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XV Semana de História
VIII Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História Social
III Encontro das Especializações em História
I Encontro Estadual da ABED (Assoc. Brasileira de Estudos de Defesa – PR)
Anais da
XV Semana de História
VIII Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História Social
UEL
Londrina
2016
Edição: André Luiz Marcondes Pelegrinelli.
Diagramação: André Luiz Marcondes Pelegrinelli.
Inclui bibliografia.
Disponível em: http://www.seminariodoppghs.wix.com/historia
ISBN 978-85-7846-361-8
Vice-Reitor
Prof.º Dr.º Ludoviko Carnasciali dos Santos
Pró-Reitor de Extensão
Prof.º Dr.º Sérgio de Melo Arruda
COMISSÃO ORGANIZADORA:
COMISSÃO CIENTÍFICA:
PROMOÇÃO:
- Universidade Estadual de Londrina.
- Centro de Letras e Ciências Humanas.
- Departamento de História.
- Programa de Pós-Graduação em História Social.
- Especializações em História.
- Colegiado de História.
- Associação Brasileira de Estudos de Defesa – Seção Paraná.
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO................................................................................................. 9
APRESENTAÇÃO
Anais da
XV Semana de História
VIII Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História
Social
III Encontro das Especializações em História
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TERRITÓRIOS DO
POLÍTICO
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tendências: um anticlericalismo que busca atingir o clero em seu conjunto, outro que
visa unicamente atacar figuras específicas de padres e/ou o Papa; existe um
anticlericalismo antirreligioso, que ataca a fé religiosa, não se limitando às instituições
ou figuras representativas do clero; há ainda uma postura anticlerical interna à própria
Igreja, representada por sacerdotes críticos às condutas da instituição. Deve-se salientar,
ainda, que determinados anticlericais que atacam com veemência as instituições
religiosas podem ser pessoas extremamente religiosas (DI STEFANO, 2010, p. 254).
Mas, apesar da existência de um amplo espectro de posturas anticlericais,
acreditamos que é possível se falar em um anticlericalismo anarquista de forma mais
específica. O anticlericalismo típico dos anarquistas tem uma relação intrínseca com a
concepção libertária de poder, que abrange muito mais que o campo da política
institucional. Margareth Rago, partindo do pensamento foulcaltiano, observa que os
libertários possuíam uma compreensão do poder mais abrangente que a dos socialistas,
por exemplo, se recusando a percebê-lo somente no campo da política institucional. A
autora destaca que, essa concepção de poder levou os libertários a “desenvolve[re]m
intensa atividade de crítica da cultura e das instituições e formula[re]m todo um projeto
de mudança social que engloba os pequenos territórios da vida cotidiana” (RAGO,
1985, p. 14).
No período estudado, outra característica importante do anticlericalismo
anarquista foi uma dura crítica ao catolicismo, ao percebê-lo agindo de maneira
disciplinar na vida cotidiana das classes populares em diversos aspectos: no controle
sobre a consciência das pessoas (nas confissões aos padres, por exemplo), na criação
dos sindicatos católicos, na educação, na obrigatoriedade do casamento religioso, etc.
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prática recorrente em suas críticas a Igreja Católica, que era interpretada enquanto
deturpadora dos reais ensinamentos cristãos.
O jornal A Lanterna surgiu ligado à Liga Anticlerical, que financiava suas
impressões e possibilitava a distribuição gratuita do periódico, cujos custos também
eram pagos por auxílios via subscrição voluntária e anúncios comerciais, que apareciam
na quarta e última página do periódico. A publicidade incluía diversos produtos e
serviços, como farmácias, remédios e dentistas, advogados, tipografias e loterias.
As oito primeiras edições de A Lanterna, todas do ano de 1901, foram
distribuídas gratuitamente; houve mais uma edição nesse mesmo ano, mas já paga,
custando 100 réis.
No ano de 1902, A Lanterna publicou apenas um suplemento especial de natal,
em 20 de dezembro, sendo que suas edições somente foram retomadas em junho de
1903, ano em que o jornal deixou de ser publicado pela Liga Anticlerical, tornando-se
uma propriedade da empresa Souza, Vieira e Comp. A partir de então, passou a ser
publicado semanalmente, sempre aos sábados.
Em novembro de 1903 A Lanterna anunciou sua fusão com os outros dois
jornais anticlericais publicados em São Paulo, O Livre Pensador e o L’Asino. Com a
fusão, A Lanterna tornou-se um jornal diário, enquanto os outros dois periódicos
passaram a ser publicada aos sábados, como suplementos da folha diária. AL passou a
ser editado, então, como “diário da noite anticlerical - independente”. No início de
1904, A Lanterna passou a ser anunciado como “diário da manhã anticlerical –
independente”, mantendo-se com essa denominação até o fim de fevereiro do mesmo
ano, quando deixou de ser editado, por motivos de conflito dentro do grupo editorial.
Em seus dois primeiros números, A Lanterna foi editada em 10.000 mil
exemplares e já na terceira edição esse número chegou a 15.000. Da quinta até a sétima
edição, quando o jornal ainda era gratuito, a tiragem chegou a 20 mil exemplares. A
partir da oitava edição, de 24/06/1901, esse número aumentou e o jornal passou a ser
vendido. Os editores justificaram a mudança afirmando que as listas de subscrição
voluntária e auxílios espontâneos estavam chegando com irregularidade. Mas é
interessante observar que, mesmo o jornal deixando de ser distribuída gratuitamente,
sua tiragem não caiu imediatamente, mas em alguns momentos até aumentou,
alcançando a cifra de 26.000 exemplares em 15/11/1901. Mesmo assim, a quantidade de
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exemplares impressos sofreu fortes oscilações, variando da cassa dos 20.000 mil e
chegando a 6.000 exemplares como quantidade mínima, o que ocorreu no ano de 1903.
O jornal anarquista La Protesta Humana surgiu na cidade de Buenos Aires em
13 de junho de 1897, mantendo suas publicações até os dias atuais. Como ressalta
Caroline Poletto (2011), La Protesta pode ser considerado como um caso raro no que
tange as publicações libertárias, tendo em vista que são raros os jornais anarquistas que
duraram um longo período, não superando muitas vezes apenas alguns anos de
publicação.
La Protesta Humana surge como periódico quinzenal, sendo vendido a cinco
centavos o número solto, contando com auxílio via subscrição permanente semestral ou
anual. Já em 01/10/1897, em sua décima edição, passa a aparecer semanalmente,
todavia, por falta de recursos financeiros volta a ser quinzenal em janeiro de 1898. Volta
a ser semanal em novembro de 1900, indicando que “sale todos sábados”, até que, em
meados de 1904, passa a sair diariamente. No período aqui analisado, La Protesta
Humana não oferece dados de suas tiragens.
Ambos os jornais analisados acreditavam que o Catolicismo deveria ser
eliminado para o pleno desenvolvimento da sociedade, entretanto, tinham uma
orientação diferente quanto à posição anticlerical. La Protesta Humana defendia um
anticlericalismo ateu partindo do pressuposto de que os novos tempos eliminariam a
crença em Deus por completo, “con el libre examem planteado frente á la tolerancia
religiosa impuesta á viva fuerza, se han negado todas las creencias por absurdas. La
negación fué tan lejos que se excluio á Dios por completo, sin que hubiera mayores
aspavientos assombrosos” (La Protesta Humana, 05 de jan. 1901, p. 1).
Em A Lanterna não encontramos um anticlericalismo ateu. De acordo com os
redatores do jornal, desde que a religião não funcionasse como entrave à racionalidade,
podia-se ser religioso e bom. A luta do jornal era mais diretamente travada contra o
catolicismo e o grande objetivo era concretizar a laicização do Brasil. Era claramente
contrário à intromissão desmedida da Igreja na vida pública e privada, o que não
envolvia a eliminação da religião em si e nem a contraposição aos “verdadeiros
cristãos”. Assim explicam seus editores:
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a tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com
o terreno que lhe é imposto tal como organiza a lei de uma força
estranha. Não tem meios para se manter em si mesmo, à distância,
numa posição de previsão e de convocação própria, a tática é
movimento “dentro do campo de visão do inimigo”, como dizia Von
Bullow, e no espaço por ele controlado (CERTEAU, 1994, p. 100).
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desferir seus “golpes” dentro “da ordem estabelecida pelo ‘forte” (CERTEAU, 1994, p.
104). Ao analisar o periódico A Lanterna, percebemos que a forma como os editores do
jornal entendiam a “guerra” ideológica que travavam contra a Igreja Católica e sua
própria participação nela apresenta semelhanças com a metáfora bélica utilizada por
Certeau para abordar o tema das táticas.
No editorial que apresentou o jornal aos leitores, em seu primeiro
número, os editores explicitaram a posição em que se encontravam os
anticlericais no Brasil naquele momento da seguinte forma:
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a sociedade moderna, “a fim de fazer voltar os povos a era que precedeu a Renascença”,
como afirmavam (A Lanterna, 07 de mar. 1901, p. 1).
A apropriação de Cristo em A Lanterna também foi usada como forma de
demonstrar o distanciamento da “verdadeira filosofia cristã”, tida como progressista,
frente ao catolicismo, que era representado como portador de ideais que impediam o
pleno desenvolvimento humano, não só sobre o conhecimento cientifico e filosófico,
mas também sobre os direitos políticos e sociais. Afirmam, por exemplo, que, “quando
a França proclamou os direitos do homem, a Igreja católica considerou essa
proclamação como subversiva e satânica”.
Para os editores de A Lanterna a religiosidade compatível com o mundo
contemporâneo seria aquela que Cristo pregou e não uma organização institucional
gigantesca e complexa como era a Igreja Católica:
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a religião católica por ter enchido a humanidade de superstições para manter seu
domínio sobre as mentes dos fiéis, sendo a sua arma mais poderosa o confessionário,
que se configura como o principal meio de saber o que se passa em cada lugar e
também a ferramenta mais poderosa de controle sobre a mente de cada indivíduo.
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Conclusões
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. 2. ed. Tradução de
Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1994.
DI STEFANO, Roberto. Ovejas negras: história de los anticlericales argentinos. 1 ed.
Buenos Aires: Sudamerica, 2010.
FOOT HARDMAN, Francisco. Nem pátria, nem patrão!: memória operária, cultura e
literatura no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
POLETTO, Caroline. Tão perto ou tan lejos?: Caricaturas e contos na imprensa
libertária e anticlerical de Porto Alegre e de Buenos Aires (1897-1916). São Leopoldo:
UNISINOS, 2011.
PRADO, Maria Lígia Coelho. “Repensando a história comparada da América Latina”.
In: Revista de História, São Paulo: FFLCH-USP, nº 153, 2005.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: A utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985.
VALLADARES, Eduardo. Anarquismo e anticlericalismo. São Paulo: Imaginário,
2000.
FONTES
Jornal A Lanterna (edições do período 1901 a 1904). Localizado no Arquivo Edgard
Leuenroth (AEL) da UNICAMP.
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Jornal La Protesta Humana (edições do período 1897 a 1903), foi utilizado às edições
que se encontram disponíveis na Web, no site da Universidade de Los Angeles,
Califórnia (http://digital.library.ucla.edu/newspaper/librarian?LANGUAGE=spanish).
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Introdução
Embora não se possa afirmar especificamente quando o imaginário anticomunista é
formado no Brasil, é possível assegurar que o anticomunismo marcou presença nas várias
disputas políticas brasileiras desempenhando papel crucial em diversas conjunturas sociais ao
longo do século XX, período o qual, se forja os “inimigos da nação” como sendo os comunistas.
Pode-se dizer que o anticomunismo se cristaliza principalmente após a Revolução Russa
de 1917, momento o qual, o comunismo entra no drama mundial como uma vicissitude política
real em relação às políticas habituais. A partir dai “revolução” passou a ser antônimo de
anticomunismo. O anticomunismo surgiu como movimento articulado a partir do momento em
que conservadores e reacionários, em especial, se colocaram contra o perigo da Revolução
Comunista. Dessa forma começaram a aparecer inúmeras manifestações contra o comunismo.
O anticomunismo sempre serviu como justificativa à regimes autoritários. Lembrando
que, durante regimes autoritários os “opositores”, “inimigos da ordem” ficam a mercê da polícia
política que buscam reprimir os “subversivos” mantendo-os sob controle. Ao longo de sua
história, a polícia política observou no anticomunismo referencial importante para construção de
valores e para nortear sua ação. Embora as Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS) não
tenham sido criadas apenas para combater o comunismo e seus inimigos variaram ao longo do
tempo, (anarquistas, socialistas, trabalhistas, sindicalistas; fascistas, nazistas e integralistas),
esta, conferiu lugar de destaque para os comunistas, que no jargão policial serviram de
designação genérica para toda a esquerda. Os comunistas eram considerados os inimigos mais
temíveis, pois, colocavam em risco o status quo político, além de, serem adversários da ordem
social tradicional, já que “seriam contra a família, a religião, a propriedade, etc” 1
O Estado do Paraná e o anticomunismo
Desde a década de 1920, se afunilando da década de 1930 em diante, o discurso
anticomunista indicava que o “perigo vermelho” estava à dominar o Brasil. No Estado do
1
MOTTA, Rodrigo Pato Sá. Comunismo e anticomunismo sob o olhar da polícia política. In: Locus:
Revista de história, Juiz de Fora, v. 30, n.1, 2010, p. 21.
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Paraná não foi diferente, e em inícios da década de 1950, principalmente com a atuação do PCB
nesse Estado, emergiram discursos anticomunistas por toda parte, de modo a alertar a sociedade
paranaense do “perigo eminente”, disseminando meio ao imaginário paranaense a representação
do militante comunista como “inimigo social” 2.
O Estado do Paraná, ao longo da década de 1950 era visto como a terra da prosperidade,
atraindo diversos imigrantes de vários cantos do Brasil e do mundo. Diante desse cenário,
atravessado por tensões sociais, o poder público busca desenvolver inúmeras práticas que
assegurassem a ordem. Dentre essas práticas, o aparato policial aparece como uma instância
privilegiada para garantir a tranquilidade social, pois somente essa instituição poderia fazer
frente aos desajustados sociais, mendigos, criminosos comuns, infratores 3 e comunistas.
Inúmeras delegacias especializadas foram criadas em várias cidades paranaenses visando
garantir a ordem. O aparato policial paranaense é ampliado já visando manter sobre controle os
“inimigos sociais” que estariam por vir. Tratava-se de uma precaução contra “desordens”
futuras.
Concomitante a esse contexto, o Paraná, e em especifico o norte do Estado, foi cenário
de uma grande mobilização dos trabalhadores rurais, que em busca de melhores condições de
vida e trabalho, reivindicavam seus direitos trabalhistas por meio de greves, associações e
sindicatos rurais. Vários sindicatos e associações rurais foram fundados no Paraná nesse período
de modo a amparar os trabalhadores rurais em busca de seus direitos. Mas, na visão dos grandes
proprietários rurais o objetivo central dos sindicatos era a implantação do regime sindicalista e
comunista no Estado.
Os comunistas tiveram papel ativo na organização dos trabalhadores rurais no período
pré-64. Muito embora, uma questão não exclui a outra. Tinham-se objetivos comunistas por
detrás de organizações como associações e sindicatos rurais, porém, devemos observar que
nesse cenário os patrões raramente respeitavam a já precária lei que regia os direitos dos
trabalhadores rurais, logo, a luta das associações e sindicatos se davam contra os patrões,
visando fazer com que eles respeitassem a lei trabalhista no campo o que garantiria aos
trabalhadores melhores condições de vida. Ademais, por vezes, entre os trabalhadores,
comunismo era uma palavra difícil de pronunciar, pois causava espanto e despertava
desconfiança. Nazareno Ciavatta, membro do Partido Comunista, se refere a barreira de alguns
trabalhadores aos ideias comunistas. Segundo ele, certo dia escutou de um trabalhador rural “se
2
OLIVEIRA, Silvio José de. Imagens construídas no imaginário social: “esses vermelhos, inimigos de
nossa terra”. In: Revista interdisciplinar, 2009, p. 3.
3
ROLIM, Rivail Carvalho. A reorganização da polícia no estado do Paraná nos anos de 1950. Revista de
História Regional, v. 5, n. 1, 2000, p.153.
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nós não temos força para obrigar os fazendeiros a pagar os salários e cumprir as leis trabalhistas,
que dirá tomar a fazenda dele [ou seja, fazer uma revolução e a reforma agrária a força]”4.
No discurso anticomunista, com a movimentação dos trabalhadores surge a necessidade
de “esclarecer” à sociedade que aquilo se tratava de “subversão comunista”. No Paraná um dos
espaços mais comuns para a divulgação da “ameaça vermelha” foram os jornais, em especial o
Folha de Londrina, um dos mais importantes da região. Foi criada até mesmo uma “Campanha
de Educação cívica e democrática” no Paraná, na cidade de Londrina, em 1951, cuja finalidade
era distribuir e fixar em locais públicos panfletos, livretos e cartazes convidando a sociedade
para o combate à “doutrina vermelha”. “O objetivo era realizar uma espécie de conscientização
a fim de sedimentar representações negativas do comunismo” remetendo a “preservação dos
valores religiosos, morais, patrióticos e democráticos, ameaçados pelo bolchevismo” 5.
Caminhando além, a perseguição aos comunistas, ou, supostos comunistas no Paraná se
manteve firme e se aflorou em inícios da década de 1960 desembocando na chamada por
Rodrigo Patto de segunda “grande onda anticomunista brasileira” - o Golpe Militar de 1964.
Nesse cenário, o anticomunismo torna-se ordem do dia.
O discurso anticomunista no BNM 238
Durante o regime militar a primeira fase de repressão no Paraná se iniciou momentos
após o golpe, quando inúmeros cidadãos são presos e outras centenas suspeitos ao novo regime
tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos. Nesse cenário surgem os primeiros
instrumentos de coerção aos opositores do regime, dentre eles, destaca-se os Inquéritos Policiais
Militares (IPMs) que tinham como principal objetivo calar a oposição norte-paranaense.
Almejavam atingir, em uma primeira instância como inimigos da Segurança Nacional, todos os
indivíduos suspeitos, os que foram inimigos do Golpe Militar, aqueles que ofereceram
resistência a ele, aliados ao governo deposto, e em especial políticos e sindicalistas – setores
descritos pelo discurso anticomunista como “agitadores vermelhos”, “arruaceiros” e
“subversores da ordem”.
Os inquéritos dos anos de 1960 se direcionam, principalmente, à punir e vigiar os
setores sociais anteriormente mobilizados 6. E no norte do Paraná, região eminentemente
agrícola, um dos principais setores mirados pelo regime foram os líderes de sindicatos e
associações rurais.
4
COSTA, Luiz Flávio Carvalho. Sindicalismo rural brasileiro, em construção. Rio de janeiro:
Florence Universitária: UFRRJ, 1996, p. 58-59.
5
IPÓLITO, Verônica Karina. O mito da conspiração vermelha. DOPS no rastro de suspeitos comunistas
no Paraná. In: PRIORI, Angelo (et al) (org). A História do Paraná Revisitada. Maringá: Eduem, 2014.
p. 118.
6
STEIN, Leila de Menezes. Inquéritos Policiais Militares, Questão Agrária e Sindicatos de
Trabalhadores Rurais: Anos 60 e 70. Estudos de Sociologia. Araraquara, SP: Universidade Estadual
Paulista (UNESP), 1998. nº5. p.101-113.
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No norte do Paraná foram instaurados vários inquéritos policiais que eram justificados
pelo discurso anticomunista de bloquear os “vermelhos”. Destaca-se um conjunto de IPMs que
posteriormente ficou conhecido como IPMs Zona Norte do Paraná que denunciava atividades
subversivas em várias cidades norte paranaenses 7.
Esse conjunto de processos foi instaurado com o intuito primordial de “conter “agitação
subversiva”; fundação de Sindicatos; agitação esquerdista e comunista; estabelecimento no
Brasil da “Republica Sindicalista”; incitação de trabalhadores contra seus patrões por meio de
meios violentos; incitação de greves; formação do “Grupo dos Onze”; divulgação de ideologia
comunista; propaganda subversiva; alinhamento á Goulart; formação de Ligas Camponesas”.
Ao longo dos inquéritos todas essas denúncias eram atreladas ao “credo vermelho” que
subvertia a ordem do Estado.
7
Tratam-se dos IPMs instaurados entre os anos de 1964 e 1965, já nos primeiros momentos do regime.
São eles: IPM 489 ou BNM 69, IPM 406 ou BNM 139, IPM 384 ou BNM 238, IPM 391 ou BNM 240,
IPM 272 ou BNM 292, IPM 381 ou BNM 312, IPM 385 ou BNM 315, IPM 382 ou BNM 385, IPM 390
ou BNM 495, os quais totalizam 6,114 páginas. Eles também são conhecidos por BNMs, ou seja, os
processos que foram recolhidos pela Arquidiocese de São Paulo, naquilo que ficou conhecido como o
projeto Brasil: Nunca Mais (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO 1985).
8
BNM nº 238, p.444.
9
BNM nº 238, p.108
10
MOTTA, 2010, p. 20
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Nessa declaração de denúncia, bem como em todos os IPMs Zona Norte do Paraná,
encontramos proeminentemente o discurso anticomunista impregnado no Brasil as vésperas do
golpe de 1964. Esse discurso delimita o “nós”, brasileiros e democratas, e o “eles” – os
comunistas - o perigo que paira sobre o “nós”. Esse discurso pregava que a índole comunista era
ameaçadora. Por um lado, para o governo, por exemplo, o comunismo representava uma ameaça
a ordem estabelecida, a democracia, o patriotismo, por outro, para a sociedade representava o
ataque aos valores cristãos ocidentais – no entendimento de muitos “a moral e aos bons
costumes dos brasileiros”.
Essa divisão entre bons e maus cidadãos é verificável em vários contextos históricos,
pois a figura do inimigo é essencial e “serve para fornecer ao povo a consciência de sua
11
BNM 238, 1964, p. 13 à 15, grifos nossos.
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unidade, e ao poder que conduz o combate, a legitimidade. Afinal a campanha contra o inimigo
é febril [...] é o sinal, na sociedade, do mal a combater” 12.
Em meio aos discursos anticomunistas, produzidos pelos vários setores da sociedade,
surgem apelos ao combate comunista. Exemplo destes, é o discurso da brasilidade, para o qual,
“brasileiro, que é brasileiro, jamais seria comunista”. Por brasileiro entendia-se o público
conservador, bom, sensato, amigo, temente a Deus, defensor da pátria, já os comunistas, os
“maus brasileiros”, contrário à isso, seriam os ferozes, destruidores da pátria, ladrões de
propriedade, descrentes. “A luta contra o comunismo no Brasil é também a luta pela construção
dos sentidos de brasilidade” 13.
Para o discurso anticomunista presente nesses inquéritos, todos que não compartilhavam
das ideias do regime eram designados comunistas, simpatizantes e aliados dos comunistas que
buscavam instaurar no Brasil o comunismo ao modelo do Bolchevismo Russo-Soviético. Suas
ideias, articuladas por meio dos Sindicados, Associações e Congressos eram vistas pelo regime
vigente como fachadas para encobrir o movimento comunista no norte do Estado.
Nas várias circunstâncias em que o discurso anticomunista foi posto a baila, o
comunismo, enquanto projeto político, era considerado uma ameaça à ordem estabelecida.
Nesse sentido, o anticomunismo atuava para a manutenção do Estado estabelecido. Uma prática
comum nesse período foi a utilização do termo “comunista” como qualquer oposição ao sistema
– a “ameaça vermelha”. E “mesmo que os acusados não [tivessem] nada de “comunistas”, o fato
14
de estarem fazendo algo contrário a ordem estabelecida levava a essa acusação” , pois, a
palavra comunista causava repulsa.
Nos processos que tratamos aqui, em todas as denúncias pode-se perceber o uso
indiscriminado e abusivo da qualificação comunista quando da apresentação dos réus nas peças
de acusação. No entanto, muitas outras denominações pejorativas e estereotipadas eram
largamente utilizadas no discurso anticomunista dos inquéritos para designar comunista e
comunismo.
Para “comunista”, nos IPMs, são dadas denominações como: subversivos adeptos do
comunismo; agentes do comunismo, agentes da desordem; agitadores comunistas; vermelhos;
elementos de agitação esquerdista; elementos comunistas; empreiteiros da desordem; inimigos
da ordem; maus elementos; praticantes do credo vermelho; promotores do projeto subversivo;
subversores da ordem; vermelhos, etc. “Comunismo” nesses IPMs seriam: ameaça vermelha;
12
DUTRA, Eliana de Freitas. O ardil totalitário: imaginário politico no Brasil nos anos 1930. 2ºed. –
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, pag. 46.
13
MARIANI, Bethania Sampaio Corrêa. O comunismo imaginário: Práticas discursivas da imprensa
sobre o PCB (1922 -1989). Unicamp. 1996, p. 241.
14
SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto
Alegre: EDIPUCRS. 2001. p. 27.
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barbárie; credo vermelho; crime; degradação dos valores morais da sociedade; ditadura
comunista; ditadura do proletariado; ditadura vermelha; ideologia totalitária; infiltração
vermelha; infiltração comunista; infiltração esquerdista; movimento subversivo; perigo
comunista; perigo vermelho; processo violento e subversivo da ordem social; subversão social.
Outra palavra que faz parte do vocabulário anticomunista nesses processos e a
“subversão”. A instauração desses IPMs era justificada em tudo que se englobasse no amplo e
duvidoso conceito de “subversão”. Subversão era denominada qualquer ato que ia de encontro à
ordem vigente. “O subversivo era qualquer pessoa partidária, simpatizante, aliada ou militante
comunista, contrária a ordem estabelecida”. O subversivo, sempre comunista, é caracterizado
com qualidades que o julgam do “mal”, e ao mesmo tempo “espertos”, como: “sagaz”,
“inteligente”, “frio”, “premeditado”, “calculista”, “perigoso”, “convicto”, “violento”, “agitado”
e “inconstante” 15.
No IPM 384 ou BNM 238, o Procurador Militar, capitão André Luiz dos Santos, afirma
que os irmãos Bonesso “são COMUNISTAS melitantes, sendo EDMUNDO BONESSO
secretário do PCB em ANDIRÁ”. Ademais, fundaram e organizaram a Associação dos
Trabalhadores Rurais de Andirá com o objetivo de “servir aos seus desígnios de SUBVERSÃO
da ordem e AGITAÇÃO, com farta distribuição entre os trabalhadores de propaganda
SUBVERSIVA e COMUNISTA provinda de CUBA e da CHINA VERMELHA”. Tentaram
ainda a “COMUNIZAÇÃO progressiva dos Associados e posteriormente dos Sindicalizados e
incitaram os trabalhadores rurais, a greve e a AGITAÇÃO contra os PATRÕES, fomentando a
luta de classes” (BNM 238, 1964, p. 108). Não tinham conhecimento da legislação trabalhista
“exigindo e vantagens descabidos, intimando e pressionando, usando como meio de coação [...]
ameaças veladas até ostensivas de sabotagem contra as plantações e propriedades”, instigando
os trabalhadores “a não recorrer a Justiça para resolução de seus problemas trabalhistas,
procurando resolve-los por meio da coação física e moral contra os patrões” 16.
Pautado nas falas de algumas poucas testemunhas o procurador militar tece a acusação
de que os irmãos Bonesso “tentaram nos primeiros dias da REVOLUÇÃO agir em ANDIRÁ
[...] Tendo como plano, a prisão das autoridades e tomada dos pontos críticos da cidade, pelos
filiados do SINDICATO, só não realizando isso devido ação inesperada das autoridades
policiais e resistência do Presidente do SINDICATO em aderir” 17. Posto isto, afirma a comissão
de IPM que “EDMUNDO BONESSO e ALCIDES BONESSO, são elementos de alta
15
ASSUNÇÃO, Rosangela Pereira de Abreu. DOPS/MG: Imaginário anticomunista e policiamento
político (1935-1964). (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação do Departamento de
História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Minas Gerais, 2006,
p.107 grifos nossos.
16
BNM 238, 1964 p. 107-108.
17
BNM 238, 1964 p. 108.
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31
18
BNM 238, 1964 p. 108.
19
DUTRA, 2012, p. 45.
20
MARIANI, 1996. p.144.
21
BNM 69, 1964, p. 21 grifos nossos.
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grande parte dos eleitores sindicalizados”. Afirma que “se isso for verdade, estou prevendo de
que é a prefeitura quem vai pagar, com dinheiro do povo!.. – Será que comprou o apoio
comunista para eleger um prefeito comunista? O futuro nos dirá...” 22.
Para atingir a oposição o candidato apela ao medo e a periculosidade que o comunismo
representava para vários setores da sociedade naquele momento. Ademais, o declarante atrela
automaticamente o sindicato ao comunismo.
22
BNM 238, 1964, p. 16
23
BNM nº 238, 1964, p.16.
24
BNM 238, 1964, p. 16
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justificar a sua própria violência”, constituindo “o lugar de uma 'violência democrática' por
oposição à 'violência comunista'” 25.
Considerações finais
Na década de 1950 o discurso anticomunista se afunila e já se inicia o trabalho de
fichamento dos comunistas na sociedade paranaense, acompanhado de campanhas de
“esclarecimentos” indicando que os comunistas eram perigosos. Com o regime militar em 1964
o imaginário anticomunista paranaense se aflora, se tornando ordem do dia.
Esse discurso anticomunista, já desenvolvido, e fortemente utilizado no imediato pós-
golpe militar, para o regime, era urgente e eficaz para silenciar toda e qualquer forma de
oposição, personificada primordialmente no comunista, o “inimigo da nação”, e enquadrar a
sociedade à nova “ordem” estabelecida. Como vimos, para além de manter em seu cerne o
discurso anticomunista, os IPMs instaurados já nos primeiros instantes do regime militar foram
justificados pelo próprio discurso anticomunista.
Nessa perspectiva, o comunismo é visto como a encarnação do mal. Faz-se uma
separação maniqueísta que delimita os “bons brasileiros” e os “maus brasileiros”. Como
dissemos, o discurso da brasilidade se faz presente e “brasileiro bom, que é brasileiro bom,
jamais seria comunista”. Por “bom brasileiro” entendia-se o público conservador, sensato,
temente a Deus, defensor da pátria; já os “maus brasileiros”, seriam os comunistas, inimigos da
democracia, destruidores da pátria e descrentes.
Para concluir, peço emprestada uma indagação de Bethania Mariani que faz-nos refletir
sobre a questão do anticomunismo: a eficácia do sentido “ameaça vermelha” de fato teria
chegado ao fim, ou se transformado, no imaginário brasileiro atual? Há inúmeras circunstancias
indicativas de que o imaginário anticomunista ainda continua presente em alguns círculos
sociais.
REFERÊNCIAS
AEL – Arquivo Edgar Leuenroth. Projeto BNM. Processo nº 69.
AEL – Arquivo Edgar Leuenroth. Projeto BNM. Processo nº 238.
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ASSUNÇÃO, Rosangela Pereira de Abreu. DOPS/MG: Imaginário anticomunista e
policiamento político (1935-1964). (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação do
Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal
de Minas Gerais, 2006.
COSTA, Luiz Flávio Carvalho. Sindicalismo rural brasileiro, em construção. Rio de janeiro:
Florence Universitária: UFRRJ, 1996.
25
MARIANI, 1996, p. 229
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1930. 2ºed. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. Pag. 359.
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comunistas no Paraná. In: PRIORI, Angelo (et al) (org). A História do Paraná Revisitada.
Maringá: Eduem, 2014. P. 91- 127.
MARIANI, Bethania Sampaio Corrêa. O comunismo imaginário: Práticas discursivas da
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MOTTA, Rodrigo P.S. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil
(1917-1964). Tese de doutorado. 2000.
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OLIVEIRA, Silvio José de. Imagens construídas no imaginário social: “esses vermelhos,
inimigos de nossa terra”. In: Revista interdisciplinar, p. 1-16, 2009.
ROLIM, Rivail Carvalho. A reorganização da polícia no estado do Paraná nos anos de 1950.
Revista de História Regional, v. 5, n. 1, s/p., 2000.
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Porto Alegre: EDIPUCRS. 2001. 254 p.
STEIN, Leila de Menezes. Inquéritos Policiais Militares, Questão Agrária e
Sindicatos de Trabalhadores Rurais: Anos 60 e 70. Estudos de Sociologia.
Araraquara, SP: Universidade Estadual Paulista (UNESP), 1998. nº5. p.101-113.
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Introdução e justificativa
Tendo em vista os debates atuais nesse ano de 2015 que, aparecem nas
diferentes mídias mostrando novas configurações da classe operária por meio de
manifestações, assembleias que discutem o projeto de terceirização (PL 4.330)26,
destacando ainda, a ameaça de greve geral feita pela Central Única dos Trabalhadores
(CUT) no mês de abril deste ano. Traz à luz debates longínquos sobre a situação da
classe operária brasileira, debates que antes questionavam a limitação da Consolidação
das Leis de Trabalho (CLT), hoje configurados em uma necessária defesa destes direitos
já há muito, adquiridos.
A partir dessas premissas, este trabalho busca apresentar uma análise de
como a historiografia dos anos de 1980 abordou, uma greve geral já quase centenária,
ocorrida em diferentes partes do país em 1917, sob liderança anarquista que levou
multidões as ruas.
Resultados
Essa produção historiográfica de 1980 abordou mais criteriosamente o
período Republicano no Brasil, a maioria dos recortes destacam os anos de 1889 à
1930.Os autores e trabalhos que analisamos se remetem às greves ocorridas em 1917 no
Brasil, de modos diferentes, entretanto, alguns apontamentos são comuns e ao mesmo
tempo, trazem novas perspectivas. O que gostaríamos de apresentar aqui é o aspecto
positivo desses trabalhos ao abordarem os fatores específicos da sociedade brasileira
26
As empresas podem contratar trabalhadores terceirizados em qualquer ramo de atividade para execução
de qualquer tarefa, seja em atividade-fim ou meio. Atualmente, a terceirização é permitida somente em
atividades de suporte, como limpeza, segurança e conservação, nos termos da Súmula 331, do Tribunal
Superior do Trabalho (TST). (Disponível no site do Senado Federal).
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assim, teve-se uma das maiores greves da história brasileira, mas deve-se salientar seu
caráter disperso e espontâneo (HEBLING, C. 1988).
Essas manifestações que se iniciam em 1917 são recorrentes até,
aproximadamente, 1921, com menos intensidade. A autora entende que o declínio
ocorre devido à repressão e também às mudanças nas práticas operárias, considerando a
fundação do Partido Comunista em 1922, o que leva-se à outras estratégias de luta e não
mais a ação direta anarquista e também o forte discurso nacionalista e patriótico
empregado como meio de sanar os problemas sociais. Hebling afirma que;
Creio que este final de conjuntura marcou os limites do sonhar
libertário. Ele foi provado pelos valores religiosos, pelo nacionalismo,
pelo pragmatismo, o reformismo, por uma política de corrupção que
sustentava amarelos e coronéis marítimos, pelo gerenciamento
cientifico, etc. (HEBLING, C. 1988, pág.178).
Entretanto, assim como De Decca também salientou (DECCA Edgar, S.
1981), a autora afirma que é errôneo usar a palavra “insucesso” para a experiência
anarquista desses anos, pois os anarquistas não queriam participar do poder, não se viam
nessa lógica. Ainda, ela afirma que não se pode criticar essa falta de representatividade
política do operariado sendo que a burguesia em si, também demorou para se constituir
como força política e eleitoral (HEBLING, C. 1988). Assim, acreditamos que esse
aspecto de compreender essas greves como difusas e sob múltiplos fatores, é a principal
colaboração da autora sobre a data.
É importante ressaltar que os ganhos dessas greves foram relativos,
dependendo de cada setor e cada região. Entretanto, os autores concordam que essas
manifestações de 1917 trouxeram à tona a “questão social”, que se anteriormente
tentava ocultar.
Margareth Rago afirma que esse foi um dos maiores ganhos de tais
manifestações e também ressalta que foi importante para o fortalecimento do
movimento operário e também do patronal, por intermédio da criação de diversas
associações (RAGO, M. 1985). Entretanto, vale ressaltar que essa obra apresenta um
outro aspecto da repressão a essas manifestações, a moral, segundo ela; “a imagem da
família, utilizada para pensar a fábrica, cumpre função explicita de negar a existência do
conflito capital/trabalho, sugerindo a ideia de uma harmoniosa cooperação entre pessoas
identificadas” (RAGO, M. 1985, pág.34).
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paternalismo oligárquico como uma das causas da debilidade operária naquele período
(MAGNANI, S. 1982, pág.31).
Entretanto, ela salienta eu os industriais também eram subordinados as
oligarquias, ou seja, também não possuíam forte representatividade, sendo assim, a
autora aponta que a classe operária na Primeira República era débil, mas os industriais
também não se constituíam em uma força política representativa (MAGNANI, S. 1982).
Magnani se aproxima de Kazumi Munakata ao afirmar que estes
anarquistas aceitavam a constituição liberal dos direitos individuais e, desse modo,
lutavam contra o patronato e não contra o Estado. Destaca-se que, a autora não entende
isso como algo negativo, mas como parte daquele processo histórico, a especificidade
do Brasil, devido às políticas oligárquicas e ao preconceito com os imigrantes, fizeram
com que tais anarquistas lutassem mais por direitos e reformas do que a própria
destruição do Estado, como na Espanha e na Itália (MAGNANI, S. 1982).
A autora descreve que a organização anarquista já influenciava as greves
de 1907 em São Paulo, por meio da ação direta e não havia intervenção do Estado para
o diálogo, somente uma intervenção repressiva. Essas manifestações já exigiam a
jornada de oito horas. Essa exigência além de dar o tempo do lazer aos trabalhadores,
também diminuiria o desemprego, já que aumentariam os turnos. No entanto, os
industriais alegaram que os países desenvolvidos ainda não tinham aprovado essa
jornada, e também isso aumentaria os preços dos produtos, recusando as exigências, que
seriam retomada mais tarde em 1917.
Desse modo, Magnani conclui em seu trabalho que teoria anarquista
encontrava confirmação na organização estatal brasileira, principalmente, por meio das
políticas oligárquicas e repressivas que não permitiam a participação operária na
política institucional. Magnani ressalta que não se deve invalidar a influência
anarquista, afirmando ser ela uma mera importação de ideias, pois a exclusão política,
social e cultural dos trabalhadores lhes proporcionaram a difusão de ideais libertários. E
também, seguindo o raciocínio de De Decca (DECCA Edgar, S. 1979), não se pode
considerar esses anarquistas como “vencidos” ou “perdedores” já que não almejavam
participar das relações políticas institucionalizadas, mas, destruí-las.
O historiador Francisco Foot Hardman (HARDMAN, F. 1984), ao focar
seus estudos sobre a cultura da classe operária, entende que concomitante as práticas de
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tempo que se diferenciavam por meio do teatro e das publicações em jornais, essas
festas foram se tornando populares, não apenas anarquistas, desse modo, o autor
entende que mesmo sendo contraditória, é importante reconhecer a influência dessas
tendências na formação e construção das manifestações que ocorreram durante toda a
Primeira República.
Assim, percebemos que a classe, como já afirmou Thompson, não é algo
estável ou imóvel, ela se estabelece no processo de luta, e a cultura, muito criticada e
desvalorizada por análises marxistas, está intrínseca as organizações de resistência, se
relacionando com os fatores econômicos, sociais e políticos, ele ainda afirma que, como
dizia Michelle Perrot, “a greve é também uma festa” (HARDMAN, F. 1984, pág.193).
Acreditamos que a principal contribuição de Francisco Hardman para a
compreensão das manifestações de 1917, está em entender essas greves para o além do
econômico e do político, mas também atentar para o cotidiano e as práticas culturais dos
trabalhadores, ou seja, uma gama de fatores inter-relacionados. Portanto, a partir das
vilas operárias, por exemplo, se consolidava as experiências em comum e estabeleciam
diferentes relações, tanto de resistência, quanto as de sujeição à classe dominante.
Entendemos que a organização documental feita pelos professores Paulo
Sérgio Pinheiro e Michael Hall (PINHEIRO, P. & HALL, M. 1981), constitui um
importante acervo para o estudo do período e possibilita aos pesquisadores do tema,
uma melhor compreensão do período estudado e, inclusive, a melhor percepção dos
motivos que levaram estes trabalhadores a desencadearem as maiores greves do Brasil.
Os autores, como já mencionados, apresentam farta documentação sobre as condições
de vida, as organizações, a resistência e sobre as greves que ocorreram durante todo o
período recortado, demonstrando o caráter espontâneo 27 de algumas greves e outras
mais organizadas e planejadas, pois a organização operária não é homogênea.
A organização documental demonstra, na maior parte, as denúncias de
exploração e os modos de vida dos trabalhadores rurais e urbanos. As denúncias mais
frequentes são principalmente em relação a habitação e a falta de direitos em relação aos
salários, pois não há ninguém que garanta o cumprimento das garantias básicas dos
trabalhadores (PINHEIRO, P. & HALL, M. 1981).
27
Utilizo o termo espontâneo para referenciar estes movimentos em sua especificidade de organização –
dispersa-, pois era um período de construção de um movimento, não acabado.
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Considerações finais
Esses autores, como já afirmamos, buscaram demonstrar que as
manifestações ocorridas em 1917 e que continuaram até 1921, foram frutos de
problemas específicos da sociedade brasileira daquele período, não significando que,
deve-se excluir a influência internacional do bolchevismo (posterior a 1917), mas sim,
reconhecer que não foram apenas importações de ideias, sejam elas anarquistas ou
socialistas, mas todo o complexo político, econômico, social e cultural brasileiro deu
“vida” a esses pensamentos e utopias.
REFERÊNCIAS:
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45
DECCA, Edgar Salvadori De. 1930: O silêncio dos vencidos. Editora Brasiliense, São
Paulo, 1981.
HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, Nem Patrão! Vida operária e cultura
anarquista no Brasil. Brasiliense, São Paulo, 1984.
HEBLING, Cristina Campos. O sonhar libertário: movimento operário nos anos
1917 a 1921. Editora Pontes (Unicamp), São Paulo, 1988.
MAGNANI, Sylvia Lang. O movimento anarquista em São Paulo (1906-1917). São
Paulo, Brasiliense, 1982.
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. Editora Brasiliense, São
Paulo, 1984 (Coleção Tudo é história).
PAOLI, Maria Célia. Os trabalhadores urbanos na fala dos outros: tempo, espaço e
classe na história operária brasileira. Encontro da Associação Brasileira de
Antropologia, Rio de Janeiro (UFRJ), 07/10/1982.
PINHEIRO, Paulo S. & HALL, Michael M. A classe operária no Brasil. Condições de
vida e de trabalho, relações com os empresários e o Estado (1889-1930),Vol.II.
Brasiliense, São Paulo, 1981.
RAGO, Margareth L. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil 1890-
1930. Editora Paz e Terra, São Paulo, 1985.
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47
29
MESQUITA, Sergio Luiz Monteiro. A Sociedade Central De Imigração E A Política Imigratória
Brasileira (1883-1910). Dissertação de Mestrado de programa de pós-graduação em História da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, setembro de 2000. p. 175.
30
HALL, Michael M. “Reformadores de classe média no Império Brasileiro: A Sociedade Central de
Imigração”. p.148.
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serviços de 1871, que era considerada em alguns casos uma “escravidão branca”. A
promulgação da lei do casamento civil, ainda inexistente no Brasil poderia afastar os
imigrantes não católicos que pretendiam emigrar e pelo mesmo motivo religioso a
secularização dos cemitérios.
As transformações propostas e os serviços de imigração que seriam
disponibilizados teriam a função de atrair esse imigrante ideal o qual a sociedade se
interessava. É importante notar que o imigrante ideal não é apenas o europeu, mas
aquele que estaria disposto a contribuir para a formação da nação brasileira.
Acreditavam que os europeus teriam um perfil mais próximo ao que
procuravam. É importante perceber ainda que os imigrantes pretendidos seriam os que
chegassem de maneira espontânea e que migrassem com a família, pois esta seria a
garantia do trabalho e das intenções de permanência.
A SCI em muitos casos buscava debater a figura desse imigrante nas
paginas do boletim. Tentavam mostrar a ideia do imigrante que chegava com intenções
de formar no Brasil sua nova residência, contrariando a visão majoritária de políticos e
de latifundiários brasileiros que acreditavam que os imigrantes chegavam com intenções
de enriquecer e voltar à terra de origem. Taunay, em discursos na câmara dos deputados
e posteriormente no senado do império defendia a tese de que se fossem garantidas as
condições de progresso do imigrante, ele não teria mais vontade de deixar o país, teria
aqui justamente o que procurava quando emigrou. Em discurso na assembleia do
deputados publicado no boletim numero 6 em outubro de 1884 Taunay afirmou:
“Si esse homem vem da Europa, foi pela esperança das vantagens que
poderia auferir, em vista dos salários promettidos, que lhe pareceram
sufficicntes em relação ao pouco que recebia no seu paiz.
Uma vez aqui, verificado o seu engano, quer o nobre deputado que elle ou
siga para a cadeia, ou então desembolso dinheiro, cousa que do certo não
32
possue, pois que si emigrou foi para ganhar aquillo que não tinha?”
32
A Immigração. Boletim número 6. pag. 2.
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“Nada mais contrario ao progresso real das novas nações americanas do que
o sentimento tamanho e pernicioso, que os pensadores do século
denominaram nativismo e muitos ainda confundem com patriotismo [...]
O nativismo o a mescla de obsoletos e ridículos preconceitos dos tempos
passados e bárbaros e da ignorância dos factos de hoje; o patriotismo, ao
envez traz a consideração sensata o justa das necessidades da terra natal, quer
33
sejam de ordem material, quer moral.”
33
A Immigração. Boletim número 10. pag. 2.
34
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 5º edição. São Paulo: UNESP, 2010. p. 181
35
GONÇALVES. Mercadores de Braços: Riqueza e Acumulação na Organização da Emigração
Européia ao o novo mundo. 2008.p. 162.
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“Teria ainda muito que dizer, mais precisa ser breve. Aliás o assumpto
interessa de perto o fim principal da reunião, pois o contraria de frente.
Bastará, com effeito, o simples annuncio de que os chins vão ser importados
para o Brazil, para que a Europa cesse qualquer movimento emigralorio. É
preciso contar com isto. Uma cousa exclue radicalmente a outra, de maneira
que, enquanto a Republica Argentina, como muito bem ponderou o Sr. Carlos
do Koseritz, estiver innoculado em suas veias sangue generoso, forte, vivo,
enérgico, receberemos nós para companheiros da grande obra nacional os
decrépitos fiilhos do Celeste Império!
Já o disse, mas repetirá : o chim afugenta irremediavelmente o immigrante
europeu, o aniquilla, do mesmo modo que a moeda fraca expulsa a forte e a
faz desapparecer. Em outra ordem de considerações, mas no
desenvolvimento da sua these, prova o Sr. Escragnolle Taunay que o
exemplo dos Estados Unido tem servido no espirito daquelles que nos
dirigem, para medidas precipitadas e quasi absurdas em alguns dos seus
38
resultados.”
36
ELIAS, Maria José. Os debates sobre o trabalho dos chins e o problema da mão de obra no Brasil
durante o século XIX.p. 698.
37
A immigração. Reimpressão dos boletins nº 1 ao nº 4. p. 4.
38
A immigração. Reimpressão dos boletins nº 1 ao nº 4. p. 4.
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39
A immigração. Reimpressão dos boletins nº 1 ao nº 4. p. 9.
40
A immigração. Reimpressão dos boletins nº 1 ao nº 4. p. 3.
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REFERÊNCIAS:
Boletim A Immigração. (1883 a 1891). Periódico. Disponível em:
<http://bndigital.bn.br>
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 5º edição. São Paulo: UNESP, 2010
ELIAS, Maria José. Os debates sobre o trabalho dos chins e o problema da mão de
obra no Brasil durante o século XIX. In. Anais do VI simpósio nacional dos professores
universitários de história: Trabalho livre e trabalho escravo. Goiânia. 1971. Euripes
Simões de Paula (org.). ANPUH. São Paulo 1973. pp. 697 – 715.
GONÇALVES, Paulo Cesar. Mercadores de Braços: Riqueza e Acumulação na
Organização da Emigração Européia ao o novo mundo. Tese de doutoramento. São
Paulo: FFLCH/USP, 2008.
HALL, Michael M. Reformadores de classe média no Império Brasileiro: A Sociedade
Central de Imigração. Revista de História. São Paulo, ano XXVII, v. LIII, 1976. pp.
147 – 171.
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem como proposta, para além de realizar uma discussão
bibliográfica referente ao Brasil colônia, analisar alguns pensadores do período colonial.
Buscaremos entender como, a partir de variados pressupostos – políticos e/ou teóricos –
esses pensadores caracterizam seu modelo econômico. Dentre os autores escolhidos
para análise estão Caio Prado Júnior, por oferecer uma visão que foi predominante e
pouco contestada pelo menos até a década de 1980, e também João Luís Fragoso,
expoente de um historiografia que vem repensando as perspectivas mais tradicionais.
Além disso, trouxemos para o debate a interpretação de Laurêncio de Jesus, por
considerarmos dissonante das anteriores.
Enquanto analisamos a perspectiva de Caio Prado Júnior a partir de sua relação
com o posicionamento político do autor, optamos por analisar os demais autores a partir
de suas bases teórico-metodológicas. O resultado é o de três propostas diferentes entre
si. Por vezes, a colônia é inserida em um regime capitalista, por vezes, em uma
economia pré-capitalista, ou então considerada simplesmente como economia colonial.
Tais considerações refletem contradições empíricas, mas também teórico-metodológicas
e políticas. Objetivamos assim demonstrar como o período colonial vem sendo pensado
e repensado e como o trabalho historiográfico é construído no trato dessa temática.
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num futuro mais ou menos remoto, propor a revolução socialista”. Também Caio Prado
Júnior elaborou uma interpretação na qual se consubstanciava a ideia de que era preciso,
antes de propor o socialismo, cumprir uma etapa intermediária (MENDES, 2013, p.
208).
Desta forma, para compreendermos a interpretação caiopradiana acerca da
história brasileira, acreditamos ser necessário refletir sobre sua postura política diante
dos eventos presentes. Na obra Formação do Brasil contemporâneo, o historiador
encontra no período colonial o ponto chave para a sustentação de sua argumentação.
Para Prado Jr. (1961), seria preciso entender o período colonial e o que dele resultou
para se compreender a formação do Brasil contemporâneo (do século XX).
Já nos primeiros parágrafos da obra (1961, pg. 5-6), Caio Prado assinala que o
início do século XIX representava o resultado da colonização e início de um processo
essencial para se entender o Brasil contemporâneo. Um processo de renovação, que
significava os primeiros passos para o estabelecimento de uma economia autônoma.
Vale notar que, para o historiador, o processo de transformação ainda não havia se
completado em seus dias, ou seja, não houve uma ruptura brusca com o passado
colonial. Exemplo disso é que instituições que se constituíram no período de
colonização, como o trabalho forçado, a produção extensiva destinada ao mercado
externo, consequentemente, um mercado interno deficiente e as relações de classe de
cunho colonial, ainda estavam presentes em sua época (1961, pg. 6-7). Com isso, o
autor expõe elementos que permitem caracterizar o molde Brasil colônia pensando no
que devia ser superado e nas transformações desejadas.
Para Caio Prado (1961) a história do Brasil possuía um sentido, consequência
dos desdobramentos da história europeia, que era atender às necessidades comerciais
externas ao próprio país. O comércio, portanto, era visto como eixo central da história
colonial. Atentemos-nos ao excerto a seguir, onde o historiador expõe sua concepção:
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LAURÊNCIO DE JESUS
Laurêncio de Jesus critica as interpretações de autores como Caio Prado Júnior,
Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Roberto Simonsen e, sobretudo, Celso
Furtado, as quais, em suas palavras “são trabalhos de natureza historiográfica, nos quais
se verifica que os homens, que são a própria essência da história, não se fazem
presente” (1994, p.14).
Para entendermos essa afirmação é preciso verificar os pressupostos sobre os
quais o autor aborda a própria história. Apoiando-se em Aristóteles, parte da premissa
de que “existe adequação do homem ao mundo e este (mundo) concretiza-se pelas reais
necessidades da existência dos próprios homens” (1994, p. 98). Se pensarmos na já
mencionada análise de Caio Prado, veremos que ao trabalhar com o sentido da
colonização, o historiador está considerando que a economia brasileira ao voltar-se ao
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mercado externo não atende às reais necessidades do homem colonial, ou seja, não há
uma adequação do homem à sua realidade, contrariando os postulados de Aristóteles.
Tais críticas tomam mais corpo ao se direcionarem a Celso Furtado. Para Jesus,
Celso Furtado, em razão de seu posicionamento político, considerou que a economia
agrário-exportadora brasileira era responsável pelo atraso do país em relação aos
demais. Isso porque, dada as relações econômicas desiguais estabelecidas entre os
polos, a Metrópole enriquecia a custa da colônia. Desta forma, o historiador teria
subordinado o processo histórico à sua concepção política e econômica de
desenvolvimento, considerando que a economia brasileira transitaria de um capitalismo
incipiente para um capitalismo industrial, o qual o próprio Furtado buscava fomentar.
Analisando teóricos liberais como Adam Smith, John Locke entre outros, Jesus
procura demonstrar que seus valores estavam presentes no Brasil e que, portanto, a
colônia estava alinhada aos países europeus, comercializando de igual para igual.
Observa-se que tanto para Furtado quanto para Jesus, o Brasil estava inserido em um
contexto capitalista, contudo, se para o primeiro o progresso da nação só ocorreria
quando a economia se voltasse para dentro, para o segundo, os homens coloniais já
atendiam, ou buscavam atender, suas reais necessidades de vida.
O capitalismo, para Jesus, seria a forma de produção que se erguia contra a
anterior - feudal -, questionando a relação entre poder e improdutividade mantida pela
nobreza. A riqueza e a posse de terras agora provinham do trabalho e não mais do
direito divino. Uma vez que o trabalhador conseguiu acumular riqueza, não mais
produzindo para a subsistência, pôde iniciar relações de troca com seus iguais. Assim,
“compreende-se como sendo uma forma social nova essa sociedade na qual os homens
produzem e trocam livremente suas mercadorias. A necessidade dessa nova forma de
trabalho e da troca identifica-se como sendo o modo pelo qual a existência humana se
realiza” (1994, p. 92). Jesus reconhece que tal ordem não surgiu de forma homogênea
por toda parte, vejamos:
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uma aristocracia de fazendeiros que determinava de várias formas sua vida social”
(1999, p. 129).
Porém, a partir das décadas de 80 e 90, a denominada Escola do Rio, da qual faz
parte João Luís Fragoso, começou a fazer críticas incisivas no intuito de romper com
antigas abordagens, com a noção de que a economia colonial era um mero apêndice da
economia europeia. Segundo Maria Linhares, buscava-se por à prova esquemas
explicativos clássicos, sobretudo, no que concerne à dependência estrutural da colônia
em relação ao mercado internacional, de forma que “o sentido da colonização, na
expressão de Caio Prado Júnior, perdeu a sua significação teleológica de mão única – a
situação do colono e suas determinações externas – para ganhar novas dimensões”. A
preocupação dos novos pesquisadores foi buscar novas fontes, novas perspectivas
teóricas e substituir uma visão generalizante, por uma mais localizada, enfocando as
estruturas internas da colônia. “O quadro apontado é o da colônia que se move, com
seus comerciantes e sua lógica própria, forjando mecanismos de acumulação
compatíveis com seu universo” 41 (LINHARES, 1998, p. 12).
Schwartz considera que o ataque de historiadores aos modelos clássicos vem
tanto daqueles que privilegiam temas marxistas de estrutura econômica e suas relações
com a organização da sociedade como objetos de análise, entre os quais podemos
colocar João Fragoso, quanto de estudiosos mais interessados nas atitudes e ideias que
se formaram em meio a estas estruturas e relações 42 (1999, p. 29). Neste artigo
analisaremos os estudos de Fragoso justamente por ter sido uma das bases para as novas
pesquisas e por entrar em contraste com as perspectivas historiográficas analisadas em
capítulos anteriores 43.
41
Apesar da preferência por estudos mais localizados, em contraposição aos estudos de Caio Prado
Júnior, por exemplo, Schwartz aponta que Fragoso acabou fazendo generalizações, ao invés de destacar
“aspectos cronologicamente limitados a uma conjuntura histórica, deixa um tanto implícita sua percepção
de que seriam características estruturais do Brasil colonial” (1999, p. 131).
42
Nas palavras de Schwartz, “por mais que as críticas colocadas pela escola do ‘Pequeno Brasil’ tenham
questionado a natureza da economia colonial, um ataque potencialmente mais radical à historiografia
tradicional partiu da mudança de foco das questões socioeconômicas para o estudo das ideias e atitudes
que informavam as relações sociais e de gênero dentro de uma sociedade escravistas multirracial. A
tendência dos estudos históricos para examinarem as estruturas mentais, a cultura popular e a esfera
doméstica passou a ter um impacto profundo na maneira com que os estudiosos do passado brasileiro
agora pensam a histórica colonial” (1999, p. 135).
43
Schwartz aponta que Homens de Grossa Aventura, principal obra de João Luís Fragoso, não constituiu
material absolutamente novo. Trabalhos de autores como Russel-Wood, Pierre Verger, Roberto do
Amaral Lapa e outros já haviam analisado algumas questões presentes na obra. Contudo, o historiador
teve o mérito de prestar mais atenção às implicações teóricas que os demais (1999, p. 130).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deparamos-nos no decorrer deste artigo com três perspectivas, embasadas em
variados pressupostos, que permitiram aos pesquisadores lidarem com a realidade
econômica colonial de modo a concebê-la sobre diferentes prismas.
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REFERÊNCIAS
LINHARES, Maria Y. L. Prefácio. In: FRAGOSO, João L. R. Homens de Grossa
Aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 9-13.
FRAGOSO, João L. R. Homens de Grossa Aventura: acumulação e hierarquia na
praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1998.
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INTRODUÇÃO
O que os brasileiros cantavam? É provável que houvesse uma variedade de
gêneros musicais e temas. Mas, é impossível esgotar toda essa diversidade musical em
apenas um artigo. Aqui, pretende-se analisar, com a pequena bibliografia pesquisada,
alguns aspectos do Rádio, da censura, das músicas ouvidas e/ou cantadas até 1945.
A FEB vai para a Itália em início de 1944 e, segundo a historiadora Maria Elisa
Pereira, os meios de comunicação estavam sob censura do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) 44 principalmente após 1942, por causa da guerra.
Desse modo, os programas de rádio e os jornais que, aliás, também eram
censurados, estavam contribuindo para divulgar um patriotismo e justificar a entrada do
Brasil na guerra.
Os meios de comunicação começaram a ser utilizados para a consolidação do
governo de Vargas, por meio de propagandas, principalmente após 1934, pois, segundo
o historiador Orlando de Barros, em seu livro A guerra dos artistas, “na data referida, e
um ano depois da ascensão do nazismo, Simões Lopes 45 viajou à Alemanha para
observar o funcionamento do Ministério da Propaganda que Goebbels 46 dirigia”, e o
mesmo se entusiasmou com o sistema nacional-socialista, a sistematização da
propaganda e a metodização do governo. O estudioso mostra que “o conselho foi, em
parte, aceito e posto em prática, contudo parcialmente, pela limitação imposta pelos
44
O DIP, segundo Francisco José Paschoal, foi instituído em 1939, embora fosse precedido por outros
órgãos que tinham funções parecidas, como por exemplo, o Departamento Oficial de Publicidade (DOP)
em 1931 e o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC) em 1934. Esses órgãos tinham
como função regulamentar os meios de comunicação, principalmente o rádio, cuidando da ‘imagem’ que
se passava do Brasil tanto no interior do país quanto no exterior.
45
Este era o então oficial-de-gabinete (correspondente ao atual Gabinete Civil) da Secretaria da
Presidência da República.
46
Joseph Goebbels foi Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista, de 1933 a 1945.
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interesses privados, e, mais adiante, condicionado pela aliança com os Estados Unidos.
(...)” (p.70).
1 - O RÁDIO
47
A política de boa-vizinhança foi implementada durante o governo de Franklin Delano Roosevelt nos
Estados Unidos (1933 a 1945), e era uma estratégia dos E.U.A. para se relacionar com os países da
América Latina, para isso foi adotada “a negociação diplomática e a colaboração econômica e militar com
o objetivo de impedir a influência européia na região, manter a estabilidade política no continente e
assegurar a liderança norte-americana no hemisfério ocidental”. Pan-americanismo é uma doutrina
estadunidense que defende uma aliança entre os países do continente americano.
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48
Trecho da Canção proibida do expedicionário (Raridade). Disponível em:
<https://poemia.wordpress.com/2008/05/06/cancao-proibida-do-expedicionario-raridade/> Acesso em 22
out 2015.
49
Trecho da Canção do Expedicionário – Exército Brasileiro. Disponível em: <
http://www.vagalume.com.br/exercito-brasileiro/cancao-do-expedicionario.html > Acesso em 23 out
2015.
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2 - “MANTER A ORDEM”
50
Utilizamos aqui a definição ‘cultura popular’ do antropólogo e sociólogo Denys Cuche que a define
como “culturas de grupos sociais subalternos” e são construídas “numa situação de dominação”,
considerando que são “nem por completo dependentes nem por completo autónomas, nem de pura
imitação nem de criação pura.” No caso do governo Vargas, há a tentativa de inserir alguns valores de
exaltação do trabalho, da nação nas várias formas de expressão da cultura popular.
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Salvadori coloca bem essa questão no que diz respeito principalmente ao samba.
Segundo a estudiosa, havia três tipos de samba: o lírico-amoroso, sem compromisso
com a política; o apologético nacionalista, provavelmente que estava no rádio e exaltava
a nação; e o samba malandro, aquele que ironizava o trabalho e brincava com a ordem
que estava sendo imposta.
De início, considerando a análise da autora que faz um recorte temporal de
1930-50, tínhamos as criações daqueles indivíduos chamados malandros, os quais
faziam músicas que muitas vezes exaltava mais a vida rural do que a vida urbana que se
instalava cada vez com mais vigor, criticava o trabalho das cidades e cantava o que
achavam mais conveniente com a sua situação atual. Essa era a forma, segundo a
historiadora, dos trabalhadores manterem suas identidades, como se fosse uma
resistência ao que vinha se impondo na sociedade capitalista.
O governo, percebendo essa resistência como ameaça, procura oficializar essa
música; isso é conseguido através do paternalismo, presente claramente no governo de
Vargas, ou por meio de repressão. O rádio foi uma via importante para essa
oficialização já que, por meio dele, o samba passa também a ser comercializado; mas,
nesse meio provavelmente as músicas tocadas não iam contra o sistema do país, afinal o
DIP estava presente como mediador do que seria transmitido á população.
Porém, Orlando Barros, citando a opinião do historiador Antônio Pedro, contida
em sua dissertação de mestrado Samba da legitimidade, comenta que apesar da censura
do DIP, e da preocupação do governo com o conteúdo das músicas,
não é demais supor que a canção possa conter (...) uma oposição à
seriedade do trabalho, afinal tão caro à ideologia oficial.
Mas Getúlio Vargas, embora com o mesmo risco, poderia se
aproveitar do samba de exaltação, pois, de fato, lá se apresenta o
Brasil como abrigo de classes pacificadas e construtoras do bem
comum (...). Entretanto, o tema do trabalho conota, em qualquer caso
a realidade subjacente da divisão social em classes, trazendo à audição
o terreno movediço das diferenças sociais. A temática do trabalho foi,
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assim, o ponto mais (...) sensível e pronto a colidir com a visão oficial,
o mais suscetível à paródia (...), mas não se poderia deter a canção,
pois não podia faltar insumo ao rádio e à indústria do entretenimento
em geral. (p. 79)
3 - A MÚSICA NO CARNAVAL
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nacional; porém isso não pode ter ocorrido, ou seja, o DIP não foi responsável por esse
feito, já que o órgão foi criado meses depois do carnaval.
Já a partir de 1942, quando o Brasil entra na Segunda Guerra Mundial, embora
não haja ainda uma norma oficial para a obrigatoriedade de temas pátrios, o desfile
passa a ser patrocinado pela Liga de Defesa Nacional e da União Nacional dos
Estudantes, que estipula de antemão o tema: “Carnaval da Vitória”. Aliás, talvez se
possa dizer que por trás disso o governo forçava essa obrigatoriedade, mesmo que seja
por meio do apoio governamental aos organizadores do evento, já que o carnaval
ajudava também a criar uma identidade para o povo brasileiro e, dessa maneira, a
manter a ‘ordem’, porém de forma indireta.
4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
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BIBLIOGRAFIA
A Era Vargas: dos anos 20 a 1945. Disponível em:
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-
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51
É importante que destaquemos aqui que este movimento “peristáltico” da música é reconhecida por
seus maiores divulgadores, como DJ Malboro em entrevista para o artigo de José M. Vaenzuela Arce nos
ressalta que “As melodias, compassos do funk, não têm compromissos com nenhum tipo de música.
Podem ser melodias de samba, de forró ou de macumba. A batida tem de ser forte, o ritmo tem de ser
frenético, mas a melodia é o que se mentaliza para aquele que faz música. A influência das raízes é
espontânea, não existe consciência.” (ARCE, 1997: 152)
52
O Hip-hop é um movimento cultural também ligado as periferias das cidades. Este movimento irá
integrar o RAP (ritmos e poesia) um ritmo com batidas mais pesadas e vocal quase falado carregado de
poesia, o break [dança] e o grafitti [arte plástica].
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vício. Isso se deu, em parte, pela grande aceitação que o funk começou a ter entre diferentes
segmentos sociais da juventude da cidade, e também porque ele, assim como outras
manifestações artísticas de caráter popular no Brasil, como por exemplo o samba, carregou o
estigma de manifestação cultural ligada às populações pobres e de periferia.
Em 2000, após o governo de Marcello Alencar (1995-1998) que já não disponibilizava
recursos públicos (como transporte e policiamento) para realizações dos bailes funk, além de
dificultar a liberação de alvarás para que eles pudessem acontecer, o quadro de dificuldades para
a expressão do funk no Rio de Janeiro foi agravado quando criada a Lei nº 3410, em 29 de maio
daquele ano. Esta lei delimitou as condições em que poderiam ser realizados os bailes funk, que
são o principal meio de divulgação dos artistas deste movimento. Em 2008, a Lei Álvaro Lins
(Lei nº 5.265/2008) enrijeceu a lei de 2000, impondo uma série de restrições às realizações de
bailes funk e raves 53 no Rio de Janeiro.
Em 1º de setembro de 2009, foi promulgada a lei que alçou o funk a Movimento Cultural
e Musical de caráter popular do Rio de Janeiro, e no mesmo dia revogou-se a Lei Álvaro Lins.
Como entender tamanha mudança no quadro que viemos traçando? Este reconhecimento do
funk é, segundo os estudiosos do tema, fruto de uma luta travada pelos funkeiros contra o
preconceito e a discriminação ao ritmo que veio da periferia. Em outras palavras, o funk é assim
entendido como um mecanismo de resistência.
No entanto, este reconhecimento oficial não veio acompanhado de atitudes semelhantes
na prática. Com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas comunidades em
situação de vulnerabilidade do Rio de Janeiro, criadas com o intuito de pacificar e combater o
crime organizado, o preconceito ao funk permaneceu, como MC 54 Leonardo observou ao
comentar a revogação da Lei Álvaro Lins. Segundo ele,
53
Rave é um festival de música eletrônica que acontece longe dos centros urbanos, em sítios e galpões
por exemplo. É um evento no qual DJs e artistas plásticos, visuais e performáticos apresentam seus
trabalhos, interagindo com o público e tem um tempo de duração longo e ininterrupto, por vezes,
integrando dias.
54
O MC na música é um artista ou cantor que, normalmente, compõe e canta seu material próprio e
original, e que, por sua vez, não deve ser confundido com DJ, o qual interpreta a música e a ressignifica
criando mixagens. Shock G do Digital Underground, no livro How to Rap: The Art & Science of the Hip-
Hop MC (EDWARDS, 2009: 12) nota que o termo "MC" no hip hop, "vem da frase mestre de
cerimônias", o que explica "o motivo da maioria dos rappers utilizarem o prefixo MC". Sabendo que o
funk e o Rap se confundiram por muito tempo como sendo pertencentes de uma mesma cultura no Brasil,
e por isso funks com títulos de raps, tais como o Rap da Felicidade, Rap das Armas, dentre outros, os
funkeiros também adotaram o termo MC e DJ, cada qual na sua categoria, para se apresentarem.
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O que chama atenção na fala do MC Leonardo é algo a que o historiador inglês Edward
Palmer Thompson denominou experiência. No seu livro, A Miséria da Teoria ou um planetário
de erros uma crítica ao pensamento de Althusser, editado no Brasil em 1981, Thompson irá
propor a utilização que o conceito de experiência seja tomado pelos historiadores como modelo
catalisador de ação social. 55 Para este historiador, através da experiência é possível elaborar
teoricamente uma explicação racional das mudanças históricas sendo no campo da cultura que a
experiência é elaborada e dada a ver ao historiador.
Com base nesta perspectiva que valoriza a experiência das pessoas comuns a partir de
suas próprias visões, podemos sugerir que a fala do MC Leonardo aponta para uma distância
entre o que foi decidido no âmbito da política judiciária e o que ocorre na experiência vivida. O
propósito deste artigo é fazer uma análise que se volte para o texto da Lei 5543/2009 colocando-
a em diálogo com a experiência vivida no cotidiano por aqueles sobre quem ela incide.
A Lei de 2009 e as tensões sócio-culturais num embate com as leis de 2000 e 2008
55
Ao fazer a análise da classe trabalhadora, Thompson sugere que os operários são sujeitos da história e
não somente vítimas passivas do poder a que estão submetidos e nos mostra que estes sujeitos formam
um conjunto de indivíduos que partilham experiências construídas historicamente, herdadas e/ou
partilhadas e articuladas em torno a sistemas de valores, tradições, sentimentos identitários,
reivindicações, projetos, formas de subsistir, linguagens, crenças, dentre outras coisas. É a partir da
consciência de uma identidade partilhada que os indivíduos se relacionam entre si com o político, o social
e o econômico, transformando-os e também sendo transformados por eles. (THOMPSON, 1981: 15-18)
56
Segundo o manual intitulado Patrimônio Cultural Imaterial: Para saber mais do Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), produzido em 2007 por Natália Guerra Brayner, o conceito de
Patrimônio Imaterial atravessa a ideia de identidade cultural, diversidade cultural e tudo aquilo que é
considerado valioso para um grupo, mesmo que isso não tenha valor para outros grupos sociais ou valor
de mercado.
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b) cópia do CPF;
c) os documentos elencados no inciso anterior entre as alíneas c e h.
Parágrafo único - O pedido de autorização para a realização do evento
deverá informar:
I - expectativa de público;
II- em caso de venda de ingressos o número colocado à disposição;
III - nome do responsável pelo evento;
IV - área para estacionamento, de maneira a não atrapalhar o trânsito das vias
públicas, bem como a sua capacidade;
V - previsão de horário de início e término;
Art. 4º - A autoridade responsável pela concessão da autorização poderá
limitar o horário de duração do evento, que não excederá a 12 (doze) horas,
de forma a não perturbar o sossego público, podendo ser revisto a pedido do
interessado ou para a preservação da ordem pública. (ASSEMBLÉIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei nº Lei nº
5.265/2008, 2008)
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diziam que “nenhuma foi tão criminalizada e perseguida quanto o funk”. Podemos
percerber na fala do MC que o sentimento para com o funk, por parte dos funkeiros era,
e é, o de movimento ligado a cultura, enquanto este não era o tratamento dado no
ambito público como tal, o que fez com que houvesse a necessidade de criar uma lei que
pudesse dar amparo do poder legislativo e das competências adimistrativas para que
legitimasse a existência do funk como Movimento Cutural e Musical. Vê-se, com isto
que, se comparada às leis anteriores a Lei 5543 de 2009 representou um avanço, por
reconhecer a legitimidade do funk e por garantir a ele um espaço no rol das
manifestações culturais da sociedade brasileira, embora vários problemas
permanecessem na prática mesmo após sua aprovação.
No entanto, o parágrafo único, também acrescentado por uma Emenda a pedido da
Comissão de Constituição e Justiça e reiterada pela Comissão de Orçamento, Finanças,
Fiscalização Financeira e Controle, no artigo primeiro, dispõe que “não se enquadra na
regra prevista neste artigo conteúdos que façam apologia ao crime.” Esta Emenda
tomou como base o fato de que os compositores de funk no final da década de 1980
(conhecida como “era das melôs”) 57, têm como prática compor duas versões para uma
mesma canção, sendo uma versão elaborada de forma que a letra seja, por assim dizer,
mais suave, tratando do cotidiano das favelas e visa uma veiculação pelas estações de
rádios, e uma outra versão, com uma letra mais crua, agressiva, fortemente erotizada e
que muitas vezes também pode trazer apologia à violência e exaltação de líderes de
facções do crime organizado, denominadas Proibidão 58, compostas para consumo
doméstico, ou seja, para bailes dentro das comunidades dos compositores (RUSSANO,
2006: 11-12), e “que tem como principal característica o alinhamento com as facções do
‘crime organizado’. (RUSSANO, 2006: 8). Um bom exemplo deste tipo de produção é
o funk A firma é forte, de autoria dos MCs Tikão e Frank. A sua letra, segundo o
escritor Julio Ludemir, no livro 101 funks que você tem que ouvir antes de morrer,
57
Os melôs surgiram como uma forma de dialogo entre os DJs, e o público, tendo em vista a dificuldade
dos participantes do movimento em pronunciar o nome de muitas músicas que eram executadas nos
bailes, pois a maior parte delas era em língua inglesa. Ainda na década de 1980, os melôs receberam
versões nacionais, fazendo-se necessária a composição em português, num primeiro momento
parodiandouma música estrangeira, e posteriormente criando novas músicas. Fonte Marcia Fonseca de
Amorim (2009).
58
Termo descritivo que denota que o produto é ilegal. Para saber mais leia RUSSANO, Rodrigo. “Bota o
fuzil pra cantar!”: o funk proibido no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Dissertação (Mestrado)
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“cantada principalmente nas favelas dominadas pelo Comando Vermelho 59, faz um
desabrido elogio aos soldados do tráfico da Vila Kennedy, mais conhecida como VK.
De acordo com a letra, a VK tem fuzil, AR-15 e várias pistolas.”
Em resposta ao Le Monde Diplomatique Brasil, quando perguntado se
enquadraria na “perseguição ao funk” as prisões de alguns funkeiros realizadas em
dezembro de 2010 por apologia ao tráfico de drogas, MC Leonardo respondeu que se
enquadraria, e completou dizendo que “a linguagem dos garotos está certa? Não. Mas a
realidade dos garotos dentro da favela também não é correta” (SALLES, 2011: 37).
Com esta fala podemos perceber que as letras, por vezes, de caráter violento, o são
porque seus criadores muitas vezes falam da realidade que vivenciam nas suas
comunidades, e isto é um dado que dever ser levado em consideração, pois reveste o
funk do papel de instrumento de crítica nas mãos dos que o compõem e entre aqueles
que os cantam e dançam, além de evidenciar suas experiências cotidianas.
A associação do funk com a suposta criminalidade de seus adeptos foi tão forte que as
portas que os funkeiros haviam aberto para o movimento foram se fechando na década de 1990,
como podemos ver no trecho da entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil do MC Leonardo
ao dizer que “em menos de dois anos, todas as gravadoras que tinham artistas do funk fizeram
um acordão para todo mundo sair das companhias” (SALLES, 2011: 37). Para esta situação,
MC Leonardo apresenta uma explicação:
Lá atrás, nos bailes black, era o polícia da esquina que não gostava do funk.
O governo Marcello Alencar (1995-1998) começou, então, a dificultar os
alvarás das casas que tocavam funk. Não colocavam policiamento nem
transporte público em festa com mais de 3 mil pessoas e não queriam que
tivesse confusão? O ritmo é jovem, a batida é eletrizante, tem álcool. Vai
fazer o que numa noite em que não tem como voltar para casa? Vai quebrar
tudo. Onde falta alguma coisa sempre vai ter o caos. Não foi feita uma
política para preservar o baile funk. Se o governo quisesse fazer alguma coisa
pelas classes menos favorecidas, teriam entupido de informação secretários
de Educação, para saber que tipo de linguagem era aquela e, principalmente,
a Secretaria da Cultura, para começar uma aproximação. Mas não. Eles
preferiram proibir. O filho do rico vai esquiar, vai pegar onda de 15 metros,
vai andar a 320 por hora. É adrenalina. E o filho do pobre não pode ter
adrenalina? E ainda dá uma televisão a ele para dizer que tem que ter um
celular de R$ 3 mil. (SALLES, 2011: 37)
59
Comando Vermelho Rogério Lemgruber, mais conhecido como Comando Vermelho, ou pelas siglas
CV e CVRL, é uma das maiores organizações criminosas do Brasil de controle do tráfico.
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Em outros termos, o entrevistado procura deixar claro que para ele, e provavelmente para
outros adeptos do funk, “a perseguição ao funk não tem nada a ver com o que ele fala, e sim de
onde ele vem” (SALLES, 2011: 36). Vê-se, assim, que a interpretação de alguém envolvido
com o mundo do funk, é diametralmente oposta às justificativas da polícia e das leis que
procuraram cercear esta prática, pois aponta para questões de diferentes experiências sociais e
para o tratamento dado a indivíduos que fazem parte de pedaços pobres ou elitizados. A
questão, posta desta maneira, não é de caso de polícia, mas de desigualdade social.
Estes preconceito e desigualdade, para os quais aponta a fala deste personagem, podem
ser perceptíveis em outras esferas como, por exemplo, desde a ausência de políticas públicas e
perspectivas para as comunidades de morros, implícitas na pergunta “e o filho do pobre não
pode ter adrenalina?” (SALLES, 2011: 37) e na justificativa do Projeto no uso por ele feito de
expressões excludentes tais como “asfalto e favela”, mesmo que o autor do Projeto quisesse
com ele dizer que o funk promoveria há uma aproximação entre as diferentes classes sociais no
Rio de Janeiro:
Na experiência vivida pelos personagens das favelas do Rio, esta aproximação que o
Projeto sugere, não é harmoniosa, pois como o próprio Projeto coloca, há uma “criminalização
da pobreza”. Segundo MC Leonardo: “A questão do funk é classista e, pior, racista. O funk é
perseguido por racismo. O Funk é preto! Tem em sua historia a negritude dos bailes black do
passado. O funk é democrático e, por isso, perigoso” (SALLES, 2011: 37). Fica evidente na
expressão – “é democrático e, por isso, perigoso”, que esta aproximação não é vista por alguns
com bons olhos. Se pensarmos que, segundo MC Leonardo, “A primeira coisa apreendida no
Morro Santa Marta quando a UPP 60 chegou lá, foi uma equipe de som” (SALLES, 2011: 37),
ficam evidentes os embates sociopolíticos 61 que emergiram com a implementação da Lei
5543/2009, pois se, de um lado, há a necessidade de pacificar os morros cariocas que estavam, e
em alguns casos ainda estão, nas mãos de organizações criminosas, por outro lado há, no meio
deste fogo cruzado, personagens que não estão diretamente ligados as facções criminosas, e que
por vezes são adeptas do Movimento Funk e de outros movimentos culturais da periferia.
60
Unidade de Polícia Pacificadora
61
Entendemos por embates sociopolíticos, as tensões geradas entre o âmbito social e o âmbito
Institucional.
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Este embate se dá na tentativa que estes personagens fazem, através da lei, em se valer
dela para assegurar o direito de livre expressão do seu movimento que, no entanto, em prol de
um bem maior, os aparelhos Institucionais os reprimem, muitas vezes se utilizando do parágrafo
único do artigo primeiro da Lei 5543/2009, já aqui mencionado. Isto fica explícito na fala do
Mc, quando ele diz que:
Na fala do MC podemos perceber que, ao dizer que a prisão dos funkeiros fere a
Constituição do país, ele aponta que a lei que serviria para proteger o Movimento Funk é
utilizada, também por órgãos e agentes Institucionais, como por exemplo a delegada e as UPPs,
para criminaliza-lo, mesmo que isto fira a Constituição que determina a cultura como um direito
do cidadão, sem contar que ele ainda aponta que o funk é tratado como cultura menor, diante de
outras formas de culturas.
Podemos perceber também nesta fala do MC Leonardo, que a violência não é exclusiva
das comunidades carentes do Rio, e não é tratada unicamente no Movimento Funk, mas também
está presente em outros setores sociais, assim como em outras manifestações culturais, como a
TV, o cinema e até mesmo os jogos de videogame.
Considerações finais
Do que foi dito cremos ser possível concluir dizendo que se a Lei 5543/2009 pode não ter
atendido a todas as demandas envolvidas no Movimento, e que por vezes foi utilizada em
desfavor dos funkeiros. Todavia, ela trouxe um ganho concreto ao funk, que emerge do
sentimento de alguns de que esta lei, ao procurar “patrimonializa-lo”, alçou-o a um patamar
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antes desconhecido e reconhece naqueles que são seus adeptos uma legitimidade antes não
ignorada.
Ao assim proceder, esta lei reconheceu as experiências dos adeptos do funk, e estes
parece que se vêm nela representados e reconhecidos como sujeitos construtores da sua história
e do seu pedaço.
Diante disto, pode-se concluir dizendo que o processo que levou à aprovação da Lei nº
5543/2009 foi fruto de uma luta que foi travada pelos funkeiros contra o preconceito e a
discriminação ao ritmo que veio da periferia, em outras palavras, é um mecanismo de resistência
e defesa. Neste processo, o apoio de pessoas de fora do mundo do funk foi também
representativo, pois contribuiu para abrir espaços em locais tradicionalmente vedados aos
funkeiros. No entanto, como sugere MC Leonardo, não é o fim da batalha, pois existe um
embate sociopolítico delimitado pela implantação da referida lei, que por sua vez sugere uma
continuidade de “perseguição” ao funk.
REFERÊNCIAS
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no Brasil contemporâneo. In.: Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de
Estudos Afro-Orientais; Brasília: Cultura Palmares, 2006.
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___________. Lei nº 5.265, de 18 de junho de 2008. Dispõe sobre a regulamentação
para a realização de eventos de música eletrônica (Festas Raves), Bailes do tipo Funk, e
dá outras povidências. Disponível em: http://gov-
rj.jusbrasil.com.br/legislacao/87716/lei-5265-08. Acesso em 22/08/2013.
___________. Lei nº 5.543, de 22 de setembro de 2009. Define o Funk como
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rj.jusbrasil.com.br/legislacao/819271/lei-5543-09. Acesso em 26/07/2013.
___________. Projeto de Lei nº 1671/2008, de 05 de Agosto de 2008. Define o Funk
como Movimento Cultural e Musical de caráter popular. Disponível em:
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro0711.nsf/1061f759d97a6b24832566ec0018d832/ae88
d8dccb16fe7a8325749b005fc8a8?OpenDocument. Acesso em 26/07/2013.
BRAYNER, Natália Guerra. Patrimônio cultural imaterial: para saber mais, Brasília,
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HERSCHMANN, M. O funk e o hip-hop invadem a cena. Rio de Janeiro: UFRJ. 2000.
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RUSSANO, Rodrigo. “Bota o fuzil pra cantar!”: o funk proibido no Rio de Janeiro.
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Janeiro. Centro de Letras e Artes, 2006.
SALLES, Marcelo. O funk é democrático e, por isso, perigoso. Le Monde Diplomatique
Brasil. São Paulo: ano quatro, n. 42, jan, 2011.
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Introdução
Ao longo das últimas décadas, uma série de autores se lançou em busca de uma
explicação plausível para um período que marcou significativamente a sociedade
brasileira, a saber, o do regime militar, que perdurou durante vinte e um anos (1964-
1985), e cuja marca se fez sentir por meio das práticas repressivas adotadas por aqueles
que estavam à frente do poder. Dentro da historiografia, essa temática por vezes, foi
analisada a partir de uma visão que privilegiava determinados aspectos, ao passo que se
negligenciava outros.
Costumeiramente quando observamos o processo que se delineou a partir de
1964, assuntos como tortura, subversão e censura, ganhou espaços nos estudos
acadêmicos, na medida em que chamaram, à primeira vista, mais atenção do público
pesquisador. Entretanto ao longo dos últimos anos, em certa medida graças à
disponibilização de arquivos até então sigilosos, uma gama considerável de questões
silenciadas, vieram à tona. Questões como a participação da sociedade civil na
implantação do golpe militar e debates sobre possíveis grupos de legitimação a
ditadura, começaram a fazer parte das pautas historiográficas.
A partir desse novo cenário que se descortinou, nosso trabalho busca analisar a
ação dos informantes no Estado do Paraná em meio ao regime militar, a partir da
62
documentação arquivada pela Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) . Tais
informantes, por sua vez, sejam por interesses econômicos ou mesmo pessoais,
acabaram por vezes legitimando as práticas de repressão que se efetuavam contra
aqueles grupos e indivíduos que se enquadravam em um perfil subversista e um perigo
para a harmonia social.
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A representação dada aos chamados subversivos, pela policia política fez com
que uma significativa parcela fosse vista como uma ameaça à instabilidade do país,
haja vista “o perigo que representavam a segurança do país e, por conseqüência, ao seu
desenvolvimento político, econômico e social” 63. Nesse contexto, a segurança nacional
passou a se constituir na ordem do dia na vida do país, visando à sustentação da
revolução de março de 1964 ocorrida sob o comando dos militares.
Como forma de garantir tal segurança, uma das principais medidas foi o forte
investimento, sob o comando dos militares, nos setores da informação e de repressão
em prol da segurança interna. Segundo Ayrton Baffa, o numero de pessoas que
trabalhavam para o sistema de informações sempre se constituiu um segredo de Estado.
Em 1964, o Serviço Nacional de Informação (SNI), criado em 1964, começava a operar
com Cr$ 200 milhões. Segundo o Jornal da Tarde, em 1988 a verba atingia a soma de
Cr$ 2,3 bilhões (1989, p. 16).
As informações dentro desse contexto desempenharam um papel fundamental
para o exercício do aparato repressivo. De acordo com o Manual Básico da Escola
Superior de Guerra, elas [as informações] se faziam necessárias para identificar
‘antagonismos e pressões’ e manter sob vigilância as atividades de oposição ao regime.
Segundo Maria Helena Moreira Alves, o SNI se apresentou desde o início como
“um eficiente órgão de coleta de informações e controle político”. (1984, p. 73). No
entanto, a criação do SNI não foi suficiente para a realização de todas as atividades
previstas pelo governo militar, de modo que em curto prazo, foram se multiplicando as
instituições de caráter repressivo e informativo, que juntamente com a contribuição dos
seus braços repressivos em cada estado brasileiro (as Delegacias de Ordem Política e
Social – DOPS) formavam uma gigantesca comunidade de informação 64, que procurou
63
BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In: DELGADO, Lucília
de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil Republicano: O tempo da Ditadura. 3º ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.37.
64
Em 1967, criou-se o Centro de Informação do Exercito (CIE). Posteriormente foram criados o Centro
de Informação da Aeronáutica (CISA), em 1970 e, no ano seguinte o Centro de Informações da Marinha –
Cenimar que já existia, mas passou por um processo de reestruturação que acompanhou a modernização
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estar vigilante a tudo e a todos cujo perfil se enquadrasse - dentro dos parâmetros
estabelecidos pelo governo militar - como subversivo.
Toda e qualquer informação coletada era merecedora de ser arquivada e
posteriormente investigada sua veracidade por meio de um exame de um analista de
informações. Como forma de distinguir “fontes verdadeiras” daquelas consideradas
oportunistas, a polícia política formulou uma classificação segundo uma escala de seis
níveis.
do serviço de informações do regime dos generais- presidentes. (BRUNELO, 2009, p. 63). Foram ainda
criados a Operação Bandeirantes, em São Paulo em 1969, e seguindo o seu modelo organizacional, em
1970, os Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e os Destacamentos de Operações de
Informação.
65
Adyr Fiúza de Castro. In: D’ ARÁUJO, Maria Celina et all. Os anos de Chumbo. Rio de Janeiro:
Relume- Dumará, 1994, p. 47.
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91
66
DEAP/PR - Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná. Arquivos DOPS/PR – Dossiê:
Informantes. Pasta Nº 01951.p. 86.
67
DEAP/PR - Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná. Arquivos DOPS/PR – Dossiê:
Informantes. Pasta Nº 01951.p. 87.
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Eu vou citar o nome de uns que eu conheço. Ele se chama Amadeu Siverino
Diazzi. Este tal de Amadeu tem até um comitê aqui em Londrina e vocês nem
percebe pô? Ou melhor, ele tinha comitê aqui em Londrina, porque agora que
começaram as prisões aqui no Paraná, ele se finge de santo. Amadeu de tanto
medo que está de ser preso, no começo das prisões ele nem em sua casa não
dormia. Ele ia dormir na casa de seu pai lá na água das pedras 69.
68
DEAP/PR - Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná. Arquivos DOPS/PR – Dossiê:
Informantes. Pasta Nº 01951.p. 87.
69
DEAP/PR - Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná. Arquivos DOPS/PR – Dossiê:
Informantes. Pasta Nº 01951.p. 152.
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enquanto Laura sua esposa, se encarregava de fazer reuniões com as mulheres. Laura
chegava até a fazer comida para eles poderem ficar discutindo a noite inteira 70. Para os
funcionários ou colaboradores da repressão, o inimigo é apresentado, cotidianamente,
como dotado de uma força demoníaca, contra quem não adianta querer ou controlar,
mas impõe - se destruir, para que assim, e só assim, seja garantido o bem-estar da
sociedade (MAGALHÃES, 1997, p. 08).
Nesse contexto é possível verificar que o temor de que a ideologia comunista
alcançasse seus fins, tomou conta do imaginário político e social da época, fazendo
com que o medo se alastrasse pelos mais diversos setores da sociedade. Dessa forma a
permanência do regime militar por tantos anos não se explicaria, exclusiva nem
fundamentalmente, devido à repressão, à tortura, à censura, ao arbítrio, etc., e sim por
relações de identidade, afinidade, consenso, e consentimento – de variados matizes e
que se alteraram ao longo do tempo – de parcelas expressivas da sociedade com idéias,
valores e propostas ao regime 71.
Considerações Finais
70
Ibid, p. 152.
71
ROLLEMBERG, Denise. Prefácio. In: CORDEIRO, Janaina Martins. Direitas em movimento: A
campanha da mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
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alguns momentos com a contribuição de parte da sociedade brasileira, que por vezes
cooperou, por meio das delações, com o ideário militar de preservar a ordem pública
em perfeita harmonia.
FONTES
DEAP/PR - Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná. Arquivos
DOPS/PR – Dossiê: Informantes. Pasta Nº 01951.
REFERÊNCIAS
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição: 1964-1984. Bauru: Edusc, 1984.
BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In:
DELGADO, Lucília de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil
Republicano: O tempo da Ditadura. 3º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009,
p.37.
BRUNELO, Leandro. Repressão política durante o regime militar no Paraná: o caso
da Operação Marumbi na Terra das Araucárias. – Maringá: Ed. Eduem, 2009. 154 p.
BAFFA, Ayrton. Nos porões do SNI: o retrato do monstro de cabeça oca. Rio de
Janeiro - Editora Objetiva, 1989.
CORDEIRO, Janaina Martins. Direitas em movimento: A campanha da mulher pela
Democracia e a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
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Introdução
A Guerra do Golfo, para melhor ser compreendida, pode também ser analisada
sob a ótica da imprensa. Foi a CNN como canal de notícias de televisão que noticiou, ao
vivo, as principais notícias e fatos da guerra.
Assim, tornou-se imperativo também compreender como parcela da imprensa
escrita brasileira cobriu a Guerra do Golfo. O objetivo é demonstrar brevemente, através
dos editoriais, qual foi a posição e a imagem construída pelos jornais “O Estado de São
Paulo” e “Folha de São Paulo”, acerca do conflito.
Desse modo, o presente artigo tratará, de forma geral como os editoriais dos
jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo”, observaram e verificaram a
Crise e a Guerra do Golfo, entre os meses de julho de 1990 e março de 1991. Tal
temática é oriunda da dissertação de mestrado, que foi realizada, na Universidade
Estadual de Maringá (UEM), sobre a Guerra do Golfo cujo tema foi “Tempestade no
Iraque: a Guerra do Golfo, a Política Externa dos Estados Unidos, a Historiografia
Militar e a Imprensa Escrita Brasileira (1991)”, defendida em 2008, e da pesquisa que
ainda está sendo feita no âmbito do desenvolvimento do Curso de Doutorado em
História Social, da Universidade de São Paulo (USP), desde o ano de 2012.
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[...] Hoje, terça-feira, 15 de janeiro de 1991, às 24 horas (hora da ONU, duas horas da
manhã de quarta-feira no Brasil), estará se iniciando oficialmente a ofensiva do mais
poderoso e tecnologicamente mais sofisticado dispositivo militar jamais conhecido
pelos homens contra um exército que, sendo o mais poderoso do mundo árabe, já
demonstrou, em oito anos de guerra com os desorganizados exércitos do ayatolah
Khomeini, que não tem a menor condição de oferecer às tropas aliadas uma resistência
maior do que a oferecida pelas tropas dos general Galtieri ao pequeno exército de
Margaret Tachter na Guerra das Malvinas. 72
Essa informação é confirmada em artigo publicado por Roberto Godoy, no
jornal “O Estado de São Paulo”, de 15 de janeiro de 1991:
No ar, entretanto, nada supera os fascínio do avião invisível F-117ª, provavelmente o
protagonista da primeira hora de luta. Pequeno, com uma aparência incomum, marcada
pelos ângulos exóticos que o tornam indetectável nas telas dos radares, ele está pronto
para decolar esta noite, ao abrigo da escuridão. 73
Percebe-se que as armas foram alçadas à condição de protagonistas da guerra,
desconsiderando, de certa forma, a dimensão humana que a guerra possui. O Editorial
da “Folha de São Paulo” segue essa linha de pensamento:
Mesmo descontando o triunfalismo sinistro dos briefings do Pentágono, a
colossal investida aérea norte-americana, o poder mortífero dos bombardeios e a
fantástica precisão da parafernália posta em marcha parecem ir dissipando até os
temores quando a um choque excessivamente prolongado. 74
Não se pode esquecer de que, nesse momento, o mundo estava presenciando o
emergir de uma era de incertezas, com a crise da Guerra Fria, do socialismo real e da
União Soviética, com o advento de inúmeros conflitos étnicos, religiosos e nacionalistas
e a formação e expansão de muitos blocos econômicos.
A Guerra do Golfo, em 1991, foi o conflito que ocorreu dentro de grandes
transformações verificadas nas relações internacionais no ano de 1991, no caso a crise
do socialismo real, o fim da Guerra Fria e o consenso, nunca dantes existido, na atuação
da ONU, durante o citado conflito. Aqui surge a segunda temática relativa ao conflito, a
atuação das Nações Unidas antes e durante a guerra. O jornal “Folha de São Paulo”, de
1º de dezembro de 1990:
72
Editorial do Jornal da Tarde “O petróleo é de Saddam”, São Paulo, 15 de janeiro de 1991.
73
GODOY, Roberto. “Armas sofisticadas estreiam no Golfo”. O Estado de São Paulo, São Paulo, de 15
de janeiro de 1991.
74
Editorial/Opinião da Folha de São Paulo “Riscos do monopólio”, São Paulo, 18 de janeiro de 1991, p.
A-2.
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[...] De todo o modo, a decisão da ONU parece indicar que finalmente a entidade
resolveu assumir uma posição de árbitro internacional. Já não era sem tempo. Resta
esperar esse papel seja reforçado e ampliado, seja quais forem os conflitos, os interesses
em jogo e o peso específico dos países cujas dissenções as Nações Unidas venham
futuramente a examinar. 75
Percebe-se, uma valorosa crença do grupo Folhas na atuação das Nações Unidas
e no comportamento, por consequência, dos Estados Unidos no conflito. Contudo, tal
percepção foi se diluindo com o tempo devido ao desenrolar da guerra:
75
Editorial/Opinião da Folha de São Paulo “Ultimato da ONU”, São Paulo, 1º de dezembro de 1990, p.
A-2.
76
Editorial/Opinião da Folha de São Paulo “Guerra sem ONU”, São Paulo, 13 de fevereiro de 1990, p. A-
2.
77
Editorial/Notas e Informações do O Estado de São Paulo “Encontro em Bagdá”, São Paulo, 15 de
fevereiro, p. 03.
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Insensatez maior ainda foi a ausência de qualquer esforço sério para livrar o mundo da
dependência energética – 70% das reservas conhecidas do petróleo consumido na Terra
estão situadas lá – do Oriente Médio, uma região explosiva e instável politicamente
[...]. 78
O Jornal da Tarde critica duramente a dependência do mundo com relação ao
petróleo do Oriente Médio e a letargia do Ocidente em buscar resolver seus problemas
de fontes de energia.
J á a “Folha de São Paulo”, insistiu várias vezes com a questão do petróleo. No
entanto, diferentemente do “Jornal da Tarde”, dedicou alguns editoriais para expressar
sua preocupação com um eventual novo choque do petróleo e o seu impacto sobre o
Brasil. Porém, em nenhum momento procurou analisar a real dimensão do petróleo para
o Iraque e para os Estados Unidos. O Editorial de nove de agosto de 1990 noticia:
A eclosão da crise Iraque-Kuwait repercutiu imediatamente sobre o preço do petróleo
causando um aumento de 40% na cotação do produto no mercado internacional. A
despeito da dificuldade natural em avaliar, na sua plenitude, as consequências do
conflito, urge adotar medidas preventivas e advertir a sociedade para os custos daí
decorrentes. 79
Como se sabe o tão temido choque do petróleo acabou não ocorrendo. Os preços
do barril permaneceram ligeiramente estáveis durante a Guerra do Golfo.
A quarta temática foi a censura à imprensa. Ocorre que a Guerra do Golfo é
colocada pela imprensa como sendo uma guerra sem grande importância histórica,
apenas conhecida pelas armas inteligentes, bombardeios cirúrgicos de alta tecnologia,
desconhecendo talvez a sua real dimensão. A própria historiografia também não trata a
Guerra do Golfo como um fato histórico de grande relevância no cenário internacional.
É bem verdade que não se deve superdimensioná-la, carregando-a de um peso histórico
que não possui, mas também não se pode relegá-la ao esquecimento.
As agências de notícias internacionais que cobriram a guerra, além da própria
CNN, são em sua maioria de origem estadunidense e assim, os jornais brasileiros como
“Folha de São Paulo” e “O Estado de São Paulo”, adquiriram notícias da Guerra do
Golfo, principalmente da imprensa estadunidense 80.
78
Editorial do Jornal da Tarde “O petróleo é de Saddam”, São Paulo, 15 de janeiro de 1991.
79
Editorial/Opinião da Folha de São Paulo “Choque do petróleo”, 9 de agosto de 1990, p. A-2.
80
SILVA, Aline Cáceres Dutra da. A Hegemonia da Informação: Estudo sobre ética em jornalismo
internacional com base na cobertura americana e brasileira da Guerra ao Terror. Trabalho de Conclusão
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Não é de hoje que os mais atentos observadores da guerra sustentam a idéia de que a
primeira vítima de um conflito bélico é sempre a verdade. Especialmente nestes nossos
tempos em que a tecnologia e a eletrônica passaram a ser o oxigênio vital dos exércitos
e construir a ‘nossa’ verdade, ou pelo menos a que mais nos interessa, no coração e nas
mentes do inimigo é essencial para a vitória. A exclusividade de transmissão ao vivo,
docemente oferecida pelos iraquianos a um tipo específico de rede de televisão norte-
americana, a CNN, merece atenção. Durante toda a primeira madrugada a guerra foi
transformada em um fantástico espetáculo de um dono só. A novidade foi outorgada por
Bagdá a um único privilegiado.[...]. 81
O periódico “Folha de São Paulo” preferiu criticar a censura à imprensa imposta
pelas partes beligerantes do conflito:
O véu de censura que encobre a guerra no golfo Pérsico como que tornou a
opinião pública mundial refém das conveniências fardadas de Washington, Bagdá e dos
demais países envolvidos no conflito. O único front cujos canais seguem abertos é o dos
porta-vozes militares, que despejam informes de conteúdo sempre mais contraditório e
inexpressivo.
Destaca-se o paradoxo: embora a imprensa hoje disponha de instrumentos
avançadíssimos, malgrado a televisão realize uma cobertura intermitente, sabe-se menos
sobre esta guerra do que acerca das anteriores; o imenso aparato tecnológico da
comunicação, com censura, acaba servindo para generalizar a desinformação. 82
A questão da censura e do acesso às informações durante a Guerra do Golfo foi
bastante importante para criar uma imagem de guerra limpa, com o uso de armas
inteligentes e bombardeios cirúrgicos. Contudo, ao final da guerra isso foi desmentido
pelos fatos, pois ocorreram vários bombardeios em alvos errados, como em locais
habitados por civis. Como por exemplo: “Bombardeios dos Estados Unidos e seus
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83
Reportagem das agências internacionais republicada pela Folha de São Paulo com o título “Bombardeio
mata centenas em abrigo de Bagdá", São Paulo, 14 de fevereiro de 1991, p. A-10.
84
Editorial/Notas e Informações do O Estado de São Paulo “Que virá depois?”, São Paulo, 15 de janeiro
de 1991, p. 03.
85
Editorial/Opinião da Folha de São Paulo “Guerra”, São Paulo, 17 de janeiro de 1991, p. A-02.
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90
MATTELART, Armand. A globalização da comunicação. PELEGRIN, Laureano (trad.). Bauru:
EDUSC, 2000. p. 47.
91
ARBEX JÚNIOR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001. p.
59.
92
DORNELES, Carlos. Deus é inocente: a imprensa, não. São Paulo: Globo, 2003. pp. 270-271.
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A obra de Arbex vai ao encontro com essa linha de pensamento, pois esteve no aludido
conflito, a serviço do jornal “Folha de São Paulo”, no qual trabalhou no período de
1990-1991.
Considerações Finais
Percebe-se, pelo que foi discutido, que a imprensa escrita brasileira, leiam-se os
jornais “Folha de São Paulo” e “O Estado de São Paulo”, fizeram algumas críticas e
análises em seus editoriais, mas reproduziram na sua maior parte a versão de que
Saddam Hussein era um sanguinário, os Estados Unidos estavam lutando em prol do
cumprimento do direito internacional, a guerra foi tecnológica e com armas inteligentes,
e a imprensa foi censurada e comprometida em sua cobertura.
Não se pode esquecer que a imprensa estadunidense, fonte das informações
internacionais para os mencionados jornais brasileiros, seguia a Doutrina Powell do
governo dos Estados Unidos. Tal doutrina é baseada na ideia de uma guerra segura, sem
mortes, com o uso de armas inteligentes e bombardeios cirúrgicos. Daí nasceu a
imagem sobre a Guerra do Golfo de ser uma guerra limpa, quase sem mortes.
Desse modo, nota-se que a cobertura da imprensa escrita brasileira, no caso, os
jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo”, por meio de uma análise dos
seus editoriais sobre a crise e a Guerra do Golfo, reproduziu várias “verdades” e visões
sobre tal conflito, defendidas por agências de notícias internacionais e pela CNN. Pouco
se preocuparam em aprofundar e discutir os interesses infiltrados e escondidos dos
Estados Unidos e do Iraque na guerra, bem como a real dimensão que ela teve para o
Oriente Médio e para o mundo em termos geopolíticos, militares e econômicos.
Pensar a cobertura de uma guerra, como a do Golfo, de 1991, pela imprensa
escrita brasileira, é fundamental para compreender como ela foi vista no Brasil e como
nossa imprensa depende e reproduz muitas notícias e visões sobre questões
internacionais, por depender de agências como a Reuters, Associated Press e France
Press. Seriam interessante países como o Brasil, por meio de sua imprensa, construir
mecanismos que possam garantir também a produção de notícias e de material sobre
questões internacionais.
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FONTES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ARBEX JÚNIOR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa
Amarela, 2001.
CAPELATO, Maria Helena; PRADO, Maria Ligia. O Bravo Matutino. Imprensa e
Ideologia: o jornal O Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1980.
DORNELES, Carlos. Deus é inocente: a imprensa, não. São Paulo: Globo, 2003.
FONTENELLE, Paula. Iraque: a guerra pelas mentes. São Paulo: Editora Sapienza,
2004.
GODOY, Roberto. “Armas sofisticadas estreiam no Golfo”. O Estado de São Paulo,
São Paulo, de 15 de janeiro de 1991.
HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações e a recomposição da ordem
mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
MATTELART, Armand. A globalização da comunicação. PELEGRIN, Laureano
(trad.). Bauru: EDUSC, 2000.
SILVA, Aline Cáceres Dutra da. A Hegemonia da Informação: Estudo sobre ética em
jornalismo internacional com base na cobertura americana e brasileira da Guerra ao
Terror. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina Projetos
Experimentais em Jornalismo, do Departamento de Comunicação do Centro de
Educação Comunicação e Artes, da Universidade Estadual de Londrina, 2003.
TASCHNER, Gisela. “Folhas ao Vento. Análise de um conglomerado jornalístico no
Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
ZARPELÃO, Sandro Heleno Morais. A Crise no Oriente Médio: a Guerra do Golfo, as
Discussões Historiográficas e as Relações Internacionais (1990-1991). Monografia de
Especialização apresentada Curso de Especialização em História Social e Ensino de
História, do Departamento de História do Centro de Letras e Ciências Humanas, da
Universidade Estadual de Londrina (UEL), 2006.
_________. Tempestade no Iraque: a Guerra do Golfo, a Política Externa dos Estados
Unidos, a Historiografia Militar e a Imprensa Escrita Brasileira (1990-1991).
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade Estadual de Maringá (UEM), 2008.
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REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. 3.ed., 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica,
2006. p. 54-64.
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94
REIS, José Carlos. Tempo, História e Evasão. Op. Cit. p. 122.
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95
REIS, José Carlos. Tempo, História e Evasão. Op. Cit, p. 127.
96
Idem, p. 129.
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Reis, o “conhecimento histórico não é conhecimento do mesmo, pois seu tempo não
contínuo, mas da diferença, da alteridade, pois suas estruturas são descontinuas”. 97
Desta forma, o historiador dos Annales pode perceber o passado a partir da
diferença, da alteridade, como fazem os antropólogos com relação as sociedade
primitivas, pois agora o historiadores conseguem ver o passado na diferença mas
também na simultaneidade, e o que antes era impensável na História, pode então tornar-
se objeto para o historiador, ou seja, a repetição, a constância, a regularidade ou as
estruturas que se encontram na longa duração. O devir continua no horizonte do
historiador, mas agora ele não pode apreender apenas a mudança, ele pode também
vislumbrar a permanência, a regularidade. A história pode enfim, tornar-se estrutural,
pois mesmo considerando a temporalidade ela buscas estruturas permanentes na longa
duração. Com isso, o tempo histórico passa por uma desaceleração, pois passou a
considerar também a não mudança.
Do ponto de vista hipotético o que gostaríamos de apontar é que o tempo histórico
dos Annales, o tempo estrutural, que busca regularidades, permanências e ritmos lentos
de mudança, o tempo que procura simultaneidade no não simultâneo, pode enfim,
promover a união da diacronia com a sincronia. O que defendemos é que, o que permite
à Nova História apropriar-se de conceitos etnológicos, e de metodologias da etnografia,
é justamente um tempo histórico novo, estrutural, que consegue criar uma união teórica
entre a simultaneidade (sincronia) do não simultâneo (diacronia), consegue ao mesmo
tempo perceber o passado como diferente do presente, e percebê-lo como igual. O que
acontece então, teoricamente, é que o historiador ainda que perceba o passado como
diferente, buscando nele a alteridade, a diferença, para que ele realize tal procedimento,
ele precisa também abolir a diferença, ele precisa ver o passado e o presente como
intrinsecamente ligados, é isso que permite ver o passado como mudança e como
permanência. É isso enfim, que possibilita ao historiador realizar uma história
etnológica ou mesmo etnográfica. O passado agora está próximo, e o historiador pode
viajar até ele como fazem os antropólogos, com a ajuda das fontes de que dispõe o
historiador pode realizar a etnografia e a etnologia, ou seja, pode descrever e explicar o
passado.
97
REIS, José Carlos. Tempo, História e Evasão. Op. Cit, p. 134.
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Na continuação de sua explanação, o autor então acredita que essa história estrutural não
é imóvel, como diria Ladurie, ou mesmo reveladora da inércia da civilização ocidental, na
acepção de Dosse, mas antes é reveladora de novas concepções acerca do tempo, que indicam
mudanças mais lentas, em ritmos diferenciados conforme o objeto perseguido pelo historiador,
98
BENATTE, Antonio Paulo. História e Antropologia no Campo da Nova História. Revista História em
Reflexão. UFGD Dourados, Vol 1, nº 1, p. 1-25, jan/jun 2007. p. 15-16.
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indicam enfim uma dialética do tempo, uma dialética diferenciada dos ritmos de mudança
histórica.
Para Jacques Le Goff, a história do cotidiano, uma das vertentes assumidas pela
Nova História, representa uma aproximação com a etnologia, um retorno à Heródoto, na
medida em que une o interesse pela cultura e pelo tradicional com as mudanças
históricas, ainda que vistas de forma lenta na longa duração. Para ele, tal interesse por
tais questões só pode vir a tona pela aproximação da História com a Etnologia e
principalmente, pela reconfiguração do tempo histórico, obra sobretudo da dialética do
tempo histórico de Braudel, que “conseguiu fazer a história subtrair ao fascínio dos
acontecimentos e do seu ritmo trepidante, da cronologia com datas tão fixas como um
calendário” 99Para Le Goff, tal procedimento, tal noção do tempo histórico é a que
promove efetivamente o casamento da História com a Etnologia, naquilo que foi
chamado de Etno-história ou Antropologia Histórica.
Michel de Certeau, em debate promovido pelo Magazine Literárie, discute como o
presente pode colocar questões sempre novas à história. Para Certeau, existe naquele
momento, (anos 70) uma consciência antropológica e psicanalítica, sobretudo em
França, que mostra que a tradição e as permanências estão mais vivas do que nunca. “O
morto continua assolapado na atuaclidade, assedia-a e a determina-a”. Para o autor:
Semelhante verificação, ligada à desmistificação da ideia de
progresso, engendra uma antropologização da História e uma
recrudescência do interesse por aquilo a que ontem se chamava as
“resistências” ao progresso. Daí uma análise com vista a detectar a
relação dos acontecimentos com as constâncias estruturais, as
permanências nos modelos de sociabilidade, de festa, de exclusão, etc.
A Antropologia insinua na História uma outra relação com o tempo: já
não se trata de um tempo voluntarista, progressista e nítido, que
continua sempre avançar apesar das resistências, mas sim de um
tempo que se repete, que evolui em espiral, que tem nós e voltas atrás,
um tempo manhoso, enganador e cheio de sinuosidade. 100
Michel de Certeau, nessa pequena fala num debate rico com os grandes
historiadores do seu tempo, nos esclarece questão fundamental. A França, apesar de
progressista e moderna, ainda mantém em muitas de suas questões tradições e formas de
sociabilidade que relevam antes a permanência do que a mudança, mais a sincronia do
que a diacronia. Tais fatos a fazem aproximarem-se da Antropologia, e essa não só
99
LE GOFF, Jacques. A História do Cotidiano. In:DUBY, Georges. et al. História e Nova História.
Lisboa: Editorial Teorema, 1986. p. 76.
100
LE GOFF, Jacques. et AL. A Nova História. Lisboa: Edições 70, 1991. p. 28. Publicado
originalmente pela revista Magazine Littéraire, em abril de 1977.
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ensina aos historiadores uma nova ideia de tempo histórico, como releva a eles novos
temas, antes exclusivos a antropólogos. Com isso, o interesse sempre renovado da
História, daí sua constante reescrita de acordo com novas questões de cada presente
singular coloca ao passado. A nova concepção do tempo histórico, agora manhoso,
cheio de sinuosidades, que vai e volta, que evolui em espiral é a pedra de toque das
relações entre a Antropologia e a História.
Se os historiadores dos Annales recriam suas concepções do tempo histórico a
partir do diálogo com a antropologia, se passam a contemplar a possibilidade de uma
temporalidade estrutural, que consegue conciliar a sincronia com a diacronia, conforme
apontamos, esta claro então que novas relações entre o presente e o passado passam a
ser articuladas nessa problemática do tempo histórico. Com isso, pensamos,
hipoteticamente, que o tempo estrutural dos Annales cria um novo regime de
historicidade, ou seja, o tempo histórico dos Annales estabelece então, como hipótese
mais uma vez, um regime antropológico de historicidade.
Para esclarecermos nossa hipótese, precisamos então definir como François
Hartog pensa o conceito de regime de historicidade, e com tal definição refletir sobre
como o momento histórico vivido pela terceira geração dos Annales os aproxima do
estruturalismo, e portanto da Antropologia, fazendo com que um novo tempo histórico
possa daí surgir; contribuindo então para que se estabeleça entre esses historiadores um
regime de historicidade que concilia sincronia e diacronia, marcado então pelo viés
antropológico, que nomeamos de regime antropológico de historicidade.
Para François Hartog, o regime de historicidade configura-se como uma categoria
heurística, isto é, uma forma de compreender, como, em determinado momento, a
sociedade em geral, e especificamente os historiadores compreendem o tempo e como
estabelecem a partir dessa compreensão uma relação entre o presente, o passado e
futuro. Segundo o autor, cada momento histórico específico, cada sociedade em um
tempo e lugar, constrói relações e articulações diferenciadas entre passado, presente e
mesmo futuro. Com isso, importa apreender como determinados grupos humanos
concebem sua noção de presente, de passado e de futuro, sendo que a característica
fundamental dos regimes de historicidade é sua extrema diversidade. Segundo Hartog, a
noção de regime de historicidade permite enfim, que questionemos como determinados
historiadores articularam e articulam tais categorias do tempo, indicando a partir daí
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Vê-se então que, na articulação teórica entre o presente, o passado e o futuro, que
a categoria heurística do regime de historicidade revela, alguns tipos de história são
possíveis e outros não. É nesse ponto que já podemos fazer a primeira reivindicação do
conceito de regime de historicidade aos nossos propósitos. Pois se a terceira geração dos
Annales conseguiu erigir um novo conceito de tempo histórico, um tempo mais lento e
estrutural, que une a sincronia com a diacronia, um tempo que permite ver a mudança e
a permanência, claro está que tais historiadores estão rearticulando as categorias de
presente e passado. O que apontamos acima é que, nessa nova rearticulação, proposta
pelo tempo estrutural dos Annales, a distancia temporal do presente com relação ao
passado é hipoteticamente abolida, para que com isso, os historiadores possam inserir as
sociedades do passado numa proximidade tal que permite a eles dar um tratamento a
seus objetos de forma semelhante ao tratamento que os antropólogos dão as suas
sociedades primitivas.
Ora, se tais historiadores estão rearticulando as noções de passado e presente, se
estão efetivamente articulando num processo dinâmico e mesmo dialético as
tradicionais categorias do tempo histórico, como demonstrado, podemos então dizer que
estão inseridos num novo regime de historicidade, que nomeamos de regime
antropológico de historicidade. A nosso ver, parafraseando Hartog na citação acima, é
esse regime antropológico de historicidade que permite à Nova História passar pelo
processo epistemológico de antropologização, incorporando as contribuições teóricas da
Antropologia nos estudos históricos, conseguindo então produzir uma outra história a
partir desse novo regime de historicidade.
Um segundo ponto de reflexão da obra de Hartog que reinvidicamos aos nossos
propósitos, é aquele que busca a articulação entre um determinado momento histórico e
o regime de historicidade daí originado e mesmo condicionado. Para o autor, vive-se,
101
HARTOG, François. Regimes de Historicidade: Presentismo e experiências do tempo. São Paulo:
Autêntica, 2003. p. 39.
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102
HARTOG, François. Regimes de Historicidade: Presentismo e experiências do tempo. Op. Cit. p. 37.
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117
103
FURET, François. A Oficina da História. Lisboa: Gradiva, 1986. p. 45.
104
FURET, François. A Oficina da História. Op. Cit. p. 46.
105
Idem, p. 48.
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118
BIBLIOGRAFIA:
BENATTE, Antonio Paulo. História e Antropologia no Campo da Nova História.
Revista História em Reflexão. UFGD Dourados, Vol 1, nº 1, p. 1-25, jan/jun 2007.
DUBY, Georges. et al. História e Nova História. Lisboa: Editorial Teorema, 1986.
FURET, François. A Oficina da História. Lisboa: Gradiva, 1986.
106
FURET, François. A Oficina da História. Op. Cit. p. 103.
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HISTÓRIA
E LINGUAGENS
Fábio Mendonça. Harpas também fazem parte da música de “O Ouro do Reno”. 2013.
121
INTRODUÇÃO
Esta comunicação tem a intenção de apresentar um pequeno recorte da pesquisa
de mestrado A trajetória cultural de Flávio de Carvalho durante os anos 1930:
Experiências de vanguarda no Modernismo em São Paulo (1931-1939). Flávio de
Carvalho (1899-1973) atuou como animador cultural 108 principalmente a partir da
fundação do Clube dos Artistas Modernos em 1932, destacar sua presença na direção da
agremiação é fundamental para compreender o seu papel como artista e intelectual na
organização da cultura em São Paulo. Sua defesa pela arte moderna no país na década
de 1930 já se apresentava no final dos anos 1920, momento em que o artista se integrou
ao grupo dos modernistas por meio da afinidade com a corrente Antropofagia
arquitetada por Oswald de Andrade, Raul Bopp, Oswaldo Costa, entre outros. Foi em
meio à fragmentação do Movimento Antropofágico que Flávio passou a expandir suas
manifestações artísticas no espaço sociocultural paulistano mobilizando outras diversas
intervenções que ocorreriam durante sua trajetória. A tomada de posição do artista
enquanto teórico do modernismo paulistano possibilitou à sua experiência intelectual a
elaboração de reflexões sobre o desenvolvimento do movimento no Brasil, a crítica à
arte acadêmica e aos aspectos conservadores da tradição cristã na sociedade do seu
tempo, além das polêmicas intervenções artísticas que faziam uso da experimentação
das artes plásticas, teatro, psicanálise, etc. Tema pouco explorado pela historiografia do
107
Graduado e Mestrando em História pela FCL-UNESP Assis, bolsista pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
108
Termo utilizado por Rui Moreira Leite para definir o papel de Flávio de Carvalho no campo da cultura
em São Paulo. O artista deve ser entendido enquanto animador cultural, na medida em que atuou
ativamente em diversos segmentos para a promoção e divulgação da arte moderna no país.
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109
Respectivamente: MOREIRA LEITE, R. Flávio de Carvalho (1899-1973): entre a experiência e a
experimentação, v.1 e v.2.Tese (Doutorado Artes). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São
Paulo USP: São Paulo, 1994 e FORTE, Graziela Naclério. Diversão e Arte no Clube dos Artistas
Modernos (São Paulo, 1933), 1ª. Ed. São Paulo, 2014.
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A PROGRAMAÇÃO DO CAM:
As atividades semanais proposta pela direção do Clube que foram oferecidas
durante todo o ano de 1933 tiveram, segundo Moreira Leite, três momentos:
No primeiro, dominaram os eventos musicais combinados a
espetáculos de dança e humor. A este seguiu-se o período das
exposições de Kaethe Kollwitz, de cartazes e de desenhos de loucos e
crianças às quais já se intercalavam as conferencias , que marcaram o
último período, reinando absolutas até o fim do anos (MOREIRA
LEITE, 1987, p.39)
A programação inicial que possuía um viés artístico, expresso pelos painéis
pintados nas paredes do salão por Antonio Gomide, Di Cavalcanti, Carlos Prado e
Flávio de Carvalho; por apresentações musicais e espetáculos de dança, gradativamente
assumiu um caráter político. Segundo Graziela Naclério Forte,
Assim como o debate estético marcou o inicio do projeto de
vanguarda brasileira e a década seguinte caracterizou-se como uma
fase política, a mesma tendência foi por nós detectada dentro da
programação do Clube de Artistas Modernos: ela começou voltada,
quase exclusivamente, às atividades artísticas de afirmação da
produção modernista e no semestre seguinte, a agenda abriu espaço
para os temas políticos, de esclarecimento e divulgação da união
soviética.(FORTE, 2014, p. 219-220)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
É indissociável a atuação de Flávio de Carvalho da importância que Clube dos
Artistas Modernos adquiriu para modernismo em São Paulo. Problematizar a atuação do
polêmico artista paulistano na agremiação é compreender parte de sua complexa trajetória.
Flávio se manteve movido pelos aspectos de sua excêntrica personalidade, se destacando
entre os modernistas brasileiros durante a década de 1930. De fato, com uma trajetória
compreendida em diversos episódios, momentos de profundo engajamento no campo da
cultura em São Paulo, seja interagindo com segmentos da sociedade da época ou em
controversas intervenções ou ainda em contato com uma rede de artistas e intelectuais no
Brasil e na Europa, o artista sempre procurou atuar na organização da cultura – que tinha o
modernismo como elemento central – de forma experimental e polêmica em diálogo com a
sociedade.
Ao fim do seu primeiro ano de atividades, o Clube podia contabilizar
feitos inegáveis. Primeiro, apresentara à cidade uma nova forma de
associação de artistas e intelectuais, descontraída e propícia a aceitar
as colaborações mais diversas. Segundo, por realizar mostras não
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BIBLIOGRAFIA
NACLÉRIO FORTE, Graziela. CAM e SPAM: arte, política e sociabilidade na São
Paulo moderna, do início dos anos 1930. 2008. Dissertação (Mestrado em História
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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
As histórias em quadrinhos são um produto midiático que tem sua origem no
final do século XIX, produto este que possui uma linguagem própria e tem sua
expressão em diversos países, seja pela produção de material ou pela redistribuição
através da aquisição dos direitos de publicação de conteúdos de outras nacionalidades.
Em sua criação as HQs 110 tiveram sua publicação em jornais periódicos com um tom
humorístico, entretanto durante todo o século XX as HQs sofreram adaptações e pode-
se observar os mais variados temas abordados em suas páginas, ampliando bastante o
quadro de possibilidades, tanto no que se diz sobre o enredo da história quanto na sua
linguagem, em seu formato e também na sua mídia física, de uma forma geral.
A história como ciência está em constante discussão quanto as suas abordagens e
campo de atuação. Durante o século XX houve grandes mudanças nesse sentido. Elias
Thomé Saliba faz uma análise da História, tida como metódica, que a partir da obra de
Langlois e Seignobos que ressaltavam a importância de uma série de análises de
documentos. Abordagem esta que:
[...]supunha uma não explicitada teoria do conhecimento que mantinha o
sujeito cognitivo (o historiador) como neutro e ausente – quase que um mero
copista idôneo ou compilador disciplinado de grandes conjuntos documentais
e arquivos praticando aquele “grandioso e épico esquecimento de si próprio”.
(SALIBA, 2009, p.312).
Assim, o historiador se tornaria um analista distante dos acontecimentos,
focando o seu interesse para os acontecimentos, em busca da verdade, se afastando de
sua sociedade e focando os seus estudos no passado.
Além deste caráter impessoal na abordagem histórica, outra crítica apontada é a
limitação documental. Ora, a preferência se dava para as fontes escritas, documentos
tais como: tratados governamentais, manuscritos, documentos autógrafos, papéis
110
A partir deste momento utilizo a abreviação HQ para me referir ao termo História em Quadrinhos.
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diplomáticos. Todos estes documentos que deveriam passar por uma série de
questionamentos a fim de checar a veracidade do documento, além de compreender
quem o produziu e quais eram os seus interesses ao fazê-lo. Apesar de todas as críticas
posteriores, no tocante à seleção de documentos e a investigação a ser feita nos
documentos, são grandes contribuições da História metódica para o campo
historiográfico.
Nos anos 1930 a denominada escola dos Annales vão criticar a historia factual,
historicizante que pregava um fetichismo dos fatos. Tendo por fundadores Marc Bloch e
Lucien Febvre, os Annales buscavam a problematização da história, onde hipóteses
serviriam como norteador da pesquisa. Atuando, então, em busca de uma história total,
onde pudessem abordar todas as atividades pertinentes ao seres humanos.
No tocante aos documentos há grande expansão das possibilidades documentais,
tanto na seleção quanto à utilização. Para Bloch:
[...] o documento seria não apenas um resto, um vestígio do passado, mas um
produto do passado, ou seja, produzido por relações de forças assimétricas,
desiguais sempre, de um passado agônico, irregular e contingente. Bruto,
isolado, dificilmente o documento escaparia à síndrome da Biblioteca de
Babel: para uma linha razoável ou afirmação direta, aparecem léguas de
cacofonias insensatas, confusões verbais e incoerências [...] todo documento
contém, em si mesmo, um componente de distorção da realidade, mas, como
dizia o percuciente Marc Bloch, “a intencionalidade do erro pode ser uma
impressionante fonte de verdade para o historiador. (Ibid., p.317-318).
Ou seja, todo documento tem algo a dizer para o historiador, mesmo que este
documento seja falso ou conduza o leitor de forma capciosa, há um motivo pelo qual ele
foi elaborado de tal forma e isto pode se mostrar de grande proveito ao historiador,
desde que seja feita um trabalho de questionamento feito de forma coerente e consciente
por parte do historiador ao documento.
Anos mais tarde outros nomes da escola dos Annales, tais como Georges Duby e
Jacques Le Goff, analisaram e ampliaram o próprio conceito de fonte histórica. A partir
de então a distinção entre fontes primárias e fontes secundárias se torna ineficientes,
ora, o que teria maior importância para quem estava analisando a fonte, a procedência
ou a sua relevância para o tema investigado? Além de a própria abertura novos tipos de
documentos, até então ignorados pelos historiadores, como registros judiciais, registros
fiscais e contábeis de empresas e também papéis notariais. Criando inclusive uma
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Citação original indicada como: LE GOFF, Jacques, Documento e monumento in História e memória,
trad. Bernardo Leitão. Campinas: Ed. Unicamp, 1990.
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Escola de Frankfurt (em alemão: Frankfurter Schule) refere-se a uma escola de teoria social
interdisciplinar neo-marxista, particularmente associada com o Instituto para Pesquisa Social da
Universidade de Frankfurt. Muitos desses teóricos desta escola entendiam que a tradicional teoria
marxista não poderia explicar adequadamente o desenvolvimento de sociedades capitalistas no século xx.
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Integrados, ele analisa alguns teóricos que discutem sobre mídia de massa. O que ele
aponta como apocalípticos, que são inspirados pela escola de Frankfurt, vão elencar três
estirpes de cultura: a “alta” cultura, consumida pela alta burguesia; a média consumida
por médios ou pequenos burgueses; e a cultura da massa que englobaria os piores
filmes, as HQs e músicas acusadas de serem de baixa qualidade consumidas pelas
classes baixas, como exemplo o rock’n’roll. (ECO, 2006, p. 37). Assim, a cultura de
massas serviria para homogeneizar os seus consumidores uma vez que apresentavam
materiais de fácil compreensão com o intuito de criar cidadãos sem uma visão crítica da
sociedade.
Em contraponto, o que o autor sustenta como os integrados, que enxergariam a
cultura de massas como “um mascaramento ideológico de uma estrutura econômica
(Ibid., p. 43), esses teóricos iriam defender que a cultura de massas não seria típica de
uma sociedade capitalista com cunho dominador, mas um meio democrático onde há a
massificação que teria um poder de alcance maior e não excludente e alienante.
Uma vez apresentado ambos pontos de vista, Eco tenta apontar uma nova
interpretação. O equivoco dos apocalípticos estaria em “pensar que a cultura de massa
seja radicalmente má, justamente por ser um fato industrial, e que hoje se possa
ministrar uma cultura subtraída ao condicionamento industrial” (Ibid., p. 49). Já os
integrados estariam em “afirmar que a multiplicação dos produtos da indústria seja boa
em si, segundo um ideal homeostático do livre mercado, e não deva submeter-se a uma
crítica e a novas orientações” (Ibid., p. 49).
Assim o autor para compreender esta relação parte da seguinte questão,
considerando a estrutura intrínseca da nossa sociedade industrial com a mídia de massa,
qual seria o meio que poderia ser transmitido valores culturais nestes meios de massa?
(Ibid., p. 50).
Assim, para Umberto eco, por mais que os burgueses administrem os meios de
produção dos produtos de massa, não são eles quem idealizam tais produtos, aí então o
papel dos diretores e roteiristas de filmes, romancistas e no caso das HQs os desenhistas
e roteiristas, podendo criar materiais críticos representando o interesse dos membros
desta sociedade. Desta forma é criada uma cadeia de eventos que os grupos econômicos
que a iniciaram não têm mais pleno controle. (Ibid., p. 52).
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Sendo que na modernidade cada uma dessas esferas sofrem uma especificação
interna. No tocante à arte :
[...] Associações de escritores, feiras de livro, galerias, mercado de arte,
orquestras sinfônicas, etc, coexistem com teorias estéticas de um Walter
Benjamin, Theodor Adorno ou Peter Bürger, que interpretam o fenômeno
artístico da poesia, literatura, escultura, música, etc, desprendidas da lógica
intrínseca das instituições artísticas. (Ibid.,p. 143).
Sendo assim, a autonomização da arte possibilita este desprendimento parcial
gerando o funcionamento com regras autônomas, adaptadas para a sua realidade e suas
necessidades.
Quanto à sua crítica estética da modernidade, Habermas irá entender que no
contexto estético a modernidade estaria superada uma vez que passa a ter um sentido de
moda, que por essência é efêmera. Cria-se então um culto ao novo que “significam em
verdade a idolatração de uma atualidade, que constantemente gera passados
subjetivamente projetados” (HABERMAS, 1984, p. 447 Apud. Ibid., p. 156) 113.
Além de apontar a teoria do Habermas como elitista e conservadora, sendo que
caí no erro de se afastar da realidade que tenta criticar e assim transformar, ora, tem a
intenção de reservar o contato da arte para uma minoria mais erudita, inibindo o contato
das massas já que a transformariam em indústria cultural. E conversadora por tentar
manter a arte autônoma, em sua concepção burguesa de arte pela, impossibilitando a sua
incorporação pela vida das pessoas.
Habermas apresentará maior simpatia pela teoria do Walter Benjamin que irá
denotar um caráter transformador na reprodução técnica da arte, uma vez que a maior
reprodução de materiais culturais, as massas teriam maior acesso às obras de arte
atingindo assim o seu caráter transformador. Transformação esta que não se dá
exclusivamente no contexto fabril, mas também no âmbito da produção artística,
alterando o próprio conceito de obra de arte. Contudo Benjamin ao ver através desse
modo de pensar a estética da modernidade, tem como efeito de seu ponto de vista a
espera de uma salvação messiânica.
Assim, tanto Benjamin quanto Adorno em suas análises irão enxergar a
modernidade como um todo, não dissociando o mundo vivido e sistema da modernidade
113
Citação original indicada como: HABERMAS, Jurgen. 1973 Vorstudien und Erganzungen pur
theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt/M, Suhrkamp Verlag. Teoria de laccióon
comunicativa: complementos y estúdios prévios. Madrid; Cátedra, 1989. (Edição espanhola).
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estética de uma forma geral. Como se o campo estético, o estado e a economia não
funcionassem de forma independente.
No tocante às HQs, o que Habermas indica em relação à arte é pertinente no
sentido de que esta autonomização ocorre, seja por meios de uma linguagem específica
para os quadrinhos, ou na especificação interna: convenções de quadrinhos, prêmios
exclusivos à indústria das HQs, cursos voltados à formações de novos profissionais da
área. E por mais que sempre haja o risco de uma instrumentalização dos conteúdos, até
porque os produtos culturais veiculados através da mídia não negam o seu caráter
comercial, ainda há a produção com caráter crítico a sociedade.
Alguns autores vão defender os quadrinhos como uma forma de literatura, no
intuito de exaltar o potencial artístico dos quadrinhos como obra de arte, será inclusive
criado uma nova modalidade de HQ as Graphic Novels, modalidade inaugurada com
Um contrato com Deus de Will Eisner, lançada no ano de 1978. Que o próprio autor faz
comparação com as HQ’s mais antigas:
[...]Para uma geração mais antiga, os quadrinhos estavam limitados a
narrativas breves ou a episódios de curta duração, mas de muita ação. Na
verdade, supunha-se que oi leitor buscava nas histórias em quadrinhos
informações visuais instantâneas, como nas tiras de jornais, ou experiência
visual de natureza sensorial, como nos quadrinhos de fantasia. Entre 1940 e
início de 1960, a indústria achava que o perfil do leitor de história em
quadrinhos era o de uma “criança de 10 anos, do interior”. Um adulto ler
histórias em quadrinhos era considerado sinal de pouca inteligência. As
editoras não estimulavam nem apoiavam nada que fugisse a essa visão
estereotipada do leitor [...] em meados do século XX, os artistas seqüenciais
se voltaram para as obras longas genericamente chamadas de graphic novels
(um termo que pode abarcar tanto livros de não ficção como obras
genuinamente romanescas) [...] tanto o mercado como a postura de autores e
leitores mudaram bastante desde o final dos anos 1970. O crescimento e a
aceitação cada vez maiores das graphic novels podem ser atribuídos à opção
dos criadores por temas abrangentes e relevantes e à constante inovação em
sua abordagem. (EISNER, 2010 p. 148-149).
Will Eisner que além de ser famoso pela sua publicação autoral nos quadrinhos,
foi uma dos maiores defensores dos quadrinhos como forma de arte, além de seus
trabalhos teóricos sobre produção de HQs. As Hqs, para o autor seria a principal forma
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de arte sequencial, que existiria desde as pinturas nas cavernas mas contemplaria,
também, a fotografia, a animação e o cinema.
O autor destaca que em comparação às outras formas de arte sequenciais, as Hqs
sofreriam uma desvantagem, uma vez que não contempla a ação transmitida de forma
plena, como acontece no cinema ou animação, por exemplo. Assim, o leitor tem de
fazer o preenchimento das lacunas criadas entre um quadro e outro, além de exercitar
suas capacidades interpretativas e verbais, já que o leitor se depara com imagens e texto
e precisa utilizar de conhecimentos prévios para poder realizar uma leitura plena da HQ
(Ibid., p. 20).
Além de argumentar a importância do controle pelo autor da HQ tanto do roteiro
quanto da arte, desta forma o autor tem pleno domínio da produção, evitando ecos de
comunicação (Id., 2008, p.159). Contudo esta perspectiva, apesar de fornecer uma
possibilidade mais autoral na produção de HQs, e criticar o modelo de produção das
grandes editoras estadunidenses 114, ela acaba por excluir roteiristas que não tem
domínio técnico para desenhar os quadrinhos.
Outro teórico das Hqs com trabalho bastante emblemático no âmbito dos
quadrinhos é o Scott McCloud que em Desvendando os quadrinhos (MCCLOUD,
2005) vai expressar um caráter inovador, uma vez que ele introduz ao leitor conceito
sobre HQs utilizando a linguagem dos quadrinhos para refletir sobre enquadramento,
passagem de tempo, estilos gráficos, conceito de arte, utilização das cores e como o
autor pode utilizar destes elementos para trabalhar suas histórias. Irá também apontar
uma definição para as HQs “imagens pictóricas e outras justapostas em seqüência
deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no
espectador” (McCLOUD: 2005, P. 9). Definindo, então a diferença dos quadrinhos com
outros produtos gráficos, como os desenhos animados e as charges, por exemplo.
Em “A Novela Gráfica” Santiago Garcia (GARCIA, op. Cit.), argumenta que
nos últimos 20 anos o termo graphic novel tem sido utilizado pelos autores e pelas
editoras para dar uma distinção aos seus produtos, denominando então um determinado
grupo de trabalho, concepção e abordagem que já existiam nas HQs. Segregando
inclusive o mercado editorial, no qual as Comic books (no Brasil tem o título de revistas
114
Modelo de produção que acaba dividindo as funções na produção das HQs, delimitando o espaço para
cada profissional: um responsável pelo roteiro, arte, arte final, cores, arte da capa, o editor, etc. Isso só no
tocante à idealização da HQ, sem contar a impressão distribuição, etc.
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em quadrinhos, ou o popular termo “gibi” 115) tem sua venda mais direcionada para as
bancas de jornal enquanto as Graphic Novels tem sua venda direcionada para livrarias,
já acabam tendo uma quantidade de páginas superior e também acabamento da edição
melhor trabalhado, e assim automaticamente tem preços mais elevados do que as HQs
tradicionais que não possuem este tratamento editorial, o que acaba diferenciando o
público consumidor uma vez que por questões econômicas e sociais ambos espaços,
geralmente, são freqüentados por públicos distintos.
Tal posicionamento tem maior repercussão depois que Neil Gaiman e Charles
Vess Ganharam o World Fantasy Award no ano de 1991 116 na categoria de short
story 117 por uma edição de “Sandman” denominada “A Midsummer Night’s Dream”. E
também Art Spielgman ganhou em 1992 118 o prêmio Pulitzer por sua obra “Maus”,
publicado entre 1980 e 1991, HQ biográfica que narra a luta de seu pai para sobreviver
o Holocausto. Prêmios estes que até então eram destinados exclusivamente às obras
literárias.
Tal diferenciação entre modelos de HQs não se dá somente no tocante à formato,
locais de vendas e materiais de impressão, é criado assim um nicho consumidor
diferenciado. Assim, nos últimos vinte anos devido a essas alterações na forma a qual as
pessoas enxergam as HQs, para muitos elas deixam de ser uma expressão cultural
inferior, sendo elevada, no caso de algumas obras, ao status de Arte. Arte aqui
representando não somente como atividades humanas em um sentido mais amplo, mas
sim Arte no sentido mais exaltado, que podemos ver o ápice desta expressão a partir do
momento que alguns museus começam a expor HQs em suas galerias. Tal qualificação
se dá não somente pelo caráter estético das obras, mas também pela transmissão dos
pensamentos ou críticas à uma época ou sociedade.
As HQs, assim como outras formas de representações culturais, acabam
expressando visões de mundo e mensagens ao seu leitor. Portanto, as HQs podem ser de
115
Em “A Guerra dos Gibis” Gonçalo Junior esclarece que o termo Gibi é popularizado por causa de
uma famosa revista semanal criada por Roberto Marinho e 1939. Nesse trabalho faz uma pesquisa
jornalística narrando os conflitos, dificuldades e estratégias políticas que resultaram da formação do
mercado editorial brasileiro de HQ’s em 1933, além de relatar a censura e preconceito que as HQ’s
sofreram até o ano de 1964.
116
Como pode-se averiguar em: 1991 Winners and Nominees. World Fantasy Awards. Disponível em: <
http://www.worldfantasy.org/awards/1991.html >. Acesso em: 20. Ago.2015.
117
Tradução livre: história curta ou conto.
118
Conforme pode-se constatar em: 1992 The Winners and Finalists. The Pulitzer. Disponível em:<
http://www.pulitzer.org/awards/1992 >. Acesso em: 20 ago. 2015.
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produziu, para quem produziu, em que ano produziu, quem era o público alvo, como o
autor contou sua narração, o que o autor queria dizer e o que ele queria alcançar com
sua a sua obra e também qual a recepção dos leitores? Todas estas questões são
importantes para a análise histórica de uma HQ.
Sendo assim, além da compreensão do que representam as HQs para a
sociedade, e da sua linguagem, o contexto sociopolítico em que a HQ foi produzida se
faz necessária para sua análise e compreensão, uma vez que se trata de um material com
forte posicionamento político contra o governo vigente na época de sua produção e
publicação.
BIBLIOGRAFIA
ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectivas, 2006.
EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____. Narrativas gráficas. São Paulo: Devir 2º edição, 2008.
FREITAG, Bárbara. Habermas e a teoria da modernidade. Cad. CRH., Salvador, n.22.
p.138-163, jan/jun.1995.
GARCIA, Santiago. A Novela Gráfica. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Martins
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KRAKHECK, Carlos André (2007) A Guerra Fria da década de 1980 nas Histórias em
Quadrinhos Batman – O Cavaleiro das Trevas e Watchmen. Imagem e narrativas Nº 5,
ano 3, setembro/2007 – ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br (acesso
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MAZUR, D; DANNER, A. Quadrinhos: história global de uma arte global. Trad.
Marilena Moraes. 1ª ed., São Paulo: Editora WMF Martins Fontes Ltda, 2014.
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Editora Ltda, 2005.
NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel. In: PINSKY, Carla Bassanezi
(org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
SALIBA, Elias Thomé. Aventuras modernas e desventuras pós-modernas. In: PINSKY,
Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (orgs.). O historiador e suas fontes. São
Paulo: Contexto, 2009.
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Mestrando no programa de pós-graduação em História e Sociedade da Unesp campus Assis. Membro
do grupo de pesquisa científica História e Música da Unesp campus Franca.
120
Morin, E. “ Canção, essa desconhecida”.
121
Idem, p. 135.
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início da segunda metade do século passado que não deixam de ser atuais dadas as
devidas proporções e avanços no campo científico até o momento.
Há um vertiginoso crescimento da produção acadêmica relativa ao enlace entre
história e música em dias atuais. Apesar de recente e de certo modo incipiente, a
produção científica na área está permitindo a consolidação do ramo. Conforme a
pesquisa de Silvano Baia (2011), 122 é no início da década de 1970 que temos os
primeiros estudos provenientes de programas de pós-graduação que priorizam a música
popular como objeto de pesquisa principal. Baia constata o continuo avanço dessa
produção até o fim da década de 1990, indicando que auge desta produção científica
ocorrera durante a primeira década do século XXI. Em linhas gerais, no início dos anos
1970 ocorre a instauração do campo de estudo no Brasil, campo esse que se consolida
na década 1990 e está chegando à sua plenitude. Temos na obra “Música popular: um
tema em debate” de José Ramos Tinhorão, 123 lançada editorialmente em 1966
simbolizada como marco inicial de uma produção sobre música popular amparada em
bases científicas. 124
Luiz Tatit (2003) assevera que a canção popular se configura como a maior
expressão cultural brasileira. Afirmação veemente de fato. De maneira mais enfática e
até ousada, Marcos Napolitano (2005) aponta que o Brasil é uma das maiores usinas
sonoras no planeta. Sabe-se que isso é plenamente possível.
Num país com grande produção, disseminação e recepção do elemento canção
como bem cultural simbólico, a história social volta seu olhar para esse distinto objeto.
Para esta exposição não convém traçar um longo relato da história da canção popular no
Brasil. Inicia-se partindo das premissas que a canção é fonte passível de análise na
tentativa de elucidar processos pouco recorrentes que nem sempre são levantados pela
historiografia. 125 A inserção no campo de estudo e o acompanhamento da produção
científica decorrente dele corrobora mais ainda com o fato de que a canção transparece
mudanças sociais e culturais. Explorar a canção proporcionou novos olhares para
fenômenos sociais. 126 O que se pretende para essa explanação é demonstrar de forma
analítica como um uma única canção exprime e retrata a nuances da vida em sociedade
122
A historiografia da música popular no Brasil (1971‐1999), p.15
123
TINHORÃO, 2002
124
BAIA, 2011
125
MORAES, 2000
126
NAPOLITANO, 2005
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MORAES, 2013, p. 17.
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Para mais informações sobre a atividade fonográfica no Brasil, verificar a tese de Eduardo Vicente,
“Da vitrola ao iPod” que fora recentemente publicada editorialmente.
129
HALL,2013
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Após ponderar tais questões, cabe agora acrescentar o elemento documental que
vem congregar os componentes dessa análise. Mas antes de falar da canção em si, temos
que falar de quem a compôs e quem a interpreta. José Dias Nunes, ou como foi
perpetuamente conhecido: Tião Carreiro, foi um artista representativo, interlocutor da
vida de uma população rural e urbana. Tião possui números expressivos para um artista
brasileiro. Dono de uma produção de 70 álbuns incluindo 78 e 45 rotações, lançados no
período que se estende entre 1956 até 1996. 130 Uma carreira longa certamente
viabilizada por notório talento e criatividade.
Conforme suas próprias palavras, Tião afirmava saber executar oitocentas modas
de violas por meio apenas da memória 131. Ele é a grande personificação do músico
caipira do século XX apesar de durante toda sua carreira ter se auto intitulado como
músico sertanejo. Tião é mineiro de nascimento, mas foi criado no interior do estado de
São Paulo. Autêntico trabalhador rural, desenvolveu aptidão inata para música,
especialmente para tocar a viola. É atribuída a Tião Carreiro a criação de um
“subgênero”, o conhecido pagode caipira ou pagode de viola. Em linhas gerais, o
pagode de viola é uma variante mais refinada dentro dos gêneros caipiras executados na
viola. Com propriedade de violeiro e pesquisador, Ivan Vilela discorre sobre o pagode:
130
Dicionário Cravo Albin de música da música popular brasileira. Acessado em 03/03/2015.
http://www.dicionariompb.com.br/tiao-carreiro/discografia
131
Entrevista com Tião Carreiro na TV CULTURA. Acessado em 07/03/2015.
https://www.youtube.com/watch?v=MXySsRzq4xA
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Benedict Anderson constata isso em seu clássico estudo “Comunidades imaginas”.
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133
FRANCO, 2012.
134
O conceito de bairro rural foi salientado primeiramente por Antonio Candido. Posteriormente, Maria
Isaura Pereira de Queiroz desenvolveu um estudo importante sobre o tema na obra “Bairros Rurais
Paulista ”.
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tem se notado recentemente é uma ligação muito forte entre os rodeios e as exposições
agropecuárias. 135 É recorrente associar rodeios com exposições agropecuárias pois elas
unem o lazer com a tecnologia empregada na atividade agrícola e pecuária,
consequência da expansão econômica dos grandes proprietários de terras. De fato, sabe-
se que as festas do peão têm uma ligação com esse tipo evento. O que tange nossa
análise é especificamente a concepção de festa popular. Ela congrega em si os eixos da
vida caipira - celebração do trabalho, convívio social e evocação de elementos
religiosos. Em uma festa do peão, o evento principal está na doma de animais, ou seja,
no rodeio. Ocorre que a união do rodeio com apresentações musicais em torno de uma
exposição agropecuária voltada para o universo rural configura-se em um momento de
lazer para as populações do interior do Estado de São Paulo. Isso é evidenciado na
canção com a simples referência feita no verso acima. Retomando ao eixo religiosidade
caipira é preciso descortinar uma importante menção feita e que está implícita no
documento. Sabe-se que os peões de rodeio são devotos da santa Nossa Senhora
Aparecida, considerada padroeira do Brasil e protetora dos domadores de animais.
Usualmente, durante a abertura dos rodeios são prestadas homenagens à santa e há um
momento destinado à prece em que os peões fazem pedidos de proteção na competição
que ocorre durante o evento. Afinal, domar bois de quase uma tonelada é um tanto
quanto arriscado e perigoso.
Por fim, de modo conciso discorreremos sobre uma característica identitária
muito recorrente no cancioneiro caipira e sertanejo: o humor. Pensar o humor como uma
invenção histórica em conjunção com processos sociais e políticos no Brasil é o
caminho apontado por Elias Thomé Saliba (2002). A relação entre a comicidade e o
universo caipira remonta o encadeamento entre Modernidade num ambiente rural em
transição para o urbano. A figura do caipira como sujeito matuto, xucro e desprovido de
civilidade fora extremamente explorada com tom de zombaria. O personagem criado
por Monteiro Lobato 136 para retratar o trabalhador rural paulista conotou para o escárnio
simbólico e estigmatizou o habitante do sertão. Independente do contexto discutido,
observa-se o humor como um traço da identidade do povo brasileiro em si. Talvez seja
135
Para aprofundamento no tema, verificar o artigo “A festa na exposição agropecuária de Araçatuba/SP”,
trabalho decorrente da dissertação de mestrado intitulada “As Exposições Agropecuárias e o Poder Local
em Araçatuba/SP” de autoria do pesquisador César Gomes Silva.
136
LOBATO, 2005
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FERRETE, 1985, p.30.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras,
2011.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os caipiras de São Paulo. São Paulo: Brasiliense,
1983.
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e
a transformação dos seus meios de vida. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul,
2010.
FERRETE, J. L. Capitão Furtado: viola caipira ou sertaneja? Rio de Janeiro:
Instituto Nacional de Música, Divisão de Música Popular, 1985
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4. Ed.
São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1997.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 11° ed. Rio de Janeiro:
DP&A Editora, 2011.
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INTRODUÇÃO
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Prefeitura de Londrina – IBGE.
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MÉTODO
A escolha de um períodico impresso como fonte de nossa pesquisa se deu
através de leituras prévias, nas quais os autores buscavam legitimar o uso desse tipo
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
Durante a análise do Jornal, nos deparamos com diversas notícias que, embora
esparsas, nos demonstraram a prática de diversas atividades esportivas no contexto da
cidade, entre 1934 e 1953. Foram catalogadas 84 notícias sobre manifestações de
esporte na cidade de Londrina, divididas entre as relacionadas ao futebol, que totalizam
52 notícias; às agremiações Esportivas, que totalizam 12 notícias; ao cestobol
(basquete), que totalizam 11 notícias e às modalidades individuais, que totalizam 12
notícias.
Nesse sentido, optamos por pontuar, inicialmente, as principais agremiações
esportivas, que surgiram nas páginas do Jornal, e que possivelmente podem ter tido
relação com o desenvolvimento do esporte – amador e profissional – na localidade.
Desde 1934, podemos destacar o Esporte Clube Londrina e, em 1941, o primeiro
estádio da cidade, conhecido como “Vitorino Gonçalves Dias”, muito embora não
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre o Futebol na cidade de Londrina, pudemos perceber que, em constante
crescimento, ele foi se tornando cada vez mais popular, na cidade. Londrina, nesse
sentido, seguiu o caminho de inúmeras outras cidades do nosso país, na época, e o
futebol continua sendo, até hoje, o esporte mais popular da nossa região, vide a atenção
dada pela sociedade ao certame de 18 de outubro de 2015, quando o Londrina Esporte
Clube (LEC) conseguiu novamente o acesso a Série B do Campeonato Brasileiro de
Futebol.
Temos também o basquete, que se tornou relevante, para os Jornalistas, a partir
de 1941, surgindo como um elemento diversificado para a prática esportiva,
constituindo uma nova opção para os moradores, ideia muito bem retratada pelo Jornal,
que diversas vezes veiculou notícias sobre a criação de quadras e divulgou as regras do
esporte, com o intuito de formar os citadinos para essa nova prática.
Um acontecimento que nos chamou atenção foi que, em 05 de abril de 1942, o
Jornal publicou uma reportagem grande com as regras do jogo de basquete. A seguir,
um fragmento da notícia:
“Sendo o esporte de bola ao cesto o mais disseminado em nossa
cidade, com real aceitação por parte dos nossos esportistas,
julguei conveniente transcrever as regras sob as quaes deve ser
praticado, devendo os meus caros leitores ir acompanhando a
sua publicação aos domingos, nesta secção do Paraná-Norte”
(Paraná-Norte, 05/04/1942; p.4)
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pouco mais frequentes no Jornal. Mesmo o futebol, por via de regra, constituíndo a
modalidade mais retratada nas páginas do Jornal e, possivelmente, mais praticada pelos
moradores da cidade de Londrina, outras modalidades também tinham seu espaço.
Além do basquete e do futebol, outras modalidades surgiram, pontualmente, no
noticiário, entre elas estão o Tênis, o Turfe, o Boliche, o Pingue-ponge, o Boxe e o
Atletismo. Vale ressaltar que, apesar de terem aparecido nas páginas do Jornal, apenas a
análise desse periódico não nos permite maiores informações acerca da prática dessas
modalidades no contexto de Londrina.
Em suma, as práticas esportivas podem ter representado uma opção de modo de
vida polido para os citadinos, nos anos iniciais do Município de Londrina. No entanto,
considerando a perda de algumas edições do Jornal, além de sua periodicidade semanal,
torna-se difícil estabelecer alguma conclusão com determinada rigidez metodológica.
REFERÊNCIAS
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O texto que se segue visa apresentar algumas questões que permeiam uma
pesquisa a nível de mestrado que está sendo desenvolvida e resultados parciais
adquiridos a partir de análise das representações de relações de gênero na obra O Asno
de Ouro de Apuleio. A pesquisa se desenvolve acerca do segundo século, entre os anos
de 125 e 170 d.C. período aproximado em que Apuleio viveu e publicou suas obras.
Com base nas histórias contadas pelo protagonista da obra e pelos personagens aos
quais dá voz é possível encontrar representações da sociedade antiga a que o autor
pertence. Compreende-se que o potencial de pesquisa das representações vai muito além
de apenas figuras e personagens individualizadas, mas integram um complexo campo de
relações observado e representado pelo autor da narrativa.
Uma profunda renovação em relação à questionamentos teóricos das pesquisas
da História se iniciou a partir do final do século XX (LE GOFF, 2001, p. 25). Antigos
paradigmas, bem como os fundamentos epistemológicos da historiografia tradicional
começam a receber críticas de teorias emergentes que propõe novas forma de conceber
o estudo do passado – como a Escola dos Annales, a Teoria Crítica Marxista, a corrente
do Desconstrutivismo. Os novos modelos de interpretação não mais enfatizam a
reprodução e a homogeneidade das sociedades, enquanto que a subjetividade se torna
uma preocupação, em detrimento das pretensas visões imparciais e objetivas, ou de
narrativas neutras.
Apuleio viveu em um período que é marcado por uma sociedade extremamente
diversificada (PARRA, 2010), em que o Império Romano ainda passava por mudanças
políticas, econômicas e que chegou a alcançar a constituição da família e a condição da
mulher (CARVALHO; GONÇALVES, 1993). As transformações se iniciaram desde o
século III a.C., quando o Império entrou em contanto com a cultura helenística e teve
um desenvolvimento ainda maior pelas expansões territoriais dos séculos II e I a.C.
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(GRIMAL, 1995). É possível conjeturar que esse autor romano-africano não estava
alheio ao processo de transformações cujo Império passava, e muitas das
transformações podem ser encontradas de forma crítica em seus escritos, especialmente
em O Asno de Ouro.
Entre as mudanças sociais que podem sem encontradas na narrativa satírica de
Apuleio, alguns temas ganham destaque, como questões sobre a religião, as leis
romanas, tanto no âmbito criminal, quanto do matrimônio e divórcio. É extenso o
número de estudos que se voltam às questões religiosas da obra, especialmente ao culto
de Isis, essa deusa egípcia que chega ao mundo romano já helenizada, mas que assume
uma conotação mistérica apenas a partir do primeiro século d.C., como apresentado no
trabalho do historiador italiano Ennio Sanzi (2006), que apresenta uma visão geral da
presença dos cultos orientais e da magia no mundo helenístico-romano, bem como, o
culto mistérico de Isis em O Asno de Ouro. A brasileira Vanessa Fantacussi (2006),
também se volta para a narrativa apuleiana a fim de estudar a transformação do culto
isíaco a partir da sua entrada no universo romano, segundo a autora, é importante o
estudo desta obra, especialmente pelo fato de ser uma narrativa a partir da visão de um
provinciano, o que difere das principais fontes escritas existentes. Segundo Fidel
Pascua Vílchez (2011) as obras de Apuleio são de extrema importância para a
compreensão dos cultos mistéricos antigos e de práticas consideradas mágicas, pois
trazem possibilidades de estudos de cultos e práticas que eram secretas e restritas apenas
aos praticantes iniciados. Vincent Hunink (2000) defende que a forte apologia à religião
mistérica de Isis da obra O Asno de Ouro seria uma reação ao crescimento do
Cristianismo no norte da África no início do segundo século. Apuleio usaria de
terminologias comuns em confrontos religiosos entre cristãos e pagãos naquele período,
e que indicariam uma reação ao Cristianismo (HUNINK, 2000, p. 80). O autor examina
os traços anti-cristãos em todos os tratados filosóficos e discursos de Apuleio, e conclui
que seriam melhor vistos como “pró-religião romana”.
Estudiosos como Robert Karl Bohm (1973) e Brigitte B. Libby (2011), se
debruçam acerca da “conversão” do protagonista no último livro. Os dez primeiros
livros de O asno de Ouro são cheios de aventuras pitorescas de cunho sexual, mágico e
violência, que incluem feitiçaria, necromancia, banditismo, comédia divina, assassinato,
incesto, adultério e monstruosas bestialidades; enquanto que, no livro XI Apuleio deixa
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de apresentar todos esses assuntos polêmicos e de usar o tom cômico de até então
(LIBBY, 2011, p. 301). Apesar de ambos discordarem de estudiosos que
tradicionalmente defendem uma mudança abrupta a partir da conversão do protagonista
no livro XI – visto quase como uma reflexão póstuma, ou seja, sem estar ligado à
proposta da narrativa e possivelmente anexada tardiamente (BOHM, 1973, p. 228) –
também não chegam a uma conclusão em comum. Enquanto Bohm (1973) acredita que
seja uma narrativa completamente voltada à religiosidade e que apresentada de forma
séria e devotadamente religiosa uma conversão a cultos mistéricos que Apuleio tinha
conhecimento; Libby (2011, 301) defende uma interpretação que prefere enxergar a
própria conversão de Lúcio como satírica.
Estudos sobre a temática do casamento também pode ter nas obras de Apuleio
riquíssimas fontes, já que a obra O Asno de Ouro representa diversos casais em
diferentes histórias. Segundo Josiah Osgood (2006, p. 416) o complexo campo de
referências no contexto do Império Romano em expansão do século II d. C. propicia a
compreensão de como as províncias estavam se adaptando aos costumes tradicionais
romanos, enquanto os cidadãos estavam em busca da retomada dos costumes e
moralidade da antiga Roma. Segundo sua análise o casamento cum manus – forma mais
tradicional de casamento em que a guarda da esposa passava do pater famílias para o
marido – estava se tornando menos frequente em sua sociedade, em comparação a
modelos mais simples – sine manus – que se proliferavam. As críticas de Apuleio ficam
evidentes, segundo Osgood (2006), nas formas de representação de matrimônio e do
divórcio, ao apresentar indícios das leis matrimoniais nas passagens da obra. Ao final
conclui a representação satírica de Apuleio indica a sua reprovação diante da
diminuição da prática do modelo cum manu, que consideraria o mais correto.
Não apenas o campo das leis matrimoniais que se estudiosos encontraram
possibilidades na obra O Asno de Ouro. Richard Summers (1970) busca estudar o
sistema de justiça romana a partir da análise desta obra específica de Apuleio. Segundo
o autor, os exemplos de atividades criminosas e de punição não aparecem ao acaso na
história, apenas no intuito de divertir o leitor, mas pelo contrário, se estabelecem como
uma sutil acusação de Apuleio ao sistema de justiça existe nas províncias do Império
Romano em seu período (SUMMERS, 1970, p. 511). Summers apresenta o autor
romano-africano como um profundo conhecedor das técnicas e leis romanas e do
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sistema criminal (SUMMERS, 1970, p. 514, 516-517), bem como o contexto por ele
vivenciado sendo marcado por uma profunda centralização do poder, tanto na mão dos
princepis, no centro do império, quanto de seus subordinados escolhidos nas províncias
(SUMMERS, 1970, p. 511-512). Em sua análise, destaca pequenos “erros de lógica”
presentes nas passagens que fazem referência às leis ou ao sistema jurídico, e que
seriam, além de intencionais, objetos da sátira do autor. Apuleio apresentaria aos seus
leitores que as injustiças na narrativa, assim como em sua sociedade, não precisariam
durar para sempre. O problema central, e as críticas, não seriam destinados à legislação
em si, mas na sua aplicação na sociedade que o envolve, isto é, na província, através de
indivíduos designados pelo centro do império e que estariam mais passíveis seus
interesses. As sátiras dos casos apresentados na obra seriam, portanto, uma defesa do
retorno da prática da mos maiorum dos tempos passados, quando os próprios
provincianos, e não magistrados romanos tinham competência sobre seus cidadãos e
sobre os crimes cometidos dentro dos limites territoriais (SUMMERS, 1970, p. 530).
Ou seja, Apuleio estaria defendendo que a justiça nas províncias só poderia ser obtida se
retornassem à administração da justiça criminal às mãos de responsáveis municipais, ao
invés de insistir em um papel primário do governador provincial com o suporte da
autoridade do imperador. Isto significa que além de críticas a práticas sociais, é possível
verificar a crítica da aplicação das próprias leis romanas e o sistema jurídico do contexto
a que é contemporâneo.
Fica evidente a diversidade de possibilidades que essa narrativa da obra O Asno
de Ouro dispõe a cerca das representações da Antiguidade no contexto do autor.
Entretanto, grande parte dos estudos encontradas estão em um âmbito internacional.
Ainda é pouco o número de pesquisas no Brasil, na área de História, sobre as obras de
Apuleio em geral, e especialmente sobre O Asno de Ouro. Semíramis Corsi Silva, em
sua dissertação de mestrado, posteriormente publicado no livro Magia Poder no
Império Romano: a Apologia de Apuleio (2012), desenvolve um estudo sobre o
processo jurídico após a acusação do uso de práticas mágicas cujo o próprio Apuleio
passou, através do discurso de autodefesa que fora publicado posteriormente. Em seu
livro, a autora analisa as acusações e os argumentos de Apuleio diante de um
julgamento que poderia leva-lo a morte se condenado, segundo às leis locais.
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contexto específico e não podem ser considerados como uma descrição real do século II
d. C. no Império Romano, mas muito mais como indicativos da visão de mundo de
Apuleio.
Nascido em Madaura (atual Argélia), cidade do norte da África sob o domínio
romano, por volta de 114 e 125 d.C., Apuleio teria morrido no ano 170. Viveu então,
entre os governos dos Imperadores Adriano (117-138 d.C.) e Marco Aurélio (161-180
d.C.). Pertencente à família a de dirigentes de sua cidade, chegou a alcançar o cargo de
seu pai de duúnviro - decurião na cúria (LA ROCCA, 2005, p. 14). Foi educado em
Madaura e a sua alta condição social possibilitou viagens a diversos lugares para
completar sua instrução. Apuleio é, ao lado de Petrônio, um dos mais conhecidos
autores de romance antigo em língua latina, e, infelizmente, sua obra O Asno de Ouro é
o único romance latino que chegou integralmente à atualidade (PARATORE, 1987, p.
815).
O livro trata da história de Lúcio, um moço viajante de alta condição social,
de boa família e de curiosidade infinita, que ao se envolver com a escrava de uma
feiticeira se transforma em um burro e acaba por ser levado por bandidos que faziam um
assalto à casa de seu anfitrião. Ao longo da história o burro Lúcio viaja para várias
cidades, e encontra-se envolto dos mais variados grupos sociais, desde bandidos
salteadores até riquíssimos comerciantes. São narradas muitas histórias, algumas pelo
próprio Lúcio, outras pelos personagens observados pelo protagonista.
A partir dessas histórias é possível analisar as representações feitas pelo autor
sobre o mundo antigo. Leva-se em conta que esses fatos e histórias, assim como as
relações sociais representadas nessa obra, são narrados a partir de uma visão masculina
de um autor de classe social elevada. Entretanto, a obra literária pode ser um
instrumento de grande importância para o estudo das relações sociais no universo da
Antiguidade, pois mesmo sendo de ficção, carregam indícios que permitem a
reconstrução de aspectos culturais dessa sociedade.
A sátira latina surge em um período de mudanças políticas, Segundo Vanessa
Fantacussi (2006, p. 46), ocasionando transformações culturais. Com objetivo ironizar a
sociedade e as mudanças da época, combinam diversos fatores – de cunho político,
econômico, ético, religioso, ideológico entre outros – que compõem e justificam o
produto literário final. Apuleio, sendo “filho de seu século”, como designa Parattore
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(1987, p. 820), não está imune a esse contexto de crítica. Nesse sentido, mesmo que a
história original seja de um autor grego, como destacado por Fergus Millar (1981), o
autor latino compõe sua narrativa e insere personagens e contos a partir de temas e
situações que estão presentes ao seu cotidiano ou que são indicativos de sua visão de
mundo.
Se a narrativa satírica “brinca com os costumes” (SILVA, 2001, p. 52), e
usa o exagero e o estereótipo para criticar características consideradas próprias do
gênero feminino, é possível relacionar estas sátiras aos valores sociais cujo autor
pertence, e que provavelmente são compartilhados com seu público – já que para
garantir o diálogo do autor com seus leitores é preciso que compartilhem os mesmos
conceitos, ao menos parcialmente (SILVA, 2001, p. 40).
Em um dos trechos de O Asno de Ouro, em que é narrada a história da
esposa de um moleiro que tinha comprado o protagonista Lúcio já metamorfoseado em
asno. O protagonista descreve a esposa como detentora de todos os defeitos possíveis:
[...] Pode-se dizer que nenhum vício faltava a essa infame criatura;
pelo contrário, estavam todos reunidos na sua alma, como numa
latrina emporcalhada: ela era cruel e mesquinha, bruta, bêbada,
rebelde, teimosa, avara nas suas torpes rapinas, pródiga nos seus
gastos vergonhosos, inimiga da fé, hostil ao pudor. [...] Sob a
aparência de observâncias vãs, enganava a toda a gente,
principalmente ao mísero marido. Bebia de manhã à noite, e se
prostituía durante o dia (APULEIO, O Asno de Ouro. IX, 14).
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REFERÊNCIAS:
FONTE:
APULEIUS. Methamorphoses. Books I-VI (vol I). Edited and Translated by J. Arthur
Hanson. London: Loeb classical Library, 2001.
APULEIUS. Methamorphoses. Books VII-XI (vol II). Edited and Translated by J.
Arthur Hanson. London: Loeb classical Library, 2001.
BIBLIOGRAFIA:
BOHM, Robert Karl. The Isis Episode in Apuleius. The Classical Journal. v. 68, n. 3
Feb./Mar., 1973, p. 228-231. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3296372>.
Acesso em: 24-03-2015.
CARVALHO, Margarida Maria de; GONÇALVES, Ana Teresa Marques. Mulher
romana e casamento na obra de Apuleio. História. São Paulo, v. 12, p. 115-122, 1993.
FANTACUSSI, Vanessa. O culto da deusa Ísis entre os romanos no século II:
representações nas Metamorfoses de Apuleio. 2006. Dissertação (Mestrado em História)
– Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista, Assis.
2006.
FEITOSA, Lourdes Conde. Amor e Sexualidade: o masculino e o feminino em grafites
de Pompéia. São Paulo: Annablume, 2005.
GRIMAL, Pierre. A vida em Roma na Antiguidade. Tradução Victor Jabouille, João
Daniel Lourenço e Maria Cristina Pimentel. - Mem Martins: Europa-America, 1995.
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Nessa afirmação Mauro Nicola Póvoas não se referiu as publicações: Revista de Portugal e Brasil
(1873-1874); Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil (1857-1858); o periódico Brasil-
Portugal (1899-1914); e da Revista contemporânea de Portugal e Brasil (1859-1864). O autor trabalhou
apenas com as outras 05 revistas. PÓVOAS, Mauro Nicola. Um projeto para dois mundos: as ilustrações
luso-brasileiras. In: JUNIOR, Alvaro Santos Simões; CAIRO, Luiz Roberto; RAPUCCI, Cleide Antonia.
(orgs.) Intelectuais e imprensa: aspectos de uma complexa relação. São Paulo: Nankin, 2009. pp. 53- 75.
p. 54.
140
SANTOS, Manuela; RAFAEL, Gina Guedes. (orgs.) Jornais e revistas portugueses do século XIX.
Portugal: Biblioteca Nacional, 1998. V. II.
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publicação mensal, inspirou-se na francesa Revue des Deux Mondes e contou com a
colaboração de diversos escritores que já haviam colaborado com a revista A Illustração
Luso-Brazileira. 141
A Revista de Portugal e Brasil foi publicada de outubro de 1873 a setembro de
1874, em Lisboa, pela Imprensa de J. G. Souza Neves, sob a direção de Luciano
Cordeiro e Rodrigo Afonso Pequita e media 29 centímetros. 142
O periódico Brasil-Portugal foi uma publicação quinzenal, publicada em Lisboa,
de fevereiro de 1899 a agosto de 1914 e simpática a causa monárquica. Os diretores
eram Augusto Castilho, Jayme Victor e Lorjó Tavares. Essa publicação divulgou
assuntos diversos e dirigiu-se as elites, sobretudo as residentes no Brasil e nas
colônias. 143
O periódico Os dois mundos: Ilustração para Portugal e Brasil (1877-1881) era
uma revista mensal editada e impressa em Paris e a cada número publicou 16 páginas,
trazendo nelas textos, gravuras 144 e propagandas. Seu proprietário-gerente era Salomão
Sáraga. E sua impressão dava-se na Tipografia Charles Unsinger, 145 com papel de
qualidade. O número avulso era vendido a 300 réis. A revista publicou três volumes, o
primeiro foi publicado de 31 de agosto de 1877 a 31 de julho de 1878, o segundo foi
publicado de maio de 1879 a abril de 1880, o terceiro volume foi publicado de maio de
1880 a abril de 1881. Os três volumes publicaram 12 números por ano. Houve uma
interrupção na publicação de agosto de 1878 a abril de 1879. Os agentes do periódico
foram, para o Brasil, Francisco Gonçalves de Queirós 146 e David Corazzi, 147 para
Portugal. 148
Diversos escritores portugueses colaboraram publicando textos na revista Os
dois mundos: Ilustração para Portugal e Brasil, dentre eles, destacam-se: Antero de
Quental, Guiomar Torresão, Fausto de Azevedo, Almeida d’Eça, Fialho de Almeida,
141
MESQUITA, Pedro Teixeira. Revista Contemporânea de Portugal e Brasil. Hemeroteca Digital.
Lisboa, 2013. Disponível em: <http://hemerotecadigital.cm-
lisboa.pt/FichasHistoricas/RevistaContemporaneadePortugaleBrasil.pdf>. Acesso em: 01 out. 2015.
142
SANTOS, Manuela; RAFAEL, Gina Guedes. op. cit. p. 245.
143
CORREA, Rita. Brasil-Portugal. Hemeroteca Digital. Lisboa, 2009. Disponível em:
<http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/BrasilPortugal.pdf>. Acesso em 12 out. 2015.
144
As gravuras eram litografias e traziam retratos de diversas personalidades, dentre outros temas.
145
Localizada na Rua du Bac, número 83, em Paris.
146
Localizada na Rua da Quitanda, número 78, Rio de Janeiro e, durante um período, Rua da Alfândega,
número 41.
147
Localizada na rua da Atalaia, número 42, em Lisboa.
148
PÓVOAS, Mauro Nicola. Op. cit. p. 59-60, 2009.
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Xavier da Cunha, Mendes Leal, Gervásio Lobato, Joaquim de Araújo, João de Deus,
Bento Morena, Oliveira Martins, Bulhão Pato, Júlio César Machado e Ramalho Ortigão.
Os textos publicados foram de gêneros diversos, como, por exemplo, textos literários,
noticiosos, variedades, comentários de fatos recentes e curiosidades. Essa revista, assim
como A Illustração Luso-brazileira, ambas apresentaram uma proposta, aparentemente
bem definida em termos de ser um empreendimento voltado para Brasil e Portugal,
porém, publicaram poucos textos com a colaboração de escritores brasileiros ou textos
que aludiram diretamente ao Brasil e a realidade do que se passara nesse país. 149
O periódico A Ilustração: Revista Quinzenal para Portugal e Brasil (1884-1892)
era uma revista de alta qualidade gráfica que foi publicada de 05 de maio de 1884 a 1º
de fevereiro de 1892. Das cinco revistas para Portugal e Brasil mencionadas acima, essa
é a que trouxe em suas páginas o maior número de contribuições de escritores
brasileiros. Ao todo a revista publicou 184 exemplares. Essa publicação possui diversas
semelhanças com a revista Os dois mundos: Ilustração para Portugal e Brasil, que se
dão com relação ao local de impressão, as publicidades, o tamanho (40 cm. X 29 cm.), a
parte gráfica, os colaboradores e agentes. Publicou 16 páginas em cada número
contando com diversas ilustrações. Seu diretor era Mariano Pina (1860-1899). Publicou
uma ampla gama temática variando entre textos literários, fatos da atualidade,
biografias, curiosidades, crônicas, etc. Dentre os temas presentes nas gravuras
publicadas (cerca de 10 por número), estão: fotografias, retratos de personalidades,
cenas cotidianas (sobretudo de Paris), desenhos relacionados com fatos da atualidade e
reproduções de quadros diversos. Dentre os escritores portugueses que contribuíram
com a revista encontram-se: Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Antero de Quental,
Eugênio de Castro, dentre outros. Do estrangeiro, sobressaem-se nomes como o francês
Émile Zola e americano Edgar Allan Poe e, dentre os brasileiros sobressaem-se Olavo
Bilac, Luís Murat, Alberto Oliveira, B. Lopes, Luís Guimarães, Raimundo Corrêa,
Medeiros e Albuquerque, que publicaram, em geral, contos, críticas e poemas diversos.
Haviam sido publicadas nessa revista referências diretas a personalidades brasileiras e
homenagens em forma de poemas e dedicatórias a diversos brasileiros. O fim da
publicação ocorreu no dia 1º de fevereiro de 1892 por motivos econômicos como, por
149
Ibidem. p. 60-62, 2009.
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Portugal sua agência ficava na livraria Ferin, localizada na Rua Nova do Almada,
números 70 e 74, em Lisboa. Foram dois os diretores dessa publicação: o artístico, Jorge
Colaço; e o literário, José Barbosa. 156 Os dois números dessa publicação que podem ser
consultados apresentam textos literários. Dentre seus colaboradores sobressaem-se: Luís
Murat, Manuel de Moura e Urbano Duarte. Valemtim Magalhães era o correspondente
literário brasileiro. A revista objetivava o progresso cultural do Brasil e de Portugal,
tendo em vista ser um periódico ilustrado para ambos os países e prometeu
colaborações, literárias e artísticas, realizadas originalmente por brasileiros e
157
portugueses.
Um fato importante com relação à essas publicações é que, exceto as revistas: A
Illustração Luso-Brazileira (1856-1859); Revista de Portugal e Brasil (1873-1874);
Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil (1857-1858); o periódico Brasil-
Portugal (1899-1914); e da Revista contemporânea de Portugal e Brasil (1859-1864).
As demais, apesar de tratarem, sobretudo, de autores, temas e obras diretamente
vinculados à Portugal não podem ser vistas como publicações “portuguesas” ou
“lisboetas”, pois eram impressas ou mantinham seus escritórios em cidades como
Barcelona e Paris. O que, segundo Póvoas, é indicativo, por um lado, da falta de
estrutura e condições técnicas de produção vigentes em Portugal que possibilitassem a
manutenção do padrão gráfico desses periódicos, e, por outro, sinaliza para interferência
de culturas diversificadas no diálogo entre Portugal e Brasil, assim como o fato de
serem impressas em cidades estrangeiras e distantes o que encareciam e dificultavam
ainda mais a vida dessas publicações, o que pode ter influenciado diretamente na pouca
158
duração dessas revistas.
Se considerarmos que o surto de revistas e jornais ilustrados do século XIX
deveu-se à questão da ‘moda’ das gravuras e dos retratos adornando as revistas, para
atingir um público maior, quais foram as preocupações e motivos para a união entre
Portugal e Brasil no título? Tal indagação também fora feita por Mauro Nicola Póvoas,
156
Apenas dois números dessa revista estão disponíveis para pesquisa na BNP (Ano, 1, número 1, 05 de
Jun. d 1893 e o ano 1, número 06, 05 de Out. de 1893) os outros números da revista A Revista Ilustração
Luso-brasileira não podem ser consultados por estarem em mau estado. O exemplar de número 06 tem,
12 páginas e está sob a administração da Sociedade dos Grandes Jornais Ilustrados, localizado na Rua de
Provence, número 40, em Paris e nesse número o diretor literário é Xavier de Carvalho. (PÓVOAS,
Mauro Nicola. Op. cit. p. 71, 2009.)
157
PÓVOAS, Mauro Nicola. Op. cit. p. 71-73, 2009.
158
Ibidem, p. 74, 2009.
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178
o qual apontou alguns questionamentos acerca da referência direta estampada nos títulos
das revistas à Portugal e Brasil e quais teriam sido as motivações que levaram esses
sujeitos a investirem nessas publicações voltadas para os dois países. Dentre os
questionamentos elencados encontram-se: Saudades, sendo assim, do Império que
começava, ao longo do século XIX, lentamente a desmoronar? Nostalgia, por parte de
Portugal, da relação de dominação que mantinha com o Brasil? Tentativa, do outrora
colonizador, de auxiliar a nação aparentemente mais fraca e despreparada, o recém-
criado Brasil? Ou, então, inspiração na união entre duas culturas, entre o ‘antigo’ (o
europeu) e o ‘recente’ (o americano), na direção do que fazia a Revue des Deux
Mondes? 159 Talvez uma, outra, todas ou nenhuma das alternativas. O que de fato
aconteceu foi que o projeto das ‘ilustrações’, assim como de outras publicações
periódicas similares, que trouxeram estampados em seus títulos ‘Brasil’ e ‘Portugal’,
“(...) para os portugueses, se tinha ainda algum ranço político-ideológico, intencionava
levar informação e cultura brasileiras para o leitor português, numa tentativa de
integração (...)”. Essa tentativa de conexão entre ambos os países não obteve fruto ao
longo do século XX, pois o Brasil se afirmou cada vez mais como nação independente e
160
com diversas especialidades.
Essa junção entre as três palavras chaves (Brasil – Portugal – Ilustração) presentes
no cabeçalho dos periódicos, revela-se repleta de significados, no instante em que
evoca, a um só tempo, os inovadores recursos da ilustração, que se espalhavam pelo
mercado editorial europeu, nesse período, e a revista conservadora Revue des Deux
Mondes (1829 e circula até hoje). As novidades introduzidas pelas gravuras e
ilustrações presentes nas publicações em meados do século XIX atraíram “(...) um
público que não era, num primeiro momento, identificado com as práticas de leitura
‘tradicionais’, isto é, aquela que se restringe à decodificação de letras emparelhadas em
linhas e parágrafos”. A Revue des Deux Mondes trazia estampado em seu título a
intermediação entre dois mundos diferentes, o “novo” e o “velho”, o “selvagem” e o
“civilizado”, “(...) de modo que ambos se entendessem mutuamente, sendo sem dúvida
159
Revue des Deux Mondes (Revista dos Dois Mundos) é uma revista francesa sendo uma das mais
antigas a circular pela Europa. Essa revista foi Fundada por Prosper Maurois e Ségur-Dupeyron, seu
primeiro número foi publicado no primeiro dia de agosto de 1829. Charles Buloz comprou a revista em
1831. A revista mudou de título em 1945 e em 1956 ela fundiu-se com a Hommes et Mondes e foi
transformada em uma revista mensal em 1969, diferente de antes quando era bimestral. A publicação
retornou ao seu título original e a ser bimestral em 1982.
160
PÓVOAS, Mauro Nicola. Op. cit. p. 74, 2009.
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179
161
PÓVOAS, Mauro Nicola. Op. cit. p. 54, 2009.
162
MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de república, São
Paulo (1890-1922). São Paulo: Edusp/Fapesp/Imprensa Oficial do Estado, 2001. p.77.
163
LUCA, Tania Regina de. Revista Ilustração (1884-1892): Notas iniciais de pesquisa. In: BARBOSA,
Socorro de Fatima P. Livros e periódicos nos séculos XVIII e XIX. João Pessoa: Editora da UFPB, 2014,
pp. 209-232. p. 209-210.
164
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. Oieiras: Celta editora, 1998, p. 165. [Apud.] MÜLLER,
Fernanda. op. cit. p. 257.
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180
165
JUNIOR, Alvaro Santos Simões; CAIRO, Luiz Roberto; RAPUCCI, Cleide Antonia. (orgs.)
Intelectuais e imprensa: aspectos de uma complexa relação. São Paulo: Nankin, 2009.
166
PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. The espectator: o teatro das luzes – Diálogo e imprensa no
século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 15.
167
ARMITAGE, John. História do Brasil. (Tradutor não identificado). 3. ed. Brasileira com notas de
Eugênio Egas e Garcia Junior. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1943. p. 235.
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cidadão comum, sendo que tal política tinha sempre uma dimensão nacional e
homogeneizadora”. “Estado, nação e sociedade deveriam ser convergentes”. 168
Ou seja, a revista A Illustração Luso-brazileira por ser luso brasileira, mas ter
dedicado pouco espaço para a publicação de textos sobre a cultura brasileira e
produzidos por intelectuais brasileiros, pode ter atuado no sentido de manutenção do
status quo cultural e intelectual português. Apesar dos diversos pontos de ligação entre
Portugal e Brasil, como, por exemplo, a utilização da mesma língua, e o fato de
partilharem de uma cultura, história e passado em comum, 169 é, nesse contexto, que
observamos no Brasil a tentativa de uma ruptura, de um distanciamento das influências
portuguesas e a busca da formação de uma identidade própria, de uma nação recém
independente e que havia se separado de Portugal há poucas décadas. Características
que, dentre outras, singularizam o romantismo brasileiro.
A revista A Illustração Luso-brazileira, sobretudo, e os demais periódicos
portugueses apresentados acima, que buscavam realizar a divulgação da literatura e
cultura dos dois países e para ambos, apesar de denominarem-se “luso-brasileiros”,
utilizavam-se dos textos impressos e das gravuras, para, principalmente, divulgarem as
produções culturais e literárias portuguesas no Brasil, atuando, portanto, dentro desse
espaço de luta de produção e afirmação do conhecimento, transmitindo assim, os
valores, imaginários, e pensamentos dos portugueses no Brasil.
Os estudos de Fernanda Muller sobre o periódico Ilustração Portuguesa (1903-
1930) e Hélio Serpa caminham nesse sentido, enquanto que os pesquisadores João
Alves das Neves e Arnaldo Saraiva defendem que houveram diálogos muito profícuos
entre as intelectualidades brasileiras e portuguesas da época, que se deu, principalmente,
por meio da imprensa periódica especializada. 170 Segundo Hélio Serpa esses intelectuais
que travaram essas batalhas na imprensa em meados do século XIX foram forjados no
interior de uma cultura política nacionalista, eurocêntrica e colonialista. 171 João Alves
168
SÉRPA, Hélio. Portugal no Brasil: a escrita dos irmãos desavindos. Revista Brasileira de História
[online]. São Pulo, v. 20, nº 39, p. 81-114, 2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbh/v20n39/2982.pdf>. Acesso em: 20 set. 2015. p. 70-71.
169
CERVO, Amado Luiz; MAGALHÃES, José Calvet de. Depois das caravelas: as relações entre
Portugal e Brasil: 1808-2000. Organização e apresentação de Dário Moreira de Castro Alves. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2000. p. 12.
170
Cf. Fernanda Muller, op. cit.; Cf. Arnaldo Saraiva. O modernismo brasileiro e português: subsídios
para o seu estudo e para a história de suas relações. Campinas, SP: UNICAMP, 2004; João Alves das
Neves. As relações literárias de Portugal com o Brasil. Lisboa Icalp, 1992.
171
SÉRPA, Hélio. Op. Cit. p. 70, 2000.
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172
NEVES, João Alves das. As relações literárias de Portugal com o Brasil. Lisboa: Instituto de Cultura
e Língua Portuguesa, 1992.
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Nem todas as tentativas obtiveram êxitos, não havendo de fato, um trabalho concreto no
sentido de estabelecer vínculos estreitos entre os dois países.
REFERÊNCIAS:
A Illustração Luso-Brasileira, jornal universal. Lisboa: Tipografia de A. J. F. Lopes,
Travessa da Vitória, 52. Volume I. 1856; Volume II. 1858; Volume III. 1859.
Bibliografia:
ARMITAGE, John. História do Brasil. (Tradutor não identificado). 3. ed. Brasileira
com notas de Eugênio Egas e Garcia Junior. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1943.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalianas. Oieiras: Celta editora, 1998.
CERVO, Amado Luiz; MAGALHÃES, José Calvet de. Depois das caravelas: as relações entre
Portugal e Brasil: 1808-2000. Organização e apresentação de Dário Moreira de Castro Alves.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.
• CORREA, Rita. Brasil-Portugal. Hemeroteca Digital. Lisboa, 2009. Disponível em:
<http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/BrasilPortugal.pdf>. Acesso em
12 out. 2015.
• JUNIOR, Alvaro Santos Simões; CAIRO, Luiz Roberto; RAPUCCI, Cleide Antonia.
(orgs.) Intelectuais e imprensa: aspectos de uma complexa relação. São Paulo: Nankin,
2009.
• LUCA, Tania Regina de. Revista Ilustração (1884-1892): Notas iniciais de pesquisa. In:
BARBOSA, Socorro de Fatima P. Livros e periódicos nos séculos XVIII e XIX. João
Pessoa: Editora da UFPB, 2014, pp. 209-232.
• MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de
república, São Paulo (1890-1922). São Paulo: Edusp/Fapesp/Imprensa Oficial do
Estado, 2001.
• MESQUITA, Pedro Teixeira. Revista Contemporânea de Portugal e Brasil.
Hemeroteca Digital. Lisboa, 2013. Disponível em: <http://hemerotecadigital.cm-
lisboa.pt/FichasHistoricas/RevistaContemporaneadePortugaleBrasil.pdf>. Acesso em:
01 out. 2015. o@semanahistoriauerj.net
NEVES, João Alves das. As relações literárias de Portugal com o Brasil. Lisboa:
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1992.
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184
PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. The espectator: o teatro das luzes – Diálogo
e imprensa no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1995.O
PÓVOAS, Mauro Nicola. Um projeto para dois mundos: as ilustrações luso-brasileiras.
In: JUNIOR, Alvaro Santos Simões; CAIRO, Luiz Roberto; RAPUCCI, Cleide
Antonia. (orgs.) Intelectuais e imprensa: aspectos de uma complexa relação. São Paulo:
Nankin, 2009. pp. 53- 75.nta
SANTOS, Manuela; RAFAEL, Gina Guedes. (orgs.) Jornais e revistas portugueses do
século XIX. Portugal: Biblioteca Nacional, 1998. V. II.to@semanahistoriauerj.net
SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e português: subsídios para o seu estudo
e para a história de suas relações. Campinas, SP: UNICAMP, 2004.
SÉRPA, Hélio. Portugal no Brasil: a escrita dos irmãos desavindos. Revista Brasileira
de História [online]. São Pulo, v. 20, nº 39, p. 81-114, 2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbh/v20n39/2982.pdf>. Acesso em: 20 set. 2015.
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Nos séculos posteriores a Sade, sua literatura ganhou força, sendo cada vez
mais republicada, lida e explorada, mesmo quando condenada aos “infernos” das
bibliotecas. A imagem que se fazia do Marquês ganhou novos contornos, passou a ser
visto com admiração e até com reverência pelas novas gerações de intelectuais
franceses. Passando de maldito a aclamado, de pornógrafo vil a gênio injustiçado, Sade
tornou-se um ídolo, símbolo de rebeldia, segundo Guillaume Apollinaire, o espírito
mais livre que já existiu. Ele ascendeu aos céus, de maléfico a divino! 173
Pode-se debitar essa transformação a um movimento que se inicia com o
empenho do poeta Apollinaire (1880-1918) e do crítico Maurice Heine (1884-1949),
culminado com os surrealistas, uma vez que o legado sadeano se fazia
[...] presente nos manifestos do movimento, nos ensaios dos poetas Paul
Eluard, René Char, na produção de Aragon, Artaud, na pintura de André
Masson, no trabalho de Man Ray, de Salvador Dali e na filmografia de Luis
Buñuel [...] adquire maior nitidez através dos cuidadosos estudos biográficos
produzidos por Gilbert Lély [...] (GIANNATTASIO, 2000, p.42)
173
A expressão “divino Marquês” surgiu com os surrealistas. Para saber mais ver BRETON, André.
Manifestos do surrealismo. Brasiliense, 1985, editado no Brasil 61 após a publicação original do
Primeiro Manifesto em 1924.
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um precursor de Freud, por seus escritos focarem a sexualidade como uma força motriz.
Para André Breton, no Segund manifest du surrealismo (1988), Sade forneceria uma das
visões mais lúcidas sobre as forças que agem intimamente no homem e que estão na
origem dos seus atos de violência. Georges Bataille (1989) afirma que sem a crueldade
de Sade não teríamos sido capazes de abordar de forma tão serena o domínio que expõe
nossa unidade profunda.
Contudo, apesar dessa admiração e maiores possibilidades de usos, análises e
pensamentos sobre os escritos e filosofia sadeana no século XX, ainda não era
totalmente bem quista e havia os que continuavam a condenar as obras. O editor Jean-
Jacques Pauvert quando ousou dispor a público a edição das obras completas do
Marquês de Sade, vivenciou ações de censura na 17ª Câmara Correcional de Paris no
ano de 1956, no qual foi acusado de publicar livros imorais que se enquadravam na
qualidade de perigosos de acordo com a Comissão Nacional do Livro, em Parecer
emitido em 1955 174.
Seu empreendimento, teve início no ano de 1947 e antes da iniciativa de Pauvert,
os textos de Sade ainda não haviam sido reunidos. 175 Em 1947, só estavam disponíveis
em livrarias: Justine, Contos e historietas, Zoloé e uma edição muito simples do
Diálogo entre um Padre e um moribundo. O objetivo da edição era disponibilizar o
acesso ao maior número de intelectuais e apreciadores, uma vez que as obras se
176
encontravam exiladas no Enfer da Biblioteca Nacional da França – local este que se
destinava a armazenar livros que por desventura fossem considerados perigosos – e
aqueles que possuíam algum dos textos de Sade nesse contexto consistia somente em
alguns colecionadores milionários.
Os volumes editados por Jacques Pauvert eram simples, não continham
ilustrações, somente prefácio e bibliografia e a tiragem foi de 2.000 exemplares.
Entretanto, para a Comissão do Livro – que desde 1947 começou a se opor a publicação
174
Entre os volumes que mais incomodaram a Comissão do Livro estavam A filosofia na alcova, A nova
Justine, Juliette e Os 120 dias de Sodoma.
175
O livro Os crimes de amor teve uma edição em 1800, Aline e Valcour duas, em 1793 e 1883, Juliette,
A Nova Justine e A Filosofia na Alcova não tinham saído da clandestinidade. Os 120 dias de Sodoma saiu
em edição limitada, em 1931.
176
Tal nomenclatura foi criada na França do século XIX e era uma, dentre outros nomes ou códigos dados
aos locais nas bibliotecas, existentes em várias partes do mundo, reservados para guardar obras proibidas,
os também chamados romances negros. Os “Infernos” faziam parte de um movimento de silenciamento,
visto que por obrigação de preservar o maior acervo possível da palavra impressa, lacravam as obras em
um local, onde leitores normais não pudessem alcança-los, para que assim não se corrompessem pelo
contato com maus livros. Ver (DARNTON, 1996, pp. 21-42).
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– essa “discrição” não importava e durante 1954/55 continuou a censura e o processo foi
aberto em 15 de dezembro de 1956.
Segundo o Parecer, as obras de Sade representavam uma ameaça, um perigo
iminente à sociedade, aos bons costumes. A literatura do Marquês, considerada
infecciosa, traria um veneno potencial para o sistema imunológico da sociedade
francesa. Os pareceristas consideraram que os volumes propunham:
177
O conceito de apropriação de Roger Chartier, busca dar conta dos processos, em suas condições
sociais, institucionais e culturais concretas e inscritas em práticas específicas e localizadas, pelos quais
são construídos novos sentidos, sobretudo por meio das práticas de leituras. Para o autor a liberdade
leitora não é absoluta, é cercada de limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que a
caracterizam em suas diferenças. Sua noção de “[...] apropriação [...] tem por objectivo uma história
social das interpretações, remetidas para suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais,
culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem [...]” (CHARTIER, 1990, p. 26).
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178
Estratégia no sentido de forma escolhida para argumentar e no que se apoia.
179
Si nous plaçons dans le domine courant cette férocité [...] que se résume em détruisant tout, tout ce
qu’il peut y avoir d’honorabilité dans la famille, de respect de la morale, vous trouvez qu’il n’y a pas de
danger à la rendre publique?
180
Nesse sentido o conceito de vanguarda está ligado ao expresso por Peter Bürguer em seu livro a
Teoria de Vanguarda, escrito em 1974 com várias edições até 2008 no Brasil, no qual explora e analisa o
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grande parte das literaturas entendidas como libertinas, que traziam à tona
181
manifestações intelectuais e culturais do período iluminista , repensando-as e as
tornando passíveis de pensamentos e discussões propostas mais abertamente, inclusive
ao que se refere ao Marquês de Sade.
Jean Paulhan alega que “[...] Sade veio numa época em que um tipo de
filosofia um pouco branda afirmava sem reservas que o homem era bom, e era o
182
suficiente para fazer a sua natureza para que tudo se passe bem”. (PAUVERT, 1957,
p. 48) [tradução livre]
Entendemos que o julgamento de Pauvert constituiu um conflito de interesses e
pensamentos entre o que almejavam certas parcelas da sociedade francesa e aquilo que
uma instituição – a Comissão Nacional do Livro – definiu e impôs.
Maurice Garçon advogado de defesa no caso, em 15 de dezembro de 1956 na
XVIIª Câmara Correcional de Paris, afirma sobre Sade:
movimento surrealista como revolucionário pelos elementos que o constituem e fazem abalar a realidade.
Para o autor existem elementos fundamentais na base de uma vanguarda e no movimento surrealista
podemos encontrar vários deles, como por exemplo, radicalidade, estranhamento, inovação, sejam elas
conceituais e/ou artísticas, e alguns outros pontos que estão especificados no livro.
181
Compete acrescentar que no século XX houve um aumento progressivo no número de obras ilegais do
Antigo Regime sendo republicadas, a maior parte correspondente à proliferação de publicações de cunho
sexual, erótico, libertino – mesmo que majoritariamente clandestinas – ocorrida no período que antecedeu
à Revolução Francesa e que se diferenciavam das obras produzidas até então por remeter-se ao corpo
como objeto de conhecimento.
182
Fala extraída do testemunho de Jean Paulhan no julgamento de Pauvert: « [...] Sade est venu à une
époque où une sorte de philosophie un peu molle admettait sans réserve que l’homme était bon, et qu’il
suffisait de le rendre à sa nature pour que tout se passe bien ».
183
S’il est un auteur réprouvé par excellence, c’est bien celui que, par ironie, on appelle le Divin Marquis.
Et s’il est une vérité certaine, c’est que l’oeuvre du marquis de Sade est résolument pornographique. Mais
pour ne pas la confondre avec celle des professionnels de l’obscénité, et por la comprendre, il faut
d’abord la replacer dans son temps, dans ce XVIII siècle où les philosophes cherchaient à sortir du
conventionel chrétien pour étudier l’homme débarrassé de ses préoccupations métaphysiques. L’époque
de Crébillon fils, de Diderot, de Choderlos de Laclos...
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190
por ultrajar os bons costumes e obrigado em primeiro momento a pagar multa num total
184
de 200 000 francos . Todavia, as multas eram só parte do processo contra os atos de
Jean-Jacques Pauvert, de maneira que a literatura do Marquês ainda necessitava de
investigação e, assim, um debate em torno da utilização das obras se desenvolveu.
O advogado de defesa Maurice Garçon, afirma que a opinião comum é que o
Marquês de Sade deve ser condenado sem discussão. No entanto, poucos dos que leram
suas obras falam. Pronunciar sem saber, somente de acordo com o que se ouve dizer, é o
mais perigoso de todos os métodos para os juízes. E ainda diz que pouco importa o que
foi acurado [pelos pareceristas e/ou juízes]: "Todas as tendências de opinião devem ser
representadas." (BECHOUT & PAUVERT, 1999, p. 26; 81).
Como uma de suas estratégias argumentativas, Garçon enfatizou o aspecto
filosófico e científico das obras condenadas e alegou que essa literatura estaria limitada
a alguns "intelectuais", que possuíam obras semelhantes à Filosofia na alcova ou Os
cento e vinte dias de Sodoma. Afirmou ainda que os trabalhos se destinam à
especialistas em psicoterapia.
Nunca antes dele, alguém ousara considerar o problema do estudo da
loucura para uma revisão sistemática da depravação. Aprofunda o
monstruoso para descobrir o normal.... Compreende-se, portanto, a
necessidade que se encontrava para descrever as piores anomalias.
Mas, para aqueles que procuram na pornografia alusões obscenas e
evocações libidinosas de devassidão, Sade descreveu como um
médico, não tenta seduzir, nem fazer gracinhas, nenhum detalhe é
ignorado. Impiedoso e frio dissecador de paixões para chegar ao
sofismo anarquista [...] 185 (BEUCHOT & PAUVERT, 1999, p.79)
[tradução livre]
184
Foram 80 000 fr. pelas publicações de Juliette ou Prosperidade do vício, e 120 000 fr. pelas obras Os
cento e vinte dias de Sodoma, Justine ou os Males da virtude e a Filosofia na Alcova.
185
Extraído do discurso do advogado Maurice Garçon no Julgamento de apelação de Jean-Jacques
Pauvert: Jamais, avant lui, on n’avait osé envisager ainsi le problème dont il poussa l’étude jusqu’au
délire par un examen systématique des dépravation. Il approfondit le monstreux pour découvrir le
normal... On comprend, dès lors, la nécessité où il s’est trouvé de décrire les pires anomalies. Mais tandis
que chez ceux qui ne recherchent dans la pornographie qu’allusions obscènes et évocations libidineuses
de débauches, Sade, lui, décrit comme un clinicien, ne cherchant pas à séduire, ne faisant grâce d’aucun
détail ignoble, impitoyable et froid dissecteur de passions, pour aboutir à ce sophisme anarchique [...]
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186 Extraído do testemunho no julgamento de Pauvert em 1956. Ce qu’a innové le marquis de Sade,
parce que personne ne l’avait fait avant lui, c’est que l’homme trouvait une satisfaction dans la
contemplation de la mort et la douleur. Cela peut être considéré comme condamnable, et je m’inscris dans
ce sens... Mais si nous tenons compte de la réalité, nous nous apercevons que, si condamnable que soit
cette contemplation, elle a toujours joué un rôle historique considérable... Je crois que le jugement de
simple pornographie qu ‘on serait tenté d’attribuer au premier abord à son oeuvre est d’autant moins
justifié que la plupart du temps, n’importe qui s’essayant à la lecture de Sade se trouve plutôt soulevé
d’horreur... Par Sade, nous ne devons retenir que la possibilité de descendre dans une espèce d’abîme
d’horreur, abîme d’horreur que nous devons connaître, qu’il est en outre du devoir en particulier de la
philosophie, de mettre en avant, d’éclairer et de faire connaître.
187
J’ai eu à écrire pour la Sorbonne une petite thèse sur le Marquis de Sade, de sorte que je connais assez
bien son ouvre. Elle me paraît assez importante, et historique, puisque tous les écrivains, ou presque tous
les écrivains du XIX siècle, ceux qui sont représentatifs, sont sortis du marquis de Sade, à partir de
Lamartine, qui reconaît que sans la lecture du Marquis de Sade à dix-neuf ans, il n’aurait jamais écrit ses
poèmes, en continuant évidemment par Baudelaire et par des philosophes étrangers comme Nietzsche.
[...] Sade été conduit, par contraste, à démontrer que l’homme était méchant, et à démontrer dans le détail,
de toutes les façons, cette méchanceté qu’il a fait reposer le premier dans la sexualité, ce que Freud et
d’autres reprendront plus tarde.
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188
Em relação às possibilidades de compreensão da repercussão e apropriação da obra sadeana, deve-se
considerar que a recepção desta literatura, como qualquer outra, está aberta a múltiplas possibilidades de
leitura/apropriação e de acordo com Chartier (1998, p. 77) “A leitura é sempre apropriação, invenção,
produção de significados”, por esta constatação (1998, p. 18) é preciso vincular em um mesmo projeto o
estudo da produção, transmissão e da apropriação dos textos. O que quer dizer manejar
concomitantemente a crítica textual, a história do livro e a história do público e da recepção. Para isso
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deve-se levar em conta que, de um lado, cada leitor, espectador, ouvinte produz uma apropriação
inventiva da obra ou do texto que recebe. “[...] De outro, deve-se considerar o conjunto dos
condicionamentos que derivam das formas particulares nas quais o texto é posto diante do olhar, da
leitura ou da audição, ou das competências, convenções, códigos próprios à comunidade à qual pertence
cada espectador ou cada leitor singular” (CHARTIER, 1998, p. 19) E é neste diagnóstico que nos
apoiamos, não esquecendo o conceito de práticas de leitura, que nos chama a atenção às limitações e
liberdades dos leitores, uma vez que, segundo o autor, os leitores estão sujeitos às práticas de leitura, ao
mesmo tempo em que as fazem. Isto é, apreendido pela leitura, o texto não tem necessariamente o sentido
que lhe atribui seu autor, seu editor ou seus comentadores.
189
Sobre os vários discursos encontrados nesse processo em relação a literatura do Marquês de Sade,
editada e publicada por J. J Pauvert, devemos buscar em que se apoia o discurso da Comissão Nacional
do Livro para legitimar sua faceta e, verificar o lugar discursivo da defesa, representado pelo acusado e
seu advogado, uma vez que se expressa no transito do discurso legal (com suas devidas legitimações e
justificativas) e o discurso intelectual de caráter mais filosófico representado, sobretudo, por membros do
movimento surrealista (que também se ampara em legitimidade, só que ligado a um universo filosófico,
literário e artístico).
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194
BIBLIOGRAFIA:
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Curieux, 1912.
BATAILLE, Georges. A Literatura e o mal. Porto Alegre: L&PM, 1989.
BEAUVOIR, Simone de. Deve-se queimar Sade? In. Novelas do Marquês de Sade e um estudo
de Simone Beauvoir. São Paulo: DIFEL, 1961, pp. 05 – 63.
BEUCHOT, Pierre & PAUVERT, Jean-Jacques. Sade en procès. Turin: Éditions Mille et une
nuits, 1999.
BRETON, André. Manifestos do surrealismo, Brasiliense, 1985.
BÜRGER, Peter. Teoria de Vanguarda. São Paulo: Cosacnaify, 2008.
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa:
Difel, 1990.
______. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun.
São Paulo: Unesp, 1998.
DARNTON, Robert. Edição e sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
______. Sexo dá o que pensar. In. NOVAES. Adauto. (org.). Libertinos/ Libertários. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996, pp. 21- 42.
GIANNATTASIO, Gabriel. Sade: um anjo negro da modernidade. São Paulo: Imaginário, 2000.
______. Prefácio. In. TONUSSI, Hilton de Oliveira. O Marquês de Sade no Brasil nos
anos 1960: o mercado editorial. Rio de Janeiro: Multifoco, 2014.
MORAES, Eliane Robert. Lições de Sade: ensaios sobre a imaginação libertina. São Paulo:
Iluminuras, 2006.
______. Marquês de Sade: um libertino no salão dos filósofos. São Paulo: EDUC, 1992.
PAUVERT, Jean-Jacques. (org.) L’affaire Sade. Paris: Pauvert, 1957.
PAZ, Octavio. Um mais além erótico: Sade. São Paulo: Editora Mandarim, 1999.
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190
Mestrado na linha de Cultura, Historiografia e Patrimônio. Membro do grupo de estudos Experiência
Intelectual Brasileira. Esta comunicação é resultado do desenvolvimento do projeto de pesquisa
intitulado A participação brasileira na Exposição Internacional de Artes e Técnicas da Vida Moderna
em 1937, financiado pela FAPESP e pela CNPq-CAPESP.
191
As maiores e mais relevantes Exposições Universais ocorreram nas cidades de Londres (1851, 1862),
Paris (1855, 1867, 1878, 1889, 1900, e 1937), Viena (1873), Filadélfia (1876), Chicago (1893, 1933),
Saint-Louis (1904), San Francisco (1915), Bruxelas (1935), Barcelona (1929) e Nova York (1939).
192
Cf. HARDMAN, Francisco Foot. TREM FANTASMA: a modernidade na selva. São Paulo: Companhia
das Letras, 1988. p.50
193
SCHWARCZ, Lilia Moritz. AS BARBAS DO IMPERADOR: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.574.
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regido pelo movimento das mercadorias. Segundo o historiador inglês Eric Hobsbawm,
em sua obra a Era do Capital:
“A Era dessa vitória global [do capital] foi iniciada e pontilhada pelos
gigantescos novos rituais de autocongratulação, as Grandes
Exposições Universais, cada uma delas encaixada num principesco
monumento à riqueza e ao progresso técnico – o Palácio de Cristal em
Londres (1851), a Rotunda (“maior que São Pedro de Roma”) em
Viena, cada qual exibindo o número crescente e variado de
manufaturas, cada uma delas atraindo turistas nacionais e estrangeiros
em quantidades astronômicas. Catorze mil firmas exibiram em
Londres em 1851 (a moda tinha sido condignamente inaugurada no lar
do capitalismo); 24 mil em Paris em 1855; 29 mil em Londres, em
1862; 50 mil em Paris, 1867. 194
Podemos concluir que esses eventos foram uma das expressões culturais da expansão a
nível global do sistema capitalista – o motor dinâmico que engendrou as intensas
transformações sociais, econômicas e culturais que se operaram naquele período. As
aparições das exposições universais coincidem diretamente com o crescimento das
metrópoles e a ascensão das massas, com a progressiva industrialização e com a
proletarização dos trabalhadores, com os avanços científicos e tecnológicos, com a
ampliação vertiginosa da velocidade de deslocamento e comunicação. Estas festas do
trabalho e do progresso eram produtos de um mundo industrial em formação.
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legado arquitetônico pode ser testemunhado ainda hoje nos Champs-Élysées, na colina
Chaillot e nos Champ-de-Mars – principalmente por meio de duas monumentais
construções, a Torrei Eiffel e o palais Chaillot.
De acordo com Pascal Ory, as cinco primeiras feiras foram realizadas na
segunda metade do século XIX, em intervalos regulares de doze anos - duas durante o
Segundo Império, em 1855 e 1867 e três durante a Terceira República, em 1878, 1889 e
1900. Tal regularidade foi rompida um pouco depois com a eclosão da Primeira Guerra
Mundial em 1914, encerrando o ciclo destes eventos em Paris por mais de 30 anos. A
última feira, realizada em 1937, pretendeu retomar a tradição de grandiosidade e glória
das Exposições Universais da Belle Époque, mas acabou por marcar o fim destes
eventos na França, que não voltaram a ocorrer depois da eclosão da Segunda Guerra
Mundial em 1939 197. Apesar das descontinuidades, das rupturas e das transformações
que ocorreram tanto na sociedade francesa e quanto no resto do mundo ao longo do
ciclo das exposições universais parisienses (iniciado na segunda metade do século XIX
e encerrado na primeira metade do século XX), Pascal Ory chamou a atenção para oito
funções perceptíveis em cada uma de suas ocorrências, características que lhes
conferiram certa continuidade enquanto fenômeno histórico: “eram exibições
tecnológicas, feiras comerciais, salões de Belas-Artes, exposições de arquitetura, planos
aplicados de urbanismo, Government’s garden-party, encontros da sociedade das
nações e festas populares” 198.
O objeto deste estudo foi Exposição Internacional de Artes e Técnica da Vida
Moderna, o último evento deste tipo realizado em Paris. O cenário do período entre
guerras na qual ela foi realizada foi marcado por incertezas e inseguranças – pela
ruptura da crença absoluta no progresso; pelo pavor do retorno ao estado de Guerra
Total instaurado em 1914; pelo assombro com o fantasma do comunismo atualizado
pela Revolução Russa; pelo medo permanente de levante das massas; pela queda do
liberalismo; pela crise sem paralelo do sistema capitalista; pela ascensão do nazi-
fascismo e pela procura de novas formas de controle social e manutenção do status quo.
Sobretudo, pela importância crescente do Estado-Nação diante das sociedades ao redor
do globo e pelo poder de penetração dos discursos nacionalistas na vida dos cidadãos –
ampliado pelo poder dos novos meios de comunicação de massa, como o rádio, o
197
Cf. Idem. p. 9.
198
Idem, p.9.
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198
Tal mortandade foi o estopim não apenas de uma crise demográfica, mas também de
uma crise de identidade, que foi muito mais profunda que a crise econômica e política
que se instauraram ao longo dos anos 30, pois ela tocou em questões chave como a
diversidade étnica e o real significado do se compreendia na época como Identidade
Nacional Francesa.
Segundo o historiador Ihor Junyk, “a crise demográfica incitou ansiedades
francesas de longa data sobre degeneração e emasculação” 200, pois a solução adotada
pelo governo foi o recrutamento de trabalhadores das colônias africanas e asiáticas para
setores como a agricultura e indústria. “Depois da Primeira Guerra Mundial, mais de
300.000 trabalhadores estrangeiros estavam empregados na França, a maioria deles não
201
brancos da África do Norte, Indochina, China e Madagascar” . O exército colonial
estacionado na capital desde o armistício era composto por um considerável contingente
199
HOBSBAWM, Eric J.. ERA DOS EXTREMOS: o breve século XX: 1914 - 1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. p.33.
200
JUNYK, Ihor. The face of the Nation: State Fetishim and Métissage at the Exposition Internationale,
Paris 1937. GREY ROOM: MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY, Massachusetts, v. 1, n. 23,
p.96-120, jun. 2006. Trimestral. p.103.
201
Idem, p. 103.
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199
202
Idem, p.103.
203
Idem. p.103
204
Cf. Idem. p.103
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200
205
Idem. p.103
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201
206
Cf. AGEORGES, Sylvain. Sur les traces des Expositions universelles - 1855 Paris 1937: à la
recherché des pavillons et des monuments oubliés. Paris: Parigramme, 2006. p.164.
207
Cf. BARTH, Volker; LEMOINE, Bertrand. Paris 1937: Exposition international des arts et techinques
das la vie moderne In CENTRE DES MONUMENTS NATIONAUX. (Org.). Paris et ses expositions
universelles: architectures, 1855 - 1937. Paris: Éditions Du Patrimoine, 2009. p.71.
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202
208
SCHERER, Fabiano de Vargas. Expondo os planos: as exposições universais do séc. XX e seus
planos urbanísticos. 2002. 267 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 202. p. 121-122.
209
Idem. p.123.
210
MORETTIN, Eduardo Victorio. Uma construção luminosa: o cinema e a Exposição Internacional de
1937. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 51, p.73-93, jun. 2013. Semestral. p.76
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203
211
Idem, p.76.
212
SCHERER, Fabiano de Vargas. Op. cit. p.120.
213
MORETTIN, Eduardo Victorio. Op. Cit. p.76
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águia de metal, cuja estabilidade fazia frente a marcha da dupla proletária, representava
um “santuário do Estado”, edificado para valorizar a morte e o sacrifício necessários
para à consolidação da Nação.
Conclusão:
A importância da Exposição Internacional de 1937 se resume em ter sido uma
das expressões culturais do espetacular embate entre os antagonismos que mais
dividiram a humanidade ao longo do século XX. As mais divergentes posições políticas,
econômicas, sociais e culturais foram representadas materialmente nesta exposição,
tornando-a de acordo com Sylvain Ageorges, mais do que todas as suas antecessoras, a
“exposição do afrontamento das ideologias” 214. Nela, digladiaram-se o pacifismo e a
beligerância, a provincianismo e o cosmopolitismo, a colônia e a metrópole, as artes e
as técnicas, o fascismo e a democracia, o comunismo e o capitalismo, o arcaico e o
moderno, o ocidente e o oriente, o centro e a periferia do capital, o nacional e o
internacional.
214
AGEORGES, Sylvain. Op. Cit. p. 163.
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PRÁTICAS CULTURAIS,
MEMÓRIA E
IMAGEM
Francisco de Assis (1182 – 1226), fundador da Ordem dos Frades Menores, teve
sua imagem e obra interpretada e reinterpretada centenas de vezes pela historiografia, a
tal ponto de Jacques Dalarun (2002, p. 15-16) chamar a atenção para um “círculo
mágico” em torno dessas questões e da chamada “questão franciscana”, sobre as quais,
por um lado surgiram estudos que buscaram analisar criticamente as fontes primeiras da
ordem, suas datações, aspectos técnicos, etc., e, por outro, estudos que jogaram mais luz
sobre determinadas passagens da vida de Francisco, em detrimento de outras, a fim de
moldar o santo sob suas intenções, “santificando-o”, de fato, ou diminuindo sua
influência. Importante perceber que estes dois lados do círculo mágico se encontram e,
em muitos desses trabalhos, aspectos heurísticos e hermenêuticos se combinam para
aumentar ou diminuir a influência do assisense sobre a cultura e a história do Ocidente.
No que tange às artes, durante os últimos anos do século XIX e a primeira
metade do XX, intensificaram-se estudos que pretendiam compreender a influência de
Francisco de Assis sobre a mesma. Henry Thode, em 1885, publicou uma imensa obra
insistindo sobre a influência determinante de Francisco na arte de seu tempo (THODE:
1885 apud RUSSO: 1984, p. 647), para ele, o santo assisense possibilitou uma abertura
da arte para o mundo exterior, a natureza e as formas sensíveis; o seguiram debatendo o
papel de Francisco nas artes, H. Focillon, 1926, e E. Delaruelle, 1955. Pierre Francastel,
em 1956, refutava a posição dos anteriores, diminuindo a suposta influência do santo
sobre as artes (FRANCASTEL: 1956). Para além dessas questões, que correm o risco de
cair na “circularidade mágica” de Dalarun, nos preocupa o cuidado e lugar dado às
215
E-mail: andrepelegrinelli@gmail.com .
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Fig. 1 – Giotto e ateliê – O Crucifixo de São Damião fala a Francisco – c. 1295-1299 – Basílica Superior
de Assis
Giotto pinta uma pequena igreja, com teto, paredes laterais e nave destruídas,
alguns detalhes arquitetônicos e ornamentais que são característicos de seu estilo e do
ciclo de Assis, dois personagens chamam a atenção e atraem o olhar, da esquerda para a
direita, Francisco, ajoelhado e em oração e o Crucifixo de São Damião.
Francisco de Assis está no centro da cena. Aureolado, mantém essa característica
em todas as cenas, mesmo naquelas antes de sua conversão. Duas características de sua
imagem no ciclo de Assis representam sua conversão: os sapatos e as vestes.
Na cena de Giotto, Francisco usa sapatos, e essa, tal como as vestimentas azuis,
é a última cena em que são figurados, a cena posterior, é aquela em que Francisco
renuncia aos bens paternos. Nela, o assisense aparece nu, encoberto apenas pelo bispo e
descalço, nas outras cenas Francisco seria sempre figurado com o hábito Franciscano e
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de Santa Clara, ainda em construção, a peça permaneceu todos estes séculos guardada e
foi exposta ao público apenas no século XX.
Pintada sobre madeira, a imagem tem cerca de 2m x 1,30m. Trata-se da imagem
do Christus triumphans, vivo, não está pregado na cruz, emerge do túmulo e paira sobre
ela(VISALLI: 2013, p. 90). A iconografia cristã escolheu até o século XIII figurar
principalmente um Cristo que, quando na cruz, não sofria (BOESPFLUG: 2010, p. 126).
É a partir do século XIII que modelos de crucifixos com o Christus patiens, em
sofrimento, tendem a crescer. Figurar Cristo dessa forma implica um aumento da
percepção da face humana frente a face divina da ambivalente figura de Cristo.
A imagem do Christus patiens fazia parte do arsenal de figurações de Giotto,
além de muito mais comum em seu período que as figurações anteriores, o próprio
Giotto pintou vários destes crucifixos, é o caso, por exemplo, do Crucifixo pintado para
Santa Maria Novella, em Florença. (Fig. 2)
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cabeça de Cristo; a base para os pés se repete nas duas mas não havia no crucifixo de
São Damião; João e Maria, que na imagem de São Damião estavam ao lado esquerdo de
Cristo, na imagem do afresco estão um de cada lado e todos os outros personagens do
Crucifixo saem de cena. Mais importante: a cabeça de Cristo não está inclinada: o
Crucifixo de São Damião de Giotto também é um Cristhus triumphans. Não sabemos
precisar se Giotto teve contato com a imagem, que já estava na Basílica de Santa Clara.
Para Daniel Russo, a imagem do Cristo sob a cruz é uma imagem imediata
(1984, p. 649), que não demanda muitos conhecimentos específicos do observador e de
fácil reconhecimento. A altura em que se encontram os afrescos e a distância daquele
que os observa não parece ter facilitado a observação de características pequenas como
as que elencamos: diante de uma basílica repleta de imagens, as características dessa
pequena imagem eram diminuídas e, apesar do acúmulo de informações imagéticas aos
quais era submetido o observador, a presença do crucifixo por si bastava para dar pleno
funcionamento à figuração.
A cena do encontro de Francisco de Assis com o Crucifixo de São Damião não
foi muito reproduzida na iconografia franciscana: segundo levantamento realizado por
Scarpellini, encontramos registro apenas de uma imagem antes de Giotto, produzida por
um seguidor de Guido de Siena em 1270 (SCARPELLINI: 1982, p. 121), tratava-se de
um painel com Francisco no centro, rodeado por oito cenas de sua vida e sete anjos
(Fig. 3). Em contraponto, a figuração de Giotto, aqui Francisco está calçado e com o
hábito, as mãos em posição análoga; o Crucifixo não é o de São Damião, ao contrário, é
o Cristo mesmo quem está figurado e preso a uma Cruz, e um raio de luz liga as visões
de Francisco e de Cristo. Além disso, Francisco não está dentro de uma igreja, se não
fosse pela existência de uma outra cena que se refere à estigmatização, essa cena
poderia ser tomada como referência a esse momento.
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Fig. 3 – Seguidor de Guido da Siena – São Francisco, oito cenas de sua vida e sete anjos (detalhe) – c.
1270 – Pinacoteca de Siena.
O enquadramento proposto por Giotto, utilizando as linhas horizontais da Igreja
de São Damião, direcionam o olhar do observador, da esquerda, para a direita,
afunilando-o, primeiro em Francisco e, somando as linhas horizontais, o olhar de
Francisco e a sua posição de mãos, ao Cristo. (Fig. 4)
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A disposição das linhas e dos personagens segue uma intenção daquele que as
dispõe: Francisco, na lógica do ciclo de Assis se apresenta como já citado como um
alter christus, mas, além disso, direciona a Cristo.
Ao pensar um painel que trazia a imagem de Francisco no centro e ao redor
episódios de sua vida, Daniel Russo percebia dois níveis de apreciação possíveis a
imagem: imanência, ao direcionar o observador sob si própria e ao personagem em
destaque e, por outro lado, a um nível de transcendência, ao direcionar o observador às
cenas narrativas que legitimavam a imanência do personagem em destaque (RUSSO:
1996, p. 138). Percebemos os dois níveis de apreciação no afresco de Giotto, imanência
ao direcionar a visão e pensamento, em um primeiro momento ao santo que dá nome à
Basílica e, a partir da disposição deste e das linhas horizontais, um nível transcendental
ao Crucifixo, permitindo ao observador a experiência de Francisco, não por si, mas
guiado pelo santo na lógica flexível da imago medieval (SCHMITT: 1996).
Francisco e Cristo dividem e co-protagonizam a cena, o primeiro direcionando o
olhar sob o segundo e, por sua vez, este legitimando o primeiro. Lógica parecida é
aquela das imagens da Virgem com o Menino em que, em um primeiro momento Maria
ganha destaque e seus braços direcionam o olhar sobre o menino que está entre eles.
Não se trata de uma diminuição da importância da imagem do Cristo, mas um
preencher de sentido: num ciclo dedicado à vida de um santo, a visão última é Cristo,
mas que demanda necessariamente pelo passar de olhos sob o santo.
Angelita Visalli (2013, p. 99) insiste sobre o privilégio e exclusividade da
experiência de São Damião que pertence, em primeiro lugar, a Francisco. Roland Recht:
(1999, p. 103) considera que a centralidade da experiência visual da espiritualidade de
Francisco de Assis apurou a experiência imagética do período. Embora inalcançável ao
fiel, o discurso sobre a visão, potencialidade e local das imagens na vida de Francisco,
somado a potencialidade de percepção e sensibilidade aumentada pela naturalidade e
insistência no detalhamento das imagens (RECHT: 1999, p. 109-12) colaborou para a
construção do campo e pensamento sobre a imagem nestes espaços. Talvez, ouvir a voz
vinda do Crucifixo, não fosse possível, mas ver essa experiência, sim.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
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este pode ser chamado de “objeto de passagem”, o qual desperta reflexões sobre o
tempo. De acordo com o autor:
Aí, o museu transforma-se em lugar onde o tempo é visto, não como
reflexo, representação ou resgate do passado, mas como experiência
de múltiplas sensações e reflexões que se constituem a partir dos
objetos e sobretudo a partir do modo pelo qual os objetos estão
dispostos. Ver o tempo não significa ver o passado, mas visualizar na
materialidade do que é exibido a presença do tempo [...], passar pelo
objeto, imaginando, sentindo o que o objeto pode ter sido e por que foi
parar no museu, reformulando a separação entre ficção e realidade.
(RAMOS, 2004, p.151)
Deste modo, é necessário compreender o local onde a Locomotiva Baldwin 840
foi inserida. O MHL foi fundado em 1970, no porão do Colégio Hugo Simas, a antiga
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Em 1974 se tornou órgão suplementar da
UEL, dirigido por professores do Departamento de História. Em 1986 foi instalado no
prédio da segunda estação ferroviária de Londrina, localizado ao centro da cidade com
destacada arquitetura em comparação às de seu entorno. E, posteriormente como
Museu, visualiza-se um jardim com diferentes tipos de árvores, inclusive pés de café. O
Museu é um dos maiores núcleos de preservação da história local, em vista de seu
acervo.
O Museu funciona no edifício da antiga Estação Ferroviária. Esta iniciou seu
funcionamento em 1950 e em 1982 foi desativada. Deste modo, ainda permanecem
alguns elementos ferroviários como a bilheteria, onde eram comprados os bilhetes de
primeira e segunda classe, carimbados os bilhetes de volta, sendo também espaço para
fornecer informações. Em seu interior continua o piso avermelhado da Estação
Ferroviária. Na plataforma, local em que passageiros chegavam de viagem ou
esperavam para embarcar nos trens, encontra-se o sino cujo barulho emitido despertava
a atenção dos viajantes. Ainda, há exposição de fotografias representativas da formação
do aspecto ferroviário da região. Um dos cenários que compõem a exposição de longa
duração é o escritório da estação que ficava no segundo andar do prédio. Próxima à
plataforma está estacionado o objeto de estudo deste artigo, a Locomotiva Baldwin 840
e seu tender de abastecimento, engatados ao carro pagador e ao carro de passageiros.
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Sua exposição de longa duração foi inaugurada em 2000, e desde então não foi
reformulada. É compreendida por uma antesala e mais três salas. Nestas, encontram-se
principalmente objetos que revelam a periodização de 1929 ao final da década de
1970 216. O objetivo consiste em evidenciar algumas formas de trabalho desenvolvidas
neste espaço e tempo. Além desse há outro local dedicado a exposições temporárias, nas
quais são aprofundados os temas representados de maneira geral na de longa duração.
Então, são três salas em que se problematiza especificamente determinada temática.
Como exemplo, no ano passado, ocorreu a exposição denominada “Café e Ferrovia”.
Esta propunha reflexões sobre o cotidiano nas colônias das fazendas de café, o modo de
produção e de preparo do produto até ser transportado, e por meio de imagens do
fotógrafo Armínio Kaiser os descuidos com a terra, as erosões, as geadas e o êxodo
rural.
É possível comparar a suntuosidade do edifício do MHL com a citação de
Ramos (2004) quando menciona as características de monumentalidade do Museu do
Ceará, considerando-o uma “máquina de sedução” que leva a imaginação a tempos do
passado. Trata-se de um envolvimento entre o fascínio e a reflexão que resulta no
conhecimento sobre a própria historicidade de quem o observa. Segundo Ramos, “É a
partir dessa visão generosa e admirada que se pode pensar sobre as próprias razões do
edifício, perguntar-se sobre sua história, suas intenções originais... Indagar-se sobre os
usos da construção no decorrer do tempo.” (RAMOS, 2004, p.46)
Para Ramos (2004), o museu não se limita ao lugar de guardar e expor artefatos,
neste espaço ocorre “[...] a metamorfose dos objetos, em simbiose com o poder da
memória e a memória do poder, nas suas mais variadas manifestações.” (RAMOS,
2004, p.114) Segundo o autor, o próprio museu deve ser considerado como objeto de
exposição.
Ainda a respeito do processo curatorial para tornar o objeto musealizado,
segundo Marília Xavier Cury, “O objeto é adquirido, estudado, conservado,
documentado e comunicado.” (2005, p.14) Cabe à ação cultural educativa do Museu
potencializar a comunicação destes objetos com o visitante, por outro lado, os objetos
sempre comunicam algo ao visitante espontâneo dependendo de sua experiência de
vida. Para Meneses (1994), a exposição museológica possui caráter de convenção
216
Contudo, é importante ressaltar que também há objetos que indicam a presença de indígenas em
datação anterior a 1929.
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visual, em que a organização dos objetos visam produção de sentidos. E para Ramos
(2004), qualquer exposição possui um ato comunicativo, e quanto à ação educativa, “O
monitor não deve expor a exposição e sim provocar, nos visitantes, a vontade de ver
objetos.” (RAMOS, 2004, p.27). Deste modo, “Se aprendemos a ler palavras, é preciso
exercitar o ato de ler objetos, de observar a história que há na materialidade das coisas.”
(RAMOS, 2004, p.21)
De acordo com Cury, “O museu formula e comunica sentidos a partir do seu
acervo.” (2005, p.23). Além disso, considera-o como a única instituição responsável
pela preservação do objeto e comunicação de seus significados nos âmbitos cultural,
social e educacional a fim de construir valores patrimoniais. Para a autora,
[...] o museu propõe um processo de (re)significação do objeto que se
realiza no bojo da cultura material por meio da comunicação
museológica, processo consciente para os participantes que aceitam,
rejeitam, propõem, negociam o bem ressignificado. O próprio ato de
musealizar - retirada do circuito comercial e inserção no circuito
museal - é (re)significação cultural e é discutido com o público.
(CURY, 2005, p.14 e 15)
Ramos realiza uma crítica sobre a falta de reflexão sobre os objetos que nos
cercam no dia a dia, e se isso acontece cotidianamente, a percepção sobre os objetos
expostos no museu também fica limitada. Costume construído pela sociedade de
consumo que vê de maneira rápida o nascimento e a morte dos objetos, observando o
mundo ao ser redor apenas como uma vitrine, olhando-a desapercebidamente. Assim,
“As vitrines do museu não podem ficar submetidas aos padrões de visibilidade das
vitrines do comércio.” (RAMOS, 2004, p.76) Para o autor, é necessário pensar sobre o
próprio presente, sendo a única maneira de construir conhecimento sobre o passado. A
respeito de como lidar com o objeto exposto, segundo Santos:
Os museus procuraram criticar a fetichização dos objetos, como se
eles tivessem um significado único e mágico. Entretanto, ao se
afastarem da concepção que vê o objeto como objeto, ao tentarem
dessacralizá-lo, pois objetos não são portadores de uma verdade
contida neles próprios, muitas vezes os profissionais dos museus
foram vítimas de outro erro, já que transformaram os objetos em
simples mercadorias, um recipiente vazio, pronto a servir de exemplo
a qualquer interpretação ou representação da história. Uma atitude
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DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Editora Estampa, 1994, p. 19.
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Ver HUIZINGA, Johan. O outono na Idade Média. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.
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Escatologia: doutrina relativa ao destino ultimo do homem no universo. No Cristianismo, é a doutrina
do final dos tempos: Juízo Final, fim do mundo, Céu e Inferno. As expectativas e especulações sobre esse
fato explicam a imensa atenção medieval dada ao livro bíblico do Apocalipse, que profeticamente
descreve este momento.
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DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
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O manual dos inquisidores dominicanos destaca por definir o que Satã seria
capaz de fazer contra os homens. Dentre as grandes teses do Malleus Maleficarum, em
primeiro lugar consta a propriedade do Diabo em, com a permissão de Deus, provocar o
mal aos homens a fim de apropriar-se de suas almas. O imaginário deixa de ser abstrato
e se materializa; o Diabo é real e consistente a partir de seus agentes, não sendo fruto
meramente do ilusório.
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bruxaria se torna um alvo privilegiado, passando para o primeiro lugar dos interesses
inquisitoriais.
Os escritos de Kramer e Sprenger remetem a sua posição estabelecida enquanto
representantes da Igreja Católica e, portanto, indicadora da formação ideológica
predominante, transformando-se no apogeu ideológico e pragmático da Inquisição. Salta
aos olhos uma característica marcante do documento, seu caráter de massificação e
sistematização, que o torna um verdadeiro conjunto escolástico sobre feitiçaria.
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O teatro religioso mobilizava um numero importante de espectadores, enquanto os sermões difundiam
o medo desmesurado do Diabo, causando grande comoção na mentalidade popular, que atingindo
proporções significativas, foi proibido em um concilio em 1516.
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através do conflito existêncial dos sujeitos presentes no local das Usinas de Angra dos
Reis ,em 1987, numa representação da mesma época em que as Usinas estavam em
pleno funcionamento e foram ,gradativamente, desativadas devido as pressões
ambientalistas e aos antecdentes acidentais, aspectos contextuais implicitos nas letras
das músicas a seram anlisadas, no caso do videoclipe desta música esclarece
caracteristicas metafóricas da canção na qual reforçam o imaginario do medo nuclear
presente em Rosa de Hiroshima gravada 13 anos antes, em 1973.
A historia do imaginário tem por finalidade, analisar a maneira como as
sociedades pensava e compreendiam o mundo e o espaço social na qual vivem em
diversas temporalidades através de dialogos interdisciplinares com outras areas do
conhecimento, entre elas a sociologia; a antrpologia; a pscicologia e a literatura.
(PATLAGLEAN,1988). É importante lembrar que as imagens são utilizadas como
fontes para a pesquisa histórica desde dos séculos XV e XVI com as pinturas e
esculturas com a expansão da escrita , através da invenção da imprensa e,
principalmente, no século XIX com advento da fotografia e a ordenação das ciências,
entre elas a historiografia, e o quanto as imagens são importantes para ampliamento do
conhecimento histórico(BURKE,2004).
Nesse sentido, compreender o imaginário do medo nuclear da sociedade
Brasileira,entre 1950 a 2012, por meio das canções e fotografias, produtos de
diferentes momentos da história contemporênea do Brasil em que refletem os as
angustias e os temores sociais em contrapartida as necessidades das autoiridades
políticas em desenvolver o Brasil economico e tecnologicamente a partir da ótica dos
artistas e jornalistas, ambos possuem concepções e formas diferentes de retratar a
realidade sobre um objeto de pesquisa em comum, proposto neste artigo.
O governo brasileiro passou a investir em energia nuclear a partir de 1956, no
governo de Juscelino Kubitscheck com o plano de metas cujo um dos objetivos foi
investir nos setores base como automobilística, siderurgia, integração rodoviária e
energética. Neste período foram construídos apenas reatores nucleares experimentais
nas margens do rio Macamba, que divide os municípios de Campos e Angra dos Reis,
no estado do Rio de Janeiro. Somente em 1971 no auge da ditadura militar, com os
empréstimos contraídos do FMI o governo brasileiro resolve criar um plano de
desenvolvimento econômico no qual visava o crescimento do país, que não foi
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A canção foi elaborada por Geraldo Conrado a letra é uma adaptação do poema
de Vinicius de Moraes, composto em 1948. A música foi gravada e publicada em 1973,
no período da ditadura militar no governo de Emilio Garrastazu Médici, como forma de
protesto a política Brasileira de energia nuclear com a construção das usinas de Angra I
e II ao fazer alusão aos impactos das bombas nucleares lançadas pelos Estados Unidos
nas cidade de Hiroshima, quando a guerra estava praticamente vencida pelos aliados em
1945.
A música chama atenção pela apropriação de um poema feito, num intervalo de
28 anos (1945-1973) período que o mundo passava por um profundo processo de
restruturação e surge um sentimento de insegurança e de uma possível “terceira guerra
mundial” quando se fala da utilização da energia atômica como meio de energia
alternativa em contrapartida do discurso sobre os benefícios deste tipo de energia, que
não podemos negar os seus benefícios na medicina, por exemplo, nas áreas da medicina;
radioterapia, exames radiológicos entre outros fins (ALMEIDA; NASCIMENTO;
SOPRESO, 2007).
Outros aspectos na estrutura da música são interessantes para a compreensão
desta canção, como a melodia do vocalista Ney Matogrosso de voz aguda , que remete
a melancolia pelos mortos pelo ataque nuclear a cidades japonesas de Hiroshima e
Nagazaki , a guerra do Vietnã (HOBSBAWM,2007), esta guerra ocorriam quando a
canção foi elaborada e publicada, e também é uma crítica implícita as mortes
promovidas pelos regime militar no auge da repressão, reforçados pela melodia da
flauta e a base de violão que denotam um sentimento de saudade dos que se foram de
frente a uma situação de tragédias impactantes que acontecidas no passado e no presente
contexto de produção musical da banda Secos e Molhados.
Rosa de Hiroshima é uma canção de protesto que busca no passado uma resposta
ao presente através da apropriação de um texto literário musicalizado por Secos e
Molhados de forma que o poema musicalizado tornou – se dialético ao questionar as
guerras, em suas dimensões, por seu teor lírico e intimista.
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Fonte 3: Legião Urbana - Angra dos Reis (Renato Russo e Marcelo Bonfá)
Deixa, se fosse sempre assim
Quente, deita aqui perto de mim
Tem dias, que tudo está em paz
E agora os dias são iguais..
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Quando as estrelas
Começarem a cair Me diz, me diz
Pr'onde é Que a gente vai fugir?
225
Ver videoclipe: Legião Urbana-Angra dos Reis. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=khcbLyNStqo >Acesso em 15. Jul. 2012.
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Conferencias relacionadas ao meio ambiente, ver página do Greenpeace. Disponível em :
<http://www.greenpeace.org.br/clima/pdf/protocolo_kyoto.pdf >Acesso em 04 de Jan.2013
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< http://diariodovale.uol.com.br/noticias/0,53599,Protesto-contra-usinas-nucleares-acontecera-
em-Angra.html#axzz29JKQPlIV > Acesso em 13 Out. 2012.
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Ver Diário do Vale do Rio Paraiba on Line. Disponível em
<http://diariodovale.uol.com.br/noticias/0,53599,Protesto-contra-usinas-nucleares-acontecera-em-
Angra.html#axzz29JKQPlIV > Acesso em 13 Out 2012.
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REFERENCIAS
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Núcleo de Estudos de Ciências Sociais da UFRJ, 2007.Disponível em:
<www.necso.ufrj.br/esocite2008/trabalhos/36351.doc > Acesso em 12 Dez 2015.
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RÉCIO, João C. A. A Saga Das Emergências Nucleares e Radiológicas No Brasil
Comissão Nacional de Energia Nuclear do Rio de Janeiro: (não consta ano). Disponível
em: <https://www.ipen.br/biblioteca/cd/inac/1999/PDF/CG12AR.PDF> acesso em 02
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BENATTE, Antônio Paulo. História e Antropologia no campo da Nova História.
Disponível em:
<http://ri.uepg.br:8080/riuepg/bitstream/handle/123456789/523/ARTIGO_HistoriaAntr
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BURKE, Peter. O testemunho das imagens. In: Testemunha ocular: História e
imagem.Bauru, Edusc, 2004.
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Introdução
Ao pensarmos em conceitos como cultura e identidade, nos deparamos com
paradigmas que compõem um amplo horizonte teórico que passam a integrar o campo
historiográfico a partir das décadas de 1970 e 1980. Nesse contexto, vemos o
surgimento da Nova História Cultural e sua aproximação com outras áreas do saber, tais
como a Antropologia e a Sociologia, assim como novos métodos e fontes dos quais o
historiador poderá utilizar em seu ofício como identificado por Peter Burke: “Certas
teorias culturais fizeram com que os historiadores tomassem consciência de problemas
novos ou até então ignorados, e, ao mesmo tempo, criassem por sua vez novos
problemas que lhes são próprios.” (BURKE, 2005, p.70). O presente trabalho insere-se
dentro desses novos paradigmas, uma vez que, ao se definir como objeto dessa pesquisa
o grupo étnico ucraniano alocado em uma colônia na região centro sul do Estado do
Paraná, durante o processo imigratório ocorrido no Brasil nos finais do século XIX e
início do XX, temos a introdução de uma cultura em um novo espaço social.
Dentre os aspectos que compõem a questão cultural, destacamos a religião de
tais imigrantes como um fator essencial à nossa pesquisa, cujo objetivo principal reside
na análise da religiosidade dessa comunidade inserida onde hoje situa-se o município de
Mallet, entre os anos de 1897 a 2007, e como a partir desta e de seus ritos e
representações, os imigrantes ucranianos irão construir sua identidade nesse novo
mundo.
Os ucranianos são um grupo étnico eslavo oriundos da região da Galícia
localizada na porção ocidental da atual Ucrânia. O processo de migração de tal grupo
para o Brasil, ocorre em três períodos, os quais respectivamente abrangem os finais de
século XIX, o período entre guerras e após a Segunda Guerra Mundial com o maior
número de imigrantes como mostra Oksana Boruszenko. (BORUSZENKO, 1969) Tais
imigrantes foram alocados em diversas colônias, situadas majoritariamente nas regiões
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centro-sul do Paraná e ao norte de Santa Catarina, ali fixaram suas moradias e voltaram-
se ao trabalho no campo. Dentre tais colônias, destacamos a Colônia 5 situada nas
proximidades de Rio Claro, onde posteriormente em 1912 se tornaria o município de
Mallet. Vale ressaltar que, junto com os imigrantes, a igreja católica ucraniana de rito
bizantino veio se fixar em tais colônias como uma espécie de auxílio à comunidade.
Esta deu um apoio especial na manutenção das tradições culturais desta população
(BORUSZENKO, 1969). Ao dialogarmos com a identidade deste povo, iremos ressaltar
os conflitos existentes entre os ucranianos e os poloneses, outro grupo de imigrantes
fixados anteriormente nas mesmas localidades, assim discute-se a questão da alteridade
e a construção de fronteiras de identidade, as quais a religiosidade exercerá grande
influência.
Justifica-se a escolha do campo religioso ucraniano como o objeto desse estudo
devido à presença que tal rito tem na região centro sul do Paraná e como marcou
historicamente os costumes e tradições da etnia ucraíno-brasileira, como afirma Paulo
Renato Guérios:
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Com relação aos ritos propriamente ditos, nossa análise será delimitada no
estudo e observação das celebrações de páscoa e de natal, assim como um debate sobre
os rituais funerários. Propomos esses aspectos em nossa pesquisa pois, eles assumem
um caráter particular relacionado à identidade do grupo, assim como, expressam uma
maior visibilidade no contexto social onde inserem-se. Além do mais, são compostos de
uma grande quantidade de bens simbólicos próprios do rito ucraniano, através da análise
destes, podemos compreender melhor as representações coletivas que compõem o grupo
a ser pesquisado. Nesse aspecto, justificamos nosso recorte temporal de 1897 a 2007,
devido à necessidade de analisar ressignificações que tais ritos, mas sobretudo,
representações e práticas sofreram dentro deste eixo temporal.
O debate historiográfico em que o tema está envolto toma características mais
relacionadas à uma percepção econômica e materialista em torno da História – nas obras
mais clássicas – assim como há uma perspectiva voltada à história social principalmente
no que se refere aos debates entorno de imigração e população. Somente nas obras mais
recentes vemos uma abordagem preocupada com o cultural, identidades e
representações no que tange a população ucraniana. Assim, dentro desta nova
perspectiva histórica, vemos a análise dos novos objetos e métodos mencionados no
início deste capítulo, mesmo assim, os trabalhos voltados à religiosidade e aos ritos
propriamente ditos ainda são escassos, no que tange ao locus desta pesquisa os trabalhos
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ainda são ausentes, embora aja um grande número que delimitam o município de
Prudentópolis como foco de análise.
Religiosidade e representações
Assim, nossa escolha sobre a temática desta pesquisa deve-se em especial, nos aspectos
da continuidade e ressignificações dos bens simbólicos ligados ao rito católico-
ucraniano e como este, ainda se faz presente nas comunidades ucranianas.
Vale ressaltar que este trabalho volta seu olhar a um aspecto ainda pouco
explorado pela historiografia. Como já ressaltamos, as abordagens sobre este tema
através da visão cultural vêm ganhando espaço somente recentemente. Além disso, o
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espaço da colônia de Rio Claro (Mallet) ainda foi pouco explorado, uma vez que, a
maioria dos trabalhos tem seu foco dirigido a Prudentópolis.
Pretendemos com esse trabalho, colaborar, assim como tentar fomentar o debate
acerca de tais grupos étnicos por um viés cultural. Aqui em especial analisando questões
referentes à religiosidade.
Para discutirmos as concepções metodológicas deste estudo, primeiramente
partimos de uma definição geral sobre o que é a História. Compreende-se portanto a
História, através do conceito proposto por Marc Bloch como sendo a “ciência que
estuda os homens no tempo” (BLOCH, 2001, p.55) pois, dialogamos constantemente
com as ações humanas em determinados espaços, situados em tempos distintos. Para
ressaltarmos ainda mais, a questão temporal se faz presente através da formulação do
problema, como já dito por Lucien Febvre: “Sem problema não há história” (FEBVRE
apud BARROS, 2011), o lugar onde os problemas são formulados seria o tempo
presente. Com isso, compreendemos a História como esse fluxo das ações humanas no
espaço e no tempo que chegam até nós através das fontes e, a partir delas, formulamos
nossa problemática.
Dentro de toda a concepção desse campo de saber chamado História, nos
situamos no domínio da História Cultural, segundo Roger Chartier: “A história cultural,
tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a
ler.” (CHARTIER, 2002, p.17). Pretende-se com isso dirigir o nosso olhar para o
imaginário social, as práticas e representações pelas quais determinado grupo constrói o
seu real e sua identidade, tal abordagem será efetuada no âmbito do campo religioso e
para isso utilizaremos o conceito de representação. Assim, segundo Wander de Lara
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(...) as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma
maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e
uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objectivadas graças às
quais uns ‘representantes’ (instâncias colectivas ou pessoas singulares)
marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da
comunidade. (CHARTIER, 2002, p.23)
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reflexão crítica sobre tal domínio, reconhecendo assim que uma definição política de
região congrega em si uma série de silêncios e exclusões. Conceituamos nossa
abordagem através das palavras de José D`Assunção Barros:
Com relação às nossas fontes utilizadas nessa pesquisa, escolhemos dois relatos
de imigrantes que residiram na colônia de Rio Claro. O primeiro relato é uma carta
escrita por Teodoro Pototskei, destinada à direção de um jornal de imigrantes
ucranianos no Estados Unidos chamado “Svoboda”. Consta na fonte que no início das
colônias era comum a correspondência entre grupos de imigrantes no Brasil e na
América do Norte, assim como correspondências destinadas a região da Galícia. A fonte
foi produzida em setembro de 1897 na colônia de Rio Claro, dentre o contexto de sua
produção destacamos a presença das salas de leitura, chamadas pelos imigrantes de
“tchetalhny”. Tais salas, como aponta Andreazza (2011), seriam um costume trazidos da
Galícia onde o clero atuava na alfabetização dos camponeses. As salas como são
retratadas na fonte, ficavam em um anexo da igreja. Essa fonte foi escolhida
especialmente pela descrição que faz do cotidiano do imigrante recém chegado à
colônia mas, sobretudo, por ressaltar a importância da religiosidade para o grupo.
Ressalta-se expressivamente como a comunidade ucraniana mobilizou-se para a
construção de seu templo, e como a influência do padre Nikon era exercida sobre o
grupo. Outra questão importante refere-se à construção da identidade e alteridade pois,
como já citamos, os imigrantes poloneses já estavam presentes nessa colônia e
contavam com um sacerdote e uma capela, entretanto, a comunidade ucraniana tem
como por necessidade estabelecer o seu próprio campo religioso assim, nas palavras de
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Teodoro Pototskei: “Muitos de nós, nem pensávamos em ver uma igreja de rito
ucraniano no Brasil e ouvir a liturgia ucraniana...”. A carta fora publicada
posteriormente no jornal dos seminaristas basilianos, intitulado Tzvirkun - “O Grilo”.
A segunda fonte a ser utilizada é um relato de um outro imigrante que se
estabeleceu na colônia de Rio Claro, seu nome é Ivan Pasevich. Esse depoimento foi
publicado inicialmente no jornal Pracia, de Prudentópolis em 12 de Dezembro de 1951.
É composto de uma memória sobre a vinda deste imigrante e sua família para o Brasil e
de como ocorreu seu estabelecimento na colônia. O que nos interessa nesse relato é a
descrição que Pasevich faz do cotidiano de sua família nos primeiros anos em que
estavam na colônia, mas especialmente, quando diz:
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Como podemos ver, tal relato expressa também palavras referentes às práticas culturais
de tais imigrantes relacionadas aos rituais natalinos, os quais são objeto de análise nesta
pesquisa.
Em ambos os relatos, observamos um tom pejorativo frente ao imigrante
polonês, uma necessidade de ressaltar as diferenças entre “eles” e “nós”. Nessa questão
optamos pelo uso do conceito de representação pois, ao emprega-lo, Chartier irá
explicar que ele nós possibilita visualizar a construção de uma realidade de um grupo;
perceber como as ressignificações simbólicas são realizadas por meio da prática.
Aspecto este já apresentado, tal conceito aproxima-se muito do habitus de Bourdieu, a
afirmação da identidade frente ao outro grupo pode nos revelar os esquemas de
percepções e comportamentos produzidos pelos agentes através de uma estrutura
histórica. Tais agentes aqui são figurados pelos sacerdotes e pela própria instituição
religiosa que reforçariam o habitus seja por meio da criação de salas de leitura, o que os
diferenciava dos poloneses através de uma espécie de capital simbólico relacionado à
educação; seja pelo discurso do casamento endogâmico, relacionando somente entre as
pessoas do próprio grupo ucraniano; seja pelo apego ao rito propriamente dito, ficando
evidente nos relatos a importância destas práticas religiosas na vida moral dos
imigrantes.
Uma terceira fonte a ser utilizada, consiste na produção de uma fonte oral,
através da entrevista com o atual diácono da paróquia Sagrado Coração de Jesus, o Sr.
João Basniak. Justifica-se essa opção, pois a pessoa em questão, atua a vários anos
dentro do campo religioso. Pretende-se com essa entrevista, identificar aspectos da
religiosidade que sofreram ressignificação e como as representações presentes no campo
religioso atual dialogam com a identidade do grupo.
Considerações Finais
Tendo apresentado esta primeira etapa de nossa pesquisa, ressaltamos que ainda
nos resta realizar uma abordagem através da história oral para analisarmos as memórias
dos descendentes desses imigrantes objetivando identificar em sua vivência religiosa
elementos que contribuam para nossa hipótese inicial. Certamente não pretendemos
levantar nenhuma concepção totalizante, do ponto de vista da religiosidade, de que o
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e imigrantes. In: NOVAIS, Fernando A (coord.). História da Vida Privada no Brasil –
Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
ANDREAZZA, Maria Luiza. Ecos do populismo do leste europeu em colônia de
imigrante. Disponível em: <
http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/viewFile/2430/2211> Acesso em: 25
de Outubro de 2014 às 17:00
______. O Paraíso das Delícias: um estudo da imigração ucraniana –1895-1995.
Curitiba. Aos Quatro Ventos, 1999.
BARROS, José D`Assunção. Teoria da História volume 1. Princípios e conceitos
fundamentais. Petrópolis. Editora Vozes Ltda, 2011.
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A cultura japonesa tem consagrado valores fundamentais, por sua vez, capazes de
explicar a construção de sentidos de sua tradição e pertencimento. Pátria, família e trabalho
compõem o amálgama desta cultura. O sentido de "pátria" está ligado ao nacionalismo do povo
japonês: cada cidadão é parte de um povo, de uma nação. A sua vida só tem razão de ser quando
está ligado aos destinos da pátria. O perfil básico do modelo ideal de japonês foi forjado na era
Meiji para a construção da nação moderna e reforçado ao longo dos anos 1930, com forte ênfase
na lealdade ao Imperador, visando à mobilização da nação para a expansão ultramarina. O preço
deste processo foi à repressão ao individualismo, a perda de comunidades tradicionais e do
particularismo.
O conceito de família é decorrente do primeiro valor: a pátria só será permanente
através da família. Este conceito milenar atravessa a história do povo japonês por meio dos clãs,
base da pátria. Na família japonesa, cada pessoa tem um papel determinado, e nas demais
famílias e na sociedade reside à expectativa que cada um cumpra seu papel.
O trabalho é o terceiro valor cultural e liga os dois primeiros valores - pátria e família.
Se a família é que vai garantir a perenidade da pátria, o trabalho é o que sustentará
economicamente a família. Este caráter simbólico permite compreender a construção da
configuração familiar japonesa, o sentido de pertencimento, responsável pela integração do
indivíduo e representação simbólica de cada membro.
*
doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná, bolsista pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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230
VIEIRA, Francisca Isabel Schurig. O Japonês na frente de expansão paulista. O Processo de absorção
do japonês em Marília, São Paulo. São Paulo: EDUSP/Pioneira, 1973. p. 113.
231
BEILLEVAIRE, Patrick. “O Japão, uma sociedade do lar”, p. 189-224, p. 204. In: BURGUÈRE,
André (org.). História da família, v.2. Lisboa: Terramar, 1997.
232
De forma bastante simples podemos traduzir como “casa”.
233
VIEIRA, Francisca Isabel Schurig, O Japonês na frente de expansão paulista. O Processo de absorção
do japonês em Marília. op. cit. p.116.
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hereditária alternativa frequente no Japão. Neste caso, a escolha recaía, em geral, em um adulto
jovem, que renunciava à sua origem e nome para identificar-se com a casa adotiva e a sua
proveniência. Geralmente a adoção era consolidada com o casamento de uma filha com o
indivíduo.
O culto aos antepassados limitava-se aos falecidos mais recentes e por meio da
inscrição de um nome póstumo no ihai (pedaço de madeira com a inscrição do nome, colocado
sobre o altar (butsudan)) para serem recordados na casa. A cerimônia do Bon, comemorado em
meados de agosto, é o culto de veneração por todos os mortos do iê, as almas errantes e os
anciãos, considerados antepassados vivos 234. O-Bon (O-bon お盆 ou simplesmente Bon 盆,) é
um festival de tradição budista, típico do verão, realizado sempre após o pôr do sol. Segundo a
crença, quando se comemora o Obon, os espíritos dos antepassados retornam a este mundo, a
fim de reencontrar seus familiares. Durante o Obon celebram-se as almas dos antepassados com
danças em grupo (bon odori), lanternas (mukaebi) acesas são penduradas em frente das casas
para guiar os espíritos, túmulos são visitados e oferendas de alimentos são feitas nos altares
domésticos e nos templos. São tocadas músicas tradicionais alegres e impera um clima de
jovialidade, gratidão e participação geral. No encerramento, lanternas flutuantes são colocadas
em rios, lagos e mares para que possam guiar as almas de volta ao mundo espiritual. Contudo,
tais celebrações variam, fortemente, de região para região. Os festejos são uma oportunidade
para o reencontro de famílias, de retorno aos lugares de origem.
A família japonesa abarca valores da cultura de origem, que perpassam o
conjunto das relações sociais, e são reinterpretados por cada indivíduo nas vivências
cotidianas. A honra, a lealdade (giri) para com o Imperador e a família ou com o
superior, o sentimento de dívida impagável (on) em relação aos pais, o respeito aos mais
velhos, a perseverança, o gambarê são representações de comportamentos orientados
pelos códigos da cultura nipônica.
O código de respeito e lealdade assume um caráter de obrigação individual e o seu
desrespeito caracteriza a perda da honra, ou seja, da posição que ocupa na rede de relações. De
um lado, o sujeito portador da obrigação e encarregado da retribuição dos débitos para com os
superiores, de outro, os credores, a quem se deve respeito, amor e lealdade. O pagamento do on
a um superior representa a objetivação da virtude que simboliza a gratidão pelo crédito
234
OKAMOTO, Mary Yoko. “Dekassegui e família: encontros e desencontros.” Tese de Doutorado
(PUC-SP). São Paulo, 2007, p. 52.
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recebido 235. Obrigação, gratidão e devoção é o sentido do on para com o Imperador. Fidelidade
e devoção dos filhos em relação aos pais são sinônimo do afeto do on recebido, do
reconhecimento do empenho e sacrifício dos pais, e a retribuição deste débito é o amor filial.
Uma forma concreta do pagamento do on está na educação dos descendentes, de modo que ela
seja igual ou, melhor daquela recebida 236.
235
BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. Padrões da cultura japonesa. op. cit. p.88.
236
Idem. p.89.
237
Entrevista inédita com Michiko Sugahara, realizada em 18 de abril
de 1985, em Uraí, cedida pela professora Dra. Evandir Codato.
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Nos primeiros anos não existia motivo para o brasileiro se juntar ao grupo
japonês por meio da associação. A associação, além de relembrar nossa
cultura, nos aproxima, nos protege, nos dá segurança. Por exemplo: como
um brasileiro poderia entender a ajuda financeira para a família de um
membro que viesse a morrer? Não tinha sentido! 239.
Não existe nada que proíba que indivíduos que não tenham nenhuma relação
com os japoneses frequentem a associação, criou-se até uma lista telefônica
própria, onde estão registrados nomes de alguns brasileiros. Não é uma
regra, mas na maior parte das vezes os brasileiros que fazem parte da
associação são casados com japoneses 240.
238
Segundo os estatutos das associações não está vedada a
participação de brasileiros, mas existe um padrão de exclusão que, em
várias ocasiões, é expresso verbalmente. Por outro lado, o uso da
língua japonesa, os padrões de comportamento e os símbolos
particulares, afastam qualquer indivíduo que não for japonês.
239
Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 21 de maio
de 2009, duração de 1 hora e 30 minutos.
240
Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 21 de maio de 2009, duração de 1hora e 30
minutos.
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A preferência pelo primogênito de sexo masculino ocorreu na maior parte das famílias
dos indivíduos entrevistados. A exceção ocorria quando o primogênito estava impossibilitado de
assumir a direção familiar. Neste sentido, ficava a cargo do patriarca, ou da própria família, a
escolha de outro filho, e até mesmo a escolha de um indivíduo de fora da família, no caso, um
genro.
A maioria dos japoneses e nipo-brasileiros entrevistados manifestou aprovação da
primogenitura na sucessão, alegando que os pais estavam observando a tradição nipônica. Os
não primogênitos consideram ser legítimo este princípio de sucessão em função da experiência
acumulada pelos mais velhos no trabalho ao lado dos pais. Pesa sobre esta argumentação o fato
de a família ser um conjunto, o trabalho ser coletivo, e a união, portanto, era um requisito. Vale
lembrar que, mesmo no Japão, a partir de 1947, o Código Civil reconhece iguais direitos a todos
os filhos, independentemente de sexo ou idade. Contudo, as antigas práticas de sucessão
familiar estavam cristalizadas na colônia, indicando o longo percurso rumo às mudanças 241.
Constatamos corrente a prática do chonan nas famílias, alguns casos com sucesso,
outros nem tanto. A exceção foi observada na família de uma entrevistada de terceira geração –
Sra. A.P.M.W. - de 28 anos, mestiça, psicóloga, casada com brasileiro, servidora municipal. Ela
afirma que sua família era proprietária de muitos bens e após a morte do patriarca, cuja prole era
de três filhos, os bens foram divididos igualmente entre os descendentes. Externa, também, que
o modelo de sucessão e o culto aos antepassados foram suprimidos após a morte do avô.
241
CARDOSO, Ruth Corrêa Leite. Estrutura familiar e mobilidade social: estudo dos japoneses no
Estado de São Paulo. op. cit. p. 84.
242
Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 16 de junho de 2009, duração de 55 minutos.
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Ainda que não houvesse ocorrido o chonan na família, a Sra. A.P.M.W. salienta que o
avô manifestara preferência pelo filho mais velho. Enfatiza que o avô proporcionou condições
de estudo aos filhos e, embora, seu pai tivesse concluído o curso de agronomia, optara pela
propriedade de um bar na cidade, em detrimento do exercício da profissão de nível superior.
Quando interrogada sobre a família e a sucessão familiar, a entrevistada responde:
Meu pai estudou agronomia, uma das melhores faculdades do Paraná. Meu
avô tinha terras, casas na cidade e dinheiro guardado, mas meu pai não era
bom para cuidar dessas coisas. Meu pai era o filho mais velho, pela tradição
o escolhido para continuar com os bens da família, mas ele sempre bebeu.
Deve ser por isso que meu pai não aumentou o patrimônio que meu avô
deixou. Ele nunca exerceu a função de agrônomo, enquanto meu avô tinha
dinheiro ele nem trabalhava, agora tem um bar, faz o que gosta 243.
Meu pai até tentou passar os bens e a administração dos negócios da família
para meus dois irmãos, mas não deu certo. Meu pai, hoje com 91 anos, é
muito mandão, não admite perder o controle da família. Ele queria um
sucessor submisso a sua autoridade. Com meus irmãos não deu certo. Já no
meu caso, por eu ser mulher e ser casada com brasileiro, ficou mais fácil.
Então hoje, nós, eu e meu marido, cuidamos das fazendas da família, mas
meu pai está por dentro de todos os negócios, a sua palavra é sempre a
última 244.
O episódio envolvendo a Sra. I.I.R. não caracteriza o mukoyoshi, pois o marido não
era japonês, sequer descendente, nem adotou o sobrenome da família da mulher. Há que
observarem-se as restrições a esta prática no Brasil, em função de dispositivos do Código Civil
243
Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 16 de junho de 2009, duração de 55 minutos.
244
Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 16 de junho de 2009, duração de 1hora e 45
minutos.
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245
WAWZYNIAK, Sidinalva Maria. A “colônia” como representação: imigração japonesa no Brasil. In:
Cem anos da imigração japonesa: história, memória e arte. São Paulo: Editora UNESP, 2008. p.172-173.
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Quando questionado sobre a atitude dos filhos em relação aos seus antepassados o
senhor J.T.T. demonstra preocupação, e não esconde a felicidade em ter os filhos cultuando e
vivendo a cultura assim como fazia. Fica claro que o princípio norteador do grupo ainda
permanece importante para o mesmo. Quando questionado sobre o culto aos antepassados diz:
246
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 103-133.
247
Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 16 de junho
de 2009, duração de 55 minutos.
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Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 16 de junho
de 2009, duração de 55 minutos.
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Passei para meu filho mais velho, o L. e ensinei que a família é importante e
que nunca deve ser esquecida, mesmo aquele que nunca viu. O parente é
aquele que está pronto pra te ajudar. Não sei se ele pensa assim, acho que
não. O altar budista, ele disse que não tem onde colocar, ele não mora aqui,
mora em Londrina, o apartamento não é grande. Então não sei, enquanto tiver
vivo eu cuido, depois.... 249
Neste sentido, buscamos por meio das entrevistas frisar a importância do grupo para a
organização social dos japoneses de Uraí.
5- Considerações finais
249
Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 16 de junho de 2009, duração de 55 minutos.
250
Entrevista concedida a José Junio da Silva em Uraí em 16 de junho de 2009, duração de 55 minutos.
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mais agrupar somente indivíduos do grupo, ainda existe a união, tendo em vista que grande
parte daqueles que procuram a associação, estão direta ou indiretamente ligados ao grupo
japonês.
A família é o principal grupo difusor da cultura, bem como instituição de produção e
reprodução da cultura geral. Nela percebemos a base para a produção da cultura. O que chama a
atenção é a grande hierarquização nos lares dessas famílias. O papel de cada membro está
definido, sendo essencial sua execução para o bem de todos. Quando alguma eventualidade
venha acontecer que abale ou interrompa a estrutura hierárquica vigente, atitudes são tomadas
com o objetivo de restaurar a ordem e mais uma vez a organização do grupo.
O culto aos antepassados foi percebido como um mecanismo de preservação dos laços
do grupo. A tradição e a solidariedade também foram destacadas pelos entrevistados. De forma
ampla percebemos novamente relações de coletividade.
REFERÊNCIAS
BEILLEVAIRE, Patrick. “O Japão, uma sociedade do lar”, p. 189-224, p. 204. In:
BURGUÈRE, André (org.). História da família, v.2. Lisboa: Terramar, 1997.
BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. Padrões da cultura japonesa. São Paulo:
Perspectiva, 1997.
CARDOSO, Ruth Corrêa Leite. ESTRUTURA FAMILIAR E MOBILIDADE SOCIAL: ESTUDO DOS
JAPONESES NO ESTADO DE SÃO PAULO. Tradução para japonês de Masato Ninomiya. São
Paulo: Primus - Comunicação, 1995.
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
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Apresentação
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ser desenhado com o fim do Mandato Britânico na Palestina (1922 – 1945). Conforme
André Gattaz, (2003 p.77) “Em outro front, os sionistas buscavam obter apoio do
governo norte-americano, uma vez que os interesses britânicos e sionistas pareciam
começar a divergir. Não coincidentemente, a liderança sionistas escolheu a cidade de
Nova York para tornar pública suas novas políticas”. Nem sempre foi uma relação tão
intensa, pois, com o fim do Mandato dos britânicos sobre a Palestina, os sionistas
encontraram uma nova aliança, que após alguns anos, se tornava lucrativa. Ou seja, os
sionistas viram nos Estados Unidos uma influência muito maior que o Império Britânico
proporcionava (GATTAZ, 2003, p.77).
A segunda causa marcante para a viagem de Sacco aos territórios ocupados é sua
formação em jornalismo, e possivelmente, daí que surge de forma mais intensa a
necessidade “biológica”. Inserido dentro do campo jornalístico, e tendo aprendido os
métodos, técnicas e teorias que abarcam seu campo de formação, abre um leque de
possibilidades e de questionamentos que permeiam o conflito. No entanto, não podemos
levantar a hipótese de que tais questionamentos são inatos somente a sua formação
jornalística, ou somente por meio da leitura de periódicos que tinha à sua disposição.
Tentaremos observar também a possibilidade de leitura de Edward Said e Noam
Chomsky que possam ter influenciado Sacco em seu interesse à causa palestina. Não
podemos afirmar ou apontar os trabalhos exatos que o jornalista possa ter contato com
estes dois autores, não obstante, buscaremos compreender a essência de ambos para
entendermos as apropriações realizadas por Sacco.
A escolha por Chomsky e Said devem ser apresentadas. Segundo o jornalista e
professor de Comunicação Social da PUC/SP José Arbex Jr., no prefácio de Palestina, -
resultado da viagem de Sacco para a Palestina – comenta que Sacco é leitor de
Chomsky, que, após o ataque de Israel, comandadas por Ariel Sharon, ao Líbano em
1981, seu interesse se tornou indignação após a morte de mais de cinco mil palestinos.
Deste evento, ainda, segundo Arbex, também surge a suspeita de Sacco sobre a
cobertura midiática sobre o conflito (SACCO, 2011 p.xii).
Já Edward Said, palestino, professor de linguística e defensor da
autodeterminação palestina, é citada pelo próprio Sacco em seu trabalho. Ao contrário
de Chomsky, a influência de Said se torna um pouco mais fácil de se deduzir, visto que
o jornalista cita sua obra preferida, A questão da Palestina, e, auto desenha-se lendo-o
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discussão sobre a partilha. Seu contexto de produção está intimamente ligada à Primeira
Intifada palestina. Conforme Mustafá Yazbek (1995, p.51):
A partir de 1987 um levante popular – a Intifada – ou ‘revolta das pedras’
atormentaria a vida dos soldados israelenses nos territórios ocupados e se
transformaria em importante passo político na luta palestina. De início
adolescentes, e depois civis de todas as idades, armados apenas com paus e
pedras, passaram a atacar os soldados das tropas de ocupação, a qualquer
hora, sob qualquer pretexto.
O recorte temporal que dispensa atenção para nossa análise é a denominada
Intifada Palestina de 1987. A Intifada foi um levante de caráter popular dentro dos
territórios ocupados por Israel após a guerra de 1967. A revolta popular começou,
especificamente, em Gaza e Cisjordânia, e posteriormente estendendo-se para os outros
territórios. Um fato marcante na Intifada foi a grande atuação da população civil
desarmada contra os soldados israelenses. Tal ação gerou uma reação com grandes
consequências, pois, na tentativa de “esfriar” os ânimos da população palestina, uma
forte repressão pelas Forças de Defesa de Israel foram deferidas contra várias aldeias
palestinas.
Se, conforme o jornalista e professor Arbex ao afirma que desde 1981, Sacco já
demonstra interesse pelo assunto, 1987 foi então o ano decisivo para sua viagem.
Decisivo, pois, após o ataque ao Líbano em 1981, a Intifada é um grande momento
histórico, e possivelmente, um grande “furo” jornalístico a ser coberto. Outro fator que
pode ter facilitado sua ida a Palestina em 1991, é a proximidade de se viajar da
Alemanha (local no qual se encontrava no final da década de 1980) para o Oriente
Médio. Sacco aponta seu leitor a todo momento ao pequeno orçamento que dispunha
para viajar, portanto, será que a proximidade, e a possibilidade dos custos de viagem
serem muito mais baixos para viajar da Alemanha para o Cairo, do que dos Estados
Unidos ao Cairo, não influenciaram sua viajem?
Conforme figura 1, podemos observar que o tempo de viagem não parece ser tão
cansativa, ou custosa demais para Sacco. Neste caso, estamos observando a viagem
aérea, a que poderia dispensar maiores gastos. No entanto, se observarmos, nada
impediria que ele viajasse por meio de trem ou outro transporte público, visto que, de
Berlim (local supostamente ao qual Sacco poderia estar) até a Grécia, a viajem poderia
ser feita de trem. Não podemos esquecer, que estamos a pensar em países que são
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Pensando por esta lógica, podemos nos perguntar se a viagem foi realmente
programada, ou se tornou uma grande oportunidade para se realizar um bom trabalho
jornalístico. Não queremos aqui em nenhum momento desmerecer o conjunto da obra
em si, mas, se a Intifada começa a se desenhar nos dias finais de dezembro de 1987,
porquê Sacco só chega em Palestina quase três anos depois? Outra questão interessante
a se levantar, por qual motivo resolve sair da Palestina e ir cobrir logo em seguida o
conflito na Bósnia ao invés de iniciar a projeção e os desenhos que resultariam em
Palestine? – visto que tal situação só começa a ser desenvolvida no final de 1992 e só
termina em 1996. São questões que estão fora de nosso alcance neste momento para
serem respondidas. No entanto, sendo um trabalho independente, sem patrocínio ou
cobertura de custos algum para sua viagem, sem um cronograma definido ou um
programa bem estabelecido dos locais a serem visitados, o interesse que começa em
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1981, se torna uma possível realidade de ser observada de perto, ou seja, pela boa
localização geográfica que se encontrava no momento.
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II
Outra questão que não podemos deixar de discutir é a recepção, ou a mudança
dela, para Sacco. Recepção desta mídia criadora de consensos. Ao partirmos do
pressuposto que existe uma crítica densa do jornalista sobre o poder simbólico
ocasionado pelos meios de comunicação, concordamos em observar que tais meios, de
alguma forma, foram recebidas por ele.
Não obstante, os efeitos da função ao qual a mídia está incumbida não foram os
esperados em sua escatologia. Portanto, o discurso em si não se torna uma matriz real
das práticas de um campo simbólico. Ao contrário, possibilita observamos que os
agentes históricos não são meros executantes, ou, consumidores inconscientes e
negligentes. Assim, reduziríamos a análise do campo a uma essência de seus aparelhos,
sem ao menos nos depararmos com as práticas de seus agentes. Conforme as palavras
de Bourdieu (2000 p.77) ao que refere a essência dos aparelhos:
Reduzir os agentes ao papel de executantes, vítimas ou cúmplices, de uma
política inscrita na Essência dos aparelhos, é permitirmo-nos deduzir a
existência da Essência, ler as condutas na descrição dos Aparelhos e, ao
mesmo tempo, fugir à observação das práticas e identificar a pesquisa com a
leitura de discursos encarados como matrizes reais das práticas.
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Histórias em quadrinhos que possuem uma estrutura de produção, tal como roteirista, desenhista,
editor, produtor. Ver MAZUR, Dan & DANNER, Alexander. Quadrinhos: História moderna de uma arte
global. Editora WMF Martins Fontes, 2014.
254
Tendência que surgiu nos Estados Unidos na década de 1960. Meio alternativa que desenhistas
encontraram para figurarem fora dos quadrinhos mainstream. Ver MAZUR, Dan & DANNER,
Alexander. Quadrinhos: História moderna de uma arte global. Editora WMF Martins Fontes, 2014.
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de Nova York sua exposição com 112 fotos sobre uma sociedade não una nos Estados
Unidos. Porém, o que seria essa sociedade não una? Arbus fotografa o horrível, as
pessoas desprezadas diante da sociedade estadunidense. Seu trabalho visava contrapor a
exposição fotográfica de Edward Steichen, que poucos anos antes havia exposto sua
exposição cuja finalidade era apresentar a unidade da sociedade estadunidense.
É interessante notarmos a semelhança entre o trabalho de Arbus e Sacco. Não
sabemos se o segundo conhecia ou teve algum contato com o trabalho de Arbus, no
entanto, esta visão de apresentar o horrível, o contrário, aquilo que não queremos ver
estão presente nos dois trabalhos. Se pensarmos que Sacco retorna aos Estados Unidos
para publicar sua obra, qual seriam as possibilidade que ele teria, em um país em que o
consenso sobre seu tema abordado estaria bem solidificado, publicar sua história? Não
seria as mesmas críticas que Arbus possivelmente recebeu sobre seu trabalho?
Para Sontage (2004, p.53), o trabalho de Arbus é uma tendência dominante na
arte em países capitalistas como os Estados Unidos, pois, representar o horrível tem a
finalidade de suprimir o mal-estar moral que permeia a sociedade. Portanto, é nesta
tendência e nesta prática que Sacco se vincula. É trazer ao conhecido o desconhecido,
apresentar os rostos daqueles que não tinham rostos. Ou, como diria Sontage (2004,
p.54) “O fotógrafo é um superturista, uma extensão do antropólogo, que visita nativos e
traz de volta consigo informações sobre o comportamento exótico e os acessórios
estranhos deles.” Assim, é apresentar aos seus leitores o comportamento, os costumes e
a cultura de seus ‘inimigos’.
Porém, não podemos nos esquecer que Sacco não faz um trabalho fotográfico,
somente se apoia na fotografia para desenhar seu quadrinho. Base de apoio que também
tem suas tendências no fotojornalismo. O fotojornalismo surge inicialmente na
Alemanha, porém, é nos campos de batalha que se torna tema privilegiado. Os avanços
tecnológicos e químicos, possibilitaram que a arte de fotografar estivesse em locais não
imagináveis para boa parte de seu público. Para Jorge Prado Souza (2000, p.33)
Por um lado, a herança cultural consagrava-lhe atenção artística, pois a
guerra sempre foi o tema sedutor e de sucesso junto das pessoas, por um lado,
na segunda metade do século passado, ocorreram numerosos conflitos em
que se viram envolvidas as potências mais industrializadas. Há ainda a
acrescentar que se ia formando um público para a ‘reportagem-ilustrada’
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que seu leitor forneça a sonoplastia e as ações necessárias para a continuação de sua
leitura. Aqui observamos outra vantagem de seu trabalho, pois, enquanto ao leitor de
um livro, seria necessário que, além da sonoplastia e da ação, o mesmo deve ainda
fornecer a idealização das imagens dos acontecimentos para se construir a ação. A
fotografia, como linguagem imagética, fornece a leitura visual, não obstante, faltaria a
ela a linguagem escrita para dar continuidade a ação do acontecimento fotografado.
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Considerações Finais
No decorrer de nossa pesquisa, podemos observar o contexto e algumas das
possibilidades de leituras que influenciaram Sacco a viajar para a Palestina. Observamos
que, vários fatos são determinantes em sua escolha pela Palestina. Entre elas, seu
contato com Noam Chomsky e Edward Said, além de estar geograficamente perto dos
territórios ocupados.
Isso se dá, também, devido à má cobertura realizada pelos meios de
comunicação nos Estados Unidos. Fato que, o próprio Sacco discute no prefácio de seu
trabalho. Portanto, compreender a função da mídia dentro de sua esfera de influências é
compreender parcialmente o imaginário que o permeava. Dentro deste contexto,
verifica-se que Sacco torna-se um agente rebelde a função da mídia, e por isso, além de
outros fatores mencionados acima, constituem momento favorável para sua cobertura
jornalística.
Por fim, também verificamos as vantagens de Sacco em escolher desenhar seu
trabalho de campo ao invés de simplesmente fotografa-los. Ao analisarmos que, mesmo
tendo utilizado algumas técnicas do fotojornalismo, Sacco tem vantagem em poder ser
onipresente em todas as cenas que considera o “momento decisivo” para desenhar suas
imagens.
BIBLIOGRAFIA
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem – Bauru, SP:EDUSC, 2004.
CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2013.
ECO, Umberto. Apocalipticos e Integrados. São Paulo: Editora Perspectiva, [s.d].
EISNER, Will; Quadrinhos Arte Sequencial princípios básicos e práticos do lendário
cartunista. 4.ed. São Paulo, SP; Editora WMF Martins Fontes, 2010.
__________, Will. Narrativas Gráficas de Will Eisner. São Paulo: Devir, 2013.
FREUND, Gisele. Fotografia e Sociedade. Lisboa: Grafibastos, 1995
GATTAZ, André Castanheira. A guerra da Palestina: da criação do Estado de Israel à
Nova Intifada. São Paulo: Usina do Livro, 2003.
SACCO, Joe. Palestina. São Paulo, Conrad Editora do Brasil, 2011
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Kawanni S. Gonçalves
Pedro Henrique Cezar (História-UEL)
Cláudia Eliane P. M. Martinez (Orientadora)
PALAVRAS-CHAVE: MEMÓRIA; PATRIMÔNIO; IMAGINÁRIO.
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Fatos que, novamente, “obscurecem” a memória do indígena - aquele que foi expulso de
seu local para permitir os planos de colonização dos “idealizadores” de Londrina. Mesmo na
255
Universidade Estadual de Londrina, temos a “Casa do Pioneiro” - construída em 1946,
buscando representar a vida cotidiana nas décadas de 30 e 40 do século XX -, mas não temos
255
Atualmente, sedia o “Inventário e Proteção do Acervo Cultural de Londrina – IPAC/LDA”.
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referências materiais ou visuais ligados à cultura dos índios que aqui habitavam. O silêncio e o
esquecimento acerca das culturas e populações indígenas ainda se faz muito presente – apenas
raramente lembradas, como no exemplo da Praça 1º de Maior citado acima. Em consequência
desse “silenciamento”, se concretizam na sociedade visões homogeneizadoras e estereotipadas
sobre os indígenas - muitas vezes colocando-os ainda na condição de “selvagens”, ignorando-se
os processos de integração e/ou trocas culturais. Tal perspectiva, presente no imaginário
coletivo da população, pode ser constatada mediante análise de representações feitas por alunos
de sexto ano do Colégio Estadual Dr. Gabriel Martins. Em atividade proposta na aula-oficina
“Os indígenas na região do Paraná” - como parte do estágio no Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência, PIBID -, foi solicitado aos alunos que desenhassem a figura de um
índio, conforme a primeira imagem em seu pensamento. A vantagem do desenho é que,
“Segundo Affonso e Souza (2007, p. 11) é através do desenho que a
criança pode demonstrar o que sente e como enxerga o mundo a sua volta.
Quando ela entra na escola, leva consigo informações e impressões do
mundo, que deveriam ser consideradas e orientadas pelo professor, pois ao
desenhar a criança inter-relaciona seu objetivo e seu conhecimento
imaginativo.
De acordo com isso, tal ferramenta pode ser vista como uma
linguagem visual privilegiada porque permite o exercício relativamente mais
livre e construção da forma, estabelecendo relação entre significado e
significante de modo mais elementar, em comparação à linguagem verbal
(PEREIRA, 2006, p. 18).” (LIMA, 2014, p. 108).
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“Os índios são um grupo minoritário que ocupa uma posição específica em
nossa sociedade, algo que se reflete na formação da imagem sobre eles. Esta
posição relaciona-se, certamente, com suas caracterizações históricas,
construídas pelos grupos detentores do poder político-econômico. Pode-se
dizer que as atuais representações sociais dos índios foram construídas pelos
não índios ao longo da história de contato que se inicia com o descobrimento
do Brasil e se estende com a colonização a que eles foram submetidos e que
culmina, nos dias de hoje, com a sua invisibilização e exclusão moral e
social. Um processo marcado pela dominação, assimilação cultural forçada,
violência, desapropriação de terras, expulsão e genocídio.” (LIMA;
ALMEIDA, 2010, p. 17-18).
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David Hawkins (2014, p.31) explica que o termo “Terra de Luwiya” parece ser
um termo étnico linguístico do Velho hitita referindo-se as terras onde se falavam o
luvita, assim como a Terra de Pala, onde a língua era o palaico. Esses dois termos
aparecem juntos nas Velhas leis hititas, opostos a “Terra de Hatti”.
“If a Luwian abducts a free person man or woman, from the land of Hatti,
and leads him away to the land of Luwiya/Arzawa, and subsequently the
abducted person´s owner recognizes him, the abductor shall bring (forfeit) his
entire house. If a Hittite abducts a Luwian man in the land of Hatti itself, and
leads him away to the land of Luwiya, formerly they gave 12 persons, but
now he shall give 6 persons. He shall look to his house of it. If a Hittite man
abducts a Hittite male slave from the land of Luwiya, and leads him here to
the land of Hatti, and subsequently the abducted person´s owner recognizes
him, the abductor shall pay 12 shekels of silver. He shall look to his house of
it” (Hittite Laws 19-20) 256.
Ao observar os parágrafos 19-21 das leis hititas, que falam do sequestro de pessoas e
escravos da Terra de Hatti para Luwiya, sendo que se fosse um luvita que sequestrasse
um hitita, seria a perca total de seus bens, se fosse ao contrário pagaria por seis pessoas.
Craig Melchert (p.1-2) comenta que essa e outras desigualdades nas leis, sugere que os
hititas viam os luvitas como o “estrangeiro” pertencendo “ao outro” não ao mesmo
grupo social. Trevor Bryce (2003, p.29-30) comenta que as penalidades para as ofensas
luvitas pareciam ser mais duras paras as prescritas para os, hititas nas cláusulas, porém
sem saber o contexto na qual essas penalidades, ou os pagamentos compensatórios que
foram formulados, ou de fato se elas foram classificadas conscientemente em relação de
um para o outro, sendo assim não podendo determinar quais significados devem ligados
nas diferenças entre eles.
Craig Melchert (2003, p. 3-4) fala que nossa informação sobre os luvitas vem de textos
variados, e cita quatro exemplos de documentos onde eles aparecem: 1. Referências
diretas da terra de Luwiya e seus habitantes, como as Leis hititas e os textos das
colônias assírias. Sendo essas identificações importantes para estabelecer a presença dos
luvitas no sul central da Anatólia, já no começo do segundo milênio. 2. Aparecimento
256
Se um luvita sequestrar um homem ou uma mulher livre da terra de Hatti, e leva-los para longe da
terra de Luwiya/Arzawa, e subsequentemente o dono da pessoa sequestrada reconhecer o sequestrador,
sua casa inteira deverá ser confiscada. Se um hitita sequestrar um homem luvita na terra de Hatti em si, e
leva-lo para longe da terra de Luwiya, anteriormente eles dariam 12 pessoas, mas agora devem dar 6
pessoas. Ele deve olhar para sua casa. Se um homem hitita sequestrar um escravo hitita homem da terra
de Luwiya, e leva-lo aqui para a terra de Hatti, e subsequentemente o dono da pessoa sequestrada o
reconhecer, o sequestrador deve pagar 12 shekels de prata. Ele deve olhar para sua casa (Leis hititas 19-
20).
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de nomes pessoais luvitas nos textos das colônias assírias e em outros lugares no século
XX e XVIII antes da nossa era, nos textos hititas e em outros lugares do século XVI a
XIII antes da nossa era, nos textos assírios do século IX e VII, e nos textos gregos da
Anatólia do primeiro milênio. 3. Menção de lugares associados em textos luvitas e em
portadores de nomes pessoais luvitas (sendo importante sublinhar que não temos
segurança se na maioria dos casos os próprios nomes dos lugares são linguisticamente
luvitas. 4. Textos de linguagem luvita.
Como vimos as leis hititas destacam regiões diversas a terra de Hatti, como Luwiya e
Pala, como explica Trevor Bryce (2003, p.28-29) essas regiões são reconhecidas como
entidades distintas e separadas de Hatti, mas de alguma forma conectada com ela como
nenhuma outra região da Anatólia fora, embora Pala aparece nas leis, ela é vista apenas
como um território e não e não aparece nas clausulas como os luvitas, sendo que Pala
pode ter perdido sua independência por uma razão ou outra logo no começo da história
hitita. Referências aos luvitas continuaram aparecendo, e apesar das implicações nas leis
na qual referiam a isso não estão inteiramente claras, existem evidencias de algumas
afinidades nesse tempo entre Hatti e Luwiya. Mercadores hititas operavam em Luwiya,
outras pessoas se moviam livremente entre essas terras, e superficialmente, pelo menos
parece que os habitantes de Luwiya, assim como os de Hatti eram sujeitados as
provisões das Leis hititas.
É intrigante como o luvita teve uma influência tão ampla no mundo hitita, e o palaico
ficou apenas restrito a um aspecto litúrgico. É claro que no quadro linguístico de Hatti
existem evidências de várias línguas e costumes literários mesopotâmicos, mas o luvita
teve um papel de destaque em todo esse emaranhado literário, e além disso:
Além do mais, existia uma relação especial logo cedo no reino hitita entre
Hatti e Luwiya, uma aparentemente não dividida com os povos da Anatólia.
Isso é mostrado na clausula 23 das Leis que diferenciavam Luwiya do
inimigo: “Se um escravo fugir e for para Luwiya, seu dono deve pagar seis
shekels de prata para quem quer que o traga de volta” (23 a). “Se um escravo
homem fugir e for para um território inimigo, quem traze-lo de volta, deve
mantê-lo para si mesmo” (23 b). A relação entre Hatti e Luwiya, pode ter tido
suas origens em um período anterior ao surgimento do Velho Reino hitita. É
tentador assumir que um cenário étnico comum desempenhou algum papel
nisso, particularmente se a dispersão dos grupos indo-europeus que foram
para a Anatólia ocorreram depois de sua chegada. E de fato as afinidades
linguísticas entre o nesita e o luvita parecem ser bem próxima para permitir a
possibilidade que os falantes dessas línguas entrassem na Anatólia em ondas
diferentes alguns séculos separados (BRYCE, 2003, p.30).
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no tempo e no lugar. Esses são os pertences comuns do grupo na qual a criança se torna
um membro, as características sociais a “divisão de semelhança” que entra em todo o
seu complexo caminhos para o fazer da identidade do ego individual. Muito de um
suporte de legados.
Esses legados étnicos podem em algum momento ter sido compartilhados
quando os falantes de nesita e luvita ainda eram tribos que partilhavam se algumas
semelhanças, mas que ao longo da dispersão causada pelas imigrações se perderam, mas
com algumas considerações.
Os luvitas podem ter sido vistos como “outros” criando assim uma alteridade,
mas como coloca Trevor Bryce (2014, p.140) descriminações na esfera étnica nunca
foram utilizados em Hatti. Para ser um hitita, bastava ser um habitante de Terra de
Hatti, essa sujeição ao ocupante do trono real de Hattusa dava o senso de identidade e
coerência a todos os habitantes. No último século do império, uma população que falava
o luvita constituía a maior e mais difusa parte de todos os componentes. Sua língua e
inscritos hieróglifos foram adotados pelos seus senhores para monumentos públicos,
proclamando suas conquistas militares, e honrando seus deuses. A difusão do luvita foi
tão grande, que no final do império hitita, esse poderia muito bem ter sido a língua mais
difundida, formando uma elite bilíngue bem ciente, é o que Ilya Yakubovich (2011,
p.535) observa no lado sociolinguístico, sendo que os mesmos reis hititas do século XIII
a.C foram encarregados das inscrições monumentais hieroglíficas e textos cuneiformes
hititas com numerosos códigos lúvitas, sendo que em adição ao hitita, eles usavam duas
outras línguas anatolianas na qual não se pode ver diferença.
Em suma o que chamamos de “civilização hititia”, pelo menos em seu começo,
seria uma camada de senhores falando e empregando a língua nesita, nas características
mesopotâmicas, ao estilo cuneiforme, controlando uma maioria que falavam dispersavas
línguas, como já comentado, mas não existiam nenhuma separação ou casta, já que
todos que habitavam a Terra de Hatti seriam abençoados pelas mesmas divindades. E
existiam outras línguas na Anatólia do bronze tardio, como o palaico, o hurrita, o
hattian, sumério, acádio e etc. Línguas de toda a extensão do Oriente próximo, mas o
luvita para ter sido a mais difundida delas:
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massa. Outro uso atestado dos hieróglifos era em selos dos reis hititas,
registros oficiais, seus nomes e geralmente títulos. À parte de uma razão
possível razão, a escolha da escrita hieroglífica aqui pode ter sido o uso dos
selos além dos círculos onde o cuneiforme hitita era o principal meio de
comunicação (HOUT, 2011, p.48).
Craig Melchert (2003, p.12) faz uma observação sobre essa visão que
eventualmente se lê que o hitita era puramente uma escrita de “chancelaria”, enquanto o
luvita era a língua falada de Hattusa, não existindo base sólida para essa afirmação,
tendo em vista que devemos estar bem claros em um ponto: não temos conhecimentos
diretos de qualquer forma falada das línguas indo-europeias da Anatólia, incluindo o
luvita. O egiptólogo John Baines (1996, p.341) faz uma crítica de como observar os
documentos da antiguidade, argumentando que o estudo do gênero e da natureza da
fonte contribuiu essencialmente para o entendimento da ideologia sendo uma alternativa
para focar em questões ideológicas. O uso dessa aplicação vai além das próprias fontes
para as sociedades que as criaram. A premissa básica é que o grupo para que os
documentos antigos, monumentos e trabalhos de artes foram produzidos e geralmente
não integrados com a sociedade. Em várias sociedades os governantes falavam uma
língua diferente dos governados. Os usos na qual a escrita foi posta eram especializados;
antigos gêneros escritos, tinham sua própria organização e caráter, na qual devem ser
compreendidos. Expandindo para o assunto e o alcance e o uso da arte e da escrita
representacional eram graduais. Ele não deveria ser dado como certo de que qualquer
gênero aparece em uma cultura, simplesmente porque aparece em muitas outras.
Interpretações precisam ser modeladas nos contextos sociais e orais na qual o material
originalmente pertence, em acréscimos para fixar o material dentro de gêneros. Apesar
de antigas fontes apresentar-se como únicas, poucas terão sido na antiguidade.
As colônias assírias trouxeram para a região na Anatólia no século XIX antes na
nossa era os primeiros registros escritos, esses em moldes cuneiformes, na qual os reis
hititas irão mais tarde adaptar para seus registros, e como coloca Gary Beckman (1983,
p. 98) a adoção do cuneiforme implicou em um empréstimo de uma inteira tradição
cultural, e nisso, reciprocamente, a educação do escriba era o meio pela qual a tradição
era transmitida, ambas para os nativos mesopotâmicos ou estrangeiros. E como vimos,
não só o cuneiforme, mas o hieróglifo luvita estavam de formas monumentais
espalhados na época do império, porém a questão não pode ser tomada tão
superficialmente monocromática de duas línguas que eram faladas no mesmo lugar:
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hititas. Até aqui não existe evidência de palavras luvitas com inflexões
luvitas no contexto hitita antes do Médio período hitita, e tais formas se
tornaram comuns somente no reinado de Mursilli II em direção do fim do
século XIV a.C (MELCHERT, 2003. P. 13).
REFERÊNCIAS
FONTES
ROTH, Martha Tobi. Law Collections from Mesopotamia and Asia Minor. 2d
edition. Atlanta: Scholars Press, 1997.
BIBLIOGRAFIA
BAINES, John. Contextualizing Egyptian Representations of Society and Ethnicity. In
J. S. Cooper and G. M. Schwartz (orgs.). The Study of the Ancient Near East in the
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Após a Constituição Federal de 1988, a qual garantiu vários direitos aos povos
indígenas, especialmente o direito a seus territórios nacionais, é que a história indígena
teve espaço no Brasil, gerando grande demanda e valorização de pesquisas na área. De
acordo com Cavalcante (2011) já é muito conhecida a clássica e aparentemente
superada dicotomia entre antropologia e história que, no século XIX se definiam a partir
de seus objetos de estudo. A primeira se dedicava ao estudo das culturas nativas não-
ocidentais, consideradas inferiores e estáticas. Já a história devia se preocupar com as
culturas de origem europeia ávidas pela mudança e especialmente letradas, o que
permitia produzir e deixar muitos documentos escritos sobre o próprio passado. Essa
distinção entre as duas disciplinas estava, sem dúvida, ligada aos ideais expansionistas e
racistas presentes nas ciências sociais.
A famosa frase de Francisco Adolfo Varnhagen, escrita em sua obra “História
Geral do Brasil”, de 1854, segundo a qual para os índios “[...] não há história, há apenas
etnografia” (VARNHAGEN apud CAVALCANTE, 2011, p.07), ilustra bem esse
pensamento. Como afirma Manuela Carneiro da Cunha (1998) durante muito tempo, os
indígenas não foram vítimas apenas da eliminação física, mas também da eliminação
enquanto sujeitos históricos. Essa imagem dos “índios sem história” percorreu durante
décadas a historiografia brasileira.
Falando de história indígena no Estado do Paraná, podemos dizer que tal
presença foi deslegitimada por muitos anos pelos inúmeros discursos que afirmavam e
reafirmam a ideia das terras desprovidas de população, principalmente na região
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norte 257, onde o discurso fala sobre progresso, civilização, pioneirismo e cafeicultura,
conjunto de ideias que promoveram alguns silêncios e um deles foi o da ocupação da
região metropolitana de Londrina por sociedades indígenas.
Como observa (DE CERTAU, 2002 apud OLIVEIRA, 2010, p. 31), o exercício
do direito e da palavra, é um privilégio dos europeus durante o processo de escrita da
história. Isto afeta não só as grandes interpretações, mas também a produção mesma das
fontes documentais, o que torna bastante difícil escapar do esquematismo da história
oficial e vir a reconstituir o cotidiano das relações entre indígenas e colonizadores.
Em “As Guerras dos Índios Kaingang”, Lucio Tadeu Mota mostra como a
história da região norte paranaense foi construída a partir do vazio demográfico criado
pelos geógrafos entre as décadas de 30 a 50 do século XX, interpretada pela sociologia e
historiografia e reafirmada nos livros didáticos. Uma interpretação que simplesmente
desconsiderou os povos indígenas, ao contrário do que apontam as pesquisas
arqueológicas, fontes e estudos históricos mais recentes.
Para (NOELLI, 1999-2000, p.26), não existem terras na região sul do país que
não tenham sido ocupadas sistemática ou ocasionalmente por populações indígenas em
momentos distintos e em todos seus espaços.
Os indícios arqueológicos comprovam essa presença no que é hoje território
paranaense a aproximadamente 10.000 anos A.P e revelam sociedades complexas, cujas
culturas materiais resistiram ao tempo e são objetos de estudo de diversas áreas, como a
arqueologia, antropologia e história. Para Parellada (2007, p. 163) esses vestígios estão
relacionados a distintos grupos: caçadores-coletores, denominados Paleoíndios,
pertencentes às tradições Umbu e Humaitá; agricultores-ceramistas, pertencentes às
tradições Itararé-Taquara e Tupiguarani; coleta litorânea, representada pelos sambaquis
e para as pinturas e gravuras rupestres, representações simbólicas, têm-se as tradições
Planalto e Geométrica.
257
Do ponto de vista histórico, a colonização do norte paranaense é apresentada pela divisão desse
território em três partes: norte velho ou norte pioneiro, localizado no nordeste do estado, que se estende
do rio Itararé até a margem direita do rio Tibagi, cujo a ocupação foi iniciada em meados do século XIX,
desenvolvendo-se nas primeiras décadas do século XX. O norte novo, região que vai desde o rio Tibagi
até as proximidades de Maringá. Por fim, o norte novíssimo, que compreende a região que se estende das
proximidades de Maringá, até o curso do rio Paraná, ultrapassa o rio Ivaí e abarca toda margem direita do
Piquiri, colonizada desde 1940 até 1960. (CARDOSO apud LIMA, 2014, p.84)
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Existe uma série de atributos ligados a grafia Guarani: Utiliza-se Tupi para se referir ao tronco
linguístico; Tupi-Guarani para se referir a família linguística; Tupiguarani para a tradição arqueológica e
Guarani para identidade étnica (CEREZER, 2011, p. 13)
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Para Mota (2008) destacaram-se duas cidades: Ciudad Real del Guayrá nas margens do Rio Paraná na
confluência do Piquiri, e Villa Rica del Espírito Sancto, na junção dos rios Ivaí e Corumbataí, está última
mais ou menos a 100km ao sul de onde é hoje Maringá.
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Fontes: Elaborado pelo próprio autor no software Quantum Gis 1.7.3 software (QGIS Development
Team 2014). Dados extraídos do CNSA, disponível em www.iphan.gov.br e Terras Indígenas em
www.funai.gov.br
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Considerações finais
Não há dúvidas de que a presença do branco modificou profundamente as
sociedades indígenas, destruindo seu modo de vida tradicional e os varrendo pelas
doenças contagiosas e confrontos armados. Mas se o contato tivesse sido ordenado e
pacífico, a cultura desses povos indígenas teria permanecido sem alteração ou teria se
alterado de uma maneira mais branda e menos impositiva? Até que ponto as sociedades
indígenas atuais se parecem com seus antepassados de antes das invasões europeias?
Sabe-se que os aspectos da cultura indígena podem variar bastante entre os
povos, ou até mesmo dentro de uma mesma comunidade ao longo do tempo. A língua, a
forma de organização social e política, os rituais, os mitos, as formas de expressão
artística, as habitações e a maneira de se relacionar com o meio ambiente são exemplos
de fatores que se diferenciam.
Levando em consideração essa grande diversidade cultural e as mudanças
culturais que ocorrem constantemente nessas sociedades, impostas ou naturais, devemos
nos atentar para uma compreensão da existência de diferenças entre os próprios grupos
indígenas, evitando criar a imagem do índio como povo único, lembrando que com o
passar do tempo os padrões culturais, não só dessas sociedades, mas de toda
humanidade sofrem alterações, devido a diversos fatores. Alguns são inerentes à própria
cultura, que com o passar do tempo se auto-recicla, outros devido as influências
externas oriundas de outros grupos humanos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Araújo. A.G.M. A tradição Itararé-Taquara: características, área de ocorrência e
algumas hipóteses sobre a expansão dos grupos Jê no sudeste do Brasil. Revista de
Arqueologia, São Paulo, 2007.
BECKER, Ítala Irene Basile. O índio Kaingáng do Paraná: subsídios para uma etno-
história. São Leopoldo, Ed. UNISINOS, 1999.
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faz uma leitura do anterior, mas classifica os tipos de memória existente. Destacaremos
aspectos históricos gerais do Islã como suas origens, a tipologia religiosa e sua inserção
no Brasil.
APONTAMENTOS CONCEITUAIS
Na primeira metade do século XX, surge a Escola dos Annales, abrindo novos
horizontes e possibilitando que a História dialogasse com conceitos e métodos de outros
saberes, entre eles a Antropologia e a Sociologia. Marc Bloch e Lucien Febvre são
considerados os pais da Nova História, sendo notória a preocupação em seus estudos,
mesmo os anteriores ao movimento historiográfico, com os “modos de sentir e pensar”.
Hermann acrescenta que Bloch e Febvre, eram:
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[...] foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais
pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é
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uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos
que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os
esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses
mecanismos de manipulação da memória coletiva. O estudo da
memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas
do tempo e da história, relativamente aos quais a memória está
ora em retraimento, ora em transbordamento (LE GOFF, 1996,
p. 426).
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as caravanas que cruzam a Arábia com os lucros do comércio, assim como uma feira
movimentada pelos comerciantes locais.” (ROGERSON apud CARLOTO, 2007, p.68).
Proença (2002) mostra que o termo islam pode ser traduzido como “submissão”
e está associado à vontade de entregar-se do devoto, decisão de submeter-se à vontade
divina. Sabe-se pouco sobre a vida de Maomé antes da revelação em 610 d.C.; as
informações encontradas são que ficou órfão ainda criança e que foi criado por seu tio,
tendo uma vida cheia de privações. Começou a trabalhar como administrador dos bens
de uma rica viúva chamada Khadija, com quem se casou em 595, tendo vinte e cinco
anos de idade. Khadija tinha quarenta e cinco anos de idade e sobre a união é relatado
pelos religiosos islâmicos que:
Foi um casamento por amor desde o início. Maomé não fez uso da
riqueza de Khadija (a não ser para alimentar os pobres) e continuou
com sua vida simples e sua atividade de mercador. Sua esposa era
também sua confidente e amiga mais íntima, e compartilhava seus
anseios espirituais. Em tempos difíceis ou de ansiedade, Maomé
voltava-se primeiro para Khadija em busca de apoio (ROGERSON
apud CARLOTO, 2007, p.72).
Após se tornar mercador viajou até a Síria, onde conheceu e sofreu influencia do
monoteísmo - crença em um único Deus - (PROENÇA; 2002). O historiador Peter
Demant (2013) afirma que tribos judaicas e cristãs eram encontradas ao norte da
Península Arábica, mais próximas da Síria e á Palestina. Por volta dos 40 anos de
idade, Maomé afirmou ter tido uma visão do anjo Gabriel, transmitindo-lhe um recado
de Deus, começando a receber a partir daí uma série de revelações, que vão de 610 a
632 d.C. No islã, Maomé é considerado o Profeta ou Mensageiro de Deus e essas
revelações deram origem ao Al-quran ou Quran (Alcorão ou Corão) que significa
“Recitação”, considerado o livro sagrado da religião, que para os muçulmanos
simboliza a manifestação da vontade de Allah (Deus) para o povo árabe. O livro é o
manual de vida muçulmana.
Demant aponta que a compilação das revelações aconteceu trinta anos após a
morte do profeta, devido à grande expansão da religião no período. Em sua cidade natal
houve resistência por parte da elite comercial aos seus ensinamentos monoteístas, pois a
mesma tinha como fonte de renda o turismo religioso, levando a perseguição do
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Proença (2002) afirma que a fuga para Medina, em 622, foi impulsionada por
conflitos econômicos. Muhammad tinha convicção de que havia sido escolhido para
restaurar a fé do povo muçulmano e pouco depois de terminar o registro da revelação
em 632, ele morre, mas antes, Meca e grande parte da Arábia haviam sido convertidas.
Após sua morte, o islã passa a ser liderado pelos khalifas, que significa “deputado” ou
“sucessor”, tendo como principal objetivo fazer com que os homens conhecessem a
mensagem inspirada e reconhecessem que Allah é o único Deus e que Muhammad é seu
profeta, para alcançar esse objetivo:
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Como não houve indicação feita por Maomé de quem o sucederia, durante o
califado surgiu duas tendências: a minoritária considerava que a linhagem profética
deveria ser mantida entre familiares do profeta, no caso seu genro chamado Ali ibn Abi
Talib. A outra vertente defendia que qualquer fiel poderia assumir o posto, desde que a
comunidade o aceitasse. Entre os anos de 632 e 661 ocorreram várias sucessões e a
conquista de diversos territórios, inclusive alguns localizados fora da península. Com a
expansão e consequente exploração desses locais ocupados pelo islã, alguns clãs árabes
passaram a deter essas riquezas, acarretando diferenças de renda cada vez maiores e
competições pelo controle do despojo (DEMANT, 2013; p.38). Das disputas surgem
duas ramificações principais – e delas outras subdivisões - a xia (shi’a) que defende a
sucessão hereditária, que se opuseram durante o califado de Mu’awiyya, sucedido por
seu filho, fazendo eclodir uma rebelião dos xiitas, que por sua vez foram vencidos,
sendo então consolidada a supremacia dos omíadas que reestabeleceram a tradição, ou
sunna, fazendo do sunismo a ortodoxia conformista.
Durante o século XIV o Oriente Médio é castigado por guerras civis e
pandemias, inclusive pela peste negra, ocorre declínio demográfico maior que o sofrido
na Europa. No século seguinte há o ressurgimento desse mundo muçulmano, mas com a
rigidez marcada do Islã. O império Otomano – 1281 a 1924 – implanta a supremacia
sunita, tendência predominante atualmente, foi esse poder não árabe que unificou o
Oriente Médio e devido a fatores econômicos declina após a Primeira Guerra Mundial
(DEMANT, p.55-57).
Carloto (2007) descreve que a diáspora dessa população é um princípio de sua
própria constituição e discorre sobre as imigrações muçulmanas ocorridas para Europa e
para o continente Americano. Afirma também que mesmo com a vinda dos negros que
professavam a fé islâmica, devido o regime escravocrata decorrente, é apenas no século
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XX que a história do Islã começa nas Américas. Mesmo não havendo um censo oficial,
o autor apresenta uma estimativa de libaneses que residem no Líbano em comparação
aos outros países/continentes, é notório que vivem mais libaneses na América do Sul do
que no próprio país, segundo informações coletadas pela Câmara de Comércio Brasil-
Líbano no início de 2007 e disponibiliza a tabela com o número de libaneses residentes
no Líbano e demais países/continentes, observamos que:
O ISLÃ NO BRASIL
No Brasil, vale ressaltar que no século XIX - durante o Período Regencial - mais
especificamente em 1835, ocorreu o Levante do Malês, na cidade de Salvador, que
mobilizou negros islamizados, que foram escravizados. Conforme estudos feitos pelo
historiador João José Reis, em sua obra O levante dos Malês em 1835, o episódio
ocorreu na madrugada de 25 de janeiro, quando cerca de 600 homens, oriundos da
África, organizaram a revolta como movimento político, pois o grupo desejava tomar o
governo baiano. Entretanto, o plano rebelde foi delatado antes de ser colocado em
prática. Os malês (a expressão malê deriva da língua ioruba e significa muçulmano)
insatisfeitos com a imposição do culto católico, desejavam estabelecer uma monarquia
na Bahia. O autor informa que esses homens, por medo dos castigos que sofriam,
“aceitavam” o catolicismo e o batismo, porém secretamente praticavam ritos e costumes
islâmicos. A revolta seria uma tentativa de resistir à Igreja Católica e o governo, que
após perceber a capacidade de organização desse grupo proibiu a manifestação de
qualquer fé que não fosse o catolicismo. Um dos fatores que facilitou a organização do
grupo rebelde foi o fato de falarem a língua árabe.
Luiza Horn Iotti, no artigo “Imigração e Colonização”, fala sobre a política
imigratória e colonizadora adotada pelo governo brasileiro e rio-grandense entre os anos
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Doutorando na UNESP-ASSIS. Anteriormente fez graduação, especialização e mestrado na
Universidade Estadual de Londrina. Bolsista CAPES-CNPq.
pedroragusa@yahoo.com.br. : http://lattes.cnpq.br/9409263650994048
264
Roberto Machado é professor no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), no Brasil
possui diversas publicações sobre a obra de autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Friedrich
Nietzsche, entre eles: Foucault a filosofia e a literatura; O nascimento do trágico; Zaratustra, tragédia
nietzschiana; Foucault a Ciência e o Saber, todos publicados por Jorge Zahar Editor.
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manifesta, temos um curto-circuito filosófico, pois ontologia e história são discursos que a
princípio se manifestam de forma excludente, o que oferece a pesquisa arqueológica um caráter
singular. Nesse sentido ao pensarmos na arqueologia foucaultiana como prática historiográfica –
filosófica já devemos ter em mente que o método arqueológico não é fixo, e que também não
procura estabelecer ou iluminar os acontecimentos discursivos como verdades para além dos
tempos, encontrando no passado uma realidade objetiva, que possa ser plasmada em uma
narrativa.
A partir disso podemos entender que as histórias arqueológicas não possuem algo como
um método unitário ou uma prática operacional homogênea que se possa traduzir sob a condição
de uma unidade metodológica de pesquisa, mas ao contrário disso, a arqueologia em sua
trajetória estabelece filiações com áreas díspares tal qual o estruturalismo e a hermenêutica.
Torna-se importante logo de início deixar claro que quando falamos sobre a arqueologia
nesse momento estamos usando como fio condutor o livro A Arqueologia do Saber, isso
significa que estamos tomando por referência justamente o último trabalho de Foucault nessa
fase, assim, estamos deixando de lado toda uma trajetória dessa pesquisa que pode ser
encontrada em outros trabalhos do autor.
Para Roberto Machado a arqueologia não procura descrever os discursos das disciplinas
científicas em sua relação com as verdades que estes discursos podem revelar, mas procura
descrever seus limiares, suas rupturas, seus limites e pontos de cruzamento, o que Foucault
chama de um “emaranhado de interpositividades” (FOUCAULT, 2007, p. 182). Dessa forma
podemos aceitar que na prática operada por Foucault a arqueologia estaria em uma nova região
do conhecimento, e não compreender isso como ponto de partida é arriscar ao erro qualquer
investigação sobre a arqueologia.
Roberto Machado comenta sobre isso contrapondo à história arqueológica a história
epistemológica, escrevendo que a arqueologia seria um deslocamento da ciência para o saber em
relação à epistemologia, que se situaria na descrição das ciências e suas verdades.
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A partir dessa breve introdução sobre o tema do texto, vamos entrar em nosso primeiro
problema, no momento discutir a ideia de tempo para Foucault. Podemos partir de uma
afirmação básica, a de que o filósofo possui uma interpretação singular sobre o tempo. Para ele
o tempo não possui um sentido com fim destinado, também não é uma unidade com um fim
programado a se resolver numa continuidade progressiva, mas ao contrário, o tempo pode ser
conceituado como uma categoria de caráter múltiplo, isso significa que não existe somente um
regime de percepção temporal para expressar experiência humana, como também um único
esquema temporal para definir a organização de uma ciência como no caso da história.
A noção de tempo para uma história arqueológica pode ser representado como a
metáfora de uma sopa fervendo num caldeirão, nunca saberemos onde irá emergir a próxima
bolha, não há inteligibilidade que possa fazer um diagnóstico sobre uma suposta ordem ou razão
dos acontecimentos a partir de uma sucessão cronológica. Assim como não há inteligibilidade
para os acontecimentos, não existe uma continuidade lógica na emergência de bolhas a ferver,
assim como não há uma lógica temporal na vida humana, na história e no sentido do tempo seja
linear ou cíclico. Essa noção de tempo enquanto descontinuidade desdobra-se na idéia de
história que é tão cara para os trabalhos de Foucault na arqueologia.
Pois a história está em “camadas sedimentares”, estratos ou formações discursivas,
feitas de coisas e palavras, (enunciados) daquilo que se vê e que se fala. E essas camadas são
caracterizadas pela ruptura, pela disjunção e pela diferença. Agora temos um problema, falamos
sobre palavras novas, que atuam como conceitos muito precisos que acabam por compor a
maquinaria conceitual na linguagem empregada por Foucault. Mas então, o que são formações
discursivas e enunciados?
Para melhor entendermos a noção de tempo, história e descontinuidade na arqueologia
se faz necessário conhecer com maior precisão esses dois conceitos que foram apresentados e
discutidos pelo próprio autor na Arqueologia do Saber, depois desse esclarecimento retornarmos
ao debate entre arqueologia e história.
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Vamos começar pelo conceito de enunciado. O enunciado é uma função, então, qual sua
condição de existência? Em seu modo de ser singular (nem inteiramente linguístico, nem
inteiramente material), para a arqueologia trata-se de entender a função enunciativa. A
arqueologia possui já no início de sua prática uma tarefa “negativa”, ou melhor, precisa
distanciar-se de certas categorias tradicionais com as quais a literatura e a história das ideias tem
seu fundamento, como nas categorias de autor, obra, comentário, livro e sujeito.
Isso significa estabelecer as condições segundo as quais essa função pode aparecer nas
diversas unidades do discurso, como a ciência, literatura e ou economia, (quando essas unidades
existem). Assim o método arqueológico procura conhecer e descrever o exercício dessa função,
as condições, regras de controle e formação, e o espaço no qual ela pode existir. O enunciado
pode ser entendido como a unidade elementar do discurso, constituído por uma singularidade
que o individualiza temporalmente, também constituído por sua repetição (sentido), o enunciado
assume a condição de função dentro da estrutura discursiva. O enunciado pode ser descrito a
partir de oposições com outras modalidades de unidades discursivas, como proposição, frase e
atos de fala.
O enunciado torna-se uma frase, uma proposição e ou um ato de fala, justamente por
existir enquanto função enunciativa, assim o fato do enunciado ser produzido por um “sujeito”
em um lugar institucional e contextualizado por regras sócio – históricas que o definem e
tornam possível que o enunciado seja “enunciado”. Então a descrição arqueológica pode
analisar o exercício da função enunciativa a partir de suas regras de controle e de suas condições
de produção e exclusão de enunciados. Mas esse problema desdobra-se em outro mais
fundamental ainda para a arqueologia.
O problema não é somente identificar quais as regras que possibilitaram a formação de
enunciados, mas o como aconteceu (enunciado enquanto acontecimento discursivo) de
determinado enunciado ter aparecido e nenhum outro em seu lugar. A arqueologia não vai
procurar o sentido, ou a intenção do “sujeito” falante, a análise arqueológica não remete os
enunciados a uma instância fundadora e original para seu sentido, significação e inteligibilidade.
Neste momento a descrição arqueológica remete os enunciados analisados a outros enunciados
para demonstrar suas correlações, exclusões e transformações.
Nos escritos foucaltianos o conceito de formações discursivas aparece pela primeira vez
no artigo “Sur l’archeoologie dês sciences. Response au Cercle d’Epistemologie” de 1968, mas
foi na Arqueologia do saber, que o autor explorou com precisão esse conceito. O conceito de
formação discursiva refere-se a um conjunto de enunciados, todavia não se trata de qualquer
enunciado, são considerados os atos discursivos sérios, isto é, aqueles que manifestam uma
vontade de verdade. Toda formação discursiva constitui-se por grupos de enunciados, que
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O que significa dizer que para o filósofo o que permite a garantia de uma suposta
unidade para o discurso sobre a loucura, por exemplo, não corresponde a uma linearidade
formal, semântica e sintática. Pois a suposta unidade do discurso somente pode existir na
condição da diversidade e de dispersão de instancias enunciativas simultâneas, como
documentos de protocolos experimentais, regulamentos administrativos, políticas públicas de
saúde de controle patológico.
A noção de formação discursiva permite então fazermos uma ponte entre o problema do
tempo e da descontinuidade na história com a noção de singularidade do enunciado. Podemos
perceber que o método arqueológico encontrou no “território” da história o lugar para a
existência das formações discursivas, pois nelas se encontram o discurso, o sujeito, sentido e as
práticas. Se encararmos o problema da descontinuidade histórica iremos logo perceber que esta
noção é ao mesmo tempo para o método arqueológico um conceito, uma pratica operacional e o
resultado da descrição, assumindo o papel de objeto e instrumento para a pesquisa.
A descontinuidade histórica permite a anulação da categoria do sujeito universal, que
teve todo seu passado devolvido a sua consciência presente por meio da busca da identidade
histórica, com ela é possível ir além, e rejeitar os objetos históricos e naturais que atravessam o
tempo contínuo. Essa noção de tempo submete o homem a multiplicidades temporais que o
impedem de ser sujeito, pois essas diversas temporalidades escapam ao controle do homem,
tornando-o objeto de acontecimentos que lhe são exteriores.
A idéia de sujeito permite a consciência do homem que lhe seja recomposto todo um
passado continuo (consciência história) na relação passado – presente. Então consciência do
sujeito moderno necessita do tempo continuo para possuir existência e funcionar, mas não a
História nas palavras de Foucault.
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A desnaturalização dos objetos históricos pode ser demonstrada com o fim das unidades
temporais. A arqueologia opera essas análises sobre a prisão, o corpo e a medicina, na intenção
de demonstrar que essas palavras não cobrem realidades existentes para além dos tempos sob a
forma de essências.
E quando a narrativa é escrita na perspectiva da reconstituição das continuidades, a
narrativa histórica tem como “missão”, tapar os buracos e dar sentido as lacunas documentais e
temporais (criando uma unidade elementar na relação passado – presente, esse elemento pode
ser político, social, militar, demográfico, etc.) obturando as rupturas, e apontando as
transformações históricas dentro de um quadro de causalidades. Enquanto que as histórias
arqueológicas, escritas a luz da descontinuidade tornam possível traçar os limites do objeto de
estudo descrevendo-o a partir de seus pontos de ruptura, de seus limiares. Esses objetos não
possuem funções a priori, ou que sejam legadas do exterior das práticas sociais que os
constituem. Cada instituição (objeto) deve ser sempre interpretada em sua singularidade de
acontecimento histórico.
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265
É recomendável a esse respeito à leitura do texto de Paul Veyne, Foucault Revoluciona a história,
publicado no Brasil pela editora da UNB
266
Infelizmente por uma questão de fôlego para a escrita desse artigo não poderemos nos aprofundar
nesse debate sobre a filiação do pensamento de Foucault sobre o tempo a partir da influência de Heráclito.
267
Sobre esse tema também recomendamos a leitura do texto de Roberto Machado, Foucault a Ciência e
o saber, publicado pela editora Jorge Zahar.
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Ainda podemos pontuar que a análise arqueológica quando trabalha como descrição dos
discursos não deve se fechar no interior do próprio discurso, mas ao contrário deve articular o
acontecimento discursivo com o acontecimento não discursivo, dessa forma não se fica somente
no nível do discurso mesmo sendo este o objeto de análise da arqueologia, deve-se buscar
estabelecer uma relação com acontecimentos de outras ordens sejam elas sociais política,
econômica e técnicas. Estamos então diante da conclusão que a análise arqueológica tematiza os
discursos pelas suas regras de formação demonstrando a formação discursiva e definindo o
discurso como um conjunto de enunciados, portanto é nesse sentido que a análise arqueológica é
uma descrição dos enunciados.
Portanto consideramos que a pesquisa arqueológica foucaultiana situa-se na definição
dos enunciados discursivos em suas especificidades temporais, demonstrando assim, como os
discursos sobre os objetos se transformam temporalmente de acordo com a vontade de saber do
período localizado. Finalmente podemos afirmar que a arqueologia não procura por se constituir
como uma ciência, ou propriamente, num campo específico da história, mas sim como um
instrumento de análise histórico discursiva que possa ser operado nas diferentes dimensões da
história, obtendo-se as regras de formação e execução dos discursos do saber de uma
determinada época.
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UNB, 1998.
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2011.
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No final do século XVIII, o monge João Maria de Jesus passava pelo Vale do
Ivaí, na cidade de Faxinal-PR para ser específico em uma pequena vila de nome
“Bufadeira da Fonte” que se encontrava na rota do comércio que ligava o norte e o sul
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do Paraná, lugar esse que servia de descanso para aqueles que utilizavam da mesma
estrada. Sabemos que essa região sofria uma escassez de padres pela questão do lugar e
também ser de difícil acesso, desse modo João Maria de Jesus levava a palavra de Deus
e ensinava o povo como deveria de se feito e seguido.
O João Maria “genérico”, encarnado por vários homens era descrito como um
rezador andarilho magro, de barbas brancas, que portava um cajado de
madeira e usava um gorro de pele de jaguatirica. Aconselhava as pessoas a
levar uma vida de correção e justiça e recomendava a proteção de vertentes
de “água santas”. (THOMÉ, 2012, pag.26.)
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expressar sua fé no Monge João Maria havia uma peregrinação dos concebidos como
desprezados na capela do Monge, tanto que na Guerra do Contestado os camponeses
viam ele como um auxiliador.
Outro ponto que chama atenção é o ex-voto, onde umas grandes partes de
pessoas levam algum objeto, agradecendo por alguma cura recebida em sua família, os
mais comuns são quadros e pequenas imagens do próprio João de Maria. Esses ex-votos
são os objetos que são levados pelas pessoas á pedido de uma graça, ou então de algo
que lhe foi concebido.
Os ex-votos ofertados mostram os modos de construção das subjetividades,
visto que os devotos encomendam o objeto de acordo com suas
características particulares, enfatizando os traços próprios do seu sofrimento
e da graça alcançada, realçando aspectos culturais norteadores das
representações sociais de saúde, sofrimento, fé, religião e sociedade
(Benjamin, 2002.)
É bom acrescentar ainda que os padres cobravam para rezar missas, fazia
batizados etc., enquanto o “monge” fazia suas orações curas e dava seus
conselhos gratuitamente. Saliente-se também que a mensagem do “monge”
era facilmente compreendida pelos sertanejos, o que na maioria das vezes não
ocorria com o discurso do padre. (MOCELLIN. 1958, pag13.)
Nota se também que no período havia uma oposição entre o catolicismo oficial e
o catolicismo rústico, onde podemos ver em um diálogo entre o monge João Maria de
Jesus e o frei Rogério Neuhaus, o frei queria trazer os sertanejos de volta a ortodoxia
católica, do mesmo modo o povo acabava tomando ao lado do monge. As pessoas
estavam passando a participar da doutrina do Monge João Maria o que deixou os freis
preocupados com a perda de fiéis, eles até tentaram um diálogo com o Monge.
Tanto que o Monge dizia que sua reza também detinha um poder religioso, as
pessoas o procuravam para conseguir graças. Esse campo religioso é bastante
diversificado porque existia uma forte doutrina do catolicismo oficial, que condenava
esses ritos considerados anormais diante a doutrina do Vaticano.
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Esse modo vê que se tem uma grande necessidade em abordar mais temas
regionais para explorar messianismo e a religiosidade popular para uma herança cultural
de figura de João de Maria. O caráter popular é fundamental nessa necessidade da qual
o Monge tinha em suas missões, sua busca por acolher os humildes era tanta que ele
sempre dizia em suas orações que essas pessoas marginalizadas deveriam ser acolhidas
e não condenadas pela população.
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É importante distinguir a relação que Chartier nos fala dessa então representação
da fé que as pessoas adquiriram no Monge João Maria é uma prática religiosa, mas
como entender essa prática religiosa que não era reconhecida pela igreja católica. Bem
devemos lembrar que foram as pessoas em si os devotos do Monge que instituíram essa
relação a figura do Monge, essa mesma figura que acolheu muita gente entre esses os
camponeses que sofriam as consequências neste período do Pré-Contestado eles
mesmos aderiram a doutrina do Monge.
Pelo que pesquisamos podemos notar que a igreja católica até tentou acabar
coma doutrina do Monge João Maria, principalmente quando era notou a proporção que
essa doutrina tomou. Mas os freis que condenavam essas práticas que usurpavam o
cristianismo segundo eles, já o Monge João Maria sempre dizia que sua reza varia tanto
como uma missa, ele utiliza métodos diferentes para levar a palavra de Deus, mas
sempre cultivava o apego aos mais necessitados.
Na perspectiva de Eliade podemos sintetizar a propagação desse sagrado em
Faxinal-PR lembramos novamente que ainda é um sagrado não institucionalizado, essa
composição do sagrado não se altera por não ser institucionalizado. Porém nós
identificamos um sagrado que segundo a doutrina católica não passava de algo profano,
mas como entender uma prática que se torna sagrado e profano continuamente. Bem
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devemos entender que a religião do Monge era vista como profana pela igreja católica,
já a população via aquela religião simples como sagrada.
Essa forma prática de uma religião que se tornou sagrada pela mente popular é
inquestionável, quem poderia dizer que sua doutrina não consistia fatores que a
tornassem sagrada. Bem a igreja católica foi a que mais se preocupou com a propagação
dessa doutrina que se voltava para os humildes, já os Monges diziam que se as pessoas
não se sentiam acolhidas pelo catolicismo ortodoxo estavam livres para buscar outra
forma de mostrar a sua fé.
Com isso se deparamos com a capela construída para que as pessoas
manifestassem sua fé nesta doutrina, lá existem imagens de santos católicos tanto
porque o Monge João Maria não condenava a doutrina católica. Mas condenava o apego
nas coisas materiais o luxo que era explícito entre os freis principalmente a forma como
eles conduziam suas missas, proferiam as missas no latim o que dificultava o
entendimento de todos, já os Monges pelo contrário usavam a língua portuguesa
facilitando o entendimento das pessoas.
Por fim nossa pesquisa ainda está em andamento há muito campo há ser
explorada muita coisa a ser esclarecida, para isso precisamos de mais tempo para
apresentar os resultados, mas acessíveis. Mesmo assim priorizamos esta vertente
cultural manifestada em forma de uma crença religiosa na cidade de Faxinal-PR,
buscamos entender como esse catolicismo rústico que se apresentou de que uma forma
que foi aderido pela população.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BENJAMIN, R. (2002). Devoções populares não-canônicas na América Latina: uma
proposta de pesquisa. Trabalho apresentado no VI Congresso Latino-americano de
Ciências da Comunicação. Ciência, Filosofia e Religião. Acesso em 20 de setembro,
2006, em www.cafeesaude.com.br/cafeesaude/ ciencia_filosofia_religiao.htm.
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Este trabalho tem como orientador o Prof. Dr. Wander de Lara Proença da Universidade Estadual de
Londrina.
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No livro “O que é História Cultural? ”, Burke diz que essa pergunta, que dá
nome ao seu livro, ainda não foi respondida de maneira satisfatória. Em “Variedades da
História Cultural” que tem por objetivo, como o próprio título sugere discutir algumas
das diversas variedades de História Cultural, o autor ressalta que o termo “cultura” pode
variar de acordo com o local e período, sendo difícil uma definição ou conceituação do
mesmo. Além disso, pontua que a conceituação cultural clássica não serve de modelo
para a História Social de hoje, principalmente por não fornecer suporte satisfatório à
algumas questões. Proença destaca cinco objeções feitas por Burke quanto ao uso dos
parâmetros clássicos:
Primeiro, tende a ignorar a sociedade ou dar pouca ênfase a ela,
demonstrando uma ausência de fundamentos quanto à infra-estrutura
econômica, estrutura política e social na maneira como é postulada. Segundo,
apresenta dependência do conceito de unidade ou consenso cultural. (...)
Terceiro, havia a ideia de herança ou legado cultural pela tradição,
pressupondo que a recepção do que fora dado não sofria variações. Pondera-
se que a cultura é marcada por variações, transformações, modificações.
Quarto, adota a ideia de cultura implícita, convencionando-se estabelecer
como cultura a “alta cultura”; por isso, atualmente, os historiadores devem,
segundo ele, buscar recuperar a história da cultura das pessoas chamadas
comuns. E por último, a História Cultural clássica foi escrita pelas elites
europeias a respeito de si mesmas. Não pode haver uma única grande
tradição, um monopólio de legitimidade cultural. (...) Hoje, o apelo da
História Cultural é mais amplo e diversificado em termos geográficos e
sociais. A história precisa ser reescrita a cada geração a fim de que o passado
continue a ser inteligível para um presente modificado. (PROENÇA, 2006,
pp. 39-40)
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Ainda sobre a História Cultural, não podemos deixar de citar Pierre Bourdieu do
qual nos apropriaremos dos conceitos de campo, bem simbólico e capital simbólico.
Autores da área afirmam que são grandes as contribuições de Bourdieu para a Nova
História Cultural:
Os conceitos e teorias que [Bourdieu] produziu em seus estudos, primeiro
sobre os berberes e depois sobre os franceses, são de grande relevância para
os historiadores culturais. Incluem o conceito de “campo”, a teoria da prática,
a ideia de reprodução cultural e a noção de “distinção”. (...) Suas expressões
“capital cultural” e “capital simbólico” entraram na linguagem cotidiana de
sociólogos, antropólogos e de pelo menos alguns historiadores. (BURKE,
apud, PROENÇA, 2006. p. 49)
Fechando a questão, Roger Chartier considera que a história cultural tal como
conhecemos tem por objetivo principal “identificar como que em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”
(CHARTIER, 2002, p. 16-17).
Nesse viés de pesquisa da Nova História Cultural, onde a atenção dos
historiadores passou a ser mais abrangente e voltada para o popular precisamos situar o
lugar que o sagrado ocupa nesse cenário. Proença destaca que “O fenômeno religioso
passou a ganhar, assim, espaço privilegiado para a investigação historiográfica pelo viés
cultural”, completando sua colocação Ronaldo Vainfas aponta que:
Múltipla, densa e instigante, a teia que liga as diversas religiões às diferentes
formas de religiosidades tem demonstrado ser um campo fértil para
continuadas reflexões teórico metodológicas e investigações historiográficas.
(VAINFAS, apud, PROENÇA, 2006, p. 41)
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Os campos são espaços em parte autônomos que possuem suas próprias regras,
não são estáticos, e como a “representação”, são lugares de disputas constantes, o
campo apresenta-se como um lugar de produção coletiva, alteram os indivíduos e é por
eles alterado, da mesma maneira que o habitus. Chartier afirma que:
Os campos, segundo Bourdieu, têm suas próprias regras, princípios e
hierarquias. São definidos a partir dos conflitos e das tensões no que diz
respeito à sua própria delimitação e construídos por redes de relações ou de
oposições entre os atores sociais que são seus membros. (CHARTIER, 2002.
p. 140)
Existem forças que atuam nas disputas ocorridas dentro do campo. Levando em
conta que o trabalho de Bourdieu não contempla apenas um campo, mas fala a respeito
de diversos campos que constituem a sociedade e se relacionam entre si apesar de sua
relativa autonomia, era necessário explicar essas forças, ou esses meios de controle e
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coerção dentro dos campos. Essas forças são caracterizadas como poder simbólico e são
determinadas por Bourdieu como:
O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer
dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder:
só se pode passar para além da alternativa dos modelos energéticos que
descrevem as relações sociais como relações de força e dos modelos
cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na condição de se
descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das
diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho
de dissimulação e transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante
uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-
reconhecer a violência que elas encerram objectivamente e transformando-as
assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio
aparente de energia. (BOURDIEU, 2012, p. 15).
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BIBLIOGRAFIA
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Considerações Iniciais:
Os constantes fluxos migratórios dos germânicos e a recente reestruturação
geopolítica do vasto território anteriormente dominado pelo Império Romano,
provocaram diversas alterações na estrutura da sociedade Ocidental que,
consequentemente, obrigou a Igreja a elaborar novas formas de se solidificar e propagar
suas diretrizes de uma ortodoxia religiosa 269.
Sem o apoio direto do Império e em uma sociedade que cada vez mais se
alocava no campo e em regiões de difícil acesso, a Igreja do século VI enfrentou certa
dificuldade em combater as práticas populares, na maioria das vezes, não condizentes
com seus preceitos. Essa dificuldade ficou evidente, não apenas no sul da Gália como
em todo Ocidente Medível, através do combate intensivo dessas atividades
recalcitrantes.
Na primeira Idade Média 270, sobretudo a partir do século IV, houve uma
tentativa constante de diálogo do setor eclesiástico com a população, tanto nos meios
urbanos quanto rurais. Esse processo ficou marcado pela produção constante de novos
elementos, além da ressignificação e destruição de outros que já existiam, configurando-
se um método que procurava trazer novos fiéis e combater as condutas divergentes.
269
A definição de Ortodoxia Cristã aqui empregada, será a do Cristianismo elaborado e defendido a partir
do Concílio de Nicéia (325) e dos Concílios subsequentes, sobretudo, de Éfeso (431) e Calcedônia (451).
De acordo com a definição deles, o cristianismo niceano seria a crença num deus único manifestado em
três pessoas – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – e na redenção de mundo pela Encarnação, Paixão e
Ressureição de Jesus Cristo. O Filho, que é o Verbo Divino, foi verdadeiramente encarnado pelo Espírito
Santo na carne da Virgem Maria, e que ele combina em si próprio, sem distinção de pessoas, as naturezas
perfeitas e completas de Deus e do homem. LOYN, H. R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1990, p. 107.
270
Utilizamos a proposta de divisão da Idade Média de Hilário Franco Júnior, o historiador demarca
como “Primeira Idade Média” a fase que se estendeu de princípios do século IV a meados do século VII,
reservando “Alta Idade Média” para meados do século VIII a fins do X. FRANCO JÚNIOR, Hilário. Por
uma outra Alta Idade Média. In: ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. (org.) Relação de poder, educação
e cultura na Antiguidade e Idade Média. Santana de Parnaíba: Solis, 2005. P. 28.
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entender o que a igreja renega e diz não ser, para entender o que esses excluídos eram.
Por fim, mas não menos importante, observaremos a tentativa de cristianização da
população rural da Provença através do 13° sermão de Cesário, que procurou condenar
os atos dessa religiosidade popular e impor, segundo o bispo, uma verdadeira ortodoxia.
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procurou propagar seus ensinamentos, não apenas de forma escrita, como também pelo
boca a boca. Em um de seus sermões, ele argumenta que, certamente, em qualquer grupo,
haveria ao menos uma pessoa que pudesse ler para os demais (SC. 6.2). Ele fez o possível
para que seu publico memorizasse suas predicas, se uma pessoa não se lembrasse do
sermão todo, cada um deveria lembrar-se de uma parte. Assim, juntos seriam capazes de
reconstruir o sermão por completo:
“Alguém deveria dizer: ‘Eu ouvi meu bispo falando sobre a castidade’. O outro
deveria declarar: ‘Eu me recordo que ele disse que deveríamos cultivar nossas
almas assim como cultivamos nossos campos'. Ainda outro deveria dizer,
‘Lembro-me que meu bispo disse que quem consegue ler deve fazer um esforço
e ler a Sagrada Escritura; quem não sabe, deve encontrar alguém que possa’.
Ao mesmo tempo, eles recordam um ao outro o que ouviram. Assim, eles não
são capazes apenas de lembrarem as palavras do sermão, mas, com a ajuda de
Cristo, cumpri-las” (SC. 6.8).
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até mesmo da Religião Oficial que, por sua vez, a modificou por meio de um intenso
embate.
Segundo Jacques Le Goff, o combate dessas práticas eram constantes, o
historiador define três maneiras pelas quais a cultura clerical defrontou a religiosidade
popular: a destruição que tinha como primazia extinguir os templos e ídolos pagãos; a
obliteração ou sobreposição dos temas, das práticas, dos monumentos e das personagens
cristãs a antecessores pagãos. Não é uma sucessão, mas uma abolição. Por fim a
desnaturação que, segundo o autor, é o elemento mais importante na luta contra a cultura
folclórica, pois, nesta medida, os temas pagãos mudam radicalmente de significado para
um tema cristão (LE GOFF, 1980: 212-213).
Estas medidas acabaram por gerar um sentido ambíguo e até mesmo equivocado
do culto ao sagrado, gerando uma nova religiosidade, especialmente no mundo rural
emergente no momento, pois, as velhas crenças ancestrais de longa duração, pouco ou
nada tocadas pela culturas antigas como a romana, viam-se alheias aos avanços do
cristianismo (ANDRADE FILHO, 1997: 113).
No geral, dentro da população rural, a maior parte dos cultos e das divindades
veneradas, não apenas na Provença, estavam relacionados com os elementos da natureza.
Esses elementos permitiam que essa população conseguisse ver uma realidade onde a
variação errática dos elementos do cotidiano era algo palpável e absolvido no mundo
essencial (BROWN, 1999: 114), especialmente a relação com a fertilidade e a produção.
Muitas vezes, as divindades desse mundo palpável eram representadas por
árvores, rios e rochas que ganhavam altares ou até mesmo santuários para serem
homenageados. Por sua vez, Cesário exortava-os a destruir todos os templos desse
universo natural, onde quer que os encontrasse (V.C. 14.1). Ao estudar a trajetória de
Cesário de Arles, Peter Brown coaduna com os preceitos de Le Goff, o historiador
irlandês afirma que o bispo utilizou-se das maneiras supracitadas para desenvolver suas
prédicas e ainda, Brown delibera que, para o bispo, o paganismo não era um conjunto de
práticas independentes, elas:
“reluziam ainda através do mundo físico recheado de poderes misteriosos e não cristãos.
Em vez disso, apresentava o paganismo como uma simples coleção de ‘tradições
fragmentárias’ de ‘hábitos sacrílegos’, ‘costumes inertes’, ‘imundices dos gentios’ e que
deveriam ser encobertos pelo cristianismo” (BROWN, 1999: 117).
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“Vede, irmãos, aquele que recorre à Igreja em sua enfermidade obtém, se for
digno, a saúde do corpo e a remissão dos pecados. Uma vez que só na Igreja é
possível, pois, encontrar este duplo benefício. E por que há infelizes que se
dedicam em causar mal a si mesmos, procurando os mais variados sortilégios:
buscando em encantos e feitiços diabólicos em fontes e árvores, feitos por
videntes e adivinhos charlatões?” (SC. 13.3).
271
Por Imaginário entendemos: “um conjunto de imagens visuais e verbais gerado por uma sociedade (ou
parcela desta) na sua relação consigo mesma, com os outros grupos humanos e com o universo em geral”.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Cocanha: a história de um país imaginário. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. p. 16. & FRANCO JÚNIOR, Hilário. Os três dedos de Adão: Ensaios de Mitologia Medieval.
São Paulo: Edusp, 2010. p. 70.
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Considerações finais:
Verifica-se assim, com a análise desenvolvida, que a presença do considerado
“pagão” era constante entre a população. E ainda, a tentativa de embate das práticas da
religiosidade popular, por meio da pregação, foi insistente durante toda Primeira Idade
Média. Porém, é difícil medir os efeitos da pregação, e ainda, o período em que sua
assimilação foi maior, ou menor, mas, podemos levar em conta o que Hillgarth adverte:
“levou-se alguns séculos para que o Cristianismo realmente penetrasse na vasta massa da
população da Europa Ocidental, e ainda, para a maior parte da população rural até o
século VIII (e frequentemente muito depois), certa forma de paganismo continuava pelo
menos tão atraente quanto o Cristianismo” (HILLGARTH, 2004: 16). Deste modo, esta
abordagem rápida sobre a condenação da religiosidade popular expressa no 13° sermão
de Cesário, deixa visível a tentativa de elaboração de uma nova realidade através da
pregação que, de fato, procurou definir os contornos da verdadeira religião diante do
paganismo e da superstição, e propor (até mesmo impor) um modelo de cristianismo
(POLO DE BEAULIEU in: LE GOFF & SCHIMITT, 2002: 367).
ABREVIATURAS E SIGLAS:
VC. Vita Caesari Episcopi Arelatensis
SC. Sermo Caesarii
Dout. Crist. De doctrina Christiana
DOCUMENTOS MEDIEVAIS:
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Santana de Parnaíba: Solis, 2005.
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discurso religioso Medieval. In: ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. (org.) Relação
de poder, educação e cultura na Antiguidade e Idade Média. Santana de Parnaíba:
Solis, 2005.
BROWN, Peter. A Ascensão do Cristianismo no Ocidente. Lisboa: Presença, 1999.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Cocanha: a história de um país imaginário. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
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272
Graduado em História pela Universidade Estadual de Londrina. Atualmente é mestrando do programa
de Pós Graduação em História Social da UEL. Orientado pela Profª. Drª. Monica Selvatici.
273
Pais da Igreja é uma expressão comumente utilizada para se referir aos Bispos da Igreja da era pós-
Apostólica que se tornaram lideranças no âmbito doutrinal e, portanto, eram os representantes e
responsáveis pela construção de uma ortodoxia oficial cristã.
274
O termo Ortodoxia pode ser explicado etimologicamente por: Orthos (certo, correto, verdadeiro) +
Doxa (opinião), ou seja, opinião correta ou verdadeira. Nesse sentido, a construção de uma Ortodoxia é a
construção de um discurso que visa normatizar uma ideia como a única correta ou verdadeira.
275
Paulo pode ser considerado o principal apóstolo para as Igrejas do Ocidente, uma vez que foi por seu
intermédio que boa parte das principais igrejas foram fundadas em meados do primeiro século. Raymond
Brown aponta que Paulo era um “pregador ambulante”, que viajava o mundo fundando igrejas e pregando
suas convicções religiosas. São dele a grande maioria dos primeiros escritos cristãos e justamente por seu
papel de liderança e autoridade dentro do cristianismo primitivo é que seus escritos logo foram os
primeiros a ser aceitos como escrituras sagradas para os cristãos. Isto implica que a teologia de Paulo foi
fundamental para a formação de uma ortodoxia oficial cristã, haja vista que a principal autoridade para os
cristãos em geral eram seus escritos, os ensinamentos neles contidos e suas interpretações. (BROWN,
2003, p.58-59)
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Bem pouco tempo antes disso, Marcião, que em sua permanência na Ásia
Menor foi duramente atacado por haver rejeitado o AT, veio a Roma e, aí
também, foi excluído da Igreja (cerca de 144 d.C.). Foi então que ele
organizou sua própria Igreja, e como se recusasse totalmente a aceitar o AT,
deu à sua Igreja uma nova Sagrada Escritura, formada por Lc e pelas dez
epístolas de Paulo (sem as Pastorais). Avisando tratar-se de uma restauração
do texto original, Marcião reduziu consideravelmente o texto destes onze
escritos, que ele encontrara no texto da tradição “ocidental”. Além destes,
ele alterou muitos textos partindo de uma perspectiva antijudaica.
(KUMMEL, 1982, p.640)
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Irineu faz questão de lembrar que a Igreja mantém o evangelho deixado pelos
apóstolos, no plural, e isso é importante, pois Marcião negava a mensagem de todos os
apóstolos com exceção de Paulo (KUMMEL, 1982, p.640). Além disso, ele reforça a
ideia bastante disseminada por toda sua obra de que a tradição apostólica foi mantida na
Igreja da qual ele faz parte e este é argumento de autoridade para ele, aliás, um dos
principais para a formulação de um cânon cristão de textos considerados sagrados.
Como salienta Kummel:
O critério para incluir-se um texto não é seu conteúdo mais o fato de ter sido
escrito por um apóstolo. É por isso que os autores de Lc e Mc são tidos como
autorizados: autorizados em virtude de haverem usufruído do
relacionamento com um dos apóstolos, na qualidade de discípulos.
(KUMMEL, 1982, p. 651)
Além disso, Irineu faz questão de reforçar a ideia de que toda a doutrina cristã
percorre um fio condutor que é o Antigo Testamento, aqui representado pelos
“Profetas”. É uma importante demonstração de proximidade com o judaísmo. O
Evangelho de Cristo é em parte o cumprimento das profecias ligadas à tradição judaica.
Irineu, ainda no terceiro livro de Contra as Heresias, deixa claro a seu leitor que a
“heresia” marcionita ao pretender negar o Deus de Israel se contradiz fortemente
quando elege o apóstolo Paulo como seu único mentor, pois, segundo o próprio Paulo,
como Irineu enfatiza, o Deus de Pedro é o mesmo que Paulo anuncia. Como podemos
ver abaixo:
Com respeito aqueles (os Marcionitas) que alegam que somente Paulo sabia
a verdade, e que para ele o mistério foi manifestado por revelação, deixemos
o próprio Paulo condená-los, quando ele diz, “porque aquele cuja ação fez de
Pedro o apóstolo dos circuncisos, fez também de mim o dos pagãos”
(Gálatas 2:8). Pedro, portanto, era um apóstolo do mesmo Deus de que era
também Paulo; e Ele para quem Pedro anunciou como Deus entre os
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Esta é, portanto, a teoria deles, que nem os profetas pregaram, nem o Senhor
ensinou, nem os apóstolos transmitiram e pela qual se gloriam de ter
conhecimentos melhores e mais abundantes do que os outros. Leem coisas
que não foram escritas e, como se costuma dizer, trançando cordas com
areia, procuram acrescentar às suas palavras outras dignas de fé, como as
parábolas do Senhor ou os oráculos dos profetas ou as palavras dos
apóstolos, para que as suas fantasias não se apresentem sem fundamento.
Descuidam a ordem e o texto das Escrituras e enquanto lhes é possível
dissolvem os membros da verdade. Transferem, transformam e fazendo de
uma coisa outra seduzem a muitos com as palavras do Senhor atribuídas
indevidamente a fantasias inventadas. (IRENAEUS, Contra as Heresias.
Livro I. p.33.)
Assim, Marcião, que pregava uma ruptura total com o judaísmo, negava as
Escrituras hebraicas, pois afirmava que elas davam testemunho do Demiurgo, do falso
Deus. Desenvolveu um cânon próprio de escrituras que considerava a verdadeira
palavra de Jesus Cristo. Neste sentido, Marcião foi o primeiro homem a propor uma
seleção e padronização de uma lista de livros para os cristãos, formando assim o
primeiro cânon cristão, por volta do ano 144 d.C. (CATHOLIC ENCYCLOPEDIA,
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É importante destacar como Irineu critica muito Marcião por negar a tradição
judaica do movimento. As “mutilações” de Marcião, segundo Irineu, foram tão
chocantes que o bispo ainda continua:
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Já no III livro Irineu retoma a crítica à maneira de agir daqueles que ele chama
“Hereges”. A crítica novamente recai sobre a questão das escrituras o que só nos mostra
a importância desta questão naquele momento. Irineu relembra que a Igreja segue a
tradição dos apóstolos enquanto os “hereges” dizem que a verdade não necessariamente
foi transmitida por escrito, como podemos observar:
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parte da Igreja.
É neste clima que o bispo Irineu em Lyon resolve escrever Contra as Heresias,
sua grande obra de refutação da falsa Gnose onde, além de expor a crença dos
gnósticos, ainda ensina a contestá-la e a defender a fé da Igreja. Neste contexto, surgem
as primeiras discussões dentro da Igreja sobre a questão do cânon, ou seja, da formação
de uma Sagrada Escritura Cristã que se contrapunha ao cânon de Marcião.
É importante ressaltar que nas entrelinhas estava em jogo um processo de
formação de uma identidade cristã oficial que de início tem muita relação com a
aproximação ou total negação do judaísmo. Um movimento dialético que culminará
mais para o final do século III com a progressiva formação de uma identidade cristã que
assegura a continuidade da mensagem judaica renovada e repensada em Jesus Cristo
para todos os povos. Izidoro nos ajuda a compreender este processo quando resume a
maneira como as identidades são construídas historicamente, para ele, apropriando-se
do conceito de outros autores:
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cristã, A literatura cristã aparece como objeto de construção de um discurso oficial (na
medida em que é delimitada pelos bispos da Igreja). O papel dos textos como discursos
normatizadores pode ser entendido, de acordo com Judith Lieu, a partir da ideia de que
“os textos têm a capacidade de se imprimir como realidade”. (LIEU, 2002. Apud
SELVATICI, 2014, p.1). Ou seja, segundo Selvatici, os textos conseguem moldar as
práticas dos cristãos. (SELVATICI, 2014, p.1). Segundo Lieu, “O que nós entendemos
como ‘literatura cristã antiga’... constrói para nós, e suspeitamos para seus leitores, uma
identidade” (LIEU, 2002. Apud SELVATICI, 2014, p.1). É claro que, como salienta
Selvatici, o discurso oficial em si é apenas um dos aspectos de análise, tendo em vista
que no campo da práxis pode-se observar que o cristianismo se expressa em várias
vertentes que não seguem o discurso oficial. (SELVATICI, 2014, p.2.) Importante é
entender que através da formação do Cânon do Novo Testamento os bispos da Igreja
procuraram criar um discurso oficial cristão que se legitimava pela autoridade
concedida aos autores de cada um dos livros e assim possibilitaram classificar tudo o
que não seguisse esta ortodoxia como heresia e criar uma norma a ser seguida pelos
cristãos, que, como vimos, constrói uma identidade, mesmo que esta seja uma
identidade oficial.
Considerações finais
Os embates teológicos entre os líderes das principais correntes do cristianismo
no mundo antigo acabaram ao longo do tempo por moldar uma ortodoxia, tanto no
campo das ideias quanto no campo da práxis social (SELVATICI, 2013, p.196-208.).
Ou seja, o confronto dos vários cristianismos que existiam no campo teológico acabou
ao longo dos séculos por fortalecer uma corrente em especial que é o cristianismo
paulino, vinculado à tradição apostólica dos Pais da Igreja (GABEL; WHEELER, 1993,
p. 80-82). Expressões de influência gnóstica terminaram por perder espaço no campo
das ideias e foram dando lugar a uma teologia mais erudita e desenvolvida aos poucos
pelos Pais da Igreja. Em meio a estes embates estava a questão central do Cânon, afinal
de contas com o afastamento temporal gradual dos primeiros líderes cristãos, qual seria
a verdadeira fé? Como ter certeza de que o que estava sendo ensinado pelas várias
comunidades cristãs era de fato a “verdade” de Cristo? Se haviam tantos
“cristianismos”, vários líderes com pensamentos por vezes díspares, onde encontrar a
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“verdade”? Qual era a identidade cristã? É desse modo que as principais lideranças dos
cristãos começam a se voltar para os escritos que, segundo a tradição, supostamente
seriam dos próprios apóstolos ou no mínimo de seguidores muito próximos aos
apóstolos em si. (BROWN, 2004, p. 63-65)
Havia uma vasta literatura apostólica que circulava nas comunidades cristãs a
partir do final da segunda metade do primeiro século e inicio do segundo, boa parte
destas obras eram do apostolo Paulo, ele foi um importante pregador cristão que
percorreu o mundo Gentio levando suas crenças. Por isso seus escritos, assim como o de
outros apóstolos, eram muito respeitados no meio cristão e passaram a servir de guia
para a considerada verdadeira fé. Segundo Kummel:
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agora ganhava o mundo e se abria para todos. A salvação não era mais exclusividade de
Israel, a mensagem do antigo Deus de Abraão havia agora sido renovada e ia, aos
poucos, se adaptando à nova realidade.
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Nosso percurso, portanto, tem como pressupostos essas categorias para pensar a
relação da cosmogonia religiosa católica do início do século XX, sua relação com a
percepção da morte e com sua própria filosofia da história. Trata-se de investigar,
especificamente, um conto da revista infantil e católica O Beija-Flor.
Iniciaremos introduzindo o periódico no seio dos impressos, em uma categoria
(literatura utilitária) da literatura, utilizada para definir uma narrativa na qual a
276
Especificamente sobre Hartog, pensemos em suas considerações acerca dos regimes de historicidade.
O trabalho em questão não articula especificamente o conceito, mas inferi-o. Segundo sua interpretação:
“Ninguém duvida de haja uma ordem do tempo, mais precisamente, ordens que variam de acordo com os
lugares e as épocas. Ordens tão imperiosas, em todo caso, que nos submetemos a elas sem nem mesmo
perceber: sem querer ou até não querendo, sem saber ou sabendo, tanto elas são naturais. Ordens com as
quais entramos em choque, caso nos esforcemos para contradizê-las ” (2011:17).
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preocupação principal não é estética 277. Por conseguinte, pensaremos no contexto dos
impressos. A parte final dedicar-se-á ao exame da fonte, os pressupostos da sociologia
do corpo e os paradoxos da modernidade.
O final do século XIX e início do XX é palco da produção em massa da
literatura infantil. A evolução das técnicas de impressão possibilitou o surgimento das
revistas para o público em geral. As mudanças na percepção da função da literatura
infantil, entretanto, não mudaram do mesmo modo que as técnicas do impresso. Desde o
século XVIII até meados do século XX, a literatura infantil possuía função
predominantemente pedagógica, como salienta Perrotti:
277
De acordo com Perrotti, “Visto isso, o problema que nos fica é o de que a literatura para crianças e
jovens não se satisfez com a tradição da arte concebida enquanto instrumento apenas em um de seus
níveis, mas, exagerando a tradição, reduziu-se a isso, fazendo do contingencial, estrutural e da literatura,
propaganda, ao buscar apenas o exortativo, o edificante, o didático [...]. ” (1986:38).
278
Segundo Aries, a literatura infantil surgiu no século XVI, mas é somente a partir do século XVIII que
é pensada diretamente para o público infantil, em consonância com o maior grau de distinção entre
infância e a vida adulta, que vai ficando mais claro a partir deste período. Sobre o tema, ver:
(ARIES,1978).
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Estas questões possuem importância vital para a análise proposta neste trabalho.
Uma vez que é necessário delimitar os referenciais simbólicos da igreja católica e a
partir disso, considerar de que modo o prognóstico da morte pode dialogar com a
literatura dispostas na revista.
Este exame propõe, portanto, a partir dos contos publicados pela revista O Beija-
Flor, indicar a relação do universo simbólico da igreja católica brasileira do início do
século XX, com as possibilidades de “futuros” da Belle Époque, ou, de maneira geral,
do próprio progresso da modernidade.
Ao que concerne ao medo, baseamo-nos na sociologia do risco, mais
especificamente em Lupton, na Obra Risk (1999). De acordo com a autora, o medo
possui característica criadora, uma vez que busca evitar uma situação de risco.
279
MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revistas. SP: Edusp, 2008 e MANOEL, Ivan A. O pêndulo da
História: Tempo e eternidade no pensamento Católico (1800-1960). Maringá: Eduem, 2004.
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Esta delimitação temporal, do período denominado de “belle époque”, segue a considerada em:
(NOVAIS,1998).
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No final do inverno, Valério está enfermo “deitava sague pela boca” (idem).
Nesse momento, sob os cuidados médicos, queria receber a comunhão e “pelas sete
horas”.
Antes da morte, portanto, Valério redimiu-se de seus pecados e garantiu sua ida
ao reino divino “quando o relógio deu oito horas, já nosso “heroesinho exhalára a sua
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HISTÓRIA E
ENSINO
INTRODUÇÃO
Este trabalho propõe como tema analisar de que forma ocorre a aprendizagem
histórica nos alunos a partir do uso da fonte histórica, o jornal fascista, La Provincia di
Bolzano em sala de aula. Desta forma, a partir da problematização do jornal serão
trabalhados o conteúdo substantivo 281 fascismo e os conceitos de segunda ordem
evidência e empatia. Em seguida as narrativas produzidas pelos aluno serão
categorizadas e analisadas com o objetivo de compreender de que forma eles relacionam
o que foi aprendido com questões ou situações que envolvem sua própria realidade.
O jornal La Provincia di Bolzano não se prefigura como a fonte que será
analisada na pesquisa. O objetivo deste trabalho não é analisar o jornal em si, mas
entender de que forma seu uso em sala de aula pode colaborar para o desenvolvimento
da aprendizagem histórica nos alunos. Logo, é por meio do seu uso em sala de aula que
será possível alcançar os objetivos propostos aqui. Desta forma, é importante
problematizar a utilização do jornal, pois este norteará a produção das narrativas dos
alunos. Neste sentido, é de vital importância que no seu manuseio em sala de aula o
jornal seja devidamente ponderado enquanto fonte histórica. Portanto, faz-se necessário
questionamentos acerca do seu lugar social, cultural e institucional, assim como sua
inserção no debate teórico- metodológico.
O uso de periódicos enquanto objeto que possibilita o conhecimento sobre o
passado não deve ser entendido como material neutro e objetivo. Conforme Capelato e
Prado, o historiador ao se debruçar sobre periódicos esta cônscio de que se trata de um
“instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social” e não de
281
Segundo Peter Lee (2001): “Conceitos substantivos são os que se referem a conteúdos da História,
como por exemplo, o conceito de indústria. Conceitos de segunda ordem são os que se referem à natureza
da História, como por exemplo, explicação, interpretação, compreensão” (LEE, 2001, p.20).
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282
LUCA, T. Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In. PINSKY, Carla Bassanezi
(Org.). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010. p.140.
283
Idem, p.140.
284
FORNO, Mauro. La Stampa Del Ventennio: Strutture e trasformazioni nello stato autoritário. Soveria
Mannelli: Rubbettino Editore, 2005.
285
La Provincia di Bolzano. Bolzano, p.1, 10 jan 1929.
286
MURIALDI, Paolo. La Stampa del Regime Fascista. 3 ed. – Roma- Bari: Editori Laterza, 2008. p.223.
287
Os números disponíveis são os que seguem: 1927 n.001 - n.218; 1928 n.001 - n.310; 1929 n.001 -
n.311; 1931 n.001 - n.310; 1932 n.001 - n.312; 1933 n.001 - n.309; 1934 n.155 - n.309; 1935 n.001 -
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Graças a este expediente o jornal hoje faz parte do meu acervo documental o que
viabiliza a sua utilização nesta pesquisa. O trabalho de tradução necessário para a
preparação do material para elaboração da aula e dos textos que serão disponibilizados
para os alunos será realizado por mim.
O jornal La Provincia di Bolzano foi o primeiro diário em língua italiana na
região do Trentino Alto Adige - Itália. Esta região, que antes pertencia ao Império
Austro- Húngaro, foi anexada ao território italiano após a primeira Grande Guerra
Mundial pelo Tratado de Saint Germain em 1919. Segundo Faustini, este jornal foi “[...]
288
o órgão oficial do fascismo altoatesino”. Desta forma, enquanto órgão oficial do
partido fascista estava vinculado ao dever de “instruir, educar, orientar, tranqüilizar,
incutir orgulho” nas massas. 289
Para David Forgacs, o fato que a imprensa italiana passou por um processo de
fascistizzazione 290 já nos primeiros anos do regime indica a influência da precedente
experiência jornalística de Mussolini no jornal Avanti. Mussolini, enquanto jornalista,
assim come seus colaboradores, “entendiam os jornais; sabiam como funcionavam e
compreendiam a importância e influência política”. 291 Por mais que em 1931 o
analfabetismo na Itália em geral superasse o 20% da população e em algumas regiões
alcançasse quase o 50 %, o jornal ainda era o meio de comunicação mais difuso na
Itália. 292
Desta forma, a imprensa resulta determinante para manutenção do consenso
entre as massas: “[...] para tornar aceitáveis à opinião pública as suas batalhas, os seus
desenhos hegemônicos e as suas guerras, para suscitar no país um espírito “nacional” e
“fascista”, no qual cada cidadão poderia identificar-se”. 293 Devido à influência exercida
pela imprensa perante a opinião pública o controle e a censura eram constantemente
n.311; 1936 n.001 - n.310; 1937 n.001 - n.311; 1938 n.001 - n.311; 1939 n.001 - n.310; 1940 n.001
- n.311; 1941 n.001 - n.61.
288
Também autor da obra Storia dell’autonomia del Trentino - Alto Adige, Publilux, Trento 1995.
289
FORNO, 2005. p.123.
290
Por fascitizzazione se entende o processo de controle e censura pelo qual os jornais italianos foram
submetidos durante o vinteno fascista. Segundo Forgacs, “se tratava de uma reorganização do staff
editorial e de controle político de todos os artigos; em alguns casos significou também alteração do
proprietário do jornal” (FORGACS, 2000, p.108).
291
FORGACS, David. L’industrializzazione della Cultura Italiana (1880 - 2000). Bologna: Il Mulino,
2000. p.108.
292
FORGACS, 2000, p.89.
293
FORNO, Mauro. La Stampa Del Ventennio: Strutture e trasformazioni nello stato autoritário. Soveria
Mannelli: Rubbettino Editore, 2005.
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exercidos. Por exemplo, Mussolini em uma reunião para tratar acordos com o Vaticano
em 1929 lança uma advertência:
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296
SOBANSKI, Adriande de Quadros, CHAVES, Edilson Aparecido, BERTOLINI, João Luis da Silva e
FRONZA, Marcelo. Ensinar e Aprender História: Histórias em Quadrinhos e Canções. Curitiba: Base
Editorial, 2010. p.40.
297
LEE, Peter. Nós fabricamos carros e eles tinham que andar a pé”: compreensão das pessoas do
passado. In. BARCA, Isabel. Educação histórica e museus. Actas das Segundas Jornadas
Internacionais de Educação Histórica. Braga: Lusografe, 2003. p.25.
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Desta forma, as evidências não devem ser percebidas como mera ilustração, mas
devem estimular questionamentos a respeito do contexto social que as produziu, da sua
autoria, das suas intencionalidades e das suas finalidades. Conforme, Abud:
298
ABUD, Kátia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de
história. Caderno Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 309-317, 2005. p.312.
299
SIMÃO, A. Catarina. A construção de evidência histórica: concepções de alunos do 3.° ciclo
secundário. In. Actas das 7.as Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga: Minhografe-
Artes Gráficas, 2008. p.75.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa se encontra em fase inicial e portanto não é possível discutir sobre
os possíveis resultados. No entanto, com esta pesquisa espera-se superar as dificuldades
específicas ligadas ao ensino de história, aproximar os alunos do processo de construção
do saber histórico através de fontes históricas possibilitando uma compreensão mais
concreta acerca da História. Sabe-se que não existe uma metodologia única e eficiente
para que ocorra uma aprendizagem de qualidade. Espera-se com esta pesquisa poder
explicitar e pensar as possibilidades necessárias para que as aulas se tornem realmente
um lugar de interação dialógica que possibilite o desenvolvimento de uma consciência
genético- crítica que comporta a autonomia dos alunos como cidadãos conscientes do
seu papel de sujeitos históricos na sociedade.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
300
FERREIRA, Clarisse. O papel da empatia histórica na compreensão do outro. In. BARCA, Isabel;
SCHMIDT, M. Auxiliadora. Educação Histórica: Investigação em Portugal e no Brasil. Actas das quintas
jornadas internacionais de Educação Histórica, 2009. p.117.
301
GAGO, 2009, p.177.
302
CERRI, 2011, p. 120.
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Acreditamos ser cada vez mais necessária a reflexão acerca das práticas de leitura entre
os jovens na atualidade. Segundo Coelho (2000), o contexto cultural de transformações
tecnológicas e comunicativas, estabelecido no final do século XX, vem influenciando debates e
reformulações no âmbito da Literatura voltada ao público adolescente. A autora aponta uma das
inquietações vivenciadas na atualidade: qual seria o lugar da literatura em um mundo cada vez
mais tecnológico?
Concordamos com a resposta dada por essa mesma autora à sua própria inquietação.
Segundo ela, “[...] a literatura, e em especial a infantil, tem uma tarefa fundamental a cumprir
nesta sociedade em transformação: a de servir como agente de formação, seja no espontâneo
convívio leitor/livro, seja no diálogo leitor/texto estimulado pela escola” (COELHO, 2000, p.
15).
Assim, para que possamos compreender como vem se estruturando o meio literário
voltado aos jovens e quais os papeis que ele tem assumido na atualidade, buscaremos verificar
brevemente como se deu o surgimento desse tipo de recurso no contexto brasileiro. Foi
principalmente a partir da década de 1980 que o mercado literário voltado ao público jovem
passou a se expandir em larga escala. Nessa época, já existiam as chamadas obras “pioneiras”,
como aquelas de Monteiro Lobato, por exemplo. No entanto, foi no final do século XX que o
campo realmente se expandiu massivamente.
A partir de meados dos anos 80, a produção de Literatura Infantil/Juvenil
‘explode’ no mercado editorial, tornando-se quase impossível, ao analista, o
registro global das centenas de títulos publicados e o crescente número de
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Mas afinal, como são caracterizadas essas obras literárias voltadas ao público jovem,
que têm surgido nos últimos anos? Com a expansão da produção desses materiais, foi necessário
estabelecer algumas vertentes principais de caracterização. Coelho (2010) define as atuais
tendências da literatura infantil/juvenil em três categorias principais. A primeira categoria,
chamada Realista, é formada por obras que buscam retratar o cotidiano típico de uma criança,
costumes, pequenos mistérios e aventuras, problemas sociais e reflexões psicológicas. A
segunda categoria, intitulada Fantástica, envolve o universo do imaginário e da fantasia. Já a
terceira categoria é chamada Híbrida, pois parte de um contexto considerado realista e
incorpora elementos do fantástico também.
É evidente que, ao estabelecer essas classificações, a autora não pretende engessar e
propor uma divisão única entre as obras, mas apenas delimitar e, de certa forma, mapear as
tendências atuais desse universo literário infantil/juvenil.
Os paradidáticos “clássicos”
Dentro desse campo de produção de obras literárias voltadas aos jovens, surgiram
também aqueles materiais considerados paradidáticos “clássicos” – que, além estabelecerem
relações diretas com a escola e com o processo de aprendizagem, foram produzidos
especificamente para esse fim. Segundo Laguna (2001), esses materiais surgiram a partir de
debates a respeito das práticas de leitura dos alunos.
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ampliando, Zamboni (1991) afirma que as editoras ligadas ao mercado educacional passaram a
pensar em alternativas além dos livros didáticos e a partir desse “flanco aberto” investiram na
produção dos paradidáticos, que segundo a autora se configuraram como o “novo filão
lucrativo”.
Outro fator relevante a ser considerado também é que durante a década de 1980 houve
uma crise editorial no Brasil, estimulada pelos altos índices inflacionários. Isso fez com que
algumas editoras vendessem até 60% a menos de um ano para o outro, como exemplifica
Zamboni (1991, p. 10). Nesse contexto, os livros com conteúdos didáticos e voltados aos
estudantes se mantiveram como esperança e “retaguarda” econômica de muitas editoras.
Assim, nas últimas décadas do século XX esse tipo específico de material passou a se
apresentar como uma rentável alternativa às editoras, configurando também uma nova forma de
encararmos o ensino de história, afinal:
Zamboni (1991) afirma que esses recursos passaram a ser considerados por muitos
como a “[...] panaceia de todos os problemas do ensino” (ZAMBONI, 1991, p. 47). No entanto,
segundo a autora, muitos deles inovaram apenas no aspecto da linguagem e nas novas formas de
apresentação estética, pois seu conteúdo continuava tradicional e os níveis de recortes temáticos
também continuavam os mesmos daqueles materiais institucionalizados.
Essa autora realizou uma análise de livros paradidáticos voltados ao público do Ensino
Fundamental, publicados principalmente durante a década de 1980. Em seu trabalho ela mapeou
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os principais paradidáticos do mercado, segundo cada editora e coleção. Ela verificou três
coleções em particular: A História em Documentos (Editora Atual), Redescobrindo o Brasil
(Editora Brasiliense) e O Cotidiano da História (Editora Ática). Primeiramente, ela verificou as
inovações nos formatos e, depois, buscou sistematizar as inovações “conteudísticas”. Alguns
fatores foram priorizados na análise como: apresentação gráfica, jogos de cores, tipo de letras,
ilustrações, vocabulário, papel, páginas, linguagem, recursos narrativos, apresentação da história
em quadrinhos, da narrativa ficcional, emprego de documentos, contexto social, sujeitos
históricos, relações sociais.
A autora em sua pesquisa pretendeu ainda analisar como se expressava a dinâmica do
poder nos materiais. Os níveis de manifestação de poder que foram analisados por Zamboni
(1991) são: a organização política (instituições, leis, Igreja, nobreza, etc.) e a interação social
(dia a dia, diálogos, posturas, etc.).
Após a análise, Zamboni (1991) concluiu que a relação entre paradidático e inovação
pedagógica não se concretizava em termos reais, pois nem sempre esses materiais atendiam aos
novos recortes temáticos, ao desenvolvimento de um pensamento crítico, à interpretação de
fontes históricas e ao questionamento de algumas visões tradicionais da historiografia.
Para que a utilização desses materiais pudesse ser realmente significativa, segundo
Zamboni (1991), eles deveriam ser agregados a uma abordagem consciente por parte do
professor.
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Assim, compreendemos que a leitura de uma obra literária não se mostra como a
simples absorção de uma mensagem ou experiência simplesmente estética, mas sim uma
“convivência particular com o mundo criado através do imaginário” (ZILBERMAN, 1985, p.
24). Concordamos, portanto, com De Certeau (1998, p. 266) que “[...] o texto só tem sentido
graças a seus leitores; muda com eles; ordena-se conforme códigos de percepção que lhe
escapam. Torna-se texto somente na relação à exterioridade do leitor [...]”. De acordo com esse
autor,
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Dessa maneira, entendemos que muito mais do que uma função pedagógica de
compreensão “conteudística” as obras literárias para os jovens constituem uma possibilidade
para a formação do pensamento crítico e da interpretação da realidade em que vivem. Ao se
inspirar em elementos do real e apresentar uma característica dita social, evocando ideias e
valores próximos aos leitores, a literatura possibilita o desenvolvimento da capacidade de
compreensão de mundo.
Como procede a literatura? Ela sintetiza, por meio dos recursos da ficção,
uma realidade, que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive
cotidianamente. Assim, por mais exacerbada que seja a fantasia do escritor
ou mais distante e diferentes as circunstâncias de espaço e tempo dentro das
quais uma obra é concebida, o sintoma de sua sobrevivência é o fato de que
ela continua a se comunicar com o destinatário atual, porque ainda fala de seu
mundo, com suas dificuldades e soluções, ajudando-o, pois, a conhecê-lo
melhor. (ZILBERMAN, 1985, p. 22).
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edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” 303, realizada pelo Instituto Pró-Livro em
2011, entre os jovens de 11 a 13 anos, 47% afirmaram que sua principal forma de acesso a
livros é por meio da biblioteca escolar. Entre os jovens de 14 a 17 anos esse número é ainda
maior: 48% deles tem na escola a referência principal para acesso a livros. Outra questão
relevante é o papel dos professores como fomentadores da prática da leitura. Ainda de acordo
com a pesquisa citada, em 2011, ao responderem a seguinte pergunta: “Qual é a pessoa que mais
influenciou ou incentivou o seu gosto pela leitura?” 45% dos entrevistados responderam que
foram seus professores.
Reconhecemos, dessa forma, o importante papel assumido pela escola e pelos
professores no incentivo à prática da leitura no contexto atual e concordamos, portanto, com
Costa (2007, p. 10), que “[...] cabe à escola promover o crescimento do leitor, seja pelo contato
com muitos e variados temas de leitura, seja quanto ao formato da escrita literária, seja, ainda,
pelo compartilhamento e pela discussão de ideias com o uso de argumentação sólida e
coerente”.
303
Pesquisa com amostra de 5012 entrevistas, realizada em 315 municípios de todos os estados e distritos
brasileiros. Disponível em: <http://prolivro.org.br/home/>. Acesso em: 20 set. 2015.
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Estou certa de que nossas crianças gostam, sim, de ler [...]. O que lhes falta,
muitas vezes, é o estímulo, é o acesso a um material mais literário e menos
didático. (BRETAS, 2012, p. 63).
Nesse sentido, questionamos: quais professores devem ser responsáveis pela “tarefa” de
incentivar a leitura nos jovens? De acordo com Bretas (2012) nos últimos anos, a
responsabilidade de formar alunos-leitores tem sido exigida em grande parte apenas daqueles
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e daqueles especializados em Literatura ou
Língua Portuguesa. Contudo, sabe-se que “aprender a ler” deve ser uma discussão que permeie
todos os campos do saber.
Assim, reconhecemos que faz parte da disciplina de história contribuir para a formação
do leitor crítico, capaz de interpretar textos literários e articulá-los de forma coerente com o
campo do saber histórico. Portanto, compreendemos que o procedimento de leitura é muito mais
do que realizar uma eficiente decodificação da linguagem de um texto: é compreender seu
contexto, relacioná-lo com seu cotidiano, criticá-lo segundo métodos definidos e, até mesmo,
surpreender-se com suas possibilidades.
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nova tendência em particular do mercado literário brasileiro é digna de maior atenção pelos
historiadores: as narrativas envolvendo aspectos relacionados aos indígenas e aos africanos.
Coelho (2010) aponta que a maioria dessas obras se configura como uma “busca/afirmação da
identidade cultural brasílica”. Para a autora,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRETAS, Maria Luiza Batista. Leitura é fundamental: desafios na formação de jovens leitores.
Belo Horizonte: RHJ, 2012.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna,
2000.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das origens indo-
europeias ao Brasil contemporâneo. 5. ed. Barueri (SP): Manole, 2010.
COSTA, Marta Morais da. Metodologia do ensino da Literatura Infantil. Curitiba: Ibpex, 2007.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 3. ed. Trad. Ephraim Ferreiras Alves.
Petrópolis: Vozes, 1998.
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externos estava largamente ligada a ideia de que a escola, por excelência, era lugar das
rotinas, do conservadorismo e da inércia (CHERVEL, 1990).
Mas em relação à investigação atual das disciplinas escolares propomo-nos
a ampliar pesquisas e reflexões para outro campo que outrora não havia sido
especulado. Chervel, em artigo traduzido no Brasil em 1990, apontou uma problemática
que se distinguia de qualquer outra levantada pela história do ensino até então. Longe de
tentar ligar a escola ou o sistema escolar às categorias externas, o autor aponta a
necessidade de iniciar dentro da própria escola uma investigação específica. Uma
investigação que não deve negar a existência de uma tradição, do consolidado, de uma
cultura preexistente, mas que deve reconhecer aquilo que muda, que transgride, que
compõe uma cultura própria dentro do ambiente escolar.
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História como um campo específico, inserido dentro de uma cultura escolar própria que
permite um código disciplinar flexível carregado tanto de aspectos tradicionais quanto
inovadores, a qual dota o espaço escolar de um campo de atuação – passível de
investigação – muito particular. Julia (2001) acrescenta que é nesse ambiente recheado
de normas, conhecimentos a serem ensinados e condutas a serem fixadas que ocorre a
transmissão de diversos conhecimentos. Conhecimentos, normas, expectativas que,
obviamente, são coordenadas por diversas finalidades que marcam uma época, mas que
não devem ser analisadas sem levar em conta o corpo profissional dos agentes que são
chamados a obedecer (ou não) determinadas prescrições. Por concluinte, esse ambiente
recheado de relações sociais é capaz de promover afastamentos em relação a
determinadas culturas dominantes pois (re)criam uma cultura particular.
Se diferentes normas, regulamentos e conhecimentos permeiam e almejam
regular o espaço escolar, devemos pensar sobre o código disciplinar da História
creditando e analisando – como expectativa sobre seu valor educativo – o próprio
currículo escolar. Em uma interpretação formal o currículo escolar é apresentado como
relativo aos conteúdos a serem ensinados, as experiências de aprendizagem escolares
vividas pelos alunos, aos planos pedagógicos elaborados pelos agentes e espaços
educacionais, aos objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino e pelos
processos de avaliação (MOREIRA, CANDAU, 2008).
Apresentamos o valor da análise da proposta curricular na análise do código
disciplinar da História ensinada, pois reconhecemos sua importância na composição de
uma disciplina. O próprio teórico curricular Goodson (1991, p. 10) nos alerta que o
currículo é um dos mais importantes testemunhos públicos, visíveis e alternantes que
legitimam a escolarização. Mas feitas as nossas considerações, propomo-nos a
incentivar pesquisas que se atentem e busquem fontes que não estejam explícitas nos
manuais e nas propostas, mas que se encontram/encontraram nas relações e na prática
disciplinar da História cotidiana, dentro do ambiente escolar. Observamos a necessidade
de buscarmos por elementos que nos apontem indícios da História ensinada – em prática
– dentro das salas de aula, por meio de micro e selecionáveis pesquisas, a fim de
acrescentar discussões em relação ao código disciplinar da História no Brasil. Nesse
sentido, reconhecemos a existência do currículo escrito e do currículo ativo. O primeiro
é reconhecido como prescrito, legitimado, porque é oficial, enquanto o segundo como
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ROCHA, Helenice; GONTIJO, R; MAGALHÃES, M. S. (Org.). A escrita da História
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GOODSON, Ivor. História Del Currículum. La construccion social de las disciplinas
escolares. Barcelona: Ediciones Pomares-Corredor, S. A., 1995.
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Introdução
Ao longo da História do Brasil, os trabalhadores rurais e a população campesina como
um todo foram relegadas a uma posição de exclusão no âmbito das políticas públicas. Quando
pensamos na questão agrária no Brasil percebemos que a mesma é integralmente histórica e está
relacionada ao processo político, econômico e social pelo qual o país passou desde a chegada
dos europeus no continente até os dias atuais.
O processo colonialista sofrido pelos brasileiros ao longo de sua história, em diversos
períodos criou vínculos de dependências com outros países que impunham seus propósitos
lucrativos em territórios nacionais, contribuindo para uma marginalização da população do
campo, bem como uma desapropriação progressiva de seus meios e recursos de sobrevivência,
vida e desenvolvimento.
Nesse sentido, segundo Martins, “A questão agrária está no centro do processo
constitutivo do Estado republicano e oligárquico no Brasil, assim como a escravidão estava nas
próprias raízes do Estado monárquico no Brasil imperial 304”.
Quando nos debruçamos sobre a história do nosso país em relação às questões
relacionadas ao meio rural, percebe-se que segunda metade do século XX foi marcante para os
debates acerca das questões rurais. Discussões sobre a Reforma Agrária e a Legislação Social
foram de grande importância para o surgimento de políticas voltadas a população campesina.
Vale salientar que essas discussões foram reflexo das lutas dos Movimentos Sociais que se
organizaram segundo suas identificações de “classe”, as quais buscaram intensamente e, durante
todo o período republicano, o reconhecimento e criação de políticas públicas pensadas
especialmente para populações que foram vítimas históricas de um processo “colonialista”
intenso.
Nessa perspectiva, o presente texto, busca abordar a política pública educacional para o
campo, especificamente no Estado do Paraná. A mesma, sem dúvida, resultado das lutas dos
movimentos sociais articulados, é uma importante política que confere a população campesina
um direito que lhes foi negado durante séculos: o direito a permanecerem na terra e receberem
304
MARTINS, 2000, p.101.
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uma educação de qualidade sem precisarem se deslocar até a cidade e enfrentar as dificuldades
advindas desse processo e, dessa forma, terem o seu direito de decidirem pelo seu futuro a partir
da realidade a qual pertencem.
Buscar-se-á um resgate temporal sintético da História da Educação do Campo no Brasil
e no Paraná como uma política pública buscando compreender a sua constituição e
características com base em estudos interdisciplinares envolvendo áreas como educação,
ciências sociais, história, e em documentos sobre o tema, buscando apontar informações que
visam nortear educadores de um modo geral para a compreensão da Educação do Campo como
uma política pública conquistada e pensada para atender uma população que, durante a maior
parte da História do Brasil, esteve excluída do processo de ensino aprendizagem adotados pelos
planos governamentais de políticas educativas.
A metodologia utilizada foi pautada em revisões bibliográficas acerca do tema e análise
de documentos governamentais que fazem referência a política de Educação do Campo.
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305
PINHEIRO, 2007, p.4.
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RESOLUÇÃO CNE/CEB 1
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307
Diário Oficial nº. 8345 de 18 de Novembro de 2010.
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Diário Oficial nº. 8345 de 18 de Novembro de 2010.
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Considerações finais
Diante das abordagens e documentos acima, pudemos perceber a Educação do Campo
enquanto uma política pública institucionalizada, mas com uma institucionalização que é reflexo
e resultado de lutas contínuas. Quando pensamos nas fragilidades dessa política pública
percebemos que o trabalho dos movimentos articulados em prol de uma educação do campo se
fazem ainda necessárias mediante às nuances sofridas no poder público diante de administrações
que tentam descaracterizar essas políticas com base em dados quantitativos e visando um
trabalho de diminuição dos gastos públicos em educação. Esse contexto nos apresenta novas
preocupações como o risco de fechamento de escolas do campo no estado do Paraná. Mesmo
diante dessa situação o Paraná possui, segundo dados da Secretaria Estadual de Educação, 544
escolas regulares de campo e 24 escolas de assentamentos, atendendo mais de 100 mil alunos.
Este texto faz parte de pesquisas realizadas para a minha dissertação de mestrado que
está em fase inicial. Para a análise dessa política ainda haverá a necessidade de buscarmos as
bases para a construção dessa política, os camponeses, e compreender na perspectiva de uma
“história vista de baixo” pautada em Hobsbawm a efetivação e o funcionamento da política de
Educação do Campo com um estudo direcionado para uma escola específica do Norte do
Paraná.
309
DECRETO Nº 7.352, 4 de Novembro de 2010. Casa Civil, subchefia para assuntos jurídicos.
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REFERÊNCIAS
D. GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo.
Curitiba, 2002.
MARTINS, Jose Sousa. Reforma Agrária: O impossível dialoga sobre a História possível. São
Paulo: USP/FFLHC, 2000.
PINHEIRO, Maria do Socorro Dias. A concepção de educação do campo no cenário das
políticas públicas da sociedade brasileira. In: ANPAE, 2007, Rio Grande do Sul. Por
uma Educação de qualidade para todos. Rio Grande do Sul: UFRGS, 2007.
POLETTI, Ronaldo. Constituições Brasileiras, 1934. Brasília: Senado Federal e
Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Etnográficos, 2001.
PRIORI, Ângelo Aparecido. O Protesto do Trabalho: História das lutas sociais dos
trabalhadores rurais do Paraná: 1954 – 1964 / Ângelo Priori. Maringá: EDUEM, 1996.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez,
2002.
http://www.educacao.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=235
acessado em 18 de Outubro de 2015.
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Introdução
Aos poucos a músicas vem ganhando espaço nas salas, principalmente nas
aulas de história. Isso proporciona que as aulas fiquem mais dinâmicas, trazendo
melhorias para o processo de aprendizagem do aluno. Através da música podemos
trabalhar o que a letra e o ritmo nos mostra, e até mesmo o contexto em que foi escrita.
Assim professores e alunos estão cada vez mais fazendo uso dessa linguagem
alternativa. Podemos perceber isso pelas nossas experiências (através do PIBID) em sala
aula, quando trabalhamos com a música como fonte histórica.
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compositor, sua formação. São informações essenciais que podem responder o porquê
da música ser escrita.
Assim através da música podemos relacioná-la com o cotidiano das pessoas,
contexto político e econômico, enfim mostrar o que acontecia ao redor do sujeito que
escreve e interpreta a letra. Tal documento histórico possibilita o desenvolvimento de
conceitos para a formação histórica dos alunos.
Para utilizarmos adequadamente a música no ensino de História, é necessário
que o professor conheça, pelo menos, as principais características dos
períodos da história da música para que possa fazer a devida correlação com
o assunto que ele esteja ensinando. Assim, o aluno poderá entender melhor
que determinado estilo artístico fez parte da vida de um grupo de pessoas de
tal época, ou seja, que, para cada época, existiu um público específico.
Importa, também, discutir com os alunos sobre as diversas funções da
música: política, religiosa, etc (GÓES, 2011).
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música como algo muito positivo para aulas de História, pois ele consegue ensinar
melhor seus alunos, além de fazer com que sintam interesse em estudar História.
Essa metodologia possibilita o aluno a elaborar conceitos e entender fatos
históricos. As letras de músicas mostram evidencias e registros de acontecimentos que
podem ser mais bem entendido pelos alunos, permitindo que ele se aproxime de pessoas
que viveram no passado, elaborando sua própria compreensão histórica.
Depois de passar a música cabe ao professor determinar a atividade a ser
trabalhada em sala de aula. No final da atividade os aplicadores estabelecem quais os
pontos positivos da proposta apresentada de início.
A música escolhida
Após o levantamento da metodologia de como trabalharmos a música em sala
de aula, através do PIBID, colocamos em prática o que foi estudado. Foi escolhida a
música Três apitos (1933) de Noel Rosa, que mostra diversos aspectos do contexto da
década de 1930 no Brasil, numa turma de 2º ano do Colégio Estadual Idália Rocha
(Ivaiporã – Pr).
Três Apitos
Noel Rosa
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No primeiro momentos vemos uma declaração de amor, porém ela também nos
mostra o processo de industrialização no Brasil. Após a primeira guerra e os anos 1930,
há a expansão industrial, e as fabricas que começam a aparecer nos lugar do campo,
marcando o começo do mundo urbano. Essa contradição de rural e urbano se encontra já
se encontra no próprio título, que fala do apito da fabrica, disciplina do tempo,
relacionando-o com o tempo do relógio e não mais da natureza. As fabricas de tecidos
foram as primeiras a se estabelecerem no Brasil, com operariado predominantemente
feminino, por isso a música se dirigia a moça que fazia pano.
A música também nos mostra as duas classes sociais que estavam nascendo: a
burguesia e o proletariado, que surgiram após o enfraquecimento das oligarquias rurais.
Assim como afirmam as fontes pesquisadas, trabalhar com música como fonte
histórica, fez com que alunos interagissem com o contexto e entendessem melhor como
procedeu da década de 1930 e o inicio da industrialização brasileira.
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Conclusão
O uso da música começou ganhar espaço a partir da Escola dos Annales, que
começa a tratá-la como documento histórico, então à música também engrenou em
ganhar seu espaço dentro das aulas de história, como função de trazer uma maior
dinâmica nas aulas.
De acordo com as idéias trabalhadas no texto, tais ferramentas permitem uma
aproximação entre aluno e professor, pelo fato, fazendo com o que os alunos interajam
com a aula e demonstrem um interesse pelo assunto.
Ouvir as opiniões, esclarecer duvidas e envolver os alunos em torno de um
debate sobre o material apresentado é uma experiência que demonstra o objetivo das
linguagens alternativas trabalhada em sala de aula.
As linguagens alternativas realmente propõem um aprendizado melhor para os
alunos, tivemos a experiência de trabalhar essa proposta no Colégio Estadual Idália
Rocha na cidade de Ivaiporã/PR, atividades realizadas pelo PIBID.
O fato de aliar o trabalho teórico com as linguagens alternativas na sala de aula
foi uma experiência enriquecedora, tanto pessoal como profissional.
Ainda percebemos que as aulas se tornam agradáveis devido ao grande
interesse dos alunos a respeito do tema, fazendo com que o professor se torne
estimulado a trazer outras linguagens de ensino como, música e vídeos, imagens. Em
aulas assim alunos conseguem vimos que os alunos prestam atenção e aprendem mais.
Por fim classificamos a aula trabalhada com linguagem alternativa como algo
positivo, desde que ela seja com os devidos métodos citados no texto, seguindo tais
passos, certamente professores e alunos terão os objetivos alcançados; apesar dessas
ferramentas serem pouco utilizadas esperamos, através do nosso trabalho, influenciar os
professores do colégio a adotar esses estilos de aula no seu cronograma. Essa foi nossa
primeira aula trabalhada em tal perspectiva, no entanto pretendemos, através do PIBID,
continuar trazendo metodologias novas (principalmente relacionadas a linguagens
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABUD, K. M. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de
história. Cad. Cedes, Campinas, vol 25. 2005
DUARTE, M. J. F. A música e a construção do conhecimento histórico em sala de
aula. Universidade de São Paulo, São Paulo. 2011.
FERREIRA, T. L; e PAVIANI, B. A música e a ditadura militar: como trabalhar
com letras de música enquanto documento histórico. História e Ensino, Londrina,
vol 18. 2012.
FERREIRA, V. F. Uso de música em sala de aula facilita o aprendizado. 2011.
Disponível em http://www.usp.br/agen/?p=66775. Acessado em 20/1015.
GÓES, P. S. A utilização das músicas nas aulas de História com os alunos do 8º
ano. São Cristovão – SE. 2011.
SOUSA, R. G. O uso de música no ensino de história. S/D. disponível em
http://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/o-uso-musica-no-ensino-
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A história da cidade de Londrina, no norte do Paraná, ao longo dos anos vem sendo
construída a partir de uma perspectiva oficial, e que provavelmente, tem como principal questão
a ser abordada a figura do “pioneiro”. No final da década de 1920, ingleses fundavam a
Companhia de Terras Norte do Paraná e, dividiam e comercializavam as terras londrinenses. A
Companhia fazia extensa propaganda sobre a região que era então conhecida como “a terra roxa
e sem saúva”, despertando interesse em brasileiros e estrangeiros que almejavam uma vida
melhor. O crescimento da cidade foi rápido nos anos que sucederam a segunda grande guerra, a
partir da década de 1950, “levando a construção das representações de Londrina e do norte do
Paraná como terra da promissão e Eldorado, ou seja, como terra do progresso e dos homens e
mulheres que para lá se dirigiam como pioneiros” (ARIAS NETO, 1995, p. 70).
Nesse discurso oficial é exaltada a figura do pioneiro, aquele que desbravou as matas e
tornou a terra apta à agricultura, em especial para a produção de café. Essa história oficial trata
como ideal de pioneiro o homem, e em geral, um homem branco (europeu), cristão, que obteve
sucesso em sua vinda a cidade; e hoje, colabora para afirmar esta perspectiva que tem como
base o trabalho e o progresso, que se mostra presente nas memórias e lugares de memórias
construídos na cidade (SILVA; MORAES, 2010, p. 321). Deve-se destacar que tal perspectiva
oficial, exclui nordestinos, negros, mulheres, índios, e outros que também estiveram presentes
na formação da região de Londrina.
Maria Nilza da Silva (2008) comenta que a trajetória dos negros é semelhante em
diversas localidades do Brasil, tendo como causa, a estratégia de branqueamento como tipo
ideal do brasileiro. Para Maria Nilza da Silva, a estratégia de branqueamento serviu para manter
um “caráter europeu” no Brasil, segregando ainda mais um número expressivo da população
brasileira; nesse sentido, a autora diz:
Se a cidade representou o locus privilegiado de oportunidades para
inúmeros migrantes e imigrantes que chegaram ao Norte do Paraná em
310
Este artigo, escrito com o graduado em História Diego Barbosa Alves de Oliveira, é resultado de um
projeto de pesquisa desenvolvido para a disciplina Metodologia e Prática de Ensino de História/Estágio
Supervisionado no ano de 2013 e orientado pela Profª Dra. Ana Heloísa Molina.
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Assim, o projeto se justifica por meio das leis 13.381/01, e 10.639/03, pensando a
História da cultura afro-brasileira na construção e desenvolvimento da cidade de Londrina, no
norte do Paraná.
Neste sentido, de ouvir vozes “silenciadas” pela história tradicional, de inclusão da
história do negro no Brasil para além da escravidão, Martha Abreu e Hebe Mattos (2008),
comentam sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Segundo as autoras,
em alguns trechos o “documento esclarece que entende a noção de raça como construção social
e histórica produzida pelo advento do racismo moderno, optando por abordar historicamente a
construção da noção de identidade negra” (ABREU; MATTOS, 2008, p.9).
As “Diretrizes” trazem para o âmbito da escola, pela primeira vez, a
importante discussão das relações raciais no Brasil e o combate ao
racismo, tantas vezes silenciado ou desqualificado pelas avaliações de
que o Brasil é uma democracia racial. É importante lembrar,
entretanto, que a construção da ideia de democracia racial no Brasil se
fez, especialmente a partir das décadas de 30 e 40 do século XX, em
oposição às teorias racistas, anteriores e concorrentes, que pregavam o
“branqueamento” da população (ABREU; MATTOS, 2008, p. 09).
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O homem precisa agir intencionalmente, pois é no agir que o homem determina o que
quer e quais são as ações necessárias e porque ele as toma. Definimos a historicidade, que é
própria da nossa existência e nos constitui como espécie, como “a constituição da vida humana
(que resume mundo e tempo) pela qual ela está entre um passado já sempre pré-dado, que
continua agindo e ao mesmo tempo subtraído, e um futuro, objeto de preocupação, aberto e
vindouro, e assim realiza a si mesma e a sua essência numa tensão entre liberdade e
determinação. ” (RABUSKE, 2010, P. 161-162).
O ensino da história ou a formação histórica, segundo Rüsen, nada mais é que o
“conjunto das competências de interpretação do mundo e de si próprio”, e a partir da
coletividade e da individualidade deve-se articular o agir e o autoconhecimento; a formação une
fatores como a linguagem, o pensamento, a memória, a percepção e o raciocínio, ou seja, é a
cognição e é a expressão que é o próprio processo de aquisição do conhecimento. A “formação
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Assim, Isabel Barca estrutura a aula-oficina em três pontos: o primeiro, diz respeito às
interpretações de fontes, com suportes e mensagens diversas. No segundo momento, a autora
pensa em uma compreensão contextualizada, entendendo (ou procurando entender) situações
humanas em diferentes tempos e espaços – problematizando o passado por questões do
presente. E o terceiro ponto, a comunicação, onde a autora expressa à necessidade de exprimir a
interpretação e compreensão das experiências humanas ao longo do tempo, utilizando a
diversidade dos meios de comunicação disponíveis.
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Ainda em Bittencourt, é possível relacionar a história local e a memória, visto que ela
considera que “é pela memória que se chega à história local” (BITTENCOURT, 2008, p. 169).
Entretanto, deve-se ressaltar que a história não deve ser confundida com a memória, como nos
alerta Pierre Nora,
A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que
não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo
vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado.
Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a
confortam, ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais
ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as
transferências, cenas, censuras ou projeções. A história, porque
operação intelectual e laicizante demanda análise e discurso crítico.
(...) A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na
imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às
evoluções e às relações das coisas (NORA, 1993, p. 09).
Deste modo, pretende-se desenvolver uma aula-oficina que, por meio da análise de
fontes fotográfica pense os homens comuns, que não foram lembrados nas narrativas oficiais
sobre a história de Londrina.
A fotografia, como apontado por Mauad (1996) deve ser pensada como
imagem/documento - marca de uma materialidade passada, na qual, objetos, pessoas, lugares,
nos informam sobre aspectos do passado, condições de vida, moda, infraestrutura urbana ou
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Deste modo, baseando-nos em uma aula-oficina que pense a história local por meio
das fotografias da AROL, uma associação recreativa voltada para os negros, queremos que os
alunos percebam que a história possui um caráter multiperspectivado, como sugere Isabel Barca
(2001), compreendendo que existem inúmeras maneiras de “ler” e “escrever” a história.
Pensamos a fotografia como um mediador cultural, ou seja, atua na interação entre os
conhecimentos prévios e os novos conhecimentos que serão desenvolvidas durante as aulas.
Assim, o ensino de História abarca a multiplicidade de novas fontes e linguagens de produção
do saber histórico, e incluem os significados e conhecimentos que os alunos constroem
(GEJÃO, 2009, p. 266). Para trabalharmos com fontes fotográficas em sala de aula, com base
em Mauad (1996), desenvolvemos uma tabela que serviria como base da interpretação.
Ficha de elementos da forma do conteúdo das fotografias:
Foto 01 Foto 02
Autor:
Local retratado:
Tema retratado:
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Pessoas retratadas:
Objetos retratados:
Baseado na ficha desenvolvida pela historiadora Ana Maria Mauad, em sua pesquisa: MAUAD,
Ana M. Através da imagem: Fotografia e História interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 1,
n °. 2, 1996, p. 73-98.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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Matérias Escolares
6% 6% Internet
Museu
18%
32% Avós
não conhece
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Não conhecem
6%
Arthur Thomas e
26% joão Sampaio
Guia do museu
65%
Avôs
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As respostas demonstram que a maioria dos alunos (79%) não conhecem ou não
tiveram contato com nenhum pioneiro da cidade de Londrina, dos alunos que disseram
conhecer (12%) que disseram conhecer algum pioneiro, associaram a figura de pioneiro
a figuras tradicionais e famosas aqui na região, (6%) dos alunos responderam os avôs,
classificando eles como pioneiros (3%) colocaram o guia do museu como pioneiro da
cidade de Londrina.
Um ponto interessante sobre a questão “Conhece algum pioneiro de Londrina?”
foi associação a figuras como Arthur Thomas, que recebeu a missão de Lorde Lovat de
criar uma empresa no Brasil financiada com capital inglês com o intuito de iniciar o
plantio de algodão. Concidentemente nesse mesmo período, o governo do Paraná estava
procurando investidores, pois pretendia desenvolver o Norte do Estado, uma região que
até os anos 1930 era composta majoritariamente de mata virgem.
Thomas veio para a região e assessorado pelo advogado João Sampaio, negociou
com o Paraná a concessão das terras e o seu plano de desenvolvimento do Norte do
Estado foi posto em prática. Já no ano de 1929, ele organizou uma comitiva composta
por engenheiros e começou a implantação de uma cidade.
A região norte do Paraná foi formada por diferentes povos, de diversas etnias,
regiões e nacionalidades, nosso foco, entretanto, é a cidade de Londrina. O processo de
colonização londrinense teve início com o projeto imobiliário da Companhia de Terras
Norte do Paraná (CTNP), uma empresa privada, no final da década de 1920. As terras
adquiridas pela empresa colonizadora estavam vinculadas a política do governo da
época que tinha como intuito atrair investimentos estrangeiros para o país. A CTNP
também investiu em propagandas positivas para atrais compradores de diversas partes
do Brasil e do mundo (LEME, 2013).
Foram produzidos estudos tratando o Norte do Paraná, levando-se em conta seus
critérios naturais positivos, como clima e vegetação, aspectos econômicos baseados na
expansão da cultura cafeeira e o trabalho de pioneiros que se destacaram
economicamente, como justificativa do progresso da região. Assim, a história era feita a
partir de uma perspectiva econômica, desconsiderando-se aspecto políticos e culturais.
Dentro desta perspectiva a ação da CTNP era representada de forma idealizada, pois as
ideias de Londrina enquanto terra prometida, fértil e lugar propício para o
enriquecimento eram, mais uma vez, legitimadas.
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medida em que a mata fechada ia sendo destruída para dar lugar às imensas lavouras de
café, eram encontradas matérias-primas que serviam de base alimentar para os homens
que trabalhavam sem parar, bem como para imigrantes de diferentes nacionalidades. As
etnias e grupos não somente carregam seus hábitos alimentares, mas adaptam-se aos
recursos existentes no processo migratório de uma região à outra (CARVALHO, 2005).
Dos diversos grupos que construíram a cidade temos os imigrantes brasileiros,
cuja culinária damos maior destaque à mineira. É grande o número de habitantes que
vieram de Minas Gerais para o norte do Paraná, trazendo seus costumes e enriquecendo
a cultura local. Das etnias que mais contribuíram para a formação da dieta londrinense,
podemos destacar os italianos, alemães, portugueses e japoneses. A cultura alimentar da
cidade foi moldada inicialmente a partir dos recursos nativos disponíveis e plantados
(CARVALHO, 2005).
Toda identidade é fruto de uma construção histórica em contato direto com as
outras, uma identidade só existe por conta das diferenças e conflitos que se
desenvolvem por esse contato, sendo na diferença que surgem as identidades (SILVA;
SILVA, 2009).
Um dos mecanismos para a construção das identidades seria a invenção das
tradições. Tratam-se de práticas rituais ou simbólicas que buscam agregar valores pela
repetição. A continuidade dessas práticas resulta em uma tradição, ferramenta utilizada
para facilitação de identificação de um grupo. Quando repetidas ao longo dos anos,
passam a ser facilmente ligadas a uma população (HALL, 2000). Podemos aqui então
exemplificar com a nossa proposta de trabalhar com a alimentação como elemento de
identidade de um povo, sendo o modo de se alimentar uma tradição.
No terceiro gráfico verificamos que, ao serem instigados a imaginar como era o
cotidiano do pioneiro pensando especificamente na sua alimentação responderam:
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Não sei
6%6% Caçando
29%
Produtos cultivados
35% por eles mesmo
Comendo Bacon
24%
Comidas normais
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Levantamento do Acervo
Nossa intenção para a abordagem do livro didático é amparada em Chartier
enquanto elemento de mediação editorial (2002) e materialidade (1999):
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2001 1
2010 1
Fonte: Gabriela Eguedis
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Resultados e discussões
Análise documental das capas dos livros didáticos
O livro didático é um objeto que pode atribuir a identidade de um grupo, um
estado, uma sociedade ou até mesmo uma nação, porém até mesmo ele precisa de uma
identificação, que pode ser feita através de seu conteúdo e pelas suas ilustrações,
principalmente pela sua capa, que além de ter esse papel de identificação, tem a função
de proteção e até mesmo um apelo comercial, muitas vezes, induzindo a construção de
estereótipos de algum grupo social, por exemplo.
Catalogamos os dados levantados e estabelecemos como categorias de análise a
configuração das capas dos livros didáticos em seus itens: a) dimensões materiais; b)
elementos visuais e figurativos e c) elementos visuais do título no intuito de avaliar a
proposta visual do livro e os apelos relativos ao tema História do Paraná.
Apresentamos abaixo quatro exemplos das análises empreendidas para as capas
dos livros didáticos de História do Paraná.
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Conclusão
Mesmo não sendo único, o livro didático pode ser decisivo para a qualidade do
aprendizado resultante das atividades escolares, bem como, das concepções de história
selecionadas, hierarquizadas, classificadas e recortadas em seu interior.
É necessário afirmar que nos referimos ao livro didático enquanto um objeto
cultural, com uma dada historicidade e registro de debate social, marcado por certa
seleção de documentos, construção de enredos temáticos, narrativas, memórias e
identidades; e, nessas escolhas efetivadas, salientamos as exclusões, os silenciamentos
ou os esmaecimentos no interior do próprio texto, escrito ou visual, que provocam
leituras conformadoras de determinadas concepções de história.
A partir dessa pesquisa de campo organizando e levantando parcialmente este
acervo, auxiliado pelas discussões dos textos, obtive um novo e amplo olhar sobre o
livro didático, seu objeto, suas funções e por conta dessa tamanha importância do
mesmo, que não pensaria que teria como uma parte daqueles que formam o sistema
educacional básico.
A análise das capas indicou a relevância do uso de cores e imagens selecionadas da
História do Paraná reforçando determinadas idéias como a predominância de
determinadas paisagens, regiões, cidades e objetos (como a árvore araucária, a bandeira
do Estado) e personagens (jesuítas e imigrantes) compondo um painel dificilmente
desvinculado do senso comum.
Nesse sentido faz-se cada vez mais necessário o estudo e pesquisa sobre esse objeto
cultural livro didático de história especialmente aqueles destinados à educação básica,
mormente os indicados a educação infantil onde se reafirmam leituras visuais e textuais
organizadoras de conceitos relativos à história regional e memória muitas vezes
homogeneizadoras e que não contemplam a pluralidade e complexidade da formação do
Estado.
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assim, a maneira como estes recursos são trabalhados em sala de aula pelo professor,
podem exercer uma imensa influência durante o processo no qual o aluno irá consolidar
suas próprias percepções.
Atualmente torna-se mais evidente que além do livro didático outros
instrumentos são utilizados para que o aluno, não só compreenda determinado assunto,
mas também, desenvolva uma reflexão crítica a partir da aprendizagem. Segundo Circe
Bittencourt (2008) as imagens tecnológicas estão sendo cada vez mais utilizadas como
recurso pedagógico e é necessário que os educadores saibam como trabalhar
metodologicamente esses recursos, não os utilizando apenas como meras ilustrações.
Num mundo cada vez mais globalizado, as tecnologias apresentam-se em massa,
de maneira que os educandos se interessam por muitas coisas ao mesmo tempo e
esperam por atividades que os tirem da monotonia de uma aula expositiva. “O livro
didático não é, no entanto, o único instrumento que faz parte da educação da juventude:
a coexistência de instrumentos de ensino-aprendizagem que estabelecem com o livro
relações de concorrência ou de complementaridade” (CHOPPIN, 2004, p. 553).
Desse modo, o livro didático constitui-se como um elemento essencial para a
aprendizagem, mas também se encontra relacionado com estes outros elementos e,
segundo Choppin (2004) o livro não possui mais uma atuação independente, tornando-
se um “elemento constitutivo de um conjunto multimídia” (CHOPPIN, p.553).
Portanto, é importante ressaltar que recursos como vídeos, músicas e jogos
também são importantes de serem trabalhados com os alunos, todavia, não se deve
esquecer que “o livro didático, no entanto, continua sendo o material didático
referencial de professores, pais e alunos que, apesar do preço, consideram-no referencial
básico para o estudo” (BITTENCOURT, p.71).
Cada vez mais estudiosos vem se debruçando na análise do livro didático, sendo
este “um dos elementos fundamentais do ensino de História” (VILLALTA, 1997, p.01).
Entretanto, existe uma intensa objeção nessas análises, pois em sua maioria, os
estudiosos preocupam-se apenas em estudar o livro didático pelo conteúdo.
A partir disto não é abordado características essenciais, tais como: a influência
tanto do autor como do editor na produção do livro; a apropriação deste recurso por
alunos e professores; e, seu papel no mercado editorial. Assim “para uma proposta de
análise do livro didático (...) é necessário conceber o objeto de análise extrapolando a
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ideia de que pensar em livro didático significa pensar apenas nos conteúdos que ele
contém” (SILVA, 2011, p. 184).
Por conseguinte, compreende-se que este material didático possibilita inúmeras
reflexões. Além da análise do conteúdo, é possível, por exemplo, pensar como seus
leitores – professores e alunos – conceberam as informações ali contidas. Outra
alternativa refere-se ao papel do livro e sua relação com a editora. Nesta dimensão,
observa-se a possibilidade de visualizar se o livro foi produzido sob encomenda da
editora ou se o autor primeiramente o produziu, e a posteriori, procurou uma editora
para publicá-lo.
De acordo com Jeferson Rodrigo da Silva (2011), o livro didático pode ser
compreendido como um “documento histórico”, e devido ao seu caráter intrincado, é
necessário analisá-lo seguindo uma metodologia, de modo que
Desse modo Silva (2011) propõe a análise do livro didático por meio de quatro
abordagens pensadas a partir da História da leitura; campo este que apresenta a
preocupação em conceber a pluralidade de características ligadas ao livro, “desde sua
criação, produção, comercialização e circulação e até sua apropriação, utilização e
leitura (s)” (SILVA, 2011, p.179).
A primeira abordagem é “o livro como objeto de múltiplas leituras” (p. 180). O
consumo do livro por seus leitores não ocorre de forma apática, pois os mesmos vivem
em um tempo e espaço, sendo influenciados por determinadas concepções e
proposições. É importante destacar que ao estudar como os leitores interpretaram este
recurso pedagógico, deve-se considerar às leituras precedentes desses sujeitos.
Outro aspecto refere-se aos “recursos midiáticos” (SILVA, 2011, p. 183), mais
especificamente a internet, a música e a TV. Devido aos avanços tecnológicos podemos
observar claramente as influências destes recursos nas leituras e concepções elaborados
por aqueles que utilizam o livro didático.
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Além disso, cabe também ressaltar, que as convicções de outros dois sujeitos –
do autor e do editor - estão presentes nos livros. Neste aspecto, apresentam-se os
protocolos de leitura (SILVA, 2011, p. 182); protocolos estes divididos em duas
categorias: os procedimentos de produção do texto e os procedimentos de produção do
livro. O primeiro refere-se “a maneira como um autor quer que seu livro seja lido”
(CHARTIER apud SILVA, p. 182), de maneira que este procedimento aparece
essencialmente nos conteúdos expostos no livro e nas instruções dispostas no manual do
professor. Já no segundo caso apresentam-se as determinações do editor, expressas
principalmente “na organização dos conteúdos, nas páginas, na disposição de imagens e
na qualidade do papel” (SILVA, 2011, p.182).
A segunda abordagem – “o autodidatismo e a censura” (p. 185) – reporta-se a
uma prática de leitura dos livros didáticos e paradidáticos. Haveria uma maneira correta
de professores e alunos lerem os livros de ensino? Qualquer leitura e interpretação seria
possível?
Em seguida, está a abordagem “as pesquisas ligadas à história do livro didático”
(SILVA, p.187). A partir de 1980 os estudiosos preocuparam-se em analisar esse
recurso educativo pela perspectiva ideológica, e, desse modo, o foco das pesquisas se
ampliaram, não ficando limitado apenas ao aspecto político. Em vista disso, Jeferson da
Silva (2011) ressalta que “não discutiram apenas o que os livros trazem em seus
conteúdos, mas refletem sobre a autoria, a edição, os aspectos ligados à comercialização
e à utilização por professores e alunos” (p. 188).
A quarta e última abordagem abrange o papel dos livros no mercado editorial, de
maneira que estes podem ser considerados uma mercadoria, tendo assim também a
função de gerar lucros. Portanto, de acordo com Jeferson da Silva (2011), estudiosos
também poderiam analisar as diversas estratégias que vendedores e editores assumem
com a intenção de tornar este recurso airoso aos seus consumidores.
Em vista de todas as explanações feitas acima, é importante frisar novamente
que os livros didáticos e paradidáticos apresentam diferentes possibilidades de análise.
Portanto, além dos conteúdos presentes em suas páginas, também pode-se analisar o
porquê da escolha de um livro em detrimento de outro; as influências que autores e
editores transmitem ao escrever e publicar estes livros; sua concepção como um produto
mercadológico; e, também, as leituras e apropriações contempladas por seus leitores.
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profissionalizar cada vez mais. Segundo Kazumi Munakata (2012) “também os autores,
ao menos das grandes editoras, têm formação universitária e experiência no magistério”
(p.277).
Portanto
com esse grau de profissionalização, não é de estranhar que esses
trabalhadores, editores e autores, procurem sempre se atualizar em relação à
produção acadêmica, às propostas curriculares elaboradas pelos órgãos do
governo e também às demandas do público final a que seus produtos se
destinam – os alunos e, sobretudo, os professores (MUNAKATA, 2012, p.
278).
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Segundo Selva Guimarães Fonseca (2003) nesta época uma das principais
preocupações do Estado era o de conceder uma educação de qualidade para o governo
brasileiro, e para isto, foi “imprescindível aprimorar a política nacional do livro
didático” (p. 55). Portanto, a editora passou a ter um papel essencial no ensino básico,
produzindo livros didáticos e paradidáticos para as instituições escolares.
Ernesta Zamboni (1998) considera o livro didático uma representação do real,
pois todos os conteúdos presentes neste material didático são representações, pois o
passado não pode ser reconstituído. Desse modo “o passado já nos chega enquanto
discurso [...] caberia indagar se os historiadores, no seu resgate ao passado podem
chegar a algo que não seja uma representação” (PESAVENTO apud ZAMBONI, 1998,
p. 02).
Em conclusão acredito que os livros didáticos não devem ser concebidos apenas
como portadores de um conhecimento pronto e fechado. Seus leitores devem questioná-
lo e investigá-lo e não admitir todos os seus conteúdos como verdadeiros. Considero
também que o uso de outros recursos (livros paradidáticos, filmes, músicas, vídeos, etc.)
é imprescindível em sala de aula e que ambos devem atuar concomitantemente.
Portanto, “o livro didático é uma fonte importante, mas não deve ser a única”.
É importante destacar também que a escola é um espaço de formação de
identidades e que o professor deve tentar conhecer o seu aluno, pois o mesmo possui
uma compreensão, fora da escola, acerca do mundo. Dessa maneira é plausível destacar
que no mundo contemporâneo a identidade híbrida dos sujeitos se torna cada vez mais
presente, de maneira que o papel da escola nesta sociedade, que apresenta sujeitos cada
vez mais díspares, é essencial. Por fim, acredito que o professor possui um papel
primordial, pois ele é o mediador entre o conhecimento que o aluno já possui e os novos
conhecimentos apresentados.
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espera-se que neste espaço escolar todos consigam acatar de forma igual pensamentos,
posições e oportunidades.
O resultado nesta formação ainda reproduz a hierarquia de classes sociais, em
um espaço totalmente desigual, beneficia os favorecidos e prejudica aos desfavorecidos.
“Esse mecanismo tem um impacto direto sobre a participação política. O
domínio da língua conceitual é condição da capacidade para compreender
problemas políticos e tomar posição diante desses conceitos. Sem a
capacidade de perceber do que se trata, que supõe uma certa familiaridade
com a atualidade, sem a aptidão para elaborar a própria experiência em
conceitos universalmente válidos e comunicáveis, não há posição nem
opinião propriamente válidas. (CANIVEZ, p.59)
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escolar e social, dever ser levados em conta suas experiências formadas antes de estar
na escola, pois já chegam a ela como, por exemplo, com preconceitos determinados.
“[...] a formação histórica dos alunos depende apenas em parte da escola, e
precisamos considerar com interesse cada vez maior o papel dos meios de
comunicação de massa, da família e do meio imediato em que o aluno vive se
quisermos alcançar a relação entre a história ensinada e a consciência
histórica dos alunos” (CERRI, 2011, p. 44).
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Conclusão
Entre as pesquisas que se fazem presente no ensino de história atualmente, os
objetivos se propõem a compreender como pensam os jovens historicamente e como
narram estas histórias de acordo com suas experiências no tempo.
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Martins. Ed. UNB, 2001
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O mapa utilizado como fonte desse trabalho foi elaborado por aluno do 4º ano do ensino
fundamental de escola municipal da cidade de Londrina, durante a Oficina de Mapas
Alternativos oferecida pelo Projeto Contação de Histórias Norte do Paraná. Estando esse Projeto
localizado no Museu Histórico de Londrina, essa oficina pretendeu, de modo geral, sensibilizar
o olhar dos estudantes para o seu entorno e as ações dos homens naquele lugar em tempos
diferentes. Saber olhar é uma necessidade básica para quem visita um Museu.
O principal objetivo dessa pesquisa é identificar nessa produção as idéias que sugerem
elementos de lugar e cotidiano relativos à comunidade. No campo do ensino de história os
mapas são encarados como documentos históricos, e por isso, sabe-se, são carregados de
intencionalidades. Segundo Ana Heloisa Molina (2005), o mapa é trabalhado como fonte visual,
a qual está carregada de elementos que sugerem o seu contexto histórico de produção. O Projeto
Contação de Histórias do Norte do Paraná tem como objetivo, como já foi afirmado, sensibilizar
o olhar para o lugar de vivência cotidiana e para possibilidades referentes a memória local e
ensino de história. Dessa forma busca mecanismos para trabalhar essas questões. O trabalho
realizado pelo Projeto se dá por meio de grupos de estudos, elaboração de materiais didáticos e
oficinas, oferece oficinas para alunos da rede pública de ensino de Londrina e Região. As atuais
oficinas oferecidas são: Oficina de Fotografia Documental, Oficina de Entrevistas, Oficina de
Maquete e Oficina de Mapas Alternativos. Todas as oficinas buscam possibilidades de
exploração de documentos no ensino de história e a sensibilização do olhar para o
reconhecimento das ações humanas no tempo manifestas em objetos, documentos, paisagens,
etc.
Nesse contexto insere-se a Oficina de Mapas Alternativos elaborada por professores e
alunos participantes do Projeto. Surgiu da necessidade de sensibilizar o olhar das crianças para
reconhecimento do seu lugar e narrativas que o estruturam. A proposta da oficina, que possui a
duração média de duas horas e meia, é a produção de formas alternativas de mapeamento como
mapas afetivos, mapa de cheiros, mapa de sons, entre outros. Dessa forma, os mapas
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alternativos produzidos pelos alunos da rede pública de ensino são encarados como
representações de lugares e de seu cotidiano.
Para a análise do mapa produzido alunos utilizo duas proposições: a primeira delas foi
elaborada por Humberto Yamaki, no qual o arquiteto e urbanista faz um inventário do Plano
Diretor de Preservação do Patrimônio Cultural de Londrina (PDCP), elaborado em 2003 com
apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, da Prefeitura do Município de Londrina. O
PDCP forneceu subsídios para trabalhar com a idéia de inventário como processo. Para Yamaki
(2003), o inventário é um processo, que deve ser longo e sistemático, ele ocorre por meio de
estudo, no caso do PDCP, ele é realizado por meio de entrevistas. A metodologia se dá por meio
da elaboração de fichas inventário na qual são registradas as características presentes dos
lugares que mais apareceram na pesquisa realizada.
Outro teórico que foi utilizado como metodologia foi Roque Moraes (2003), esse
propõe a análise de conteúdo como técnica para desvendar o documento valorizando todos os
elementos do conjunto da narrativa e organizando o procedimento de análise para o efetivo
reconhecimento do conteúdo do documento e, após, a sua interpretação propriamente dita. A
aplicação da técnica prevê três etapas: a primeira delas, a triagem dos materiais, foi realizada em
associação com o proposto no PDCP de Yamaki (2003). A segunda etapa de análise prevê o
estabelecimento de critérios, classificação e categorização ampara-se totalmente em Moraes,
que propõe a categorização pelo método indutivo. Já, a terceira etapa, denominada por Moraes
de análise qualitativa. A análise qualitativa, segundo Roque Moraes:
[...] pretende aprofundar a compreensão dos fenômenos que investiga a
partir de uma análise rigorosa e criteriosa desse tipo de informação, isto
é, não pretende testar hipóteses para comprová-las ou refutá-las ao final
da pesquisa; a intenção é a compreensão. [...] a análise textual
qualitativa pode ser compreendida como um processo auto-organizado
de construção de compreensão em que novos entendimentos emergem
de uma sequência recursiva de três componentes: desconstrução dos
textos o corpus, a unitarização; estabelecimento de relações entre os
elementos unitários, a categorização; o captar do novo emergente em
que a nova compreensão é comunicada e validada. (MORAES, 2003,p.
191-192)
A análise qualitativa interliga-se a elaboração das fichas de inventário, que é proposta
pelo PDCP, a elaboração das fichas de inventário possibilita a compreensão dos elementos que
compõe o cotidiano e lugar. Os mapas alternativos comunicam interpretações, através deles é
possível perceber o modo como os alunos encaram o lugar em que vivem e como esse lugar está
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relacionado ao cotidiano de cada aluno. Essa é, creio, uma questão fundamental para o ensino de
História: compreender as ideias dos alunos e como eles percebem o seu lugar. Todos os dias as
pessoas circulam por espaços diferentes que compõem cenários para as relações que se dão no
cotidiano. Nesses espaços que constituem-se como ambientes que possuem características
específicas e são marcados por mudanças ocorridas no tempo, também ocorre a transformação
do sentido do espaço.
Para buscar definição de espaço se faz necessário a utilização do conceito na
área da geografia. Várias correntes geográficas trabalham com o sentido de espaço.
Esse trabalho se apoia na corrente da geografia humanista explorada por Yi-Fu Tuan.
Optou-se por utilizar esse proposição, pois o autor levanta questões pertinentes a
História, tendo em vista que o geógrafo trabalha com os conceitos “espaço” e “lugar”
enquanto elementos intimamente relacionados do meio ambiente, e desenvolve sua
pesquisa a partir da experiência humana.
Para Yi-Fu Tuan:
O espaço é um símbolo comum da liberdade no mundo ocidental.
O espaço permanece aberto, sugere futuro e convida à ação. [...]
O espaço fechado e humanizado é lugar. [...] O espaço é, sem
dúvida, mais do que um ponto de vista ou um sentimento
complexo e fugaz. É uma condição para a sobrevivência
biológica. [...] O espaço é um recurso que produz riqueza e poder
[...] O espaço [...] é também para os seres humanos uma
necessidade psicológica, um requisito social [...]. (1983, p. 61-65)
Para Tuan, o espaço transforma-se em lugar, mudando assim o sentido atribuído ao
mesmo:
O espaço [...] Organiza as forças da natureza e da sociedade associando-
as com localidades ou lugares significantes dentro do sistema espacial.
[...] Atribui personalidade ao espaço, conseqüentemente transformando
o espaço em lugar. [...] O espaço transforma-se em lugar à medida que
adquire definição e significado. (TUAN, 1983, p. 103-151)
Seguindo essa lógica, todos os dias em diversas partes do mundo, milhares de pessoas
circulam por espaços diferentes, atribuindo-lhes significados diferentes. O movimento que cada
pessoa exercita no espaço e as experiências ali vivenciadas transformam o espaço em lugar.
Lugar, mais que espaço, é um conceito significativo para a reflexão aqui desenvolvida, pois o
conceito de lugar é compreendido como um mundo ordenado e com significados. Ou seja, o
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lugar é o espaço transformado, re-significado e (re) ordenado. Falar em lugar também implica
falar nas relações do dia-a-dia, nos sentidos e nas diversas experiências do homem ocorridas no
cotidiano.
O lugar é entendido como um tipo de objeto, para os adultos é visto de uma forma
diferente das crianças, segundo Y Tuan:
[...] Lugares e objetos definem o espaço, dando-lhe uma personalidade
geométrica [...] Objetos e lugares são núcleos de valor. [...] O lugar
pode adquirir profundo significado para o adulto através do contínuo
acréscimo de sentimento ao longo dos anos. [...] A criança não apenas
tem um passado curto, mas seus olhos, mais do que os dos adultos,
estão no presente [...] (TUAN, 1983, p. 20-37)
Entende-se que para os adultos os lugares são muito mais carregados de memórias e
lembranças do que para as crianças, que entendem o espaço quase que exclusivamente a partir
do seu presente, daquilo que é mais marcante e que faz parte do seu dia-a-dia. Por isso,
desenvolver ideias, concepções e procedimentos que lhes permitam alongar o olhar e a mente no
tempo é uma necessidade para as crianças e uma possibilidade que pode ser favorecida pelo
ensino de História. Nesse contexto, um dos objetivos dessa análise é compreender, a partir de
um mapa alternativo elaborados por um aluno do 4º ano do ensino fundamental, a relação com o
lugar e o cotidiano desse aluno.
Também, para Tuan o lugar está relacionado às experiências dos indivíduos com o
espaço:
“Sentir” um lugar leva [...] tempo isso se faz das experiências, em
sua maior parte fugazes e pouco dramáticas, repetidas dia após dia
e ao longo dos anos. É uma mistura singular de vistas, sons e
cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais, como
a hora do Sol nascer e se pôr, de trabalhar e brincar. [...] Com o
tempo nos familiarizamos com o lugar, o que quer dizer que cada
vez mais o consideramos conhecido (TUAN, 1983, p. 224)
Dessa forma entende-se que as experiências dos indivíduos estão relacionadas aos
sentidos, sensações e emoções vividas. Essas experiências ocorrem de forma direta, e elas
determinam o modo como o sujeito vai se relacionar ao lugar, lembrando que o lugar é marcado
pelas relações de afetividade do sujeito com o meio. Nesse sentido, o lugar que interessa para
esse trabalho é a cidade, não enquanto município, mas como espaço (re)significado, que possui
elementos, símbolos que fornecem subsídios para que se estabeleçam emoções em sua maior
parte cotidianas. A cidade é um lugar, um centro de significados, por excelência. (TUAN,
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1983). Compreende-se que a nossa cidade é um lugar aonde as emoções são mais vividas, pois é
nela que enfrentamos situações como as batalhas do dia-a-dia, é nela que sentimos a sensação de
lar, de refúgio.
Cada lugar é entendido para cada um de uma forma. Isso ocorre, pois cada sujeito vive
uma experiência diferente, assim os lugares possibilitam múltiplas percepções. Essas percepções
se conformam à experiência do indivíduo no tempo. Para Tuan, as crianças percebem e
conhecem melhor o lugar através dos sentidos (TUAN, 1983).
Segundo Tuan (1983), o desenho de mapas é evidência incontestável do poder de
conceituar as relações espaciais. Assim, os mapas constituem-se como importantes evidências
históricas para compreender determinados períodos, acontecimentos.
A realização do mapeamento implica, para o sujeito, pensar nos lugares e relacioná-los
às suas experiências cotidianas. Para entender a cidade e o bairro enquanto ambientes da vida
cotidiana se faz necessário compreender a definição de cotidiano. Esse conceito é alvo de
intensos debates e originou várias vertentes que trabalham com o conceito, o que será utilizado
aqui é que diz respeito a algo que acontece todos os dias, refere-se a algo particular do dia a dia.
Em termos bem gerais, os estudos sobre cotidiano tendem a valorizar, como foco de atenção, as
ações individuais frente às circunstâncias da vida (GUARINELLO, 2004). Conforme apontado
por Norberto Luiz Guarinello:
O cotidiano, [...] como o tempo da vida, pode ser pensado como o
espaço concreto de realização da história em todas as suas dimensões, a
pública e a privada, a banal e a importante, a repetitiva e a
transformadora. O cotidiano não é uma esfera particular da vida ou da
história, ou uma espécie de massa inerte, que muda pouco ou não muda,
pois não teria em si os agentes de sua mudança: uma massa sobre a qual
os acontecimentos existiriam e atuariam de modo independente.
(GUARINELLO, 2004)
O cotidiano está intrinsecamente relacionado ao lugar, segundo Tuan (1983, p. 219), o
indivíduo está unido ao lugar fisicamente e emocionalmente. O cotidiano segundo Michel de
Certeau, é um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da
infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. (CERTEAU, 1996).
Pierre Mayol apresenta algumas problemáticas a respeito do cotidiano, segundo o autor,
a vida cotidiana é organizada segundo dois registros:
1. Os comportamentos, cujo sistema se torna visível no espaço
social da rua e que se traduz pelo vestuário, pela aplicação mais
ou menos estrita dos códigos de cortesia (saudações, palavras
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Para Bittencourt, o cotidiano deve ser utilizado como objeto de estudo escolar devido às
inúmeras possibilidades que oferece, ele possibilita a visualização de transformações ocorridas
no tempo e para a autora isso ultrapassa a idéia de que a vida cotidiana é alienada. O ensino e
aprendizado tendo como objeto de estudo o espaço proporcionam pensar sobre questões que são
levantadas pelo espaço, pensar no lugar, cotidiano e também em outros conceitos, como por
exemplo, tempo e memória. O mapa enquanto fonte histórica nos permite, por exemplo,
problematizar transformações ocorridas no espaço. A análise dos mapas trazem muitas
informações sobre determinados questionamentos, e assim como a análise, a produção do mapa
como fonte histórica, possibilitam aos alunos mais do que uma orientação espacial, possibilita o
entendimento de relações complexas que se estabelecem no cotidiano, no lugar. Segundo
Patrícia Negrão:
Ao desenhar, a criança e o jovem representam seu modo de pensar o
espaço”, afirma Rosângela Doin de Almeida, professora da
Universidade Estadual Paulista em Rio Claro (SP). E continua: “O
desenho de uma criança não é só cópia de objetos, mas a interpretação
do real. O mapa também é o recorte de uma realidade (NEGRÃO, 2006,
p.01)
Os conceitos lugar e cotidiano relacionam-se à medida que ambos são frutos da
experiência humana no espaço. Utilizá-los no ensino de história implica pensar nas ações do
sujeito no cotidiano, implica em pensar em como o espaço é transformado em lugar conforme o
espaço vai ganhando (re) significação, e também implica em pensar nas ações do homem no
tempo. Levanta possibilidades para se pensar em história local, em questões sobre memória e
identidade.
Como sempre estão sendo incorporadas, refeitas, revelam determinadas maneiras de ver
o mundo. O mapas produzido é uma evidência do modo como ele ve o mundo, o que valorizam
e como organizam o lugar e o cotidiano. Já, o conceito “alternativo” corresponde a coisas entre
as quais se pode escolher a que mais convenha. Então, o mapa alternativo diz respeito a
produção que foi criada com base nas escolhas pessoais.
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Ficha 1
01. Categoria: Mapa da comunidade/ dia do aluno
02. Título do mapa: Bairro sincero Bairro legal
03. Nome da escola: Escola Municipal Professora Canhadas Bertan
04. Identificação de localização (endereço): Rua dos Assistentes Sociais, nº 60.
05. Caracterização geral (elementos): O desenho representa o bairro/ comunidade que o aluno vive. Ele
foi representado em formato de esfera, no canto superior há umas ruas, seguido de um mercado, igreja
e mais duas casas do lado esquerdo. Ao centro há uma grande árvore, ao lado direito possui duas
casas, uma pista de skate com três meninos. Embaixo há uma escola e o bazar.
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possível perceber através do título que o aluno atribuiu ao seu mapa, ele sugere uma relação
próxima e de carinho do aluno com sua comunidade. Outros elementos que sugerem essa
relação são os itens que caracterizam o “Bairro sincero, bairro legal”, são eles: sua casa, a pista
de skate, o mercado, a igreja e a escola. Esses itens são representações de lugares que são
freqüentados pelo aluno, eles caracterizam na visam do aluno a comunidade em que vive e são
evidências de que o aluno reproduziu ícones que fazem parte de sua experiência concreta. O
mapa alternativo produzido possibilita várias interpretações sobre o espaço, a sua transformação
em lugar, e também como que elementos presentes no cotidiano interferem na relação do aluno
com o lugar em que vive.
O mapa analisado possibilitou essa interpretação, pois nele está representado o cenário
em que o aluno vivo. E tais elementos são configurações de situações do cotidiano. Pois, ao
representarar o bairro em que vive “Bairro sincero Bairro legal”, o aluno que o faz, já delimitam
no próprio título o espaço que está sendo representado, aquele espaço faz parte do seu convívio,
ou seja, percebe-se que o espaço representado é um espaço particular. Esse espaço que é cenário
da vida cotidiana torna-se lugar, devido às experiências nele vividas e devido as (re)
significações pelas quais o espaço passa todos os dias.
Esse trabalho também propõe uma reflexão da utilização do mapa no ensino de história,
ou seja, o mapa também entendido como fonte histórica pode trazer inúmeras informações,
como por exemplo, sobre o contexto em que fora produzido. A análise dos mapas também
possibilita a identificação de uma concepção de tempo, e insere a comunidade em que o aluno
vive nesse contexto. A partir desse processo educativo, em que através dos mapas a comunidade
em que o aluno vive passa a ser inserida é possível refletir sobre questões de memória e
identidade. O mapas elaborado também é uma evidência do rico pensamento infantil, eles
revelam o modo como a criança concebe o seu mundo. O mapa podem ser pensado no ensino de
história a partir da prática, pois o aluno quando elabora o mapa, além de desenvolver outras
habilidades, conforme citado anteriormente, passa a articular a sua vida a demais pessoas e
também passam a articular sua vida a práticas cotidianas. E é nesse sentido que o ensino de
história atua, através do diálogo, da mediação e da articulação de saberes, a produção de mapas
em sala de aula proporciona reflexões que vão além do documento histórico.
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INTRODUÇÃO
Pensar o ensino de história nos remete a ideia de oferecer aos nossos estudantes
a compreensão contextualizada do passado, com base nas fontes disponíveis e pelo
desenvolvimento de uma orientação temporal “que se traduza na interiorização de
relações entre o passado compreendido, o presente problematizado e o futuro
perspectivado” (BARCA, 2004, p. 132).
O primeiro passo seria oferecer fontes que possam ser do universo cultural dos
estudantes, e a partir disso, dialogarmos, questionarmos e problematizarmos esta fonte.
É, assim que pensamos quando selecionamos a série Game ofThrones. Uma série de
televisão norte-americana criada por David Benioff e D. B. Weiss para a HBO lançada
em 2011 e baseada na série literária de fantasia épica “As Crônicas de Gelo e Fogo” de
George R. R. Martin (2010) – escritor e produtor de séries e filmes Hollywoodianos,
durante dez anos, e hoje autor de Best-sellers nos EUA e na Europa –publicada em
1996.
A discussão desta série se encontra respaldada por outros livros e historiadores.
Utilizando recorte de episódios da primeira temporada, problematizamos uma fonte
produzida no presente, que traz reflexões sobre o passado. Temos em vista, induzir os
alunos a pensar sobre a história que a série desenvolve, relacionando-a com uma
temporalidade histórica: os reinados do século XVI.
Segundo Isabel Barca, a instrumentalização em história pode ser sintetizada
primeiramente, pela análise e interpretação das fontes, entrecruzando informações.
Posteriormente, devem-se entender as informações em seu respectivo tempo,
relacionando-as com o presente e levantando outras questões investigativas sobre a
temática. Para Laville (2005) a educação histórica deve favorecer a vivencia comum e
desenvolver o pensamento histórico- a capacidade intelectual e as atitudes frente à
produção histórica, promover o descobrimento do passado pelos próprios estudantes e
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Este foi o foco quando pensamos na série: buscamos conhecer um pouco mais dos
personagens e a história da série, e a partir deles levantarmos questões sobre a forma
que os reis governavam seus reinos. Com isso em mente, procuramos outros suportes
para aprofundar a discussão e o conteúdo, entrecruzando informações, discutindo os
episódios, e os trechos dos livros pesquisados, na sala de aula.
O livro o Discurso da Servidão Voluntária (2009) de Ètienne De La Boétie, e a
obra de Peter Burke, O Renascimento Italiano (1999) nos mostra as características da
sociedade na Itália renascentista, que possuía uma configuração nos laços entre corte e
súditos: reconhecia-se os dominantes e os dominados, estes pagando altos impostos para
os dominantes, que mantinham sua vida de luxo.
Na Itália, como aponta Burke (1999), a consciência das diferenças no status
social apresentava-se bem disseminada. A visão medieval de uma sociedade composta
de três grupos – os que rezam, os que lutam e os que trabalham – não mostrava relação
com a realidade dos moradores das cidades italianas, pois na maioria das vezes, não
desempenhavam nenhuma dessas funções. O modelo de diferenciação social da Itália
deste período era definido não por funções, mas por graus, a partir da classificação dos
cidadãos entre ricos, médios e pobres, com base no pagamento de impostos.
Posteriormente, eram diferenciados também em relação a sua origem, se eram nobres ou
não; se eram cidadãos em posse de direitos políticos; ou se eram membros de guildas
maiores ou menores. Neste contexto, o poder passava a ser visto como fruto direto das
ações e das relações humanas, e não mais como detentor da vontade divina.
O indivíduo dotado de ganância vê no status, na posição que ocupará na corte, o seu
objetivo maior; ser reconhecido perante a sociedade seria algo muito valorizado e
desejado, e para isso se utilizavam uma série de artimanhas fazendo alianças para
benefício próprio. Para adquirir status em uma sociedade, o indivíduo se dispõe as
vontades de um rei tirano, se esquecendo da liberdade que um dia possuíram e
acreditando serem possuidores de uma vida invejada.
Por meio do livro Discurso da Servidão Voluntária (2009) – que seria uma pequena
obra de um conselheiro do Parlamento de Bordéus, Ètienne De La Boétie. O autor
nasceu no século XVI, na França, e fará esta obra sobre a submissão dos homens a um
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poder tirânico – poderemos ver melhor esta submissão por meio da série Game of
Thrones. Além deste tema, também pode suscitar questões sobre a ganância pelo poder.
A temática da obra de De La Boétie se funda na discussão sobre uma servidão que se
torna voluntária, à submissão a um tirano, da qual se torna aceitável e cômoda ao povo,
tomando a liberdade, que é natural ao homem. Incorporados à ideia de submissão, os
homens se submetem a obedecer ao mais forte, para protegê-los, defende-los, e
governar. Vendo neste mais forte, ousadia, prudência e previdência. Habituam-se a
obedecer-lhe e a confiar nele, concedendo vantagens.
O diálogo entre a série, a obra de Peter Burke (1999) e o Discurso da Servidão
Voluntária (2009) se fundamenta em discutir como o poder se manifesta através das
relações e ações humanas, no período do Renascimento, mas que mantém semelhanças
com o tempo presente. O status social seria a chave de relacionamentos e ações. O
indivíduo dotado de ganância pretende atingir um status para conseguir poder, posses.
Este seria o objetivo maior e, para issoo individuo faz uso de artimanhas, que o leva a
fazer alianças para seu próprio benefício.
Para adquirir um status em uma sociedade, o indivíduo se dispõe as vontades de
um rei, se esquecendo da liberdade que um dia possuíram e acreditando serem
possuidores de uma vida invejada. Com os trechos da série poderemos mostrar como o
indivíduo privado desde o seu nascimento da liberdade, vive alienado, submetido a um
governo tirano, sem reagir ás imposições do rei que os impedem de enxergar as suas
privações. Portanto, não podem sentir falta do que não possuem.
Com a série Game of Thrones e o livro o Discurso da Servidão Voluntária (2009),
podemos visualizar as ações do rei para se conseguir a submissão do povo: o rei coberto
por um manto religioso, que se valia de um discurso sagrado para reinar e para dominar.
A discussão em sala de aula, deve se pautar em refletir e identificar estes atos e
símbolos da realeza, assim como também buscar identificar quais outros elementos de
submissão podemos encontrar em nossas vidas, atualmente, frente ao governo, a
política, por exemplo.
A série Game ofThrones conta a história dos sete reinos, governadas por um único rei:
Robert. A história começa quando o ajudante do rei, chamado “A Mão do Rei” morre
assassinado na capital do reino e então ele sai em busca de um substituto. Chega a
Winterfeel para convidar Lorde EddardStark para ocupar o cargo.
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O rei Robert é um personagem descontraído, que adora festas, comer e beber e não tem
muitas preocupações com o trono, deixando o reino basicamente sob o controle e
responsabilidadesdo segundo em comando no reino conhecido como a “Mão do
Rei”.EddardStark aceita a oferta e vai para a capital‘Porto Real’, localizada no sul.
Acaba descobrindo que o filho do rei, Joffrey é na verdade um bastardo fruto de
relações incestuosas da rainha CerseiLannister com o seu irmão gêmeo Jaime Lannister
(que utilizam do discurso de que seus filhos são filhos de uma linhagem pura, pois
foram gerados por dois indivíduos que dividiram o útero ao mesmo tempo, para
justificar a relação incestuosa).
Quando Stark decide contar para o Rei Robert toda a verdade sobre as relações da
rainha com seu irmão, este de maneira inesperada acaba sofrendo um acidente durante
uma caçada na floresta e agora se encontraàbeira da morte, mudando o rumo das coisas
para EddardStark. O rei pede para que Stark escreva uma carta onde o nomeia para
ocupar o posto de rei dos sete reinos, até que o “filho”do rei (Joffrey, o primogênito que
na verdade é filho dos irmãosLannister) tenha idade para governar.
Sempre ambiciosa pelo trono, a rainha CerseiLannister rasga a carta e nomeia seu filho
Jofrey como novo rei. Eddard Starks é acusado de conspirar contra o rei para tomar o
seu cargo e acaba sendo condenado à morte pelo rei Joffrey. Podemos assistir a isso no
episódio 2, 5 e 7 da primeira temporada da série: a nomeação do rei, o jogo de poder e
de relações.O instrumento da tirania era o preço da liberdade para a servidão. Essa
servidão era conquistada com jogos, farsas, espetáculos e davam alimentos, o qual lhes
pertencia por direito, tudo isso já no mundo antigo como meio de entorpecer o povo. O
rei ainda se vestia do manto da religião para justificar o governo severo e hostil, como
um mecanismo a mais de dominação (DE LA BOÉTIE, 2009).
Etienne De La Boétie diz que muitas vezes o soberano é o mais covarde e efeminado da
nação, não acostumado à poeira das batalhas, não só incapaz de comandar os homens
pela força, mas ainda de servir de maneira indigna (2009, p. 32). Podemos observar esta
afirmação em uma das cenas de Game of Thrones, quando o personagem Joffrey
(quando ainda é um príncipe do reino), tenta mostrar sua superioridade a um filho de
um carniceiro, mas quando se vê dominado pela personagem Arya Stark (em uma
disputa de espada), mostra claramente a sua fraqueza.
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Segundo o autor De La Boétie (2009, p.40), há três tipos de tirano: Uns adquirem o
poder por eleição do povo, outros pela força das armas, e os últimos por sucessão
hereditária. Na série Game ofThrones, vemos que o personagem Robert ganha o trono
pela força das armas, através de uma luta do qual venceu o domínio do chamado “Rei
Louco” e tomou o seu trono. Já o personagem Jofrey é “filho” do Rei Robert e,portanto,
toma posse do trono por sucessão hereditária. O que pode instigar questões e opiniões
sobre qual seria o melhor reinado, ou se tal ideal não seria nem possivel de alcançar.
Na opinião de De La Boétie, os que nascem reis geralmente não são os melhores, pois
nascidos e alimentados no seio da tirania sugam com o leite a natureza do tirano e
olham os povos submetidos a eles como servos que herdaram (p.40). Em Game
ofThrones torna-se muito claro que o personagem Joffrey desde criança percebeu que
possuía poder, e ao chegar o momento de usufruir deste, o utiliza para subjulgar os seus
súditos.
Hábito, educação, o não cultivo da liberdade e a covardia, são elementos da servidão
voluntária na relação entre reis e súditos. “[...] A primeira razão pela qual os homens
servem voluntariamente é porque nascem servos e são educados como tais. [...]” (LA
BOÉTIE, 2009, p. 51).
O autor diz que o segredo da dominação do tirano é o apoio de quatro ou cinco pessoas
que o mantém no poder. Isso sempre aconteceu porque cinco ou seis obtiveram a
confiança do tirano e se aproximaram dele por conta própria, ou foram chamados por
ele para serem cúmplices de suas crueldades (DE LA BOÉTIE, 2009, p.61). Na série
podemos ver um exemplo desta citação através da família Lannister. Eles conseguem
apoio de muitos aristocratas devido ao estimulo financeiro que a família Lannister
oferece aos seus subjugados – a família financiou até mesmo as regalias do reinado do
rei Robert que não se preocupa com os gastos excessivos e acaba colocando o reino a
beira da falência financeira, recorrendo desta forma ao dinheiro dos Lannister – o que os
leva a utilizar constantemente a frase “Ouça-me rugir”, pois o brasão da família é um
leão dourado em campo carmesim, entretanto, utilizam constantemente a frase ‘Um
Lannister sempre paga suas dívidas’, como meio de reafirmar suas condições
financeiras. Assim, por meio da abordagem dos trechos se tece um quadro sobre os
reinados, os prováveis comportados da maioria dos súditos, do século XVI.
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Como os reis impunham seu poder? Quais os mecanismos? E, como o povo pode
resistir a tal servidão? Como o Estado, na figura do tirano é mostrado pelo autor? Como
isso se relaciona com o pensamento renascentista?
Apontemos algumas respostas para as questões: o Estado, retratado na figura de
um monarca tirano era mostrado como um “corpo” em relação com o corpo humano,
como escreve De La Boétie, (2009, p. 4):
Aquele que vos domina tanto só tem dois olhos, só tem duas mãos, só
tem um corpo, e não tem outra coisa que o que tem o menor homem
do grande e infinito número de vossas cidades, senão a vantagem que
lhe dais para destruir-vos. De onde tirou tantos olhos com os quais vos
espia, se não os colocais a serviço dele? Como tem tantas mãos para
golpear-vos, se não as toma de vós? Os pés com que espezinha vossas
cidades, de onde lhe vêm senão dos vossos? Como ele tem algum
poder sobre vós, senão por vós?
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possível identificar alguma característica dessa submissão nos dias atuais? Se há como
elas se apresentam?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A série seria uma fonte com o intuito de mostrar aos alunos os meios que um rei
se apropriava para conseguir de seus súditos a submissão durante o seu governo, como
os súditos se submetem as vontades do rei e como a imposição do monarca muitas vezes
é vista como um meio de se conseguir segurança ou em relação ao status como um meio
para se conseguir benefícios junto ao rei e para aqueles que desfrutam da liberdade e se
negam a servidão, vêem a submissão como um ato fraco de quem nunca teve liberdade.
Diferente do que se pensava no século XIX (a visão de que o documento como
verdade dos fatos, trazia o que realmente ocorreu), os documentos começam a ser vistos
agora (pois, desde o século XX os historiadores passaram a contestar a fonte como
documento inerte) como possibilidades para a ampliação e a familiarização do aluno
com formas de representação das realidades do passado e do presente que possibilita
associar o conceito histórico fortalecendo a capacidade de raciocinar a situação
analisada, o que permite que ocorra um diálogo do aluno com a realidade passada, assim
como também possibilita criar um sentido para a realidade do aluno.
A “formação histórica” definida por Jörn Rüsen como um processo amplo de
aprendizagem, que elenca que “[...] o ensino de história nas escolas, a influência dos
meios de comunicação de massa sobre a consciência histórica e como fator da vida
humana prática, o papel da história na formação dos adultos como influência sobre a
vida cotidiana [...]” (RUSEN, 2001, p. 48), denota que devem ser consideradas
inúmeras influências para a formação da consciência histórica, ou seja, que muitas
vezes, a perspectiva temporal dos alunos se coloca muito além das atribuições contidas
nos livros didáticos. Por isso, podemos articular esse embate com a frustração de alguns
alunos com um ensino de história sendo colocado como a tradicional ‘decoreba’ de
trechos oficiais, elencando datas e nomes, sem considerar os conhecimentos prévios e as
interferências sociais nas suas perspectivas temporais.
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A história deve ser vista como um fator de orientação cultural na vida prática
humana. (SCHMIDT, BARCA, MARTINS, 2010. p. 44). O que impulsionaria o
aprendizado histórico dos alunos seria as suas necessidades de orientação. Podendo dar
andamento ao aprendizado histórico somente a partir das experiências de ações
relevantes do presente.
Segundo Caio César Boschi, a escrita da história não pode ser isolada de sua
época. Para Boschi, tudo o que fazemos, pensamos, sentimos e produzimos, assim como
o significado que atribuímos a tudo isso, depende da época em que vivemos das
relações sociais estabelecidas e principalmente do contexto histórico. Tudo aquilo que
parece ser natural, que sempre existiu e vai continuar existindo é, na verdade fruto da
criação humana ao longo do tempo.
Muitos alunos encaram a História como uma verdade absoluta sobre o passado,
como se esta fosse uma certeza fiel de algo que se passou. Nós, como professores,
temos que deixar claro para os alunos que a história não é um conhecimento pronto,
acabado. Pelo contrário, é um conhecimento que está em permanente construção.
A ideia de que a História é uma simples sucessão de fatos interligados por uma
relação de causa e efeito, segundo Boschi, foi superada. Entretanto o que vemos na
escola e nos livros didáticos é que esta concepção de história ainda permanece.
Visando uma aula onde se poderá aplicar em sala o trabalho de análise de fontes
com os alunos; buscamos desenvolver um dialogo durante a aula para que o aluno possa
perceber que os questionamentos feitos à fonte estão ligados a um passado
desconhecido, mas que também permite estabelecer uma relação com sua bagagem – as
informações obtidas fora do espaço escolar e que não devem ser desconsiderado, pois
nos possibilita trabalhar com o aluno de maneira mais dinâmica, e interessante. A
ampliação das possibilidades de trabalho em sala de aula, tendo em vista uma
aprendizagem, para a criança e o jovem, mais efetivo, que se permita desenvolver uma
visão mais crítica sobre a sociedade a qual ele está inserido – tudo com o intuito de
melhorar a qualidade do ensino de história.
Portanto, fontes para o ensino tornam-se fundamentais para uma aula dinâmica,
pois permite que a história se torne um fator de determinação cultural da vida prática
humana.Ela terá de deixar de ser uma mera absorção de uma série de acontecimentos
que se dará a partir da elaboração de perguntas e respostas feitas aos conhecimentos
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acumulados, para iniciar a partir das questões históricas que surgem no presente, as
experiências do passado transformando-se em experiência histórica específica,
proporcionando a real efetivação do conhecimento.
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Introdução
Livros, programas de televisão, revistas e blogs voltados para questões
históricas, produzidos por indivíduos sem formação acadêmica em história, muitas
vezes adquirem grande popularidade. O best-seller “1808”, por exemplo, é uma obra
que aborda a vinda da família real portuguesa ao Brasil, no entanto, o autor Laurentino
Gomes não é historiador, mas sim jornalista. Há também os guias politicamente
incorretos do Brasil, América Latina e da História do Mundo, obras de Leandro
Narloch, ex-jornalista da “Revista Veja” e ex-editor das revistas “Superinteressante” e
“Aventuras na História” o qual, também sem uma formação em história, produziu
fontes de conhecimento histórico e atingiu considerável relevância em âmbito nacional.
Sob essas questões, o presente texto tem o intuito de analisar o conhecimento
histórico produzido por não historiadores, a partir da temática da história de Londrina,
cidade localizada no norte do Paraná, já que neste campo a produção de obras de
história por autores que não são historiadores também é numerosa. Para tanto,
escolhemos o livro intitulado “Memórias fotográficas: a fotografia e fragmentos da
história de Londrina”, o qual foi produzido por Paulo César Boni, Rosana Reineri
Unfried – ambos jornalistas – e Omeletino Benatto – considerado um dos pioneiros de
Londrina. Aquele livro de fotografias apresenta a história da cidade por meio de fotos
colecionadas ou fotografadas por Benatto ao longo de vários anos e textos explicativos
embasados nas anotações do pioneiro.
Apresentadas de forma didática, fluida e agradável, as questões históricas
daquela obra destoam da história acadêmica, já que as fotografias e anotações não foram
submetidas à análise histórico-crítica, exercício esse fundamental ao ofício do
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Segundo Leme (2013), em 1929, a CTNP enviou uma caravana com o intuito de demarcar terras, lotes
e levantar as primeiras edificações. A companhia colonizadora também investiu em propagandas,
retratando Londrina como a terra prometida, para atrair compradores de diversas partes do Brasil e do
mundo. É importando observar que a CTNP foi responsável pela colonização de várias outras cidades do
norte do Paraná, mas instalou sua sede em Londrina, fator que justificou seu rápido crescimento
populacional e econômico.
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história oficial da cidade e aos mitos fundadores, que trazem a elite pioneira e seu
triunfo econômico como marcos histórico.
A distribuição do livro ocorreu de forma gratuita, destinada a pioneiros,
bibliotecas de escolas das redes municipais e estaduais, bibliotecas públicas e de escolas
de nível superior (BONI, 2013), uma vez que o livro é composto por uma linguagem
didática, portanto acessível à sociedade e, também, é fruto de projetos de Iniciação
Científica do curso de Comunicação Social e Habilitação em Jornalismo da
Universidade Estadual de Londrina.
As questões implícitas, então, se relacionam com os conceitos de história e
memória, uma vez que Jacques Le Goff (2003) advoga a história enquanto a forma
científica da memória coletiva e um objeto de poder, uma vez que com o passar do
tempo o que se perpetua não é o que viveu no passado, mas sim seleções das forças que
operam no desenvolvimento do mundo. Logo, a temática do livro em questão é fruto da
seleção de memórias que dizem respeito à noção de história defendida pelos autores, a
qual interpreta e rememora parte do passado de Londrina.
Michael Pollak também aborda o mesmo assunto quando diz que não há como se
registrar tudo, pois a memória coletiva “constitui um objeto de disputa importante, e são
comuns os conflitos para determinar que datas e que acontecimentos vão ser gravados
na memória de um povo” (POLLAK, 1992, p.4). Em outras palavras, tanto a história
quanto a memória são peças de disputas que definem o que deve ser lembrado por uma
nação ou, no caso, por uma cidade.
O conhecimento histórico produzido por não historiadores
A obra “Memórias fotográficas: a fotografia e fragmentos da história de
Londrina” (2013) traz questões históricas acerca da cidade, por meio de fotografias e
textos explicativos. A organização das imagens se pautou em capítulos que, segundo os
autores, visaram uma lógica de ordem cronológica, situando as imagens histórica e
geograficamente.
Inicialmente o livro descreve, por meio do diálogo com as fotografias,
residências de pioneiros que se destacaram durante o processo de colonização como, por
exemplo, o casarão de madeira, localizado na área central, do médico alemão Kurt Peter
Müller, o qual, atraído pela propaganda da Companhia de Terra Norte do Paraná
(CTNP) e contratado pela mesma, atuou no primeiro hospital da cidade, construído pela
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Idem, p.210.
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Idem, p.19.
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Ibidem.
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Nos anos 1990, houve um adensamento de ações políticas por parte do Estado e
da sociedade. Foi quando Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional incluiu
questões relativas à diversidade cultural e a pluralidade étnica e quando surgiram os
Parâmetros Curriculares Nacionais trazendo para o debate temas como: Meio Ambiente,
Sexualidade e Pluralidade Cultural. No ano de 2002 o governo lançou um programa de
ações afirmativas que teve seu pontapé inicial com a Lei 10.639 de 2003.
A Lei 10.639/2003 surgiu para ratificar essa necessidade de se trabalhar com o
pluralismo cultural. Ela denota a obrigatoriedade de se trabalhar o ensino de História da
África e da cultura afrobrasileira na educação básica. A partir desta lei, em 2004 foram
instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que, conforme
Tarso Genro (que era o ministro da educação da época e escreveu a apresentação do
MEC para o documento), é fruto do comprometimento com as políticas afirmativas que
o governo federal estava implantando com o “objetivo de corrigir injustiças, eliminar
discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema
educacional brasileiro”. Essas ações afirmativas têm o objetivo de criar oportunidades
iguais para as pessoas que são alvo de discriminação, para que se crie um sentimento de
pertencimento ao ambiente (a escola) e essas pessoas tenham a possibilidade de
competir de forma igual por serviços educacionais (como graduação) e por postos no
mercado de trabalho.
Martha Abreu (2005) aborda o desafio que as ‘Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de Histórias da Cultura
Afro-Brasileira e Africana’ trouxeram aos professores e profissionais da área de
História e afirma que os debates levantados visam à educação e à transformação das
relações étnico-raciais, e criam pedagogias de combate ao racismo e às discriminações a
partir de uma valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, convocando os
profissionais de história para uma ampla reflexão sobre a história da cultura afro-
brasileira, em suas dimensões de pesquisa e ensino (fundamental, médio ou superior).
Conforme a autora, é necessário, também, o reconhecimento, ou seja, uma valorização
das identidades e dos direitos dos afro-brasileiros, com justiça e igualdade de direitos
sociais, civis, econômicos e culturais, assim como
“a adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas que
valorizem a diversidade, visando superar a desigualdade étnico-racial
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Nilma Gomes (2008) diz que mesmo depois de anos da sanção da lei, ainda
existem resistências por parte das escolas e de instituições vinculadas a elas. Conforme
a autora, isso acontece devido ao mito da democracia racial, que retrata o Brasil como
exemplo de democracia e inclusão racial e cultural. Para superar isso é preciso uma
reflexão profunda que mostre que a questão racial não está vinculada apenas ao negro; a
superação do racismo faz parte da luta pela cidadania. O Brasil é um país multiracial e
pluricultural que não pode pregar a democracia sem considerar a diversidade e o
tratamento desigual historicamente imposto aos grupos sociais.
Há também que se pensar as normativas no sentido de sintetizá-las, não somente
absorvê-las. Como por exemplo, Abreu (2005) critica as Diretrizes por considerar que
nela é afirmado a existência de uma cultura negra e africana e que estas estão em
oposição a um padrão cultural e estético branco e europeu. Para a autora essa visão não
pensa nas identidades culturais como construção e campos de luta historicamente
datados, como a própria utilização dos termos que fazem referência ao conceito raça. Os
processos de troca cultural e hibridização das culturas não são mencionados como
possibilidades reais de trabalho com culturas. Ou seja, para a autora deve-se pensar na
pluralidade nas permancias e também alternâncias dentro da própria cultura e
identidades, que a afro/negra pode ter se misturado com a europeia/branca, por
exemplo. Defende que as trocas culturais devem sobrepor em importância as raízes
culturais, dizendo que "não podemos criar expectativas sobre a existência de culturas
cristalizadas no tempo ou preservadas intactas ao longo de tantas gerações" (ABREU,
2005, p. 426) e que propor a ideia de que existe uma cultura afro-brasileira a partir de
resíduos africanos que permaneceram é uma forma simplista e que despreza a
criatividade e transformação que os escravos e descendentes agregaram. "A diversidade
cultural brasileira e a sua tão propalada pluriculturalidade devem ser pensadas levando-
se em consideração os intercâmbios e as trocas culturais (e não apenas raízes, blocos e
essências culturais)”. (ABREU, 2005, p. 426).
De todas as etnias que compuseram a sociedade brasileira, até hoje as que mais
sofrem preconceito e discriminação são as africanas, mesmo que a miscigenação tenha
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sido uma prática recorrente desde a colonização, de modo que as relações interétnicas
deram origem a um país mestiço. Não houve segregação positivada durante a escravidão
e nem depois da abolição, o que leva ao pensamento de que o racismo no Brasil não tem
a ver com a escravidão, mas sim com a abolição e com a política de embranquecimento.
Conforme Abreu (2005), a identidade negra foi construída historicamente e não
naturalmente.
Conforme Fernandes (2005), muitos autores concordam sobre a diversidade
cultural no Brasil, que não foram só os europeus que influenciaram o desenvolvimento
de uma cultural nacional, mas sim que o sincretismo cultural foi uma via de mão dupla,
entre todas as etnias que formaram o país. A ideia de raça não existe biologicamente,
pois neste ponto todos os seres humanos são muito parecidos. A ideia de raça que
remete à aparência física e à região de origem está na base do preconceito que deu
origem ao racismo. Porém, o autor coloca que as escolas não estão aptas a trabalhar com
esse olhar, pois a matriz europeia é dominante e quando negros e indígenas, por
exemplo, aparecem, são retratados de modo preconceituoso e estereotipado, quando a
necessidade é de se dar visibilidade à diversidade da experiência étnica antes e depois
da diáspora no Brasil, ou seja, ampliar os currículos escolares para a diversidade, como
por exemplo, destacar não apenas o negro em estado de submissão, de escravidão, mas
divulgar a participação dos negros em diferentes setores da sociedade.
“Apesar desse fato incontestável de que somos, em virtude de nossa
formação histórico-social, uma nação multirracial e pluriétnica, de notável
diversidade cultural, a escola brasileira ainda não aprendeu a conviver com
essa realidade e, por conseguinte, não sabe trabalhar com as crianças e jovens
dos estratos sociais mais pobres, constituídos, na sua grande maioria, de
negros e mestiços.” (FERNANDES, 2005, p. 379)
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Gomes (2008) afirma que um maior entendimento das nossas raízes africanas e da
participação do povo negro da construção da sociedade brasileira pode ajudar a
desconstruir mitos, como o da indolência (aversão ao trabalho) do africano ou
afrodescendente escravizado. Trabalhar com a população negra brasileira no presente
também pode ajudar a superar preconceitos arraigados no imaginário social, que tendem
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a tratar a cultura negra e africana como exótica – a questão da folclorização - o que pode
gerar uma visão afirmativa da diversidade étnico racial.
Levando em consideração todo o exposto, o caso dos afrodescendentes e a
necessidade de se trabalhar com essas temáticas em sala de aula de maneira correta
(para que a discriminação e o estereótipo não sejam reforçados), pode-se trabalhar com
a cultura afrobrasileira como tema norteador de todas as disciplinas, que é o conjunto de
manifestações artísticas, religiosas, padrões de comportamento, formas de vestir e se
divertir, hábitos alimentares, relacionamento, educação das crianças, como lidar com a
morte, explicações para origem e sentido da vida, de um determinado grupo social, que
são fruto com contato dos africanos e seus descendentes com as populações locais, ou
seja, são sempre híbridas; como exemplo, pode-se trabalhar com a capoeira ou com o
samba nos seguintes eixos: história dessa herança cultural, impacto social dessas
atividades, a física dos instrumentos utilizados nessas práticas, a arte desenvolvida
nesses meios, entre outras perspectivas.
Pensando de forma exclusiva no ensino de História, desconsiderando a proposta
interdisciplinar e considerando o currículo que o professor tem que cumprir, uma
atividade interessante de se elaborar seria no recorte temático da Revolta dos Malês, no
qual é possível trabalhar o negro africano ou afrodescendente fora da escravidão, como
agente histórico e ligado à cultura muçulmana.
O islã teve um papel ambíguo na lida com a sociedade: por um lado, inspiração de
ideologia e modelo de Estados, geralmente expansionistas, aliado do poder, força
militar; por outro lado, refúgio dos humildes, força espiritual, moral e organizativa que
manteve viva a esperança de libertação de milhares de negros muçulmanos submetidos
à escravidão. Essa segunda tradição islã é que os escrvavizados na Bahia tentaram
reinventar. A definição do termo "malês" tem várias possibilidade segundo alguns
autores. Pode significar "pertencente à região do Máli, na África" segundo Nina
Rodrigues (apud REIS, 2003, p. 115). João José Reis (2003) ainda traz outras duas
possibilidades: na linguagem dos haussás significa professor e dos iorubás,
muçulmanos. O termo malê só aparece na Bahia no século XIX por causa de uma maior
presença de iorubás lá, que impuseram esse nome; mas não se referia à etnia deles
somente, mas a qualquer africano que tivesse adotado o islã. Não há dúvida de que
muitos muçulmanos participaram da rebelião de 1835. Encontraram nos mortos
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amuletos do islã e trechos do alcorão e usavam roupas que só eram usadas pelos adeptos
do islã. Essas características levaram o chefe de polícia escrever no relatório que a
Religião teve papel fundamental na revolta e todos os que escreveram sobre esta não
puderam ignorar o fator religioso.
Velhos malês procuravam malês novos – os documentos da revolta de 1835
revelam grande proselitismo por parte dos muçulmanos e conversão ao islã nos anos
1830. O islã se realizava em vários níveis de aprofundamento diferentes; eram comuns
os amuletos ou talismãs malês, eram objetos de uso obrigatório para os muçulmanos e
não-muçulmanos devido à reputação de possuírem forte poder protetor. Os negros
baianos consideravam os malês conhecedores de magia e feitiçaria, os brancos achavam
os amuletos parecidos com os escapulários católicos contendo orações. Esses amuletos
foram um forte meio de propaganda do islã na Bahia. Como os negros escravizados
geralmente só conheciam a tradição oral, a escrita dos malês era muito atrativa para
eles. Os amuletos geralmente eram constituídos por um papel no qual estava escrito
uma parte do alcorão ou rezas fortes, também sendo comum encontrar desenhos
cabalísticos. O papel era dobrado sob ritual “mágico” misturado a outras substâncias
que reafirmavam esse caráter de magia e guardado dentro de um tipo de bolsinha de
couro toda costurada, para proteger as palavras e os outros elementos protetores. A
magia desses textos e desenhos tinha fins protetores, mas os malês presos em 1835
raramente falavam sobre ela e quando falavam não diziam sobre sua relação com a
revolta, falavam somente do seu poder no dia-a-dia, por exemplo proteção durante a
viagem de um mascate. Além dessa proteção do dia-a-dia, os amuletos revelam também
um sincretismo religioso entre os africanos: eles ajudariam a controlar os astrais incertos
do mundo dos espíritos.
Com este tema e apoio do texto de João José Reis (2003) é possível abordar a
presença africana e afrodescendente na Revolta dos Malês, fora do cativeiro, levando
em consideração o cotidiano do negro escravizado na década de 1830.
Em conclusão e dialogando com Fernandes (2005), o multiculturalismo na escola
tem que ser norte para os professores em geral, não somente para o professor de
História, valorizando as diferenças socioculturais. Os silêncios nos currículos, tanto na
questão das culturas quanto nas diferenças regionais, só contribuem para o preconceito e
o fortalecimento dos estereótipos, que nada ajudam na construção de uma sociedade
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