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TOMADA DE DEPOIMENTO

(transcrição)

Stefan Guarany
Fagundes Jucewicz
27/10/2014 - Completo

DEPOENTE: STEFAN GUARANY FAGUNDES JUCEWICZ

Categoria do depoente: Vítima militar

Tipo de arquivo: Áudio

Duração: 01:38:36

Ocasião: Depoimento colhido por integrantes da CNV

Data: 27/10/2014

Local: São Paulo

Responsáveis pela
João Amorim
tomada de depoimento:

NUP: 00092.003105/2014-42

1 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Pedir só o nome, deixa eu só colocar


2 aqui. Essa é a gravação do depoimento do senhor Stefan Jucewicz que foi membro da
3 Aeronáutica, não é senhor Jucewicz? Da Aeronáutica durante o golpe militar de 1964. Hoje é
4 o dia 27 de outubro de 2014.

5 Stefan Jucewicz – Tudo que está aí eu tire já copias e já estão aqui, está?

6 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Certo.

7 Stefan Jucewicz – Que lógico, o meu depoimento ele é mais ou menos o que está aqui. Deixa
8 eu, antes de você gravar eu te explicar. Eu fui Sargento especialista da Aeronáutica, formado
9 pela Escola de Especialistas. Coincidentemente eu me formei em dezembro de 63 e fui em
10 janeiro para o Galeão. Então a minha parte naquela época, com 20 anos, de política era nula,
11 não tinha nada.

12 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Correto.

13 Stefan Jucewicz – Só que eu na escola, eu tive um bom relacionamento com o Comandante


14 que era o Brigadeiro Nico porque eu era Presidente da Sociedade dos alunos, eu era liderava
15 os alunos, tal e tal. E quando nós chegamos no Galeão, para o espanto nosso lá tinha o C-54,
16 eu era especialista em radar, eu deveria trabalhar no avião, mas óbvio que os mais antigos
17 disseram: “Não, se vocês forem trabalhar é lá no fundo do quintal.” E coisas desse tipo. E eu e
18 um colega que tínhamos sido designados para lá soubemos que o radar do Galeão que operava
19 o aeroporto, não estava funcionando por falta de equipe de manutenção, porque o radar era
20 uma coisa relativamente nova. Aí eu conversei com o pessoal eles disseram: “Poxa, se você
21 vierem para aca, nós podemos colocar para funcionar.” Eu fui lá falei com o Brigadeiro,
22 expliquei, ele se interessou, mandou fazer e eu levei toda a minha turma que se formou
23 comigo para o Galeão. Porque eu tinha liderança. Isso, então em janeiro, fevereiro eu
24 conversei muito com o Brigadeiro porque ele pediu, olha, inclusive eu não precisava nada, era
25 só um Sargento novinho, mas eu ia lá falar com o ajudante de ordem dele: “Olha, eu tenho
26 uma coisa para falar com o Brigadeiro.” Ele designou Oficiais, enfim, ele resolveu tudo. E
27 uma das vezes que eu entrei lá, ele estava, isso eu acho que já foi, talvez, nós já estávamos
28 praticamente funcionando, faltavam algumas coisinhas para operar o radar e ele estava em
29 uma sala e isso eu nunca esqueci. Porque ele estava na sala dele, uma sala enorme, na
30 escrivaninha e ele estava do lado engraxando o sapato. Deveria ter uns 10 Oficiais, tudo
31 Major, Tenente, para mim tudo velho, para mim naquela época quem tinha essa idade de ser
32 Tenente, Coronel, tudo do Estado Maior. E quando eu entrei, naturalmente os caras se
33 pararam, a maioria fumando, naquela época, e aí ele: “O que é?” Aí eu expliquei o que eu
34 tinha feito, aí ele disse: “Olha pessoal, esse menino aqui resolveu o problema do radar da
35 DR.” Meteu o pau nos caras lá que não faziam. “Ele é um líder, eu conheço ele da escola, eu
36 vou levar ele, eu prometi, eu vou levar ele para a Europa em uma viagem prêmio, de avião e
37 pá-pá-pá.” E disse: “Olha, e tem mais, ele é da terra do nosso Ministro, do nosso futuro
38 Ministro Brizola.” E aí eu disse: “Olha, não é.” Inclusive eu digo: “Inclusive eu conhecia.” Eu
39 falei para ele: “Inclusive eu conheci o Brizola porque o meu pai fez obras na prefeitura de
40 Porto Alegre, quando ele era prefeito e se tornou muito amigo dele.” Eu conheci ele
41 pessoalmente, mas quando aconteceu eu era pequeno, ele era prefeito. Então isso, veja bem,
42 porque isso ficou marcado lá em alguém daquela e nunca mais eu falei negócio de política,
43 nada.

44 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Alguém guardou isso lá.

45 Stefan Jucewicz – Alguém guardou isso, por que? Porque depois no requerimento tu vai ver.
46 Então o que aconteceu? No dia 1º, eu já, de...

47 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Deixa eu só fazer uma coisa, não
48 querendo interromper.

49 Stefan Jucewicz – Para começar já fazendo.

50 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – É, que aí é bom fazer. O senhor só


51 preenche aqui para mim, por favor, esse é o termo de declaração sobre o relato, o senhor
52 coloca o seu nome e a autorização para o uso de imagem e aí no final a gente preenche a ficha
53 de identificação, que é com os seus dados pessoais e tudo. Eu vou ligar a câmera.

54 Stefan Jucewicz – Se for preciso fazer um break, a gente pode fazer?

55 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Sim, claro, claro. E daqui a pouco trazem
56 a água, o café para o senhor.

57 Stefan Jucewicz – Não, tudo bem. Eu tinha me prontificado até quando eu falei com o doutor
58 Dallari e ir a Brasília, (ininteligível) lá a Brasília, então para mim não custa ir lá. Até vou por
59 minha conta, mas aí como é aqui, para mim realmente facilita.

60 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Não, mais fácil, mais fácil. Bom, então...

61 Stefan Jucewicz – Vai ter um...

62 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – É, infelizmente a gente não consegue


63 colocar de frente para o senhor, mas não tem problema, o senhor pode olhar para mim, pode
64 olhar para a câmera. Fique à vontade.

65 Stefan Jucewicz – Bom, eu vou pegar isso aqui, só pelo seguinte, eu vou te dizer, isso aqui,
66 uma das coisas é o seguinte, em 2010 eu resolvi escrever um livro, eu já publiquei um livro,
67 mas sobre radar, então eu resolvi começar a escrever um livro sobre a minha atividade assim,
68 política lá no Rio Grande do Sul que ela foi toda atrás do pano, por razões obvias. E aí eu fiz
69 um esboço sobre a minha participação na revolução. Isso aqui eu escrevi em 2010, quando eu
70 li esse relato aqui, junto com o livro que eu estava lendo, para o Alceu Colaris, com quem eu
71 tenho muita afinidade, ele disse: “Poxa cara, você sabe que você tem direito à pedir anistia, à
72 Comissão.” Eu disse: “Por que?” “Você não foi esposo da expulso da FAB por causa disso?”
73 “Fui.” “Então, você tem direito.” Aí e eu resolvi entrar, que é um processo junto à...

74 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Junto à Comissão de Anistia?

75 Stefan Jucewicz – Junto à Comissão de Anistia, que é um processo que está lá que é todo
76 esse volume e que isso aqui consta o que tem de diferente que não consta aqui? Isso aqui olha,
77 saiu agora, por que? Porque essa minha história, você vai ver, ela fica meio sem o início. E aí
78 agora em 31 de março, nos 50 anos da revolução, um jornalista publicou exatamente isso
79 aqui.

80 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O seu relato da época.

81 Stefan Jucewicz – A minha história, mas não fui eu quem fiz para ele, está certo?

82 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Ele pegou, provavelmente pode ser que
83 ele tenha pego...

84 Stefan Jucewicz – Não, porque isso aqui estava na Comissão de Anistia e ele fala coisas que
85 são anterior. Por exemplo, eu não sabia que em 61 e isso eu só descobri agora, havia já uma
86 operação para derrubar o avião do Presidente. Que foi o que levou a minha operação,
87 entendeu? Então isso aqui é interessante, esse relato dele, porque isso é história está.

88 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Ótimo. Não, mas vamos então vamos
89 pegar, o senhor estava começando a comentar o período em que o senhor saiu da Academia,
90 se graduou na Academia de Especialistas e foi transferido para a Base Aérea do Galeão.

91 Stefan Jucewicz – Já está gravado?

92 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Já. Já está gravando o áudio e o vídeo.

93 Stefan Jucewicz – Então veja bem, eu me formei na Escola Especialista da Aeronáutica, em


94 dezembro de 63. Devido à minha atuação nesse ano como Presidente da Sociedade dos
95 Alunos, eu liderava, eu tive muito contato com o Brigadeiro Nico que era o Comandante da
96 escola. Quando eu fui designado, junto com um colega para servir na Base Aérea do Galeão,
97 no C-54, avião, nós nos apresentamos lá no início de janeiro e aí ficamos sabendo por sermos
98 novos, formador, que nós não iríamos exatamente trabalhar em radar que era o nosso
99 interesse. Ao mesmo tempo, ficamos sabendo que o radar do Galeão, que era do Serviço de
100 Proteção ao Voo já estava funcionando, operacional, mas não podia, já estava funcionando,
101 mas não estava operacional por falta de manutenção. Conversamos com os Sargentos de lá,
102 eram três Sargentos bastante antigos que foram montar o radar e eles se mostraram
103 interessados. Aí eu fui, conversei com o Brigadeiro, expliquei o que era, ele na hora chamou
104 um Oficial e disse: “Olha, isso aqui precisa ser resolvido.” Mandou o cara dar prioridade
105 naquilo de nos transferir. Uma semana depois, eu e esse meu colega, já estávamos no radar,
106 mas como para a turma precisava oito, eu consegui trazer todo o resto da minha turma que
107 tinha sido designado no outro lugar para lá; Então eu tive entre janeiro e fevereiro, muito
108 contato com o Brigadeiro Nico ou com o pessoal dele por isso. Então eu fiquei conhecido lká.
109 Inclusive, eu tinha 20 anos na época, o Brigadeiro autorizava eu falar com o ajudante de
110 ordens, ele me recebia sem eu precisar estar pedindo nada lá, às vezes por telefone resolvia
111 porque ele queria que eu mandasse ele a (ininteligível). Quando os troços complicaram lá com
112 a Diretoria de Rotas, ele mesmo falou lá com o Brigadeiro lá, enfim, resolveram. E o radar já
113 em março começou a operar, com a nossa participação. Em março, eu baixei ao Hospital do
114 Galeão porque eu estava com uma virose, fiquei alguns dias no hospital. Quando eu saí eu
115 ainda às vezes tinha um pouco de febre, um troço que eles nunca determinaram exatamente o
116 que era. Aí ocorreu que a gente já fazia uma escala de serviço e eu não fiquei nessa escala em
117 março, justamente por ter saído do hospital. E eu ia começar na escala no dia 1º de abril. Aí o
118 que ocorreu? Nós dormíamos na base, no alojamento, na Base Aérea do Galeão. Nós ainda
119 éramos oficialmente da base, comíamos no rancho, toda a atividade. No dia 1º, de manhã,
120 quando eu acordei no dia 1º de abril, o alojamento da base já tinha muito barulho, muita coisa,
121 mas isso era normal, porque o pessoal de voo levantava às 4h então era muito normal ter,
122 então não me dei conta. Quando nós saímos e fomos tomar café no rancho, 7h, por aí, aí é que
123 estava um zum-zum-zum que a base estava de prontidão, que tinha revolução, tiro, já tinha
124 tudo quanto era história, porque ninguém sabia exatamente o que estava se passando. Veja
125 que isso era na manhã do dia 1º de abril. Aí eu conversando com um colega que também se
126 chamava Nico, um Sargento, ele disse que durante à noite eles tinham saído em uma viatura
127 para ver que o Exército estava se movimentando, esse Nico era bem mais antigo do que eu,
128 ele realmente era ligado à esquerda, coisa assim. Coisa que a gente não, que eu,
129 especificamente, não era. Aí a ordem era a seguinte, ninguém podia sair da base. Então em
130 vez de ir para onde eu trabalhava, que era na torre, onde ficava o radar que era do outro lado
131 da pista, embora unidades todas do Galeão fossem juntas, nós ficamos retidos: “Olha,
132 ninguém sabe o que faz.” Aí tinha muita gente já distribuindo armamento, estava pessoal
133 municiando arma. Quer dizer, estava um movimento e uma ordem aí: “Está de prontidão, não
134 pode sair da base.” Quando foi no horário do almoço, eu acho que eu já tinha almoçado, não
135 lembro bem, veio um soldado me procurar, pedindo para eu ligar urgente para o telefone do
136 CONTAR. Ele veio com um número, que era um telefone interno. Aí eu fui até um dos
137 hangares ali onde tinha telefone para ligar direto e liguei para esse, para lá aí me atendeu
138 primeiro alguém, me identifiquei, funcionário e aí me atendeu um Oficial, que ele não se
139 identificou, eu disse: “Eu sou o Jucewicz.” Ele disse: “Olha, você tem uma missão
140 importante, você não fale para ninguém, mas você faz o seguinte, você pegue o seu uniforme
141 5º-A, que é um uniforme de passeio, mais roupa civil, ponha em uma maleta, vem aqui para o
142 aeroporto.” Que era do outro lado da pista. “Troque a sua farda, tire a sua farda e coloque a
143 roupa civil e vá até a cooperativa de taxi ali e fale com o encarregado porque você vai em um
144 local. Anote aí. Rua Camaragibe 54.” Eu nunca mais esqueci desse endereço. Porque eu
145 gravei aquilo. “E lá você vai saber o, vai ter instruções. Olha, faça isso imediatamente.”
146 Então, eu saí dali, fui direto para o alojamento, peguei uma bolsa que eu tinha de mão,
147 coloquei o uniforme 5º-A, quepe, tudo aquilo. Sapato, eu já estava de sapato e eu estava de
148 canícula, que era uma camisa de manga curta. Aí coloquei roupas civis, troços de, enfim, as
149 coisas pessoais e peguei o jipe e passei, porque a gente passava por dentro da pista, sempre
150 tinha viatura indo e vindo, eu pedi e fui até lá. Lá quando eu cheguei eu fui na sala de trafego,
151 a sala de trafego dava para a pista, ou seja, você tinha acesso e ela também se comunicava
152 com o aeroporto. Aí eu fui, passei por lá, estava tudo normal, não tinha nada assim, diferente
153 do que era. Eu estava acostumado andar por ali porque era a nossa área de trabalho. Aí eu fui
154 até um banheiro e coloquei uma roupa civil que era uma camisa, calça e coisa. E aí fui lá na
155 cooperativa. Aí a cooperativa ainda nessa altura não era como é hoje, era um local ali onde
156 ficava o motorista de taxi. Aí eu falei, “Ah, não, eu sei, espera aí que vai...” Eu perguntei se ia
157 pegar um taxi da fila ele disse: “Não, você vai aí.” Chamou o motorista: “Olha, leva esse
158 senhor lá na Tijuca, está, ele tem endereço e aguarde ele lá e a corrida já está acertada aqui
159 conosco.” Então eu entrei e fui lá. Fomos pela avenida Brasil já tinha muito movimento
160 militar, na avenida Brasil. Quando chegou ali naquela área de, que é quase no centro que vai
161 pegar, ali eu vi tanques já. Aí nós entramos em direção ao Maracanã e fomos para a Tijuca. E
162 aí passamos na Praça Sanz Penha, essa rua Camaragibe ficava atrás da praça Sanz Penha. No
163 endereço era a última casa da rua, era uma casa colonial, casa comum colonial e tinha um
164 taifeiro. Taifeiro é um soldado...

165 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Que presta serviços.

166 Stefan Jucewicz – Serviços da Aeronáutica, eu sei porque ele estava fardado e na porta eu
167 desci, deixei a minha maleta no carro, desci e fui lá e aí veio, já saiu na porta um Oficial, eu
168 sei que era um Oficial porque eu conhecia e de vista, mas ele estava à paisana, estava de
169 roupa paisana. Aí eu: “Seu Jucewicz.” Fez eu entra. Entrei na sala e aí na sala lá tinha uma
170 outra sala do lado com mesa, tinha umas seis pessoas. Dois deles eu conhecia de vista e sei
171 que eles eram políticos do Rio de Janeiro, eu conhecia eles de vista.

172 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Mas não sabe identificar se era
173 deputados, se eram senadores?

174 Stefan Jucewicz – Eu só sei, eu lembro que na época até porque eu estava muito
175 naturalmente ansioso para saber o que era. Aí esse Oficial chegou, me atendeu em pé, aí o que
176 disse ele: “Olha Jucewicz, eu tenho uma ordem do Brigadeiro para você levar esse envelope
177 aqui.” Na verdade ele não era um envelope ele era quadrado. “Entregar em mãos do Brizola.”
178 Aí eu, até aí eu não tinha a mínima ideia do que era, nem o que estava se passando. Só: “Isso
179 aqui é importante, agora a situação política está muito complicada, se você vê que você vai
180 ser preso e tal, destrua esse documento, não pode cair na mão de ninguém, mas nós sabemos
181 que você está...” Daí eu perguntei: “Sim, mas eu tenho alguma ordem, guia? Porque a gente
182 está acostumado a viajar e tal.” Ele disse: “Não, o Brigadeiro está ciente, está tudo certo,
183 quando você voltar a gente vai resolver.” Aí ele me deu: “Olha, esse dinheiro aqui, se você
184 precisar para despesa, na volta você presta conta.” O dinheiro era mais ou menos a metade do
185 meu salário. Que eu não lembro quanto era, mas eu lembro que eu peguei isso. Bom, aí eu
186 voltei para o taxi, aí ele disse: “Você vai agora no despachante da VARIG, que você vai, ele
187 vai te dar passagem arpa você ir para Porto Alegre.” Bom, quando eu estava indo, uma das
188 coisas que eu pensei assim: “Poxa, porque eles não pegam o avião e manda o aviso lá, por ser
189 tão importante para Porto Alegre. Não seria o mais lógico?” Depois eu soube que quem estava
190 ainda em Porto Alegre, na 5ª Zona Aérea era o pessoal que não se alinhava com... Então esta
191 talvez tenha sido a razão. Mas de toda forma, eu fui de taxi até o aeroporto, lá desci, fui lá na
192 VARIG que tinham, era normal, não tinha nada de anormal, só que ninguém sabia da minha
193 passagem. “Quero uma passagem.” “Qual é seu nome?” Não tinha. Aí eu pedi para falar com
194 o despachante, ele está sabendo, ele já me deu uma ficha de embarque, naquela época era uma
195 ficha, ele disse: “Olha, pega logo, o avião vai sair logo em seguida. Já pode ir lá para o
196 embarque e mais uma passagem contigo.” Quando eu vi no avião, o nome que estava lá era o
197 nome de uma pessoa que eu não conhecia. Não era o meu. Então era uma passagem, que era
198 destacada em duas partes, ele me deu a ficha, usou a primeira. Em São Paulo quando eu desci,
199 você descia e fazia tudo de novo. Está, eu fui lá peguei a ficha de embarque e fui para Porto
200 Alegre já, acho que eram 7h da noite, porque eu cheguei em Porto Alegre por volta das 9h.
201 Dentro do avião, eu antes tinha guardado o envelope na maleta, mas eu fiquei com medo de
202 alguma coisa então eu coloquei dentro de uma revista, se não me engano, Revista Cruzeiro e
203 fiquei com aquilo na minha mão. Não era ninguém, quem, eu era um cara de 20 anos, quer
204 dizer, ninguém estava olhando para mim. E o zum-zum-zum que tinha, tinha de tudo, eu ouvi
205 de tudo assim, de passageiro conversando: “Pois é, estão bombardeando não sei o que.”
206 Coisas desse tipo assim. E eu digo: “Bom o que eu vou fazer é ir para Porto Alegre e tal.”
207 Quando eu cheguei em Porto Alegre, já era de noite eu desci para o aeroporto, me desfiz do
208 canhoto da passagem, eu devia ter guardado aquilo, mas na época desfez. E fui para pegar o
209 taxi. Só que tinha uma fila de taxi e lá tinham os soldados do Exército já, bastantes soldados.
210 Depois eu fiquei sabendo que é que o Jango ia chegar mais tarde lá. Porque tinha tanto
211 soldado ali no aeroporto. Mas de toda maneira eu resolvi ria à pé, não era longe, era no
212 aeroporto antigo, ir até a avenida Farrapos e pegar um ônibus. Por que? Porque os meus pais
213 moravam no centro de Porto Alegre. Esse ônibus só não chegou ao centro porque tinha um
214 comício, já vinculado a isso. Quando ele chegou no ponto máximo lá da rua, eu desci, fui e fui
215 em casa, quando eu cheguei em casa, isso antes das 10h da noite, encontrei o que era? Meus
216 pais ficaram super preocupados, ainda mais quando eu disse que estava trazendo um troço
217 para o Brizola. Ai, meu pai era uma pessoa muito correta e: “Poxa, por que?” Eu digo: “Não,
218 pai, uma ordem de tal e tenho que cumprir.” Ele disse: “Poxa, mas não é hora, olha a situação
219 aqui está (ininteligível) da legalidade, ninguém sabe de nada, está uma confusão, tem boatos
220 de tudo quanto era jeito.” Aí saí, vou tentar ver. Aí ele saiu e disse: “Hoje não vai dar para eu
221 ver nada, vai ser amanhã de manhã.” De manhã o meu pai levantou e foi na casa do doutor
222 Leocádio Antunes que era um advogado, amigo nosso, que era muito ligado ao Brizola. Só
223 que ele não estava, ele estava no Uruguai. Disseram: “Olha, ele está no Uruguai.” Meu pai
224 voltou e disse: “Olha, eu não tenho como, porque eu não tenho como justificar, mas para
225 pessoas que eu podia perguntar ele disse, olha, o Brizola está escondido.” Coisa desse tipo,
226 não é. Aí a minha mãe, lembrou que o vice-prefeito, Ajadil de Lemos que era muito ligado ao
227 Brizola e que era da terra dela, de Uruguaiana e o conhecia, muito amiga do pai dele e tudo
228 estava na prefeitura. Ela disse: “Vamos lá conversar com ele e ele vai nos dar uma
229 orientação.” Então fui eu, roupas normais, junto, levando o envelope dentro da revista, com
230 ela até a prefeitura perto da nossa casa, uns cinco quarteirões. Na rua já a parte que ia para o
231 Palácio nós passamos na avenida Borges Medeiros estava fechada, bloqueada com polícia
232 brigadante lá e lá tinham os soldados do exército também lá na praça, frente à prefeitura, quer
233 dizer, você via que estava um ambiente carregado. Aí nós entramos na prefeitura, isso foi de
234 manhã ainda e ela pediu para falar com ele, disse: “Olha, ele está respondendo pelo prefeito
235 que o prefeito não está aí, ele está no gabinete mas ele não está atendendo ninguém.” Aí a
236 minha mãe fez um bilhete para ele, pediu para entregar, a pessoa que foi levar voltou e disse:
237 “Olha, esperem aqui que ele vai vir atender vocês.” Que eu não sei exatamente o que a minha
238 mãe colocou. Bom, aí quando, uma hora passou, ele veio, estava em uma sala, tinham outras
239 pessoas, a minha mãe entrou e falou: “Olha, é muito importante mas eu só posso falar isso
240 consigo, particular.” Ele mandou os outros saírem aí eu entrei. Aí eu me apresentei para ele,
241 quem eu era, porque estava lá e disse porque era. Ele me disse: “Olha, eu vou fazer chegar
242 isso imediatamente, eu mesmo vou entregar ao Brizola. Porque deve ser importante.” Quando
243 eu disse que quem era, o Brigadeiro Nico, Comandante do CONTAR, para o Brizola, ela:
244 “Está, você pode ficar tranquilo e tal.” E eu não tinha outra opção, ele não ia me levar no Rio.

245 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – E o Brizola estava no Rio Grande do
246 Sul?

247 Stefan Jucewicz – Sim, estava em Porto Alegre.

248 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Em Porto Alegre.

249 Stefan Jucewicz – Só que ninguém sabia onde ele estava. Mas o Ajadil obviamente sabia por
250 que? Porque o prefeito estava com ele, o Sereno Chaise que era o prefeito na época. Bom,
251 então, aí nós voltamos para casa e vamos esperar. E ficamos escutando lá a radio, noticia e o
252 governador foi embora, fugiu para o interior e o Exército não sei o que, e vai... Bom, no dia 1º
253 era muito confuso, você não tinha certeza de nada e dia dois, mais ainda porque os
254 movimentos ainda estavam todos incertos e tinha noticia contra motim, aqueles troços e não
255 estava muito bom. Não podemos nada, esperar. Aí a coisa evoluiu, no dia 03, o Jango chegou
256 no dia 1º à noite, depois de mim, provavelmente, vindo lá de Brasília. No dia 02 ou 03, não
257 me lembro ele foi embora para o Uruguai aí a coisa parou toda e aí eu fiquei na seguinte
258 situação, bom, agora como é que eu faço? Estou aqui, militar, sem ordem, quer dizer, todo...
259 Teoricamente estou do lado que está errado, não tenho passagem de volta e tal. Mas a minha
260 preocupação foi a seguinte, aquilo para mim foi a mensagem à Garcia, eu queria saber se
261 tinha chegado à mão do Brizola. Aí eu estava essas preocupação, a mãe disse: “Não, eu vou lá
262 no apartamento do doutor Ajadil.” Que era na Borges, perto da nossa casa. Aí ele foi em um
263 domingo de manhã, conversou com ele, ele disse: “Olha, eu entreguei, o Brizola viu, achou
264 muito importante, foi e tal. Diz para o seu filho que ele fez uma coisa muito boa e tal. Mas
265 devido à situação para ele não contar isso para ninguém porque isso pode complicar a vida
266 dele.” Tal, tal, tal. Bom, aí isso era domingo eu disse: “Bom, o que eu faço?” Aí já estavam
267 dizendo que todas as fronteiras dos estados estavam sendo patrulhadas pelo Exército e tal,
268 mas já (ininteligível). Aí eu fui na Companhia Telefônica e liguei, porque naquela época você
269 não tinha nem DDD. Liguei para o NPV do Galeão, me atendeu lá um Sargento Almeida, esse
270 que era conhecido meu, mais antigo lá e eu disse: “Olha, eu estou dispensado, por saúde e
271 como está a situação?” Ele disse: “A barra está pesada, aqui na base estão fazendo tal, tem
272 gente presa e tal.” Aí eu perguntei para ele: “Mas me procuraram aí e tal?” “Não, não. Não
273 ouvi falar de você nada nada.” “Ah, a base está uma droga.” Tal, tal, tal. Aí eu, bom, pelo
274 menos não está me procurando já é uma coisa, não é? Conversando com meus pais, eu digo:
275 “Olha, o que eu posso fazer é baixar no hospital.” Isso eu vou fazer o quê? E isso,
276 coincidentemente eu continuava tendo aquelas febres assim, à tarde que lá no Galeão não
277 tinham resolvido. Era, dava uma febre, passava. Uma coisa assim, sabe. Na segunda-feira de
278 manhã o noivo da minha irmã me levou de carro até Canoas, eu cheguei lá estava tudo
279 guarnecido, mas aí eu fui fardado. Fui com o meu fardamento completo. Fui direto ao
280 hospital, ficava do lado do QG, fui direto, ninguém me interpelou, estava fardado, fui no
281 hospital, entrei na visita médica, falei para o médico o que era e o cara me baixou ao hospital
282 para fazer exame. Fiquei já no hospital. Então, coincidentemente comigo no hospital ficou um
283 colega meu que era meu amigo, era colega mais antigo de escola, o Irio que era do A-2. O A-
284 2 era um serviço secreto, lá do (ininteligível), aí ficamos juntos, eu falei para a ele que eu já
285 tinha vindo há dias anteriores, que eu estava com um troço que eu não sabia o que era, que já
286 tinha baixado no Galeão, quer dizer, não falei nada de missão nem coisa nenhuma. Aí eles
287 chegaram à conclusão, eu fiquei até o dia 13, se eu não me engano, eu fiquei do dia 06 ao dia
288 13 ou 16, uma coisa assim. E chegaram à conclusão que eu tinha era problema de amigdala,
289 disseram: “Olha, opera as amigdalas.” Eu disse não: “Prefiro voltar para o Rio, ser preso, do
290 que operar as amigdalas.” E voltei, eles me deram uma guia, o médico falou: “Não, eu te dou
291 uma guia com orientação, você vai lá no Galeão, até tem mais recursos lá e tal.” Eu voltei de
292 ônibus à Penha, quando colocaram, me pediram identidade foi em Resende, o pessoal do
293 Exército, mas aí quando o ônibus parou lá, mas a lei da identidade eu tinha a guia, o pessoal
294 olhou e não fez nada. Aí quando eu cheguei lá, eu cheguei à conclusão que ninguém tinha
295 que, com aquela confusão toda ninguém tinha me procurado, mas aquele meu colega do radar
296 o Nico que tinha coincidentemente o mesmo nome...

297 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Com quem o senhor tinha falado ao
298 telefone?

299 Stefan Jucewicz – Não. Não. Esse foi o Almeida, aquele que eu falei na base, no dia 1º, para
300 contar o que estava acontecendo, que ele era um cara mais ligado à esquerda, isso a gente
301 sabia. Ele estava preso. E ninguém nem sabia onde ele estava preso, só sabia que ele estava
302 preso e que tinha muita gente presa. Aí eu entrei, reentrei na escala, fui na visita médica no
303 Galeão, de novo o médico olhou e falou: “Não, você teve foi virose, não é garganta. Se tiver
304 problema volta.” E eu acabei nunca voltando. Só que lá na, um colega meu, muito amigo
305 meu, Beno ele sabia que eu tinha vindo à Porto Alegre, só que eu disse: “Olha, não eu fui ver
306 (ininteligível).” Como ele tinha viajado, ele não estava, ele também não sabia, mas ele tinha
307 ido, quando ele não me achou ele tinha ido falar com o Tolentino, que era o nosso Sargento lá
308 que era o nosso encarregado e ele tinha falado alguma coisa que eu tinha feito. E eu sempre
309 neguei para a esse meu amigo. Eu digo: “Não, poxa, eu fui e tal, não era nada disso.” E eu
310 sempre tive aquele negócio e eu tentava saber se eu conseguia achar lá no CONTAR, no
311 comando do transporte aéreo aquele Oficial que me deu a missão, até para ele me dar uma
312 orientação porque era a única pessoa que eu podia confiar. Mas pelo que eu soube, a maioria
313 tinha sido presa também. O pessoal do Rio de Janeiro.

314 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – E antes do senhor encontra-lo nessa casa,
315 na Tijuca, que o senhor recebeu a missão, o senhor já o tinha visto na base?

316 Stefan Jucewicz – Tinha, não, tinha visto dentro do... Naquela reunião que eu fui com o
317 Brigadeiro ele estava lá.

318 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Vamos só registrar? O senhor pode
319 contar essa reunião de novo? Que a gente registra no gravador.

320 Stefan Jucewicz – Está, acho que foi no início de março, ainda em fevereiro, quando já
321 estava resolvido o negócio da ida dos nossos colegas para o radar para fazer manutenção, o
322 brigadeiro tinha pedido uma informação sobre a diretoria de rotas se tinha vindo e não tinha
323 chegado e a gente estava apreensivo você precisava disso, era alguma coisa burocrática lá, de
324 transferência da turma, alguma coisa assim, aí eu fui lá dar essa informação a ele. Quando eu
325 cheguei, ele já tinha autorizado o ajudante de ordens, quando eu precisasse falar com ele eu,
326 recebeu. Aí ele mandou eu entrar e para a surpresa minha tinha uns 10 Oficiais lá...

327 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Reunidos na sala dele?

328 Stefan Jucewicz – É, mas não era uma reunião assim formal. Até ele estava na mesa dele, do
329 lado engraxando sapato e fumando e todos eles fumando e o pessoal parou e ele falou: “Olha,
330 esse menino aqui está resolvendo o problema do radar que a DR estava há um ano aí e não
331 resolvia e tal, inclusive eu prometi para ele uma viagem, eu vou levar ele para a Europa.” E
332 me fez uns elogios assim, e o pessoal todo me olhando. E aí foi que ele falou, ele disse:
333 “Olha, ele é da terra do nosso novo Ministro, do Brizola.” Aí eu falei, falo isso como
334 brincando, eu falei: “É, eu realmente conheci o Brizola, fui apresentado pelo meu pai que era
335 amigo do Brizola, fez obras lá na prefeitura quando ele era prefeito e tal.” E isso fez com que
336 talvez esses Oficiais guardassem isso.

337 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Essa relação sua com o Brizola.

338 Stefan Jucewicz – Essa relação. Aí o que eu soube já agora? Então, isso foi por que eu
339 entendo que tenha sido escolhido. Aí o que aconteceu? Depois disso eu fiquei sempre na
340 dúvida, exatamente até do que eu tinha ido levar porque eu não tinha aberto. Eu não tinha
341 exatamente, não era muita coisa, algum documento, coisa assim. Aí eu passei a trabalhar
342 normalmente no Galeão, tudo transcorria normal quando em junho, em junho, eu estava de
343 serviço e o nosso serviço é o seguinte, nós ficamos 24h e descansávamos 48h. Direto, sábado,
344 domingo e tal. Era uma escala que era normal na FAB nesse (ininteligível). Então lógico,
345 você não ficava 24h acordado. O radar operava às vezes até de madrugada, quando o último
346 voo internacional chegava no Galeão, 3h, 4h e tal. Então nós éramos dois em cada turno, de
347 serviço, então eu e o colega que estávamos de serviço nós revezávamos, ou seja, ele foi
348 almoçar primeiro, eu fui almoçar segundo. Aí de tarde eu disse: “Olha, você vai ficar o
349 primeiro tempo, eu vou ficar depois então eu vou descansar.” No segundo andar da torre de
350 controle, o radar, tinha a torre de controle, a operação radar, a sala do radar, os equipamentos
351 do radar e depois o térreo da torre, um prédio alto. Nesse segundo andar, onde só tinha
352 equipamentos de manutenção, o pessoal colocou dois colchonetes, travesseiro para a gente
353 descansar e tal. E eu estava descansando, era de tarde, estava um calor danado no Rio, ali não
354 tinha ar-condicionado, eu estava só de cueca e camiseta de física, quando entrou um Sargento
355 Silva, junto com um Oficial, Major Aviador. Entrou na sala então, tu acorda e dá de cara com
356 um Oficial, tenta pular e se comportar. E aí eu fui falar, aí o Sargento falou: “Porra, você está
357 dormindo?” Eu podia dormir. Quando eu fui falar o Major: “Não, fala nada.” Me trancou e aí
358 desceram e foram embora. Dai uma meia hora me chamaram lá na chefia do NPV, junto com
359 o Tolentino que era o nosso chefe lá. Quando nós fomos lá tinha um Tenente lá,
360 meteorologista, dizendo que eu estava dormindo no expediente, que eu ia ser preso, que não
361 podia, aí o Tolentino disse: “Não, espera aí, lá pode, ele é escala. Não tem alojamento, então
362 como é que vai fazer?” “Não, porque não sei o que.” Aí eu caí na asneira de dizer para o
363 Tenente: “Quem sabe o senhor deixa isso para o Capitão resolver.” Aí o cara virou bicho.
364 “Você acha que eu não tenho... Está preso, oito dias.” Bom, falei, eu já tinha aprendido,
365 melhor nesse caso você não retrucar um Oficial, fiquei quieto e tal. No outro dia eu fui me
366 apresentar ao Capitão da base que estava (ininteligível) disciplina que era na verdade quem, aí
367 eu expliquei. Contei, como eu estou contando agora o que tinha acontecido. Ele disse: “Poxa,
368 mas isso não é razão para ele te prender e tal.” “Pois é e tal.” “Não, espera aí.” Aí ele saiu,
369 provavelmente ele foi fumar. Daí uma hora ou nem tanto vem o suboficial de infantaria lá e
370 disse: “Olha, vai comigo para o xadrez.” Eu já saí direto e fui para o xadrez da Base, o xadrez
371 oficial da Base. Ficava em frente ao (ininteligível).

372 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – (ininteligível) detenção de oito dias?

373 Stefan Jucewicz – Oito dias. Quando nós chegamos lá o Oficial nem levantou para falar
374 comigo, quando nós chegamos lá o Sargento da guarda que era o encarregado do xadrez
375 falou: “Mas cadê, onde está escrito? Que na FAB tudo tem que estar escrito em algum lugar.
376 Como é que não está escrito?” “Não, vai sair no boletim. Mas é para ele ficar detido e ele é
377 preso político, está incomunicável.” Aí foi que eu bati a coisa, poxa, preso e incomunicável.
378 Aí eu estou, na FAB sempre tem isso, comunicado só tinha outro preso lá dentro que não
379 tinha nada a ver com políticos nem nada, era um Sargento que estava preso há uns oito meses
380 porque tinha ameaçado uns Oficiais lá com uma arma, quer dizer, não tinha nada a ver. Aí eu
381 fiquei lá, no mesmo lugar funcionava a Companhia de Guardas e a banda. A banda lá tal, tal.
382 E aí fiquei lá, eu ia para o rancho acompanhado de um Sargento e ficava incomunicável na
383 mesa, ninguém podia falar comigo. Isso aí até o terceiro, quarto dia, depois virou zorra
384 mesmo, como era tudo na FAB. Mas nos primeiros dias e tal, todo mundo. Porque nessas
385 alturas, dentro da base, da base não, do Parque, que era a fábrica do Galeão, que era
386 (ininteligível), tinha amis ou menos seis Sargentos presos. Todo o hangar lá foi virado em
387 cubículos, feito cubículo 1x2 e...

388 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O hangar foi convertido em local de
389 detenção provisória.

390 Stefan Jucewicz – Local de detenção e todos aqueles presos que estavam, isso o que nós
391 ficamos sabendo, que estavam presos em um Clube de Aeronáutica que tinha muita gente de
392 outras unidades, vinham para lá e ficavam lá e à noite é que eles eram inquiridos. Mas isso era
393 em uma outra unidade, do lado da Base.

394 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Nessa época o senhor chegou a ouvir
395 algum boato sobre algum dos presos, como era a forma de interrogatório? O senhor chegou a
396 ter algum conhecimento?

397 Stefan Jucewicz – Olha, o interrogatório que mais... Bom, como eu estava preso
398 incomunicável, nessas alturas do campeonato eu estava muito preocupado com a minha
399 situação, porque eu não sabia o que podia acontecer, então, o que eu fiz foi dormir e iam me
400 prender. Só que eu no íntimo, sabia que podia ter algum relacionamento com o que eu tinha
401 feito. Só que eu não tinha contado para ninguém, então eu sempre tinha essa esperança, bom,
402 deve ser isso, vou esperar e tal. Ainda nós não sabíamos muito de relato, como eu vim a saber
403 pelo Nico, depois, o Nico foi um que ficou preso lá na Base mesmo.
404 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O Nico seu amigo, não o Brigadeiro?

405 Stefan Jucewicz – Não o Brigadeiro. O Nico meu colega que era o mais antigo que eu. E
406 ficou na base, ficou quase seis meses. Quando ele foi... E levavam ele lá no final da pista, isso
407 ele contou para a gente. Aliás eu tenho essa declaração aqui, que eu vou deixar para você, que
408 ele fez. Levava ele no final da pista e faziam que iam fuzilar ele.

409 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Simulavam fuzilamento.

410 Stefan Jucewicz – Fuzilamento. Ele foi realmente torturado, eu nunca fui realmente. Bom,
411 então o que aconteceu? Uma semana, aí eu passei os oito dias, saiu no boletim, veja bem, eu
412 quero deixar bem claro isso. Saiu no boletim porque eu li, a única certeza que eu não tenho é
413 se era em um boletim ordinário, aquele que saía todos os dias ou se era um boletim reservado,
414 porque normalmente quando tinha um graduado ou um caso assim, saia em boletim reservado
415 que publicavam uma vez por semana. Mas estava no boletim, estava assentado lá minha
416 prisão na cadeia. Por que? Porque ninguém pode, dentro da aeronáutica, estar em uma
417 situação se não estiver escrito em algum lugar. Isso é uma coisa que a gente aprende desde a
418 Escola. E funciona assim, não tem, qualquer coisa nós, do radar tínhamos um livro diário que
419 você faz de alteração, sem alteração, quer dizer, então, isso estava escrito, estava lá
420 comprovado. Bom, aí eu saí, voltei a trabalhar, aí eu fui advertido pelo meu Comandante, o
421 Capitão, ele disse: “Olha, o pessoal está no teu pé, fica alerta porque eles sabem de alguma
422 coisa.” Por que? Porque esse Capitão e o Tolentino sabiam que eu tinha ido à Porto Alegre
423 por que? Porque quando eu sumi, eles foram cobrar de mim e eles disseram: “Não, ele foi em
424 missão.” Alguma coisa assim, só que eles não falavam, se mantiveram quietos. Então o que
425 aconteceu? Uma semana, ou 15 dias depois, eu estava lá de serviço e me disseram para ir no
426 QG, no Comando da Base. Quando eu cheguei no comando da Base, disseram: “Olha, vai aí
427 que você vai falar com o hospital.” Era aquele Major Aviador que tinha ido, que tinha me
428 dado a cadeia. Era aquele Major Aviador.

429 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Estava no hospital lhe aguardando?

430 Stefan Jucewicz – Não, não era no hospital, era no prédio do comando da Base. Uma sala lá
431 fechada, ele e tal. Aí a primeira coisa que ele perguntou: “Qual e, dormiu bastante?” Quer
432 dizer, ele fez uma alegoria que eu estava dormindo lá. “Conseguiu dormir bastante?” Aí eu
433 não respondi para ele, ele disse assim: “Olha, o que você foi fazer em Porto Alegre?” Quer
434 dizer, de cara, não é? Aí eu disse: “Não, eu estava doente, eu fui para Porto Alegre dia 26.”
435 Eu mantive isso. “Eu fui para a Porto Alegre no dia 26 e estava lá a gente conseguiu baixar ao
436 hospital e tal, estava doente.” “Não, não. Eu sei que você foi no dia 02 para Porto Alegre.”
437 Quando ele falou dia 02, ele errou a data, porque eu fui no dia 01, então eu sabia que ele
438 estava blefando. Então ele me fez um interrogatório. Bom, aí ele começou a me perguntar
439 coisas assim? “Se eu que tinha organizado o sistema de rádio amador lá de Guaratinguetá.”
440 Que era uma rede de rádio amadores. Mas eu era aluno, não era Sargento naquela época. Eu
441 disse: “Não, não tenho não nada a ver.” “Mas você não foi para a Bahia em novembro e
442 conversou lá com o pessoal de lá?” Eu disse: “Não, eu fui, mas eu fui como aluno fazer
443 estágio.” Então, tinha informações. Ele disse: “Não, quem é que te mandou para Porto
444 Alegre?” Insistindo. “O que você foi fazer?” Quer dizer, as perguntas eram nesse tipo. Me fez
445 uma série de indagações que eu não me lembro exatamente todas e eu neguei tudo. Aí ele
446 disse se eu era da turma do Sargento Nico, da turma de... “Você é do grupo dos 11 do
447 Sargento Nico?” Lógico, que ele trabalhava comigo e estava preso lá. Ele disse: “Não, é
448 porque ele falou que você pertence sim.” Aí eu conhecia o Nico e sabia que ele não era dedo
449 duro e eu não pertencia na verdade. Aí eu falei: “Não, não tem nada que ver, eu conheço o
450 Nico, ele é meu colega.” E tal. Bom, aí ele me fez, anotou uma série de coisas ele disse:
451 “Olha, você está respondendo a um inquérito e você não pode se ausentar do Rio. Só isso.” Aí
452 levantou, saiu e eu fiquei lá. Bom, aí quando eu voltei para o pessoal que eu fui comentar o
453 que aconteceu, aí eu soube o seguinte, que na verdade quando ele chegou aquele dia que ele
454 me mandou prender, ele foi lá não para visitar radar, porque ele chegou e disse que queria ir lá
455 no radar, mas ele foi justamente para falar comigo. Porque o Silva entendeu que o cara queria
456 visitar o radar. Era comum Oficiais, pilotos querer ver, era novo aquilo. Então ele foi lá, ele já
457 tinha o meu nome, ele foi lá.

458 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Ele foi atrás do senhor?

459 Stefan Jucewicz – Sim senhor. Por que? Bom, aí como ele não tinha crachá, não tinha nome
460 então eu não sabia exatamente de quem ele era, nem quem ele era, porque ele não falou para
461 mim. E perguntando lá ninguém sabia o nome dele. Aí no outro dia, eu fui no corpo da guarda
462 do Galeão e vi pelo horário que uma das viaturas anotada de entrada e saída era de Santa
463 Cruz. Então eu deduzi, que ele era de Santa Cruz. Isso naquela época e tal. Bom, aí fiquei em
464 uma situação muito ruim, por que? Quando eu ia no rancho, se eu sentasse em uma mesa que
465 tinha outros colegas, eles começavam a levantar. Todo mundo tinha medo lá. Aí já chamavam
466 lá de republica do Galeão. Então era um tal de falar que fulano tinha dedurado todo mundo,
467 era realmente uma situação muito ruim e eu comecei a ficar muito constrangido, medroso.
468 Porque eu não sabia o que podia acontecer, ou o que iam ainda rolar. Aí a coisa foi passando,
469 foi passando o ano. Nós sabíamos do que ocorria lá no Parque, ou seja, que tinha ainda gente
470 que estava sendo, uma, aí já nessas alturas já tinha saído o AI-5 e mandado uma porção para a
471 rua e estavam outros sendo mandados embora. Cara que a gente sabia que não tinha nada que
472 ver com política tinha ido embora até por dedurismo, então assim, esse era o ambiente. Bom,
473 aí passou, no início do ano de 65, eu estava no rancho lá, andando ali por perto e encontrei um
474 taifeiro que tinha sido, eu conheci ele porque ele tinha sido o motorista do Brigadeiro Nico.
475 Aí eu: “Ei, fulano, tal.” Eu disse: “Soube do Brigadeiro?” “O Brigadeiro está em casa, ele tá
476 já em uma boa e tal.” Porque o Brigadeiro tinha ficado preso também. “Mas está em uma boa
477 e tal.” E eu digo: “Poxa, você sabe onde ele mora? Onde ele mora?” “Poxa, eu nunca sei o
478 nome daquela rua, mas é lá na Tijuca.” Eu disse: “Atrás da Sanz Penha?” Ele disse: “É.” Eu
479 digo: “É rua Camaragibe?” Ele disse: “É.” Foi aí que eu fiquei sabendo que era. Bom, ainda
480 no início do ano, eu estava com um colega em...

481 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Do ano de 65?

482 Stefan Jucewicz – 65 já. Eu estava com um colega em Copacabana, o Flávio, estava com a
483 namorada, aí ele: “Poxa, tem um filme no metro lá da Tijuca, vamos lá?” Aí eu me lembrei:
484 “Tijuca? Poxa...” Era cedo, ainda digo: “Vamos até lá.” E fiz ele estacionar na Camaragibe,
485 eu digo: “Olha, enquanto vocês vão lá.” Que ainda era muito cedo. “Eu vou procurar um
486 amigo meu que mora aqui nessa rua. Não falei quem era. Aí bati, veio me atender uma
487 serviçal e aí o Brigadeiro veio me atender. Eu achei ele muito, porque ele já era uma pessoa
488 que a gente notava que ele já era muito velho, ele era muito enrugado, sabe, mas ele estava
489 assim prostrado...

490 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Acabado.

491 Stefan Jucewicz – Acabado. Aí ele veio, começou a conversar comigo, disse que estava
492 escrevendo um livro que ia chamar: “Vermelhinho.” Sobre o tempo que ele iniciou no correio
493 aéreo, que ele tinha muito orgulho de ter sido preso voando. Quer dizer, ele chegou de voo e
494 foi preso. Ah, e que gostava da Força Aérea, mas que agora ele era considerado pelos colegas
495 dele como morto. A mulher, a dona Quiqui, a viúva dele recebia a pensão como se ele tivesse
496 morrido. Essa era a situação dele. Estava totalmente acabado. E aí eu contei para ele do
497 primeiro, e aí ele ficou muito surpreso, ele disse: “Não, mas isso era um Oficial que deveria
498 ter feito isso.” Por que não foi? Hoje eu sei, porque quando o Jango, em de, que era o plano...
499 Aí ele me falou o seguinte, ele disse: “Não, aquilo eram cartas da aeronáutica, com pousos
500 alternativo, para proteção do Presidente, que você levou. Isso estava combinado com o
501 Brizola, nós tínhamos preparado isso desde o início do ano.” Só que o, isso é uma coisa que
502 eu acho que deve ficar bem posta, porque isso não foi dito pelo Brigadeiro Nico, que era
503 realmente a pessoa que tinha acesso ao Brizola, ao Presidente e que tinha feito esse plano de
504 proteção.

505 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Plano de proteção de voo da aeronave
506 presidencial?

507 Stefan Jucewicz – Por que? Porque anteriormente, em 1961, e isso eu só soube já pouco
508 tempo, houve uma outra operação que era para abater o avião do Jango.

509 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Em 61?

510 Stefan Jucewicz – Isso, em 61, que foi abortada pelo próprio pessoal da aeronáutica, naquela
511 época da legalidade. Então agora, tinha sido programado pelo Brigadeiro Nico, junto com os
512 Oficiais dele, um sistema de proteção do avião com uma série de coisas. Então o que eu
513 estava levando, era a carta e depois eu também soube, porque ele não falou isso naquele dia,
514 que estavam os códigos todos que tinham sido ativados à pedido do Brizola. Por isso tinha
515 que ser levado. Provavelmente tinha um avião, que eu estava levando e o outro que tinha
516 ficado com aquele pessoal que eram os códigos de fonia e tal. Enfim, de ação. Então, aí o
517 Brigadeiro falou, ele disse: “Se eu tivesse aqui.” Ele falou isso para mim. “Se eu tivesse aqui,
518 o Jango teria ido daqui para Porto Alegre e não para Brasília.” A ida para a Brasília...

519 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O Jango estava no Rio e foi para a
520 Brasília.

521 Stefan Jucewicz – Tentando resolver, que ele já tinha outra vez, ele era uma pessoa de
522 diálogo, ele queria resolver politicamente, aí já tinha tido parlamentarismo, aquela história
523 toda que ele tinha conseguido resolver e voltar à presidência, então acredito que talvez fosse
524 isso. Mas se ele tivesse ido para Porto Alegre, aí o Brigadeiro me falou isso também, ele
525 disse: “Olha, se ele tivesse ido para Porto Alegre, o Kruel tinha mantido o 2º Exército do lado
526 dele aí ninguém...” Aí ele falou que ele estava voando, que os Oficiais que tinham sido
527 colocados de confiança no Sul estavam de férias, que aquilo não era nem para ter acontecido,
528 eles sabiam que eles iam tenta, mas mais para o final do ano então foi (ininteligível). Então
529 veja bem, ele falou para mim, e ele me disse uma coisa assim, que eu até gravei aqui, ele
530 disse: “Olha, o dia que souberem da tua missão, do que tu fez tu vai ser politicamente
531 considerado.” E aí me disse: “Porém, mantêm segredo, fala com o Coronel Diegues.” Que
532 tinha também servido comigo e com ele, era o subcomandante lá na escola, que agora estava
533 na diretoria de rotas. “Para ele te transferir do Galeão. Consegue com ele, diz que eu pedi para
534 ele e não vem mais aqui em casa, porque a casa está sendo vigiada, meus telefones estão
535 grampeados. Toma cuidado e nunca conta isso a ninguém.” Foi exatamente, então a última
536 ordem que eu recebi do Brigadeiro, era: “Nunca conta isso a ninguém.”

537 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – E quando o Jango sai de Brasília e chega
538 à Porto Alegre ele já chega detido? Ele já chega escoltado?

539 Stefan Jucewicz – Não, não. Eles fazem, veja bem. Isso naturalmente são coisas que eu sei de
540 agora, de lei, tal, na época não sabia nada disso. Ele foi para Porto Alegre, ele fez uma reunião
541 com o Comandante do 3º Exército que estava lá, que estava garantindo mais o Brizola e tal,
542 eles ainda tinham toda Santa Catarina, Paraná, estava tudo ainda sobre o comando deles. O
543 que não estava, que eu acho que foi o grupo coisa, era ao Kruel, que era o Comandante do 2º
544 Exército, porque o Kruel já tinha deslocado naquelas alturas tropa para a o Rio de Janeiro,
545 para confrontar aqui, aí depois ele sentiu e mudou de opinião, porque o Kruel... Isso o
546 Brigadeiro que me falou: “Se ele tivesse ido para Porto Alegre.” Então veja bem o detalhe, se
547 em vez de ir para Brasília, ele tivesse ido para Porto Alegre, ele tinha primeiro, muita força,
548 porque era o 3º Exército mais o Kruel do 2º Exército, eles tinham uma posição militar muito
549 forte. Então ele acha que os outros comandos, na dúvida, porque na dúvida os militares
550 sempre vão pela Constituição, está certo? Então Constitucionalmente ele era o Comandante.
551 Então isso foi o que o Brigadeiro, isso foi coisa que o Brigadeiro me falou. Ele que tinha feito
552 esse plano. Bom, então, eu fiquei com essa, fiz essa missão. Quer dizer, foi por isso, eu fui
553 mais um motoboy, (ininteligível) mais por que? Porque eles sabiam que eu tinha alguma
554 maneira de chegar no Brizola, como realmente eu consegui chegar, que era a minha missão. E
555 aí eu tentei, falei com o Coronel Diegues e consegui ser transferido da Base do radar para o
556 QG. Aí vem as coisas engraçadas, como eu lá passei a trabalhar no SALVAERO – Serviço de
557 Busca e Salvamento que a gente era voluntário e fazia muita manutenção para eles, eles iam
558 receber equipamentos e pediram para mim fazer um curso em Recife, de SSB que é um
559 sistema de rádio da época muito utilizado. E quando eu voltei, tendo esse curso, eu passei a
560 dar assistência para o A-2, do QG que era o serviço secreto que eles tinham equipamento de
561 SSB e não tinham quem desse manutenção. Então veja a minha situação, eu entrava naquilo e
562 via eles falando com o Exército, com a Marinha e era só: “Prende, bate.” E o que eu mais me
563 admirava era que eles recortavam o jornal, naquelas mesas o tempo inteiro, tudo que era
564 notícia de coisa, era uma colação sabe aquele troço, mas eu sempre até pela minha convicção
565 de militar eu não falava nada que eu ouvia e que sabia de lá, mas o engraçado é que eu que
566 tinha passado por aquilo estava no A-2.

567 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Isso quando o senhor chegou a conviver
568 diariamente com o pessoal do A-2, isso era que ano mais ou menos, 66?

569 Stefan Jucewicz – 66, 67.

570 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Está.

571 Stefan Jucewicz – Está, eu fiquei esses dois anos praticamente com eles lá. Bom, eu
572 tencionava fazer escola de oficiais, eu queria inclusive tirar o ITA, esse era o meu objetivo.
573 Então eu comecei a estudar para isso, e aí para mim era mais interessante eu voltar para Porto
574 Alegre, a coisa estava sob controle, ninguém mais falava, eu me dava bem com todo mundo,
575 estava fazendo meu serviço. Para mim era melhor eu voltar para Porto Alegre, eu tinha mais
576 condição de estudar, e iam começar a montagem do radar Porto Alegre, do aeroporto. Eu era
577 um dos que estava fora de função, foi fácil me pedir na DR, me transferiram para Porto
578 Alegre, em 67 eu fui para Porto Alegre. Só que quando eu cheguei lá, o radar inda faltava
579 importação de peça, estava muito parado, o aeroporto estava em reforma, aí me deram já que
580 eu já tinha algum conhecimento para mim trabalhar nos rádios faróis da região, e fazer
581 manutenção para o A2 de Porto Alegre.

582 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Continuou ligado ao A2?

583 Stefan Jucewicz – Ao A2. Lá o A2 de Porto Alegre era totalmente diferente, era uma sala
584 enorme, umas duas vezes essa sala, toda fechada com cortina preta, antes de eu entrar eles
585 fechavam a cortina, não podia ver o que tinha lá, ia para o sistema de rádio, fazia manutenção,
586 medidas ali. E o pessoal, aí lógico, todo dia você entra lá, você vai começando a pegar a
587 amizade, daqui a pouco já na fechava cortina. O que tinha lá na verdade eram sistemas de
588 rota, aeroporto da Argentina, era tudo ligado a fronteira. Coisa da própria força aérea, de
589 segurança da força aérea, que era mais ligado aí a essa parte do A2. Aí eu continuei fazendo
590 manutenção, fiz muita amizade com o capitão que era engenheiro que estava fazendo obras,
591 me deu material para arrumar a parte lá que eu fiquei encarregado de fazer, e eu enfim estava
592 estudando, essa tudo bem. Quando foi em 68, não me lembro exatamente a data, mas de
593 repente você não pode mais entrar no A2, inclusive a pessoa que veio falar comigo ficou meio
594 bronqueada, assim, olha, está proibido de entrar no A2 e tal, tal, tal.

595 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Em 69? Em 68.

596 Stefan Jucewicz – Em 68. Aí eu disse poxa, eu fiquei assim, mas eu sempre com aquele troço
597 ligado. Aí sobe lá no cassino, porque lá no cassino tinha serviço secreto, não sabia nada, mas
598 lá no cassino sabia de tudo, o cassino você sabia tudo. Olha, chegou um ofício lá do NCISA,
599 tinha sido criado o núcleo, NCISA chamado pelo Burnier aqui no ministério, chegou um
600 ofício para me ouvir, porque eu era acusado de atividades subversivas, isso aí eu fiquei
601 sabendo. Então a partir daí para tudo e tal. Eu fiquei preocupado com isso, e falei com esse
602 capitão Arantes, eu digo poxa, tem esses problema e tal. Aí eu digo isso na época eu vim aqui,
603 contei sempre a mesma história, nunca contei a missão. Aí um dia me chamaram, estava lá
604 um tal de tenente Pinto que era do NCISA, que veio lá para me ouvir. E aí começou com
605 aquelas mesmas perguntas e ele tinha por escrito do outro. O que é que eu tinha ido, bom, que
606 eu estava respondendo o inquérito na Base Aérea de Santa Cruz. Eu falei não, não estou
607 respondendo inquérito, eu fui uma vez na base em Santa Cruz, mas a serviço. Você estava no
608 grupo que organizou os rádios amadores de Guaratinguetá, dos sargentos, não sei o que. Eu
609 digo, mas só que nessa época eu era aluno, não era, sabe, não batia as informações. Então o
610 cara foi ficando meio constrangido porque eu não, não e não. Aí falei sempre a mesma
611 história para ele, e aí ele disse é, eu estou, olha, se você mentir em alguma coisa você pode ser
612 prejudicado, tal, tal, mas depois aí já disse que o pessoal do A2 tinha falado bem de mim para
613 ele, que aqueles amigos, aqueles colegas lá, que ele estava lá só cumprindo, enfim, tal, tal, tal,
614 mas que eu aguardasse mais. Bom, aí eu conversei com o capitão Arantes e disse olha capitão,
615 está havendo isso. Aí ele me perguntou assim: você pretende continuar na FAB, porque
616 naquele ano eu completava os cinco anos de serviço e eu podia sair. Eu digo não, pretendo,
617 pretendo fazer para oficiais, a escola de oficiais e tal. É, mas a situação tua não é muito boa,
618 eu se fosse você pensava em sair da FAB, foi só o que ele me falou, mais ou menos. Bom, aí
619 eu conversei com ele, com o capitão Arantes, expliquei tudo para ele, disse olha, aguenta que
620 eu tenho um amigo nessa área aí. Aí ele conversou com esse amigo dele, que conversou com
621 o Burnier, e o Burnier disse para mim: esse sargento Jucelides aí era amigo do brigadeiro
622 (ininteligível), foi ele que fez o troço, levou o troço para o Brizola, eles tinham informações.
623 E ele tem que ir embora da FAB, eu vou mandar prender. Só que aconteceu nessa época, que
624 talvez tenha sido a minha salvação de eu não ter sido expulso naquela época. Aconteceu o
625 caso Para-SAR, que os sargentos do SAR aqui, do Para-SAR foram convidados, coisa do
626 Burnier, que foi o Burnier. Aí houve aquele rolo, imprensa, com toda turma do Para-SAR,
627 então isso fez com que ele, que o meu assunto que não era tão importante, ficasse meio
628 relegado, e aí a coisa foi. Aí esse amigo do capitão Arantes conversou e tal, tal, tal, e veio
629 uma proposta, olha, se você der baixa da FAB, está bom, aí o Arantes falou para mim:
630 Jucewicz, se você ficar na FAB vai ser complicado para ti, eles estão afim, sabe, você só vai
631 se incomodar e não vão te dar conselho, você não vai nem poder ser promovido e nem fazer
632 escola de oficiais, aí você vai fazer o quê. Aí ele disse olha, estou me aposentando, estou indo
633 para a Varig, eu vou chefiar a manutenção da Varig, com a especialidade que você tem, você
634 vai lá para a Varig, ganha três vezes o que você ganha aqui. Aí era uma opção que ele estava
635 me dando. Aí conversei em casa, falei para o meu pai e tal, e ele poxa, mas você tem uma
636 carreira. Eu falei é, mas estar nessa situação. Aí então o que é que eu disse para o capitão
637 Arantes, eu disse olha capitão, eu não vou pedir reengajamento, que era o que eu tinha que
638 pedir, isso era uma coisa formal, ou seja, todo mundo da minha turma quando completou
639 tinha lá um ofício e tal que você só assinava, assina e pronto. Eles não me chamaram para
640 assinar à época, chamaram outros colegas e não chamaram a mim, já tinha uma ordem aí. Aí o
641 que é que aconteceu, foi publicado no boletim do DP, do Departamento Pessoal da
642 Aeronáutica, especialmente para mim, que se eu quisesse comparecer eu tinha que, quer dizer,
643 aquilo foi, porque não era daquela forma, quer dizer, era um simples sargento lá, imagina se
644 eles iam publicar para todo subalterno uma coisa assim. Então aquilo me alertou, e eu queria
645 nessas alturas, eu digo não, vou ter que sair, porque se eu insistisse, eu não tinha medo de ser
646 preso, eu tinha medo de que eu acabasse de uma forma ou outra dedurando onde eu vou,
647 enfim, porque tinha acontecido, eu sabia, e eles tinham já muitas informações. Bom, aí eu
648 consegui, enfim, eu digo bom, vou sair, parei de estudar, agora o que eu vou fazer, e tal, tal,
649 tal. Comecei já a me preocupar em arranjar emprego fora, e embora tivesse aquela vaga, mas
650 eu precisava para isso ter um certificado de reservista de primeira, por que, porque já tinha
651 boletins da aeronáutica, do exército, que quem estava saindo expulso ou no mal
652 comportamento da FAB não podia ser admitido, já estava bloqueando. E isso que eu estou
653 falando, 68, mas já havia isto. Então quando eu não entrei com o boletim, não pedi o
654 reengajamento, foi publicado no último dia a minha ida para o ótimo comportamento, isso
655 quando você tinha cinco anos sem punição, você ia para o ótimo comportamento. Olha, eles
656 sabiam que eu tinha sido preso lá. Ah, eu esqueci, quando eu fui sair transferido da
657 basicamente para o QG em 65, eu fui pegar minhas alterações, não constava na minha
658 alteração a prisão.

659 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Não estava na sua ficha?

660 Stefan Jucewicz – Não estava na minha ficha, e o mais interessante, a minha ficha, isso aqui
661 é o histórico.

662 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O seu histórico militar?

663 Stefan Jucewicz – É. Aqui é minha caderneta de sargento e tal, tal, tal. Então aqui consta
664 todo meu histórico. Então veja o seguinte aqui olha, primeiro semestre de 64, classificação,
665 inclusão, olha aqui, baixa ao hospital por ter baixado ao hospital.

666 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Toda sua ficha de alteração está aí,
667 menos a prisão?

668 Stefan Jucewicz – Menos a prisão. E veja bem, eles foram até o final aqui e parou, isso a
669 última coisa de maio, não tem nada de junho aqui. Aí começa minha ficha em setembro do
670 segundo semestre.

671 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Ou seja, tem esse período que não foi
672 lançado nada.

673 Stefan Jucewicz – Não está lançado nada. Aí quando eu vi isso aqui, eu fui lá, vem cá, e a
674 prisão. Não, não tem nada, aqui não tem nada disso, e tal, tal, tal. E aí eu fui falar lá com o
675 Tolentino, ele disse: cala a boca, fica quieto, de repente por ter sido um troço arbitrário, não
676 colocaram, para ti não é vantagem, e eu saí com isso, com essas minhas coisas. E aqui pelas
677 alterações, por isso a gente consegue ver, aqui olha, primeiro semestre de 64, que eu estava
678 falando, baixa ao hospital, foi por ter baixado ao hospital do Galeão dia 11/03. Nesse dia, no
679 dia 13 teve aquele comício do Jango, eu lembro de ter escutado pelo rádio, porque eu estava
680 baixado no hospital. A alta do hospital, 07/04 foi por ter tido alta no dia 23. E a 10 foi por ter-
681 lhe sido concedido gratificação, aqui olha, baixa ao hospital, 29/04 foi por ter baixado no
682 hospital de Canoas no dia 06 e ter tido alta no dia 03.

683 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Então o senhor deu entrada lá em
684 Canoas?
685 Stefan Jucewicz – Só que veja bem, não tem a minha ida para Porto Alegre, então não tem,
686 como que eu, toda vez que viajava, apresentação por ter se apresentado em tal por ter viajado
687 para São Paulo e Porto Alegre em gozo de dispensa, porque tinha que estar com isso. Então
688 aqui fica claro que não tinha. Retornando então ao ponto, então a minha situação era a
689 seguinte, eu dei baixa em março, eu fui desligado oficialmente, em março de 69, e recebi a
690 carteira de reservista de 1ª categoria e tal. E eles utilizaram, veja bem, se antes quando eu não
691 fizesse o requerimento que completasse o tempo, eu não tivesse feito, simplesmente era dada
692 a baixa, não precisava fazer. Só que publicaram o ato da minha saída, aqui olha, foi por ser
693 licenciado do serviço ativo de acordo com a Letra d, Item V da Portaria 1164/GMT, eles me
694 colocaram naquela portaria.

695 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O que é que era essa Portaria 1164?

696 Stefan Jucewicz – Essa foi uma portaria que utilizaram para desligar muitos militares da
697 FAB por várias razões, inclusive tem até hoje rolo com os cabos que basearam nessa portaria
698 para colocar a gente para a rua. Então de acordo com a Letra d Item V da Portaria 1164/GMT.
699 Por que é que eles me desligaram por uma portaria se não precisava teoricamente? Então essa
700 era uma portaria que foi considerada.

701 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O desligamento seria automático uma
702 vez que o senhor não pediu reengajamento?

703 Stefan Jucewicz – É, não pedi, desliga, não precisava colocar uma portaria. Mas colocaram
704 isso, que hoje eu uso justamente por que, porque eu fui desligado através dessa portaria.
705 Agora a prisão do Galeão é que sumiu. Bom, então eu desliguei, fui para a vida civil.

706 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Deixa só eu pedir uma água para o
707 senhor, só um minutinho.

708 00092_003105_2014_42 – 110127_002

709 Tempo: 00:35:27

710 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Continuação do depoimento do Sr.


711 Stefano Jucevisky. Bom, Sr. Stefano, então, o senhor saiu da FAB com base, então, ao invés
712 de ter dado baixa automaticamente pelo não pedido de engajamento depois de cinco anos, o
713 senhor foi incluído nessa portaria 1104, do GM três foi, de certa forma expulso da Força
714 Aérea?

715 Stefano Jucevisky – Na verdade eu fui expulso porque eu fui forçado a sair e aquele ofício
716 que era um, que veio lá para a base, foi que ocasionou tudo, porque aí, eles tinham posto por
717 escrito que eu era subversivo, tal, tal, tal, isso era um ofício sigiloso, mas que...

718 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Circulou na base inteira?

719 Stefano Jucevisky – É, mas, a ideia foi, esses assuntos tudo, todo mundo ficava sabendo.
720 Então, eu, em vez de, quando saí, eu tinha possibilidade de ir para a Varig, mas, aí surgiu uma
721 oportunidade de fazer montagem de radares de navio lá em Porto Alegre, que o estaleiro lá,
722 estava iniciando e eu tinha essa aptidão, então, passei a trabalhar em, obrigado, em construção
723 naval. E, fui muito bem, aí casei, tive filho, uma vida normal, mas, sempre com aquela flecha,
724 porque estava cada vez piorando mais a repressão.

725 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor entrou para o estaleiro em que
726 ano, mais ou menos, o senhor se lembra?

727 Stefano Jucevisky – Em 69.

728 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – 69 mesmo, logo depois que o senhor deu
729 (ininteligível)?

730 Stefano Jucevisky – Logo eu já fui direto, já fui, já tinha arranjado trabalho lá e fui muito
731 bem e passei até a ganhar, relativamente, mais até do que eu ganharia na Varig, mas, sempre
732 mantive um contato com o Arantes, por essa, aí o Arantes começou na Varig, naquela época,
733 a informatizar a Varig, veja bem, informatizar a Varig. E, aí ele me disse: “Ah, você não quer
734 vir para cá? É uma coisa nova, eu te mando para os Estados Unidos para fazer o curso, tal.”
735 Eu disse: “Arantes, eu estou ganhando assim, estou já com filho, tal, tal.” Bom e aí me ligou
736 uns dias depois? Disse: “Você não quer ir almoçar? Sabe aquele amigo meu que te ajudou
737 lá? Eu falei com ele, você, disse que queria te conhecer, eu também tinha curiosidade.”
738 “Então, vamos lá.” Aí marcamos um almoço na Churrascaria Santo Antônio, que é uma
739 churrascaria tradicional de Porto Alegre, aí eu fui, ele estava, ele chegou lá: “Olha, esse aqui
740 é o Coronel Assis.” O Coronel chama Assis Maia, era um Coronel médico, já naquela época
741 Coronel que era ligado totalmente a serviço de segurança, inclusive ele saiu da Aeronáutica,
742 onde ele era e foi, na época que eu estava lá, ele ainda estava, mas, ele, agora, ele chefiava o
743 SNI em Porto Alegre, num prédio lá da Polícia Federal, não, ele tinha, ele era do Serviço
744 Secreto e muito amigo do Burnier. E, aí, aquele papo amigável, filho, tal, aí ele disse que
745 tinha visto que acha que, realmente, eu não tive participação nenhuma, mas, que o Burnier
746 tinha a cabeça quente, que não adiantava, isso já foi depois de o Burnier ter saído da FAB,
747 Burnier era um cara meio, tal, mas que ele sentia que ele não podia me ajudar mais, mas que
748 já sabia, que bom que eu estava bem, então, ficou uma coisa assim. Mas, aí que eu fiquei
749 sabendo quem é que era esse e me deu, de certa forma, uma ajuda, porque eles iam me
750 expulsar, essa era a verdade, negociou a minha saída, mas, eu fui obrigado e aí, todo aquele
751 sonho que eu tinha, de seguir carreira na FAB de, porque eu, na FAB, eu entrei através de
752 concurso, você não entra na escola, você inscreveu, você faz um concurso, só para você ter
753 uma ideia, quando eu fiz o concurso...

754 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – É na AFA?

755 Stefano Jucevisky – Não, não, a AFA é Academia da Força Aérea, é na Escola de
756 Especialistas da Aeronáutica, para falar a verdade, ela tem mais pretendente por vaga do que a
757 AFA e ela é, hoje uma escola que tem mais pretendente, na minha época, só para você ter uma
758 ideia, eu fiz o exame em Porto Alegre, dos 2000 civis que se inscreveram, só passaram dois,
759 eu e um amigo meu, só dois civis, o resto era tudo, era Cabo, Soldado, que eles tinham uma
760 determinada preferência, mas, por valor mesmo, só eu e o outro. E a minha ideia era fazer o
761 mesmo que o Willian, que era esse amigo meu, ele fez depois, ele fez o ITA e foi até Coronel
762 na ativa, porque era uma chance, por exemplo. Aí, a minha e aí ficou o seguinte: como eu
763 parei depois, o Estaleiro só fechou e aí passei a trabalhar com telecomunicações, em empresas
764 brasileiras, esses, em todo lugar, sempre nessa área técnica, fiquei muito conhecido, me dei
765 muito bem nesse trabalho, mas, sempre com um pé atrás e aí aquelas coisas, assim como eu
766 saindo de lá por ter feito uma coisa teoricamente subversiva, fiquei na dois duas vezes, aí eu
767 passei a ser o maior fornecedor da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, de
768 equipamentos de radiofonia. Eu, praticamente fiz todos os projetos da área de segurança e
769 lidava com o pessoal do Exército na área de segurança, então, é uma coisa que eu nunca
770 consegui, então, tinha sempre o cuidado enorme de me, de me colocar politicamente, porque
771 eu era muito sempre Brizola, PDT e tal e depois eu consegui fazer um pouco de política, mas
772 sempre escondido, não podia estar o meu nome aparecendo, porque eu sempre tinha medo de
773 ir aparecendo e o pessoal ligar e tal, então, isso foi, realmente, bastante, bastante ruim. Bom,
774 aí encerrou tudo isso, eu escrevi esse livro que eu estou, esse esboço, um livro bastante
775 coloquial, ele está ainda pra ser lido, eu fiz mais um relato, como eu estou saindo daqui agora,
776 mas, tem muitas coisas que eu estou dizendo, que está aí, que eu falei. E, quando eu, eu fui
777 mostrar esse livro junto com o restante, o restante do livro passa, é a minha participação
778 política junto com o PDT, com o Alceu Colares.

779 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – No Rio Grande do Sul?

780 Stefano Jucevisky – No Rio Grande do Sul. Lá onde eu tive uma atuação, sempre agindo
781 assim, meio um pouco por trás.

782 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor chegou a participar do Governo
783 Colares?

784 Stefano Jucevisky – Não, mas, eu coloquei um amigo meu lá, de chefe da Casa Civil e, eu
785 digo coloquei, porque fui eu que apresentei ele para o Colares, ele era um cara, só para saber,
786 ele era da ARENA e, Conrado Alves, um grande amigo meu e quando ele, quando o Teotônio
787 Vilela estava fazendo aquela marcha, ele foi encarregado da, pela, pela OAB, para fazer o
788 discurso de boas-vindas, e, logicamente ele fez um discurso subversivo e prenderam ele,
789 prenderam e ele foi para o Paraná, sabe onde é, quem tinha prendido ele? O Coronel Assis e
790 eu que fui lá...

791 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Que era do SNI no Rio Grande do Sul?

792 Stefano Jucevisky – Eu que fui com o Luiz Vicente Dutra, que era um amigo meu, também e
793 nós falamos com o Tarso Dutra para mandar soltar o Conrado e aí ele ficou desnorteado, daí
794 eu levei ele para o PDT e por isso ele subiu e chegou e, pena que ele faleceu de infarto, muito
795 bom. Mas, enfim, eu então, estava contando esses episódios para o Alceu Colares e quando eu
796 falei esse negócio, ele disse: “Olha.” Que foi um dos que fez a lei da anistia, disse: “Olha,
797 tem direito a anistia.” Falei assim: “Ah, mas para mim, eu nunca cobrei nada, eu nunca
798 achei que ficaram me devendo nada.” Porque eu, ah, teve um episódio o seguinte, em 79, o
799 meu, quando aquele Tenente Pinto me, estava me inquirindo, ele falou: “O teu irmão...”
800 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O primeiro? A primeira inquirição que o
801 senhor teve?

802 Stefano Jucevisky – Aquela inquirição já em 68, mas, aquele, quando ele estava me
803 inquirindo, ele falou: “Teu irmão é da Escola de Barbacena.” Quer dizer, eu sabia, o meu
804 irmão estava recém entrando no primeiro ano da Escola de Cadetes, eles já sabiam e já
805 estavam, quer dizer, de uma forma ou outra, o cara queria dizer que sabia tudo da minha vida.
806 Aí o que aconteceu? Em 79, quando o meu irmão era piloto de busca e salvamento e o avião
807 deles bateu em Florianópolis e morreram todos, inclusive o meu irmão e, lógico, teve muita
808 repercussão, ele era de Porto Alegre, foi um acidente que morreram todos, no jornal e muita
809 comoção, foi muito noticiário. Aí, algum tempo depois, o Ajadil de Lemos foi visitar os meus
810 pais para dar os pêsames, porque ele pensou que eu que tinha falecido, pelo meu pai, minha
811 mãe, nome, ele achou que era eu e não o meu irmão, ele não conhecia o meu irmão e aí ele
812 falou para a minha mãe, ele disse: “Olha, aquela...” Ele falou mapas, eram cartas, ele chamou
813 de mapa: “Aqueles mapas eu levei no mesmo dia para o Brizola, ele abriu, leu, pegou os
814 planos lá e pediu para mim guardar e aquilo serviu para quando o Brizola precisou ir para o
815 Uruguai, nós utilizamos aquelas cartas.” Aqueles mapas, que ele falou, lógico que lá tinha
816 um pouso alternativo, e o Brizola saiu da praia, que, se eu não engano, deve ter sido uma das
817 alternativas que tinha. Então, veja bem, ele foi lá para e aí ele disse: “Olha, mantenham isso
818 em sigilo, porque a situação...” Porque ele tinha cassado, o Ajadil de Lemos, situação política
819 ainda é muito ruim. Bom, aí, quando eu fiz esse relato, em 2010 e levei para ler para o Dr.
820 Alceu Colares, até para, tinha muita parte do Governo dele, na Prefeitura, quando ele entrou,
821 eu tinha muito acesso lá, foi quando a Dilma foi nomeada Secretária de Finanças, Fazenda,
822 não é? Então, eu tinha muito relacionamento com ele, sempre tive com esse pessoal todo aí,
823 mas sempre com um pé atrás para não me expor. Eu, por exemplo, eu, pela liderança que eu
824 tive na escola, eu podia até, de repente, ter ido para uma função de parlamentar ou coisa
825 assim, mas, eu sempre tive essa, quer dizer, em outras palavras, eu sempre tive aquilo, me
826 colocando uma coisa: “Cuidado, porque enquanto esses caras estiverem aí, você tem que...”

827 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor viveu esse tempo todo com
828 medo dessas repressões?

829 Stefano Jucevisky – Sempre, sempre, isso, talvez, é um tortura meio diferente, mas, é uma
830 coisa bastante, sabe? Hoje eu penso já na minha idade e vejo isso, não precisava, talvez, ter
831 passado por isso, mas, veja bem, aí, quando ele me falou, eu resolvi fazer um processo, eu não
832 contratei advogado nenhum, eu peguei, entrei no site do MEC, fazer e fiz o requerimento e no
833 requerimento, a comissão em que eu peço para, enfim, para se anistiado.

834 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Você é anistiado?

835 Stefano Jucevisky – Eu peço nos, num dos, que eles me, que eles pedissem as minhas
836 alterações, além de oitiva de testemunhas, aliás, eu coloquei o Alceu Colares, o Nicoll e o
837 Breno Lauber, que são quem eu, que vou dar os papéis para vocês, que são os meus, que
838 sabem dos fatos, mas, coloquei aqui: “Requerimento de diligência, cópia, alegação,
839 observação: Solicito autoridade, cópia dos boletins da Base Aérea publicados.” Onde consta
840 a publicação da prisão política minha e a soltura, eu pedi a...

841 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor pediu a cópia dos documentos,
842 dos boletins internos da Base Aérea?

843 Stefano Jucevisky – Que eu não tinha. Bom, aí o que aconteceu? depois, conversando com o
844 pessoal da Comissão de Anistia, eles me disseram: “Olha, se você conseguir isso é melhor,
845 porque isso vai entrar, porque, quando chegar a sua vez, que é muito demorado, ainda não
846 chegou, eles vão colocar isso em diligência, prazo de mais um ano.” Aí eu resolvi, fui no
847 Departamento do Pessoal da Aeronáutica, requeri, aí eles me deram o que tinha no pessoal,
848 que é igual ao meu. Aí eu digo: “Não, tem na base da prisão.” Aí eles requereram a base,
849 demorou uns oito meses, o estêncil e a base disseram que só tinha isso também, que não tinha
850 nada, aí eu fiz, eu, através de um colega meu, que continuou na ativa, que era Coronel e tinha
851 servido com o Comandante da Base, nós fomos conversar com o Comandante da Base, eu
852 expliquei: “Preciso por causa disso.” E ele disse: “Não, se tiver aqui, tal. Só que, o que
853 tinha, ainda, de alguma coisa de, relativo à Revolução, eu já mandei lá para o Arquivo
854 Nacional, não tem nada aqui, mas tem a Dona fulana, que era uma senhora, que ela que está
855 há 30 anos, que vai se aposentar, que sabe e tal.” Aí eu fui conversar com essa senhora e ela
856 me disse o seguinte, ela disse: “Olha, quando eu entrei aqui, no final dos anos 70, já não
857 tinha nada sobre a Base, sobre 64, sobre esse período aí e, a informação que tinha que isso
858 tinha sido mandado para o arquivo da Aeronáutica.” Bom, aí eu, eles designaram um Cabo
859 para ficar lendo todos os boletins, colocaram, o cara leu todos os boletins e não achou nada.
860 Aí eu requeri os boletins, os boletins reservados, eles disseram que não tem, eu requeri o livro
861 da guarda, disseram que não tem, eu requeri ao Arquivo Nacional, para ver se estava lá,
862 também, não tem, aí eu comecei a procurar, disse: “Como que esse troço sumiu?” Não era só
863 o meu, porque não tinha nada de ninguém, porque eles que me disseram: “Não.” O Nico, por
864 exemplo, que tem aqui, eu tenho as alterações dele aqui, ele tem 30 dias de prisão, ficou seis
865 meses lá, preso. Então, eu digo: “Como é que isso não está em lugar nenhum?” Porque, na
866 Aeronáutica tinha que alguém escrever, isso é um coisa...

867 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Tinha que ser tudo por escrito?

868 Stefano Jucevisky – Não tinha como não ser, então, tiraram. Bom, aí eu fiz amizade com o
869 suboficial lá do arquivo da Aeronáutica, que fica no Campo dos Afonsos, expliquei porque eu
870 precisava, ele disse: “Não, não, eu vou dar uma olhada.” Ele olhou até microfilme, disse:
871 “Não tem nada.” Ele disse: “72, 73, não tem nada aqui, no arquivo da Base.” Ele mesmo
872 ficou assim, porque talvez ele nunca tenha procurado, porque deveria ter alguma coisa,
873 porque isso é um arquivo, tudo microfilmado e tal e tudo organizado e nada. Bom, aí eu,
874 pesquisando na Internet, descobri o seguinte, porque eu acho que isso aqui, eu acho que isso
875 aqui é importante, eu lhe dei os documentos, não dei? Deixa eu ver.

876 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor me deu em versão eletrônica.

877 Stefano Jucevisky – Isso e lhe dei os próprios.


878 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Não, o senhor me entregou só o CD em
879 versão eletrônica e assinou a declaração sobre relato, a declaração de relato para mim, foi o
880 que o senhor me entregou.

881 Stefano Jucevisky – Ah, é, desculpe, está aqui, está aqui nessa pasta, perdão, olha, veja bem,
882 além desse relato que eu fiz, que eu vou passar para você, está em versão eletrônica, tem isso
883 aqui que saiu agora, no dia 31 de março de 2000 e, comemorando lá a Revolução: “Pilotos
884 militares recebendo, receberam instrução para abater o avião de Jango em 61 e 64.” Eu
885 nunca me referi a 61, porque eu, realmente não sabia. Então, ele fala aqui que: “Na legalidade
886 de 61, após a renúncia de Jango, vazaram informações no Rio de Janeiro que o retorno do
887 sul à Vargem, de Porto Alegre a Brasília, Jango teria seu avião abatido, o planejamento do
888 atentado foi conhecido como operação mosquito, contrária a ela, com a participação de
889 Sargentos, Suboficiais da FAB, sediados em Brasília, montou-se uma operação tática,
890 destinada a impedir que aviadores golpistas pudessem cumprir aquela determinação de
891 abater o avião presidencial. A base da operação tática, foi o aeroporto Salgado Filho, em
892 Porto Alegre, de onde partiu o avião conduzindo João Goulart para Brasília com a
893 finalidade de reassumir o Governo. Fizeram parte dela a iniciativa de impedir que os demais
894 aeroportos da Base obtivessem informações sobre o plano de voo e da divulgação de dados
895 meteorológicos, enganados sobre o sul do país, como de chuvas torrenciais, impediu sobre o
896 voo de Porto Alegre. Esse atentado foi evitado.” Então, veja bem, por que eu deduzi que
897 depois foi planejado proteger o avião? Porque já tinha sido, já havia alguma coisa e aí ele fala,
898 justamente que: “No dia 1º de abril, Brizola estava em Porto Alegre, organizando a
899 resistência e conversou, por telefone, com políticos do Rio, que tinham sido reunidos às
900 pressas na casa do Brigadeiro Nicoll, na Tijuca, de onde coordenaria.” Aquilo que eu te
901 contei. Aí ele fala que o Brizola, enfim, tinha um plano, que fala da ida a Brasília, que deu
902 errado, como é que, de um avião Coronado, que devia trazer, um avião da Varig, que
903 disseram, em pane, depois disseram que era sabotagem, nada, fazia parte do plano, coisas que
904 eu não sabia regendo, não é? Então, aí o avião, depois, decolou, era um avião da própria FAB,
905 que veio para cá, o plano de, aí ele fala aqui: “O plano de proteção consistia de cartas
906 aeronáuticas, mapas, com indicações de rotas e campos de pouso alternativos. Se fosse
907 temerário na ocasião utilizar o avião presidencial para retornar a Brasília e assim manter a
908 presidência, Jango secretamente deveria utilizar um outro avião de pequeno porte. Esta
909 aeronave pousaria em uma das pistas assinaladas nas cartas aeronáuticas secretas. De lá
910 Jango seguiria num avião maior para Brasília, onde a situação militar já estaria sobre
911 controle. Neste percurso jatos da Base Aérea de Santa Cruz se revezariam na escolta do
912 Presidente.” Bom: “Para evitar o vazamento do plano, os pilotos da Base Aérea de Santa
913 Cruz, que permaneciam de sobreaviso na base, só tomariam conhecimento durante a
914 instrução da missão, antes da decolagem. Um oficial de operações do COMTA estaria
915 presente para informar os detalhes Do plano, junto seria informado o código secreto de
916 comunicações, que já havia sido utilizado para as operações.” Aquilo que eu levei junto com
917 o mapa, que eu nem sabia, aí veja isso aqui: “O Brigadeiro João Paulo Burnier, que se
918 vangloriou de ter mandado prender o Brigadeiro comunista, entre aspas, Ricardo Nicoll,
919 quando este pousou no Galeão, em abril de 64, comandando um avião da FAB, vindo do
920 Recife disse que em 1968, quando comandava o Centro de Informações e Segurança da
921 Aeronáutica, CISA, colocou no ostracismo os oficias suspeitos de participarem do plano do
922 Galeão e baniu da FAB o sargento que levou em mãos o plano à Brizola.”

923 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor?

924 Stefano Jucevisky – Está vendo? Quer dizer, isso foi publicado agora: “Havia, portanto um
925 planejamento secreto de ações na Força Aérea, elaborado no início de 64, preservando o
926 presidente, política e fisicamente. O básico do plano não foi realizado, seguir do Rio de
927 Janeiro, onde se encontrava, para Porto Alegre no dia 1º de Abril de 64, quando iniciou o
928 golpe militar. Essa indecisão do Presidente João Goulart mudou a história do Brasil.
929 Contrariando a posição de resistência de Brizola, Jango abdicou da luta armada no dia 2 de
930 abril. Os oficiais legalistas da FAB reunidos na Base Aérea do Galeão, naquela noite,
931 sabendo da decisão do Presidente tomada em Porto Alegre, desmobilizaram. No dia 3 de
932 abril o Presidente Constitucional foi para o exílio no Uruguai. A causa da sua morte naquele
933 país está agora sendo investigada.” Então, aqui complementa aquilo que eu tinha já escrito,
934 que consta do processo desde 2011, que eu vou colocar junto com isso aqui.

935 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Nós vamos protocolar ele ali, juntar ao
936 acervo da
937 Comissão Nacional.

938 Stefano Jucevisky – Agora, veja bem, o que ainda mais eu descobri sobre o Burnier.

939 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Nessa busca que o senhor estava fazendo
940 pelos documentos?

941 Stefano Jucevisky – Pelos documentos, estava correndo para todo lado e tal, aqui, bom, aí eu
942 comecei, eu verifiquei o seguinte, em 26 de fevereiro, isso aqui num boletim que eu peguei na
943 Internet: “Em 67, Humberto Alencar Castelo Branco fez uma reforma administrativa e criou,
944 pelo decreto 60, a Diretoria de Acervo Histórico da Aeronáutica, a diretoria jamais foi
945 ativada, pouco mais de dois anos depois, pela Portaria Nº. 38/GM7, de 20 de maio de 69, foi
946 ativado o Núcleo da Diretoria Documental e Histórico da Aeronáutica, sendo nomeado seu
947 primeiro Chefe o Major Brigadeiro Ewerton Fritsch.” Então, era o Major Brigadeiro, que foi
948 o primeiro lá. “Em 12 de novembro de 70, pelo Decreto foi aprovado o regulamento da no
949 qual foi ativada Diretoria. Subordinada ao comando geral do PSOL a antiga DIRDOC
950 passou a funcionar em duas salas no Ministério da Aeronáutica no centro da cidade.” Então,
951 na verdade, ela não começou no Campo dos Afonsos, ela começou onde era o próprio
952 Ministério da Aeronáutica e o CISA: “Vindo a estabelecer-se, em definitivo, em julho de 64,
953 no Campo da Força Aérea.” Então, quando, aí, isso é a primeira coisa, então, quer dizer, ela
954 não foi pra os Afonsos, ela foi primeiro...

955 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Para o CISA.

956 Stefano Jucevisky – Para o mesmo lugar onde estava o CISA, bom, agora que vem o melhor
957 da história aqui, olha aqui: “Depoimento do Delegado Burnier, dado ao Centro de Pesquisas
958 da Fundação Getúlio Vargas: eu queria perguntar como é que o senhor veio para o
959 comando, o senhor saiu do CISA e veio direto para aqui, para a 3ª Zona Aérea? Vim para a
960 3ª Zona Aérea em 70, no dia 25 de setembro ou outubro. Com relação ao caso Stuart
961 Angel...” E era isso que eles estavam querendo saber: “Que a senhora me perguntou,
962 acontece que eu nunca tive, na época, nem até a data de hoje, qualquer informação de que
963 esse senhor, esse subversivo teria sido preso pela Aeronáutica e sofrido qualquer maltrato do
964 pessoal da Aeronáutica.” E aí eu até coloquei em negrito: “Nenhum registro, nenhuma
965 informação, até esta data, de acordo com as informações deles, publicadas nos jornais, ele
966 teria sido preso na era do, na Base Aérea do Galeão, não é verdade, porque não há, até hoje,
967 nenhum registro disso.” Ele, agora vem o melhor aqui, ele fala, quando ele assumiu, ele diz:
968 “Saí da 3ª Zona Aérea e vim para a Diretoria de Documentação Histórica da Aeronáutica,
969 até que fui para a reserva, em 72.” Isso quer dizer, o Burnier foi quem requisitou tudo que
970 tinha para, porque ele tinha poder para isso, sendo, e não podia, histórico veio, o que não lhe
971 interessava, é óbvio que ele sumiu, por isso não tem, na Base Aérea do Galeão, nem os meus
972 documentos, que eram de 64, nem esses, que porventura isso, por quê? Porque se esse rapaz
973 tivesse sido preso lá, como dizem que foi, tinha que estar escrito e aí é que está, ele, o que
974 estava escrito, por isso que eu não consegui achar os meus documentos.

975 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor acha que nessa, quando o
976 Burnier assume o CISA ele leva o que ele quer?

977 Stefano Jucevisky – Não, do CISA ele...

978 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Ele vai para a 3ª?

979 Stefano Jucevisky – Ele vai comandar a 3ª, aí na 3ª Base Aérea, ele era totalmente maluco,
980 ele queria jato para bombardear a cidade, o cara era mais ou menos desse tipo, aí, o que se
981 sabe que o pessoal do CISA, onde ele não estava mais, pegou o Stuart, isso eu li, não tem
982 nenhuma informação pessoal minha, isso é do e levou para a Base Aérea do Galeão e lá ele
983 foi torturado e morreu, ok? Ele era o Comandante, por isso ele foi mandado, tirara, o comando
984 dele, porque, nessa altura, os próprios pessoal do Aeronáutica, que tem outra cabeça e outra
985 formação, não aguentava o cara: “Coloca esse cara para fora, ele está nos complicando.”
986 Porque ele já tinha feito.

987 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – E, era notório, no meio do pessoal da
988 Aeronáutica, a existia um centro de tortura ou um local de tortura ou uma tortura de presos na
989 Base Aérea do Galeão?

990 Stefano Jucevisky – Na Base Aérea do Galeão, em 64, em 64, a gente soube, eu tenho aqui
991 os relatos que eu vou deixar, de declaração do Nicoll, que ele declara isso, isso eu pedi para
992 ele declarar para o meu processo, é uma declaração de março de 2011, onde ele fala da tortura
993 com ele e uma declaração do Breno, que era o meu outro colega, que estava no parque,
994 morava no parque, que ele era, o parque é a fábrica, que ele era separado da Base e onde eles
995 fabricavam aviões lá era uma, por isso era uma, chamavam de fábrica e ele foi retirado dos
996 alojamentos dele e teve que morar nos alojamentos da Base, porque lá tudo virou cadeia, ele
997 conta aqui como foi, fizeram um, nós nunca conseguimos chegar lá, porque lá estava
998 totalmente bloqueado para qualquer militar, o que a gente sabia e aí, por causa dos colegas
999 nossos, de serviço? Que de noite, pegavam esses caras, levavam para o prédio de comando da
1000 fábrica para inquérito, para, queriam descobrir subversivo, isso foi praticamente todo ano de
1001 64.

1002 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – E, todos os presos que entravam na
1003 fábrica ou entravam via Base Aérea, se documentavam? Como o senhor disse, era tudo
1004 escrito.

1005 Stefano Jucevisky – Tinha tudo escrito, tinha, porque uma coisa a gente aprendeu na FAB,
1006 tem que estar escrito em algum lugar, então, estava, alguém tinha escrito, só que, por que não
1007 se acha nada? Porque foi isso que, eu conversando com o Dr. Dallari, eu falei para ele, eu
1008 digo: “Dr. Dallari, o pessoal tinha o maior interesse me achar, porque eles iam me ajudar,
1009 era isso que eu estava pedindo e são todos colegas, eu tenho um ótimo conceito perante
1010 eles.” Só que, realmente, indo, indo, cheguei, até que eu cheguei nisso aqui, quem era o chefe
1011 do, primeiro, não tinha e quem era o chefe era o Burnier, ele era o maior interessado, quer
1012 dizer, ele teve tempo, de 71, quando ele foi tirado do comando da 3ª Zona Aérea, que era um
1013 comando importante, por causa do problema do Stuart, que estava batendo na imprensa, até
1014 sair da FAB, em 72, que aí ele foi obrigado a ir para a reserva, ele esteve no arquivo, então,
1015 ele teve chance de pegar toda documentação comprometedora e sumir com ela.

1016 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor acredita que ele tenha, se isso,
1017 se, realmente, ele teve, mexeu nesses documentos, o senhor acredita que tenha sido dada
1018 alguma ordem de destruição ou de, simplesmente de remoção desses documentos para algum
1019 outro lugar?

1020 Stefano Jucevisky – Como esses documentos já estavam lá no prédio do arquivo, que era no
1021 Ministério da Aeronáutica, no centro do Rio do lado, ele, quando foi transferido para os
1022 Afonsos, depois de 74, que eu olhei aqui, não tinham mais, eles ficaram lá, eles foram
1023 destruídos ou foram sumidos lá, mas eu tenho certeza disso, quer dizer, não era isso que eu
1024 estava buscando, eu estava buscando os meus documentos, porque o meu, porque, qual seria a
1025 importância de sumir com um documento que dizia que eu tinha sido preso por oito dias por
1026 uma transgressão disciplinar? Não tinha motivo. A não ser que ele estivesse num bolo maior.

1027 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Junto com outros documentos mais
1028 sensíveis, vamos dizer assim.

1029 Stefano Jucevisky – Lógico e, que vem ao caso esse do arquivo, naturalmente, eu não estava
1030 nessa época, eu só soube pela imprensa, tudo, mas, buscando isso, então e, sobre a Base do
1031 Galeão, eu tenho, eu deixo aqui essas declarações que, tudo isso aqui consta no meu processo.

1032 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – No seu processo de anistia.

1033 Stefano Jucevisky – De anistia. Então, eles aqui falam coisas, que foi isso que eu falei aqui
1034 agora, que eu só coloquei aqui como lembrete, mas é, consta aí. Então, o que acontece agora?
1035 O meu processo de anistia está lá, não tem esse documento e aí? O que acontece? Veja bem,
1036 aqui eu estou pedindo, aí eu requeri o seguinte, eu requeri ao Ministro do Estado da Justiça, se
1037 forem pesquisadas alterações, se não foram pesquisadas, se pode afirmar que o requerente não
1038 foi preso e isso foi e a Aeronáutica respondeu, o Comandante da Base Aérea do Galeão,
1039 pedindo, pedindo informações pessoais, o Comandante da Base Aérea, dizendo que não tem
1040 nada, aqui: “Se foram pesquisadas as alterações e tal.” E, aí eu tive resposta, através do CIC
1041 da Aeronáutica: “Não foram pesquisadas alterações do requerente de reservados de 1964.”
1042 Está vendo? Não foram.

1043 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Não foram.

1044 Stefano Jucevisky – “Quanto às suas (ininteligível) não existem nos arquivos do setor,
1045 arquivo geral da Base Aérea, ficha individual.” Eu tinha que ter uma ficha individual. “Não
1046 existem nas páginas de qualquer livro xadrez do ano de 64.” Não há como responder se eu
1047 tinha, que eles podem garantir que eu não tinha sido na prisão, então, vocês dizem que eu não
1048 fui preso? Não, eles não podem garantir.

1049 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Eles não podem garantir porque eles não
1050 tiveram acesso a nenhum tipo de documento?

1051 Stefano Jucevisky – Então, Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, fiz toda, então,
1052 agora, o que eu, se, o que eu conversei com o Dr. Dallari, disse: “Se vocês, eventualmente,
1053 acharem os documentos da Base, eu sei que vocês estão vendo isso, eu gostaria de ter
1054 acesso.” Agora, se, eventualmente, não acharem, eu gostaria de ter, de parte da comissão,
1055 alguma coisa indicativa disso para mim poder anexar.

1056 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – De que não...

1057 Stefano Jucevisky – É, fazendo menção quem eu sou, porque e tal e que é possível, como
1058 vocês também não podem afirmar, por isso que o Dr. Dallari perguntou: “Eles estão
1059 escondendo isso?” Eu digo: “Não, não estão.” Até porque, sabe por quê? Todo o pessoal que
1060 está na ativa da FAB hoje, exceção, talvez da turma do Saito, que já não tem mais ninguém da
1061 ativa, o Saito, quando eu, em 68, 69, quando eu já estava saindo, ele era 1º Tenente na Base
1062 Aérea lá, ele ainda é da ativa, mas, o resto, todos eles são...

1063 Interlocutora não Identificada – Já todo mundo deu baixa?

1064 Stefano Jucevisky – Não, são posteriores a essa época de revolução, então...

1065 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor acha que o pessoal que está
1066 hoje, na FAB tem uma posição muito mais de colaborar com a verdade, trazer isso à tona?

1067 Stefano Jucevisky – Veja bem, eu, agora, quando a nossa turma completou 50 anos, eu fui
1068 para, nós fizemos uma, reunimos a turma, era um troço interessante, então, o que aconteceu?
1069 Colegas que eu não via desde a época da escola, nós fizemos uma festa, cinquentenário da
1070 formatura, da turma e aí, acabaram me escolhendo para me homenagear em nome da turma,
1071 porque a turma faria isso? Eu fui homenageado por quê? Porque eles sabem, hoje, que eu fui
1072 forçado a sair e era um líder de turma. Então, aqui me deram, foi uma festança, lá na, então,
1073 por isso é que eu sei que o pessoal da FAB, todos eles tinham o maior interesse em ver, achar,
1074 então, de repente, procurei por tudo, possível e, inclusive dessa forma de colaboração, agora,
1075 nenhum desse pessoal que hoje está na ativa, era da ativa naquela época, que o pessoal todo
1076 já, já está há muito tempo na reserva, então, essa é a maior dificuldade. Então, eu não acho
1077 que realmente exista, eu acho que esses documentos...

1078 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Foram destruídos.

1079 Stefano Jucevisky – Foram destruídos, porque eram muito comprometedores, porque não
1080 acredito que vá dizer que tinham feito alguma coisa a esse moço lá, mas, que teria que ter
1081 dado a entrada dele, quem levou e quem saiu, isso, com certeza, mas, isso tudo era encoberto.
1082 Então, a minha posição é que, hoje, já com 72 anos, olhando para trás eu digo, bom, quando
1083 falam de revolução, já tive uma...

1084 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor viveu a história, o senhor
1085 viveu...

1086 Stefano Jucevisky – Vivi a história e fiz uma parte, que eu não sei se foi importante, mas, foi,
1087 de toda forma eu, hoje, por exemplo, estou convencido, depois de ler, de ler esse outro relato
1088 aí, do jornalista, de que, se o Jango tivesse ido para Porto Alegre, talvez a coisa...

1089 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O rumo da história talvez tivesse sido
1090 outro.

1091 Stefano Jucevisky – Sido outro, que coisa interessante, não é?

1092 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Como uma decisão pode afetar a vida de
1093 milhões de pessoas.

1094 Stefano Jucevisky – E afetou.

1095 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – E afetou, de fato.

1096 Stefano Jucevisky – Inclusive a minha, provavelmente se as coisas tivessem transcorrido


1097 direto, eu teria tido uma carreira enorme na FAB, porque eu estaria num...

1098 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor teria ajudado não, a preservar o
1099 cargo constitucional do Presidente da República. Sr. Stefano, eu quero lhe agradecer em nome
1100 da Comissão Nacional da Verdade, o senhor gostaria de acrescentar alguma coisa, de
1101 complementar alguma coisa mais?

1102 Stefano Jucevisky – Não, olha, eu me coloco à disposição para, se eu puder fazer mais algum
1103 esclarecimento que você julgue importante e gostaria de colocar aqui uma coisa, que é um
1104 sentimento que eu tenho, eu tenho muito contato com o pessoal da FAB e tal, o pessoal da
1105 FAB sempre fica muito revoltado, eu noto, quando falam: “Ah, porque os militares, os
1106 militares.” Quem fez a revolução, na verdade, a gente sabe, que foi um grupo, foi um
1107 comando de militares e não os militares em si, o pessoal da FAB, esses meus colegas aqui,
1108 todos trabalharam os 35 anos dando duro, ganhando mal, que, é isso.
1109 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Claro, não e se tudo, se tudo transcorrer
1110 como nós e a sociedade brasileira desejamos isso tudo, vai ser, obviamente, passado a limpo e
1111 o objetivo da Comissão da Verdade, um dos objetivos da Comissão Nacional da Verdade é,
1112 justamente, promover essa reconciliação entre, na sociedade brasileira. Eu gostaria de
1113 agradecer muito ao senhor, pela sua, pelo seu relato, pelo seu depoimento, pelo seu tempo
1114 junto à Comissão Nacional da Verdade. Nós vamos encaminhar as gravações do vídeo, do
1115 áudio para Brasília, para ser degravado, assim que estiver degravado, o senhor terá acesso a
1116 cópia do seu depoimento e gostaria de agradecer e me colocar à sua disposição, sempre que o
1117 senhor precisar, nós estamos às ordens.

1118 Stefano Jucevisky – Muito obrigado.

1119 João Amorim (Comissão Nacional da Verdade) – Muito obrigado ao senhor. São meio-dia
1120 e 29 do dia 27 de outubro de 2014, está sendo encerrado agora o depoimento do Sr. Stefano
1121 Jucevisky, que começou às 11 da manhã, em ponto.

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