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Hugon - 2009 - Geopolºitica Da África
Hugon - 2009 - Geopolºitica Da África
CDD – 967
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Para meus netos, que amanhã verão uma África em construção.
Ma r
Argel
túnis Me
dite
tunísia rrân e
Rabat trípoli o
MaRRocos
cairo
aRgélia
líbia
Egito
Trópico de Câncer
Mar
cabo VERdE MauRitânia
sudão
Vermelho
nouakchott Mali nígER
praia sEnEgal chadE
dacar cartum asmara
banjul bamako niamei ERitRéia
buRkina fasso dJibuti
gâMbia n’djamena
bissau ouagadougou nigéRia djibuti
guiné Etiópia
guiné-bissau
conakry costa do
gana abuja REpública
freetown MaRfiM adis-abeba
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sERRa lEoa
Monróvia caMaRõEs afRicana soMália
o
libéRia
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Linha do Equador 2 1
kampala Quênia
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Ya
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lo o-no brazzaville dEMocRática do seicheles
o rt 4
p kinshasa congo Vitória
dodoma
0o
2 .000 km
Introdução 9
Capítulo 1
Entre marginalidade e emergências: Áfricas contrastantes 11
Imagem e representação da África: uma geopolítica
da linguagem 11
Do período pré-colonial ao período pós-colonial 19
Áfricas contrastantes 27
Capítulo 2
Poderes e contrapoderes 39
O campo cultural 40
O campo social e político 52
O campo econômico 68
Capítulo 3
Problemas e desafios internos 83
Problemas de paz e segurança 83
Desafios do desenvolvimento sustentável 96
Problemas alimentares 108
Conclusão 145
Perspectivas e prospectivas geopolíticas da África
Notas 157
Bibliografia 161
A descoberta da África
o comércio triangular
Durante o período mercantilista, a colonização direta da
África permaneceu limitada (exceto na colônia do Cabo). A
penetração comercial se deu pelo estabelecimento de entre-
postos e escalas e pela constituição de polos internos. A co-
lônia do Cabo (fundada em 1652), maior colônia europeia do
continente, constituía, junto com a costa leste da África, uma
escala importante na rota das Índias. A África ocidental era
muito pouco aberta. O continente era dominado pelo islã, ao
norte, pela Europa, a oeste, e pela Índia e o mundo árabe, a
leste.14 O comércio triangular ligava a África, fornecedora de
escravos, à América, produtora de metais preciosos, açúcar e
especiarias, e à Europa.
o tráfico escravagista
A África conheceu o tráfico saariano, oriental e atlân-
tico, associado ao tráfico interno africano (Unesco, 1999).
O tráfico oriental, depois arábico-muçulmano, começou no
século VI através do Saara (tráfico saariano). Estima-se que
tenha envolvido, entre 650 e 1920, 17 milhões de pessoas.15
O tráfico atlântico europeu marcou durante três séculos o
continente negro, envolvendo 11 milhões de escravos entre
1450 e 1869. Ele só desapareceu oficialmente no Congresso
de Viena de 1815, porém, na realidade, atingiu seu apo-
geu no século XIX e só foi drasticamente reduzido com a
abolição da escravatura (1848, nas colônias francesas; 1865,
nos Estados Unidos; 1888, no Brasil). O tráfico escravagista
oriental e atlântico se apoiou na prática escravagista afri-
cana, que incluía a servidão pela guerra, por dívida, de
o sistema colonial
Quatro traços gerais caracterizam o sistema colonial: o es-
tabelecimento de uma administração sob a forma de indirect
rule ou de administração direta; a apropriação de terras; a
dominação do capital mercantil, que se valoriza à custa do ca-
pital produtivo; o estabelecimento de um pacto colonial entre
a metrópole e suas colônias.
O sistema é mais de arrecadação do que de valorização,
mais de renda do que de acumulação. As colônias são re-
servatórios de produtos de base e escoadouros de produtos
manufaturados. Afora esses aspectos, porém, os sistemas co-
loniais são bastante variados, conforme os colonizadores e
as sociedades colonizadas. Eles evoluíram muito no tempo
e acabaram por levar, após a I Guerra Mundial, ao estanca-
mento dos financiamentos externos e, por ocasião da crise de
Trajetórias plurais
Podem-se distinguir vários tipos de configurações regio-
nais.
as sociedades em guerra, os Estados falidos ou frágeis
Os Estados falidos ou frágeis são os países em guerra, en-
trando ou saindo de conflitos violentos. Mais de 20% da po-
pulação africana são afetados pelas guerras. As forças armadas
estão em estado deplorável devido à precariedade material, à
falta de corporativismo e de acordo entre os interesses pri-
vados e políticos. A mobilização das crianças-soldados e dos
sobel — soldiers and rebels (soldados de dia e rebeldes à noite)
— é cada vez mais violenta. Alguns Estados se transforma-
ram em zonas de caos, de confronto dos senhores da guerra
(Somália, Chade, Serra Leoa, Sudão, Libéria), de não contro-
le do território (Costa do Marfim, República Democrática do
Congo — RDC) e/ou de controle dos circuitos de contrabando
pelas máfias. Em situação de desintegração e de anarquia, al-
gumas sociedades não têm mais mecanismos de regulação da
economia nem do Estado. Estão, na melhor das hipóteses, sob
tutela internacional.
os países menos adiantados (pMa)
Certas características permitem definir os PMAs (baixa
renda, fraco capital humano, vulnerabilidade econômica), e
35 Estados africanos estão nessa condição. Tomemos o caso
das sociedades sahelianas do interior.
O Sahel é uma zona relativamene homogênea do ponto de
vista climático, pedológico, demográfico, social e econômico.
Pastores nômades peúle (fulas) e arábico-berberes coexistem
com agricultores sedentários, animistas ou cristianizados. No
conjunto, as populações são pouco fixas, e a urbanização ex-
Poderes e contrapoderes
0o
Ma r
Me
dite
tunísia rrân e
9,8 o
MaRRocos 30,4
aRgélia
31,7
líbia Egito
5,5 72,1
Trópico de Câncer
MauRitânia
Mar
cabo VERdE
8,5
2,9
Mali
11,6 nígER Vermelho
1,2 5,0 12,1 ERitRéia
chadE 4,4
3,2 0,7
sEnEgal 11,0 6,8 buRkina fasso 9,3 sudão
13,2 4,9 36,8
0,4
nigéRia 7,8
guiné 9,0 3,6 REpública cEntRo- Etiópia
133,9 afRicana 70,7
sERRa lEoa 5,7 0,8 17,0 20,5 3,7
78 6,6
13,8 7,6 caMaRõEs 7,3
libéRia 3,8 0,4 15,7 uganda
f iM na 15,3
8,8 soMália
aR ga 25,0
M Quênia
Linha do Equador o 6,2
ad gabão congo REpública 31,6
st 1,3 dEMocRática do 1
co 2,8
3,7 13,8
6,0 4,2 congo sEichElEs
5,5
go 7,8 4,2 57,0 2 tanzânia Oceano 8,1
to EniM 5,6 35,4
b
6,8
Índico
coMoREs
angola 8,6
Oceano Atlântico 13,1
zâMbia
Malaui
12,9 11,7
10,9 2,9
0,4 ilhas
MauRício
ziMbábuE MoÇaMbiQuE
12,0 MadagascaR 1,2
17,5 17,0 5,2
botsuana 7,4 4,4
4,3
Trópico de Capricórnio naMíbia
1,9 1,6
0,4 6,8 ilhas
1,2 REunião fr.
áfRica do sul
44,0 lEsoto
1,2 7,7
192
0o
2.000 km
número de habitantes por km2
(densidade média: 28 habitantes por km2)
de 200 a 600
de 14 a 27
1 Ruanda 7,5 1,7
O campo econômico
A economia africana, seja ela analisada por meio das rela-
ções de permuta comercial, da produção de bens materiais ou
da acumulação produtiva, não logrou autonomia perante as
outras relações sociais. A África antiga tinha uma economia
forte no plano do comércio de longa distância, e os grandes
comerciantes das cidades hauçás não ficavam nada a dever aos
negociantes de Gênova ou de Veneza da mesma época. Mas
esses circuitos se inseriam pouco nas transações realizadas em
escalas localizadas. Estas assumiam a forma de troca comer-
cial, reciprocidade, fidelidade, redistribuição/prestação.
É claro que, historicamente, a esfera da economia se am-
pliou. A mercadoria se desenvolveu mediante o imposto mo-
netizado, o trabalho forçado ou a monetização do dote. Não é
menos verdade que ainda hoje toda uma gama de atividades
escapa ao mercado, e que os circuitos econômicos extroverti-
dos não raro são enclaves. O dinheiro não é um equivalente
geral com poder liberador sobre qualquer bem. Os mercados
estão limitados por certos bens e não se referem a todos os
fatores de produção. A terra é pouco alienável. Existe pouco
mercado de trabalho. É importante dissociar a esfera domésti-
ca, o mercado, lugar de trocas monetizadas, do capital, em que
o dinheiro serve para acumular dinheiro. A África conhece os
dois primeiros níveis. Ela conheceu e conhece a acumulação
primitiva pela violência, o capital comercial, mas não o ca-
pital produtivo (Braudel, Bohanan, Dalton). Evidentemente,
deve-se evitar qualquer generalização, mas a denominação
genérica de economia rentista permite especificar as econo-
mias africanas em comparação com os outros continentes.
A dependência econômica
A dependência traduz uma assimetria de posição. Ela “não
significa predeterminação pelo exterior, mas antes a não dis-
Tabela 1
Tabela 2
0o
Ma r
Me
tunísia dite
rrân e
aRgélia
o
MaRRocos
saaRa
ocidEntal Egito
Mar
líbia
Vermelho Trópico de Câncer
ERitREia
MauRitânia
sudão
sEnEgal dJibuti
nígER chadE
Mali
gâMbia
guiné nigéRia
Etiópia
sERRa lEoa
libéRia
costa do soMália
MaRfiM Ruanda
Linha do Equador congo
buRundi Quênia
REpública
dEMocRática do
congo
Oceano
tanzânia
Índico
coMoREs
Oceano Atlântico angola
zâMbia
MadagascaR
ilhas
MoÇaMbiQuE MauRício
naMíbia
Trópico de Capricórnio
botsuana
áfRica do sul
2 000 km
0o
a oMc
O Gatt, criado em 1948, favorecia o multilateralismo co-
mercial através da redução das barreiras tarifárias e não tari-
fárias ao comércio internacional. Baseava-se em certos prin-
cípios: a regra da não discriminação (cláusula de nação mais
favorecida), a busca da diminuição das tarifas alfandegárias e
a proibição das restrições quantitativas. O princípio de igual-
dade dos tratamentos comportava, todavia, exceções, como as
uniões alfandegárias e as zonas de livre-comércio, ou a aceita-
ção da não reciprocidade e de tratamento diferenciados para
0o
tunísia
MaRRocos
aRgélia
líbia Egito
Trópico de Câncer
Mar
MauRitânia
Vermelho
cabo VERdE Mali
nígER
sudão
chadE ERitREia
coMoREs
Oceano Atlântico angola
zâMbia
MadagascaR
ziMbábuE MoÇaMbiQuE ilhas
MauRício
naMíbia
Trópico de Capricórnio
botsuana
0o
O regionalismo e o pan-africanismo
A quase totalidade dos países africanos está engajada em
processos de integração regional (IR) cujas formas vão des-
de as cooperações setoriais até as uniões políticas com trans-
ferências de soberania. A integração regional é prioritária
para uma África balcanizada, composta de 50 Estados, em
sua maioria de pequeno porte e muitos deles encravados. É
igualmente uma construção política que pressupõe a criação
de estruturas institucionais e que leva à construção de iden-
tidade. É mais ou menos conduzida por instituições e acordos
comerciais — regionalismo de jure. Pode resultar, ao contrá-
rio, em práticas de atores que constituem redes comerciais,
financeiras, culturais, tecnológicas em espaço regionais — re-
gionalização de facto (por exemplo, o comércio transfronteiri-
ço africano ou os “países-fronteiras”).66 Existem mais de 200
organizações regionais. As quatro organizações reconhecidas
pela UA são: Cedea, na África ocidental; Ceeac, na África cen-
tral; SADC, na África austral; e Comesa, na África oriental.
A integração política: a União Africana e o sonho do pan-africanismo
Segundo uma concepção política ou diplomática, a inte-
gração regional se traduz em transferências de soberania e em
objetivos de prevenção dos conflitos. A convergência de inte-
resses econômicos é uma maneira de suplantar as rivalidades
e os antagonismos políticos. As transferências de soberania e
a produção de bens públicos em níveis regionais são uma res-
posta à sobrecarga dos Estados num contexto de globalização
(por exemplo, criação de uma moeda regional). A integração
regional pressupõe a integração nacional, o fortalecimento
do Estado e da cidadania, e um Estado forte que impeça a
fragmentação territorial ao apoiar-se numa sociedade civil
forte criando contrapoderes. Os processos de desintegração
a frança e a áfrica
Por sua história, a França desempenha um papel de potên-
cia regional na África. Ela acreditou, segundo as palavras de
Guiringaud, que 500 homens poderiam mudar o destino da
África. Vários fatores contribuem para explicar a política da
França em relação à África subsaariana, na qual as preocupa-
ções culturais, geopolíticas e humanitárias se aliam a certos
interesses econômicos, mineiros, petrolíferos ou de apoio a
empresas em busca de nichos de mercado. Destacar o jogo
desses interesses econômicos nos impede de compreender a
complexidade do contexto colonial e pós-colonial, pré- ou
pós-Guerra Fria. O peso político da França nos países africa-
a grã-bretanha e a áfrica
A Grã-Bretanha, apesar de uma longa tradição africana,
não teve verdadeiramente, após as independências, uma po-
lítica africana. Esta se diluía nos vínculos dentro da Com-
monwealth. Esse conjunto recebe o essencial da ajuda britâ-
nica, amplamente concentrada na Nigéria e na África do Sul.
Desde 1997, a política de Tony Blair do new labour mudou
fundamentalmente. A intervenção militar em Serra Leoa, em
maio de 2000, marca uma virada. A oposição a Mugabe pas-
sou pelo canal da Commonwealth, que conferiu um conteúdo
ético à política externa, ao lado da Realtpolitik. O peso da
sociedade civil e das igrejas é importante nessa nova polí-
tica de cooperação, e esta é hoje reforçada em torno de dois
grandes eixos: a política de cooperação e o aumento da aju-
da (por exemplo, a iniciativa da Comissão para a África, a
International Finance Facility, que prevê um crescimento de
US$ 25 bilhões da ajuda sob forma de empréstimo pelo G-7 e
o apoio à Nepad). A África adquire grande relevo estratégico
no plano geopolítico, com prioridade para os PMAs. A polí-
tica britânica concilia ética mundial, egoísmo com princípios
de liberalismo econômico.
a uE e a áfrica
A UE distingue suas relações entre a África setentrional
(acordos Euromed), a África do Sul (acordos de livre-comér-
cio) e os países da zona ACP (Cotonu). Os quatro eixos são a
paz e a segurança, a governança, a integração comercial e o
comércio, e o desenvolvimento.
A UE não é uma potência que disponha de soberania in-
ternacional e de uma força de intervenção militar, apesar da
política europeia de soberania e de defesa. Ela aceita o atlan-
tismo e o papel da Otan. Intervém na África através da parce-
ria, do multilateralismo, da diplomacia local e do soft power.
VON BRAUN, J.; TEKLU, T.; WEBB, P. Famines in Africa. Cause, responses
and prevention. Washington DC: International Food Policy Research
Institute, 1999.
tunísia
1956
MaRRocos aRgélia
1956 1962
líbia
1951 Egito
Mar
cabo VERdE
MauRitânia
1960
Vermelho
Mali nígER
1975
1960 1960 chadE ERitREia
sEnEgal 1960 1993
1960 sudão
1 buRkina fasso dJibuti
1956
2 1960 1977
guiné
nigéRia
1958 Etiópia
costa do gana 1960
3 REpública
MaRfiM cEntRo-afRicana
1957
1960 1960
libéRia 1847 caMaRõEs
1960 1960 soMália
uganda
4 1962
Linha do Equador 5 Quênia
gabão congo REpública 1963
60 1960 dEMocRática do
19 60 1960 6 sEichElEs
go 19 congo 1976
to niM 7
b E
1960
tanzânia
1961 Oceano
coMoREs
1975 Índico
Oceano Atlântico angola
1975 zâMbia 8 MaiotE
1964
ilhas
ziMbábuE MoÇaMbiQuE MauRício
1980 1975 1960 1968
Trópico de Capricórnio botsuana MadagascaR
2 .000 km
ESTADo FunDADor DA onu EM 1945
1960
DATA DE inDEPEnDÊnCiA
1 GÂMBiA 1965 5 SÃo ToMé E PrÍnCiPE 1975