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Entrevista a Zé Pasteleiro
Entrev. (com ar confiante) — E, na nossa rubrica As Estranhas Profissões, temos hoje aqui connosco o Sr.
Perfeito Calhau, radiotelegrafista.
JP (mostrando-se "encavacado”) — Eu não sou Perfeito Calhau... o meu nome é José Severino. Sou
pasteleiro
Entrev. (enquanto consulta rapidamente os papéis) — Oh, diabo! Você é o convidado da próxima semana...
JP (balbuciando) — Pois isso agora não sei... não é? Isso agora... porque... a senhora que foi lá da televisão,
a menina Olímpia, é que me disse que era para vir hoje... que era dia 31. Eu até disse: "Ó minha senhora,
mas nesse dia tenho muito serviço, valha-me Deus!"
JP — Elas disseram que estava alugado e tudo... e eu não...mas agora não sei...
Entrev. (visivelmente aflita) — Eu nem sei o que fazer... e ainda por cima tinha preparado perguntas para um
radiotelegrafista.. .
JP — Pois... quer-se dizer... eu é mais bolos, não é? É a minha especialidade... é mais bolos e...
Entrev. — A menos que lhe fizesse algumas perguntas destas... mas você também não deve perceber muito
destes assuntos...
JP — ... e também temos salgados, mas é mais bolos. E nesta época é mais o bolo-rei...
JP — Ah! isso é morsa... pois é!... A gente... o que eu faço muito é casamentos! Baptizados, também... mas
é mais casamentos que isto agora, não sei o que é que lhes deu, está tudo a casar. E pronto, temos dois
automóveis, um automóvel é mais grande que é o que leva os pratos...
JP — ... ainda a semana passada tivemos um casamento muito jeitoso, minha senhora... em Fernão Ferro,
que é um senhor que é filho de um doutor, que é uma jóia de pessoa... uma jóia de uma pessoa...
JP — Eram os After-Eight's, que são uns amigos nossos... que é um conjunto muito jeitoso que... pronto...
tocam mais música dos anos 60, não é? Bitles, Ottis Redding, Rolling Chtones...
JP — Marie Curie... Bom, isso não sei, mas a senhora, se quiser, dá-lhes o disco e aquilo... pronto, é uma
gente que de um dia para o outro podem decalcar...
Entrev. — Bom, telespectadores, pedimos desculpa. Vamos ter de acabar aqui... Talvez para a semana
continuemos...
JP — (interrompendo) - Mas olhe que eu p'ra semana não posso vir, minha senhora. Eu disse que... eu p'ra
semana tenho um serviço... p'ra semana temos um serviço para a Charneca do Lumiar...
JP — Pois, minha senhora, isso agora é que eu já não sei... Porque é que não convida aquele... o... o Nuno
Rogeiro? Esse sabe de tudo; é mísseis, é pastelari... é tudo. E pronto, fazia um programa muito jeitoso... e
eu depois vinha na outra semana com certeza.
JP — (tentando ajudar) - Pois... não sei.. a menos que, se a senhora quiser, eu posso-lhe fazer uma coisa: a
senhora dá-me as perguntas da cardiologia; eu vou ao meu médico, faço-lhe as perguntas, aponto tudo,
depois venho aqui responder...
JP — Pois... bem não parece. Isso não... parecer bem, não parece. Por que é que não convida o Álvaro
Cunhal?
JP — Pois... façam-lhe as perguntas que fizerem, ele responde sempre o que quer. Portanto... dá um
belíssimo programa.
JP — Pois, com certeza, minha senhora. Isto, a gente, temos que ser uns para os outros... por quem é?
Tópicos de correcção:
- o diálogo de surdos:
JP (…) E pronto temos dois automóveis, um grande automóvel é mais grande, que é o que leva os
pratos…
“Entre.- Telecomunicações e navegação?
JP- … ainda a semana passada tivemos um casamento (…)”
6. Esta entrevista é uma caricatura que fustiga tanto os entrevistadores pouco preparados, como os
entrevistados pretensamente versados em todos os assuntos ou os que fogem, por sistema, às
questões formuladas.
No primeiro caso, o risco do disparate é enorme e, no segundo, o diálogo de surdos é quase
inevitável.