. Tese (Doutorado em letras) - Setor
de Ciências Humanas - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2016. Disponível em:
https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/44171. Acesso em: 9 set. 2020
IPHAN. Clubes sociais negros no Paraná [CD-ROOM]. Curitiba; 2018. IPPUC. Sociedade
Operária Beneficente Treze de Maio. Curitiba: [s. n.], 2000
SILVA, Álvaro da. Entrevista concedida a Matheus Becker Walteman de Freitas. Curitiba,
30 abr. 2019.
AUTORIA
Juliana Harumi Suzuki
Universidade Federal do Paraná
E-mail : suzuki@ufpr.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6148-5238
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2779758207001593
INTRODUÇÃO
O presente trabalho problematiza a diversidade arquitetônica dos terreiros de
candomblé da Bahia, vistos por olhares da sociedade mais ampla como sendo to-
dos ‘’iguais’’, inseridos no mundo da representação e da homogeneidade.
Todavia, o Candomblé é organizado por nações vinculado as diversas etnias que
vieram para o Brasil durante o tráfico Negreiro para as Américas, oriundas de diver-
sas regiões da África, assumindo ainda uma dimensão sócio-política.
Cada nação possui uma organização, estrutura, rituais, mitos, línguas especifi-
cas, ou seja, um cosmo (visão de mundo) e ethos (ética e estética) particulares e
singulares o que implica em arquiteturas distintas, onde apresentam elementos
específicos e próprios. Nesse víeis surge à questão, ‘’Quais são as especificidades
arquitetônicas dos Terreiros de Candomblé da Bahia?’’
Para responder esse questionamento apresentaremos o estudo a partir do mé-
todo comparativo mostrando os elementos arquitetônicos em comuns, e, princi-
palmente, os diferentes nos terreiros do Recôncavo Baiano: da Nação Nagô-Vo-
dum o terreiro Capivari – Pé de Cajá; da nação Nagô-Ixejá o terreiro Viva Deus; da
Nação Nagô Tedô o terreiro Aganju Didê; da nação Angola do Terreiro Dendezeiro;
da Nação Jejê-Mahi o terreiro Roça do Ventura – Sejá Hundé; e da Nação Ketu o
terreiro Ilê Axé Ogunjá.
Foram identificados elementos e espaços arquitetônicos que diferenciam as
nações de candomblé da Bahia, constituindo mais um elemento de identificação
étnica do povo-de-santo da Bahia.
BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia. São Paulo: Ed. Schwarcz Ltda, 1980.
NASCIMENTO, Luiz Cláudio. Bitedô onde moram os Nagôs. Rio de Janeiro: CEAP, 2010.
SANTOS, Jocélio Teles dos. O dono da terra: a presença do caboclo nos candomblés
baianos. São Paulo: 1992. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências, Universidade de São Paulo, 1992.
SANTOS, Juana E. Os nagôs e a morte: pade, asese e o culto de egum na Bahia. Rio de
Janeiro: Ed. Vozes,1998
SOUZA. Vilson C. Nagô: A nação de ancestrais itinerantes. Salvador: Ed. Fib, 2005
AUTORIA
Fábio Macêdo Velame
Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, CEAO – Centro de
Estudos Afro-Orientais da UFBA
E-mail: velame.fabio@gmail.com
ORCID: 0000-0003-4414-2521
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0386406510741414
INTRODUÇÃO
O presente ensaio busca compreender o papel da arquitetura na construção da
territorialidade e da resistência das comunidades quilombolas do sertão baiano.
Têm como recorte as 22 comunidades remanescentes de quilombos localizados na
zona rural do Município de Campo Formoso na Microrregião de Senhor do Bonfim,
no sertão baiano, e como objeto de estudo de caso a ''Casa Odum Rondu'' de Dona
Josefa, localizada na comunidade quilombola de Barrocas na rede de quilombos de
Laje dos Negros. Busca-se entender como uma casa e sua arquitetura constrói rela-
ções de territorialidades entre diversas comunidades quilombolas e como ela tece
uma rede que abrange toda a região através da análise metodológica das práticas,
rituais, atividades e funções nela existentes. Para tanto três conceitos e caminhos
metodológicos são fundamentais para a análise: território, etnicidade e cultura.
Busca-se entender como uma casa e sua arquitetura tecem relações de ter-
ritorialidades entre diversas comunidades quilombolas? Como ela constrói uma
rede que abrange toda a região? Quais os valores, práticas, rituais, atividades e
funções nela existente capaz de agregar diversas comunidades quilombolas, man-
tendo-as coesas? Como as práticas culturais e religiosas constituem a etnicidade
dessas comunidades quilombolas? Essas 22 comunidades quilombolas inicialmen-
te constituem uma territorialidade em rede, um território descontínuo, onde cada
comunidade quilombola, numa escala reduzida, constituiu um território contínuo,
com suas especificidades, mas que se comunicam, conectam-se, realizam trocas
materiais e simbólicas das mais diversas. Constituem, ainda, territórios introverti-
dos, operando uma rede de cooperação, solidariedade, ajuda mútua, tornando-se
o lócus de resistência sócio-culturais dos negros quilombolas locais, notadamente,
durante os grandes períodos de seca que assolam a região.
Esses territórios introvertidos quilombolas passaram por um processo de di-
ferenciação simbólica, a partir de uma etnicidade relacional, no qual foram his-
toricamente rotulados, depreciados e estigmatizados pela sociedade mais ampla
que habitam as cidades da região como sendo "descendentes de escravos", "gente
atrasada", "povo da época da escravidão", e "gente negra que chega a ser azul",
constituem um grupo étnico, a margem da sociedade mais ampla da região. Vivem
num isolamento, "perdidos no tempo e no espaço", abandonados a toda sorte pelo
estado, no coração do sertão baiano.
Para Marcelo Lopes de Souza o espaço físico pode permanecer o mesmo, en-
tretanto, as relações de poder criam territorialidades diversas num determinado
espaço, que podem ser duráveis ou efêmeros, lineares ou cíclicas, longos ou cur-
tos, estáveis ou instáveis, podendo configurar-se como territórios contínuos e des-
contínuos. Marcelo Lopes de Souza conceitua os territórios contínuos como uma
extensão limitada da superfície; e, territórios descontínuos como uma rede a arti-
cular dois ou mais territórios contínuos. Os territórios descontínuos são ao mesmo
tempo pontos da rede, e territórios contínuos, ou seja, uma extensão limitada de
superfície, e não apenas um nó na concepção clássica de rede, ele é um nó, mas
também, superfície delimitada. Da noção de territórios descontínuos, a partir de
uma análise multiescalar, Marcelo Lopes Souza deriva o seu conceito de territórios-
-rede, onde as redes e os territórios (superfícies) coexistem simultaneamente em
escalas diferentes.
A noção de território desvinculado de um substrato material, mas sim entendi-
do enquanto relações de poder que se projetam no espaço é ampliado por Robert
Sack (1986), em sua obra Human Territoriality que problematiza o território sob
três aspectos: 1 - diferencia a territorialidade animal (regida pelos instintos), e hu-
mana (interesses, estratégias, e táticas de ação no espaço); 2 - os territórios não
possuem uma dimensão estática, fixa, podendo, inclusive, mudar de lugar, sendo
móveis e, também, durar um determinado período de tempo, ou seja, o território é
dinâmico; 3 - o território pode ser composto por várias parcelas de espaços conec-
tados por um mesmo agente, constituindo-se em rede, uma teia4.
Essa teia além de constituir essas relações de poder, um campo de forças que
se espacializa em temporalidades distintas, é também uma rede de significações.
A cultura através de suas dimensões simbólicas caracteriza essas relações de po-
der, dão uma cara, uma face ao campo de força, qualifica expressivamente o ter-
ritório. As dimensões simbólicas também delimitam o espaço criando o território,
demarcam simbolicamente o substrato material. O antropólogo americano Clifford
e correlações de forças; e, por fim, o poder não habita em um lugar, o Estado, mas está presente de
forma difusa em todo o corpo social.
4 Ver também BRITO, Cristóvão. Revisando o conceito de território. Revista de Desenvolvi-
mento Econômico. Salvador: ano IV, nº6, p.12-20. Julho de 2002.
O "Centro Odum Rondu" é composta pela casa de Dona Josefa, com caracte-
rísticas residenciais, somada por um salão lateral, um "barracão", assemelhan-
do-se aos barracões dos terreiros de candomblé.
Esse "barracão" (Fig. 03) é constituído por dois espaços: o salão, onde se
realizam as festas da comunidade com as possessões das entidades (caboclos,
boiadeiros, vaqueiros ver Fig. 04), com a marcação no piso (itoto ver Fig.05) e no
teto do centro do salão (com conchas e fitas), em volta do qual se dão as festas,
onde dança o Cabloco Odum Rondu, constituindo o axi mundi da casa e, ainda,
uma salinha onde vestem as entidades; e, um nicho, ao fundo do salão onde está
um altar católico, com diversas imagens de santos e santas católicos (Fig.06).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras, in Ph. Poutigner e J. Streiff-Fenart, Teo-
rias da Etnicidade. São Paulo: Editora Unesp, 1997, pp. 187-227.
COSGROVE, D. A Geografia Está em Toda Parte: Cultura e Simbolismo nas Paisagens Hu-
manas. In Paisagem, tempo e Cultura. (Orgs.) CORRÊA, R. L e ROSENDAHL, Z: Rio de Janei-
ro, EDUERJ, (1998a).
COSTA, W. M da. Geografia política e Geopolítica: discurso sobre território e poder. São
Paulo, HUCITEC: EDUSP, 1992. p 45.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia, vol.4. São Paulo: Ed.
34, 1997.
. Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia, vol.5. São Paulo: Ed. 34, 1997. GEERTZ,
Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed. Zahar,1978.
CAETANO, Vilson; SIRQUEIRA, Rodrigo; VELAME, Fábio. Cartografia Étnica e Social de Po-
vos e Comunidades Tradicionais. SEDES-Secretaria da Pobreza e Desenvolvimento Social,
Salvador, 2010.
SANTOS, Jocélio Teles dos. O dono da terra: a presença do caboclo nos candomblés baia-
nos. São Paulo: 1992. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências,
Universidade de São Paulo, 1992.
SOUZA. Vilson C. Nagô: A nação de ancestrais itinerantes. Salvador: Ed. Fib, 2005.
AUTORIA
Fábio Macêdo Velame
Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, CEAO – Centro de
Estudos Afro-Orientais da UFBA
E-mail: velame.fabio@gmail.com
ORCID: 0000-0003-4414-2521
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0386406510741414
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa analisar a importância da terra enquanto um elemento
de resistência cultural e construção identitária - do território a arquitetura -, nas
Comunidades Quilombolas de Maragojipe, Recôncavo Baiano, sobretudo, na co-
munidade remanescente de Quilombo Salamina Putumunju. A partir da questão
"Como a terra materializada na Arquitetura do Quilombo estabelece uma cosmo-
visão, uma ética e estética a comunidade?"A terra, nessa comunidade quilombola,
como elemento material da produção arquitetônica é depositaria de saberes locais
vinculadas aos valores de natureza, ancestralidade e parentesco, e compõe a sua
cosmovisão e o seu ethos.
Entretanto, hoje em dia, existe um processo paulatino de abandono do uso da
terra na arquitetura em virtude de três aspectos: a chegada dos projetos da Minha
Casa Minha Vida, a Ética e Estética dos Cultos Neopentecostais, e o desmatamento
proveniente de diversos fatores, principalmente, o plantio de eucaliptos para a
indústria de celulose que reduziu, substancialmente, a oferta de madeiras de lei.
A comunidade quilombola de Salamina Putumuju localizada1 no município de
Maragojipe-Ba (ver Fig.01), constitui a maior comunidade quilombola da região
formada por 52 famílias e distribuídas em seis localidades: Tororó, Ponta do Ferrei-
ro, Olaria, Dunda, Piripau, e Forte Salamina (ver Fig.02).
O quilombo de Salamina Putumuju constitui, também, o maior quilombo do
município em extensão territorial ocupa cerca de 2.061,5588ha, um perímetro de
25.000m e é uma referência na luta pela posse da terra para todos os demais qui-
lombos locais2. Foi certificada como Comunidade Remanescente de Quilombo3
própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacio-
nada com a resistência à opressão histórica sofrida. A expressão Quilombo é um conceito próprio dos
africanos bantos que vêm sendo modificado ao longo do tempo: quer dizer “acampamento guerreiro
na floresta” (Lopes in: Boaventura, 2003). A matriz de inspiração da luta veio do quilombo africano
para se opor a uma estrutura escravocrata e pela implantação de uma outra ordem politica, o que
implica resistência territorial as formas de opressão.
Maragojipe era habitada por índios tupinambás que dedicavam-se a roças, a
pesca e a caça. Os colonizadores portugueses dedicaram-se, num primeiro momen-
to, a exploração da madeira, e, em seguida, a cultura da cana-de-açúcar, quando
foram construídos diversos engenhos ao logo do Rio Paraguaçu, dentre os quais,
em Maragojipe destacou-se o Engenho Novo.
No século XVII foi edificado o Forte de Santa Cruz, também chamado de Forte
Salamina, como elemento de defesa da entrada do Rio Paraguaçu de invasões es-
trangeiras em virtude do papel que a região adquiriu como a principal produtora
mundial de açúcar após a redução do papel do Haiti nesse mercado em consequ-
ência das rebeliões de 1792 que aconteceram naquele país. No Engenho Novo, por
volta do final do século XIX, não se cultivava mais a lavoura de cana-de-açúcar. As
atividades desenvolvidas passaram a ser a extração de madeira e de piaçava, e per-
duraram até ela ter sido comprada por Tiopombo de Almeida que criou a Fazenda
Charqueada Salamina e instalou a criação de gado de forma extensiva.
Alguns remanescentes de quilombos originários do antigo engenho foram tra-
balhar no charqueamento da carne, outros foram constrangidos a sair das áreas
que ocupavam e se concentraram em locais de difícil acesso, onde puderam plan-
tar sem o incomodo dos animais que destruíam suas roças, e continuar a extrair
a piaçava. (RTID-Salamina Putumuju, INCRA, 2006, p.19). Logo após a falência da
Fazenda Charqueada e do processamento da carne, a fazenda foi comprada por
Rosalvo Ribeiro Sanchez que deu continuidade a pecuária, mas agora, junto com a
atividade da piaçava e da extração da madeira. Com a morte de Rosalvo a fazenda
foi herdada pelo seu filho Rosalvo Ribeiro Sanchez Junior que deu continuidade
as atividades econômicas do pai. Ainda, então, os trabalhadores empregados nas
atividades da fazenda eram de remanescentes da fazenda Fazenda Charqueada
Salamina.
Todavia, antigas práticas do sistema escravista juntavam-se a novas, tais como:
violência física e moral4, com castigos corporais e psicológicos; atribuição de no-
mes de animais da fazenda aos trabalhadores no batismo ou como apelidos; a
obrigatoriedade de comprar os mantimentos alimentícios nas estrebarias e mer-
cados do dono da fazenda, produtos geralmente apodrecidos; obrigatoriedade de
entregar a metade ou dois terços da produção ao dono da fazenda; a proibição de
comer e comprar produtos caso não trabalhassem por motivos quaisquer, inclusi-
ve de saúde; a venda da fazenda de porteira fechada, inclusive com a venda das
4 Os integrantes da comunidade denunciam que, até bem pouco tempo, era comum por
parte dos proprietários a prática de violência física (castigos) e moral, que remetem ao período escra-
vagista: ''... os trabalhadores apanhavam com as mãos para trás...Rosalvo Velho gostava de bater, ele
criava o diabo debaixo do porão. Quando queria castigar amarrava uma arroba de piaçava na cabeça
do trabalhador prendia num cinto de aço e o nego tinha que ficar andando pra cima e pra baixo”.
Dona Palmira relata como era a relação entre os proprietários e os trabalhadores: “eu vim para cá
moderninha , cheguei aqui com 16 anos de idade, aqui era uma escravidão perpétua,... nas roças aqui
quem comia eram os animais...queriam vender a fazenda com os trabalhadores dentro como se fosse
animal...a gente trabalhava no pé do patrão que não tinha jeito, se não trabalhava não comia, os
escravos eram amarrados para apanhar no pé de cajarana, naquele tempo amarrava e batia até um
ficar doido.” (RTID- Salamina Putumuju, INCRA, 2006, p.20).
5 Para José de Souza Martins existe uma clara ligação entre a cessação do tráfico negreiro da
Africa para o Brasil em 1850 e a promulgação, no mesmo ano, de uma Lei que previa o desenvolvi-
mento de uma politica de imigração de colonos estrangeiros, sobretudo europeus. A Lei de Terras no
601, de 18 de setembro de 1850, dispôs sobre as terras devolutas do Império, sobre as possuídas por
títulos de sesmarias, sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse
mansa e pacífica (não entendi, esta confuso). Determinou que medidas e demarcadas as primeiras,
fossem elas cedidas a título oneroso, para empresas particulares, como para o estabelecimento de
colonias nacionais e de estrangeiros, autorizado o governo a promover a colonização estrangeira na
forma a que se declarar. Assim, a impossibilidade de ocupação sem o pagamento das terras devolutas
recriava as condições de sujeição do trabalho e do trabalhador que deveria desaparecer com o fim do
cativeiro. Diante deste contexto, as condições de sujeição do trabalhador e, por consequência , do es-
cravo liberto, foi delineando um processo de exclusão deste ex-escravo da possibilidade de ascensão
sócio-político-econômica, principalmente por se tratar de uma sociedade formada por grandes ex-
-senhores de escravos, como na região da Bacia do Vale do Iguape. (RTID-Salamina Putumuju, INCRA,
2006, p.18).
6 CLAVAL, Paul. A Paisagem dos Geógrafos. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHI, Zeny
(orgs). Paisagens, Textos e Identidade. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004, p.13-14.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras, in Ph. Poutigner e J. Streiff-Fenart, Teo-
rias da Etnicidade. São Paulo: Editora Unesp, 1997, pp. 187-227.
COSGROVE, D. A Geografia Está em Toda Parte: Cultura e Simbolismo nas Paisagens Hu-
manas. In Paisagem, tempo e Cultura. (Orgs.) CORRÊA, R. L e ROSENDAHL, Z: Rio de Janei-
ro, EDUERJ, (1998a).
CAETANO, Vilson; SIRQUEIRA, Rodrigo; SILVA, Magnair; VELAME, Fábio; Cartografia Étnica
e Social das Comunidades Quilombolas de Maragojipe. Fundação Cultural Palmares. Sal-
vador, 2012.
CLAVAL, Paul. A Paisagem dos Geógrafos. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHI, Zeny
(orgs). Paisagens, Textos e Identidade. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004, p.13-14.
DUTERVIL, Camila; OLIVEIRA, Mário Antônio S.; COPQUE, Cláudio S. RTID - Relatório Téc-
nico de Identificação e Delimitação Territorial do Quilombo Salamina Putumuhju. INCRA,
Salvador, 2006.
AUTORIA
Fábio Macêdo Velame
Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, CEAO – Centro de
Estudos Afro-Orientais da UFBA
E-mail: velame.fabio@gmail.com
ORCID: 0000-0003-4414-2521
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0386406510741414
INTRODUÇÃO
Depois das independências, os países africanos se alinharam para mudar a es-
trutura político-administrativo deixado pelos colonizadores. Neste contexto, Mo-
çambique marxista-leninista avança pelo projeto de “unidade nacional” para a
construção da identidade nacional e do homem novo para uma nova nação cujo di-
versos agrupamentos étnico-culturais foi submetida ao projeto assimilacionista do
governo português em Moçambique durante a ocupação efetiva (1884/1885). As-
sim, o alcance da identidade nacional em Moçambique passava pela homogeneiza-
ção da população moçambicana assim como disse PAREDES quando se refere que,
“[... ] O programa da FRELIMO passava pela luta contra as fidelidades do passado,
sejam as do colonialismo, sejam as do tradicionalismo.” (PAREDES, 2014, p. 21).
Pesquisas relacionados com identidades culturais, relações étnicas raciais, na-
cionalização, tem sido discutido por vários autores e Estados. O Brasil, tem 50%
da população que se autodeclara afrodescendentes da escravatura transatlântica
e de religiões de matriz africana, defende a inclusão nos curricular de educação
fundamentalmente nos cursos de Arquitetura e urbanismo de conteúdos da rela-
ções étnico-raciais, História, Cultura Africana e Afro-brasileira. A ideia, é devolver
uma parte da História e da ancestralidade a esses povos que durante muito tempo
contribuíram para a edificação das Cidades e das cidades Brasileiras (CARTA, 2018).
Nos dias de hoje é preciso entender as identidades em seus valores simbólicos
e o significado das crenças e do comportamento religioso na sua prática pois o
mundo globalizado transforma até as culturas isoladas (MARTINEZ, 2009).
Contudo, procurar compreender as mudanças que ocorreram ao longo do tem-
po na prática do culto dos antepassados leva ao conhecimento de um conjunto de
fatores condicionantes das mudanças sociais e culturais que afetam os povos im-
plicando na nova forma de ver e perceber os significados em meio urbano. Várias
são as perspectivas analíticas que entendem que assim como as fronteiras entre os
países africanos são arbitrárias, as identidades africanas também são uma constru-
ção imperialista (PATRÍCIO, 2011). Nesta perspectiva, torna pertinente entender
que as sociedades evoluem juntamente com as suas práticas que por vários fatores
carregam na “mochila” para lá onde “forem” na possibilidade de perder ou ganhar
uma nova identidade no lugar de chegada.
Fonte: Elaborado por Isaac Ferreira Cavalcante 2020, com Qgis (3.14), pacote (HCM GIS).
3 Limpar o comportamento bárbaro dos indígenas através do batismo para ser aportuguesa-
do e passar a pertencer a sociedade civilizada.
6 O munepa é alguém que viveu no mundo visível, morreu e passou a viver no mundo invisí-
vel adquirindo nova forma de ser.
7 Quelimane é a capital e a maior província da Zambézia, em Moçambique. Situa-se no Su-
deste da província, a cerca de 6 milhas da costa, no estuário do rio dos Bons Sinais, entre as coorde-
nadas de 17° 47’ – 17° 57’ Sul e 36° 50’ – 36° 57’ Este. Ocupando uma área de 117 km2, cujos limites
são os seguintes: Norte: distrito de Nicoadala; Oeste: Localidade de Namacata; Este: Localidade de
Madal; Sul: rio dos Bons Sinais e o distrito de Inhassunge.
8 Para senhora Cristina Napido de 60 anos, religiosa a ancestralidade está diluída e engolida
nas tecnologias. Este fato faz com que as novas gerações entendam pouco sobre ancestralidade.
Gerações estão desorganizadas.
9 Sr Américo Mopuela de 68 anos autoridade tradicional referiu que nas cidades não existe
lugar próprio aconselhado pelos antepassados. Na tradição altar do culto situa-se fora da casa ou da
aldeã como: ao pé da árvore considerada sagrada Mulapa ou Mussulo (imbondeiro), em morro de
muchê, próximo dos rios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história de África e de Moçambique, deve ser entendida como uma história
de resistência a todos os valores identitários. Note-se que a presença portuguesa
em Moçambique difundiu a cultura portuguesa como modelo para seguir e o pós-
-independência caracterizou-se pela exaltação da ideologia FRELIMO-Estado com o
fundamento de identidade nacional e da formação do homem novo.
Na continuidade dos processos assiste-se a uma constante luta entre as im-
posições da modernidade e a procura constante em manter a riqueza cultural de
vários grupos étnicos no contexto de unidade ainda em construção em Moçam-
bique. Neste esforço da dinâmica cultural, as cidades africanas são de uma dupla
identidade.
Como se pode notar a duplicidade identitária em Moçambique está presente
em vários aspectos da vida desde o nome, a língua, a religião, no casamento, na
construção das casas entre outras práticas costumeiras das famílias, (MALANDRI-
NO 2010, p.4). Entre os Macuas não basta uma educação em instituições formais
é necessário também a educação tradicional feita através dos ritos de iniciação
masculino e feminino.
Ao praticar o culto tradicional dentro da casa diferentemente de uma árvore sa-
grada organizador do espaço e com instrumentos reconhecidos por aquele grupo,
revela a mudança da cultura com o tempo e transformação de símbolos específicos
que cada sociedade busca de uma outra sociedade como resultado das relações
sociais.
No entanto, a persistência na prática da tradição significa resistência às mudan-
ças com base na cosmovisão que se tem sobre o ritual. Ademais, a cultura é dinâ-
mica por força de outras culturas. Portanto a que acreditar que no contato entre
11 Ao benefício do próprio falecido ou dos falecidos, o bem-estar deles, para que a sua pas-
sagem e estadia para outra vida se tornem agradáveis; O benefício dos oferentes, isto é, o bem-estar
dos vivos. Esse bem-estar concretiza-se na realidade em alimentação suficiente, sobretudo, em tem-
po de fome, chuvas, seca, em saúde e boa sorte na doença. (MARTINEZ (2009).
REFERÊNCIAS
MARTINEZ, Lerma. O Povo Macua e a sua Cultura. 3.ed.Maputo, Paulinas Editora, 2009.
MALANDRINO, Brígida Carla. Os mortos estão vivos: a influência dos defuntos na vida fa-
miliar segundo a tradição Bantú. Último Andar, n. 19, p. 40-51, 2010.
AUTORIA
Jacinta Francisco Dias
Graduada em História Política e Gestão Pública, Mestra em Ciências Políticas e
Estudos Africanos pela Universidade Pedagógica de Moçambique.
Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal da Bahia.
Bolsista (Doutorado) FAPESB - Fundação de Amparo à pesquisa do Estado Estado
da Bahia.
E-mail: diasjack02@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6207-3529
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5345561904592473
INTRODUÇÃO
O modelo urbano excludente das cidades pós-modernas tem sido alvo de in-
vestigação por diferentes perspectivas teóricas. Pelo olhar das epistemologias do
Sul (SANTOS, 2019), – perspectiva teórica decolonial, que encara a produção de
conhecimento não hegemônica, reconhecendo as opressões promovidas por uma
modernidade estruturada na colonialidade, no capitalismo e no patriarcado – o
direito à cidade é a entrada para a contestação de critérios de sociabilidade que
dividem a cidade entre zonas selvagens e zonas civilizadas (SANTOS, 1998). A partir
do final da década de 80, o direito à cidade, no Brasil, tornou-se uma importante
bandeira política, articulando diferentes agentes da sociedade civil para exigir a
reforma urbana (CHUECA, 2019).
Já na perspectiva da Análise de Discurso materialista (doravante AD), a disputa
pelo espaço urbano é colocada em causa, e a cidade passa a ser observada em seus
processos de significação, no atravessamento das evidências que tornam possíveis,
na história, enunciados como o próprio direito à cidade (ORLANDI, 2004). Essa for-
ma de escutar o território urbano, de focalizar o modo como ele é interpretado, é
o que coloca o nosso trabalho em movimento.
A partir da AD, – cuja fundamentação teórica se assenta no legado de Michel
Pêcheux e nos desdobramentos teóricos promovidos por Eni Orlandi no Brasil – dia-
logamos com os estudos decoloniais para apresentar uma parte de nossa pesquisa
de doutorado, desenvolvida no âmbito do Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Concernidos em compreender o
funcionamento discursivo da promessa de pacificação das favelas, questão central
de nossa pesquisa, promovemos um olhar discursivo sobre esses espaços, a partir
do que eles dispõem a nós enquanto materialidade sócio-histórica.
A análise de alguns documentos tornou-se imperativa na pesquisa. São arquivos
que imbricam diferentes materialidades significantes (LAGAZZI, 2009), visual e ver-
bal, a saber: uma charge de 1908, que representa a campanha higienista de Oswaldo
Cruz para o Morro da Favella; um artigo do jornalista Carlos Lacerda de 1948; e, por
fim, um documento oficial do programa de “desfavelamento”, datado de 1968.
Para as análises dos materiais, temos, em nosso horizonte, os seguintes objeti-
vos: 1) observar o modo como, apesar de circularem em conjunturas diferentes, o
corpus materializa, como regularidade, trajetos de sentidos ligados a formulações
que colocam a favela como um “problema” a ser eliminado. 2) analisar, por uma
EXTERMINAR
Presente no Rio de Janeiro no final do século XIX, o Morro da Favella é referên-
cia obrigatória nos trabalhos orientados a uma perspectiva histórica dessas comu-
nidades. Pesquisadores como Gonçalves (2013) e Valladares (2005) nos contam
que, o também chamado Morro da Providência, foi ocupado, em 1897, por ex-es-
cravos e soldados remanescentes da Guerra de Canudos. Ali, eles se instalaram com
o intuito de pressionar o Ministério das Guerras, localizado próximo ao morro, para
o pagamento de soldos atrasados.
A partir de 1907, o Morro da Favella foi alvo de investidas higienistas, como
uma atualização dos gestos eugênicos1 que se seguiram no Brasil ao longo das dé-
cadas pós-abolição. Uma dessas campanhas aparece textualizada a seguir, em uma
charge publicada pela Revista “O Malho” no ano de 1908.
1 Aqui a noção de eugenia está sendo mobilizada a partir de Schwarcz (1993). Termo criado
em 1883 pelo cientista britânico Francis Galton (eu: boa; genus: geração), a eugenia constituiu-se
como uma prática avançada de darwinismo social, teoria segundo a qual as raças eram tomadas
como fenômenos imutáveis, derivando daí a ideia de que qualquer miscigenação seria uma degene-
rescência. A partir de 1880, a eugenia foi transformada em um vigoroso movimento científico e social.
Essa composição visual, analisada por nós em ocasiões anteriores (ANJOS,
2019), traz o Morro da Favella, a partir de uma imagem humana. É de uma cabeça,
a do morro, que podemos ver pessoas sendo extraídas pelo pente da “Delegacia
da Hygiene”. Outros dois morros, o Morro do Vallongo e o Morro do Livramento,
aparecem ao fundo. Aqui, chamo atenção para a representação do médico higie-
nista Oswaldo Cruz, figura hiperdimensionada, que segura o pente responsável
por arrancar os moradores da favela do local onde moram. O médico em questão
personifica a política higienista vigente à época, sob condições de produção que
inscrevem no corpo da favela um gesto eugênico dado a ver na imbricação entre a
materialidade visual, a charge, e verbal: “Uma limpeza indispensável; a Hygiene vai
limpar o Morro da Favella, ao lado da Estrada de Ferro Central. Para isso, intimou
os moradores a se mudarem em dez dias”.
O diálogo abaixo produz efeitos sobre o que vemos na imagem:
PROLIFERAR
Os governos dos anos 40 e 50 também foram pautados por uma oposição explí-
cita à favela. O episódio da “batalha do Rio de Janeiro”, campanha popular lançada
pelo jornalista e político Carlos Lacerda em 1948, ilustra bem essa questão.
(Sequência Discursiva 2)
Favelas, como esta da rua do Bispo, continuam a proliferar com
a mesma intensidade que os seus moradores.
(Sequência Discursiva 3)
O problema não se resolve todavia [...] simplesmente impedindo.
Impeça-se aqui, ela, a favela, nascerá acolá, e assim por diante.
2 Segundo Pêcheux (2009, p. 101) o pré-construído “dá seu objeto ao pensamento sob a
modalidade da exterioridade e da pré-existência”.
DESFAVELAR
Voltaremos nossa atenção agora ao último material de análise. Trata-se de um
excerto que versa sobre a CHISAM (Coordenação da Habitação de Interesse do So-
cial da Área Metropolitana do Grande Rio)3, política estabelecida pela parceria en-
tre o governo municipal, estadual e federal, constituída com a finalidade de acabar
com as favelas. Criada em 1968, durante a ditadura civil- militar, a CHISAM buscou
unificar a política para as favelas dos estados do Rio e da Guanabara, vislumbrando
sua total erradicação até, no máximo, o ano de 1976. Esse foi o estandarte do re-
crudescimento da chamada “era das remoções”.
Encontramos um desses recortes no trabalho de Brum (2010). Como parte de
um dos documentos oficiais da CHISAM, o excerto confere o nome de “programa
de desfavelamento” à prática da remoção, sob a argumentação de restituir dignida-
de ao morador da favela. Oficialmente, essa questão foi colocada assim:
3 Instituída pelo Decreto Federal n.º 62.654, em 03/05/ 1968, subordinada ao Ministério do
Interior.
Isso significa que focalizar a cidade em sua materialidade é também não perder
de vista a questão ética e política no fazer analítico discursivo. Ao expor o funciona-
mento racista que estrutura nossa sociedade, estamos refletindo sobre os conflitos
e desigualdades que formatam o capitalismo, no atravessamento das determina-
ções raciais. É a partir daí que procuramos opacizar os sentidos de ordem para a ci-
dade e seus moradores, para, assim, explorar outros modos de significação. Modos
que possam ir além da oposição repulsiva entre favela e asfalto.
REFERÊNCIAS
ANJOS, Liliane S. dos. Pode uma imagem falhar? O funcionamento promissivo em diferen-
tes materialidades significantes. In: ADORNO, G; MODESTO, R.; FERRAÇA, M.; BENAYON,
Flavio; ANJOS, L.; OSTHUES, R. (Orgs.). O Discurso nas fronteiras do social: uma homena-
gem à Suzy Lagazzi. Vol 2. Campinas: Pontes Editores, 2019, p. 213- 234.
BRUM, Mario Sergio. “Irregular, ilegal e anormais”: O estigma como política de Estado e a
remoção de favelas no Rio de Janeiro pela CHISAM (1968-1973). Revista do Arquivo Geral
da Cidade do Rio de Janeiro , v. 1, p. 97-107, 2010.
CHUECA, Eva Garcia. O Direito à cidade perante as epistemologias do Sul: reflexões sobre
o processo brasileiro de construção do direito à cidade. SANTOS, Boaventura Sousa; MAR-
TINS, Bruno Sena (Orgs.). In: O pluriverso dos direitos humanos. A diversidade das lutas
pela dignidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019, p. 397 –417.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Editora UFBA, 2008.
GONÇALVES, Rafael. Favelas do Rio de Janeiro: História e Direito. Rio de Janeiro: Pallas/
PUC-Rio, 2013.
LAGAZZI, Suzy. O recorte significante da memória. In: Indursky, F.; Leandro Ferreira, M.;
Mittmann, S. (Orgs.). O discurso na contemporaneidade: materialidades e fronteiras. São
Carlos: Claraluz. 2009. p. 57-67.
ORLANDI, Eni P. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. 3. ed. São Paulo,
Campinas: Pontes, 2008.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no
Brasil, 1870- 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
AUTORIA
Liliane Souza dos Anjos
Doutoranda em Linguística pelo IEL- Unicamp e professora da FATEC – Bragança
Paulista.
E-mail: lilianesouzaanjos@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-9763-9166
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2978980227675051
INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda aspectos da importância da legislação no exercício da
democratização de bens culturais e da legitimidade das narrativas de grupos histo-
ricamente silenciados. Nesse sentido buscamos refletir sobre as dicotomias entre
os direitos culturais e realidade vivenciada no espaço museal Cafua das Mercês – O
Museu do negro na Cidade de São Luís – Maranhão, Patrimônio Mundial da Humani-
dade, e um dos estados brasileiros com o maior percentual de pessoas negras, anali-
sando a sua relevância para a representatividade afro Maranhense.
Com base em uma pesquisa bibliográfica que tem como objetivo refletir sobre
a importância de uma educacional patrimonial decolonial, verificaremos as possi-
bilidades dos espaços patrimoniais como os museus, fomentarem o conhecimento
emancipatório.
Para abordar tal investigação, escolhemos alguns elementos de análise. Em pri-
meiro lugar, falaremos sobre o Bens Culturais como direito constitucional, des-
creveremos sobre a importância da constituição 1988 para o estabelecimento
dos Direitos Culturais com princípio da pluralidade, em seguida apresentaremos
a museologia como atividade de democratização de conhecimento, verificando a
importância dos museus como espaços de ações educacionais não formais, pos-
teriormente abordaremos a descentralização do poder como um dinamismo de
decolonização, levantaremos os impactos dos parâmetros coloniais de uma gestão,
e como essa matriz reproduz automaticamente na manutenção de estruturas que
restringi o acesso, e por fim analisaremos o patrimônio institucionalizado como
memorial do negro maranhense.
O museu não pode ser uma instituição morta, do jeito que estar
lá ela uma instituição morta. Ela reflete na entrada a violência
sobre o negro, não é isso! Tem que colocar que era a civilização
africana que muito antes de cristo já existia. Qual foi o papel do
negro aqui no Maranhão? A arte, na agricultura, na economia, na
música. É isso que tem que ser feito! E os negros importantes
não estão lá nenhum. E as frases importantes desse povo, não
têm nenhuma? (PINHEIRO,2015)
Fala que corrobora com a da ialorixá do Axé Ilê Obá, Silvia de Oxalá, que per-
gunta:
O Museu Cafua das Mercês exemplifica de maneira explicita que mesmo que
a constituição preveja o direito cultural, e que o mesmo tenha contribuído para a
iniciação de movimento de descentralização, no que tange a descolonização, existe
um longo caminho a seguir para validar os saberes étnicos para além da visibilidade
por conveniência, adentrar somente um espaço “memorial” como o museu, não
configura-se na concretude da democratização do conhecimentos. Visto que co-
nhecimento é poder, assim como as ações afirmativas, as política de cotas, ou a Lei
nº 10.639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-
brasileira tem uma significância necessária, mas não podem ser tida com ações
exclusiva para desarticular um racismo enraizado nas instituições estruturante do
nosso país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As conquistas adquiridas através da legislação de Direitos culturais, tem uma
relevância significativa no processo de dinamizar a validação e a valorização do
patrimônio cultural para atores que representam a memória coletiva, multicultu-
ral da nação brasileira. Mas torna-se crucial ações que fomente as ecologias dos
REFERÊNCIAS
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular? São Paulo: Ed. Brasiliense, 1990.
BLOISE, Ana Silvia. O desafio da gestão dos pequenos museus. In: O que são para que
servem?
LEITE, M. I.; OSTETTO, L. E. (Org.). Museu, educação e cultura: encontros decrianças e pro-
fessores com a arte. Campinas: Papirus, 2005.
MOUTINHO. Andréia Maciel Santos. Espaços de Lazer e Cultura Popular: uma abordagem
sobre museus do Centro Histórico de São Luís/ Andréia Maciel Santos Moutinho – 2017
162 f
PINHEIRO, Cleonice. Museu Cafua das Mercês – Museu do Negro: análise da representa-
tividade da cultura afro-brasileira no cenário turístico ludovicense / Cleonice Pinheiro. _
São Luís, 2015.
INTRODUÇÃO
Neste artigo serão apresentadas facetas das complexas e históricas desigualda-
des brasileiras, levando-se em consideração seu passado escravista e suas implica-
ções raciais e sociais, tendo por base um quadro identificado como “tempos som-
brios”, ideia que ilustra acontecimentos da realidade contemporânea brasileira,
marcada pela reprodução cotidiana de um panorama de incertezas. Essa se tornou
ainda mais profunda, difusa e espraiada em 2020, com a emergência de saúde pú-
blica que atingiu o povo brasileiro e a humanidade: uma pandemia, causada pelo
coronavírus /COVID-19.
Tendo por base esse quadro de incertezas contemporâneas, que foi agravado
ainda mais nos seis primeiros meses deste ano, em função da pandemia, num mo-
mento em que não há respostas efetivas para sanar a emergência sanitária, ao
mesmo tempo em que tais implicações ficam mais visíveis, são agravadas, origi-
nando outras desigualdades de ordem básica, relacionadas a onde e como vivem
certas populações, como se dá seu acesso ao trabalho, moradia, água, saneamen-
to, educação e saúde. Desta forma, é importante ressaltar o papel dos movimentos
sociais nesse processo.
As discussões rapidamente pontuadas acima servem como o solo a orientar a
construção deste artigo. Além dessa introdução, na segunda parte são abordadas
questões teóricas e gerais, que dão fundamento à ideia de “tempos sombrios” a
partir de notícias veiculadas sobre a pandemia; na terceira, as marcas históricas
das desigualdades; por fim, algumas considerações finais.
3 Acessar: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/01/oms-de-
clara-emergencia-de- saude-publica-internacional-para-novo-coronavirus
4 Acessar: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&i-
d=6100:oms-declara- emergencia-de-saude-publica-de-importancia-internacional-em-relacao-a-no-
vo-coronavirus&Itemid=812
5 Acessar: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,nao-e-uma-situacao-alarmante-diz-
-bolsonaro-sobre- coronavirus,70003173424
6 Acessar: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/31/bolsonaro-reune-ministros-pa-
ra-avaliar-risco-do- coronavirus-e-situacao-de-brasileiros-na-china.ghtml
7 A lei elenca uma série de medidas que, de um lado, funcionam como meio de evitar a
contaminação ou a propagação do coronavírus, que incluem, seja o arbítrio sobre ações da população
como isolamento, quarentena, uso obrigatório de máscaras de proteção individual, restrição do uso
de rodovias e aeroportos, seja a realização de estudo e ações epidemiológicos de controle e conten-
ção, como a realização compulsória de exames, testes, vacinas, exumação, necropsia, seja a autoriza-
ção para importação e distribuição de materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de
saúde, sem licença sanitária, que fossem tidos como essenciais para o combate à pandemia. Acessar:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/02/06/bolsonaro-sanciona-lei-com-regras-sobre-quaren-
tena- e-medidas-contra-coronavirus-diz-planalto.ghtml
8 Acessar: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/02/10/bolsonaro-assina-mp-e-destina-
-r-112-mi-para- enfrentar-emergencia-de-saude-publica-provocada-pelo-coronavirus.ghtml
9 Acessar: https://veja.abril.com.br/mundo/coronavirus-60-do-mundo-pode-ser-infectado/
10 Acessar: http://www.ctc.puc-rio.br/diferencas-sociais-confirmam-que-pretos-e-pardos-
-morrem-mais-de-covid-19- do-que-brancos-segundo-nt11-do-nois/
11 Acessar: https://www.brasildefato.com.br/2020/02/26/brasil-e-o-primeiro-pais-da-ameri-
ca-latina-a-identificar- caso-de-coronavirus
12 Acessar: https://www.dw.com/pt-br/efeitos-do-coronav%C3%ADrus-sobre-as-cadeias-
-mundiais-de- abastecimento/a-52558475
13 Acessar: https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2020/02/29/se-coronavirus-e-menos-
-letal-que-outras- epidemias-por-que-assusta-tanto-o-mercado.htm?
14 Acessar: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/03/03/inter-
nas_economia, 831654/novo-coronavirus-ja-comeca-a-afetar-dia-a-dia-da-economia-brasileira.shtml
15 Acessar: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,coronavirus-esta-superdimensiona-
do-diz-bolsonaro-em- miami,70003226601
16 Acessar: https://en.unesco.org/covid19/educationresponse
17 Acessar: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/direita-global-ve-conspiracao-
-em-pandemia-do- coronavirus.shtml
18 Acessar: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatiana-prazeres/2020/03/xenofobia-que-
-cresceu-com-a-covid- 19-deixara-sequelas-de-longo-prazo.shtml
19 Acessar: https://atarde.uol.com.br/economia/pr-newswire/noticias/2138802-relatorio-so-
bre-crimes-ciberneticos- da-lexisnexis-risk-solutions-revela-novas-oportunidades-e-riscos-nos-canais-
-online-da-america-latina-durante- pandemia-global
20 Acessar: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/atos-pro-bolsonaro-apoio-15-mar-
co/.
21 Acessar: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/atos-pro-bolsonaro-apoio-15-mar-
co/
22 Acessar: https://www.brasildefato.com.br/2020/08/06/bolsonaro-e-as-quase-100-mil-
-mortes-trapalhadas- omissao-e-desprezo-as-vitimas
23 23https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/03/16/interna_politica,1129266/bol-
sonaro-diz-que-ha-superdimensionamento-em-relacao-ao-coronavirus.shtml
24 Acessar: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/04/16/video-paciente-
-com-covid-19-e- aplaudido-ao-receber-alta-de-uti-apos-29-dias-internado-no-df.ghtml
25 Acessar: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus-profissionais-de-saude-sao-ho-
menageados-com- aplausos-nas-janelas-24319194
26 Acessar: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/04/16/video-paciente-
-com-covid-19-e- aplaudido-ao-receber-alta-de-uti-apos-29-dias-internado-no-df.ghtml
27 Acessar: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/03/31/bolsonaro-alvo-do-15-pane-
lao-seguido-durante- pronunciamento-na-tv.ghtml
28 Acessar: https://cbncuritiba.com/governadores-de-26-estados-pedem-manutencao-de-iso-
lamento-social/
29 Acessar: https://theintercept.com/2020/03/15/bolsonaro-coronavirus-saude-mandetta/
30 Acessar: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51931934
31 Acessar: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-24/forcado-por-coronavirus-bolsonaro-a-
cena-com-tregua-a- governadores-e-anuncia-ajuda-de-882-bilhoes.html
32 Acessar: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53703044
33 33 Acessar: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/18/Calamidade-p%C3%BA-
blica-o-que-%C3%A9- e-quais-suas-implica%C3%A7%C3%B5es
34 Acessar: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins
35 Acessar: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ao-menos-45-paises-ja-adotaram-
-medidas-para-conter- impactos-da-covid-19-em-emprego-e-renda,70003244688
36 Acessar: https://nacoesunidas.org/artigo-novos-numeros-mostram-por-que-e-crucial-pro-
teger-os-mais-pobres-na- crise-da-covid-19/
37 Acessar: https://saude.abril.com.br/bem-estar/16-iniciativas-inspiradoras-contra-o-corona-
virus-que-dependem- de-doacoes/
38 Acessar: https://revistaafirmativa.com.br/covidnafavela-os-impactos-da-pandemia-e-as-re-
des-de-protecao- colaborativa-nas-periferias-de-salvador/
REFERÊNCIAS
COSTA, Graça. O desmonte do Estado InPor Que Gritamos Golpe?Para entender o im-
peachment e a crise política no Brasil, Boitempo 2016.
AUTORIA
Andaraí Ramos Cavalcante
Universidade Católica do Salvador
E-mail: andaraircavalcante@yahoo.com.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7789717469180516
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões de minha
pesquisa de mestrado em Antropologia que está em andamento. Tenho como
campo de trabalho a “Feira Cultural e do Afroempreendedorismo” que acontece
mensalmente na Praça Zumbi dos Palmares, localizada no bairro Pinheirinho na
cidade de Curitiba, Paraná. A partir desta feira, busco entender como a presença de
mulheres negras, que é a grande maioria de quem participa do evento, tanto como
afroempreendedoras, tanto quando parte da organização, neste espaço contribui
para a formação política de cada uma tendo como ponto de partida o afroempre-
endedorismo. Também trago a história do Instituo Afro-Brasil, organização que está
por trás da feira e como essas relações de estabelecem neste local.
Meu interesse pelo tema se deu antes de ingressar no mestrado, quando ainda
estava na graduação em design de moda, onde no fim do curso, resolvi levar a
temática de moda afro- brasileira como tema do trabalho final, naquele momento,
eu estava passando por um processo de auto reconhecimento como mulher negra,
fato que me fez ver me minha pesquisa a minha história, a história de minhas an-
cestrais. Nesta pesquisa eu fui atrás de algumas marcas que se posicionam no mer-
cado como afro-brasileiras, entrevistei designers de Curitiba, São Paulo e Salvador,
todas mulheres pretas. Por fazer parte do cenário de moda curitibano, percebi
um movimento muito grande de espaços de economia colaborativa, isso no ano de
2016. Começou-se a falar sobre moda local, colaborativa e slow fashion. Comecei
a frequentar essas espaços mas percebi que existiam poucas afroempreendedoras
ali, sendo que eu sabia que elas existiam. Quando questionava isso com os donos
das lojas, a resposta era sempre a mesma: “mas onde estão essas afroempreende-
doras, me diz onde elas estão, nossa loja está abertas para todos!”. Muitos fatores
faziam com que essas mulheres pretas não estivessem nesses espaços mais cen-
trais, um deles é o alto custo que é cobrado por arara ou por bancada, tornando
inviável a presença delas lá. Mas então, onde elas estão? Essa foi a pergunta que
me fez ingressar no mestrado.
Em Curitiba existem dois eventos e um espaço colaborativo voltado exclusiva-
mente para afroempreendedores, são eles: a “Feira Cultural e do Afroempreende-
dorismo” que acontece na Praça Zumbi dos Palmares, que é meu campo de pesqui-
sa; a “Feira do Afroempreendedor” que acontece esporadicamente no Memorial
APORTE TEÓRICO
Quando comecei a buscar referenciais teóricos para embasar minha pesquisa,
decidi que iria dar prioridade para mulheres pretas e latino-americanas, sendo as-
sim, tenho ao meu lado LÉLIA GONZÁLEZ (1982 e 2011) com duas produções que
METODOLOGIA
Realizei observação participante nas edições mensais da feira nos meses de ju-
lho, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2019, permanecendo no local
das 14h até as 18h, No ano de 2020 havia planejando de continuar as observações
mas de forma mais próxima, acompanhando o dia de feira de algumas afroempre-
endedoras, mas por conta do isolamento social fruto da pandemia da COVID-19,
acabou não sendo possível .Quando estava em campo, anotava tudo que via, ouvia
RESULTADOS E ANÁLISE
A pesquisa ainda está em andamento, então algumas questões ainda estão em
aberto, mas por hora já é possível perceber como algumas relações se estabelecem
em campo. Antes de tudo é importante trazer o significado de afroempreendedo-
rismo, segundo Maria Angélica dos Santos (2019), “afroempreendedorismo, em
sentido amplo, diz respeito ao movimento empreendedor realizado por negras e
negros”. Esses movimentos, segundo ela, pode ser focado em um negócio que pen-
se de forma ampla, como por exemplo abrir um supermercado, uma loja de roupas
ou um restaurante, mas também pode ser um modelo de negócio focado como
público alvo pessoas negras, que envolva apenas pessoas negras em todo processo
produtivo, marketing, funcionários negros, etc. Ambas modalidades autora clas-
sifica como “latu sensu (sentido amplo) (...) e (...) scricto sensu (sentido estrito)”
(SANTOS, 2019, p, 36). Mas é interessante pois quando questiono o processo de
afroempreendedorismo para minhas interlocutoras, elas trazem duas categorias
um pouco diferentes. Segundo Márcia Reis, coordenadora do Instituto Afro-brasil
e afroempreendedora na marca Negra Kaetê, os afroempreendedores no geral es-
tão ali, alguns, por necessidade e outros por militância. Ela mesma me conta que é
pedagoga e atua como diretora em um escola pública na região metropolitana de
Curitiba e que está ali na feira como parte de seu processo de militância, visando
ajudar outras pessoas negras que precisam e querem ser afroempreendedores.
Esse fator do que leva a pessoa negra a empreender é um ponto bem relevante
na pesquisa. Busquei dados que mostram, em relação a homens e mulheres, sem
recorte racial a abrirem seus próprios negócios. Segundo dados do GEM (2018),
do total de homens e mulheres que são donos de seus próprios negócios, foi pos-
Então, a gente percebeu, por exemplo que teve gente que fa-
lava: “ah, eu nem sabia dessa história que vocês falam de racis-
mo”, daí você começa a resgatar: “mas veja, isso aconteceu com
você?” “ahh aconteceu!”, então isso é o racismo. Isso que você
não viu, sabe por que você não viu? Porque eles fingem que não
é, porque o racismo é o crime perfeito, no direto a gente fala que
racismo é o crime perfeito, o louco é quem sofreu o racismo,
quem sofreu o racismo é maluco porque até remontar o nexo
do que a pessoa está dizendo pra chegar lá e bater e dizer é
racismo, entendeu?(Márcia Reis)
Logo, dentro desta perspectiva, é possível perceber que o que a feira proporcio-
na é uma espaço de formação de identidade política coletiva através do afroem-
preendedorismo, criando assim uma rede de mulheres negras formando uma nova
pratica de existência. Ocupando e tomando para si a Praça Zumbi dos Palmares,
espaço que foi criando em homenagem a população negra de Curitiba, mas que na
verdade ficou abandonada por anos, reesignificando este espaço e transformando
todo o contexto urbano ao redor da praça.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO. Thales. Elites de Cor: um estudo de ascensão social. São Paulo. Companhia Edi-
torial Nacional. 1955.
GONZALEZ. Lélia. A Mulher Negra na Sociedade Brasileira: uma abordagem político- eco-
nômico. In: LUZ. Madel T. (org.). O Lugar da Mulher. Rio de Janeiro. Edições Graal. 1982.
P.87- 104
MOURA. Clóvis. (org): Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil. Maceió: EDUFAL, 2001
NASCIMENTO. Abdias. O Quilombismo. São Paulo. Editora Perspectiva. 2019.
NASCIMENTO. Maria Beatriz do. A Terra é meu Quilombo: terra, território e territorialida-
de. In: RATTS. Alex. Eu sou Atlântica: sobre trajetória de vida de Maria Beatriz do Nascimen-
to. São Paulo. Editora Imprensa Oficial. 2006. P. 51-59.
REIS. João José. A Greve Negra de 1857 na Bahia. 1993. Revista USP, (18), p. 06-29.
AUTORIA
Suelen Karini Almeida de Matos
Universidade Federal do Paraná E-mail: suelenmatos@ufpr.br
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1383-5950
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4133789207334242
[...]
Toda a cidade sentiu
O tamborim parou
Quando Paulo da Portela foi embora
A União das Escolas Luto fechado votou
E Oswaldo Cruz ainda hoje
Chora, chora
( LOBO, Haroldo; OLIVEIRA, Milton de, 1949).
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa de mestrado em andamento se configura como um amadureci-
mento do que já vinha sendo trabalhado sobre o Paulo da Portela desde do curso
de Especialização em Ensino de História da África do Colégio Pedro II cursado entre
os anos de 2017 e 2019. Nessa especialização que tinha o enfoque do trabalho final
de conclusão voltado para uma proposta de intervenção pedagógica, o fenômeno
de pesquisa da intelectualidade negra e protagonismo político de Paulo da Portela
foi abordado dentro de uma narrativa histórico biográfica com base no Ensino de
História dentro do conteúdo curricular de história da Era Vargas. Agora, no traba-
lho de mestrado em andamento, o problema de pesquisa centra-se em torno de
avaliar o impacto do papel de intelectualidade negra e de militância artístico-polí-
tica de Paulo da Portela para o mundo do samba e do carnaval. Assim, a pesquisa
busca compreender mais aprofundadamente e elucidar mais propriamente as es-
trégias que marcam o pensamento que envolve a intelectualidade orgânica negra
e a militância artística-política do sambista em defesa da institucionalização das
escolas de samba, da profissionalização dos sambistas e da integração social das
populações emprobrecidadas suburbanas cariocas de maioria negra por meio das
negociações políticas e das mediações culturais que Paulo realizou junto ao gover-
no varguista, à indústria fonográfica, com os setores brancos e mais abastados da
população e em contato com os setores negros e mais empobrecidos da população
durante as décadas de 1930 e 1940.
A pesquisa também destaca o papel de grande relevância política e social das
escolas de samba, com especial enfoque na agremiação portelense, como forma
de (re)-existência e de resistência negra no período que marca o Pós – Abolição no
[...] foi aquele cuja fama era a maior em toda a nação yorubá.
Tornou-se famoso como caçador desde a juventude e, em segui-
da, pelas grandes, numerosas e proveitosas conquistas que rea-
lizou. Foi o fundador do reino de Oyó, que foi a mais importante
e poderosa cidade yorubá e pai do orixá Xangô, quem herdou do
pai o reino de Oyó e foi tido como um grande rei que manteve
a importância e a grandeza do império. Além disso, Xangô apa-
rece também na mitologia yorubana como um dos orixás mais
poderosos do panteão yorubá que é amplamente cultuado nos
terreiros do Brasil (VERGER, 1981 apud SIMAS, 2012, pág. 55).
APORTE TEÓRICO
Os estudos se situam em torno da história social do samba. Assim, serão utiliza-
dos para o desenvolvimento deste trabalho conceitos, como: conformação e resis-
PROBLEMA DE PESQUISA
Assim, a partir do problema de pesquisa de qual a importância do papel de inte-
lectualidade negra e do ativismo artístico-político de Paulo da Portela para o mundo
do samba e do carnaval, foram formuladas as seguintes hipóteses:
A invisibilidade da intelectualidade de Paulo da Portela na Historiografia estaria
relacionada à dimensão racista pelo fato de Paulo ter sido um sambista-negro e com
pouca escolaridade. Dessa forma, Paulo acaba por não ser entendido enquanto um
intelectual orgânico e produtor de saberes, ainda que este tenha pensado estraté-
gias de transformação da condição de subalternidade do negro frente à realidade
METODOLOGIA
Desenvolve-se aqui, neste presente trabalho que se configura em pesquisa ini-
cial de mestrado, com base em fontes primárias levantadas no Museu da Imagem
e do Som e nos sites do IMMUB e Youtube, como fotos de Paulo da Portela e
músicas em homenagem ao sambista cantadas por sambistas portelenses e tam-
bém de outras agremiações carnavalescas que foram reunidos durante o curso de
especialização de Ensino de História da África no Colégio Pedro II entre os anos de
2017 a 2019. Nesse sentido, o presente trabalho busca fazer uso desse repertório
documental adquirido sobre o Paulo da Portela durante o curso de especializa-
ção associado com as informações obtidas no acompanhamento das produções
de mídias realizadas pelo GRES Portela, como o canal Portela Cultural no Youtube
RESULTADOS E ANÁLISE
Em comparação às pesquisas já realizadas acerca de Paulo da Portela que tra-
tam do seu papel de intelectualidade e protagonismo político destacando os seus
feitos e inovações em defesa das escolas de samba e mostrando os ganhos sociais,
políticos e culturais que estas últimas conquistaram, os resultados alcançados pela
presente pesquisa até o momento se diferenciam por analisar mais propriamente
e aprofundadamente a elaboração dessa estratégia de mediação ambígua de Paulo
de transgressão na adequação por meio da negociação e da ressignificação entre
a cultura popular e a cultura da elite , mas que teve um forte impacto social para
as escolas de samba e para as comunidades cariocas periféricas negras. Assim, os
resultados referem -se:
Ao diferencial estratégico de Paulo da Portela no diz respeito à ambiguidade do
seu pensamento e da sua atitude de transgressão na adequação e que foi de suma
importância para a conquista dos benefícios sociais adquiridos pelas camadas em-
pobrecidas negras suburbanas e permitiu uma maior integração social desses gru-
pos, especialmente, com a lei de institucionalização das escolas de samba em 1935.
Assim, foi a atitude negociada de Paulo de adaptação do discurso trabalhista-var-
guista ao modo de ser do sambista, principalmente através da vestimenta, que se
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância desse artigo está em contribuir para os estudos na área da história
social do samba, especialmente, em torno dos intelectuais negros do samba. Nesse
sentido, a presente pesquisa ao buscar entender qual a importância do papel de
intelectualidade negra e da militância- artístico político de Paulo da Portela para
REFERÊNCIAS
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência. ORG: Homero Santiago. 1 ed. Coleção Escri-
tos de Marilena Chauí V.4. Belo Horizonte\ São Paulo: Autêntica\ Fundação Peseu Abra-
mo, 2018.
FARIA, Guilherme José Motta. O Estado Novo da Portela: circularidade cultural e repre-
sentações sociais no governo Vargas. 228 Folhas. Dissertação de mestrado. Programa de
Pós-Graduação em História da CAPES. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área:
História Política: Rio de Janeiro, julho de 2008. Disponível em http://www.dominiopubli-
co.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1 13123 acesso em
29 out. 20.
FARIAS, Edson. Paulo da Portela um herói civilizador. Caderno CRH. Salvador: jan./dez.
1999. N. 30/31, P. 177-238 Disponível em https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/arti-
cle/view/18707 acesso em 29 out. 20.
GOMES, Angela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. 3 ed. Rio de Janeiro, FGV: 2005.
MARY, HELLEN. Depoimento oral. Entrevistador: Ruan Lucena. Live Portela Cultural. Ins-
tagram. Data: 31.05.20. Disponível em https://www.instagram.com/tv/CA3kO81nehw/
acesso em 28.09.2020.
LOPES, Nei. Partido Alto: samba de bamba. Rio de Janeiro: Pallas, 2008.
PROCÓPIO, Sergio. Depoimento oral. Entrevistador: Tarsilo Delphim. Live Portela Cultural
– Programa Papo Sincopado. Youtube. Data: 17.06.20. Disponível em https://www.youtu-
be.com/watch?v=tfAEMl46XcU acesso em 20 out. 2020.
SANTANA, Dedé; REIS, Norival. Contos de Areia. Site GRES PORTELA.ORG. Ano: 1984. Dis-
ponível em https://www.gresportela.com.br/Historia/DetalhesAno?ano=1984 acesso em
20 out. 2020.
SIMAS, Luiz Antonio. Tantas Páginas Belas: História da Portela. ORG. MOTTA, Aydano An-
dré. 1ed: Rio de Janeiro: Verso Brasil Editora, 2012.
VERGER, Pierre. Lendas Africanas dos Orixás. Trad: Maria Aparecida da Nóbrega. 4ed.
Salvador: Corrupio, 1997.
AUTORIA
Karen Garcia Pêgas
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais do CEFET\
RJ ( PPRER\CEFET-RJ)
E-mail: kkpegas@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3085-5427
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8292410613996266
Carlos de Assumpção
INTRODUÇÃO
No final do século XIX, a abolição da escravidão em 1888 e a Proclamação da
República no ano seguinte alteraram a organização política e social dos brasilei-
ros, porém mantiveram desigualdades sob o governo de militares e da aristocracia
rural. Os ex-escravizados foram um dos grupos mais afetados nesse período de
importantes transições. A liberdade perante a lei não foi acompanhada de políticas
públicas de educação e trabalho. A partir desse contexto histórico, a pesquisa
busca entender contradições da inserção social dos ex-escravizados no modelo de
cidadania republicano.
A abolição em 1888, embora tenha diminuído a incerteza jurídica acerca da
liberdade dos já alforriados (CHALOUB, 2012), não significava a real liberdade e
APORTE TEÓRICO
Entre os séculos XVI e XIX, 4,9 milhões de africanos foram trazidos à força para o
Brasil para trabalharem como escravizados (GOMES, 2019). As condições de viagem
eram subumanas e aqueles que sobreviviam se encontravam em condições precá-
rias de trabalho e alimentação. A violência contra os africanos não se manifestava
apenas em castigos físicos: a imposição da religiosidade católica, as ameaças, te-
mores e tristezas criavam repressões culturais e psicológicas.
Esses homens e mulheres traficados foram essenciais para o desenvolvimento
econômico da América Portuguesa e, depois, do Brasil, com destaque em suas ati-
vidades desenvolvidas nos engenhos de açúcar, mineração e produção cafeeira.
Trouxeram técnicas e tecnologias de agricultura e mineração que dominavam no
continente africano.
O tráfico negreiro se mostrou como uma das atividades mais lucrativas desse
período, mas teve seu fim legal no Brasil em 1850, pela Lei Eusébio de Queiroz.
Isso foi quase 40 anos antes da abolição da escravidão, mas já mostrava que essa
instituição não poderia se manter por muito tempo mais diante da expansão dos
ideais liberais.
O movimento abolicionista, surgido em fins da década de 1860, definido como
o primeiro movimento social do Brasil (ALONSO, 2018), mobilizou o país todo e
marcou a década de 1880 com a sua a fase “insurrecional” que começou esponta-
neamente e acabou por tornar-se organizada (COSTA, 2008).
Costa (2008) mostra que manifestações populares que defendiam a abolição
não eram incomuns. Essas manifestações reuniam pessoas brancas e negras, liber-
tos e livres, jornalistas e militares. A Igreja Católica, que por séculos defendeu e se
beneficiou com a exploração e escravização negra, em 1887 se manifestava aber-
tamente a favor da abolição. Até alguns fazendeiros, o grupo mais dependente da
MATERIAIS E MÉTODOS
O projeto caracterizou-se por pesquisas na literatura já produzida pela historio-
grafia, como livros, artigos, teses e dissertações e por pesquisas em fontes pri-
márias como jornais, documentos oficiais e relatos produzidos durante o período
histórico estudado.
A revisão bibliográfica, realizada na primeira parte da pesquisa, contou com
grandes obras como Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos e 1889,
cedidas pelo orientador, ou disponíveis na biblioteca do IFPR ou em domínio públi-
co. Esta revisão tinha como objetivo ampliar o conhecimento sobre o contexto his-
tórico e expor quais questões eram discutidas entre a historiografia que ajudariam
a definir mais precisamente o tema e quais questões específicas seriam estudadas.
Após essa revisão, foi iniciada a pesquisa em fontes primárias, começando pelos
Relatórios de Governo da Província do Paraná, disponíveis no Arquivo Público do
estado, que expunham a situação financeira da região, os planos de ação estatal
RESULTADOS DE PESQUISA
A Lei Áurea libertou mais de 700 mil pessoas em 1880. Esse contingente não
contou com nenhuma política assistencialista. No cenário paranaense, que não di-
fere muito do nacional, a grande maioria deles não era alfabetizada; o estado não
era industrializado e o comércio possuía pequena expressão. A população negra
teve que continuar desempenhando atividades nas fazendas e casas das famílias
brancas por remunerações baixas.
Para que mudanças ocorressem nesse cenário era necessário que o governo de-
senvolvesse políticas públicas para alfabetização dos recém-libertos, medidas para
sua inserção efetiva no mercado de trabalho e políticas de redistribuição de terra.
O que ocorreu, porém, foi o inverso.
1. A QUESTÃO EDUCACIONAL
O Brasil era um país de pessoas analfabetas. No Paraná da década de 1880 es-
tavam em funcionamento as escolas nocturnas. Elas tinham como objetivo alfabe-
tizar os adultos brancos e negros (libertos e escravizados), dos quais os primeiros
eram a maioria.
Nos Relatórios de Governo foram encontrados registros acerca da relação entre
escravos e homens livres frequentando escolas. Segue a descrição:
Entretanto, essa não era uma política eficiente. As escolas eram precárias e
não ofereciam serviço de qualidade. Dessa maneira, os negros deveriam encontrar
outras maneiras de se alfabetizar e se profissionalizar, que não fosse com o apoio
estatal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abolição da escravidão não apagou os séculos de violência contra os negros.
A maneira como ela ocorreu foi tão danosa pela ausência de políticas de inclusão e
reflete-se nos dias de hoje pelo racismo. A maneira como a escravidão se arraigou
às estruturas da sociedade brasileira fez com que o racismo, o patriarcalismo, a de-
sigualdade social e econômica permeassem todos os anos republicanos.
As teorias eugênicas sustentavam a opressão estatal e social contra os negros
e não possibilitaram as condições básicas, como acesso à educação básica e tra-
balho, para uma participação plena dentro da sociedade. Estes fatores podem ter
condenado a maior parte da população ex-escravizada a condições precárias que
impossibilitaram o progresso e emancipação através das seguintes gerações.
Pode-se concluir que a Abolição, mesmo que marcando o fim legal da escravi-
dão, não trouxe medidas para a emancipação e reparação histórica aos negros. As
teorias raciais e, depois, a ilusão de democracia racial fizeram com que os proble-
mas enfrentados historicamente pelos negros não ganhassem espaço nas discus-
sões políticas, e assim, o racismo estrutural pôde se manter por décadas seguidas,
até dos dias de hoje. A transição do regime monárquico para republicano em nada
auxiliou os libertos, pois mesmo livres eles eram proibidos de votar e ser votados,
ficando assim, a mercê de políticas elaboradas por grupos racistas.
REFERÊNCIAS
SANTOS, Merylin Ricieli dos. Territórios Negros Plurais: Dois Clubes, Duas Cidades E Duas
Histórias. de Ponta Grossa A Tibagi. Disponível em: <https://www.sul2019.historiaoral.
org.br/resources/anais/12/abhosul2019/1571327012_ARQ UIVO_02ea38bd79304fc9ed-
360f856d519a99.pdf>. Acesso em 10 set. 2020.
AUTORIA
Alexandre Padilha
IFPR – Campus Campo Largo
E-mail: alexpadilha2083@gmail.com
ORCID: 0000-0002-8331-5133
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8508527186151799
Papa Francisco
INTRODUÇÃO
O trabalho escravo contemporâneo apresenta-se de maneira escamoteada, uti-
lizando-se de novas roupagens. “Ele se utiliza de novas formas de coerção como,
por exemplo, ameaças, violência física, exploração, cerceamento da liberdade e
escravização por dívida (COSTA, 2018, p. 12)”. Assim, na relação clássica do capi-
talismo, Rodrigues (2016, p. 42), destaca que “o uso de trabalho reprimido sob a
forma de trabalho escravo contemporâneo nos encaminha para a reflexão de que o
capitalismo utiliza formas não capitalistas para sobreviver como modo de produ-
ção hegemônico”.
Ao longo do tempo no cenário social brasileiro o trabalho escravo constitui e
se reproduz relacionado com a miserabilidade, os fluxos migratórios e a questão
agrária do território brasileiro. Diante disso, as relações de poder neocolonialista
emergida com os novos processos de adequação do capitalismo têm como ele-
mento central a lógica “salvacionista” permitindo a difusão de “progresso”. Nessa
perspectiva, Fanon (1968), nos explica que a violência advinda do colonialismo se
entranhou no “pensamento social” estimulando não somente o objetivo de garan-
tir o respeito desses homens subjulgados, procurou desumanizá-los. Contribuindo
para essa conjuntura, Nilziane Costa, identifica o trabalho escravo contemporâneo
como mecanismo de exploração econômica na modernidade fugentada pelas re-
lações capitalistas e, subsidiadas pela vulnerabilidade social que se encontram os
trabalhadores. Assim,
Dessa forma, para entender sobre a expressão “trabalho escravo” no Brasil, o Có-
digo Penal Brasileiro no artigo 149 o define como “reduzir alguém à condição aná-
loga à de escravo, quer submetendo-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo-o, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída
com o empregador ou preposto”. Portanto, de acordo com ANTI SLAVERY INTER-
NATIONAL-ASI, algumas características distinguem a escravidão de outras formas
de violação dos direitos humanos, sendo trabalhador escravizado definido segun-
do quatro aspectos fundamentais: I) quando ele é forçado a trabalhar por meio
de opressão física ou psicológica; II) quando ele é possuído ou controlado por um
“empregador”, geralmente, através de abuso mental ou psicológico ou ameaças
de abuso; III) quando ele é desumanizado, tratado como um objeto ou comprado
e vendido como uma “propriedade” e IV) quando ele é fisicamente coagido ou
possuindo restrições no direito de ir e vir. Dessa forma, Santos (2017), esmiúça a
inserção da escravidão contemporânea como processo histórico de adaptação de
espoliações antagônicas nas relações de trabalho, no qual ressalta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No processo de exploração do trabalho, a mesma surge como fator determi-
nante para compreender as relações desiguais na dinâmica social, econômica e cul-
tural da sociedade. Assim, a reprodução do trabalho escravo contemporâneo não
se configura apenas como resquício histórico, mas, também como produto de um
sistema que se reproduz aliciando e escravizando trabalhadores, degradação física
dos postos/espaços de trabalho, desumanização do trabalhador, o cerceamento da
liberdade e outros. Dessa forma, enquadrados sob a lógica da subalternidade, os
trabalhadores são reconvertidos a meros objetos de trabalho.
Diante disso, a escravidão (relações de trabalho) subsistiu toda a história da hu-
manidade, com rupturas, mas, sempre permanecendo nas estruturas hierárquicas
de poder. Isso nos remonta a superexploração transatlântica da mão-de-obra de
negros africanos, sustentando o sistema econômico colonial.
Portanto, a classificação dos seres humanos em categorias é um pressuposto
relevante ao funcionamento e perpetuação do trabalho escravo que o estabeleceu
como questão fundamental para a inserção do negro nas degradantes relações e
compreensões de trabalho.
Desta forma, é visível a protagonização linear do capitalismo nas dinâmicas es-
paciais e temporais adaptando-se e solidificando-se sob a exploração, fragmen-
tação e complexificação degenerada do trabalho escravo na contemporaneidade,
alçado numa perspectiva estruturada de modernidade “desenvolvimentista” e
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 264 p.
(Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro). AR. Movimento. Ações Concretas.
Disponível em: http://www.movimentoar.com.br/. Acesso 12 set 2020.
ASI- ANTI SLAVERY INTERNATIONAL, Formas contemporâneas de escravidão. In: VV. AA.
(org).
Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. Goiânia/ São Paulo: CPT/Loyola, 2005 [1999].
BENTON, T. Natural Relations: Ecology, Animal Rights and Social Justice. London, 1993.
COSTA, Nilziane Costa; RODRIGUES. Sávio José Dias. Escravidão Contemporânea: condi-
ções de trabalho no relato de maranhenses resgatados de trabalho escravo contemporâ-
neo. Maranhão: InterEspaço, 2017.
FILHO, Benedito de Lima e Silva; et al. Restrições das liberdades substantivas como indu-
toras do trabalho análogo ao de escravo. In: FIGUEIRA. Ricardo Rezende; PRADO. Adonias
Antunes e SANT’ANA JUNIOR. Horácio Antunes de (org). Trabalho Escravo Contemporâ-
neo: um debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: MauadX, 2011.
GILROY, Paul. O Atlântico negro: Modernidade e dupla consciência [1993]. Tradução Cid Kni-
pel Moreira. 2° edição. São Paulo: Editora 34, 2012.
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Editora Annalubre, 2015.
HARVEY, David. Espaços de esperança. São Paulo: Loyola, 2004.
JESUS, Jaques Gomes de. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo: Representações so-
ciais dos libertadores. Brasília, 2005.
MARTINS, José de Sousa. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São
Paulo: HUCITEC, 1997.
RODRIGUES, Sávio José Dias. Quem não tem é escravo de quem tem: Migração camponesa
e a reprodução do trabalho escravo contemporâneo. Tese (Doutorado em Geografia)- Uni-
versidade Federal do Ceará, Fortaleza 2016.
SAID, Eduard. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
STREVA, Juliana Moreira. Objetificação colonial dos corpos negros: uma leitura descolo-
nial e foucaultiana do extermínio negro no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) Pon-
tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2015.
AUTORIA
Alex Matos Rabelo
Graduando em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros pela Universidade Federal do
Maranhão-UFMA
E-mail: alexrabellos@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A abolição da escravidão no Brasil, em 1888, deu-se a partir de transformações
ocorridas na base do Império ao longo de todo o século XIX. O abolicionismo en-
quanto movimento social e político no país teve participação de diversos grupos da
sociedade como senhores de escravos que buscavam indenização, alguns poucos
levados pelo movimento republicano da década de 1870, os abolicionistas e os
próprios escravizados em forma de resistência à instituição escravista.
A escravidão enquanto instituição consolidou-se junto ao Estado imperial.¹1 Ain-
da no período colonial brasileiro a mesma política de domínio régio português era
a seguida no território brasileiro até sua separação política da metrópole, em 1822.
Naquele período, entre os séculos XVI e XVIII, a escravidão já estava em funcio-
namento, contudo, seu enraizamento no cotidiano dos centros urbanos e demais
partes do Império deu-se após a vinda da família real, em 1808.2
A partir da queda do protagonismo no mercado ultramar, o Império português
preocupou- se em modernizar sua política e dar mais atenção a suas colônias. Nes-
se sentido, o setor escravista também sofreria mudanças, sobretudo, quando fo-
ram propostos projetos por José de Carvalho e Melo, conhecido como Marquês de
Pombal.3 As mudanças promovidas pelo Marquês de Pombal pretendiam reorgani-
zar o Estado português, o mesmo regido no Brasil, porém de forma que reafirmas-
se e defendesse o absolutismo como principal saída.
Especificamente sobre a reorganização dos negócios sobre a escravidão, a pri-
meira ação foi sobre os cuidados que receberiam os traficados durante a travessia
atlântica com a finalidade de melhorar os rendimentos sobre a venda dos escravi-
zados. A melhoria no tratamento dos cativos, nas diferentes etapas do comércio
de escravos, desde sua captura à travessia atlântica, resultaria na elevação de seu
valor nos portos. Essas mudanças obedeciam a alguns pontos, como organizar um
menor número de escravos nos navios e levar uma maior quantidade e qualidade
de mantimentos.
1 SODRÉ, Elaine. A disputa pelo monopólio de uma força (i)legítima: Estado e administração
judiciária no Brasil Imperial (Rio Grande do Sul, 1833-1871). 2009. 415 f. Tese (Doutorado em História)
– Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2009.
2 MARQUESE, Rafael. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o con-
trole de escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
3 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 6ª ed. São Paulo. Expressão Popular: Perseu Abra-
mo, 2016.
16 SABA, Roberto. A Lei dos Sexagenários e a derrota política dos abolicionistas no Brasil Impé-
rio. História Social. n. 14/15. São Paulo, 2008.
17 ALONSO, Angela. Crítica e contestação: o movimento reformista da geração de 1870. Revis-
ta Brasileira de Ciências Sociais, vol. 15, n. 44. 2000.
18 RODERICK, Barman. A mão do destino, 1887-1889. In: Imperador cidadão. São Paulo: Ed.
Unesp, 2012.
19 LEMOS, R. A alternativa republicana e o fim da monarquia. In: GRINBERG, Keila et al. O
Brasil Imperial, vol. III: 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
20 BEZERRILL, Simone. Imprensa e política: jornais como fontes e objetos de pesquisa para
estudos sobre abolição da escravidão. In: II Simpósio de História do Maranhão Oitocentista. Universi-
dade Estadual do Maranhão - UEMA. São Luís, 2011.
21 OLIVEIRA, Rodrigo. A relação entre a História e a Imprensa, breve história da imprensa e as
origens da imprensa no Brasil (1808-1930). Historiae, Rio Grande, v. 2, n. 3, p. 125, 2011.
22 OLIVEIRA, Rodrigo. A relação entre a História e a Imprensa, breve história da imprensa e as
origens da imprensa no Brasil (1808-1930). Historiae, Rio Grande, v. 2, n. 3, p. 126, 2011.
23 CAPELATO, Maria. A imprensa como fonte e objeto de estudo para o historiador. In: VILLA-
ÇA, Mariana; PRADO, Maria Ligia Coelho (Org). História das Américas: Fontes e abordagens historio-
gráficas. São Paulo, Humanitas: CAPES, 2015.
O ABOLICIONISMO NA IMPRENSA
A partir de 1880, a escravidão no Brasil já era questionada em vários cantos.
Foram votados e aprovados projetos políticos sobre o assunto apenas a partir do
Segundo Reinado, mas a discussão sempre esteve presente na imprensa e nos
espaços políticos desde a Independência, em 1822, e a outorga da carta Consti-
tucional de 1824. A década de 1880 reuniu importantes marcos para a política
antiescravista. Em 1850 já se tinha derrubado o tráfico transatlântico de africanos
para o Brasil. Em 1871, a libertação do Ventre Livre e, em 1885, a liberdade aos
Sexagenários. Todos esses processos culminaram na abolição da escravidão em
1888. Aqui são trazidos dois trabalhos a título de exemplo para mostrar como se
tem feito pesquisas sobre abolicionismo na imprensa.
Na província do Espírito Santo, especificamente em Cachoeiro de Itapemirim,
os senhores de escravos mostraram-se cientes do processo que estava correndo
no Império sobre a liberdade dos cativos e as consequências para sua economia,
como aponta Robson Martins em “Atos dignos de louvor”: imprensa, alforrias e
abolição no Sul do Espírito Santo, 1885-1888.25 Os próprios senhores se somavam
em prol de libertar gradativamente seus escravos e promover uma mudança no
campo do trabalho. Os jornais que circulavam em Cachoeiro de Itapemirim – O
Constitucional e O Cachoeirano, um conservador e outro liberal, respectivamente
– publicaram sobre o assunto. Apenas o segundo jornal publicou mais anúncios
referentes à escravidão, sobretudo as alforrias concedidas pelos senhores. Para
a região foi mostrado que sua imprensa buscou fortalecer a autonomia de ação
dos donos de escravos na província quando eles buscaram resolver o problema da
abolição sem a intervenção do Estado. Nesse sentido, quando chegada, a abolição
pouco afetou a sociedade, que já vinha se informando pela imprensa cachoeirana.
A partir da análise de conteúdo sobre a escravidão na imprensa mineira, espe-
cificamente pela busca do termo “elemento servil” em diversos títulos na seção
de “jornais avulsos” do Arquivo Público Mineiro, Liana Reis mostra a possibilidade
de reconstruir a trajetória vivida pelos escravizados. Para se chegar a esse resul-
tado, um dos caminhos de análise foi a tabulação de dados referentes aos conte-
údos encontrados, como “anúncios de fugas, venda, compra, aluguel de escravos,
agressões, crimes; informações sobre alforrias, censos de população, e associações
24 LUCA, Tânia., et al. Fontes Históricas: Fontes Impressas. História dos, nos e por meio dos
periódicos. São Paulo: Contexto, 2015, p. 112.
25 MARTINS, Robson. “Atos dignos de louvor”: Imprensa, Alforrias e Abolição no Sul do Espíri-
to Santo, 1885-1888.
Afro-Ásia, n. 27, 2002.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As leituras inicias do jornal 17º Districto nos abre caminho para mostrar como a
questão da liberdade foi assumindo um discurso pautado em interesses políticos,
sobretudo, pelos liberais e abolicionistas na cidade de Diamantina, Minas Gerais.
Tratou-se em trazer, de modo muito reduzido e pouco aprofundado, a presença de
um movimento abolicionista no interior de Minas Gerais, na segunda metade do
século XIX. Este estudo merece maior afinco e as análises do conteúdo do jornal
uma maior preocupação. Contudo, é importante apontar que a discussão sobre a
escravidão e abolição estiveram presentes na imprensa oitocentista. Diversos são
os sujeitos políticos por trás de um discurso abolicionista florescente na década de
1880, que de um modo ou de outro contribuíram diretamente com a aprovação e
as disputas por projetos emancipacionistas que direcionaria o caminho que o Im-
pério brasileiro seguiria nos anos sequentes.
REFERÊNCIAS
BEZERRILL, Simone. Imprensa e política: jornais como fontes e objetos de pesquisa para
estudos sobre abolição da escravidão. In: II Simpósio de História do Maranhão Oitocentis-
ta. Universidade Estadual do Maranhão - UEMA. São Luís, 2011.
CAPELATO, Maria. A imprensa como fonte e objeto de estudo para o historiador. In: VILLA-
ÇA, Mariana; PRADO, Maria Ligia Coelho (Org). História das Américas: Fontes e aborda-
gens historiográficas. São Paulo, Humanitas: CAPES, 2015.
COUCEIRO, Luiz. Acusações atlânticas: o caso dos escravos num navio fantasma – Rio de
Janeiro, 1861. Revista de História. n. 1. 2005.
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 6ª ed. São Paulo. Expressão Popular: Perseu
Abramo, 2016.
LUCA, Tânia., et al. Fontes Históricas: Fontes Impressas. História dos, nos e por meio dos
periódicos. São Paulo: Contexto, 2015, p. 112.
MARTINS, Robson. “Atos dignos de louvor”: Imprensa, Alforrias e Abolição no Sul do Espí-
rito Santo, 1885-1888. Afro-Ásia, n. 27, 2002.
RODERICK, Barman. A mão do destino, 1887-1889. In: Imperador cidadão. São Paulo: Ed.
Unesp, 2012.
SABA, Roberto. A Lei dos Sexagenários e a derrota política dos abolicionistas no Brasil
Império. História Social. n. 14/15. São Paulo, 2008.
AUTORIA
Higor Natanael Azevedo Carvalho
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
E-mail: carvalhoufvjm@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7036-4537
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0165754856895070
INTRODUÇÃO
Este artigo possuiu a intenção de trazer ao debate da história social da escravi-
dão e pós- abolição fragmentos da vida de duas mulheres negras libertas, Meren-
ciana e Maria Ignacia, que viveram no Sul do Brasil. Percorremos suas vidas duran-
te a década de 1880. O presente trabalho é um dos resultados, um pequeno tópico,
desenvolvido para o trabalho de conclusão de curso da graduanda que assina este
texto intitulado “Merenciana e a liberdade negra: raça e gênero nos campos de
Palmas (1880-1900)”. A janela que abriu a possibilidade de conhecer Maria Ignacia
Theodora foi a trajetória de Merenciana Prestes do Santos, lavadeira, natural de
Lapa/PR, liberta em 1860 em Guarapuava/PR e moradora de Palmas/PR1 a partir
do ano de 18852, protagonista de nossa pesquisa. Assim, dedicamos mais tempo
pensando sobre Merenciana, investigando seus passos e imaginando seus olha-
res em outro trabalho. Nas buscas foram desarrolhando diferentes pessoas que
1 A fim de que a leitora/or se familiarize com o lugar em que Merenciana e Maria firmaram
em algum momento seus corpos pés, façamos um breve comentário sobre os campos de Palmas. De
acordo com Ana Paula Pruner de Siqueira (2010), no final do século XIX abrangia o atual Sudoeste
do Paraná e Oeste de Santa Catarina. Nesse espaço, com grandes áreas ainda não destruídas pelo
colonialismo, habitavam indígenas, escravizados/as e seus descendentes, assim como imigrantes eu-
ropeus e seus descendentes. Sua economia, que se utilizou da escravidão negra, estava voltada para a
criação e comercialização de gado, tropeirismo, agricultura de subsistência e cultivo de erva-mate.
2 Arquivo da Comarca de Palmas/PR. Petição de queixa de Merenciana Prestes do Santos.
Palmas, 1886.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do processo crime, como exposto, surgem traços que se referem as
mulheres negras aqui abordadas e que podem ser alargados para fora do docu-
mento. Ao se ver diante da briga Maria correu para o Rocio da vila, possivelmente
um espaço de sociabilidade negra. O lugar foi apontado não somente para dizer
o que ela fez, mas para afirmar qual lugar ela frequentava. Dessa maneira, os ho-
mens responsáveis pela ordem e controle de Palmas, além daqueles com quem
compartilhavam momentos, procuraram dizer como Maria Ignacia e Merenciana
eram entendidas e utilizar disso para marcar distanciamentos, lugares e tratamen-
tos. Apesar e a partir disso, ao estarem em perigo sabiam o que fazer. Para não
serem envolvidas na briga, Maria Ignacia correu para o Rocio e Merenciana para a
casa de seu vizinho.
Merenciana e Maria Ignacia não performaram o lugar social definido idealmen-
te para mulheres. Como mulheres pobres, trabalharam para garantir a manuten-
ção de suas vidas. Suas autonomias podiam causar uma certa desordem em um
imaginário que organizou as mulheres para responderem aos poderes masculinos.
Eram trabalhadoras negras e solteiras, se divertindo e voltando para suas casas,
escolhendo suas companhias. Assim, percorreram espacialmente e simbolicamen-
te ambientes nos quais buscavam as suas próprias maneiras de negociar proteções
para se estabelecerem ativas no jogo social.
REFERÊNCIAS
COLLINS, Patrícia Hills. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como catego-
rias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (Org.). Reflexões e práticas de transfor-
mação feminista. São Paulo: SOF, 2015, p. 13-42.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2018.
MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Mulher, corpo e maternidade. In: SCHWARCZ,
Lilia M.; GOMES, Flávio. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Pau-
lo: Companhia das Letras, 2018, p. 334-342.
PONTAROLO, Fábio. Terra, trabalho e resistência na fronteira agrária: a história dos “po-
voadores pobres” em Guarapuava (século XIX). 2019. 365 f. Tese (Doutorado em Histó-
ria)- Centro de Ciências Humanas, Educação e Letras, Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, Marechal Cândido Rondon, 2019.
SILVA, Maria Arlete Ferreira da. Da África ao Rocio São Sebastião- Quilombo de Palmas-
Paraná: memórias vividas. Curitiba: Clube de Autores, 2018.
SIQUEIRA, Ana Paula Pruner de. Cativeiro e dependência na fronteira de ocupação: Pal-
mas, PR, 1850-1888. 2010. 136 f. Dissertação (Mestrado em História)- Centro de Filosofia
e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010.
INTRODUÇÃO
Banzo. Essa foi uma das primeiras formas da resistência negra durante a escra-
vidão no Brasil e consistia em: suicídio; algo desconhecido no continente africano
até então, segundo Gennari (2011).
O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão e um ano depois era
proclamada a república. Com isso, também veio a tentativa de apagamento histó-
rico, como se pode ver no seguinte trecho do Hino da Proclamação da República:
“Nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país”.
Muitos dos problemas que se vive hoje em dia em terras brasileiras se deve a
esse fator histórico. Segundo o censo de 2015 do IBGE, 54% da população se decla-
ra preta, parda ou indígena e apenas 17,4% da parcela mais rica do Brasil é negra.
Já quando se vê a parcela mais pobre da sociedade, os negros são majoritários com
uma porcentagem de 73,2%. Fora outras questões como o genocídio de jovens
negros, feminicídio de mulheres negras, pouca oportunidade de trabalho em car-
gos considerados mais altos e um sistema penitenciário que reproduz o racismo
estrutural.
Para começar a refletir sobre esses problemas de forma efetiva, deve-se olhar
para o passado e entender o que foi a escravidão e as feridas deixadas por ela na
sociedade, bem como os fatos sociais atuais que estão imbricados ao período es-
cravocrata brasileiro.
Neste sentido, a presente pesquisa, por ser interdisciplinar, foi divida em dois
artigos. O primeiro, “A Construção de um Sentimento: a reformulação do termo
resistência negra no período escravocrata brasileiro”, ressignifica o termo “resis-
tência” para a expressão de um sentimento socialmente construído. E este que
tem como objetivo principal fazer um inventário de caráter exploratório e apontar
ícones da resistência negra ao longo do período escravocrata brasileiro, como for-
ma de reconhecer e valorizar a história e as estratégias de luta dos povos negros
que constituem a formação sócio-cultural-racial nacional.
A aproximação entre o campo do Design e a temática da "Negritude" exige o
esforço de abordagem crítica sobre o racismo brasileiro. Um ideário racista bastan-
te presente se relaciona à um dos vários estereótipos históricos criados de que o
negro foi passível à escravidão, por serem preguiçosos e ignorantes. Este trabalho
APORTE TEÓRICO
A presente pesquisa é interdisciplinar envolvendo áreas como design, antro-
pologia e história. Abaixo está um esquema visual trazendo as principais áreas e
depois é explicado brevemente sobre algumas delas:
ESCRAVIDÃO
Assim como a Europa ou a Ásia, o continente africano tem uma longa história
que começa bem antes da escravidão, na realidade antes mesmo da existência de
civilização em outros continentes. Por exemplo, existiam povos que dominavam
o artesanato em vidro, fabricação de bronze pelo processo de cera perdida, arte
cerâmica e até tinham conhecimento de como se pegar pérolas em profundidade
sem o auxílio de máquinas, segundo a antropóloga Sheila Walker em entrevista ao
Geledés - Instituto da Mulher Negra (2019).
Além de dominarem a fabricação da matéria-prima para geração de objetos, a
espiritualidade era de extrema importância e muitas vezes se personificava através
de artefatos.Inclusive, o profissional que transformava o minério em metal era tido
como mágico e espiritualmente elevado (FACTUM, p.68).
Com a escravidão negra, as condições de trabalho eram horríveis, os escraviza-
dos chegavam a trabalhar 15 horas por dia, com descanso em apenas cinco dias do
ano: Natal, Epifania, Páscoa, Ascensão e Pentecostes (GENNARI, p.22).
Os escravizados viviam em senzalas, eram torturados com vários tipos de equi-
pamentos, sendo o mais utilizado o tronco, o chicote e o vira-mundo. Eram mer-
cadorias que podiam ser vendidas, alugadas, penhoradas ou mortas - mesmo que
a lei vigente não admitisse o direito de vida ou morte dos africanos, não havia
nenhuma fiscalização (GENNARI, p.22).
O caminho para abolição foi tortuoso. Em 1850 o Brasil extinguiu o tráfico ne-
greiro por pura pressão da Inglaterra (ALONSO, p.358). Depois disso, os processos
abolicionistas só se intensificaram com o fim da Guerra do Paraguai, onde os es-
cravizados participantes foram alforriados. Após esse fato, foram criadas algumas
leis como a Lei do Ventre Livre e dos Sexagenários. Porém, o assunto só foi levado
a sério quando se instaurou um medo de uma guerra civil aos moldes da América
do norte.
Com isso, em 1888 a escravidão era abolida do Brasil, o último país a fazer isso.
Contudo, os negros não tiveram direito a nada - nem trabalho remunerado, escola,
votao, casa, etc, gerando a desigualdade que temos hoje em dia no país (ALONSO,
p. 364).
DESIGN ANTHROPOLOGY
Design anthropology1 é uma área de estudos nova que faz parte de uma apro-
ximação entre o design e as ciências humanas - já que o objeto de estudo da an-
tropologia é a humanidade em sua totalidade, a partir de sua formação cultural,
considerando todas as dimensões sociais possíveis (ANASTASSAKIS, 2014).
É importante apontar que para Zoy Anastassakis (2014), a importância de ter
mais estudos na área é benéfica para as duas partes: tanto para a antropologia,
quanto para o design - não só na teoria como também a prática.
1 É um termo horizontal, ou seja sem tradução. Não tem como falar design antropológico ou
antropologia do design, já que assim mostraria hierarquia entre as áreas.
PROBLEMA DE PESQUISA
Como pessoas negras se utilizaram do design espontâneo para criar ícones de
resistência durante o período escravocrata brasileiro?
METODOLOGIA
Nas buscas realizadas, não foi encontrado pesquisas sobre design espontâneo
envolvendo fatos históricos, segundo um levantamento feito pela dupla Maria Cris-
tina Ibarra e Rita Ribeiro (2014). Sendo que o único trabalho de design que envolve
o período escravocrata encontrado é a tese de doutorado de Ana Beatriz Simon
Factum (2009) onde a própria teve que criar os seus métodos de pesquisa expli-
cando o contexto de onde aquele objeto surgiu - caminho que será seguido aqui
também.
O design anthropology, campo de estudos maior onde se está inserido o design
espontâneo, determina que haja estudos que vão além do design e antropologia
- englobando história, sociologia, economia, legislação, etc, segundo Anastassakis
(2014).
Por isso, a primeira coisa a ser feita foi um levantamento bibliográfico e audio-
visual sobre a história da escravatura brasileira, resultando em uma linha de tempo
com os principais fatos ocorridos na época, tanto na monarquia portuguesa quanto
os que refere-se aos escravizados.
Para o levantamento bibliográfico foram feitos fichamentos de leitura. Além dis-
so, foram investigadas pinturas, ilustrações e fotografias feitas durante a escravi-
dão brasileira ou de artefatos encontrados em escavações arqueológicas. Como se
RESULTADOS E ANÁLISE
Como resistência, na reformulação do termo explicado melhor no artigo “A
Construção de um Sentimento: a reformulação do termo resistência negra no pe-
ríodo escravocrata brasileiro”, é a expressão planejada ou não de um sentimento
(chamado de La-aye), toda produção feita por pessoas negras nessa época vão
ter um caráter de resistência. Porém, continua sendo importante elencar símbolos
para serem melhor estudados em outras pesquisas como a reformulação imagé-
tica e pedagógica de livros didáticos onde os artefatos trazidos são apenas os de
tortura. Então esses símbolos foram agrupados em cinco sessões chamadas aqui
de “os cinco para”: para morrer, para viver, para espiritualizar, para trabalhar e
para comunicar. Isso não quer dizer que sejam categorias enrijecidas, já que vários
elementos vão transitar entre duas ou mais sessões, mas simplesmente explica-
tivas, no sentido de explicitar a função principal no uso do respectivo artefato ou
imagem.
PARA MORRER
Assassinatos poderiam ser planejados ou não. Quando arquitetados eram usa-
dos armas como faca, punhal e foice e tinham como razão uma vingança a maus-
-tratos, podendo ser feito em grupos de poucas pessoas ou apenas em um. Porém,
muitos não conseguiam conter a fúria quando eram alvos de algum tipo de vio-
lência. Por isso era comum que objetos como mão-de-pilão, enxada e machado
(GOULART, p.142), fossem usados para matar no ato que o escravizado sofresse
algum tipo de agressão.
Além disso, existiam rituais fúnebres com costumes oriundos do continente
africano. Estes eram, principalmente, para reis e rainhas africanos e seus descen-
dentes (mesmo sendo cativos, a relação imperial se mantinha entre eles). Os ritu-
ais continham diversos elementos africanos, sendo o principal deles o predomínio
da cor branca nas mortalhas fúnebres, assim como as vestimentas feitas especial-
mente para o enterro do morto (RODRIGUES, p. 327). Também entram nesse grupo
objetos utilizados para suícidio e arquiteturas para proteção como os quilombos.
PARA VIVER
Para os escravizados viver era uma resistência e o principal palco disso eram
as ruas. Nas ruas e em locais públicos como os chafarizes onde eram lavadas as
roupas, que encontramos a capoeira, festas, vestuários, e rituais fúnebres como
PARA ESPIRITUALIZAR
Todos os objetos religiosos utilizados nos calundus coloniais, incluindo vestu-
ário e instrumentos musicais. Destaque importante para os amuletos como figa,
bolsas de mandinga e pencas de balangandans. O sincretismo também entra aqui
como uma resistência imagética.
Além dos calundus, tem os escravizados mulçumanos que orquestraram a Re-
volta dos Malês indo a batalha vestindo abadás brancos, com colares de búzios,
corais, miçangas, anéis brancos e amuletos como um livro de bolso que tinha rezas
e passagens do Alcorão (REIS, p.06).
Por último, destaque-se um artefato encontrado recentemente em solo brasi-
leiro da deusa Nimba - é a primeira peça desse nicho a ser encontrada no conti-
nente americano, o que indica que havia rituais religiosos africanos autênticos em
terras brasileiras e como estamos longe de saber a totalidade das produções feitas
por escravizados (PUCRS, 2018) .
PARA TRABALHAR
A escravidão vai obrigar as pessoas negras a trabalhar por quase 15 horas,
quanto menos esforço elas fizeram, melhor seria. Logo o melhoramento das fer-
ramentas de trabalho feitas por eles não só diminui o cansaço até um certo grau
(lembrando que o pensamento projetual se não resolve, ameniza problemas) como
contribuiu tecnologicamente para o avanço da sociedade. “Temos na agricultura
brasileira três gerações de enxadas, duas com tecnologias africanas e uma com
tecnologia inglesa” (JÚNIOR, p.47). Foi desenvolvido uma complexa engenharia
de fornos “com a possibilidade de altas temperaturas obtidas pelos processos de
sopro do ar na parte interna do sistema e formas de obtenção de ligas de grande
qualidade se aproximaram da têmpera do aço” (JÚNIOR, p.47).
PARA COMUNICAR
No período estudado, a comunicação entre as pessoas negras teve que ser rein-
ventada até que conseguissem ter voz em meios midiáticos como o jornal impres-
so. Um dos primeiros símbolos para se articularem entre si foi o medalhão com a
ANÁLISE GERAL
Para morrer. É normal que em um sistema que tenta privar o sentir, os escravi-
zados vão acabar assassinando seus feitores, senhores de engenho, etc. Além da
produção de artefatos feitos justamente para isso, como arco e flecha, espada ou
da compra de outros, como armas de fogo; vão existir casos onde um objeto que
foi feito para outra finalidade é usado como uma arma.
O objeto passa a carregar o sentimento de revolta do escravizado. Por isso,
instrumentos como a corrente e instrumentos de trabalho como mão de pilão,
enxada e machete vão virar verdadeiras armas em momentos de fúria. Mas tem
uma boa explicação para que ferramentas de trabalho se tornem armas: nos assas-
sinatos planejados, essas ferramentas eram as únicas que tinham disponíveis para
os escravizados e muitos dos assassinatos não planejados vão ocorrer enquanto o
escravizado trabalha e é atormentado pelo seu feitor.
Como os negros eram vistos como objeto, o próprio enterro foi algo negado a
eles durante um bom tempo no período escravocrata brasileiro. Mas os desfiles
que levavam o morto até a cova, com vários elementos culturais, fez da rua um
importante palco para a humanização do negro perante o sistema opressor.
Para Viver. A rua também era palco do viver dos negros e onde se tem mais
exemplos da resistência espontânea. Das festas, da capoeira, batucadas e do lazer
de um modo geral. É onde se via a ostentação das joias crioulas que reivindicavam
a auto-estima e ascensão social das mulheres. Onde em cachimbos, cerâmicas e
vestuário via-se o elo cultural africano que não conseguia ser apagado totalmente
pelo sistema devido a resistência cultural - que dentro da definição aqui apresen-
tada, é espontânea.
Se existia violência por ser negro, dentro desse grupo também a existência vio-
lência contra o gênero e a preferência afetiva-sexual. E através do vestuário sa-
be-se, nos dias de hoje, da existência e da luta de nomes como Xica Manicongo e
João Paulo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de se ter concluído que toda a cultura material pela comunidade negra
vai se tornar uma resistência dentro do período escravocrata, é necessário elencar
símbolos. O levantamento da produção desses símbolos, por ser o primeiro que faz
isso, é importante para outras pesquisa como: a reformulação imagética e peda-
gógica de livros didáticos que contam a história da escravidão, onde os artefatos
trazidos são apenas os de tortura e a possível contribuição negra para a Revolução
Industrial. Além do fato que precisa-se de símbolos brasileiros de lutas por igual-
REFERÊNCIAS
Escravidão no Brasil tem descoberta rara em Ouro Preto. Reportagem por: Gustavo Wer-
neck, Jornal Estado de Minas Gerais, 2019.
FACTUM, Ana Beatriz Simon. Joalheria escrava baiana: a construção histórica do design de
joias brasileiro. São Paulo, 2009.
GENNARI, Emilio. Em busca da liberdade: traços das lutas escravas no Brasil. Expressão
Popular, 2° edição, São Paulo, 2011.
GOULART, Jose Alipio. Da fuga ao suicídio: aspectos da rebeldia dos escravos no Brasil.
Conquista, Rio de Janeiro - 1972.
JESUS, Jaqueline Gomes de. Xica Manicongo: A transgeneridade toma a palavra. Revista
Docência e Cibercultura, Rio de Janeiro, vol. 03, p. 250-260.
REIS, João José. A Revolta dos Malês em 1835. Disponível em: <http://smec.salvador.ba.
gov.br/documentos/a-revolta-dos-males.pdf>. Acesso em: 20 out 2019.
SILVA Jr., Carlos da. Ardras, minas e jejes, ou escravos de “primeira reputação”: políticas
africanas, tráfico negreiro e identidade étnica na ahia do século XVI. Almanack, Garulhos,
vol.12, pg 6-33.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo avaliar o processo da vigília na Serra da
Barriga, a partir de nossa observação durante o dia 06 de Fevereiro, nos anos de
2017, 2018 e 2019, considerando algumas questões que nos inquietaram sobre-
maneira, dentre elas, o fato gerador da atividade, que começa a despontar como
um movimento de vigília, aos moldes do que acontece com santos da igreja católi-
ca. Honra e Reverência aos antepassados – Vigília ao extermínio do Quilombo dos
Palmares é um evento cultural que remete os participantes a uma imersão in loco,
vivenciando os passos históricos dos antepassados que constituíram o mocambo
dos Macacos.
Mencionaremos alguns aspectos históricos que temos estudado buscando elu-
cidar a criação, a perpetuação e a extinção daquele que foi o maior quilombo das
Américas. Iniciamos nosso estudo a partir da pesquisa bibliográfica acerca das et-
nias que aportaram no nordeste, onde encontramos vários fatos sobre o fluxo e
refluxo do escravismo negro em Alagoas.
Passamos para a pesquisa de campo a fim de mostrar como os fatos passados
ainda estão presentes em nossa sociedade e como são tratadas as questões relati-
vas à religiosidade em nosso estado, avaliando e trazendo para a academia aspec-
tos que estão, ainda, submersos no universo da militância política. A derrubada do
maior quilombo das Américas, para além do patrimônio material, contribuições
para minimizar os conflitos existentes no estado que avança no genocídio negro.
OBJETIVO DA PESQUISA
Avaliar o processo da vigília na Serra da Barriga, a partir de nossa observação
durante o dia 06 de Fevereiro, nos anos de 2017, 2018 e 2019, considerando algu-
mas questões que nos inquietaram sobremaneira, dentre elas, o fato gerador da
atividade, que começa a despontar como um movimento de vigília, aos moldes do
que acontece com santos da igreja católica. Honra e Reverência aos antepassados
– Vigília ao extermínio do Quilombo dos Palmares é um movimento cultural que
remete os participantes à uma imersão in loco, vivenciando os passos históricos
dos antepassados que constituíram o mocambo dos Macacos.
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1947.
LARA, Silvia Hunold, Com fé, lei e rei: um sobado africano em Pernambuco no século XVII,
In: GOMES, Flávio (org.). Mocambos de Palmares: histórias e fontes (séc. XVI – XIX). Rio de
Janeiro, 2010.
IPHAN. Serra da barriga, Parte mais Alcantilada – Quilombo dos Palmares. Dossiê patrimô-
nio Cultural do MERCOSUL
SODRÉ, M. Claros e Escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.
AUTORIA
Cláudia Cristina Rezende Puentes
Mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Alagoas
E-mail: claupuentesmestrado@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br//8689587204964699
INTRODUÇÃO
Este artigo está inserido no campo do pós-abolição e busca investigar a rede de
relações estabelecidas entre a Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio (S.O.B.
13 de Maio) com outras associações negras, sociedades operárias e associações
femininas da cidade de Curitiba, região sul do Brasil e outras regiões do país na dé-
cada de 1940, com o intuito de verificar se havia segregação racial e se sim, como
ela se manifestava?
Durante a década de 1940 a S.O.B. 13 de Maio estabeleceu relações com mais
de 20 associações, dos mais variados segmentos: de caráter racial, beneficente,
operário, recreativo, literário, esportivo, feminino e caritativo. Centrarei o foco da
análise entre as associações negras, sociedades operárias e associações femininas
mais citadas no livro de atas de reunião.
Essas duas associações além de terem uma identidade racial negra também
buscavam agregar pessoas de uma mesma classe social. Os sócios do Clube Lite-
rário Recreativo 13 de Maio se identificavam como operários negros2, que tinham
um compromisso com a questão da instrução, alfabetização, o gosto pela leitura
e escrita e por isso fizeram questão de manter em seu nome o adjetivo Literário,
assim como o adjetivo Recreativo, para que as famílias negras de Ponta Grossa e
região pudessem buscar essa Sociedade sabendo previamente os centros de in-
teresses dos associados. Já a União dos Homens de Cor era formada por negros
de classe média e operários. Além dessas duas associações negras a S.O.B. 13 de
Maio abrigou algumas agremiações femininas negras em sua sede e estabeleceu
parcerias com a Sociedade Operária Beneficente 28 de Setembro (S.O.B. 28 de Se-
tembro), Sociedade composta majoritariamente por mulheres negras, assunto que
trataremos adiante.
Tanto o Clube Literário Recreativo 13 de Maio, como a União dos Homens de
Cor são referidos apenas uma vez pela diretoria da S.O.B. 13 de Maio, em ambas
ocasiões a data 13 de maio, dia da Sessão Magna foi pensada como um momento
de convergência e propício para articular o encontro entre as diretorias dessas
associações. No caso do Clube Literário Recreativo 13 de Maio a tentativa de apro-
ximação ocorreu na iminência da Sessão Magna de 1941:
2 BAN, 2018.
3 Mantive a grafia utilizada pelos sócios na documentação da Sociedade. Livro de atas da
NÚMERO DE VEZES
ASSOCIAÇÕES
QUE FOI CITADA
FEMININAS FUNDAÇÃO FILIAÇÃO
NO LIVRO ATA NO
NEGRAS
PERÍODO
1- S.O.B. 28 de
22/09/1895 5 vezes independente14
Setembro
2- Grêmio Flor de
17/11/1922 12 vezes S.O.B. 13 de Maio
Maio
3- Grêmio Princesa
12/02/1924 5 vezes S.O.B. 13 de Maio
Isabel
11 Joselina Silva (2003) citou Nosso Jornal, Curitiba, ano II, nº 75, março, 1948. Acredito que a
autora refere-se ao nome do jornal. União, Curitiba, ano II, nº 75, 27/03, 1948, fl.3.
12 União 27/03/1948, fl. 3 e 4.
13 SANTIAGO, 2019. O Grêmio das Camélias (1899-1927) e o Grêmio 13 de Maio (1912-1919).
14 A S.O.B. 28 de Setembro era independente, não estava filiada a outra Sociedade, diferente
das agremiações femininas. Dessa forma, dividimos em duas categorias: as associações femininas
(independentes) e as agremiações femininas (filiadas).
Naquele mesmo ano, ocorreram outras negociações para utilizar os salões, era
importante negociar a melhor data, valor e o direito de administrar a festa, ten-
tando encontrar um meio termo para ambas diretorias. Apesar das disputas entre
as diretorias, os diretores da S.O.B. 13 de Maio não admitiram que o membro do
Conselho Fiscal João Evangelista de Camargo falasse em nome da Presidente do
Grêmio Operário Flor de Maio sem por ela estar autorizado, “ficou deliberado que
o Gremio Flor de Maio nas pessoas de suas dirigentes devem officiar a directoria
da Sociedade 13 de Maio, fazendo suas propostas.”18 Devidamente autorizado pela
diretoria do Grêmio Flor de Maio, Therezio Pacheco Barbosa Lima Diretor Fiscal do
Grêmio e 2º secretário da S.O.B. 13 de Maio pediu para que a Sociedade cedesse
Quase dois anos após o caso acima, em que a autonomia administrativa das
diretoras estava sendo posta em cheque, novamente a presidente do Grêmio Prin-
cesa Isabel, Adelaide de Paula Rosa pediu os salões, a churrasqueira e o botequim
para realizar uma matiné dançante, com direito a “churrascada” e “exploração do
botequim”, a diretoria da S.O.B. 13 de Maio aprovou esse pedido, sem estipular
quem ficaria encarregado da administração da festa, sendo neste caso o valor do
aluguel de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros)o único critério.22 Tanto com as asso-
ciações femininas negras como com as Sociedade Operárias as relações ocorriam
durante os discursos proferidos em festas, ou nas negociações de empréstimo ou
aluguel dos salões.
NÚMERO DE VEZES
SOCIEDADES SÓCIOS FILIADOS A AMBAS
FUNDAÇÃO QUE FOI CITADA NO
OPERÁRIAS SOCIEDADES
LIVRO ATA
Raymundo Fernandes da
2 - Sociedade Cruz, Zeferino Manoel de
Operária 27 de 21/04/1927 8 vezes Carvalho, Mário Miranda,
Janeiro Lúcio Freitas, Mário
Moreira de Freitas,
3 - Federação
João Tavares Santana e
das Sociedades 8 vezes
Alfredo Santana Ribeiro
Operárias do Paraná
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se considerarmos por segregação racial a impossibilidade de pessoas de raça
diferentes conviverem e partilharem projetos, podemos considerar que esse não
foi o caso da S.O.B. 13 de Maio na década de 1940 embora, inicialmente a S.O.B. 13
de Maio tivesse o objetivo de “reunir os descendentes da raça africana” esse obje-
tivo foi escamoteado. Desde sua origem alguns sócio da S.O.B. 13 de Maio faziam
parte da diretoria de outras Sociedade Operária não negra, ainda que possamos
questionar com que frequência isso acontecia? E quais as limitações da entrada e
permanência dos sócios e diretores negros em meio ao operariado branco curitiba-
no. Os diretores da S.O.B. 13 de Maio durante a década de 1940 registraram pou-
ca interação com outros clubes sociais negros, ao que consta não estabeleceram
qualquer relação com outro clube negro da cidade. Não mencionar a identidade
racial própria e dos grupos parceiros também pode ser visto como tática para evitar
represálias. Embora, o estatuto da S.O.B. 13 de Maio estipulasse alguns critérios de
gênero que impediam as sócias de fazerem parte da diretoria, as mulheres filiadas
a está Sociedade viram nela uma possibilidade de construir sua própria diretoria.
Se no período a diretoria da S.O.B. 13 de Maio não conseguiu estabelecer relações
tão constantes com outros clubes sociais negros, com as associações negras filiadas
a ela e a Sociedade 28 de Setembro conseguiram realisar trocas constantes.
REFERÊNCIAS
BAN, Gustavo Yoshio. Clube Literário e Recreativo Treze de Maio. In: JOVINO, Ione da
Silva; SANTOS, Merylin R. dos. Clubes em memórias: Sociabilidades Negras nos Campos
Gerais. Curitiba: Editora CRV, 2018.
JESUS, Matheus Gato de. Ninguém quer ser um treze de maio. Novos Estudos. CEBRAP,
São Paulo, V. 37, nº 1, pp.117-140, jan.-abr. 2018.
SILVA, Fernanda Oliveira da. A racialização observada pela ótica da experiência dos clubes
e centros culturais negros na diáspora negra ao sul do Atlântico (Brasil-Uruguai) - Notas
de Pesquisa como forma de iluminar a nova história do trabalho. Cadernos do LEPAARQ
(UFPEL), v. 11, p.525-533, 2014.
SILVA, Joselina da. A União dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos
40 e 50. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, nº 2, 2003, pp.215-235.
AUTORIA
Fernanda Lucas Santiago
Mestra em História pelo PPGH-UDESC, pesquisadora associada ao Aya Laboratório
de Estudos Pós-Coloniais e Decoloniais. Professora de História no Curso Pré-Vestibu-
lar Popular Ubuntu. Membro Consultora da Comissão da Verdade sobre a Escravi-
dão Negra do Paraná OAB-PR. Integrante da Rede Mulheres Negras-PR.
E-mail: flucasantiago@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7769469811615233
Para Lima Barreto, não só as chácaras com os muros de hera estavam se apa-
gando da sua paisagem, mas também as práticas tradicionais do subúrbio que ele
vivia, as vielas da cidade portuguesa que vinha se transformando em largas aveni-
das. Um passado que o autor entendia como num processo irremediável de desa-
parecimento, mas que na sua literatura seria eterno.
O lugar do subúrbio em seu romance se estabelece como mais um personagem
e ao mesmo tempo exerce um forte papel na formação da identidade das pessoas
que lá viviam, diante da minha proposta de refletir o romance de Lima Barreto
no ensino de história, considero relevante o artigo de Joaquim J.M. dos Santos,
História do lugar: um método de ensino e pesquisa para as escolas de nível médio
e fundamental (2002). No texto, o autor destaca a relevância do desenvolvimento
de um método de ensino, amparado no conhecimento histórico, que se embasa na
história do lugar, onde o espaço de pertencimento dos alunos seja parte integrante
3 PRADO, 1980.
4 BARRETO, 2012, p.188
5 BARRETO, 2012, p.68, 103.
REFERÊNCIAS:
ABREU, MARTHA et alli (0rg). Ensino de História – Conceitos temáticos e metodologia. Rio
de janeiro: Casa da Palavra, 2003.
ALMEIDA, Sílvio Luiz de. O que é Racismo Estrutural? Belo Horizonte (Minas Gerais): Le-
tramento, 2018.
LIMA, Maria. Consciência histórica e educação histórica: diferentes noções, muitos cami-
nhos. In: MAGALHÃES, M.S. et alii.(Orgs.) Ensino de História. Usos do passado, memória e
mídia. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2014. p:53-76
PRADO, Antônio Arnoni. Literatura comentada: Lima Barreto. Editora Abril, 1980.
SANTOS, J.J.M. DOS. “História do lugar: um método de ensino e pesquisa para as escolas
do nível médio e fundamental. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro.
Vol. 9(1):105,24 jan-abr.2002.p:105-124.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: um triste visionário – São Paulo: Cia das Letras,
2017.
SILVA, Adriana dos Reis e PALHARES, Carlos V. Teixeira. A construção do espaço em “Clara
dos Anjos”, de Lima Barreto. Cadernos Cespuc de Pesquisa. Vol:9, 2009. P:136-144 -ISSN:
2358- 3231.
AUTORIA
Barbara Cristina Soares Pessanha
Mestranda do ProfHistória – PUC-Rio
E-mail: bc.spessanha@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0070110335761848
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar as formas de desenvolvimento e
mudança em torno do processo de desumanização dos corpos negros femininos,
que se refaz por meio das imagens de controle, tornando-se instrumento para a
subalternização de mulheres negras, o tema encontra sua importância, em com-
preender como as imagens de controle contribuem para essa subalternização.
2 HOOKS, Bell; e eu não sou uma mulher? mulheres negras e feminismo; Rio de
Janeiro; Rosa dos tempos; trad. Bhuvi Libanio; 1 Ed. 2019. p. 144.
O PODER DA AUTODEFINIÇÃO
Tomando como partida a necessidade das mulheres negras se fazerem livres
da posição de subalternização através da busca e expressão da própria voz quanto
um ponto de vista coletivo e autodefinido, é possível aqui entender a importância
da autodefinição para as mulheres negras diante das imagens de controle a elas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As imagens de controle foram instituídas como uma nova forma de manutenção
de poder sobre os corpos negros após o fim do período escravocrata, sendo esta
uma política muito mais difundida entre a população branca como algo natural,
visto que o pensamento de que os grupos não brancos precisavam ser ensinados e
“domesticados” ainda no período de escravidão era tido como justificativa para di-
versos atos dos povos colonizadores, o que acarretou na inferiorização destes gru-
pos, principalmente a negritude escravizada. As mulheres negras foram impostas à
exploração sexual durante muitos anos mesmo após o fim da escravidão e isso foi
utilizado para a formulação da imagem da mulher negra lasciva, o que gerou gran-
des consequênicias à sua convicência perante a sociedade, afinal, eram constante-
mente lembradas de “seus lugares” quanto pessoas inferiores. Isso resultou na su-
balternização desta mulheridade, calando-as e subjugando-as à realidade descrita
como Outro numa história branca que as colocavam como corpos desumanizados.
A sobrevivência destas mulheres negras à todas as violências que silenciam suas
experiências custam estratégias de resistências, estas que se renovam ao ponto
que a matriz de dominação também se inova; desta forma, a autodefinição possui
uma grande importância, visto que essa envolve desafiar o processo de validação
REFERÊNCIAS
HOOKS, Bell. e eu não sou uma mulher? mulheres negras e feminismo; Rio de Janeiro;
Rosa dos tempos; trad. Bhuvi Libanio; 1 Ed. 2019.
HOOKS, Bell; olhares negros: raça e representação; São Paulo; Editora Elefante; trad. Ste-
phanie Borges; 2. Ed. 2019.
SILVA, Francisco Rômulo do Nascimento; OLIVEIRA, Patrícia Maria Aplônio de; Quando a
mulher negra subalterna fala: diálogos entre gayatri chakravorty spivak e carolina maria
de jesus; Instituto de Sociologia; Fundação para Ciência e Tecnologia; Agosto de 2018;
Disponível em: >http://isociologia.up.pt/pt-pt/working-paper/wp-74-quando-mulher-ne-
gra-subalterna-fala-di%C3%A1logos-entre-gayatri-chakravorty-spivak-e< acessado em
09/10/2020.
SPIVAK, Gayatri Chakra Orty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG.
2010.
AUTORIA
Aline Alves Aleluia
Graduanda em Direito na Universidade Federal do Paraná
E-mail: alvesalinelg@gmail.com
INTRODUÇÃO
Esse é o relato da preta Suzana, que conta, nesse trecho, o modo como foi
capturada e se tornou uma escrava. A preta velha africana nunca esqueceu o seu
passado de mulher livre com sua família e filha, que ficou para trás, lá no continen-
te africano de onde foi retirada à força. Suzana é uma das personagens do livro
Úrsula, escrito por Maria Firmina dos Reis1.
Ao relembrar como perdera sua liberdade, notamos que Suzana possui a consci-
ência de ser oprimida mesmo ao tempo em que havia a subserviência imposta pelo
cativeiro (PINHEIRO, 2016, p.63). A personagem, ao se ver diante da morte, tem
uma resignação sábia, em um tom meditativo que, em si mesmo, forma um ato
de resistência pois, ao ser incentivada a fugir, responde que, por ser inocente, não
fugiria (NASCIMENTO, 2009,p.78). Para Suzana, a morte seria um descanso, o único
meio de alcançar a liberdade. Reis (2004) também deu vida à escrava Joana que, no
1 Maria Firmina dos Reis, uma escritora negra que viveu durante muito tempo no ostracismo
e foi retirada da poeira da História na década 1970, momento significativo na trajetória do movi-
mento negro e do movimento feminista no Brasil. Firmina nasceu e viveu antes, durante e depois da
abolição, e, assim como algumas de suas personagens, resistiu ao regime, pois no prefácio de seu
livro, reconheceu a dificuldade para uma mulher divulgar seu trabalho, ainda assim foi audaciosa
e o publicou. Vários são os estudos a respeito da vida e da obra de Maria Firmina (MORAIS, 1975;
CUNHA, 2005; NASCIMENTO, 2009; SILVA, 2013), uma mulher negra, considerada a primeira a publi-
car um romance no Brasil, que produziu um texto no qual deixa registrado o seu caráter abolicionista
(MORAIS, 1975).
AMEFRICANIDADE E RESISTÊNCIA
As mulheres negras escravizadas estiveram envolvidas nas mais diversas formas
de resistência, desse modo podemos considerá-las agentes de suas próprias histó-
rias mesmo diante de um quadro de repressão constante. E para alicerçar essa afir-
mativa me apoiei na perspectiva de Lélia Gonzales. Mulher negra e intelectual que
se tornou agente de sua própria história, e conseguiu romper com a lógica brasileira
que negava o acesso de pessoas negras à universidade. Gonzales analisou com
profundidade as vivências das mulheres negras, observando e refletindo sobre
suas realidades, exclusões e resistências. Foi pioneira ao questionar o classismo e
o racismo no feminismo hegemônico e seus efeitos na vida de mulheres negras, a
ponto de criar a categoria Amefricanidade. Amefricanidade é uma concepção que
representa a ancestralidade dos povos nativos da América, os indígenas, e os po-
vos vindos da África, que durante o processo de colonização sofreram uma brutal
tentativa de apagamento e silenciamento. Entretanto, esses grupos são principais
constituintes do território da América e mais ainda, da América Latina. Recuperar
esse conceito produzido por Lélia é trazer à luz uma narrativa de histórias de luta
dos povos indígenas e africanos, é retomar nossa ancestralidade que mesmo tendo
sido reprimida pelo colonizador, sempre esteve presente nos diversos modos de
resistir, nas inúmeras estratégias e táticas de sobrevivências de indígenas e afri-
canos.
OBJETIVOS
O objetivo desse estudo é reforçar a compreensão a respeito das resistências de
mulheres escravizadas a partir do crime perpetrado por Francisca. Compreender
como essas mulheres reagiram frente a um regime que usurpava a sua liberdade
e as exploravam de todas as formas possíveis durante a escravidão no século XIX
(1854). Desse modo, procurei analisar a rebeldia de Francisca no âmbito do crime
como forma de resistência a alguns dos componentes do sistema escravista, den-
tre eles: trabalho compulsório, submissão, castigos violentos e humilhações. Além
disso, busquei entender quais as motivações e as circunstâncias que levaram Fran-
cisca a praticar infrações contra o regime opressor escravista.
METODOLOGIA
A base primordial do estudo é a pesquisa documental. O documento analisado
é uma petição de graça, que é o mesmo que solicitar o perdão da pena. Foi extraído
do arquivo da Biblioteca Nacional e é sobre o crime cometido por Francisca e seus
companheiros que também eram escravizados durante o século XIX em Pernambu-
co (1854). A pesquisa bibliográfica também fez parte deste estudo.
2 O documento que trata do caso de Francisca é uma solicitação de comutação de pena dos
escravos: Ignacio e Luiz. Foi encontrado no Arquivo Nacional. Fundo do Ministério da Justiça. GIFI;
Prisões, anistia, perdão, comutação de penas e petições de graça (1822-1888) série 5H108.
3 Fundo do Ministério da Justiça. GIFI; Prisões, anistia, perdão, comutação de penas e peti-
ções de graça (1822- 1888) série 5H108.
4 Fundo do Ministério da Justiça. GIFI; Prisões, anistia, perdão, comutação de penas
e petições de graça (1822-1888) série 5H108
Talvez para Francisca, quando seu senhor castigava Thomaz, estava de alguma
maneira desrespeitando a sua relação, gerando, assim, mais revolta na escraviza-
da. As relações estrategicamente construídas pelas(os) escravas(os) merecem ser
observadas, pois, por muito tempo, foi afirmada a inexistência de uma constituição
de laços afetivos entre as(os) cativas(os).
Para todos os efeitos, as histórias propagadas pelos viajantes, estrangeiros e
brasileiros, eram de que as(os) escravizadas(os) viviam de forma desregrada, em
devassidão sexual e instabilidade familiar. Pesquisadores como Bastide e Fernan-
des (1971) acreditavam que não foi possível a existência de uma família escrava,
entretanto, estudos vêm evidenciando a constituição da família escrava e de rela-
ções de compadrio que vigoraram e gozaram de vínculos estáveis (FLORENTINO;
GOÉS, 1997; SLENES, 2000; REIS, 2007; ROCHA, 2007).
Para Reis (2007), uma união matrimonial legítima ou consensual fazia muita dife-
rença, pois, significava ser amparado em momentos difíceis. Sobre isso, Florentino e
Goés (1997) afirmam que a formação da família estimulada pelos senhores era uma
forma de instaurar a “[...]paz nas senzalas[...]”. O parentesco entre as(os) escra-
vizadas(os)s era um componente que aliviava a violência do escravismo “[...]pois
favorecia uma solidariedade entre eles, podendo pacificar conflitos [...]” e mais
ainda, é considerado uma forma de resistir à escravidão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendo que foi possível compreender a partir da história de Francisca, um pou-
co das vivências de cativas envolvidas em ações de resistência. Sem generaliza-
6 Fundo do Ministério da Justiça. GIFI; Prisões, anistia, perdão, comutação de penas e peti-
ções de graça (1822- 1888) série 5H108
REFERÊNCIAS
BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológi-
co sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na
sociedade paulistana. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.
FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico
atlântico. Rio de Janeiro, c. 1790- c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava
em Bananal 1801-1829. São Paulo: Annablume, 1999.
NASCIMENTO, Juliano Corrupt do. O Romance Úrsula de Maria Firmina dos Reis: Estética e
ideologia no romantismo brasileiro.102 f. Letra (Mestrado em Letras). Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
PINHEIRO, Thaynara Rodrigues. Vozes femininas em Úrsula, de Maria Firmina dos Reis,
uma maranhense. 94 f. Letras (Mestrado em Letras). Universidade Federal da Paraíba,
João Pessoa,2016.
REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A família negra no tempo da escravidão Bahia, 1850-
1888.
ROCHA, Solange Pereira. Gente negra na Paraíba oitocentista: população, família e pa-
rentesco espiritual. 424 f. História (Doutorado em História). Universidade Federal de Per-
nambuco, Recife, 2007.
AUTORIA
Tatiany de Oliveira Simas
Professora do ensino básico na rede estadual da Paraíba.
E-mail: Tatiany_simas@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4703-756X
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1771818570145322
INTRODUÇÃO
Intrigantemente, a própria ideia de certeza, ou, por assim dizer, a verdade, en-
tão preceito que garante fidedignidade a algo, especialmente que se refere ao ato
de conhecer, está entre as questões que poderiam ser classificadas enquanto te-
mas perenes da filosofia e, por conseguinte, das ciências humanas e a própria ciên-
cia em absoluto, em termos de formação disciplinar ocidental. Entre tantos outros
assuntos pertinentes a este tema, no que tange às relações humanas e seus múl-
tiplos ramos, cujos desdobramentos em torno de agrupamentos tornaram-se so-
ciedades, culturas, organizações políticas e manifestações cunhadas a partir destas
que enlaçaram os mais profundos questionamentos. O bem e o mal são definidos
segundo parâmetros do pensamento tido como ocidental europeu como aquilo
que é considerado bom e passível de ser reproduzido e o que é considerado mal,
de ser eliminado. As definições de certo e o errado em grande medida associa-
das as primeiras dicotomias morais como aquilo que deve perpetuar-se enquanto
agência humana e o que deve ser modificado a fim de alinhar-se ao primeiro são
disposições que compõem o campo da ética, da moral, respectivamente.
Tais atributos passar a constituir o regimento de como “deve” ser o convívio
do indivíduo associado a outro indivíduo, do Eu e do Outro e da própria gênese
da diferença que diferencia o Ser de um Outro, ligada a ideia de sobrevivência,
manutenção da existência, bem-estar, dignidade, alteridade, preocupações pro-
fundamente políticas, por excelência. De tal maneira, o próprio estatuto do Ser en-
quanto Humano, em estabelecer o que é idêntico a si e ao que denomina enquanto
Outro. E, ademais, o que é suficiente para denominar o ente que não é idêntico a
si enquanto um Outro? O mais pertinente em inquirir acerca desses tópicos seja
no que implica essa classificação de Outro a partir da diferenciação no que tange a
qualidade atribuída a este. A qualidade, em questão, está associada a uma forma
de subclassificação de grupos, culturas e maneiras de se comportar que formam
status baseados em ideias e ideais alocados para o que, em um determinado arran-
jo populacional, sejam o fundamento do que este deve ou não deve fazer. Aquele
que se difere pode, em muitos casos, ser classificado como inferior àquele que
cumpre o andamento, por assim dizer, do que fora instituído como a Verdade1.
1 Observação posta neste ponto incide justamente nas reflexões que as teorias, sobretudo
da filosofia da linguagem ou que articulam esta dimensão, como aspectos cruciais para o debate
epistêmico, opondo-se completamente às concepções objetivistas que assegurariam uma natureza do
ABRÃO, Bernadette Siqueira (org.). A História da Filosofia. In: Coleção Os Pensadores. São
Paulo: Editora Nova Cultural, 2004.
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai : a África na filosofia da cultura. Tradução
Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DIOP, Cheikh Anta. Unidade Cultural da África Negra: esferas do patriarcado e do matriar-
cado na antiguidade clássica. Editora Pedago. Lisboa, 2015.
GUHA, Ranajit. History at the Limit ofWorld-History . New York: Columbia University Press
books, 2002.
GILROY, Paul. O Atlântico Negro : modernidade e dupla consciência. 2 ed. São Paulo: Edi-
tora 34;Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, 2012.
HEGEL, G.W.F. A Razão na História : uma introdução geral à filosofia da história. 2. ed. Tra-
dução de Beatriz Sidon. São Paulo: Centauro, 2001
LACAPRA, Dominick. Repensar la historia intelectual y leer textos. In: PALTI, Elías José.
Giro Linguístico e História Intelectua l. Bernal: Universidade Nacional de Quilmes, 2012.
cap. 3, 237-293.
M’BOKOLO, Elikia. África Negra : História e Civilizações. Tomo I (até o século XVIII). Salva-
dor: EDUFBA, 2008.
MUNANGA, Kabengele. Negritude : Usos e Sentidos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Autên-
tica, 2009.
AUTORIA
Bianca Lopes Brites
Graduada em História – Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa
Maria e Mestranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
E-mail: bi.brites@live.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7565520095931214
ISBN 978-65-86233-77-3