Tennessee Williams
Adaptação Augusto Cesar
B: Está nervosa?
EVA: Demais.
B: Veio visitar seu marido?
EVA: Ah, não. Vim ver um emprego.
B: Aqui?
EVA: É. Ouvi dizer que tem uma vaga.
B: Não acha esse lugar depressivo?
EVA: Não. Não é uma prisão comum.
B: Não?
EVA: Não, dizem que é uma instituição modelo.
B: Ah é?!
EVA: Aqui tudo é feito cientificamente. Eles têm especialistas em psicologia, sociologia!
B: Bom...
EVA: Antes a ideia era punição, mas hoje em dia é reabilitação social!
B: Nossa! Quem te contou isso?
EVA: Li no Jornal de Domingo!
B: Meu filho está aqui. Era marinheiro. O nome dele é Jack.
EVA: Marinheiro?
B: É, era marinheiro. Meu Deus! (Coloca as mãos no peito)
EVA: Que foi?
B: Estou com palpitação!
EVA: (Se levanta) Está passando mal? Vou buscar um copo de água!
B: Não precisa. Vou tomar um calmante e já melhoro. Estou muito nervosa.
EVA: Não se preocupe. Eu li que há poucos problemas aqui em comparação com outras
penitenciárias do país. O Sr. Whalen, o diretor, é muito respeitado.
B: Tomara, pro bem do Jack. A última carta dele me deixou muito apreensiva. Muito
diferente das cartas maravilhosas que ele me escrevia quando estava no mar. A
letra era um rabisco e... parece que ele estava com febre. O que é Klondike?
EVA: Klondike? Fica no Alasca!
B: Foi o que pensei. Na carta ele disse que tinha sido mandado pra lá e era tão quente
quanto o... bom, nem consigo dizer!
EVA: Provavelmente é um esquema de colonização.
B: Acho que não. Ele disse que não podia escrever sobre esse lugar, então me mandou
a carta escondido, por um dos rapazes.
EVA: Quanto tempo ele vai ter que cumprir?
B: Cinco anos! Não sei direito o que aconteceu, mas sei uma coisa... não foi culpa do
Jack! É o que vou dizer pro diretor. Estou esperando aqui há dois dias... ele nunca
tem tempo!
EVA: Não aguento esperar. Vou entrar e perguntar quando o Sr. Whalen vai voltar.
B: Isso! Diz pra ele que estou esperando há um tempão! E pergunte se o Jack... (EVA
entra no escritório. B afunda no banco, apertando o peito) Ah, meu Deus...
EVA (Na porta): Me desculpa, mas.
JIM: Pelo quê?
EVA: Por invadir sua sala, mas não consigo mais ficar sentada. Quando Sr. Whalen vai
voltar?
JIM: É sobre o quê?
EVA: Um emprego.
JIM: Ele saiu pra vistoriar os pavilhões.
EVA: Ah. E vai demorar?
JIM: Depende dos pavilhões que ele vai vistoriar. Ele é muito imprevisível. Essa palavra
é boa.
EVA: Qual?
JIM: Imprevisível. Qualquer palavra com cinco sílabas é boa.
EVA: O senhor gosta de palavras longas?
JIM: Uso as palavras pra impressionar as pessoas com minha erudição. Olha outra!
EVA: Erudição?
JIM: Tem só quatro sílabas, mas é rara. Como pode ver, sou um dos garotos propaganda
daqui. Quando cheguei aqui, eu era só um vigarista. Mas agora estou lendo O
Declínio do Ocidente, de Spengler, e sou o editor do jornal da prisão. Sabe o que é
um arqueoptérix?
EVA: Não.
JIM: Um pássaro-réptil extinto. Essa é a última edição.
EVA (Cada vez mais confusa): Do... quê?
JIM: Do Arqueoptérix. Nosso jornal mensal.
EVA: Por que esse nome?
JIM: Porque impressiona. (Senhora B entra tímida agarrada à cesta)
JIM: Pois não.
B: Desculpa, o sr. Whalen já chegou?
JIM: Não, ele ainda está vistoriando os pavilhões.
B: Ah, eu queria tanto falar com ele. Eu sou a mãe de Jack Bristol.
JIM: Marinheiro Jack?
B: Sim. O senhor conhece o Jack?
JIM: Um pouco.
B: Como vai meu garoto?
JIM: Desculpe. Não posso falar dos detentos.
B: Ah.
JIM: Melhor a senhora falar com o diretor amanhã cedo.
B: A que horas, por favor?
JIM: Às dez.
B: Poderia entregar isso pro meu filho? Vai estragar se ninguém comer logo. (Sai)
EVA: O senhor não podia dizer nada pra deixá-la mais tranquila?
JIM: Sobre o marinheiro Jack não!
EVA: Por que não?
JIM: Ele já era – surtou.
EVA: Como assim?
JIM: Pirou o cabeção. Acontece muito entre detentos.
EVA: Não falaram nada no Jornal de Domingo –
JIM: Porque o jornal entrevistou a mim e ao diretor.
EVA: Vocês não disseram a verdade?
JIM: O que é a verdade? Resolveu trabalhar aqui por causa do Jornal de Domingo?
EVA: Sim. (Whalen assoviando).
JIM: Olha nosso cardápio. Os detentos comem isso todos os dias. Pode comparar com
qualquer internato famoso. Tudo aqui é feito cientificamente. Temos um
nutricionista que calcula as calorias de tudo. (Diretor WHALEN entra) – Oi, sr.
Whalen!
DIRETOR: Olá! (Tira o casaco e joga para JIM) Que calor! (Pisca para JIM, arrota)
Vistoria demais! (Afrouxa o a gravata) Perdão, senhorita, vou fazer um striptease!
Um vento forte – parece que vem de um forno! Me lembra daqueles (Enxuga a
testa) biscoitos que mamãe fazia! Que isso? (Levanta a cobertura da cesta)
Falando em biscoito...! Pega um, senhorita – Jimmy! (JIM pega dois) Você tem
uma pata muito grande, Jimmy! (Ri) Mostra o cardápio novo pra ela. Você veio
por causa da notícia naquele maldito jornal sensacionalista? De que o ex-detento
pegou tuberculose aqui dentro?
JIM: Ela não é jornalista.
DIRETOR: Ah. Qual seu trabalho, senhorita?
EVA (com pressa): Soube que vocês estão precisando de uma nova estenógrafa. Eu sou
capacitada pra função. Fiz faculdade, sr. WHALEN. Tenho três anos de experiência
– as referências estão aqui – mas, eu não tenho tido sorte nestes últimos seis meses.
No meu último emprego – chegou a recessão – e tiveram que reduzir o pessoal de
vendas. Me deram uma carta de referência maravilhosa – está aqui – (Abre a bolsa
e derruba seu conteúdo no chão) Ai, meu Deus! Quebrei meus óculos!
DIRETOR: Quebrou é?
EVA: O senhor pode me contratar? – Por favor, estou muito nervosa, eu – se eu não
arranjar um emprego logo eu vou –
DIRETOR: O quê? Vai se jogar num precipício?
EVA: É, algo do tipo! (Sorri, desesperada)
DIRETOR: Bom, senhorita – hã –
EVA: Crane! Eva Crane!
DIRETOR: Se estiver mesmo pensando em suicídio, essa janela está a sua disposição.
Senhorita Crane, os grandes executivos estão interessados no seu potencial, não
nas suas desgraças pessoais!
EVA (Vira-se para sair): Entendo. Então eu –
DIRETOR: Espera um pouco.
EVA: Sim.
DIRETOR: Só tem um prerrequisito pra trabalhar aqui. O Jimmy vai te explicar.
EVA (Vira-se para JIM): Pois não.
JIM: Tem que ficar de boca fechada, exceto quando receber instruções específicas pra
falar!
DIRETOR: Acha que pode fazer isso?
EVA: Claro.
JIM: A balsa parte às sete e quarenta e cinco da manhã.
EVA: Obrigada... Sim, obrigada! (Vira-se e sai, cega de felicidade)
DIRETOR: O que achou dela, Jimmy, meu garoto? Bonitinha, não é?
JIM: Sim, senhor.
DIRETOR: Sim, senhor! Tonta demais, mas o corpo é de estremecer os muros dessa
cadeia! (Cai na gargalhada).
MARINHEIRO JACK: Onde? Porto Said!... E nenhum deles teria feito isso se tivesse
chance.
Auprès de ma blonde; Il fait bon, fait bon, fait bon! Auprès de ma blonde; qu’il fait bon
dormir! Sem chance de promoção, hein?? Sabia que já fui almirante da Marinha?
Je donnerai Versailles, Paris et Saint Denis...
(Apito no corredor e pés se arrastando: a porta se abre. JOE, BUTCH e RAINHA
entram)
SCHULTZ: Apagando as luzes em cinco minutos.
BUTCH: Ahh, veado, vai tocar esse apito no inferno. Pensa que sou otário pra fazer hora
extra?! Termina o trabalho ou volta depois da janta. A porra da máquina travou e
ele falou que a gente que quebrou. Vou quebrar é a cara dele. (Para RAINHA):
Que aconteceu hoje de manhã?
RAINHA: Tive uma dor horrível na nuca. Fiquei louca e apaguei. Acordei no hospital
com eles enfiando uma agulha no meu braço. Que que é quatro mais?
JOE: Putz! Isso significa...
BUTCH: Fecha a matraca!
RAINHA: É coisa ruim?
JOE: Que vizinhança a nossa, hein, Butch?! Um lunático e uma sifilítica!
RAINHA: Sífilis? (Apito: as luzes se apagam) Não! Não pode ser!
MARINHEIRO: Auprès de ma blonde; Il fait bon, fait bon, fait bon!; Auprès de ma
blonde...
SCHULTZ: Para com esse galinheiro aí dentro! A luz já apagou.
BUTCH: Porra, não vê que ele pirou?
JOE: É, tira ele daqui!
SCHULTZ: Ele tá fingindo.
MARINHEIRO: Je donnerai Versailles, Paris et Saint Denis...
SCHULTZ: Se você for de novo pra Klondike, Marinheiro, a passagem é só de ida!
BUTCH: Ele tá assim por causa da Klondike. Vocês fundiram a cabeça dele lá.
MARINHEIRO: La Tour d’Eiffel aussi!
SCHULTZ (Bate nas grades): Fecha o bico! Mais um piu e eu chamo a tropa armada!
RAINHA: Sr. Schultz!
SCHULTZ: Que?
RAINHA: Que que é quatro mais? (SCHULTZ ri e sai)
BUTCH: Vontade de agarrar esse filho da puta pela grade e quebrar a cabeça dele na
parede. Mas se eu apagar um guarda, nunca vou ter chance com o chefe.
RAINHA: Não deve ser sério senão iam me deixar no hospital. É só indigestão. Falei que
a comida estava estragada. Não caiu bem. Macarrão! Não aguento mais comer macarrão.
MARINHEIRO: Auprès de ma blonde; Il fait bon, fait bon, fait bon! Auprès de ma
blonde. qu’il fait bon dormir! (BUTCH dá um soco no Marinheiro)
JOE: Por que cê fez isso?
BUTCH: Quer arrumar problema com o esquadrão armado por causa dele? Schultz,
Schultz, o moleque desmaiou. Tem que levar pra enfermaria.
SCHULTZ: Vocês só me arrumam confusão. (Guardas entram) Leva ele pra enfermaria.
Amanhã a gente vê o que faz.
RAINHA: Schultz, que que é quatro mais? Schultz– (Schultz sai com os guardas
carregando o MARINHEIRO. Gorjeios de pássaros no corredor)
BUTCH: Quem é? O Allison?
JOE: É. É o Canário.
MARINHEIRO (Do corredor): “Auprès de ma blonde Il fait bon, fait bon, fait bon!
BUTCH: Ei, Canário! Allison! (Foco muda para cela de Allison)
JIM: Que é, Butch? (JIM Tirando a camisa e os sapatos)
BUTCH: Diz pro Chefe que os Anjos do Pavilhão C colocaram mais uma cruz preta no
nome dele por causa do Marinheiro Jack.
JIM: Vou dizer.
BUTCH: Diz que um dia a gente vai mandar uma comissão especial lá pra acertar as
contas com ele. – Tá me ouvindo, seu dedo-duro?
JIM: Ouvi.
BUTCH: Pensa nisso. -Esse porcaria era amigo meu de cela. Me arrependo das chances
que tive de rasgar a barriga dele e não rasguei!
JOE: Por que não rasgou?
BUTCH: Ele ainda não trabalhava pro chefe. Mas agora ele é o número três na Lista dos
Anjos. Em primeiro tá o Whalen, depois o Schultz e depois esse porcaria! Ouviu, seu
porcaria?
JIM: Ouvi, sim, Butch. (Enrola e acende um cigarro)
RAINHA: Allison! Ei! Jim! Que que é quatro mais?
JIM: Quem ganhou quatro mais?
RAINHA: Eu. Que isso, Jim?
JIM: Quer dizer que a sua saúde está quatro pontos acima de perfeita.
RAINHA (Aliviado): Ah. Esses cretinos aqui me deixaram num nervoso! (Roses of
Picardy)
BUTCH (Sobe no banco) – Estão ouvindo o Lorelei?
JOE: Olha lá as luzes dele, olha. Vermelho, branco, verde, amarelo!
BUTCH: Tá ouvindo a orquestra?
JOE: Que música é essa?
BUTCH: “Roses of Picardy!”
JOE: Essa é das antigas.
BUTCH: Fazia sucesso quando fui preso. Nossa, eu sempre tirava a Goldie pra dançar
quando tocavam essa música no Clube Princesa. Me prenderam na saída do clube. Bem
na catraca – seis gorilas me agarraram – seis – precisaram de seis – o camburão parado
na porta.
JOE: Outro dia você disse que eram quatro gorilas. Tá aumentando, Butch.
BUTCH: “Roses of Picardy”. Queria dançar essa música de novo. Com a Goldie.
JOE: Vai ver foi ela que te entregou.
BUTCH: Não. Não a Goldie. Aposto que ela ainda arrasta um bonde por mim.
JOE: Ih, Butch, agora que cê está preso, acho que o bonde dela agora faz outra linha!
RAINHA: Cadê meu estojo de manicure?
BUTCH: Será que a gente ainda presta com sessenta anos.
JOE: Como assim?
BUTCH: Com as mulheres.
JOE: Ah, depende da pessoa.
BUTCH: Eu vou tá bem ainda. Mas vinte anos é muito tempo pra esperar.
RAINHA: Alguém viu meu estojo de manicure?
BUTCH: Sabia que tem uma janela no escritório do diretor que dá pra baía?
JOE: Sei. É a Saída Expressa.
BUTCH: Dá pra matar dois coelhos com uma cajadada só. Apagar o chefe e fugir pela
janela. Mas não sei nadar nem cachorrinho.
RAINHA: Coloquei aqui ontem a noite. Butch, você não viu?
BUTCH: O quê?
RAINHA: Meu estojo de manicure.
BUTCH: Foi junto com o balde de merda.
RAINHA: Por que você fez isso?
BUTCH: Aquilo fedia queijo podre. -Que isso na cama do Marinheiro Jack?
JOE: Cartas da mãe dele. Ela veio de Wisconsin pra visita.
RAINHA: Só porque sou refinada, algumas pessoas me atormentam.
BUTCH: Alguém devia contar pra ela o que aconteceu com o Marinheiro.
JOE: Um dia ela descobre.
RAINHA: As pessoas me atormentam só porque sou sensível.
BUTCH: É, ela vai descobrir.
RAINHA: Às vezes eu preferia estar morta. Meu Deus! Eu preferia estar morta!
B: Desculpa, tomei a liberdade de ir entrando. Espero que não se importe. Sou a mãe
do Jack Bristol e queria conversar com o senhor sobre meu menino!
DIRETOR: Sente-se. Tenho pouco tempo.
B: Não tenho notícias do Jack. Até pouco tempo ele me escrevia uma vez por semana.
DIRETOR: Muitos rapazes relaxam com a correspondência.
B: Estou aflita, durante dois anos ele me escrevia toda semana, agora parou de
escrever.
DIRETOR: Jim!
JIM: Sim, senhor?
DIRETOR: Pega a ficha do Bristol.
B: Muito obrigada, vim de tão longe, de Wisconsin. A última carta dele é estranha.
Não parece o Jack. Ele foi transferido pra outra prisão? Ele reclamou de um lugar muito
quente chamado Klondike. A letra dele nunca foi boa, mas na última carta estava um
garrancho. Acho que estava com febre. Ele é muito vulnerável a resfriado nessa época do
ano. Trouxe esse cobertor de lã pra ele. Sei que é difícil fazer exceção numa instituição
assim, mas no caso do Jack tem muitas considerações... me arrependo quando olho pra
coisas que fiz, erros que cometi.
DIRETOR: É. Todos nós cometemos erros.
SRA B.: Erros tão graves, Sr. Whalen. Nossa casa não era feliz. O pai do Jack era
ministro metodista e os jovens não aceitavam seus conceitos...
DIRETOR (Sorrindo cínico): Filho de pastor?
B: Sim! Mas houve um desentendimento na congregação e ele foi forçado a se aposentar.
DIRETOR (Impaciente): Olha, estou muito ocupado, eu... (para o JIM): Achou a ficha?
JIM (Embromando): Ainda não.
B: Meu marido era tão intransigente, até mesmo com o coitado do Jack. Por isso ele
saiu de casa. Contra minha vontade, mas ... (Abre a bolsa e exibe um maço de cartas) Ah,
ele escreveu cartas maravilhosas! Se o senhor lesse, ia ver que ele é um menino
excepcional. Porto Said, Marseilles, Cairo, Shangai, Bombaim! Ele sempre escrevia:
“Mãe, é tão grande, tão grande”. Acho que ele tentou guardar tudo aquilo no coração e
não coube, seu coração explodiu! Olha esses envelopes! Tem fotos também! Elefantes na
Índia. Lá eles usam elefantes como cavalos de carga. Os junkets chineses têm velas
quadradas. Diz que parecem libélulas em cima da água. A baía de Rangon. Aqui é onde o
sol se levanta como trovão, ele escreveu no verso dessa daqui! Eu sempre escrevia pra
ele: “Jack, essa vida não tem futuro. Um marinheiro sempre vai ser um marinheiro. Sai
dessa vida, filho. Entra no Serviço Público!”. Ele me respondeu: “Noite passada fiquei de
guarda. Aqui dá pra ver mais estrelas do que no norte. O Cruzeiro do Sul está bem em
cima de mim agora, mas logo vai sumir – porque nosso curso está mudando”. Depois eu
parei de me opor. Ele amava tanto essa vida que isso só podia lhe fazer bem. Sr. Whalen,
não foi culpa dele, eu sei que não foi – se eu pudesse convencer o senhor disso!
DIRETOR: Não adianta, madame! A senhora pode falar até com o papa. Ele teve a
chance dele.
B: Mas no caso do Jack -!
DIRETOR: Eu sei, eu sei. Já ouvi tudo isso antes. Jim, encontrou a ficha?
JIM: Melhor o senhor mesmo olhar.
DIRETOR: Leia, leia! Por acaso isto é uma assistência social?
B: Se aconteceu alguma coisa, eu quero saber.
JIM: “Jack Bristol. Roubo. Condenado a três anos.” Negligente no trabalho. Passou três
dias na Klondike.
DIRETOR (Ríspido): Isso está na ficha?
JIM: Não, mas eu quis explicar pra esta senhora o que aconteceu.
B: O que aconteceu?
JIM: Olha, madame –
DIRETOR (Seco): Leia só o que está na ficha!
JIM: “Examinado pela comissão de insanidade em maio, transferido pra ala de
psicopatia. Violento. Alucinações. Prognóstico – Demência Precoce” –
B: Maio??? Três meses atrás. Por isso ele parou de escrever. Esse não é meu filho!
Ah, Jack.
DIRETOR: Um momento – Sei como a senhora se sente. Sou solidário a todas as
mulheres que vêm aqui, mas esta é uma instituição penal e não posso perder tempo com
essas coisas.
B: Meu filho, Jack,! Não pode ser! Tudo menos isso! Diga que ele está morto, que
vocês o mataram! Mas não me diga isso. Eu sei. Eu sei como é aí dentro. Ele me contou.
A comida não é boa. Eu tentei mandar comida – ele não recebeu nada – até isso vocês
tiraram dele. Esse lugar pra onde vocês o mandaram durante três dias. Klondike. Eu sei –
vocês o torturaram lá, fizeram isso, torturaram meu filho até ele ficar – louco? É isso? –
Ah, meu amado Jesus, meu Deus!
DIRETOR: Põe essa mulher pra fora! (JIM a retira) Merda! (Acende um charuto e pega
a ficha)
OLLIE: Senhor, protetor e preservador de todos, protege este negro. Protege esposa de
negro, Susie, e seis fios de negro, Raquel, Rebeca, Salomão, Moisés, Eclesiastes e
Deuteronômio Jackson. Cuida deles enquanto eu tô na prisão. E afasta tempo frio mó de
que Susie vai ter outro nenê, Senhor, e ela não pode buscar lenha pra queimar. Que Deus
bençoe minha mãe e meu pai e o Presidente Roosevelt e o Ministério do Trabalho em
nome de Jesus Cristo – Amém.
BUTCH: (Sorrindo) Ollie, melhor rezar pra diminuírem a pena do Canário!
OLLIE: Não custa nada.
BUTCH: Não vai adiantar.
OLLIE: O Senhor se lembra de quem se lembra Dele.
BUTCH: Conversa! (OLLIE desanimado. Assobios e gorjeios no corredor)
JIM (Jim entra): Que foi, Ollie?
OLLIE: BUTCH falou que Deus não existe.
JIM: Como ele sabe?
OLLIE: É o que eu perguntei. (JIM tira a camisa e esfrega o suor do rosto e do peito,
depois atira num canto. Pega uma revista de mulheres nuas e se abana)
OLLIE: Você acha que existe, né, Jim?
JIM: Alguém lá em cima? – Não sei. Acho que sou agnóstico.
OLLIE: Quer dizer Piscopal?
JIM: É. Esfregue minhas costas, Ollie. Estou cansado.
OLLIE: Tudo bem. Com unguento ou banha de porco?
JIM: Unguento.
BUTCH: Já começou a ver o diabinho, Canário?
JIM: (OLLIE começa a esfregar o ungüento nas costas de JIM) Deus, como queima
gostoso.
BUTCH: O diabinho azul é o primeiro sintoma.
JIM: Refresca.
BUTCH: Ele rasteja pelas grades e senta no pé da cama e faz caretas pra você.
JIM: Esfrega mais forte no ombro esquerdo.
BUTCH: Melhor começar dormir com um olho aberto, Canário. Você consegue?
JIM: Nunca tentei, Butch. Ah, assim tá bom.
BUTCH: Então tenta e não vacila, senão ele entra pela sua boca e torce sua moela! (Ri)
OLLIE: Não dá ouvido pra ele não.
JIM: Não. Uma parede separa a gente.
BUTCH: Pode crer. Senão ia voar pena amarela desse canário pelo Pavilhão C inteiro.
JIM: Todo mundo vive cercado por uma parede dessa, aqui dentro e lá fora, Ollie.
OLLIE: Lá fora? Não!
JIM: Tô falando. Todo mundo vive dentro de uma gaiola. A pessoa só escapa da gaiola
quando morre. Aí as paredes quebram e a pessoa não está mais sozinha... (BUTCH ri,
cutuca JOE e aponta para a cela de JIM. Ambos riem) Aí a pessoa faz parte de algo
maior que ela mesma.
OLLIE: Maior? O que?
JIM (Solta um anel de fumaça e trespassa com o dedo): O Universo! (BUTCH ri)
JIM (Ignora o riso): Mas, nem sempre a pessoa precisa morrer pra sair da gaiola.
OLLIE: Ele tem que pular pra fora?
JIM: Não. A pessoa pode usar a cabeça de duas maneiras. Pode criar uma parede pra se
proteger do mundo ou uma porta enorme pra sair. Emancipação intelectual!
OLLIE: Hã? (BUTCH assovia) Que isso?
JIM: Umas palavras que encontrei num livro.
OLLIE: Parece importante.
JIM: E é. O mundo depende delas. Eles podem controlar o que a gente lê, fala, faz... Mas
não o que a gente pensa! Enquanto um homem for livre pra pensar, ele nunca estará
preso. Ele pode pensar que escapou das paredes e construir seu lugar no mundo. É uma
sensação incrível, Ollie, quando se consegue isso. É como estar sozinho no topo de uma
montanha à noite, com as estrelas em volta. Mas você não está sozinho, você está
conectado com o mundo. Aí você tem uma nova ideia de Deus. Não o Papai Noel que
traz os presentes pela chaminé...
OLLIE: Não?
JIM: Não. Mas algo grande e terrível como a noite, e macio quanto uma mulher.
Entendeu, né?
BUTCH: Entendi... é como um... sentimento com aroma de unguento! (BUTCH e JOE
riem)
JIM: Vocês não entendem o que estou falando.
OLLIE (Pensativo): Eu entendo. Pensar é que nem rezar, só que quando você reza, você
sente que tem alguém do outro lado da linha...
JIM (Sorrindo): Sim. (Luz apaga na cela de JIM e acende na de BUTCH)
RAINHA: Cala a boca, vocês. Eu tô com ânsia. Preciso dormir. (Luz brilha pela janela)
JOE: Que luz é essa?
BUTCH (Na janela): Outro barco cheio daqueles dançarinos esquisitos. Estão jogando
luz na gente. (Pra janela) Estão pensando que aqui é zoológico? Vão pro inferno, seus
filhos da puta...
SHULTZ (Bate o cassetete nas barras): As luzes já apagaram.
BUTCH: Um dia vou apagar as luzes desse filho da puta.
JOE (Retorce-se na cama): Aaaaaai!
BUTCH: Dor de barriga?
JOE: Daquelas almôndegas podres. Vou parar de comer se eles não melhorarem a
comida.
BUTCH (Reflete): Vai parar, hem? ... Não é que você tem razão!
JOE: Aaaaai... Cristo! (Dobra os joelhos até o queixo)
BUTCH: Já ouviu falar em greve de fome, Joe?
JOE: Hã.
BUTCH: Ás vezes funciona. Sai no jornal. Começam a investigar. E aí eles melhoram a
comida.
JOE: Aiiiiiiiiiii! A gente vai parar na... hã! ... Klondike!
BUTCH: Não cabe três mil e quinhentos homens na Klondike.
JOE: Não, mas o Pavilhão C vai ser o primeiro por causa da nossa reputação.
BUTCH: A gente sobrevive na Klondike.
JOE: Você fala demais às vezes. Já esteve na Klondike?
BUTCH: Já. Uma vez.
JOE: E como é?
BUTCH: A rebarba do inferno.
RAINHA: O que você tá falando da Klondike, Butch?
JOE: Nada. Ele tá falando dormindo.
RAINHA: Sonhei com a Klondike uma noite dessas.
JOE: É?
RAINHA: Claro. Foi naquela noite que eu acordei gritando. Lembra?
JOE: Claro. Eu lembro.Uuu! Aiiiii! Aiiii! Jesus! (Apertando o estômago)
JOE: Comeu?
BUTCH: Aquela gororoba? Não. Tenho ânsia só de olhar.
JOE: Macarrão quatro vezes por semana!
BUTCH: Já trabalhei numa fábrica de macarrão.
RAINHA: Sério? É legal?
BUTCH: Uma vez as máquinas emperraram e o lugar ficou cheio de macarrão, no chão,
nas paredes, no teto, nas janelas, bloqueando as portas, uma enorme massa sufocante de
macarrão.
RAINHA: Ah que horror!
BUTCH: Perguntei pro supervisor como íamos sair com macarrão brotando de tudo
quanto é lugar. Ele Ele me entregou uma faca e um garfo e disse: “Só tem um jeito. Você
vai ter que COMER pra abrir uma saída!”
RAINHA: Oh, pelo amor das petúnias!
SCHULTZ: Essa é sua alcova, meu jovem.
SWIFTY: Aqui?
SCHULTZ: É. Aqui. (Empurra-o com violência para dentro)
SWIFTY: Por que ele fez isso? Me empurrou! Eu já estava entrando, não estava?
JOE: Claro que tava. Ele quis dar uma ajudinha.
SWIFTY: Não gosto que me empurra assim.
JOE: Eu se fosse você reclamava pro governador.
SWIFTY (Olha ao redor): Mandei uma apelação pro governador.
JOE: Mandou, é?
SWIFTY: Mandei. Meu julgamento não foi justo. Fui jogado aqui. Meu advogado que
disse... -ei, todo mundo fica junto aqui desse jeito? Jesus, é muito pequeno!
JOE: Que que seu advogado disse?
SWIFTY: Que é aquilo? Uma barata? Ah meu Deus... não gosto de ficar engaiolado!
JOE: Que seu advogado disse?
SWIFTY: Pra esperar. Ele vai me tirar daqui em duas semanas, um mês no máximo.
JOE: Um mês no máximo! Que acha, Butch?
BUTCH: Na minha terra isso se chama conversa pra boi dormir! (Levanta) Essa é sua
cama, novato. Sobe lá e escuta o que vou te dizer. - Vai!
SWIFTY: Não empurra!
BUTCH: Hã?
SWIFTY: Já disse que não gosto que me empurrem!
BUTCH (Mostra os punhos): Está vendo isso?! Agora sobe lá e presta atenção no que
vou falar.
SWIFTY: Por que tenho que te obedecer? Você não trabalha aqui.
BUTCH: Não?
SWIFTY: Não!
BUTCH: Escuta, parceiro. Na Espanha, é Mussolini.
JOE: Na Itália.
BUTCH: Onde tiver carcamano é Mussolini! E na Alemanha é aquele macaco de bigode
falso! Mas aqui é o Butch O´Fallon! E Butch O’Fallon sou eu! Então, agora que fomos
devidamente apresentados, eu gostaria de repetir meu convite educado pra você tirar a
bunda da minha cama e subir pra sua! (BUTCH levanta SWIFTY pelo colarinho até seu
beliche) Qual seu nome?
SWIFTY: Jeremy Trout.
BUTCH: Primeira vez?
SWIFTY: É. E daí?
BUTCH: Qual tua pena?
SWIFTY: Condenado por – roubar – dinheiro.
BUTCH: De onde?
SWIFTY: De uma loja. Eu era o caixa. Mas não roubei. Uns balconistas armaram pra
mim.
BUTCH: Acredito. Você não tem cara de quem tem coragem de roubar. Quanto você
pegou?
SWIFTY: Eu? Nada. Já disse.
BUTCH: Estou falando da pena. Quanto tempo?
SWIFTY: O juiz me deu cinco anos. Mas meu advogado disse –
BUTCH: Você vai ficar cinco anos.
SWIFTY: Aqui dentro? Fechado aqui dentro tanto tempo eu vou ficar doido!
BUTCH: Sim, doido de pedra.
SWIFTY: Eu – eu estou passando mal. O ar aqui dentro não é bom.
BUTCH: Não?
SWIFTY: Esse lugar fede. Está me dando ânsia.
BUTCH: Deve ser o balde de merda.
SWIFTY: Não!
BUTCH: Não foi esvaziado ainda. Esse é o seu trabalho. O novato sempre esvazia.
SWIFTY: Não – (Afunda na cama) Cinco anos? Não vou aguentar ficar trancafiado tanto
tempo. Preciso de espaço. Fico agitado. Eu não gostava de trabalhar na loja. Ficava atrás
do balcão o dia inteiro, me sentia amarrado lá. – No colegial eu era atleta.
BUTCH: Atleta, hein?
RAINHA: Ah, eu sabia. Logo vi pelo físico.
SWIFTY: É. Mantive o recorde estadual dos 200 metros durante três anos.
BUTCH: Olha só.
SWIFTY: Gosto de movimento, não gosto de nada parado. Isso não é normal, é um tipo
de obsessão. Gosto de vencer distâncias. Vejo uma pista reta e quero chegar no outro
lado em primeiro lugar. Nasci pra isso – pra correr – olha minhas pernas!
RAINHA: Lindas, hein?
SWIFTY: De tanto treinar. Se eu não estivesse preso, agora estava indo pras Olimpíadas.
Ainda tenho uma chance nas eliminatórias de Nova York se meu advogado me tirar daqui
antes do dia quinze. (Flexiona as pernas) Se me deixarem correr pelo pátio – antes do
café da manhã ou da janta, eu posso manter a forma.
RAINHA: Meu Deus, parece um cavalo selvagem.
JOE: Ele vai ficar que nem o Marinheiro Jack.
BUTCH: Fica quieto! – Cara, eu num sô sentimental – mas tô com pena de você.
SWIFTY: Por quê? Acha que não vão deixar?
BUTCH: Não.
SWIFTY: Por que não?
BUTCH: Porque você é presidiário.
SWIFTY: Mas presidiário é gente. Tem que ser tratado como gente.
BUTCH: Presidiário não é gente. Presidiário é presidiário. (Luz em BUTCH) O cara está
preso e ninguém mais lembra dele. O que acontece aqui – as pessoas não ficam sabendo
lá fora, não estão nem aí. Ele está por conta do estado. E o estado é uma bosta. Entrega o
cara prum Diretor e seus guardas. Quem são esses caras? Caras que gostam de mandar.
Eles podiam ser motoristas de caminhão, garis ou palhaços de circo. Mas não querem.
Por que? Porque eles têm um instinto natural pra descer a borracha! Eles gostam de
torturar, fazer linguiça de carne humana! Aí eles viram guardas. E se acham deuses. Mas
não passam de ratos. Pra mim, guarda é um rato que pensa que é DEUS! – Não esquece
disso. Porque, meu filho, você num tá mais no ginasial. Não tá mais na loja de
departamento, nem nas Olimpíadas. Essa é a primeira regra. A segunda é ficar longe de
dedo-duro. Ei, Canário! Não chegou ainda, mas tem um passarinho na cela do lado que às
vezes canta bonito pro Chefe. Então, não fica amigo dele. Dá um cigarro pra ele, Joe.
JOE: Toma, Olimpíadas.
BUTCH: Tá com fome?
SWIFTY: Não.
BUTCH: Ótimo. Porque a gente vai parar de comer.
RAINHA: Parar de comer?
BUTCH: É. Fiquei pensando na nossa conversa de ontem de noite, Joe, e gostei da idéia.
JOE: Eu tô pensando ainda.
BUTCH: Quem pensa não casa. Quando falo greve de fome, vai ter greve de fome.
Rainha, me ajuda a tirar o sapato. Isso. Toma, pendure minha camisa. Joe –
JOE: Que foi?
BUTCH: Dobra minha calça direitinho e coloca na cadeira. – Boa noite, lua.
JOE: Você tá ficando igual o Marinheiro Jack, cumprimentando a lua!
BUTCH: Ela tá grande e amarela hoje. Eu e Deus temos algo em comum, Joe.
JOE: É, o quê?
BUTCH: Um fraco pelas loiras!
Episódio 8 - Explosão!
Cela. Tensão aumenta. BUTCH impaciente. Os outros sentados nos beliches, calados.
BUTCH: (Gorjeio no corredor) O canário está voltando. (Assovio) E aí, Canário. Voando
lá no topo da montanha com as estrelas? (Ele e JOE riem)
OLLIE (Da cela próxima): Não liga pra ele, Jim.
JIM: Não estou nem aí. Preciso te falar uma coisa.
BUTCH: Você fala muito, esse é o seu problema. Se tem alguma coisa pra falar, entra
aqui.
JIM: Lembro bem da última vez que entrei numa gaiola com você, Butch.
BUTCH: Que bom que causei uma boa impressão.
JIM: Vai sair?
BUTCH: Não. Você vai entrar?
JIM: Vou. Quando apagarem as luzes.
RAINHA: Melhor não, querido. Butch tem uma navalha.
JIM: É, e eu sei que ela corta bem.
BUTCH: Então porque não desembucha logo?
JIM: Nunca entreguei ninguém de propósito, Butch. (Apito. Luzes caem) Ok, vou entrar
agora. (Destranca a cela e entra)
RAINHA: Fica calmo, Butch -
JOE: Cuidado. Não vale a pena morrer por causa dele.
BUTCH: Olha, Canário, meu respeito por você aumentou duzentos por cento. Nunca
pensei que você ia ter coragem de entrar aqui.
JIM: É como eu tava dizendo pro Ollie ontem à noite. A gente está cercado por paredes,
Butch, e não consegue ver direito. Por isso a gente erra ao julgar os outros. Quer um
cigarro?
BUTCH: Não. Diz logo o que tem pra dizer e vaza. Não quero perder o controle.
JIM: Sei o que vocês estão tramando.
BUTCH: O quê?
JIM: Greve de fome.
BUTCH: E daí?
JIM: Não vai dar certo. Vou sair de condicional mês que vem.
BUTCH (Levanta-se): Vai, né? Tô sabendo.
JIM: Tenho uma chance. Se conseguir, vou justificar minha reputação de vocalista,
Butch. Vou cantar tão alto e tão agudo que o eco vai derrubar essas paredes! Sei de toda a
corrupção daqui, intimidação de empregados e tortura de detentos; a Solitária, a tortura
com jato de água, a camisa de força - a Klondike! Sei da comida - ou melhor, lavagem,
que a gente come! Espera só um mês! Quando eu sair, Whalen vai ganhar o dele!
Prometo que as coisas vão mudar aqui. Olha, trouxe uma matéria sobre o Reformatório
Industrial!
BUTCH (Empurra o jornal): Não quero matéria porra nenhuma! Allison, você só fala
merda.
JOE: Pega leve, Butch. (Para JIM) JIM, então a greve de fome não é uma boa?
JIM: Não vai adiantar. O Chefe vai jogar todo mundo na Klondike. Cooperem comigo e a
gente fecha essa cadeia.
BUTCH: Vai se foder!
JIM: Sem chance, então? E você, Joe? Swifty?
BUTCH: Eles fazem o que eu mando! Agora vaza antes de eu perder a paciência!
JIM: Ok. (Sai)
JOE: Talvez fosse papo reto.
BUTCH: Ele vai ter papo reto embaixo da terra. Levanta, Olimpíadas! Tá na hora da
janta!
SWIFTY: (Rosto enfiado no travesseiro) Me deixa. Estou com ânsia. Não estou com
fome.
BUTCH: A gente precisa de você. Vamos tocar o terror se a janta for aquela gororoba.
JOE: Tocar terror?
BUTCH: É, terror geral! (Sino no corredor) Vamos lá, pessoal! Tão tocando os sinos do
inferno! Vamos lá, rapazes! Se não a gororoba esfria! Bisteca pra janta! Com molho de
champignon! Vamos comer! (Apito e luzes caem. Tema musical: Abertura 1812)
(BUTCH na cela)
BUTCH: O Ollie morreu. MATARAM O OLLIE! (Grita)
CORO: O Ollie morreu! Eles mataram o Ollie!
JOE: Que vamos fazer?
BUTCH: Parar de comer! (Grita entre as grades) PAREM DE COMER.
CORO: Parem de comer! Parem de comer!
SUSSURROS: O que o Butch tá falando? – Pra gente parar de comer. – Greve de fome?
– É, greve de fome! – O Butch tá dizendo pra gente fazer GREVE DE FOME! – Greve
de fome. – Não comam. – Não comam. – GREVE DE FOME!
VOZ: Os homens do Pavilhão C pararam de comer!
SEGUNDA VOZ: Greve de fome no Pavilhão C!
VENDEDOR DE JORNAIS: Estrela da Manhã! Jornal! Tudo sobre a greve de fome!
VOZ FEMININA: Uns detentos da prisão estadual iniciaram uma greve de fome!
VOZ: Boletim da Associated Press – Greve de fome na Penitenciária! Os detentos se
rebelaram contra o cardápio repetitivo!
VOZ: United Press!
VOZ: Columbia Broadcasting System!
VOZ: Autoridades prometem investigar suposta greve de fome na penitenciária estadual!
VOZ: Diretor desmente greve de fome!
VOZ: Confirmada greve de fome!
VOZ: Desmentida a greve de fome!
VOZ: Greve de fome! GREVE DE FOME! (Ruídos de tráfego, sirenes, sinos. Reprise do
tema musical: “Abertura 1812”)
SEGUNDO ATO
Episódio 1 - “Não Será Sobre Rouxinóis”
Escritório. A greve dura vários dias e gerou uma atmosfera tensa, elétrica. Todos
aguardam a inevitável explosão. EVA sentada, sozinha, nervosa, ao telefone.
EVA: Estrela da Manhã? Não, o Sr. Whalen não pode atender agora. Não, não existe
nenhum problema grave. Não, vocês não podem entrar na ilha sem uma permissão
especial do Sr. Whalen. A regra está em vigor há seis dias. Não tem nenhuma greve de
fome! Sim, até logo.
DIRETOR: Desculpa avisar tão em cima, mas preciso que o senhor fale com os detentos.
REVERENDO: Sou um servo consciencioso de Deus sempre disposto a ajudar.
DIRETOR: O último capelão era muito enxerido e eu tive que demitir o sujeito! Ele
cometeu um erro fatal, reverendo, esqueceu quem estava no comando.
REVERENDO: Não creio que cometerei o mesmo erro, Sr. Whalen.
DIRETOR: Não, nem eu. A primeira vez que te vi eu já soube que você é um homem
maleável.
REVERENDO: Eu me orgulho de ser... maleável!
DIRETOR: Ótimo. Maleabilidade é fundamental aqui. (Olha o relógio) A igreja vai abrir
em cinco minutos. O senhor é bom em improvisar discursos?
REVERENDO: Ah, sim! Nunca me faltaram palavras em nenhuma ocasião, Sr. Whalen.
DIRETOR: Seu emprego depende disso. Não tenho tempo pros detalhes, reverendo, mas
quero que toque em três tópicos. Não importa como, só quero que dê a devida ênfase a
eles!
REVERENDO: Três tópicos!
DIRETOR: Sim, senhor! Anote aí. Comida!
REVERENDO: Comida?
DIRETOR: Esse é o primeiro. Depois, calor!
REVERENDO: Calor?
DIRETOR: Isso. E depois, Klondike! (Um sino bate) O sinal. Estou dois minutos
atrasado. Lembre-se: comida, calor e Klondike!
REVERENDO: O último, Klondike!? O trabalho missionário no norte? Entre os
esquimós? Difícil de entender essa associação de idéias - porém - (Foco no
REVERENDO HOOKER)
REVERENDO: Sim - hã - boa noite a todos. (Limpa a garganta; depois, grande sorriso
para os presos) Espero que tenham apreciado seu jantar tanto quanto eu -
VOZ: Carne moída e macarrão! (Vaias. Apito, silêncio)
REVERENDO: Comida é uma bênção tão familiar que às vezes nos esquecemos de
agradecer por ela. Mas quando leio sobre as regiões do mundo afetadas pela fome – tsc,
tsc – vejo que tenho sorte por ter o que comer! (Vaias, apito) Quando alguém pensa em
comida - também se pensa numa associação natural de idéias – sobre - a maravilhosa
bênção do - calor! Calor – pra cozinhar a comida - maravilhoso calor! O calor do sol que
aquece a atmosfera da Terra e permite o crescimento dos vegetais e dos grãos e das -
frutas - o calor do - corpo - hã - (Enxuga a testa) calor, calor universal - Nesta época do
ano alguns acham o calor opressivo - hã - mas é muita ingratidão da nossa parte, - (Lento
bater de pés. Reverendo eleva sua voz) Toda matéria viva depende de calor - do norte ao
sul do equador e nos pólos - e mesmo no distante Alasca - mesmo em Klondike - ( Bater
de pés mais alto) O que seria de Klondike sem o calor? Uma terra gelada! (Olha nervoso
em volta) Em Klondike nossos bravos missionários, arriscam suas vidas entre tribos
selvagens de guerra - índios pintados - (Alguém atira um livro de música. Bater de pés)
Deus do céu – Como eu estava dizendo – em Klondike! (Livro de música é atirado,
apito, gritos, sirene. ESCURO. Jazz debochado. REVERENDO no escritório leva um
lenço à testa)
REVERENDO: Ai, tende piedade de nós!
DIRETOR: Caramba, Reverendo, te dou minha palavra, reverendo, que eu não esperava
uma reação dessa! Foi uma surpresa pra mim!
REVERENDO: Ahhhh! Acho que vou precisar de cuidados médicos.
DIRETOR: É, bom, quero que aceite esta nota de cinco, reverendo.
REVERENDO: E o choque nervoso?! Minha nossa!
DIRETOR: Hein? Bom –
REVERENDO: Terrível, terrível! Uma experiência chocante!
DIRETOR: Tome mais dois dólares. (Tema musical: jazz)
TERCEIRO ATO
Episódio 1 - “Manhã do dia 15 de agosto!”
Nos próximos episódios, quase constantemente ouve-se o suave silvo de vapor sob
pressão, saindo dos radiadores...
DIRETOR: Schultz? Como está a temperatura lá embaixo? 52? Qual o problema? Sobe
pra 54! O Butch O’Fallon está no nº 3? Ok, põe 57 lá e não diminui até segunda ordem.
Fechou as janelas do corredor? Bom. Fecha tudo e deixa eles gritarem até botarem os
bofes pra fora! (Luz na Klondike. Efeito de vapor na atmosfera. Os homens estão
esparramados no chão, respirando pesadamente, sem camisas. As paredes são nuas e
têm um brilho úmido. Radiadores emitem nuvens sibilantes de vapor)
JOE (Tossindo): Que horas são?
BUTCH: Eu que vou saber!
SWIFTY (Lamuriando): Água... água.
JOE: Será que a gente está aqui a noite inteira?
BUTCH: Claro que sim. Tô vendo a luz do dia pelo buraco.
JOE: Quanto tempo você ficou da outra vez?
BUTCH: Trinta e seis horas.
JOE: Cristo!
BUTCH: É. E a gente completou só umas oito.
SWIFTY: Água!
RAINHA: O Olimpíadas está com ânsia, eu também. Por que ninguém vem aqui?
BUTCH: Ei, não fica todo mundo aí deitado esperando a morte. Vamos animar essa
festa! Vamos cantar! Rainha, você sabe umas músicas boas, você tem voz! Vamos, seus
filhos da puta! Vamos animar! Vamos cantar! (Ele canta selvagemente)
Pack up your troubles in yuhr ole kit bag and (Os outros juntam-se a ele, com voz
debil..)
Canta alto! Cacete, canta bem alto!
What’s the use of worrying? It never was worthwhile!
SWIFTY (grito alto): Água! Água! Água! (. Assovio estridente dos radiadores)
RAINHA (Misto de horror e fúria): Estão aumentando o calor! Oh, meu Deus, por que
eles não param? Por que eles não deixam a gente sair? Oh, Jesus, por favor, por favor!
SWIFTY (Fraco): Água - água...
BUTCH: É. Claro que tão aumentando o calor. Cê não vê que estamos na Klondike?
Seus maricas. Querem ficar a vida toda chupando chupeta? Vamos, gente, canta aí -
I`m forever blowing BUBBLES! Pretty bubbles in the – AIR!
RAINHA: Estou acostumada a sofrer. Isto não é nada de novo. Gente como eu sempre
sofreu perseguição, miséria, fome, morte.
SWIFTY: Água.
RAINHA: Minha cabeça está cheia, cheia. Dói aqui. Minhas unhas vão derreter
JOE (Tossindo): Deixa eu ficar no buraco de ar.
RAINHA: Você tá pegando todo ele!
JOE: Cê não vê que eu to morrendo sufocado? (O vapor assovia mais alto)
BUTCH: Para de brigar pelo buraco de ar. A gente tem que revezar. Faz umas dezesseis
horas que tamos aqui. Pode ser que a gente fique mais umas dez, vinte, trinta.
JOE: Cristo!
RAINHA: A gente não vai conseguir!
BUTCH: Se a gente se organizar, consegue. Abaixa. Cada um vai ter a sua vez. Quinze
segundos. Eu conto. E quando um cara não aguentar – e empacotar –- a gente empurra
ele pra fora da fila - isso aqui é a Klondike... e por Deus do céu - alguns vão vencer, não
é? Não é, Joe?
JOE: É.
BUTCH: Bom, vamos começar então.
SWIFTY: Água!
BUTCH: Coloca o garoto aqui primeiro. (Empurram o corpo de SWIFTY pro buraco de
ar) Respira! Respira! Respira, seu desgraçado, respira! (Levanta SWIFTY pelo
colarinho) Não, não adianta, já era. Agora ele só vai correr entre as estrelas!
RAINHA: Ele não está morto! Ainda não! Ele está inconsciente, Butch! Dá uma chance
pra ele!
BUTCH: Tira ele da fila. Vem – Joe – (Os aquecedores assoviam mais alto)
BUTCH: Tão esquentando mais! Fica abaixado! Fica abaixado! Joe! Eu trouxe minha
navalha.
JOE: Belo jeito de escapar.
BUTCH: Quem sabe o Chefe desce aqui pra olhar a gente.
JOE (Tossindo): Não, ele não vai.
BUTCH: Quem sabe o Schultz em. Ou o Canário. Que nada, ele é covarde demais pra
botar a cara aqui! Mas se vier – (Apito) Escutou isso? É o sinal pra fechar! Já fizemos
vinte e quatro horas, Joe. A gente só tem mais vinte pra terminar!
JOE: Como sabe quanto tempo vai ser?
BUTCH: Eles não vão querer matar a gente!
JOE: Por que não? (Ele tosse)—É a sua vez, Butch.
BUTCH: É, sai daí, Rainha!
RAINHA: Não! Me deixe respirar. (BUTCH arranca RAINHA do buraco de ar.
RAINHA levanta trôpega) Eu tenho que sair daqui! Me deixa sair, me deixar sair!
(Esmurra a parede, cambaleia na direção dos radiadores)
BUTCH: Fica longe dos radiadores! (RAINHA cambaleia para dentro da nuvem de
vapor – grita – cai no chão) Ele se jogou nos radiadores, caralho. (RAINHA grita e
soluça) Para com isso! Seu desgraçado – (Agarra o pescoço de RAINHA e bate sua
cabeça no chão) Pronto!
JOE: Butch – você matou ele. (ofegantes, agachados perto do buraco de ar) Butch –
BUTCH: Fala.
JOE: Me mata com a navalha! Rápido! Eu quero acabar com isto!
BUTCH: Aguenta, Joe. Você consegue.
JOE: Não, eu não consigo, Butch. Eu estou morrendo sufocado. Não aguento mais.
BUTCH: Respira.
JOE: Não tem mais ar entrando, BUTCH.
BUTCH: Tem ar – respira, Joe.
JOE: Não... (BUTCH levanta o rosto e sacode JOE)
BUTCH: Seu desgraçado, não brinca assim! Fica comigo, Joe! Nós podemos derrotar a
Klondike! (JOE ri, em delírio. BUTCH continua a falar e se levanta) Desliga esses
malditos aquecedores!! Você aí, seu desgraçado, desliga o calor!! (Cambaleia na direção
dos radiadores) Para com isso, está me ouvindo? Para com esse SHSHSH! SHSHSH! Eu
vou desligar vocês, seus filhos da puta! (Pula sobre os aquecedores e luta com eles como
se fossem um adversário humano – tenta controlar o vapor com as mãos – fica
escaldado – grita, agoniado) SHSHSH! SHSHSH! SHSHSH!
JOE: Porra, Butch, Você ficou maluco? (BUTCH cambaleia de volta à passagem de ar)
BUTCH: Joe! Ei, Joe! Swifty! Você aí, Rainha!! (Puxa um dos corpos) Vamos cantar!
Vamos cantar juntos alguma coisa! Vamos cantar alto! Alto!
For-tune`s always hid-ing!
Por que vocês não cantam alguma coisa, seus desgraçados! Vamos lá – cantem! Cantem!
I looked ev´rywhere -!
(As luzes caem enquanto a música completa os versos finais de “Bubbles”)
ALTO FALANTE: Ah, Já dá pra ver a ilha mesmo coberta de névoa. Olhem as pedras
grandes, senhoras e senhores. Vocês enxergariam melhor se houvesse lua. Aquelas
paredes são à prova de dinamite, à prova de fugas - Três mil e quinhentos homens
trancados lá dentro - alguns deles vão ficar aí até o dia do juízo final – (Música) – Ah, lá
está a orquestra! Dança no deck superior, senhoras e senhores, vamos dançar – vamos
dançar...