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Não Será Sobre Rouxinois

Tennessee Williams
Adaptação Augusto Cesar

AUTOFALANTE: Senhoras e senhores, bem vindos ao barco de excursão Lorelei com o


passeio pelo Parque Estadual. Saída às 8 da manhã e retorno à meia noite. Visita guiada,
baile, diversão com Lorelei Lou e suas oito Lorelights! Estamos zarpando agora, pessoal.
Vejam que horizonte magnífico nessa linda manhã. Ainda está um pouco nublado no
topo das torres do centro. Estão ouvindo aqueles sinos? É a Catedral de St. Patrick. Os
sinos mais lindos dos Estados Unidos. São oito horas em ponto. Que dia lindo, está
fresco ainda. Como é bom estar viva, hein, madame?! Olha lá. Já dá pra ver a ilha mesmo
coberta de névoa. Olhem as pedras grandes. À prova de dinamite, à prova de fuga. Três
mil e quinhentos homens lá dentro, pessoal, e muitos nunca vão sair. Como é ficar preso
num lugar até o dia do juízo final? A banda começou a tocar. Baile no Deck Superior.
Vamos dançar, pessoal! Lorelei Lou e suas oito Lorelights. Vamos dançar...

Senhora Bristol, uma matrona vestida de preto, sentada na antessala do escritório do


Diretor, com uma cesta no colo. Eva entra e senta-se, agitada.

B: Está nervosa?
EVA: Demais.
B: Veio visitar seu marido?
EVA: Ah, não. Vim ver um emprego.
B: Aqui?
EVA: É. Ouvi dizer que tem uma vaga.
B: Não acha esse lugar depressivo?
EVA: Não. Não é uma prisão comum.
B: Não?
EVA: Não, dizem que é uma instituição modelo.
B: Ah é?!
EVA: Aqui tudo é feito cientificamente. Eles têm especialistas em psicologia, sociologia!
B: Bom...
EVA: Antes a ideia era punição, mas hoje em dia é reabilitação social!
B: Nossa! Quem te contou isso?
EVA: Li no Jornal de Domingo!
B: Meu filho está aqui. Era marinheiro. O nome dele é Jack.
EVA: Marinheiro?
B: É, era marinheiro. Meu Deus! (Coloca as mãos no peito)
EVA: Que foi?
B: Estou com palpitação!
EVA: (Se levanta) Está passando mal? Vou buscar um copo de água!
B: Não precisa. Vou tomar um calmante e já melhoro. Estou muito nervosa.
EVA: Não se preocupe. Eu li que há poucos problemas aqui em comparação com outras
penitenciárias do país. O Sr. Whalen, o diretor, é muito respeitado.
B: Tomara, pro bem do Jack. A última carta dele me deixou muito apreensiva. Muito
diferente das cartas maravilhosas que ele me escrevia quando estava no mar. A
letra era um rabisco e... parece que ele estava com febre. O que é Klondike?
EVA: Klondike? Fica no Alasca!
B: Foi o que pensei. Na carta ele disse que tinha sido mandado pra lá e era tão quente
quanto o... bom, nem consigo dizer!
EVA: Provavelmente é um esquema de colonização.
B: Acho que não. Ele disse que não podia escrever sobre esse lugar, então me mandou
a carta escondido, por um dos rapazes.
EVA: Quanto tempo ele vai ter que cumprir?
B: Cinco anos! Não sei direito o que aconteceu, mas sei uma coisa... não foi culpa do
Jack! É o que vou dizer pro diretor. Estou esperando aqui há dois dias... ele nunca
tem tempo!
EVA: Não aguento esperar. Vou entrar e perguntar quando o Sr. Whalen vai voltar.
B: Isso! Diz pra ele que estou esperando há um tempão! E pergunte se o Jack... (EVA
entra no escritório. B afunda no banco, apertando o peito) Ah, meu Deus...
EVA (Na porta): Me desculpa, mas.
JIM: Pelo quê?
EVA: Por invadir sua sala, mas não consigo mais ficar sentada. Quando Sr. Whalen vai
voltar?
JIM: É sobre o quê?
EVA: Um emprego.
JIM: Ele saiu pra vistoriar os pavilhões.
EVA: Ah. E vai demorar?
JIM: Depende dos pavilhões que ele vai vistoriar. Ele é muito imprevisível. Essa palavra
é boa.
EVA: Qual?
JIM: Imprevisível. Qualquer palavra com cinco sílabas é boa.
EVA: O senhor gosta de palavras longas?
JIM: Uso as palavras pra impressionar as pessoas com minha erudição. Olha outra!
EVA: Erudição?
JIM: Tem só quatro sílabas, mas é rara. Como pode ver, sou um dos garotos propaganda
daqui. Quando cheguei aqui, eu era só um vigarista. Mas agora estou lendo O
Declínio do Ocidente, de Spengler, e sou o editor do jornal da prisão. Sabe o que é
um arqueoptérix?
EVA: Não.
JIM: Um pássaro-réptil extinto. Essa é a última edição.
EVA (Cada vez mais confusa): Do... quê?
JIM: Do Arqueoptérix. Nosso jornal mensal.
EVA: Por que esse nome?
JIM: Porque impressiona. (Senhora B entra tímida agarrada à cesta)
JIM: Pois não.
B: Desculpa, o sr. Whalen já chegou?
JIM: Não, ele ainda está vistoriando os pavilhões.
B: Ah, eu queria tanto falar com ele. Eu sou a mãe de Jack Bristol.
JIM: Marinheiro Jack?
B: Sim. O senhor conhece o Jack?
JIM: Um pouco.
B: Como vai meu garoto?
JIM: Desculpe. Não posso falar dos detentos.
B: Ah.
JIM: Melhor a senhora falar com o diretor amanhã cedo.
B: A que horas, por favor?
JIM: Às dez.
B: Poderia entregar isso pro meu filho? Vai estragar se ninguém comer logo. (Sai)
EVA: O senhor não podia dizer nada pra deixá-la mais tranquila?
JIM: Sobre o marinheiro Jack não!
EVA: Por que não?
JIM: Ele já era – surtou.
EVA: Como assim?
JIM: Pirou o cabeção. Acontece muito entre detentos.
EVA: Não falaram nada no Jornal de Domingo –
JIM: Porque o jornal entrevistou a mim e ao diretor.
EVA: Vocês não disseram a verdade?
JIM: O que é a verdade? Resolveu trabalhar aqui por causa do Jornal de Domingo?
EVA: Sim. (Whalen assoviando).
JIM: Olha nosso cardápio. Os detentos comem isso todos os dias. Pode comparar com
qualquer internato famoso. Tudo aqui é feito cientificamente. Temos um
nutricionista que calcula as calorias de tudo. (Diretor WHALEN entra) – Oi, sr.
Whalen!
DIRETOR: Olá! (Tira o casaco e joga para JIM) Que calor! (Pisca para JIM, arrota)
Vistoria demais! (Afrouxa o a gravata) Perdão, senhorita, vou fazer um striptease!
Um vento forte – parece que vem de um forno! Me lembra daqueles (Enxuga a
testa) biscoitos que mamãe fazia! Que isso? (Levanta a cobertura da cesta)
Falando em biscoito...! Pega um, senhorita – Jimmy! (JIM pega dois) Você tem
uma pata muito grande, Jimmy! (Ri) Mostra o cardápio novo pra ela. Você veio
por causa da notícia naquele maldito jornal sensacionalista? De que o ex-detento
pegou tuberculose aqui dentro?
JIM: Ela não é jornalista.
DIRETOR: Ah. Qual seu trabalho, senhorita?
EVA (com pressa): Soube que vocês estão precisando de uma nova estenógrafa. Eu sou
capacitada pra função. Fiz faculdade, sr. WHALEN. Tenho três anos de experiência
– as referências estão aqui – mas, eu não tenho tido sorte nestes últimos seis meses.
No meu último emprego – chegou a recessão – e tiveram que reduzir o pessoal de
vendas. Me deram uma carta de referência maravilhosa – está aqui – (Abre a bolsa
e derruba seu conteúdo no chão) Ai, meu Deus! Quebrei meus óculos!
DIRETOR: Quebrou é?
EVA: O senhor pode me contratar? – Por favor, estou muito nervosa, eu – se eu não
arranjar um emprego logo eu vou –
DIRETOR: O quê? Vai se jogar num precipício?
EVA: É, algo do tipo! (Sorri, desesperada)
DIRETOR: Bom, senhorita – hã –
EVA: Crane! Eva Crane!
DIRETOR: Se estiver mesmo pensando em suicídio, essa janela está a sua disposição.
Senhorita Crane, os grandes executivos estão interessados no seu potencial, não
nas suas desgraças pessoais!
EVA (Vira-se para sair): Entendo. Então eu –
DIRETOR: Espera um pouco.
EVA: Sim.
DIRETOR: Só tem um prerrequisito pra trabalhar aqui. O Jimmy vai te explicar.
EVA (Vira-se para JIM): Pois não.
JIM: Tem que ficar de boca fechada, exceto quando receber instruções específicas pra
falar!
DIRETOR: Acha que pode fazer isso?
EVA: Claro.
JIM: A balsa parte às sete e quarenta e cinco da manhã.
EVA: Obrigada... Sim, obrigada! (Vira-se e sai, cega de felicidade)
DIRETOR: O que achou dela, Jimmy, meu garoto? Bonitinha, não é?
JIM: Sim, senhor.
DIRETOR: Sim, senhor! Tonta demais, mas o corpo é de estremecer os muros dessa
cadeia! (Cai na gargalhada).

Sombra das grades no chão da cela do MARINHEIRO JACK curvado em um banco.


Murmura algo inaudível para si. Sua voz aumenta...

MARINHEIRO JACK: Onde? Porto Said!... E nenhum deles teria feito isso se tivesse
chance.
Auprès de ma blonde; Il fait bon, fait bon, fait bon! Auprès de ma blonde; qu’il fait bon
dormir! Sem chance de promoção, hein?? Sabia que já fui almirante da Marinha?
Je donnerai Versailles, Paris et Saint Denis...
(Apito no corredor e pés se arrastando: a porta se abre. JOE, BUTCH e RAINHA
entram)
SCHULTZ: Apagando as luzes em cinco minutos.
BUTCH: Ahh, veado, vai tocar esse apito no inferno. Pensa que sou otário pra fazer hora
extra?! Termina o trabalho ou volta depois da janta. A porra da máquina travou e
ele falou que a gente que quebrou. Vou quebrar é a cara dele. (Para RAINHA):
Que aconteceu hoje de manhã?
RAINHA: Tive uma dor horrível na nuca. Fiquei louca e apaguei. Acordei no hospital
com eles enfiando uma agulha no meu braço. Que que é quatro mais?
JOE: Putz! Isso significa...
BUTCH: Fecha a matraca!
RAINHA: É coisa ruim?
JOE: Que vizinhança a nossa, hein, Butch?! Um lunático e uma sifilítica!
RAINHA: Sífilis? (Apito: as luzes se apagam) Não! Não pode ser!
MARINHEIRO: Auprès de ma blonde; Il fait bon, fait bon, fait bon!; Auprès de ma
blonde...
SCHULTZ: Para com esse galinheiro aí dentro! A luz já apagou.
BUTCH: Porra, não vê que ele pirou?
JOE: É, tira ele daqui!
SCHULTZ: Ele tá fingindo.
MARINHEIRO: Je donnerai Versailles, Paris et Saint Denis...
SCHULTZ: Se você for de novo pra Klondike, Marinheiro, a passagem é só de ida!
BUTCH: Ele tá assim por causa da Klondike. Vocês fundiram a cabeça dele lá.
MARINHEIRO: La Tour d’Eiffel aussi!
SCHULTZ (Bate nas grades): Fecha o bico! Mais um piu e eu chamo a tropa armada!
RAINHA: Sr. Schultz!
SCHULTZ: Que?
RAINHA: Que que é quatro mais? (SCHULTZ ri e sai)
BUTCH: Vontade de agarrar esse filho da puta pela grade e quebrar a cabeça dele na
parede. Mas se eu apagar um guarda, nunca vou ter chance com o chefe.
RAINHA: Não deve ser sério senão iam me deixar no hospital. É só indigestão. Falei que
a comida estava estragada. Não caiu bem. Macarrão! Não aguento mais comer macarrão.
MARINHEIRO: Auprès de ma blonde; Il fait bon, fait bon, fait bon! Auprès de ma
blonde. qu’il fait bon dormir! (BUTCH dá um soco no Marinheiro)
JOE: Por que cê fez isso?
BUTCH: Quer arrumar problema com o esquadrão armado por causa dele? Schultz,
Schultz, o moleque desmaiou. Tem que levar pra enfermaria.
SCHULTZ: Vocês só me arrumam confusão. (Guardas entram) Leva ele pra enfermaria.
Amanhã a gente vê o que faz.
RAINHA: Schultz, que que é quatro mais? Schultz– (Schultz sai com os guardas
carregando o MARINHEIRO. Gorjeios de pássaros no corredor)
BUTCH: Quem é? O Allison?
JOE: É. É o Canário.
MARINHEIRO (Do corredor): “Auprès de ma blonde Il fait bon, fait bon, fait bon!
BUTCH: Ei, Canário! Allison! (Foco muda para cela de Allison)
JIM: Que é, Butch? (JIM Tirando a camisa e os sapatos)
BUTCH: Diz pro Chefe que os Anjos do Pavilhão C colocaram mais uma cruz preta no
nome dele por causa do Marinheiro Jack.
JIM: Vou dizer.
BUTCH: Diz que um dia a gente vai mandar uma comissão especial lá pra acertar as
contas com ele. – Tá me ouvindo, seu dedo-duro?
JIM: Ouvi.
BUTCH: Pensa nisso. -Esse porcaria era amigo meu de cela. Me arrependo das chances
que tive de rasgar a barriga dele e não rasguei!
JOE: Por que não rasgou?
BUTCH: Ele ainda não trabalhava pro chefe. Mas agora ele é o número três na Lista dos
Anjos. Em primeiro tá o Whalen, depois o Schultz e depois esse porcaria! Ouviu, seu
porcaria?
JIM: Ouvi, sim, Butch. (Enrola e acende um cigarro)
RAINHA: Allison! Ei! Jim! Que que é quatro mais?
JIM: Quem ganhou quatro mais?
RAINHA: Eu. Que isso, Jim?
JIM: Quer dizer que a sua saúde está quatro pontos acima de perfeita.
RAINHA (Aliviado): Ah. Esses cretinos aqui me deixaram num nervoso! (Roses of
Picardy)
BUTCH (Sobe no banco) – Estão ouvindo o Lorelei?
JOE: Olha lá as luzes dele, olha. Vermelho, branco, verde, amarelo!
BUTCH: Tá ouvindo a orquestra?
JOE: Que música é essa?
BUTCH: “Roses of Picardy!”
JOE: Essa é das antigas.
BUTCH: Fazia sucesso quando fui preso. Nossa, eu sempre tirava a Goldie pra dançar
quando tocavam essa música no Clube Princesa. Me prenderam na saída do clube. Bem
na catraca – seis gorilas me agarraram – seis – precisaram de seis – o camburão parado
na porta.
JOE: Outro dia você disse que eram quatro gorilas. Tá aumentando, Butch.
BUTCH: “Roses of Picardy”. Queria dançar essa música de novo. Com a Goldie.
JOE: Vai ver foi ela que te entregou.
BUTCH: Não. Não a Goldie. Aposto que ela ainda arrasta um bonde por mim.
JOE: Ih, Butch, agora que cê está preso, acho que o bonde dela agora faz outra linha!
RAINHA: Cadê meu estojo de manicure?
BUTCH: Será que a gente ainda presta com sessenta anos.
JOE: Como assim?
BUTCH: Com as mulheres.
JOE: Ah, depende da pessoa.
BUTCH: Eu vou tá bem ainda. Mas vinte anos é muito tempo pra esperar.
RAINHA: Alguém viu meu estojo de manicure?
BUTCH: Sabia que tem uma janela no escritório do diretor que dá pra baía?
JOE: Sei. É a Saída Expressa.
BUTCH: Dá pra matar dois coelhos com uma cajadada só. Apagar o chefe e fugir pela
janela. Mas não sei nadar nem cachorrinho.
RAINHA: Coloquei aqui ontem a noite. Butch, você não viu?
BUTCH: O quê?
RAINHA: Meu estojo de manicure.
BUTCH: Foi junto com o balde de merda.
RAINHA: Por que você fez isso?
BUTCH: Aquilo fedia queijo podre. -Que isso na cama do Marinheiro Jack?
JOE: Cartas da mãe dele. Ela veio de Wisconsin pra visita.
RAINHA: Só porque sou refinada, algumas pessoas me atormentam.
BUTCH: Alguém devia contar pra ela o que aconteceu com o Marinheiro.
JOE: Um dia ela descobre.
RAINHA: As pessoas me atormentam só porque sou sensível.
BUTCH: É, ela vai descobrir.
RAINHA: Às vezes eu preferia estar morta. Meu Deus! Eu preferia estar morta!

Episódio Três - “O Prognóstico”


Escritório do DIRETOR. Sra. B meio sem jeito)

B: Desculpa, tomei a liberdade de ir entrando. Espero que não se importe. Sou a mãe
do Jack Bristol e queria conversar com o senhor sobre meu menino!
DIRETOR: Sente-se. Tenho pouco tempo.
B: Não tenho notícias do Jack. Até pouco tempo ele me escrevia uma vez por semana.
DIRETOR: Muitos rapazes relaxam com a correspondência.
B: Estou aflita, durante dois anos ele me escrevia toda semana, agora parou de
escrever.
DIRETOR: Jim!
JIM: Sim, senhor?
DIRETOR: Pega a ficha do Bristol.
B: Muito obrigada, vim de tão longe, de Wisconsin. A última carta dele é estranha.
Não parece o Jack. Ele foi transferido pra outra prisão? Ele reclamou de um lugar muito
quente chamado Klondike. A letra dele nunca foi boa, mas na última carta estava um
garrancho. Acho que estava com febre. Ele é muito vulnerável a resfriado nessa época do
ano. Trouxe esse cobertor de lã pra ele. Sei que é difícil fazer exceção numa instituição
assim, mas no caso do Jack tem muitas considerações... me arrependo quando olho pra
coisas que fiz, erros que cometi.
DIRETOR: É. Todos nós cometemos erros.
SRA B.: Erros tão graves, Sr. Whalen. Nossa casa não era feliz. O pai do Jack era
ministro metodista e os jovens não aceitavam seus conceitos...
DIRETOR (Sorrindo cínico): Filho de pastor?
B: Sim! Mas houve um desentendimento na congregação e ele foi forçado a se aposentar.
DIRETOR (Impaciente): Olha, estou muito ocupado, eu... (para o JIM): Achou a ficha?
JIM (Embromando): Ainda não.
B: Meu marido era tão intransigente, até mesmo com o coitado do Jack. Por isso ele
saiu de casa. Contra minha vontade, mas ... (Abre a bolsa e exibe um maço de cartas) Ah,
ele escreveu cartas maravilhosas! Se o senhor lesse, ia ver que ele é um menino
excepcional. Porto Said, Marseilles, Cairo, Shangai, Bombaim! Ele sempre escrevia:
“Mãe, é tão grande, tão grande”. Acho que ele tentou guardar tudo aquilo no coração e
não coube, seu coração explodiu! Olha esses envelopes! Tem fotos também! Elefantes na
Índia. Lá eles usam elefantes como cavalos de carga. Os junkets chineses têm velas
quadradas. Diz que parecem libélulas em cima da água. A baía de Rangon. Aqui é onde o
sol se levanta como trovão, ele escreveu no verso dessa daqui! Eu sempre escrevia pra
ele: “Jack, essa vida não tem futuro. Um marinheiro sempre vai ser um marinheiro. Sai
dessa vida, filho. Entra no Serviço Público!”. Ele me respondeu: “Noite passada fiquei de
guarda. Aqui dá pra ver mais estrelas do que no norte. O Cruzeiro do Sul está bem em
cima de mim agora, mas logo vai sumir – porque nosso curso está mudando”. Depois eu
parei de me opor. Ele amava tanto essa vida que isso só podia lhe fazer bem. Sr. Whalen,
não foi culpa dele, eu sei que não foi – se eu pudesse convencer o senhor disso!
DIRETOR: Não adianta, madame! A senhora pode falar até com o papa. Ele teve a
chance dele.
B: Mas no caso do Jack -!
DIRETOR: Eu sei, eu sei. Já ouvi tudo isso antes. Jim, encontrou a ficha?
JIM: Melhor o senhor mesmo olhar.
DIRETOR: Leia, leia! Por acaso isto é uma assistência social?
B: Se aconteceu alguma coisa, eu quero saber.
JIM: “Jack Bristol. Roubo. Condenado a três anos.” Negligente no trabalho. Passou três
dias na Klondike.
DIRETOR (Ríspido): Isso está na ficha?
JIM: Não, mas eu quis explicar pra esta senhora o que aconteceu.
B: O que aconteceu?
JIM: Olha, madame –
DIRETOR (Seco): Leia só o que está na ficha!
JIM: “Examinado pela comissão de insanidade em maio, transferido pra ala de
psicopatia. Violento. Alucinações. Prognóstico – Demência Precoce” –
B: Maio??? Três meses atrás. Por isso ele parou de escrever. Esse não é meu filho!
Ah, Jack.
DIRETOR: Um momento – Sei como a senhora se sente. Sou solidário a todas as
mulheres que vêm aqui, mas esta é uma instituição penal e não posso perder tempo com
essas coisas.
B: Meu filho, Jack,! Não pode ser! Tudo menos isso! Diga que ele está morto, que
vocês o mataram! Mas não me diga isso. Eu sei. Eu sei como é aí dentro. Ele me contou.
A comida não é boa. Eu tentei mandar comida – ele não recebeu nada – até isso vocês
tiraram dele. Esse lugar pra onde vocês o mandaram durante três dias. Klondike. Eu sei –
vocês o torturaram lá, fizeram isso, torturaram meu filho até ele ficar – louco? É isso? –
Ah, meu amado Jesus, meu Deus!
DIRETOR: Põe essa mulher pra fora! (JIM a retira) Merda! (Acende um charuto e pega
a ficha)

Episódio 4 - “Conversas à Meia Noite!”


Duas celas separadas. Ollie reza ajoelhado, Butch fuma, os outros em seus beliches)

OLLIE: Senhor, protetor e preservador de todos, protege este negro. Protege esposa de
negro, Susie, e seis fios de negro, Raquel, Rebeca, Salomão, Moisés, Eclesiastes e
Deuteronômio Jackson. Cuida deles enquanto eu tô na prisão. E afasta tempo frio mó de
que Susie vai ter outro nenê, Senhor, e ela não pode buscar lenha pra queimar. Que Deus
bençoe minha mãe e meu pai e o Presidente Roosevelt e o Ministério do Trabalho em
nome de Jesus Cristo – Amém.
BUTCH: (Sorrindo) Ollie, melhor rezar pra diminuírem a pena do Canário!
OLLIE: Não custa nada.
BUTCH: Não vai adiantar.
OLLIE: O Senhor se lembra de quem se lembra Dele.
BUTCH: Conversa! (OLLIE desanimado. Assobios e gorjeios no corredor)
JIM (Jim entra): Que foi, Ollie?
OLLIE: BUTCH falou que Deus não existe.
JIM: Como ele sabe?
OLLIE: É o que eu perguntei. (JIM tira a camisa e esfrega o suor do rosto e do peito,
depois atira num canto. Pega uma revista de mulheres nuas e se abana)
OLLIE: Você acha que existe, né, Jim?
JIM: Alguém lá em cima? – Não sei. Acho que sou agnóstico.
OLLIE: Quer dizer Piscopal?
JIM: É. Esfregue minhas costas, Ollie. Estou cansado.
OLLIE: Tudo bem. Com unguento ou banha de porco?
JIM: Unguento.
BUTCH: Já começou a ver o diabinho, Canário?
JIM: (OLLIE começa a esfregar o ungüento nas costas de JIM) Deus, como queima
gostoso.
BUTCH: O diabinho azul é o primeiro sintoma.
JIM: Refresca.
BUTCH: Ele rasteja pelas grades e senta no pé da cama e faz caretas pra você.
JIM: Esfrega mais forte no ombro esquerdo.
BUTCH: Melhor começar dormir com um olho aberto, Canário. Você consegue?
JIM: Nunca tentei, Butch. Ah, assim tá bom.
BUTCH: Então tenta e não vacila, senão ele entra pela sua boca e torce sua moela! (Ri)
OLLIE: Não dá ouvido pra ele não.
JIM: Não. Uma parede separa a gente.
BUTCH: Pode crer. Senão ia voar pena amarela desse canário pelo Pavilhão C inteiro.
JIM: Todo mundo vive cercado por uma parede dessa, aqui dentro e lá fora, Ollie.
OLLIE: Lá fora? Não!
JIM: Tô falando. Todo mundo vive dentro de uma gaiola. A pessoa só escapa da gaiola
quando morre. Aí as paredes quebram e a pessoa não está mais sozinha... (BUTCH ri,
cutuca JOE e aponta para a cela de JIM. Ambos riem) Aí a pessoa faz parte de algo
maior que ela mesma.
OLLIE: Maior? O que?
JIM (Solta um anel de fumaça e trespassa com o dedo): O Universo! (BUTCH ri)
JIM (Ignora o riso): Mas, nem sempre a pessoa precisa morrer pra sair da gaiola.
OLLIE: Ele tem que pular pra fora?
JIM: Não. A pessoa pode usar a cabeça de duas maneiras. Pode criar uma parede pra se
proteger do mundo ou uma porta enorme pra sair. Emancipação intelectual!
OLLIE: Hã? (BUTCH assovia) Que isso?
JIM: Umas palavras que encontrei num livro.
OLLIE: Parece importante.
JIM: E é. O mundo depende delas. Eles podem controlar o que a gente lê, fala, faz... Mas
não o que a gente pensa! Enquanto um homem for livre pra pensar, ele nunca estará
preso. Ele pode pensar que escapou das paredes e construir seu lugar no mundo. É uma
sensação incrível, Ollie, quando se consegue isso. É como estar sozinho no topo de uma
montanha à noite, com as estrelas em volta. Mas você não está sozinho, você está
conectado com o mundo. Aí você tem uma nova ideia de Deus. Não o Papai Noel que
traz os presentes pela chaminé...
OLLIE: Não?
JIM: Não. Mas algo grande e terrível como a noite, e macio quanto uma mulher.
Entendeu, né?
BUTCH: Entendi... é como um... sentimento com aroma de unguento! (BUTCH e JOE
riem)
JIM: Vocês não entendem o que estou falando.
OLLIE (Pensativo): Eu entendo. Pensar é que nem rezar, só que quando você reza, você
sente que tem alguém do outro lado da linha...
JIM (Sorrindo): Sim. (Luz apaga na cela de JIM e acende na de BUTCH)
RAINHA: Cala a boca, vocês. Eu tô com ânsia. Preciso dormir. (Luz brilha pela janela)
JOE: Que luz é essa?
BUTCH (Na janela): Outro barco cheio daqueles dançarinos esquisitos. Estão jogando
luz na gente. (Pra janela) Estão pensando que aqui é zoológico? Vão pro inferno, seus
filhos da puta...
SHULTZ (Bate o cassetete nas barras): As luzes já apagaram.
BUTCH: Um dia vou apagar as luzes desse filho da puta.
JOE (Retorce-se na cama): Aaaaaai!
BUTCH: Dor de barriga?
JOE: Daquelas almôndegas podres. Vou parar de comer se eles não melhorarem a
comida.
BUTCH (Reflete): Vai parar, hem? ... Não é que você tem razão!
JOE: Aaaaai... Cristo! (Dobra os joelhos até o queixo)
BUTCH: Já ouviu falar em greve de fome, Joe?
JOE: Hã.
BUTCH: Ás vezes funciona. Sai no jornal. Começam a investigar. E aí eles melhoram a
comida.
JOE: Aiiiiiiiiiii! A gente vai parar na... hã! ... Klondike!
BUTCH: Não cabe três mil e quinhentos homens na Klondike.
JOE: Não, mas o Pavilhão C vai ser o primeiro por causa da nossa reputação.
BUTCH: A gente sobrevive na Klondike.
JOE: Você fala demais às vezes. Já esteve na Klondike?
BUTCH: Já. Uma vez.
JOE: E como é?
BUTCH: A rebarba do inferno.
RAINHA: O que você tá falando da Klondike, Butch?
JOE: Nada. Ele tá falando dormindo.
RAINHA: Sonhei com a Klondike uma noite dessas.
JOE: É?
RAINHA: Claro. Foi naquela noite que eu acordei gritando. Lembra?
JOE: Claro. Eu lembro.Uuu! Aiiiii! Aiiii! Jesus! (Apertando o estômago)

Episódio 5 - “Banda de Música!”


Luz no escritório. JIM sentado em uma cadeira, escrevendo. Entra EVA.

EVA (Animada): Bom dia.


JIM: Oi.
EVA (Tira o chapéu, etc): Acho que você passa mais tempo aqui do que o diretor.
JIM: Gosto daqui. Especialmente quando estou sozinho.
EVA: Oh – bom, desculpa minha intromissão.
JIM: Você não me incomoda.
EVA: Obrigada.
JIM: No fundo, é um privilégio um detento ter contato com alguém do sexo oposto.
EVA: Ah é?
JIM: É. Verdade. Às vezes eu pisco os olhos pra ter certeza de que você não é uma
alucinação.
EVA: Não dormi bem essa noite.
JIM: Por que?
EVA: Pensando na mãe daquele rapaz.
JIM: Você se acostuma.
EVA: Não quero me acostumar com isso. (Entra música): Que música é essa?!
JIM: Estão ensaiando pro banquete do Secretário.
EVA: Parece tão divertido!
JIM: Quem acredita em bandas, vai pensar que o milênio chega amanhã.
EVA (alegre e desesperada): Talvez chegue! As bandas me convencem de qualquer
coisa, Jim!
JIM: Conseguem te convencer disso? (Ele a abraça impulsivamente)
EVA (Afasta-se): Sim, me convencem até disso! (Ela ri) - Mas não no escritório do
diretor!

Episódio 6 - “Senhor Olímpíadas!”


Luz na cela. Os detentos acabaram de voltar do jantar.

JOE: Comeu?
BUTCH: Aquela gororoba? Não. Tenho ânsia só de olhar.
JOE: Macarrão quatro vezes por semana!
BUTCH: Já trabalhei numa fábrica de macarrão.
RAINHA: Sério? É legal?
BUTCH: Uma vez as máquinas emperraram e o lugar ficou cheio de macarrão, no chão,
nas paredes, no teto, nas janelas, bloqueando as portas, uma enorme massa sufocante de
macarrão.
RAINHA: Ah que horror!
BUTCH: Perguntei pro supervisor como íamos sair com macarrão brotando de tudo
quanto é lugar. Ele Ele me entregou uma faca e um garfo e disse: “Só tem um jeito. Você
vai ter que COMER pra abrir uma saída!”
RAINHA: Oh, pelo amor das petúnias!
SCHULTZ: Essa é sua alcova, meu jovem.
SWIFTY: Aqui?
SCHULTZ: É. Aqui. (Empurra-o com violência para dentro)
SWIFTY: Por que ele fez isso? Me empurrou! Eu já estava entrando, não estava?
JOE: Claro que tava. Ele quis dar uma ajudinha.
SWIFTY: Não gosto que me empurra assim.
JOE: Eu se fosse você reclamava pro governador.
SWIFTY (Olha ao redor): Mandei uma apelação pro governador.
JOE: Mandou, é?
SWIFTY: Mandei. Meu julgamento não foi justo. Fui jogado aqui. Meu advogado que
disse... -ei, todo mundo fica junto aqui desse jeito? Jesus, é muito pequeno!
JOE: Que que seu advogado disse?
SWIFTY: Que é aquilo? Uma barata? Ah meu Deus... não gosto de ficar engaiolado!
JOE: Que seu advogado disse?
SWIFTY: Pra esperar. Ele vai me tirar daqui em duas semanas, um mês no máximo.
JOE: Um mês no máximo! Que acha, Butch?
BUTCH: Na minha terra isso se chama conversa pra boi dormir! (Levanta) Essa é sua
cama, novato. Sobe lá e escuta o que vou te dizer. - Vai!
SWIFTY: Não empurra!
BUTCH: Hã?
SWIFTY: Já disse que não gosto que me empurrem!
BUTCH (Mostra os punhos): Está vendo isso?! Agora sobe lá e presta atenção no que
vou falar.
SWIFTY: Por que tenho que te obedecer? Você não trabalha aqui.
BUTCH: Não?
SWIFTY: Não!
BUTCH: Escuta, parceiro. Na Espanha, é Mussolini.
JOE: Na Itália.
BUTCH: Onde tiver carcamano é Mussolini! E na Alemanha é aquele macaco de bigode
falso! Mas aqui é o Butch O´Fallon! E Butch O’Fallon sou eu! Então, agora que fomos
devidamente apresentados, eu gostaria de repetir meu convite educado pra você tirar a
bunda da minha cama e subir pra sua! (BUTCH levanta SWIFTY pelo colarinho até seu
beliche) Qual seu nome?
SWIFTY: Jeremy Trout.
BUTCH: Primeira vez?
SWIFTY: É. E daí?
BUTCH: Qual tua pena?
SWIFTY: Condenado por – roubar – dinheiro.
BUTCH: De onde?
SWIFTY: De uma loja. Eu era o caixa. Mas não roubei. Uns balconistas armaram pra
mim.
BUTCH: Acredito. Você não tem cara de quem tem coragem de roubar. Quanto você
pegou?
SWIFTY: Eu? Nada. Já disse.
BUTCH: Estou falando da pena. Quanto tempo?
SWIFTY: O juiz me deu cinco anos. Mas meu advogado disse –
BUTCH: Você vai ficar cinco anos.
SWIFTY: Aqui dentro? Fechado aqui dentro tanto tempo eu vou ficar doido!
BUTCH: Sim, doido de pedra.
SWIFTY: Eu – eu estou passando mal. O ar aqui dentro não é bom.
BUTCH: Não?
SWIFTY: Esse lugar fede. Está me dando ânsia.
BUTCH: Deve ser o balde de merda.
SWIFTY: Não!
BUTCH: Não foi esvaziado ainda. Esse é o seu trabalho. O novato sempre esvazia.
SWIFTY: Não – (Afunda na cama) Cinco anos? Não vou aguentar ficar trancafiado tanto
tempo. Preciso de espaço. Fico agitado. Eu não gostava de trabalhar na loja. Ficava atrás
do balcão o dia inteiro, me sentia amarrado lá. – No colegial eu era atleta.
BUTCH: Atleta, hein?
RAINHA: Ah, eu sabia. Logo vi pelo físico.
SWIFTY: É. Mantive o recorde estadual dos 200 metros durante três anos.
BUTCH: Olha só.
SWIFTY: Gosto de movimento, não gosto de nada parado. Isso não é normal, é um tipo
de obsessão. Gosto de vencer distâncias. Vejo uma pista reta e quero chegar no outro
lado em primeiro lugar. Nasci pra isso – pra correr – olha minhas pernas!
RAINHA: Lindas, hein?
SWIFTY: De tanto treinar. Se eu não estivesse preso, agora estava indo pras Olimpíadas.
Ainda tenho uma chance nas eliminatórias de Nova York se meu advogado me tirar daqui
antes do dia quinze. (Flexiona as pernas) Se me deixarem correr pelo pátio – antes do
café da manhã ou da janta, eu posso manter a forma.
RAINHA: Meu Deus, parece um cavalo selvagem.
JOE: Ele vai ficar que nem o Marinheiro Jack.
BUTCH: Fica quieto! – Cara, eu num sô sentimental – mas tô com pena de você.
SWIFTY: Por quê? Acha que não vão deixar?
BUTCH: Não.
SWIFTY: Por que não?
BUTCH: Porque você é presidiário.
SWIFTY: Mas presidiário é gente. Tem que ser tratado como gente.
BUTCH: Presidiário não é gente. Presidiário é presidiário. (Luz em BUTCH) O cara está
preso e ninguém mais lembra dele. O que acontece aqui – as pessoas não ficam sabendo
lá fora, não estão nem aí. Ele está por conta do estado. E o estado é uma bosta. Entrega o
cara prum Diretor e seus guardas. Quem são esses caras? Caras que gostam de mandar.
Eles podiam ser motoristas de caminhão, garis ou palhaços de circo. Mas não querem.
Por que? Porque eles têm um instinto natural pra descer a borracha! Eles gostam de
torturar, fazer linguiça de carne humana! Aí eles viram guardas. E se acham deuses. Mas
não passam de ratos. Pra mim, guarda é um rato que pensa que é DEUS! – Não esquece
disso. Porque, meu filho, você num tá mais no ginasial. Não tá mais na loja de
departamento, nem nas Olimpíadas. Essa é a primeira regra. A segunda é ficar longe de
dedo-duro. Ei, Canário! Não chegou ainda, mas tem um passarinho na cela do lado que às
vezes canta bonito pro Chefe. Então, não fica amigo dele. Dá um cigarro pra ele, Joe.
JOE: Toma, Olimpíadas.
BUTCH: Tá com fome?
SWIFTY: Não.
BUTCH: Ótimo. Porque a gente vai parar de comer.
RAINHA: Parar de comer?
BUTCH: É. Fiquei pensando na nossa conversa de ontem de noite, Joe, e gostei da idéia.
JOE: Eu tô pensando ainda.
BUTCH: Quem pensa não casa. Quando falo greve de fome, vai ter greve de fome.
Rainha, me ajuda a tirar o sapato. Isso. Toma, pendure minha camisa. Joe –
JOE: Que foi?
BUTCH: Dobra minha calça direitinho e coloca na cadeira. – Boa noite, lua.
JOE: Você tá ficando igual o Marinheiro Jack, cumprimentando a lua!
BUTCH: Ela tá grande e amarela hoje. Eu e Deus temos algo em comum, Joe.
JOE: É, o quê?
BUTCH: Um fraco pelas loiras!

Episódio 7 - “Um pato de Borracha para o Bebê”


DIRETOR, sentado atrás da mesa, inflando um pato de borracha.

DIRETOR: Olha, um pato de borracha pro meu bebê.


EVA: Não sabia que o senhor tinha filho.
DIRETOR: Tenho. O bebezinho mais fofo que você já viu!
EVA: Menino ou menina?
DIRETOR: Menina! Claro. Ela vai abrir um sorrisão quando vir isso! -Espera! Vou falar
com ela! Quer ouvir? (Disca) Alô, Mamãe? Tudo bem por aí? É? Coloca a bebê no
telefone! (Para Eva): Escuta! Chuchuca? Tá se comportando bem? Que bom! Papai tem
presente pra mocinha comportada. Não. Não é pirulito. Te mostro quando chegar em
casa. Tchau meu amor! (Desliga) Fofa demais, meu Deus - parece a Shirley Temple - não
parece? (Mostra a foto)
EVA: Sim, tem uma semelhança. (Entra JIM)
DIRETOR (Entusiasmado): E aí, Jimmy! Alguma novidade?
JIM: Nenhuma. Só a reclamação de sempre da comida. Só que agora a gritaria aumentou,
Chefe.
DIRETOR: O que eles querem? Caviar? Profiterole? Charlote russa?
JIM: Tivemos sete casos de intoxicação alimentar por bactéria de cadáver depois do
jantar de quarta-feira. No estômago o cheiro das almôndegas só piorou.
DIRETOR: Como assim? Não estavam boas?
JIM: Acho que a carne era pros urubus do zoológico. O mercado mandou pra cá por
engano.
DIRETOR: Escuta aqui, Jim. Você está arrogante demais. Está se exibindo pra Srta.
Crane, eu acho – é isso?
JIM: Não, senhor. Se eu não der minha opinião sincera, qual minha serventia?
DIRETOR: (Estuda o rosto de JIM) Certo. Você é boa pessoa, Jim.
JIM: Obrigado.
DIRETOR: Gosto de você. Sabe por quê? Parece que seu rosto foi entalhado numa pedra.
Vira de lado, Jim – Eva?
EVA: Sim, senhor?
DIRETOR: Já viu um perfil mais bem traçado que este? Parece entalhado na pedra, hein?
O nariz, a boca? Tentei mudar esse rosto, mas não consegui. Nem quando lhe dei
cinquenta chicotadas toda manhã, durante catorze dias. – Lembra, Jim?
JIM: (Rosto quase imperceptivelmente contraído) Sim, senhor.
DIRETOR: Foi aí que pensei em usar esse cara! Foi o que eu fiz. Jim é digno da minha
confiança agora, um dedo-duro – Canário Jim – os presidiários te chamam assim, não é,
Jim?
JIM: Sim, senhor.
DIRETOR: Me mantém atualizado do que acontece com os detentos. Ele não chega na
ponta dos pés, cochichando como os outros dedo-duros, não, ele chega aberto e fala o que
pensa! Por isso ele é valioso pra mim! Mas os detentos não gostam dele. Eles te odeiam,
não é, Jim?
JIM: Sim, senhor. (Quase sussurrando)
DIRETOR: Jim tá do meu lado. Não consegui dobrar o cara, mas agora ele é útil pra
mim. Tira a camisa, Jim – mostre as costas pra Eva.
JIM: Sim, senhor. (Obedece com precisão. As costas cobertas de cicatrizes compridas)
DIRETOR: Tá vendo essas cicatrizes, Eva? São de dez anos atrás. Ele era bonitão na
época. Ficou em carne viva. A pele rasgava e pendurava nas costas que nem bacon! O
sangue vertia que nem suco de tomate toda vez que eu dava uma chicotada. “Já chega,
Jim? Vai voltar pra máquina de estampagem?” – “Não”, ele respondia, “ela está
quebrada!” Resistiu durante catorze dias. Ou eu matava ou admitia a derrota. Falei: “Jim,
você venceu! Não precisa voltar pra máquina de estampagem, fica aqui no escritório. Vai
trabalhar pra mim porque você é feito do material que eu gosto!” Rosto de pedra. Hein,
Jim?
JIM: Sim, senhor. (Os papéis caem da mão de EVA que emite um gritinho e segura na
mesa)
DIRETOR: Que foi?
JIM: Acho que ela está desmaiando. (Ele segura EVA)
DIRETOR: Solta a menina. Tá bem, senhorita?
EVA: Agora estou.
DIRETOR: Tudo bem, eu cuido dela. – Veste a camisa. Diz pro Butch O´Fallon que
estou cansado do Pavilhão C reclamar da comida e que, se ele quer confusão, vai ter! –
Vai, sai daqui!
DIRETOR: (Para EVA, que afundou na cadeira) E aí, senhorita?
EVA: Estou bem, agora.
DIRETOR: Desculpe. Não pretendia impressionar. Jim é um bom rapaz, mas não custa
nada lembrar de vez em quando quem manda aqui. Cuido de três mil e quinhentos
homens aqui dentro que matariam a mãe pra roubar dinheiro. Isso exige mão firme. –
Sim, senhor! (Pega o pato de borracha e infla mais) Bonitinho, hein? – Ela vai ficar
doidinha com isto!

Episódio 8 - Explosão!
Cela. Tensão aumenta. BUTCH impaciente. Os outros sentados nos beliches, calados.

BUTCH: (Gorjeio no corredor) O canário está voltando. (Assovio) E aí, Canário. Voando
lá no topo da montanha com as estrelas? (Ele e JOE riem)
OLLIE (Da cela próxima): Não liga pra ele, Jim.
JIM: Não estou nem aí. Preciso te falar uma coisa.
BUTCH: Você fala muito, esse é o seu problema. Se tem alguma coisa pra falar, entra
aqui.
JIM: Lembro bem da última vez que entrei numa gaiola com você, Butch.
BUTCH: Que bom que causei uma boa impressão.
JIM: Vai sair?
BUTCH: Não. Você vai entrar?
JIM: Vou. Quando apagarem as luzes.
RAINHA: Melhor não, querido. Butch tem uma navalha.
JIM: É, e eu sei que ela corta bem.
BUTCH: Então porque não desembucha logo?
JIM: Nunca entreguei ninguém de propósito, Butch. (Apito. Luzes caem) Ok, vou entrar
agora. (Destranca a cela e entra)
RAINHA: Fica calmo, Butch -
JOE: Cuidado. Não vale a pena morrer por causa dele.
BUTCH: Olha, Canário, meu respeito por você aumentou duzentos por cento. Nunca
pensei que você ia ter coragem de entrar aqui.
JIM: É como eu tava dizendo pro Ollie ontem à noite. A gente está cercado por paredes,
Butch, e não consegue ver direito. Por isso a gente erra ao julgar os outros. Quer um
cigarro?
BUTCH: Não. Diz logo o que tem pra dizer e vaza. Não quero perder o controle.
JIM: Sei o que vocês estão tramando.
BUTCH: O quê?
JIM: Greve de fome.
BUTCH: E daí?
JIM: Não vai dar certo. Vou sair de condicional mês que vem.
BUTCH (Levanta-se): Vai, né? Tô sabendo.
JIM: Tenho uma chance. Se conseguir, vou justificar minha reputação de vocalista,
Butch. Vou cantar tão alto e tão agudo que o eco vai derrubar essas paredes! Sei de toda a
corrupção daqui, intimidação de empregados e tortura de detentos; a Solitária, a tortura
com jato de água, a camisa de força - a Klondike! Sei da comida - ou melhor, lavagem,
que a gente come! Espera só um mês! Quando eu sair, Whalen vai ganhar o dele!
Prometo que as coisas vão mudar aqui. Olha, trouxe uma matéria sobre o Reformatório
Industrial!
BUTCH (Empurra o jornal): Não quero matéria porra nenhuma! Allison, você só fala
merda.
JOE: Pega leve, Butch. (Para JIM) JIM, então a greve de fome não é uma boa?
JIM: Não vai adiantar. O Chefe vai jogar todo mundo na Klondike. Cooperem comigo e a
gente fecha essa cadeia.
BUTCH: Vai se foder!
JIM: Sem chance, então? E você, Joe? Swifty?
BUTCH: Eles fazem o que eu mando! Agora vaza antes de eu perder a paciência!
JIM: Ok. (Sai)
JOE: Talvez fosse papo reto.
BUTCH: Ele vai ter papo reto embaixo da terra. Levanta, Olimpíadas! Tá na hora da
janta!
SWIFTY: (Rosto enfiado no travesseiro) Me deixa. Estou com ânsia. Não estou com
fome.
BUTCH: A gente precisa de você. Vamos tocar o terror se a janta for aquela gororoba.
JOE: Tocar terror?
BUTCH: É, terror geral! (Sino no corredor) Vamos lá, pessoal! Tão tocando os sinos do
inferno! Vamos lá, rapazes! Se não a gororoba esfria! Bisteca pra janta! Com molho de
champignon! Vamos comer! (Apito e luzes caem. Tema musical: Abertura 1812)

Episódio 9 - “Greve de Fome”


Escritório.

DIRETOR: Você não tem namorado?


EVA: Ah, me correspondo com alguns rapazes.
DIRETOR: É, mas tem coisa que não cabe num envelope, né?
EVA: Acho que sim. - Sr.Whalen, o relatório da secretaria tem muitas discrepâncias.
DIRETOR: Não está batendo?
EVA: Não consegui achar seiscentos dólares. (O Diretor assovia) O que devo fazer?
DIRETOR: Vou pedir pro Jim te ajudar. É só ajustar os valores e já resolve.
EVA: Entendi.
DIRETOR: Por que não acabamos com essa formalidade? (Se aproxima dela) O que acha
de mim? Romântico? Não pareço ator de cinema? Sabia que eu me dou bem com as
garotas?! (Senta-se na mesa) Um tempo atrás, saí com uma moça que trabalha no
Mercado... mais ou menos sua idade, corpo, tudo... Quando terminamos ela disse: “Faz
de novo, Papi, faz de novo”! (Gargalha) Por que? Porque ela adorou, por isso! (Se dirige
à porta do fundo) Já entrou aqui?
EVA: Não.
DIRETOR: Vem aqui. Quero te mostrar uma coisa.
EVA: Não.
DIRETOR: Por que não?
EVA (Levanta com firmeza): O senhor é casado, Sr.Whalen. Eu não sou esse tipo de
garota.
DIRETOR: (ri) Relaxa, já entendi.
JIM: Com licença.
DIRETOR (rindo): Pode entrar Jimmy. Confere o relatório da secretaria com a Srta.
Crane. Ela diz que tem umas... como é mesmo? Discrepâncias! Você sabe consertar isso!
JIM: Sim, senhor. O pessoal do Pavilhão C disse que não vai comer hoje à noite.
DIRETOR: Eles vão fazer greve de fome? (Se assusta)
JIM: Vão. Eles enjoaram de macarrão.
DIRETOR: Não vou tolerar greve de fome aqui dentro.
JIM: A maneira mais fácil de evitar a greve é melhorar a comida.
DIRETOR: Evitar a greve, uma merda! Eu vou é meter o pé! Espera até eles verem o
pessoal que tá na Solitária. Se não for suficiente, a gente dá uma esquentada neles! (Sai)
JIM: Esse homem é louco.
EVA: Desconfiei disso semana passada quando ele te obrigou a mostrar as cicatrizes.
Mas agora – antes de você entrar – ele me convenceu.
JIM: O que aconteceu?
EVA: Ele queria que eu entrasse naquela sala com ele.
JIM: Você não entrou, né?
EVA: Não. Achei ele ia me despedir. Fiquei assustada, mas ao mesmo tempo senti outra
coisa.
JIM: O quê?
EVA: Se eu contar, você vai ter nojo de mim.
JIM: Atraída?
EVA: Não sei. Se ele me tocasse, eu não sei o que faria.
JIM: Então, está convencida agora de que esse lugar não é pra você?
EVA: Não vou me demitir. Ainda não.
JIM: Me dá o relatório, vamos começar do início. Vamos ver quanto de macarrão cabe
num carro de luxo. Cinco quilos de fluoreto de sódio. Não, certeza que são oito.
EVA: Oito quilos de fluoreto de sódio.
JIM: Quarenta quilos de –
EVA: Jim.
JIM: O que?
EVA: Por que você se esconde atrás dessa armadura?
JIM: Quem disse que eu me escondo atrás de uma armadura?
EVA: Seus olhos, o jeito que suas mãos tremem às vezes.
JIM: Ah. Isso.
EVA: Seria tão bom se você tirasse essa armadura. Quero dizer, com a pessoa certa.
JIM: E quem é essa pessoa certa?
EVA: Eu.
JIM: Como vou saber?
EVA: Porque estou te dizendo.
JIM: As pessoas mentem muito.
EVA: Não estou mentindo, quero que confie em mim.
JIM: Certo.
EVA: Por que suas mãos tremem assim?
JIM: Energia presa. Um dia algo vai ativar essa energia que nem fósforo num barril de
pólvora – e aí teremos uma grande explosão!
EVA: Acho que esses dez anos te deixaram mais forte que os outros homens. Quando
colocar essa energia toda pra fora, nada vai te segurar. Você vai derrubar todos os muros
e passar por cima deles, Jim. Você será um gigante com o raio na mão direita e o trovão
na esquerda. E eu vou saber seus segredos, todas as coisas doces e estranhas que só uma
mulher sabe e– (WHALEN entra) Quantos quilos... de fluoreto de sódio?
JIM: Oito.
DIRETOR: Schultz está trazendo o pessoal da Solitária. Ajeita as cadeiras.
JIM: Sim, senhor.
DIRETOR: E fica perto da janela de cara fechada! Eva, quer ficar aqui ou na outra sala?
EVA: Vou ficar. (Campainha)
DIRETOR: Ok. Deixa entrar! (Figuras abatidas entram O Diretor assobia)
SCHULTZ: Encosta na parede!
DIRETOR: Que bela aparência hein?! Vão causar uma boa impressão quando voltarem
pro Pavilhão C! (Para SWIFTY): Há quanto tempo está na Solitária, meu filho? (Swifty
não consegue responder. O Diretor levanta o cassetete e continua) Vai prá lá! Não fala
por quê?
JIM: Ele não consegue.
DIRETOR: Mudo?
JIM: Não. Está doente. Ele passou cinco dias numa camisa de força.
DIRETOR: Acho que precisa de mais cinco. (SWIFTY cai de joelhos)
JIM: Acho que já está bom pro Swifty, chefe.
DIRETOR: Quem te perguntou?
JIM: Ninguém.
DIRETOR: Apenas ofereceu a informação?
JIM: Sim, senhor.
DIRETOR: Talvez você queira ficar no lugar dele lá embaixo.
JIM: Não, senhor.
DIRETOR: Então é melhor calar a boca. Ollie?
OLLIE (Fraco): Sim, senhor.
DIRETOR: Parece que está cansado.
OLLIE: (Voz trêmula): Tô, sim sinhor. Quase morri ontem de noite. Chefe, num pensei
que eu ia vivê pra vê o dia!
DIRETOR: Acha que outra noite vai te fazer bem?
OLLIE: Eu num ia aguentá, chefe.
DIRETOR: Que acha, Schultz?
SCHULTZ: Acho que outra noite vai fazer bem pra esse garoto, Sr. Whalen.
OLLIE (Descontrolado): Por favor, Deus, chefe, eu num vou aguentá, eu num vou
aguentá!
DIRETOR: Duas noites! Uma extra por essa matraca aberta!
OLLIE: Oh, Senhor, que confusão, por favor, Jesus, que confusão... (Continua essa
ladainha)
DIRETOR: Tira eles daqui! Dou uma olhada neles amanhã de novo. (Se arrastam para
fora, OLLIE rezando. JIM segue) Que matraca! (Eva afunda na cadeira) Vai passar mal
de novo?
EVA: Não, estou bem. Parecem que estão doentes. Fiquei com ânsia.
DIRETOR: Claro que parece. Vão apreciar um bom tratamento depois disso – aposto
como não vão mais reclamar da comida. (Tumulto no corredor. JIM entra)
DIRETOR: Que está acontecendo?
JIM: Ollie acabou de...
DIRETOR: Pirou?
JIM: Sim. Bateu a cabeça na parede até quebrar.
DIRETOR: A cabeça ou a parede?
JIM: A cabeça.
DIRETOR: Está bem. Leva ele pra enfermaria.
JIM: Não adianta.
DIRETOR: Morreu?
JIM: Sim.
DIRETOR: Por que você não cuidou? Podia ter evitado isso. Dá as fichas pra Eva.
Preenche aí. Nome. – Qual era o nome daquele preto?
JIM: Oliver Jackson.
DIRETOR: Seu amigo especial?
JIM: Todo mundo gostava do Ollie.
DIRETOR: Ah. Quantos anos?
JIM: Vinte e seis.
DIRETOR: Cor – preto! Qual a pena?
JIM: Três anos. Roubou um enlatado num supermercado pra alimentar a família.
DIRETOR: Furto! – Causa da morte? – Tinha sífilis?
JIM: Não.
DIRETOR: Hummm. Escreve aí, Eva. Úlcera. Hemorragias severas.
JIM: O senhor já mandou escrever isso pra ele na semana passada.
DIRETOR: Bem, então escreve gripe forte, complicações, pneumonia! (Gritos) Que
isso?
JIM: Estão gritando.
DIRETOR: (Instintivamente pega o chicote) Tá vindo de onde? Pavilhão C?
JIM: Não. Pavilhões A, B, C, D, E e F!
DIRETOR: (Tremendo) Estão reclamando do que agora?
JIM: Provavelmente souberam do Ollie. Eles gostavam bastante dele.
DIRETOR: Ah. (Com medo) – Schultz! (Pega o telefone) Schultz? Como está o
encanamento da Klondike? Testa os aquecedores e prepara pra ligar. (O palco fica todo
escuro).

(Sussurros aumentam de intensidade): Alguém se machucou lá embaixo. – Quem? –


Ollie! – Ollie? – É, mataram o Ollie. – O Ollie morreu. – Mataram o Ollie. – O Ollie
morreu. MATARAM O OLLIE. –MATARAM O OLLIE. – O OLLIE MORREU!

(BUTCH na cela)
BUTCH: O Ollie morreu. MATARAM O OLLIE! (Grita)
CORO: O Ollie morreu! Eles mataram o Ollie!
JOE: Que vamos fazer?
BUTCH: Parar de comer! (Grita entre as grades) PAREM DE COMER.
CORO: Parem de comer! Parem de comer!
SUSSURROS: O que o Butch tá falando? – Pra gente parar de comer. – Greve de fome?
– É, greve de fome! – O Butch tá dizendo pra gente fazer GREVE DE FOME! – Greve
de fome. – Não comam. – Não comam. – GREVE DE FOME!
VOZ: Os homens do Pavilhão C pararam de comer!
SEGUNDA VOZ: Greve de fome no Pavilhão C!
VENDEDOR DE JORNAIS: Estrela da Manhã! Jornal! Tudo sobre a greve de fome!
VOZ FEMININA: Uns detentos da prisão estadual iniciaram uma greve de fome!
VOZ: Boletim da Associated Press – Greve de fome na Penitenciária! Os detentos se
rebelaram contra o cardápio repetitivo!
VOZ: United Press!
VOZ: Columbia Broadcasting System!
VOZ: Autoridades prometem investigar suposta greve de fome na penitenciária estadual!
VOZ: Diretor desmente greve de fome!
VOZ: Confirmada greve de fome!
VOZ: Desmentida a greve de fome!
VOZ: Greve de fome! GREVE DE FOME! (Ruídos de tráfego, sirenes, sinos. Reprise do
tema musical: “Abertura 1812”)

SEGUNDO ATO
Episódio 1 - “Não Será Sobre Rouxinóis”
Escritório. A greve dura vários dias e gerou uma atmosfera tensa, elétrica. Todos
aguardam a inevitável explosão. EVA sentada, sozinha, nervosa, ao telefone.

EVA: Estrela da Manhã? Não, o Sr. Whalen não pode atender agora. Não, não existe
nenhum problema grave. Não, vocês não podem entrar na ilha sem uma permissão
especial do Sr. Whalen. A regra está em vigor há seis dias. Não tem nenhuma greve de
fome! Sim, até logo.

JIM (arranca uma página de um livro):


EVA: Que foi?
JIM: Não gostei.
EVA: O que era?
JIM: Um bordado de palavras do poeta John Keats.
EVA: Qual o problema?
JIM: É uma bobagem: “Ode a um Rouxinol!” Esses rebeldes literários não têm assuntos
mais importantes? Eles deviam passar um tempo na prisão antes de escolher esses temas!
EVA: Então por que você não escreve?
JIM: Se eu escrever, adeus condicional! Mas talvez no mês que vem eu comece a
escrever... mas não será sobre rouxinóis!
EVA: John Keats não teve tempo. Ele morreu com 26 anos.
JIM: Deve ter se sufocado em lírios.
EVA: Não. Ele era como você, queria muito viver, dizer um monte de coisas, mas não
teve oportunidade. Saiu de sua prisão ao olhar as estrelas. Pra ele a beleza era uma forma
de fuga.
JIM: Por que você não se preocupa só com seu emprego?
EVA: Porque eu gosto de você, Jim.
JIM: Mesmo depois da última vez que ficamos sozinhos aqui dentro?
EVA: Mais ainda.
JIM: Tem algo mitológico em ficar sem mulher tanto tempo. A gente não acredita que
elas sejam reais, nem mesmo quando se coloca as mãos nelas e –
EVA: Jim! (Ela se afasta quando WHALEN entra)
DIRETOR (Acende um charuto): E aí Jimmy, tudo tranquilo lá no Pavilhão C?
JIM: Não muito. Os detentos estão muito revoltados com a morte do Ollie.
DIRETOR: Os detentos ou você?
JIM: Eles acham que poderia ter sido evitada.
DIRETOR: Claro que sim. Ninguém mandou aquele negro tonto bater a cabeça.
JIM: Ele estava desesperado.
DIRETOR: Nossa, você acha?
JIM: Estamos correndo o risco de um suicídio em massa no Pavilhão C. Alguém precisa
acalmar os detentos, falar com eles.
DIRETOR: Quem dirige esta prisão, você ou eu?
JIM: O sr. me desculpa pela intromissão.
DIRETOR: Cuida do seu serviço. Pode ir.
JIM: Sim, senhor. (Sai)
DIRETOR (Pensa. Liga): Alô, reverendo? Aqui é o Diretor Whalen. Preciso do seu
serviço aqui na prisão. Vem aqui pra gente conversar. Isso! Chega antes da missa de
domingo (Desliga)

Episódio 2 - “O Novo Capelão!”


WHALEN e REVERENDO voltam ao escritório do jantar de domingo. REVERENDO
HOOKER é um homem nervoso e meticuloso, com uma necessidade de agradar.

DIRETOR: Desculpa avisar tão em cima, mas preciso que o senhor fale com os detentos.
REVERENDO: Sou um servo consciencioso de Deus sempre disposto a ajudar.
DIRETOR: O último capelão era muito enxerido e eu tive que demitir o sujeito! Ele
cometeu um erro fatal, reverendo, esqueceu quem estava no comando.
REVERENDO: Não creio que cometerei o mesmo erro, Sr. Whalen.
DIRETOR: Não, nem eu. A primeira vez que te vi eu já soube que você é um homem
maleável.
REVERENDO: Eu me orgulho de ser... maleável!
DIRETOR: Ótimo. Maleabilidade é fundamental aqui. (Olha o relógio) A igreja vai abrir
em cinco minutos. O senhor é bom em improvisar discursos?
REVERENDO: Ah, sim! Nunca me faltaram palavras em nenhuma ocasião, Sr. Whalen.
DIRETOR: Seu emprego depende disso. Não tenho tempo pros detalhes, reverendo, mas
quero que toque em três tópicos. Não importa como, só quero que dê a devida ênfase a
eles!
REVERENDO: Três tópicos!
DIRETOR: Sim, senhor! Anote aí. Comida!
REVERENDO: Comida?
DIRETOR: Esse é o primeiro. Depois, calor!
REVERENDO: Calor?
DIRETOR: Isso. E depois, Klondike! (Um sino bate) O sinal. Estou dois minutos
atrasado. Lembre-se: comida, calor e Klondike!
REVERENDO: O último, Klondike!? O trabalho missionário no norte? Entre os
esquimós? Difícil de entender essa associação de idéias - porém - (Foco no
REVERENDO HOOKER)
REVERENDO: Sim - hã - boa noite a todos. (Limpa a garganta; depois, grande sorriso
para os presos) Espero que tenham apreciado seu jantar tanto quanto eu -
VOZ: Carne moída e macarrão! (Vaias. Apito, silêncio)
REVERENDO: Comida é uma bênção tão familiar que às vezes nos esquecemos de
agradecer por ela. Mas quando leio sobre as regiões do mundo afetadas pela fome – tsc,
tsc – vejo que tenho sorte por ter o que comer! (Vaias, apito) Quando alguém pensa em
comida - também se pensa numa associação natural de idéias – sobre - a maravilhosa
bênção do - calor! Calor – pra cozinhar a comida - maravilhoso calor! O calor do sol que
aquece a atmosfera da Terra e permite o crescimento dos vegetais e dos grãos e das -
frutas - o calor do - corpo - hã - (Enxuga a testa) calor, calor universal - Nesta época do
ano alguns acham o calor opressivo - hã - mas é muita ingratidão da nossa parte, - (Lento
bater de pés. Reverendo eleva sua voz) Toda matéria viva depende de calor - do norte ao
sul do equador e nos pólos - e mesmo no distante Alasca - mesmo em Klondike - ( Bater
de pés mais alto) O que seria de Klondike sem o calor? Uma terra gelada! (Olha nervoso
em volta) Em Klondike nossos bravos missionários, arriscam suas vidas entre tribos
selvagens de guerra - índios pintados - (Alguém atira um livro de música. Bater de pés)
Deus do céu – Como eu estava dizendo – em Klondike! (Livro de música é atirado,
apito, gritos, sirene. ESCURO. Jazz debochado. REVERENDO no escritório leva um
lenço à testa)
REVERENDO: Ai, tende piedade de nós!
DIRETOR: Caramba, Reverendo, te dou minha palavra, reverendo, que eu não esperava
uma reação dessa! Foi uma surpresa pra mim!
REVERENDO: Ahhhh! Acho que vou precisar de cuidados médicos.
DIRETOR: É, bom, quero que aceite esta nota de cinco, reverendo.
REVERENDO: E o choque nervoso?! Minha nossa!
DIRETOR: Hein? Bom –
REVERENDO: Terrível, terrível! Uma experiência chocante!
DIRETOR: Tome mais dois dólares. (Tema musical: jazz)

Episódio 3 - “A Hora H!”


EVA datilografa no escritório, nervosa. JIM entra, muito tenso, olhos em chamas)

JIM: Como consegue ficar calada diante de tudo?


EVA: E o que mais posso fazer?
JIM: Contar pro mundo que três mil e quinhentos animais estão morrendo de fome e são
ameaçados de tortura.
EVA: E perder meu emprego?
JIM: Ah, me desculpe por ser tão insensível.
EVA: Você não entende. Eu estava há seis meses sem trabalhar.
JIM: Eu vou falar. Mesmo perdendo minha chance de condicional.
EVA: Não, não faça isso. Vamos ver o que acontece.
JIM: Whalen mandou colocar o Pavilhão C na Klondike hoje se eles não jantarem.
EVA: (JIM tira o telefone do gancho) O que vai fazer?
JIM: Estourar a tampa deste buraco fedido.
EVA (Toma o telefone): Não, Jim! Eu faço! Eu falo!
JIM: Quando?
EVA (Abaixa o tom de voz): Hoje à noite.
JIM: Espera até amanhã. Aí teremos mais evidências com o Pavilhão C na Klondike.
(DIRETOR entra)
DIRETOR: E aí, Jim? O pessoal do Pavilhão C gostou do clima que preparei pra eles?
JIM: Eles ainda não sabem. O Schultz vai contar quando tirar eles da Solitária.
DIRETOR: Eles vão jantar hoje.
JIM: O que tem pro jantar?
DIRETOR: O bom e velho preferido deles: carne moída com macarrão. Eu é que não vou
paparicar aqueles filhos da puta. – Desculpa, Eva.
JIM: Acho que eles não vão comer.
DIRETOR: Você acha que não, hein? Bem, eu acho que sim! (EVA pega o chapéu para
sair) Eva –
EVA: Sim, senhor?
DIRETOR: Quero que volte depois da janta. Temos que deixar as coisas na mais perfeita
ordem.
EVA: Sim, senhor. (Ela sai)
JIM: Sobre a minha condicional, senhor Whalen –
DIRETOR: O que tem?
JIM: Vai ser no mês que vem.
DIRETOR (Grunhido): Humm.
JIM: Acho que depende muito da sua decisão.
DIRETOR: Você é muito atrevido.
JIM: Por que?
DIRETOR: Vem me amolar com essa merda de condicional numa hora dessa!
JIM: Já deu meu tempo. Cumpri dez anos e tenho dez de desconto por bom
comportamento.
DIRETOR: Você vai ganhar uma passagem pra Klondike se tocar nesse assunto de novo.
JIM (Começa a avançar): Por Deus, eu -
DIRETOR: O quê?
JIM (Controla-se com esforço): Nada.
DIRETOR (Inquieto): Vou jantar. Volto lá pelas oito. Cuida de tudo aqui.
JIM: Sim, senhor. (WHALEN sai. JIM cobre o rosto, sufocando um soluço)

Episódio 4 - “Pavilhão C!”.


Luz na cela. Diálogo leve, mas com uma sensação subliminar de desespero.

BUTCH (rouco): I’m Forever Blowing Bubbles!


JOE: Para com esse disco furado. Por que num aprende uma música nova?
BUTCH: Essa era nova na última vez que ouvi.
JOE: Antes de ser preso?
BUTCH: Tinha acabado de ser lançada.
JOE: Muita água já passou embaixo da ponte de lá pra cá.
BUTCH: Era a favorita da Goldie.
JOE: Você num disse que ela gostava da Roses of Picardy?
BUTCH: Gostava também.
JOE: Que fim levou ela?
BUTCH: Eu que vou saber? Faz dez anos que ela parou de escrever.
JOE: Cristo! Deve ter morrido de sífilis.
BUTCH: Não, a Goldie não.
RAINHA: Eu queria estar morta. Eu tinha unhas tão bonitas. Olha agora. Meus dentes
eram bonitos também. Eu tinha um cabelo bonito. Agora quando me olho, eu queria estar
morta.
BUTCH: Fortune is always hiding – I looked everywhere!
RAINHA: É, eu queria era estar morta. Tomara que eu morra de fome. E eu vou. Já sinto
a morte chegando.
BUTCH: They fly so high, nearly reach the Sky. Eles apagavam a luz nessa música. O
globo prateado no teto girava e refletia um arco-íris no chão e nas paredes. Meu Deus, era
lindo!
RAINHA (levanta-se): Juro por Deus que não vou aguentar muito tempo mais, Butch!
BUTCH: Não?
RAINHA: Não, minha constituição é fraca. Eu já tava acabada antes de entrar aqui.
Inferno, armaram pra mim. Eu não vendia maconha. Fumava, mas nunca vendi! Fui
perseguida durante a vida toda! Agora, talvez eu morra lá na Klondike, eu nunca vou sair,
nunca - nunca vou sair!
BUTCH: Fecha essa matraca! Fortune’s always hiding – I looked everywhere! I`m
forever blowing BUBBLES! (Para. Uma porta bate – os homens levantam-se
simultaneamente, tensos) Estão trazendo o Swifty da Solitária.
SCHULTZ: Vamos, anda, ainda não é a marcha fúnebre! (Swifty arrasta os pés, tosse,
soluços) Alto! De frente pra cela! Vai, Swifty, será que eu estou falando grego? (Gemido
baixo. Butch pega sua caneca de lata, sereno. Apito) Entra, Swifty! (Swifty entra
tropeçando, aspecto horrível, soluçando) Ótimo! Olha bem pra ele. E lembra bem! A
Solitária não é nada comparado com a Klondike! Klondike é o grande remédio, e o Chefe
está pronto pra servir em dose dupla pra qualquer um aqui metido a esperto que não
jantar hoje!
VOZ (Lenta e enfaticamente): Cadê o Ollie?
OUTRA: É, cadê o Ollie?
CORO: Cadê o Ollie, cadê o Ollie, o que vocês fizeram com ele? (Pausa)
SCHULTZ: Culpa minha se um preto idiota resolve arrebentar a cabeça na parede?
(BUTCH bate na grade com a caneca. Um lamento começa. Apito. Murmúrio diminui)
SCHULTZ: Estão vendo este termômetro? (Tira um termômetro do bolso) Estão vendo
essa marquinha vermelha? É a temperatura do sangue. Agora tão vendo essa aqui mais
em cima, sete graus a mais? Aqui é febre. Acham que vai parar por aqui? Nem pensar!
Vai subir até estourar a ponta do marcador! Vai ser a maior onda de calor da história. É
só um dos mimados deixar um pedacinho de macarrão no prato hoje à noite pra ver o que
acontece!
VOZ: Macarrão? (Silêncio tenso e absoluto)
SCHULTZ: É, macarrão!
BUTCH: Macarrão, né? – Não vamos comer essa porcaria nem hoje e nem dia nenhum –
até o Whalen parar com a corrupção e não servir mais essa lavagem de porco!
SCHULTZ: Posso falar isso pra ele?
BUTCH: Pode. Se ele não gostar – (Vozes, assobio, porta fechando. Vozes diminuem)
VOZ: Klondike?
OUTRA VOZ: Hoje à noite?
OUTRA: É, se a gente não comer!
VOZ: Klondike?
OUTRA: Não quero ir pra Klondike!
VOZ (desespero): A gente não vai aguentar!
RAINHA: Santa Maria – Mãe de Deus – rogai por nós pecadores - agora e na hora - de
nossa morte. - Amém. (BUTCH chega até as grades e vocifera)
VOZ: É o Butch!
OUTRA: O que ele tá falando?
RAINHA: Jesus – morto por nossos pecados!
BUTCH: Cala a boca todo mundo! Você também, Rainha. Você vai ter muito tempo pra
falar com Jesus quando chegar lá! Agora escuta aqui! – Quem comer vai ser julgado no
nosso tribunal. Pena máxima! Eles podem jogar a gente na Klondike! – Algumas das
meninas podem até se derreter que nem manteiga. Mas não todos! Alguns vão resistir na
Klondike! E a Klondike é a última carta deles. Depois da Klondike, eles não vão ter
saída! Vão ter que negociar. Aí a gente exige outro diretor! Queremos condições
decentes! Chega de superlotação, chega de gente empilhada com doenças contagiosas. Ar
fresco nas celas e mais importante – QUEREMOS COMIDA BOA! (Aplausos) Chega de
macarrão a bolonhesa e feijão, e feijão e macarrão a bolonhesa até você achar que a
merda de mundo é feito só de feijão e macarrão a bolonhesa – (Aplausos)- Esse lugar vai
ficar que nem o Reformatório Industrial. Lá os caras aprendem uma profissão! Não ficam
trancados nuns buracos sujos até morrer pro Estado economizar dinheiro!! (Vozerio
furioso) Hoje vamos pra Klondike! – Lá tem três compartimentos! Um é um inferno leve,
o outro é um inferno médio e outro é um INFERNO REAL – Sabe em qual deles o Butch
O´Fallon vai ficar! – Eu não vou amarelar e vocês também não! É isso.
VOZ: Tá certo, Butch.
OUTRA VOZ: Estamos com você!
CORO: Vamos vencer a Klondike! – Pode crer! – Empurrar o Whalen contra a parede –
(Risadas nervosas e aplausos. As vozes calam-se abruptamente sob uma sombra de
medo)
RAINHA: (Um cântico) Morto – por nossos pecados – vermelho– de sangue é – o Sol!

Episódio 5 - “Definição da Vida!”


JIM no escritório fuma apoiado na escrivaninha com EVA.

EVA (Séria): A sua condicional foi recusada?


JIM: Ainda não, mas vai ser. Falei com o Whalen.
EVA: Ah, você não devia ter falado nisso agora. Ele está nervoso com a greve de fome.
JIM: (Com medo): Se recusarem de novo, não vou ter outra chance.
EVA: Por que não?
JIM: Eu vou explodir! – Estou no meu limite!
EVA: Não seja bobo, Jim.
JIM: Fui marionete desse filho da puta por dez anos. Jimmy, meu garoto, faça isso, faça
aquilo! Sim, senhor, sim, Sr. Whalen! Tenho vontade de estrangular o cretino. Essa é
uma das razões porque minhas mãos tremem tanto. A outra é ficar aqui de pé, nessa
janela, olhando pra fora, trancado aqui nestas paredes. Parece um caixão com tampa de
vidro e os vermes roendo minha carne... Pra que serve esse lugar? Os juízes dizem
culpado. Mas quem é culpado? O que essa palavra significa? O Dicionário diz:
“Responsável por cometer um crime.” Mas por que responsável? Quem teve uma
chance? Precisamos de um dicionário com novas definições.
EVA: Não fala mais nada... não vou deixar! (Ela o beija)
JIM: O que é isso entre a gente?
EVA: Não sei.
JIM: Parece brincadeira do destino.
EVA: Não diga isso!
JIM: Nunca vamos poder ficar juntos, Eva.
EVA: Vamos sim!
JIM: Onde?
EVA: Em algum lugar.
JIM: Como?
EVA: Não sei.
JIM: Nem eu.
EVA: Mas no mês que vem...
JIM: Não tem mês que vem!
EVA: Tem, oh, tem, tem que haver!
JIM: Por quê?
EVA: Porque eu te amo tanto que vai acontecer do jeito que eu quero que aconteça!
JIM: Por que você me ama?
EVA: Por que as coisas existem? Eu não sei o porquê.
JIM: Nem eu... (Eles se abraçam em êxtase)
EVA: Não virei amanhã. Vou aos jornais, à Prefeitura. A qualquer lugar, vou contar
tudo!
DIRETOR: Malditos. Malditos. Eles entraram em greve. (Diretor rabisca um papel)
Leve isto pra central telefônica e passe para todas as estações.
JIM: Isso significa que...?
DIRETOR: Não importa. Leva lá. E anda logo!
JIM: Sim, senhor. (JIM sai)
DIRETOR (para EVA): Já voltou, hein?
EVA: Sim, senhor.
DIRETOR (Arrota e tira o paletó): Eu devia ter falado pra você trazer umas coisas.
EVA: Que coisas?
DIRETOR: Sua camisolinha de seda e outras coisas.
EVA: Como assim?
DIRETOR: Quarentena! Começou uma epidemia de febre bem alta então coloquei o
lugar em quarentena – ninguém sai até a epidemia acabar.
EVA: Eu não posso ficar aqui.
DIRETOR: Não, não vou correr o risco de qualquer interferência externa nesse momento.
Como precaução, os barcos não transportam ninguém da ilha sem minha permissão
especial.
EVA: O senhor está abusando de sua autoridade.
DIRETOR: Não, você está errada. Em situações de emergência eu posso fazer o que bem
quiser.
(Serve uma dose de whiskey)
EVA: O senhor está bebendo muito. Isso afetou seu julgamento.
DIRETOR: Ei – olhe aqui!
EVA: Eu não sou prisioneira. Sou livre pra sair e fazer o que bem entender.
DIRETOR: Agora escuta aqui! (Ela pega o telefone)
EVA: (Ela percebe que o telefone está desligado)
DIRETOR: Mandei cortar as ligações. Está perdendo seu tempo.
EVA: Então eu – eu estou presa aqui dentro!
DIRETOR: Temporariamente – melhor aproveitar a ocasião! (Serve outra dose)
EVA: Ai!
DIRETOR: Ora, agora qual seu problema?
EVA: Não sei por quê, mas estou muito assustada.
DIRETOR (Consolador): Você está muito nervosa. Não tem que com que se preocupar.
EVA: Estou com medo do senhor! (Se afasta)
DIRETOR: De mim? Por que teria medo de mim?
EVA: Estou com medo do senhor. Me deixa ir embora, não consigo ficar aqui com o
senhor.
DIRETOR: Ora, ora.
EVA: Não, não me toque! Por favor.
DIRETOR: Você está histérica, Eva. (Voz baixa e cativante): Minha esposa também tem
esses ataques de “não me toque”.
EVA (Afasta-se): É?
DIRETOR: Conheço um bom tratamento pra isso, sempre funciona. Se acalme. Relaxe.
Você está muito agitada a troco de nada. Está tensa.
EVA: Verdade... (Ela quase desmaia pelo cansaço e nervoso – a voz dele é hipnótica)
DIRETOR: Humm. Agora, quando minha esposa fica assim, eu – eu esfrego meus dedos
de cima a baixo do pescoço dela – muito, muito suavemente – até toda a tensão
desaparecer...
EVA (Fecha os olhos): Sim...
DIRETOR: ... e então eu – (EVA suspira como que adormecida. Telefone toca) Pelo
amor de Deus, que isso agora? Alô? O quê? Vou descer imediatamente! (Desliga) Me
espera aqui, já volto! (Sai. JIM entra)
EVA: Jim! Jim! Me tira daqui, por favor, me tira daqui! (Descontrola)
JIM: Calma! Controle-se.
EVA: Ele disse que – eu estou presa aqui! Fiquei muito assustada de repente – eu tive a
sensação que algo terrível ia acontecer –
JIM: Fica calma!
EVA: Eu teria pulado pela janela se você não tivesse chegado!
JIM: Lá fora tem muita água.
EVA: Não me importo. Eu só queria sair daqui.
JIM: Você vai sair.
EVA: Com você, Jim? Você vai me levar?
JIM: Vou. Em breve. Não está sentindo as paredes estão chacoalhando? Eles vão estourar
tudo e logo estaremos livres!
EVA: Quero estar com você na hora! Eu quero que você me abrace assim, quando os
muros começarem a cair, Jim.
JIM: Estaremos juntos.
EVA: Onde?
JIM: Hoje à noite me encontre no canto sudoeste do pátio.
EVA: É seguro lá?
JIM (Em um sussurro): É escuro. Ninguém vai nos ver.

TERCEIRO ATO
Episódio 1 - “Manhã do dia 15 de agosto!”
Nos próximos episódios, quase constantemente ouve-se o suave silvo de vapor sob
pressão, saindo dos radiadores...
DIRETOR: Schultz? Como está a temperatura lá embaixo? 52? Qual o problema? Sobe
pra 54! O Butch O’Fallon está no nº 3? Ok, põe 57 lá e não diminui até segunda ordem.
Fechou as janelas do corredor? Bom. Fecha tudo e deixa eles gritarem até botarem os
bofes pra fora! (Luz na Klondike. Efeito de vapor na atmosfera. Os homens estão
esparramados no chão, respirando pesadamente, sem camisas. As paredes são nuas e
têm um brilho úmido. Radiadores emitem nuvens sibilantes de vapor)
JOE (Tossindo): Que horas são?
BUTCH: Eu que vou saber!
SWIFTY (Lamuriando): Água... água.
JOE: Será que a gente está aqui a noite inteira?
BUTCH: Claro que sim. Tô vendo a luz do dia pelo buraco.
JOE: Quanto tempo você ficou da outra vez?
BUTCH: Trinta e seis horas.
JOE: Cristo!
BUTCH: É. E a gente completou só umas oito.
SWIFTY: Água!
RAINHA: O Olimpíadas está com ânsia, eu também. Por que ninguém vem aqui?
BUTCH: Ei, não fica todo mundo aí deitado esperando a morte. Vamos animar essa
festa! Vamos cantar! Rainha, você sabe umas músicas boas, você tem voz! Vamos, seus
filhos da puta! Vamos animar! Vamos cantar! (Ele canta selvagemente)
Pack up your troubles in yuhr ole kit bag and (Os outros juntam-se a ele, com voz
debil..)
Canta alto! Cacete, canta bem alto!
What’s the use of worrying? It never was worthwhile!
SWIFTY (grito alto): Água! Água! Água! (. Assovio estridente dos radiadores)
RAINHA (Misto de horror e fúria): Estão aumentando o calor! Oh, meu Deus, por que
eles não param? Por que eles não deixam a gente sair? Oh, Jesus, por favor, por favor!
SWIFTY (Fraco): Água - água...
BUTCH: É. Claro que tão aumentando o calor. Cê não vê que estamos na Klondike?
Seus maricas. Querem ficar a vida toda chupando chupeta? Vamos, gente, canta aí -
I`m forever blowing BUBBLES! Pretty bubbles in the – AIR!
RAINHA: Estou acostumada a sofrer. Isto não é nada de novo. Gente como eu sempre
sofreu perseguição, miséria, fome, morte.
SWIFTY: Água.
RAINHA: Minha cabeça está cheia, cheia. Dói aqui. Minhas unhas vão derreter
JOE (Tossindo): Deixa eu ficar no buraco de ar.
RAINHA: Você tá pegando todo ele!
JOE: Cê não vê que eu to morrendo sufocado? (O vapor assovia mais alto)
BUTCH: Para de brigar pelo buraco de ar. A gente tem que revezar. Faz umas dezesseis
horas que tamos aqui. Pode ser que a gente fique mais umas dez, vinte, trinta.
JOE: Cristo!
RAINHA: A gente não vai conseguir!
BUTCH: Se a gente se organizar, consegue. Abaixa. Cada um vai ter a sua vez. Quinze
segundos. Eu conto. E quando um cara não aguentar – e empacotar –- a gente empurra
ele pra fora da fila - isso aqui é a Klondike... e por Deus do céu - alguns vão vencer, não
é? Não é, Joe?
JOE: É.
BUTCH: Bom, vamos começar então.
SWIFTY: Água!
BUTCH: Coloca o garoto aqui primeiro. (Empurram o corpo de SWIFTY pro buraco de
ar) Respira! Respira! Respira, seu desgraçado, respira! (Levanta SWIFTY pelo
colarinho) Não, não adianta, já era. Agora ele só vai correr entre as estrelas!
RAINHA: Ele não está morto! Ainda não! Ele está inconsciente, Butch! Dá uma chance
pra ele!
BUTCH: Tira ele da fila. Vem – Joe – (Os aquecedores assoviam mais alto)
BUTCH: Tão esquentando mais! Fica abaixado! Fica abaixado! Joe! Eu trouxe minha
navalha.
JOE: Belo jeito de escapar.
BUTCH: Quem sabe o Chefe desce aqui pra olhar a gente.
JOE (Tossindo): Não, ele não vai.
BUTCH: Quem sabe o Schultz em. Ou o Canário. Que nada, ele é covarde demais pra
botar a cara aqui! Mas se vier – (Apito) Escutou isso? É o sinal pra fechar! Já fizemos
vinte e quatro horas, Joe. A gente só tem mais vinte pra terminar!
JOE: Como sabe quanto tempo vai ser?
BUTCH: Eles não vão querer matar a gente!
JOE: Por que não? (Ele tosse)—É a sua vez, Butch.
BUTCH: É, sai daí, Rainha!
RAINHA: Não! Me deixe respirar. (BUTCH arranca RAINHA do buraco de ar.
RAINHA levanta trôpega) Eu tenho que sair daqui! Me deixa sair, me deixar sair!
(Esmurra a parede, cambaleia na direção dos radiadores)
BUTCH: Fica longe dos radiadores! (RAINHA cambaleia para dentro da nuvem de
vapor – grita – cai no chão) Ele se jogou nos radiadores, caralho. (RAINHA grita e
soluça) Para com isso! Seu desgraçado – (Agarra o pescoço de RAINHA e bate sua
cabeça no chão) Pronto!
JOE: Butch – você matou ele. (ofegantes, agachados perto do buraco de ar) Butch –
BUTCH: Fala.
JOE: Me mata com a navalha! Rápido! Eu quero acabar com isto!
BUTCH: Aguenta, Joe. Você consegue.
JOE: Não, eu não consigo, Butch. Eu estou morrendo sufocado. Não aguento mais.
BUTCH: Respira.
JOE: Não tem mais ar entrando, BUTCH.
BUTCH: Tem ar – respira, Joe.
JOE: Não... (BUTCH levanta o rosto e sacode JOE)
BUTCH: Seu desgraçado, não brinca assim! Fica comigo, Joe! Nós podemos derrotar a
Klondike! (JOE ri, em delírio. BUTCH continua a falar e se levanta) Desliga esses
malditos aquecedores!! Você aí, seu desgraçado, desliga o calor!! (Cambaleia na direção
dos radiadores) Para com isso, está me ouvindo? Para com esse SHSHSH! SHSHSH! Eu
vou desligar vocês, seus filhos da puta! (Pula sobre os aquecedores e luta com eles como
se fossem um adversário humano – tenta controlar o vapor com as mãos – fica
escaldado – grita, agoniado) SHSHSH! SHSHSH! SHSHSH!
JOE: Porra, Butch, Você ficou maluco? (BUTCH cambaleia de volta à passagem de ar)
BUTCH: Joe! Ei, Joe! Swifty! Você aí, Rainha!! (Puxa um dos corpos) Vamos cantar!
Vamos cantar juntos alguma coisa! Vamos cantar alto! Alto!
For-tune`s always hid-ing!
Por que vocês não cantam alguma coisa, seus desgraçados! Vamos lá – cantem! Cantem!
I looked ev´rywhere -!
(As luzes caem enquanto a música completa os versos finais de “Bubbles”)

Episódio 3 - “Flagrante no Pátio!”


Luz no escritório. JIM e EVA estão lá com um Guarda. WHALEN entra)
DIRETOR: Que isso?
SCHULTZ: Ouvi um barulho no pátio. Parecia voz de garota. Joguei a luz e... lá estavam
eles!
DIRETOR: Ah! Fazendo o quê?
GUARDA: Bem, não estavam colhendo margaridas.
DIRETOR: Ah! (Para EVA): Você correu pro pátio que nem uma cadela no cio?
JIM (Avançando): Para!
DIRETOR: Ah!
JIM: É fácil dizer essas coisas quando tem uma arma nas minhas costas.
DIRETOR: Abaixa a arma. (Pega um chicote) É decepcionante quando você deposita
confiança demais nas pessoas erradas. Tira o casaco.
EVA: Não, não faz isso. Não foi culpa dele. Eu pedi pra ele me encontrar lá fora. Porque
eu estava com medo do senhor e desse lugar horrível! E agora o senhor vai nos deixar
sair antes que eu grite e conte pra todo mundo!
DIRETOR: Segura essa menina!
JIM: Deixa ela ir! (WHALEN bate em JIM com o chicote. Ele cai no chão. EVA grita)
DIRETOR: Joga ele na Klondike com o Butch O’Fallon! Eles são bons amigos! (Schultz
e CHICK arrastam JIM) Bem, Eva... Eu lamento por tudo isso. Sinceramente. Me
perdoa! Eu estou sob pressão. Não é fácil ser o chefe de uma instituição como esta. Fico
tão cansado das coisas que eu tenho que fazer... me dói olhar pra minha filha e ouvir ela
me chamar de - papai! (Serve uma bebida) Aqui. Toma uma, também. Às vezes, não me
reconheço. Terrível, terrível! Homens lá embaixo sujeitados a uma tortura horrível! Mas
o que posso fazer? Tenho que manter a disciplina - lidando com criminosos - não há
outra maneira – Toma sua bebida.
EVA: Obrigada. (Ela pega o copo)
DIRETOR: Você mesma confessou - se lembra? Que chamou o Jim pro pátio - Agora
vou fazer vista grossa sobre essas - essas discrepâncias no relatório da secretaria... -
EVA: O que o senhor está querendo dizer, Sr. Whalen? O senhor vai – tentar me acusar
de -!
DIRETOR: Não, não, não! (Um sorriso insinuante) Só se você me obrigar.
EVA: O que o senhor quer?
DIRETOR: O que qualquer homem quer? O que o Jim queria? – Solidariedade!
EVA: Oh.
DIRETOR: Tudo se resolve. Todos estamos estressados, exaustos! Precisamos de
solidariedade!
EVA: Oh. O que o senhor vai fazer com o Jim agora?
DIRETOR: Bem –
EVA: Eu amo o Jim e ele me ama! O senhor provavelmente não entende como isso
aconteceu entre nós – Ele tem direito à condicional no mês que vem.
DIRETOR: Eu sei, eu estou com a carta da condicional.
EVA: O senhor não vai mandar a carta?
DIRETOR: Bem –
EVA: Suponhamos que eu – eu me solidarize – como o senhor diz – e – fique de boca
fechada e qualquer coisa a mais que o senhor quiser! O senhor mandaria a carta? Da
condicional do Jim?
DIRETOR: Por que não? Viu como é fácil ajeitar as coisas?!
EVA: O senhor mandaria essa carta agora?
DIRETOR: Agora? Agora está tarde –
EVA: O barco do correio sai às onze. O senhor podia mandar a carta nele. Não se
preocupe. Eu não vou recuar. Não tenho mais medo do senhor. Gosto do senhor e quero
lhe mostrar isso! (O DIRETOR retira a carta da gaveta e toca o sino. Um Guarda entra)
Coloque isto no correio.
GUARDA: Sim, senhor. (Retira-se)
DIRETOR: A minha cabeça dói o tempo todo, minha esposa me largou, levou minha
filha. Nós todos estamos nervosos e cansados! Não estamos? Sim – (Conduz EVA
enquanto a luz cai)

Episódio 4 - “O Confronto Final”


Luz na Klondike. BUTCH deitado perto do ar. Vozes. Lentamente BUTCH levanta a
cabeça.

SCHULTZ (entra): Se deliciando com a secretária do Chefe lá no pátio – imagine só!


Caramba! Que fedor! Chick. Vem aqui! Tem tanto vapor que não consigo ver nada. Me
dá aquela lanterna.
CHICK: Pra mim tá parecendo que – Jesus! Eles tão duros!
SCHULTZ: Duros! Morreram?
CHICK: Queimados vivos! Deus todo poderoso! Eu não sabia que isso tava acontecendo
aqui.
SCHULTZ: Boca fechada! Quantos são? Me dá a lanterna! Joe, Swifty, Rainha. Cadê o
Butch?
BUTCH (Pula): Aqui otário! (Agarra SCHULTZ. JIM ataca CHICK e pega o revólver)
JIM: Joga a arma!
BUTCH: Ah! Você, Canário!
SCHULTZ: Bom trabalho, Jim!
JIM: Falei pra você soltar a arma, Schultz! Mão na cabeça! Butch – tira as chaves dele!
BUTCH (Pega as chaves de Schultz): Ah – ah!
SCHULTZ: Que isso?
JIM: Butch – solta todo mundo nos pavilhões! Vamos subir pro escritório!
BUTCH: Certo!
SCHULTZ: Vocês vão pagar por isso, seus filhos da puta! O que você vai fazer, Jim?
JIM: Vou pra um lugar agradável, Schultz! E você vai SUAR! (sai. SCHULTZ esmurra a
porta e grita. Palco escuro. Sirene. Luz no escritório. WHALEN sai do anexo. JIM
entra)
DIRETOR: Jim!
JIM: É! Arrombaram as portas do inferno e os condenados foram libertados!
DIRETOR: O que aconteceu? (Aperta o botão de alarme)
JIM: Não adianta apertar isso aí. Não tem ninguém do outro lado.
DIRETOR: Eles fugiram da - Klondike?
JIM: Fugiram, menos três. Não fugiram porque estão mortos – mas mandaram
lembranças!
DIRETOR: Olha aqui, Jim –
JIM: Qual o problema? Está passando mal?
DIRETOR: Eu faço um trato com você – cadê os - rapazes?
JIM: Aí fora. Eu queria me certificar de que a EVA não estava aqui, antes deles entrarem.
DIRETOR: Não! Você não pode fazer isso!
JIM: Claro. Eu sou o comitê de boas vindas. Eu tenho as chaves. (EVA aparece) Eva!
EVA: Jim, não faça isso! Ele escreveu uma carta pedindo sua condicional, ele já mandou!
DIRETOR: É verdade, Jim. Eu acabei de fazer isso.
JIM: Volta lá pra dentro, Eva. Não, você fica aqui!
EVA: Jim! (Ele a empurra e tranca a porta)
DIRETOR: Jim, você vai trocar a sua liberdade condicional pela cadeira elétrica?
JIM: Claro. Vale a pena. Eu não esqueci dos vinte e um dias na Solitária.
DIRETOR: Depois daquilo eu virei seu amigo!
JIM: Mas eu não virei seu!
DIRETOR (Quase gritando): Eu fui bom pra você depois daquilo, Jim!
JIM: Sua assinatura ainda está nas minhas costas! Agora Butch O’Fallon tá te esperando
aí fora com o chicote.
DIRETOR: Não! Jim! Jim! (JIM sai – Homens entram como uma matilha de lobos)
BUTCH: Cadê ele?
DIRETOR: Butch!
BUTCH: Aqui! Eu sinto o cheiro dele agora! Esperei muito tempo - você aqui dentro - eu
lá fora - Mas agora estamos - juntos, finalmente - É um prazer conhecer você, focinho de
porco!
DIRETOR: Escuta aqui, - O’Fallon - Jim - Eu faço um acordo com vocês.
BUTCH: Cadê o chicote?
DIRETOR: Pensa nas conseqüências! Não sejam idiotas! (BUTCH bate com o chicote).
Para! Sou um homem de família! Eu tenho esposa! Uma filha! Uma pequena... garotaaaa!
(Grito de angústia BUTCH bate com fúria demoníaca até ele perder os sentidos. Sirene
de barco que se aproxima)
BUTCH: Que isso?
JIM: Um barco da polícia! Os soldados tão desembarcando!
(Portões batem... tiros de metralhadoras. Barulho de sirene).
JIM: Butch – vamos sair pela janela.
BUTCH: Não sei nadar.
JIM: O que você vai fazer?
BUTCH: Ficar aqui e lutar.
JIM: Vou tentar a sorte na água.
BUTCH (estende a mão): Boa sorte. Eu estava errado sobre você.
JIM: Obrigado.
BUTCH: Toma isso. (Tira um anel e entrega pra JIM). Tinha uma garota chamada
Goldie no Salão Princesa. Se você por acaso encontrar com ela, entrega isso - E diga que
eu - eu guardei - esse anel o tempo todo.
JIM: Claro, Butch. Eu faço isso, se conseguir -
BUTCH: Adeus. (Tiroteio e gritos de fora. JIM destranca a porta do anexo. Sai
lentamente, cai soluçando no ombro dele)
JIM: Eva. Não chora!
EVA: Não. Não vou chorar. O que você vai fazer?
JIM: Nadar até o Lorelei e pegar uma carona!
EVA: Você não vai conseguir, Jim – Vão trazer você de volta.
JIM: Não me pergunte como! O momento requer coisas inesperadas, milagres, aventuras
loucas como nos livros!
EVA: Oh, Jim, eu gostaria de viver com você lá fora. Eu te daria tudo que você nunca
teve. Juntos nós poderíamos ter noites longas, sem paredes. Eu tocaria a pedra de que
você é feito, Jim. Você ficaria tão apaixonado, tão perdidamente apaixonado que o seu
amor produziria em todo o meu corpo uma cicatriz que tempo algum poderia curar! – Oh,
Jim se nós pudéssemos nos encontrar desta forma, algum lugar onde pudéssemos nos
amar em segredo sem medo. Poderíamos esquecer isto tudo como se tivesse sido um
sonho! – Que lugar seria esse? Me fala
JIM: Rápido! Ele está bem perto! Segura meu sapato! (Tira os sapatos e entrega pra ela)
EVA: Sim, Jim! Mas me diga onde?
JIM: (Sobe no parapeito): Procura nas colunas sociais! (Ele se atira pela janela)
EVA: Jim! – Adeus! – Adeus...
(Música do Lorelei. Sombras de labaredas nas paredes. Gritos e passos. Entram
soldados)

ALTO FALANTE: Ah, Já dá pra ver a ilha mesmo coberta de névoa. Olhem as pedras
grandes, senhoras e senhores. Vocês enxergariam melhor se houvesse lua. Aquelas
paredes são à prova de dinamite, à prova de fugas - Três mil e quinhentos homens
trancados lá dentro - alguns deles vão ficar aí até o dia do juízo final – (Música) – Ah, lá
está a orquestra! Dança no deck superior, senhoras e senhores, vamos dançar – vamos
dançar...

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