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FUNDAMENTOS

DA LÍNGUA
PORTUGUESA

Debbie Mello Noble


Adequação vocabular
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste capítulo, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Construir a revisão gramatical como mecanismo para obtenção da


qualidade no texto.
„„ Aplicar a reescrita como estratégia de adequação vocabular.
„„ Utilizar sinônimos como forma de facilitar a compreensão do texto.

Introdução
Você sabe que um texto de qualidade precisa de planejamento e bom uso
da linguagem, não é mesmo? Além disso, a adequação ao vocabulário, ao
gênero e ao suporte também são essenciais na hora de produzir um texto.
Neste capítulo, você vai aprender a importância da adequação lin-
guística e discursiva na produção de um texto, bem como entender a
necessidade da revisão e da reescrita do texto para deixá-lo mais com-
preensível e adequado aos objetivos de comunicação. 

A importância da adequação na
produção textual
A atividade de escrita, no entender de Antunes (2003), é uma atividade intera-
tiva de expressão, pois não deixa de envolver aquele que escreve e a quem ele
escreve, uma vez que todo texto é produzido para ser lido por alguém. Nesse
sentido, as palavras são pontes entre quem escreve e quem lê.
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Além disso, a autora lembra que a escrita sempre cumpre uma função
comunicativa: pela escrita é possível informar, anunciar, advertir, lembrar,
descrever, explicar, opinar, argumentar, instruir, resumir, documentar, fazer
literatura, registrar e muitas outras funções (ANTUNES, 2003). Por esse
motivo, sempre que você for escrever um texto, deve lembrar da necessidade
de adequá-lo ao objetivo, ao leitor e àquilo que pretende comunicar. Também
é importante lembrar que a escrita compreende várias etapas, como o plane-
jamento, a organização, a escrita em si, a revisão e a reescrita.
A adequação ao vocabulário, ao estilo e ao suporte também são essenciais
na hora de produzir um texto. Levando isso em conta, leia a história a seguir
para inspirar sua jornada de estudos sobre o tema:

Os dentes do Sultão

Certa vez, um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Ele acordou assustado
e mandou chamar um sábio para que interpretasse seu sonho.
— Que desgraça, senhor! — exclamou o sábio. — Cada dente caído representa a
perda de um parente de vossa majestade!
— Mas que insolente! —, gritou o sultão. Como se atreve a dizer tal coisa?!
O sultão chamou os guardas e mandou que lhe dessem cem chicotadas. Ordenou,
em seguida, que chamassem outro sábio, para interpretar o mesmo sonho.
O outro sábio disse:
— Senhor, uma grande felicidade vos está reservada!!!
O sonho indica que o senhor irá viver mais que todos os vossos parentes!
A fisionomia do sultão iluminou-se e ele mandou dar cem moedas ao sábio.
Quando este saía do palácio, um cortesão perguntou:
— Como é possível?
A interpretação que você fez foi a mesma do seu colega e, no entanto, ele levou
chicotadas e você moedas de ouro!
— Lembre-se sempre, amigo — respondeu o sábio —, que tudo depende da maneira
de dizer as coisas, e esse é um dos grandes desafios da humanidade! É daí que vem a
felicidade ou a desgraça; a paz ou a guerra.
A verdade sempre deve ser dita, não resta a menor dúvida, mas a forma como ela
é dita é que faz toda a diferença. (SQUARISI, 2011).
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A história acima é contada por Squarisi (2011), em seu Manual de Redação


e Estilo. A autora inicia seu livro com essa história para mostrar a impor-
tância da adequação na escrita. Quando iniciamos um texto, precisamos ter
em mente seus objetivos, para quem se dirige e em qual suporte circulará.
Assim, a história do Sultão nos mostra a importância do como dizer, ou seja,
da adequação em um texto.
Um texto acadêmico-científico certamente não será escrito da mesma
forma que um artigo de jornal. De igual modo, quando publicamos algo na
internet, adequamos à maneira de dizer, pois a internet exige síntese, exige
uma linguagem mais simples.
Tendo isso em vista, observe alguns critérios essenciais para escrever um
texto adequado em qualquer situação.

Adequação discursiva e linguística


A adequação discursiva, segundo Laginestra e Pereira (2014, p. 126), refere-se
“[...] à conformidade do texto à situação de produção [...]”.
Segundo as autoras, é preciso que o autor observe se o texto aborda o tema,
se deixa claros os objetivos ao leitor e se está de acordo com a organização
geral necessária (LAGINESTRA; PEREIRA, 2014).
Um bom exemplo de como conferir a adequação discursiva encontra-se no
Caderno do Professor da Olimpíada de Língua Portuguesa (LAGINESTRA;
PEREIRA, 2014), relativo ao gênero crônica, que deveria ser produzido pelos
alunos. Alguns dos critérios apresentados no Quadro 1, relativos à adequação,
são utilizados na avaliação dos textos que concorrem à Olimpíada de Língua
Portuguesa:
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Quadro 1. Proposta de descritores: crônica.

Fonte: Laginestra e Pereira (2014, p. 127).

O Quadro 1 também apresenta a adequação linguística, que está relacionada


ao modo como a linguagem é empregada para construir a adequação discursiva.
Segundo Laginestra e Pereira (2014, p. 126), é preciso que o autor observe se
a linguagem que foi utilizada está adequada aos objetivos do texto, estando
“[...] a serviço da produção e da organização textual [...]”.
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A importância da revisão textual


A importância da revisão de textos pode estar diretamente ligada ao início
da impressão tipográfica. Isso porque a passagem do texto manuscrito para
o texto impresso fez com que um número maior de cópias fosse produzido,
gerando, consequentemente, erros em maior escala.
A revisão textual, no entanto, não deve ser restrita aos textos profissionais.
Qualquer texto escrito pode e deve ser revisado. A atividade de revisão é,
segundo Rocha (2012, p. 36), “[...] um processo de transformação da linguagem
de um texto em outro para torná-lo mais inteligível [...]”. Isso aponta para a
necessidade de, após redigir um texto, realizar sua leitura atenta para, então,
reescrever o que for necessário. Por isso, Rocha (2012) fala em transformação,
uma vez que nenhum texto permanece igual após uma boa revisão.
Ao contrário do que geralmente se pensa, a revisão não se restringe a uma
aplicação de regras gramaticais a um texto. Não basta ser conhecedor das
regras, é preciso também entender que cada tipo de texto deve se adequar a
uma linguagem, padrão e estilo diferente.
Além de realizar uma revisão gramatical, é preciso, também, “[...] estar
atento aos efeitos discursivo e de sentido no texto [...]” (Rocha, 2012, p. 36).
Uma revisão gramatical está relacionada tanto à verificação de erros de or-
tografia, de falta ou duplicação de letras, sinais e espaços quanto à substituição
de palavras repetidas, de períodos muito curtos, muito longos ou incompletos.
Além disso, na hora de revisar um texto, é preciso perceber se ele faz sentido,
se as ideias estão bem concatenadas e se há coerência entre as partes.

Roteiro para revisão textual


Como você viu anteriormente, a revisão do texto é uma etapa importante da
produção textual. Ela é o momento de

[...] análise do que foi escrito, para confirmar se os objetivos foram cumpridos,
se conseguiu a concentração temática desejada, se há coerência e clareza no
desenvolvimento das ideias, se há encadeamento entre os vários segmentos
do texto, se há fidelidade às normas da sintaxe e da semântica [...] (ANTU-
NES, 2003, p. 56).
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Tendo isso em mente, o momento de revisão é aquele em que você deve refletir:
„„ O texto é adequado ao público a quem se dirige?
„„ É adequado ao tema e ao objetivo a que se propõe?
„„ Há uma introdução do assunto a ser abordado?
„„ Há um bom desenvolvimento do conteúdo?
„„ Há um fechamento das ideias no último parágrafo?
„„ Quantos parágrafos o texto possui? Eles são suficientes para desenvolver o assunto?
Há algum parágrafo que possa ser dispensável ou repetitivo? Há algum parágrafo
com apenas uma frase?

No que diz respeito à gramática:


„„ Os períodos são muito longos ou muito curtos?
„„ Os conectivos cumprem sua função? Estão empregados corretamente?
„„ Há algum erro de concordância verbal ou nominal? Os plurais estão empregados
corretamente? Os gêneros das palavras concordam?
„„ Você possui dúvidas quanto à escrita de alguma palavra? Consultou um dicionário?
„„ Há crase em frente a palavras masculinas ou verbos?
„„ A pontuação do texto expressa aquilo que você quer transmitir? As vírgulas são
excessivas ou estão em falta?
„„ Há palavras repetidas?
„„ Há letras faltando em alguma palavra?
„„ O texto mistura as 1ª e 3ª pessoas?

Em relação aos aspectos semânticos do texto:


„„ Há alguma frase que você gostaria de ter escrito de outra maneira?
„„ Algum trecho pode ser reagrupado ou separado para estar mais de acordo com
o sentido que você gostaria de transmitir?
„„ Alguma frase não faz sentido?
„„ Há alguma ambiguidade?
„„ A linguagem está apropriada ao objetivo do texto?

Como você pôde observar, a etapa de revisão é também o momento de


testar seus conhecimentos sobre a língua, compreender se há dificuldade em
algum aspecto e buscar melhorar. A seguir, você vai perceber que a etapa de
reescrita caminha junto com o processo de revisão textual.
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A importância da reescrita
A etapa de reescrita é tão importante quanto a de revisão do texto. Isso por-
que você terá a oportunidade de, após rever o que foi escrito, confirmar suas
escolhas. Ou seja, será possível avaliar a adequação do seu texto aos objetivos
propostos e refazer aquilo que não estava adequado.
Nesse sentido, o objetivo da reescrita não é apenas “passar a limpo” seu
texto, mas sim repensá-lo e ter a oportunidade de escrevê-lo de modo mais
adequado. Também não é desejado que a reescrita seja um processo de “con-
sertos ortográficos”, ou seja, você não vai apenas revisar seus erros de escrita e
reescrevê-los, mas sim repensar todo o texto, como você viu na etapa de revisão.
Um dos mais interessantes recursos nas etapas de revisão e reescrita é
exercitar o vocabulário, refletindo: isso poderia ter sido escrito de outro
modo? Nesse exercício, você pode refletir se as palavras estão adequadamente
empregadas àquela situação de comunicação, ao contexto, aos interlocutores,
enfim, aos objetivos do seu texto.
Desse modo, podemos dizer que a reescrita é o fechamento do texto, a
conclusão de um processo de produção que vai muito além do rascunho/
escrita oficial.

Adequação vocabular
A adequação vocabular é de extrema importância para a produção do texto.
Isso porque as palavras possuem tanto poder que uma única palavra empre-
gada de maneira errada pode fazer toda a diferença em um texto, tornando-o
estranho, inadequado ou até mesmo incompreensível.
Assim como você viu anteriormente, um texto deve ser adequado de di-
versas maneiras ao seu objetivo, e uma delas é o conjunto lexical escolhido
para representá-lo. Veja agora alguns tipos de adequações necessárias para
uma boa produção textual.

Adequação aos interlocutores


Como você viu anteriormente, um texto é uma atividade interativa. Logo,
dirige-se sempre a alguém e atende sempre a um objetivo específico de
comunicação.
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Assim sendo, é preciso refletir sobre o interlocutor do seu texto ao escrevê-


-lo. Sobre isso, Carneiro (2001) traça quatro tipos de cenários aos quais devemos
atentar na adequação vocabular aos interlocutores. São eles:

1. Atividade profissional: é preciso saber que a linguagem utilizada


em um determinado campo profissional, por vezes, não corresponde
a outros. Logo, se você vai escrever um ofício de uma empresa de
tecnologia destinado a um órgão público, não deve utilizar os jargões
estrangeiros comuns a empresas desse ramo.
2. Imagem social: se você é um estudante e escreve um e-mail a um diretor/
coordenador de curso da sua universidade, é adequado que utilize os
pronomes de tratamento corretos e que mantenha um tom mais formal.
3. Idade: lembre-se que a língua varia com o tempo. Logo, uma pessoa
idosa pode não compreender você plenamente se utilizar muitas gírias
atuais.
4. Origem/ região: os regionalismos são muito difíceis de evitar na fala,
pois muitas vezes estão naturalizados em nós. No entanto, na produção
textual, é possível revisar seu texto procurando expressões típicas de
uma região do País que dificultariam a comunicação com interlocutores
de outras regiões.

Inadequações e sinônimos
Na língua escrita — ao contrário da língua falada, que não exige rigor formal
— deve-se buscar sempre a adequação à norma culta. No entanto, a língua não
é rígida, portanto, não há um sentido único para uma palavra ou expressão,
os sentidos dependem do contexto de uso.
Nesse sentido, muitas vezes uma palavra parece inadequada a uma situação
de comunicação, motivo pelo qual é necessário substituir por seus sinônimos.
Sinônimos, ao contrário do que geralmente se pensa, não são palavras
com sentido idêntico, mas sim, palavras que possuem sentidos semelhantes,
que se adequam melhor a uma ou outra situação. Por esse motivo, por vezes,
ocorrem inadequações vocabulares justamente por uso de sinônimos. Veja
um exemplo trazido por Oliveira (2006):

O gorila fugiu da jaula. O animal já foi capturado.


O gorila fugiu da jaula. A fera já foi capturada.
O gorila fugiu da jaula. O primata já foi capturado.
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O autor traz esses exemplos funcionando em uma notícia de jornal imagi-


nária. Qual das opções você consideraria mais adequada a esse tipo de texto?
Ou, ainda, qual dessas opções seria inadequada?
Para o autor, a opção c não seria adequada para o texto de notícia de jornal,
pois “primata” seria um vocábulo muito específico da biologia, que poderia
não ser adequado ao interlocutor (leitor do jornal) e ao gênero (notícia), uma
vez que ambos os critérios possuem a simplicidade como foco.
Nesse exemplo, vemos o funcionamento do sinônimo podendo tanto salvar
o texto como arruiná-lo.
Outro exemplo de inadequação apresentado pelo autor é (OLIVEIRA,
2006):

A Argentina tem mais turistas do que o Brasil.

Observe que nesse caso não basta um sinônimo para tornar o texto ade-
quado, pois aqui há um problema de incompatibilidade semântica entre o verbo
“ter” e os países Argentina e Brasil. Um país não tem ou possui turistas, ele
os recebe. Assim, o correto seria:

A Argentina recebe mais turistas do que o Brasil.

Pense novamente sobre a adequação relativa ao objetivo do texto. Muitas


vezes, nesse âmbito, ocorre inadequações de informalidade excessiva em um
texto formal. Veja mais um exemplo trazido por Oliveira (2006):

A moleza da justiça tem uma explicação!

Você percebe a informalidade desse enunciado? Ele poderia ser escrito em


uma postagem de uma rede social, por exemplo, mas nunca em uma notícia
de jornal ou em um artigo dissertativo.
A adequação vocabular, portanto, não possui regras muito específicas
a serem seguidas, pois sempre depende do contexto maior em que o texto é
escrito. No entanto, é possível contar com o bom-senso e sempre revisar o
texto após escrevê-lo. Assim, você garante que sua produção esteja sempre
adequada.
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ANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.


CARNEIRO, A. D. Redação em construção. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2001.
LAGINESTRA, M. A.; PEREIRA, M. I. (Org.). A ocasião faz o escritor: caderno do professor:
orientação para produção de textos. 4. ed. São Paulo: CENPEC, 2014.
OLIVEIRA, H. F. Ensino do léxico: um problema de adequação vocabular. Revista Ma-
traga, Rio de Janeiro, n.19, jul./dez. 2006. Disponível em: <http://www.pgletras.uerj.
br/matraga/matraga19/matraga19a03.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2018.
ROCHA, H. Um novo paradigma de revisão de texto: discurso, gênero e multimodalidade.
2012. 246 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
SQUARISI, D. Manual de redação e estilo para mídias convergentes. São Paulo: Geração
Editorial, 2011.

Leitura recomendada
PILATI, E. N. S.; SANDOVAL, A. N.; ZAND, S. C. M. R. Revisão de textos nas aulas de gra-
mática: uma prática eficiente. Interdisciplinar, Aracajú, ano 11, v. 25, maio/ago. 2016.
Disponível em: <https://seer.ufs.br/index.php/interdisciplinar/article/view/5760>.
Acesso em: 10 mar. 2018.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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