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LEIS E DIREITOS DOS ALUNOS COM TDAH — O QUE A LEGISLAÇÃO DIZ?

por Eduardo de Rezende

Quais os direitos dos alunos com transtornos da aprendizagem ou transtornos


do comportamento como TDAH? Existe Lei sobre TDAH? Déficit de atenção é
considerado deficiência?
Veja também: Nova Lei obriga escolas a colocar alunos com TDAH na primeira fila
Uma das dúvidas frequentes de pais e alunos é: quais os direitos legais dos
portadores de TDAH?
Não existe legislação específica em âmbito nacional que ampare alunos
diagnosticados com TDAH, Dislexia ou outros transtornos do comportamento.
Entretanto, esses alunos podem se beneficiar de um conjunto de leis,
resoluções e diretrizes nacionais que dizem respeito ao sistema de educação, ou de
legislações locais específicas sobre o TDAH. A legislação brasileira é bastante
confusa, novos textos são publicados de tempos em tempos (o que nos coloca a
dúvida da validade das redações) e os conceitos apresentados nem sempre são
claros.
Tentativas de interpretar essas leis e prescrições exigem grande esforço, e
nem sempre chegamos a uma conclusão convincente.

1. O direito à educação na Constituição Federal e no ECA

A Constituição Federal Brasileira estabelece que a educação é “direito de


todos e dever do Estado”, devendo ser garantida a “igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola”.
Além disso, no art. 208 é definido que “é dever do Estado garantir
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência”.
A validade da aplicação dessa lei depende em grande parte da consideração
de que transtornos específicos como TDAH são “deficiências”, já que o texto da lei
faz uso explícito desse termo.
A legislação brasileira reconhece como pessoas com deficiência “aquelas que
têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as
demais pessoas”.
A partir desse texto, o TDAH pode ser interpretado como “deficiência”, uma
vez que essa condição psicopatológica muitas vezes “impede a participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Ainda que não seja considerado como deficiência, o texto que estabelece
“igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” garante que, aos
alunos diagnosticados com transtornos específicos, sejam oferecidos programas que
compensem sua condição deficitária e favoreçam seu desenvolvimento e
permanência na escola.
O art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990),
também reforça que toda criança e adolescente têm direito à educação, visando seu
pleno desenvolvimento, sendo-lhes assegurado “igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola”.

2. Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001

A resolução de 2011 do Conselho Nacional de Educação que institui as


diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica apresenta a
seguinte redação:
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais
os que, durante o processo educacional, apresentarem:
I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares,
compreendidas em dois grupos:a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica
específica;b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou
deficiências; II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos
demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III –
altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a
dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.
Transtornos específicos que trazem prejuízos para o indivíduo, como TDAH e
dislexia, fazem parte do inciso I desse artigo. Alunos diagnosticados com esses
transtornos seriam, portanto, público da Educação Especial, e teriam direito ao
atendimento educacional especializado (AEE).
Entretanto, nos textos que orientam o AEE e o funcionamento da Sala de
Recursos Multifuncionais não há orientações quanto a estratégias que devem ser
efetuada junto a esse público. Também não há categorias para cadastro de alunos
com esses transtornos específicos no Censo Escolar.
Como consequência, esses alunos acabam não sendo vistos como público do
AEE.
Ainda na mesma resolução de 2001 do CNE, o art. 8 defini que deverá haver:
“Flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado
prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos
didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento
dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância
com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória”.
Ou seja, aos alunos com necessidades educacionais especiais devem ser
oferecidos estratégias didáticas e métodos de avaliação diferenciados a fim de
garantir a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

3. Projeto Escola Viva

No ano de 2000, foi publicada pelo MEC uma série de cartilhas como parte do
Projeto Escola Viva – Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos
na escola: alunos com necessidades educacionais especiais.
Essas cartilhas visavam atender as demandas dos programas de formação de
professores, e servia como suporte técnico-científico para os programas de inclusão
escolar. As cartilhas reuniam esclarecimentos, divulgação de conceitos, orientações
e estratégias concretas para aplicação na escola.
O texto apresentado na cartilha trazia como publico da Educação Especial
também alunos com condutas típicas.
“Condutas típicas” é um termo presente no documento de Política Nacional de
Educação Especial de 1994, e que se refere a “indivíduos que apresentam
alterações no comportamento social e/ou emocional, acarretando prejuízo no seu
relacionamento com as demais pessoas”. Aí estão incluídos alunos que apresentam
hiperatividade, déficit de atenção, comportamentos agressivos e impulsivos,
transtornos emocionais, fobias e outros.
Além de ser claro em definir alunos com transtornos de atenção e
hiperatividade como público da educação especial, a cartilha ainda apontava
diferentes estratégias de intervenção, como:
Em casos de hiperatividade (…), que se registre o tempo máximo que o aluno
consegue ficar envolvido com diferentes atividades, e seja dele solicitado um
aumento gradativo de tempo de permanência na atividade (30 segundos, depois 1
minuto, depois 1 minuto e 30 segundos, e assim por diante…). A cada sucesso, ou
seja, a cada nova meta estabelecida com o aluno e por ele alcançada, que o feito
seja comentado elogiosamente. Sugerem, também, que se favoreçam
oportunidades para que o aluno se movimente pela classe, ou para outros locais na
escola. Outra sugestão, ainda, é a de antecipar a movimentação do aluno,
encaminhando-se para perto dele, quando prestes a sair de sua carteira.
Embora o texto da cartilha fosse de grande utilidade para os educadores, na
reedição publicada em 2005, não é mais utilizado o termo “condutas típicas”, e
nenhuma referência é feita aos transtornos da atenção e hiperatividade, e todas as
orientações antes prescritas não foram mais apresentadas.

4. Projeto de Lei 7081 de 2010

Como dito de início, não existe atualmente lei específica em âmbito nacional
que ampare alunos diagnosticados com TDAH ou outros transtornos específicos.
Entretanto, um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional busca
corrigir essa carência. É o Projeto de Lei nº 7081, de 2010.
O texto da lei determina que o governo mantenha programa de diagnóstico e
tratamento de estudantes com TDAH e Dislexia por intermédio de equipe
multidisciplinar.
Além disso, a lei também estabelece que as escolas de educação básica
devem assegurar o acesso aos recursos didáticos adequados à aprendizagem e
desenvolvimento desses alunos, bem como oferecer aos professores da educação
básica cursos sobre o diagnóstico e o tratamento do TDAH e Dislexia.
Lembrando: É um projeto de lei, ou seja, ainda não aprovado.

5. Legislações locais
Embora uma lei específica sobre TDAH ou outros transtornos específicos
ainda não tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional, muitos estados e
municípios em todo o país têm criado programas locais para atendimento de alunos
com transtornos funcionais específicos (TDAH, outros transtornos de
comportamento, de aprendizagem e de leitura/escrita, como Dislexia).
Esses programas são fundamentados em legislações específicas de cada
estado ou município onde os programas são desenvolvidos.
Por exemplo, no Distrito Federal, a Lei 5.310 de 2014 garante atendimento
educacional especializado de alunos com TDAH, Dislexia, Discalculia, Distografia,
Disgrafia, Dislalia, Transtorno de Conduta e Distúrbio do Processamento Auditivo
Central.
No estado do Piauí, a Política de Promoção da Aprendizagem (Proap) foi
instituída também com o objetivo de contribuir para a promoção da aprendizagem de
alunos da rede estadual diagnosticados com TDAH, disgrafia, discalculia,
disortografia e Síndrome de Irlen.
Na cidade do Rio de Janeiro, a Lei 5.416 de 2012, estabelece diretrizes para
diagnóstico, tratamento e o acompanhamento dos alunos da rede de ensino
fundamental diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção, incluindo ensino
e avaliações diferenciados nas unidades de ensino.
Diversos outros municípios e estados possuem leis ou resoluções visando o
atendimento educacional especializado de alunos diagnosticados com TDAH. Os
interessados devem buscar nas Secretarias de Educação ou nas casas legislativas
de sua região.

6. Aluno com TDAH pode ser reprovado?

Uma dúvida muito frequente de pais e educadores sobre os direitos dos


alunos com TDAH é se o aluno com TDAH pode ser reprovado — aluno com laudo
pode reprovar?
Sim! Alunos com TDAH podem ser reprovados.
Entretanto, se o aluno possui laudo com diagnóstico do transtorno e se esse
laudo foi apresentado à escola no início do ano letivo, o aluno ou o responsável tem
o direito de cobrar da instituição de ensino estratégias pedagógicas diferenciadas.
Caso essas estratégias não tenham sido oferecidas durante o período letivo,
o aluno ou responsáveis podem entrar com recurso questionando a reprovação.
Há casos noticiados em que a reprovação foi revertida na justiça.

Resumo: Existe lei sobre TDAH?

1. Não existe legislação nacional específica que ampare alunos


diagnosticados com TDAH.
2. Embora possamos interpretar que esses alunos façam parte do público da
Educação Especial, não existem também orientações específicas para
implementação de programas visando um atendimento diferenciado destes alunos.
3. Além disso, no Censo Escolar do INEP/MEC, não há possibilidade de
categorizar alunos com TDAH como educandos com necessidades especiais. Como
consequência, eles não são contemplados com os programas de atendimento
educacional especializado — ao menos, não oficialmente, ainda que em muitas
escolas eles sejam inseridos nas Salas de Recursos Multifuncionais (“jeitinho
brasileiro” de tentar resolver problemas práticos, quando não há solução legal).
4. Quando não houver legislação local que ampare esses alunos, eles podem
se beneficiar de leis educacionais gerais que garantem a igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola, assim como a flexibilização e adaptação
dos currículos, das metodologias de ensino e dos processos de avaliação tendo em
vista a condição especial de cada aluno.
5. Em caso de implementação de programas locais visando o atendimento
educacional especializado desse público, é importante lembrar que esse
atendimento não deve ser caracterizado como reforço escolar, mas sim como
atividade complementar levando em conta as características do transtorno e as
especificidades do aluno.

TDAH é considerado deficiência?


Uma dúvida frequente de pais e educadores é se o TDAH é considerado
deficiência mental (ou intelectual). Cientificamente, o TDAH e a deficiência
intelectual são dois diagnósticos diferentes. Portanto, o TDAH não é considerado
deficiência intelectual, embora os dois diagnósticos possam ocorrer na mesma
pessoa — nesse caso chamamos a condição de “comorbidade” (quando há dois ou
mais diagnósticos). Comumente, crianças diagnosticadas com TDAH não são
deficientes intelectuais, mas apresentam dificuldade em assimilar o conteúdo escolar
devido à desatenção e hiperatividade.

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