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abril 2010
48 Por Maria da Glória Barbosa
Este artigo, que se destina em especial aos profissionais da área jurídica, retoma o tema básico que
o norteia, qual seja, a produção de textos jurídicos e sua gramática aplicada.
Tentaremos, ao longo de três números, traçar as coordenadas da construção de um acórdão, desde
a sua ementa, passando pelo relatório, o voto e, finalmente, sua parte dispositiva, ou seja, a decisão.
Comecemos então pela construção da...
EMENTA
A ementa é o texto que apresenta, de forma resumida, o fato processual em si. Nela se configura o
raciocínio básico norteador do julgamento, com a indicação da lei que o respalda. Seu último enunciado
traz a decisão do colegiado em relação ao processo e consiste em uma declaração, que passa a valer
como lei para as partes envolvidas.
Para se construir uma ementa, é preciso resgatar mentalmente todo o roteiro do processo, represen-
tando-o em forma resumida.
A sugestão é que o autor do texto pense inicialmente por meio de palavras-chaves (duas, três, cinco,
vai depender da complexidade do processo). Tais palavras-chaves podem servir como título da ementa,
bem como ser a base de sua estruturação em itens, que não devem ser muito numerosos.
Vamos em seguida mostrar os passos necessários para a construção desse resumo-emblema de um
processo e sua resolução.
A última parte de uma minuta de acórdão a ser feita é a Ementa. O autor do texto (relator) só tem
condições de escrevê-la após a análise total dos autos, seguida de sua proposta de voto. Dessa forma,
vamos primeiramente fazer a narrativa dos fatos processuais.
Trouxemos aqui um processo administrativo e civil, cujo autor omitimos, por preservação de privaci-
dade, mas que está baseado em apelação cível, da lavra do Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro,
publicada na Revista do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, n.12/1, ano 22, jan/2010.
Um cidadão, ao ser exonerado de seu emprego, em cargo comissionado, não desocupou o imóvel
funcional que lhe fora disponibilizado em função do referido cargo. Passaram-se quatro meses desde a
sua exoneração sem que ele desocupasse o imóvel. A União entrou então com uma ação de reintegração
de posse e o réu recebeu ordem de despejo, sendo condenado a pagar: a taxa de ocupação irregular, pelo
período de quatro meses, mais multa de dez vezes o valor desta taxa por período de trinta dias; as despe-
sas do condomínio e os honorários advocatícios em percentual de 10% sobre o valor da condenação.
O cidadão interpôs apelação, pedindo primeiramente a reforma da sentença, especialmente quanto
à data indicada para o início do prazo de incidência da multa e da taxa de ocupação, que na sentença foi
a data de sua exoneração, 9/1/2003. O argumento utilizado foi o de que a ocupação do imóvel somente
se tornou irregular depois dos trinta dias permitidos pelo inciso I do § 3° do art. 16 do Decreto 980/1993.
Assim, a contagem deveria começar no dia 9/2/2003, e não 9/1/2003 (data de sua exoneração), como
determinou a sentença.
Quanto aos honorários advocatícios, em que foi condenado a pagar o percentual de 10% sobre o
valor da condenação, o réu pediu que sejam reduzidos para 5%, sem, todavia, indicar qualquer disposi-
tivo legal que embase seu pedido.
Esses foram os fatos. O raciocínio do julgamento deu-se da forma que se seguirá.
O apelante, segundo o magistrado, tem razão quanto ao dia inicial da contagem para efeito da taxa
de ocupação e da multa, e defende seu pedido alegando que a ocupação do imóvel só se tornou irregular
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após trinta dias de sua exoneração. Seu argumento está baseado no inciso I do § 3° do art. 16 do Decreto
980/1993, não havendo como não conceder-lhe o pedido. Não tem razão, porém, quando pede a redu-
ção do percentual relativo aos honorários advocatícios, pois, além de não ter encontrado uma lei para
respaldar seu pedido, existe dispositivo legal que trata do assunto, qual seja, o art. 20, § 3°, do Código
de Processo Civil, que estabelece um mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação.
Utilizando-se dessa base legal, os juízes lhe negam essa parte do apelo.
Observe agora como foi montada a ementa do nosso acórdão. As palavras-chaves encontram-se em
seu título, que, por sua vez configura-se em um resumo do resumo.
Palavras-chaves:
a) administrativo e processual civil – trata-se da especificação do ramo do Direito que será tratado no
acórdão;
b) imóvel funcional – o objeto da controvérsia;
c) ação de reintegração de posse – o tipo do processo;
d) ocupação irregular – a infringência cometida pelo réu;
e) data inicial da incidência da taxa – primeiro item da controvérsia;
f) art. 16, § 3°, do Decreto 980/1990 – o diploma legal que embasará a decisão sobre a primeira parte
da controvérsia;
g) honorários – segundo item da controvérsia;
h) aplicação do art. 20, § 3°, do Código de Processo Civil (CPC) – o diploma legal que embasará a deci-
são sobre a segunda parte da controvérsia.
I - O marco inicial da ocupação irregular é o trigésimo dia após a data em que cessou o
direito de uso do imóvel funcional, nos termos do art. 16, § 3º, do Decreto 980/1990.
II - Caracterizado o cunho condenatório do provimento jurisdicional, a fixação de hono-
rários advocatícios deve observar o disposto no art. 20, § 3º, do CPC, que estabelece um
mínimo de 10 % e o máximo de 20% sobre o valor da condenação.
Cada item indica o raciocínio da lei que embasa a decisão, a qual estará expressa no fechamento da
ementa. A saber:
III - Apelação parcialmente provida, para determinar que a taxa de ocupação e a respectiva
multa incidam no período de 9/2/2003 a 4/9/2003.
A palavra “parcialmente”, que vemos na primeira oração do período, indica que apenas esta parte
do apelo foi aceita: o adiamento por trinta dias da data de início da contagem para efeito da taxa de
ocupação e respectiva multa. E este é o resultado do processo, não sendo necessário mencionar que o
segundo item não foi concedido.
Uma ementa deverá, finalmente, apresentar uma linguagem impessoal, “enxuta”, sem muitos adje-
tivos. Nada de usar as primeiras pessoas do discurso (eu/nós). Use a voz passiva sempre que possível, uma
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boa dica para tornar o texto impessoal, já que o centro de atenção do enunciado é desviado do agente
para o objeto que recebe a ação. Podemos observar em nosso modelo a opção que o autor faz por essa
voz. Seguem-se exemplos:
1.
Caracterizado o cunho condenatório do provimento jurisdicional... (voz passiva)
Em lugar de:
A sentença caracterizou o cunho condenatório do provimento jurisdicional... (voz ativa)
2.
Apelação parcialmente provida, para... (voz passiva)
Em lugar de:
(Eu) Dou provimento parcial à apelação, para... (voz ativa)
Finalmente, utilize na ementa orações curtas, bem pontuadas, mais coordenadas do que subordina-
das, o que tornará o texto rápido e de fácil entendimento, como um conjunto de palavras símbolos em
que colocamos os olhos e deciframos ali a controvérsia processual e o seu deslinde.
No próximo número trataremos do relatório de um acórdão.
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Como Compor o Relatório
de um Acórdão
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Após contar a história da autora, vem o relato do que já foi decidido em primeira instância,
e, consequentemente (já que estamos tratando de segunda instância), diz-se do inconformismo da
parte – no caso de nosso exemplo, das partes, pois ambas recorreram. Aqui há uma mudança de
ambiente processual e começa-se a relatar a fase atual. São usados então termos que indicam a não
aceitação do resultado do julgamento que está sendo contestado, a exemplo de: Inconformada, a
parte autora recorre (...) reivindicando (...) sob as razões que apresenta em seu recurso de fls. tais. No
caso de nosso acórdão, é usado o verbo insurgir-se: A autora, com razões às fls. 176-188, insurge-
se contra o indeferimento do pedido de indenização relativo ao segundo ano... Um adjetivo também
frequente nessa etapa: Irresignada, a parte autora recorre...
Em seguida vem o novo pedido da parte, e aqui se pode usar desde o próprio verbo pedir,
como outros, a exemplo de: reivindicar, pugnar, pleitear, pretender, pelejar, postular, reclamar, reque-
rer e até bater-se (no sentido de lutar por alguma coisa).
Destaque-se que a regência do verbo insurgir-se pela preposição contra está correta, não
sendo considerada como redundância, pelo menos assim aparece no Dicionário Prático de Regência
Verbal, de Celso Pedro Luft, bem como em vários exemplos trazidos com a referida preposição no
dicionário Houaiss.
No trecho referente à parte contrária (que neste processo também é apelante), além de
o verbo asseverar novamente ser utilizado, registramos os verbos ressaltar e defender. Todos eles
nada mais são que variações dos verbos dizer e contar, ou seja, recursos utilizados para se evitarem
repetições deselegantes.
O último verbo do texto é requerer, ambas as partes requerem alguma coisa, e o relatório
termina com o fechamento: É o relatório.
Em geral, registra-se a existência (ou não) de contrarrazões e o número das folhas em que
se encontram. Pode haver também referência à opinião expressa no parecer da Procuradoria-Geral
bem como a referência às folhas em que este último se encontra.
Como se pode notar, existe certa simplicidade na feitura de um relatório. Não é preciso ser
da área jurídica para compô-lo, já que se trata aqui de contar a história do processo, que está regis-
trada por meio dos documentos e, para isso, basta ter um bom entendimento do seu teor e uma
boa redação. Não será preciso ainda debater a causa, nos moldes de um magistrado ou advogado,
nem filosofar, tampouco recorrer à doutrina. Toda essa habilidade ficará para o voto do acórdão,
que é o campo da argumentação e do julgamento do magistrado que atua como relator. Isso ficará
para o próximo artigo.
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outubro 2010
Como Compor o Voto de
um Acórdão em Apelação
52 Por Elizabeth Alves de Oliveira
A fundamentação é exigência constitucional (art. 93, IX, da CF) e legal (art. 458,
II, do CPC), em que serão analisadas as preliminares e o mérito.
A elaboração do voto deve ser limitada às razões do recurso, uma vez que é
vedado ao Tribunal decidir fora dos limites da lide (arts. 128 e 460 do CPC), fazendo-se
indispensável uma leitura atenta dos fundamentos do recurso.
2. Como visto, trata-se de remessa oficial em ação ordinária que julgou proceden-
te o pedido de pensão por morte, em razão de ter sido reconhecida a dependên-
cia econômica de Vilma Thereza Ferreira em relação à sua filha Telma Regina
Ferreira, falecida em 24/12/2000.
Se houver questões preliminares, elas serão decididas antes do mérito (art. 560
do CPC). As expressões utilizadas são: rejeito ou acolho a preliminar. Exemplo:
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No mérito, o relator analisará o pedido e dirá quem tem razão no processo. Trans-
creve-se um voto, a título de exemplo, proferido pela Desembargadora Federal Neuza
Alves, na AC 2009.01.99.055624-4/GO, julgada em 02/08/2010:
VOTO
A EXMª SRª DESEMBARGADORA FEDERAL NEUZA ALVES
(RELATORA):
A concessão do benefício especial de aposentadoria rural por idade desafia o
preenchimento de três requisitos fundamentais: a existência de início de prova
material da atividade rural exercida, a corroboração dessa prova indiciária por
robusta prova testemunhal e, finalmente, a idade mínima necessária à concessão
do benefício.
Os documentos trazidos aos autos não indicam ser a autora trabalhadora rural
que faz jus ao benefício de índole assistencial que requer.
Com efeito, a escritura de fls. 14 e verso dá conta de que seu marido, à época
da lavratura desse documento, já se qualificava como “fazendeiro”, tendo, pois,
adquirido outro imóvel rural com cerca de 122 ha.
Aliando-se a isso o fato de a autora ter contribuído por muito tempo como segura-
da urbana, entendo não demonstrado o labor rural apto à concessão do benefício
almejado.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
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Este roteiro visou a uma breve descrição dos requisitos de um voto em Apelação,
art. 513 do CPC, de forma simples, a fim de facilitar a compreensão de todos.
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Como compor o voto de um acórdão
em embargos de declaração
janeiro 2011
55 Por Elizabeth Alves de Oliveira
Os embargos de declaração, recurso previsto no art. 535 do CPC, visam a sanar eventual
omissão, contradição ou obscuridade nas decisões judiciais. O prazo para sua apresentação é de
cinco dias contados a partir da data da publicação do acórdão no órgão oficial, e os embargos não
estão sujeitos a preparo. Cabe ao relator apresentar os embargos de declaração em mesa para o
julgamento, interrompendo-se os prazos para a interposição de outros recursos.
A omissão é o silêncio do órgão julgador quanto à questão levantada pelas partes ou pelo
Ministério Público e também quanto à matéria de ordem pública.
A contradição é a incompatibilidade entre as proposições constantes do julgado. Pode-se dar
entre o relatório e a fundamentação, entre a fundamentação e o dispositivo, entre o dispositivo e a
ementa, entre os pontos da própria ementa, da fundamentação, da parte dispositiva e do relatório.
A obscuridade dá-se quando a decisão judicial não é clara, é incompreensível.
Admitem-se também os embargos de declaração para corrigir erros materiais existentes na
decisão recorrida.
Vê-se o seguinte exemplo do voto proferido nos embargos de declaração pela Desembargadora
Federal Neuza Alves, na AC 2007.38.00.039265-9/MG, julgados em 21/06/2010:
Os presentes embargos de declaração foram opostos sob a alegação de omissão
no tocante ao exame dos honorários advocatícios, que deixaram de ser examinados
pela remessa oficial, ao mesmo tempo em que impugnam o percentual de 10%
fixado pela sentença, que considera excessivo.
De fato o acórdão embargado foi omisso acerca da questão. Embora considerando
que a condenação no referido percentual conforma-se com os parâmetros legais a
respeito da questão e com a jurisprudência que reconhece que, nas ações em que
tenha havido condenação, aplica-se a regra do art. 20, § 3º, do CPC, afastada a
aplicação da norma do § 4º, ainda que vencida a Fazenda Pública. Por conseguinte,
nenhuma irregularidade há na incidência do percentual fixado sobre o valor da
condenação, sendo indevida a utilização do valor da causa como base de cálculo da
referida verba, como pretende a apelante.
Pois bem, a constatação da omissão apontada pelo ente público poderia simples-
mente ensejar a explicitação do julgado com base nessa diretriz. Todavia, em atenção
ao entendimento que vem sendo firmado por este Tribunal, tratando o processado,
na espécie, de causa singela, que versa sobre matéria repetida e eminentemente
de direito, não exigindo maior esforço e tempo do profissional, a redução da verba
honorária para 5% (cinco por cento) do valor da condenação se revela suficiente
para a condigna remuneração dos patronos dos autores, atendendo aos critérios
dos §§ 3° e 4° do artigo 20 do CPC.
Em face do exposto, acolho os embargos de declaração, reconhecendo a omissão
apontada, determinando a redução dos honorários advocatícios ao percentual de
5% sobre o valor da condenação.
É o voto.
Observe-se no exemplo que a expressão utilizada é foram opostos, uma vez que o art. 536
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do CPC dispõe que os embargos de declaração serão opostos. Na parte dispositiva consta: Em
face do exposto, acolho os embargos de declaração, porquanto a expressão destacada refere-se
a uma manifestação favorável da relatora em relação ao ponto omisso. Como ilustração, algumas
expressões comumente utilizadas na parte dispositiva:
Por questão de estilo, constaram no primeiro parágrafo os motivos pelos quais foram opos-
tos os embargos de declaração. No segundo e terceiro, a relatora expôs o seu pensamento sobre o
ponto omisso.
A questão da omissão ganhou relevância com a Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal,
estabelecendo que “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios,
não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.
A oposição dos embargos de declaração é também utilizada para suprir o prequestionamento,
quando as questões constitucionais em que se apoia o recurso extraordinário não foram apreciadas
pela instância a qua (Súmula 282/STF), uma vez que o Supremo Tribunal Federal não admite o pre-
questionamento implícito da questão constitucional.
Ressalte-se que os embargos de declaração podem ter, excepcionalmente, caráter infringente,
se a correção do vício acarretar a alteração do resultado do julgamento. Nesse caso, embora não
haja previsão de norma que garanta o contraditório nos embargos de declaração quando se imprimir
efeito modificativo, o Supremo Tribunal Federal tem entendido no sentido da exigência de intimação
do Embargado quando os declaratórios veiculem pedido de efeito modificativo (RE 250396/RJ;
relator: Ministro Marco Aurélio; 2ª Turma; data de julgamento: 14/12/1999).
Por fim, há a previsão legal de se aplicar multa para o embargante que utilizar os embargos de
declaração para protelar o feito.
Este estudo propôs-se a uma abordagem sintética dos aspectos doutrinários para melhor
explicar a elaboração do voto dos embargos de declaração.
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