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B R A S f l
O FIGURINO DAS
VOLUME 11
SÃO PAULO
2004
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS
..
CAPÍTULO 6
O FIGURINO
DE
BERTOLT BRECHT
380
Fig. 1- Bertolt Brecht (final da década de 20)
381
INTRODUÇÃO
Brecht não é alguém que se possa separar de sua obra. Um artista que
reflete na obra sua história pessoal, suas dificuldades, seus momentos de
alegria, de crença, de fé, seus amores. Mas que não hesita em retratar suas
dores e suas preocupações. Que são, acima de tudo, preocupações
universais, voltadas para o todo da humanidade.
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Além disso, utilizou-se como embasamento teórico os textos que o próprio
Brecht escreve para falar sobre seus figurinos, seja nos model/e2, seja nas
publicações sobre teatro que faz.
383
BRECHT E O TEATRO ORIENTAL
384
de representar ainda estabelece contato com a platéia para mostrar que está
atuando. Ele deseja que o ator mostre que está mostrando.
Brecht comenta que alguns julgam que a interpretação dos orientais era
muito fria, acusação que ele mesmo enfrentou em suas peças. No entanto,
ele diz que "o ator oriental representa acontecimento s que contém uma forte
tensão emocional: todavia, o seu desempenho jamais denota qualquer
calor. "4 Ele ainda cita que o ator oriental jamais entra em transe, ou busca
uma metamorfose completa para "encarnar" uma personagem.
385
Fig.3- Um cenário de espetáculo chinês
Tudo parece levar a uma síntese, uma busca pelo que é essencial.
Isto é o que Brecht também deseja para sua encenação: em cena, deve estar
apenas o que é fundamental para que o ator possa realizar seu trabalho. Os
figurinos que ele usou ou desejou não saíram deste esquema. Ao mesmo
tempo em que busca esta simplicidade, seus figurinos acabam por receber
um corte ou um estilo que remetem à uma estética oriental. Veja na figura 4
que a encenação tem cores fortemente representativas das culturais
orientais: o dourado, o preto e o vermelho vivo.
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para a Geórgia feudal, antes da invenção das armas de fogo. Mas não é o
que mostram seus trajes. (Figuras 5 e 6).
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fez a esposa do governador, apesar de ser de uma cor muito mais viva,
poderia ser o de Gertrudes, a Mãe de Hamlet: as características do corte em
linhas retas conferem dignidade e sobriedade à figura.
Mas o mais curioso de notar, como veremos, é que esta busca pela
simplificação - e sabe-se bem o quanto de trabalho isso traz, pois a busca
do simples, do sucinto, da síntese é difícil - está nas outras peças de Brecht.
Os trajes e cenários carregam um clima europeu, mais adequado para
aquelas encenações que não tem sua localização nos países do Oriente. Mas
é como se a presença filosófica do Oriente estivesse sempre presente.
388
Fig. 9- A figura da direita é o Cozinheiro
Brecht iria mais longe ainda ao juntar num mesmo espetáculo suas teorias
novas sobre a interpretação, a peça didática e figurinos chineses: era
"Horácios e Curiácios'.
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Aos jogadores que são ao mesmo tempo aprendizes, é proposto um
caso social que não se relaciona necessariamente com a sua
experiência pessoal {as peças didáticas de Brecht se passam na China,
em Roma, etc.).
Dos dois lados o coro e as mulheres cantam e exortam seus exércitos à luta. O
poder e a agressão curiácios . A astúcia e a coragem horácias. Ambos exércitos se
organizam. De cada lado três combatentes: o arqueiro, o lanceiro e o espadachim
representam os batalhões. É a guerra!
390
'Horácios e Curiácios' foi definida por seu autor, Bertolt Brecht, como 'uma peça
didática para estudantes, que trata da dialética'7. Escrita em 1934, só foi encenada
em 195 8 com música de Kurt Schwaen. É baseada num episódio da História romana,
e na forma propõe técnicas de representação do Teatro Chinês. É a mais compacta e
a mais hábil do Teatro Didático de Brecht.
O autor propõe a dialética como um esporte praticado por aqueles que acreditam na
inteligência exercitando-a de todas as formas possíveis. Uma forma de prazer. A
ênfase na peça é no "pensar dialeticamente"; usar todas as armas disponíveis de
todas as maneiras possíveis; saber aproveitar o terreno conhecido; saber usar o
próprio adversário, conhecê-lo, dividi-lo; e não hesitar em fugir quando a medida é
a mais justa, sob um ponto de vista tático, para ter melhores condições de conseguir
a vitória.
Nesta obra Brecht propõe ao demonstrar o uso da lança: "Há muitos objetos num só
objeto". A peça é um exercício de inteligência destinado à inteligência. Seu heroísmo
é demonstrado por alguém que não é herói, que utiliza a astúcia somando-se à
disciplina e à estratégia para dividir e vencer o inimigo. É uma guerra de guerrilhas
numa fascinante demonstração teatral da importância e do significado prático da
utilização do pensamento dialético. Uma forma de prazer.
O que mais interessa neste momento é que "na forma propõe técnicas de
representação do teatro Chinês". Brecht estava preocupado com o todo da
encenação: teria então que considerar que seria impossível trabalhar
técnicas de atuação chinesas sem trabalhar os figurinos ligados à elas.
Brecht salienta em seu texto sobre o teatro chinês que
391
Fig. 10- Foto da Ópera de Pequim, com as bandeiras.
3. Os passos dos atores devem ser marcados: os atores, de certo modo, caminham
sobre marcas de pés no chão. Isso é necessário porque o tempo deve ser medido.
Na primeira batalha, quem dá a medida do tempo é o ator que passa portando o sol.
Na segunda batalha, durante as "Sete maneiras de usar a lança"', o tempo mede-se
pela movimentaçã o do lanceiro Curiácio: os aconteciment os são representados
vagarosamente, como em câmara lenta.
392
S. Para simbolizar a tempestade de neve, poderão jogar-se sobre o Lanceiro Horácio
alguns punhados de papel picado.
Como se vê, Brecht cerca até mesmo a sua peça didática de instruções,
acerca dos vários aspectos da montagem: voz (item 6), a música (7), cenários
( 2) e figurinos (1 ).
Podemos destacar ainda do texto sobre teatro chinês uma frase muito
importante: "O hábito de encarar uma representação de caráter artístico
como um todo não se destrói facilmente".12
Brecht, ao longo dos anos, vai estabelecendo parcerias com diversos artistas
que contribuem para sua realização dramatúrgica e cênica. Ele acreditava
393
que no processo de criação do espetáculo a cooperação dos diversos
artistas, que poderiam contribuir individualmente para o todo, era
fundamental na busca de uma obra de arte total.
Não é à toa que fundaria mais tarde o Berliner Ensemble, ou seja, um grupo
que trabalha junto, co laborando.
No Pequeno Organon para o teatro, Brecht diz que "A interpretação da fábula
e a sua transmissão por intermédio de efeitos de distanciamento adequados
deverão ser a tarefa capital do teatro. Mas não é o ator que precisa fazer
tudo, ainda que nada se deva fazer que não esteja com ele relacionado. A
fabula é interpretada, produzida e apresentada pelo teatro como um todo,
constituído pelos atores, cenógrafos, maquiladores, encarregados dos
guarda-roupas, músicos e coreógrafos. Todos eles conjugam suas artes para
um empreendimento comum, sem renunciar, no entanto, à sua
autonomia.''l3
394
BRECHT E CASPAR NEHER
395
Brecht e Caspar Neher
No entanto , o que assusta neste princípi o colabor ativo que Brecht e Neher
fazem é o grau de envolvi mento que a criação atinge.
396
Os desenhos que Neher vai fazendo durante o dia não são apenas sobre as
cenas que ele vê. Ele propõe soluções cênicas, cria locais para cenas que
Brecht e os atores não sabem onde realizar (o banho do senhor Puntila, por
exemplo) e vai desenhando desdobramentos da história que Brecht insere na
sua dramaturgia. É o trabalho do designer modificando a dramaturgia.
Pode até soar como um processo comum, inovador e moderno hoje. Mas
esta parceria é iniciada em 1 922.
Neher dizia que "copiar a realidade não é suficiente; a realidade precisa não
só ser reconhecida mas também entendida".19
397
Fig. 1 2 - Aquele que duvida, de Neher.
A criação de Brecht e Neher foi afinando ao longo dos anos, como veremos
pelos desenhos e fotografias de alguns espetáculos que os dois fizeram
juntos. Também a jornada foi longa de 1922- a peça Tambores na Noite (fig.
13) - até a evoluída e madura concepção da Antígona, baseada na obra de
Sófocles. Não foi só a maturidade artística que os dois desenvolveram.
398
fica exilado por longos anos, até que pudesse retornar para a Alemanha sem
riscos.
Uma discussão sempre levantada sobre este momento de vida de Brecht era
porque ele, ao fugir dos nazistas, não se refugiou na União Soviética, que era
comunista. O próprio Brecht era comunista, em princípio, apesar de nunca
ter aderido abertament e ao partido comunista. Umas das explicações é que
ele não concordava com o tipo de comunismo que se desenvolvia na União
Soviética de então.
É certo que este período de distância foi bom para Brecht e Neher porque
eles desenvolve ram novas experiência s no palco. Mas houve perdas, danos,
dores, separações.
Fig. 15- Na Selva das Cidades, 1923 Fig. 16- Um Homem é um Homem, 1926
399
Fig. 17- Mahagonny, 1930 Fig.18- Terror e Miséria do 111 Reich, 1938
Fig. 19- Helene Weigel 1Die Mutter Fig. 20- Foto de cena de Die Mutter, 1932.
Neher tem plena consciência que tudo aquilo que não é votado para a
execução da cena não deve ser utilizado. Todos os cenários, trajes, adereços
e figurinos devem ter uma história, as marcas que as personagens deixaram
neles através do uso. Os adereços, que Brecht tanto reverenciava, eram
executados com maestria por profissionais que fariam deles os melhores
apoios para o trabalho dos atores. "Muitos dos adereços são peças de
museu. Estes pequenos objetos que põe nas mãos dos atores - armas,
instrumentos, bolsas, talheres, etc. - são sempre autênticos e resistem à
análise mais detalhada".24
401
a impressão de que as roupas foram usadas muitas vezes. Em seguida, era
chamuscada a florescência do tecido. O aparelho de pirogravura desbotava
a cor e dava uma coloração antiga ao material. Emprestava-lhe tons
amarelados. Em seguida os tecidos eram raspados com lâmina de barbear.
Com cera, com esmalte, com ácido graxo produzíamos manchas. Com a
lâmpada de soldar queimávamos furos no tecido e os remendávamos em
seguida. Para os trabalhadores na peça arrumamos macacões novos de
ferreiros - que reformamos para se igualarem àqueles usados na Rússia
naquela época.". 27 os cerzidos eram deixados à mostra.
Este Anexo IV não deve deixar de ser lido, em função da curiosa abordagem
dos figurinos e da maquiagem, que não é o tema principal deste capítulo.
402
AANTÍGONA
Brecht escreveu um novo prólogo para a peça, cuja ação se passa em Berlim,
no final da guerra. A estréia do espetáculo foi em fevereiro de 1 948, e Brecht
começou com a Antígona o hábito de fotografar os espetáculos e depois
publicar estas fotos com textos explicativos sobre os espetáculos : os
Model/e3 1•
Fig. 21 - O prólogo
403
Os figurinos do prólogo (fig. 21) mostram roupas alemãs, contemporâneas,
de cores escuras, de alguma forma já introduzindo a cor de cena que Brecht
e Neher vão adotar - um tom de cinza permeia o espetáculo inteiro. É a
analogia com a destruição causada pela guerra que recentemente acabou -
1945.
404
do projeto se perde, o que não deixa de ser um pouco frustran te para o
cenógrafo. Neste caso, até o cenário , que Brecht descreve a seguir, é igual!
405
Os trajes masculinos da encenação eram de "aniagem (tecido rústico quase
como juta) de cor natural e a indumentária feminina de algodão. Os trajes
de Hermón e de Creonte (fig. 26) tinham aplicações de couro vermelho. Para
Antígona (fig. 28 e 29) e lsmênia, os trajes eram cinzentos33, de seda.
Ded icou-se atenção especial aos acessórios, que foram encomendados a
artesãos competentes. O nosso intuito não era dar ao público e aos atores
uma aparência de autenticidade, mas apenas proporcionar-l hes belos
acessórios". 34
Fig. 25- Desenho de Neher- Fig. 26- Creonte e Fig. 27- Desenho de Neher-
Antígona Hemon Tirésias
406
Fig. 28 - Antígona e as Criadas Fig. 29- Creonte e Antígona
Não passa desape rcebido também o aspecto religios o, sacerdo tal, da roupa
de Creonte .
O figurino foi usado para estabele cer uma simbolo gia muito maior do que
uma observa ção inicial poderia vislumb rar. Brecht e Neher mostram
claramente que a encenação tem um fio conduto r: se o Prólogo do início,
com as duas mulhere s é aparent emente descone ctado visualm ente do resto
da peça, com roupas alemãs contem porânea s, o figurino de cada
personagem foi trabalha do para fazer com que este tema - a guerra e seus
malefícios - não fosse perdido .
Neste caso, Creonte represe nta o poder, mas sua roupa sacerdo tal faz
alusão à Igreja como instituição que assistiu a todos os horrore s da guerra
impassível.
407
BRECHT E TEO OTTO
408
BRECHT E TEO OTTO
Teo Otto cumpriu a função de entrar no lugar de Caspar Neher depois que
Brecht deixa Berlim e vai se refugiar na Escandinávia. Ali, ele e Bertolt Brecht
iniciariam um novo trabalho conjunto - que a julgar pelos títulos das peças a
seguir, só poderia ter sido bem sucedido. Algumas das peças realizadas por
Brecht e Otto incluem: A Vida de Galileu Galilei, A Condenação de Lúculus e
A Alma Boa de Setsuã.
Mas acima de todas, está Mãe Coragem. Qual designer não gostaria de ter
entrado para a história do teatro mundial por ter criado os cenários e
figurinos de um espetáculo deste?
Teo Otto assinou esta montagem, mas como será visto, a influência de
Neher foi mais profunda do que se possa imaginar.
Não deve ter sido nada fácil entrar na vida de um artista como Brecht, que
escreveu até mesmo um poema (Os Amigos) sobre a interrupção do
trabalho, causada pela guerra, com Neher:
A mim, o teatrólogo
A Guerra separou de meu amigo, o cenógrafo.
As cidades em que trabalhamos já não existem.
Andando pelas cidades que ainda existem
Digo por vezes: aquela peça azul de roupa
Meu amigo a teria colocado em lugar melhor.
409
" Para cada peça, o designer tem que encontrar um novo estilo, já que cada
peça exige o seu próprio."3s
Os trabalhos que realizou antes e depois da parceria com Brecht dão conta
de sua genialidade. Os pontos a seguir foram estabelecidos por ele como
sendo fundamentais para qualquer um que deseje trabalhar como designer
de um espetáculo:
"A primeira qualidade de um designerde palco é seu completo controle deste ofício. Ele
deve saber como usar e combinar todas as potencialidades da cor, linha, superfície,
volume, densidade, luz e sombra. O estudo avançado destes meios constitui tanto a
parte mais excitante da empreitada artística em geral como a parte mais essencial do
desenho de cena.
Os materiais devem ser a preocupação principal de um designer. Ele deve ser curioso,
investigando constantemente e procurando por coisas novas. Não é suficiente para ele
saber o valor decorativo de seus materiais, ele deve pesar e verificar sempre seu valor
sensorial (dureza, aspereza, brilho, leveza, transparência). Neste campo, o designer deve
ser um descobridor.
• Por falar em técnica, esta não deve ter segredos para ele, ainda que ele não deva super
estimar sua importância. Uma máquina que manufatura produtos é ótima: porque ela foi
cuidadosamente preparada e ajustada para se adaptar àquela função. Infelizmente, o
mesmo não acontece com a maquinaria teatral, que tem sido exagerada e mal pensada.
Um designer deveria ser capaz de conseguir uma boa performance com os meios
técnicos mais simples."36
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Em primeiro lugar, sabia-se que o cenógrafo favorito de Brecht era Neher.
Contra isso, nada poderia ser feito - não se obriga alguém a deixar de gostar
de uma pessoa. O fato é que além de Brecht gostar como amigo de Neher,
ele também o admira como artista.
Estaria Teo Otto livre para criar, sem as sombras da obra genial de Neher, de
quem Brecht não se separou por opção, mas sim por força das
circunstâncias da Guerra? Naturalmente, Brecht teria rompido em algum
momento com Neher, padrão que manteve com vários colaboradores,
inclusive as mulheres - que depois de um tempo seguiam sozinhas. Ser o
novo cenógrafo de Brecht assim seria mais fácil. Mas neste caso, o vínculo
não foi rompido.
411
Mãe Coragem
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Mãe Coragem- Um resumo geral
Esperava-se que Mãe Coragem tivesse aprendido com a guerra a ser menos
ambiciosa, menos mercantilista e mais preocupada com o todo da
sociedade. Mas Brecht insiste que não. Ele próprio diz que todas as perdas
não contribuíram para que Mãe Coragem se tornasse um ser humano
melhor, e que sua esperança era que o texto causasse na platéia este
sentimento de que eles poderiam mudar, já que ela passou por tudo aquilo e
não se flexibilizou. "Se Coragem não tira, apesar de tudo que lhe aconteceu,
nenhuma lição, eu, de minha parte, creio que o público pode aprender
alguma coisa observando-a". (Brecht)3 9
413
No Couragemode/1 Brecht deixou muitas fotografias de cena, que foi o
material usado na reconstrução dos trajes deste espetáculo.
De acordo com Willet, na criação dos aspectos visuais de Mãe Coragem, " a
mesma regra do adereços permaneceu para os figurinos: a busca do
realismo sem historicidade. Brecht queria que os figurinos de Mãe Coragem
revelassem o personagem, a classe social e experiência da guerra. Ele
proibiu expressamente a abordagem de 'festival folclórico' e preocupação
excessiva com detalhes históricos. 'Aprenda com a história', ele disse para
Wolfgang Roth na década de 40, "mas na hora certa jogue a história fora.
Não fique limitado pela precisão histórica"'4°. Ainda, ele cita que "Brecht
dizia que seus objetos de cena, principalmente os de comer e de trabalhar
deveriam ser feitos de maneira mais amorosa possível. Para o cenário, Brecht
comumente invocava uma 'bela aproximação' apenas. Mas dos adereços ele
exigia mais, porque eles estavam intimamente ligados ao comportamento.
Assim, a 'imaginação do espectador não tem que criar mais nada'". 41
Brecht tinha por Breughel uma admiração especial, conforma relata jonathan
Jones :
414
Roland Barthes, motivado pelos espetáculos de Brecht que assiste em Paris,
escreve o texto As Doenças do Figurino Teatral, em que compara o nível de
profundidade que Brecht atingiu na concepção e execução de seus trajes
com a superficialidade dos trajes usados na França em 1955.
Brecht afirmava que não havia feito Mãe Coragem para que o público
simpatizasse com ela, como aconteceu. Ele disse que o que ocasionou esta
identificação foi a tendência excessiva do nosso público de carregar de
emotividade cenas que deveriam mostrar uma outra realidade.
415
Ainda quanto à temática dos figurinos, Brecht diz no Couragemode/1 que "O
que conta numa representação realista são os detalhes cuidadosamente
trabalhados dos figurinos e objetos"46.
Este era o tema da peça com que Teo Otto iniciou sua colaboração com
Brecht. Como ele se sairia e as soluções encontradas pela dupla é o que será
visto na seqüência.
416
O Figurino de Mãe Coragem
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417
O Figurino de Mãe Coragem
O fato é: são trajes de uma das peças mais renomada s no mundo todo, que
tem um caráter quase mítico no universo teatral. Esta nesta foto a síntese do
trabalho de Brecht com figurinos : a busca para atingir a simplicida de,
colocand o o todo da encenação a serviço do intérprete .
418
Fig. 31, 32 e 33 - Mudanças sutis nas peças de roupa de Mãe Coragem
Todos os princípio s que Brecht segue, e aos quais Neher se integrava tão
bem, estão presentes nos trajes de Mãe Coragem. Só que quem assinou
estes figurinos foi Teo Otto! As figuras 19 e 20, na página 400, são fotos da
encenação de 1932, dirigida por Brecht com cenários e figurinos de Neher
419
para a peça Die Mutter (que não tem nada a ver com Mãe Coragem. O
subtítulo desta peça é A Vida da revolucio nária Pe/agea W/assowa, segundo o
romance de Máximo Gorki). No entanto, as figuras mostrand o Mãe Coragem ,
montagem que Brecht só estreou em 1 941 , parecem cópias da produção de
Die Mutter, de 1932. O que pode nos levar a duas conclusõ es:
o Foi uma imposiçã o de Brecht- Como diretor, ele impôs a Teo Otto que
queria manter a mesma linha seguida por Neher, apesar de os temas
de Die Mutter e Mãe Coragem serem diferente s, o que comprov aria
que trabalhar com Brecht era seguir suas ordens estritame nte.
o Foi acomoda ção de Teo Otto- De alguma forma, Teo Otto pode ter ido
buscar num sucesso do passado uma forma de entrar no universo
brechtian o para depois liberar sua criativida de nos espetácu los
seguintes .
São suposiçõ es. O fato é que o figurino assinado por Teo Otto parece feito
por Caspar Neher. A técnica de envelhec imento usada foi a mesma descrita
na página 402.
420
Figs. 37 e 38- Rusticidade dos tecidos
De forma geral, os tecidos são naturais: algodão (fig. 39), linho (fig. 30,
camisa amarela, por exemplo) e lã (fig. 30, as calças dos meninos). Os
metais entram como diferenciaç ão de status - os militares, os oficiais, usam
metais. O que não impede que eles sejam envelhecido s, porque precisam
contar uma história. (fig. 38)
421
OS FILHOS
Kattrin (fig. 50)- "Kattrin é, o tempo todo, uma vítima. Sua tontice é o
resultado de ter sido abusada por soldados quando era criança. Ela é
estuprada e desfigurada, e o pathos disto fica intensificado quando sabemos
que ela deseja casar-se. Seu traço mais óbvio é a bondade, especialmente
em relação às crianças, e é isto que motiva seu sacrifício final. Mas note-se a
habilidade de Brecht em sentimentalizá-la, por exemplo, quando sugere que
ela é vaidosa e por surpresas evidentes de vigor quando ameaça bater em
Mãe Coragem, na cena cinco". 48
Fig. 41 - O Oficial conversa Fig. 42 - A dança do sabre de Eilif- Ver uniforme de metal
com Queijinho e Eilif do oficial a direita
OUTROS PERSONAGENS
422
O Cozinheiro (fig.SO) - "O Cozinhe iro é o par perfeito de Mãe Corage m. Ele é
totalme nte egoísta e inescru puloso. Por não ter o insight do Capelão, ele não
entende porque Mãe Corage m nunca abando na a filha".
Fig. 43- Elenco Fig. 44 - Reparar no homem que negocia o enterro de Katrin
423
Fig. 47- A Dança do Sabre de Eilif Figs. 48 e 49- Yvette e seu traje
424
CONCLUSÃO
425
CONCLUSÃO
426
entender bem: não mais do que na pintura, os objetos não são verdadeiros
apenas por serem; o dramaturgo pede por eles, não são uma ilusão, eles são
significantes ( não pelo que são, mas pelo seu uso) ; o que se deve ler neles
é uma história, que se relaciona com os homens. O traje de um personagem
brechtiano não é um traje literalmente falando. Nem um símbolo de
vestimenta. É uma linguagem que a roupa fala com o homem,as memórias,
as misérias, e as lutas que caíram sobre ele; idéia plena mas também
questionamento pleno, a substância brechtiana é verdadeiramente dialética.
Não concorda em existir com aquele nome, não do discurso humano, mas
pelo fazer humano ; significa que o homem faz o mundo e o mundo resiste a
ele, e é por causa disso que a história deve ser o mais clara possível aos
olhos do espectador, que o dramaturgo não pode iludir." s2
Não se pode deixar de notar também que a obra dos dois não parece
desconhecer a obra de um grande europeu que lançou suas teorias antes de
os dois começarem a trabalhar - Edward Gordon Craig. As linhas, as formas,
a interação com o cenário, a ação vista como um todo, o teatro visto não
como divertimento fútil mas como obra de arte mostram que Neher e Brecht
- não, não se pode isolar a criação cênica de Brecht de Neher - não
passaram incólumes à obra do inglês.
Claro que o trabalho dos dois não teria sentido se Brecht não tivesse para
seus projetos o grupo de excelentes atores que montou - entre eles, a genial
Helene Weigel. Ernst Busch. Ekhehard Schall... Sem contar os outros
colaboradores: Ruth Berlau, Elisabeth Hauptmann, Paul Dessau, Kurt Weill. ..
427
O pequeno detalhe é uma colher. "A colher de chumbo que a Mãe Coragem
enfia numa casa de botão do seu casaco mongol".
428
ANEXOS
429
Anexo I -Algumas obras de Bertolt Brecht
Nos teatros parisienses reina muito mais disciplina no que diz respeito à
máscara. Para alcançar resultados importantes na arte da máscara, e preciso
que a equipe de maquiladores seja investida dos necessários poderes. Isto
não acontecia até agora.
Qualquer um que abrace o teatro deverá entender, que isto representa uma
boa quantidade de trabalho. Uma vez precisei ajustar um simples paletó
num ator. Precisei de três horas para isto. Isto é necessário para que o
figurino se funda completamente com o personagem. É preciso auscultar o
ator como um diretor. O mais importante é que o ator se sinta bem no
figurino. E precisamos convencê-lo disto. Quando ele usa o figurino no
palco pela primeira vez, em geral ele procura novos movimentos e novas
entonações. O Figurinista deverá constatar então se o figurino e o papel se
completam.
Para traduzir a beleza gráfica dos efeitos de luz e sombra dos esboços de
Neher para o palco, combinamos um figurino constando de duas partes de
coloração diferente. Do ponto de vista da tecnologia de costura procedemos
da seguinte forma: para que a linha entre as duas tonalidades diferentes não
tivesse a aparência de uma costura, todas elas foram executadas com
overlock. Inclusive para as mulheres, inicialmente, só usávamos feltro. Para
o nosso espanto, verificamos que esse tecido transformava as mulheres no
palco em bonecas. Os figurinos das mulheres de Kurgela pareciam finos
demais ...
Tudo fica fácil para o figurinista que consegue traduzir Caspar Neher. Neher
é um mestre da cor e da forma. Os figurinos históricos no "Hofmeister" por
exemplo, parecem feitos de encomenda para as pessoas daquela época, isto
mediante toda a transposição para o moderno, muito cheia de variedades.
(este trecho até aqui foi escrito por Brecht)
MAQUILAR
1
in KOUDELA, Ingrid Donnien. Brecht na Pós modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2001,p.20.
2
Mode/1-tenno em alemão, que significa modelo. O plural é modelle.
3
in PEIXOTO, Fernando. Brecht: Vida e Obra. Rio: Paz e Terra, 1991, p.293
4
in BRECHT. Estudos sobre o Teatro . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 56. Texto: Efeitos de
Dstanciamento na Arte Dramática Chinesa.
5
"Reiner Steinweg desenvolveu a regra básica da peça didática. Tal regra pode ser subdividida em quatro
pontos principais: 1- A peça didática é para Brecht sinônimo de exercício coletivo; 2- A peça didática visa ao
autoconhecimento; 3- Auto significa um Eu coletivo e não um Eu individualizado; 4 - O público não é passivo,
porém atuante"(p. 35 do livro Um Vôo Brechtiano)
Texto de Ingrid D. Koudela, no programa da montagem brasileira de 1986, no Centro Cultural São Paulo.
Tradução também de Koudela, direção de Paulo Yutaka e Hugo Villavincenzio, cenários e figurinos de Paulo
Moraes.
7
"Brecht acabará falando em teatro dialético para administrar a contradição entre interpretar (mostrar) e viver
(identificar-se)". 7 "Expressão proposta pelo dramaturgo e encenador Bertolt Brecht para designar o teatro épico,
e com que procura definir sua produção da maturidade, na qual se evidencia a análise dialética da realidade."
Dicionário Aurélio)
Programa do espetáculo.
9
in BRECHT. Estudos sobre o Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 56. Texto: Efeitos de
Distanciamento na Arte Dramática Chinesa.
10
na peça didática Horácios e Curiácios, em Brecht, Bertolt, Teatro Completo (Volume 5) . Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1991.
11
"Procedimento de tomada de distância da realidade representada. ( ... ) O distanciamento é 'um procedimento
que pennite descrever os processos representados como processos bizarros.( ... ) Para Brecht, o distanciamento
não é apenas um ato estético, mas, sim, político: o efeito de estranhamento não se prende a uma nova percepção
ou a um efeito cômico, mas a uma desalienação ideológica. O distanciamento faz a obra de arte passar do plano
do seu procedimento estético ao da responsabilidade ideológica da obra de arte" Pavis, Dicionário de Teatro .
12
in BRECHT. Estudos sobre o Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 56. Texto: Efeitos de
Distanciamento na Arte Dramática Chinesa.
13
in BRECHT, Bertolt, Estudos sobre o Teatro, Rio: Nova Fronteira, 1978, p.131 .
14
Elisabeth Hauptmann participou de quase todas as produções de Brecht entre 1923 e 1933- de onze peças
dele, ela aparece em nove. Param de trabalhar juntos porque ela escolhe outro país para seu exílio durante a
Em seu lugar, entra Margarete Steffin.
5
Ruth Berlau foi também colaboradora de Brecht e entrou no lugar de Maragrete Steffin. Muito importante foi
o trabalho de Berlau no registro fotográfico dos espetáculos de Brecht: foi ela que fotografou os seusModel/e.
No plano pessoal, foram amantes por maís de 20 anos, e ela chegou a engravidar, mas perdeu um filho dele.
16
Weill e Dessau produziram músicas para os espetáculos de Brecht.Separaram-se e foram para países
diferentes durante a guerra.
17
Die Mutter, ou A Mãe, foi escrita em 1931 e estreou em 1932. Mantenho o titulo original em alemão para não
criar confusão com a peça Mãe Coragem, que não tem nada a ver com essa Die Mutter.
18
in WllLET, John. Brecht on Theater. London: Methuen, 1965, p.232.
19
ibidem, p.233 .
20
ibidem, p. 134.
21
in BRECHT. Estudos sobre o Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 197. Texto: Palavras do
Dramaturgo sobre o Cenógrafo Caspar Neher.
22
Esta divisão na tarefa de cenógrafo e figurinista é extremamente complicada na minha opinião. Perde-se
muito em unidade e estilo se as equipes que cuidam das duas áreas não forem muito afinadas- o que raramente
acontece em função do pouco tempo, pouco dinheiro, etc ..
23
Trecho do poema Os Mestres Compram Barato, de Brecht.
24
in BRECHT. Estudos sobre o Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 199. Texto: Palavras do
Dramaturgo sobre o Cenógrafo Caspar Neher.
25
idem
26
O Theaterbeit é um livro escrito por Brecht e vários colaboradores sobre vários aspectos da encenação dos
seis primeiros espetáculos do Berliner Ensemble. Também traria comentároios sobre projetos futuros do grupo.
Os dados do livro são: BRECHT, BERLAU, HUBALEK e outros. Theaterbeit. Berlim: Henschelverlag Kunst,
1961 .
27
in BRECHT, BERLAU, HUBALEK e outros. Theaterbeit. Berlim: Henschelverlag Kunst, 1961.
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28
idem
29
Brecht escolheu a Antígona porque, nas suas palavras, " do ponto de vista do tema, podia conseguir uma certa
atualidade e, do ponto de vista da forma, levantar problemas interessantes. (... )O prólogo não podia ousar mais
do que apresentar um tópico atual e esboçar o problema do recurso à força quando da queda dos dirigentes de
um estado. O drama Antígona, em seguida, desenrola a sua ação objetivamente, no plano dos governantes, plano
nos é alheio". Como se vê, Brecht mantém suas preocupações políticas e com o todo.
3
in WILLET, John. Brecht on lheater. London: Methuen, 1965, p.215
31
O Couragemodell, por exemplo, da peça Mãe Coragem, é um dos livros que Brecht fez com diversos
colaboradores para "orientar" quem fosse fazer montagens de texto seus em outros teatros ou países. Críticos
dizem que esta seria uma tentativa de Brecht de manter a sua produção sob seu severo controle, mesmo ele
estando ausente. Ele dizia que não, que era apenas um guia de referência, que poderia ser utilizado ou não,
dependendo da criatividade do encenador.
32
in BRECHT. Estudos sobre o Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, pp. 171-172
33
No Antigonemode/1, p. 90, o traje de Antígona é descrito com o sendo feito de seda cinza.
34
in BRECHT. Estudos sobre o Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 172
35
in Le lhéâtre Dans Le Monde, Volume li, Número 4, p. 36
36
idem, pp.38-39.
37
idem, pp.40-42
38
in WILLET, John. Brecht on lheater. London: Methuen, 1965, p.56.
39
in PEIXOTO, Fernando. Brecht: Vida e Obra. Rio: Paz e Terra, 1991, p.195.
40
in JONES, David Richard. Great Directors at Work: Stanislavsky, Brecht, Kazan, Brook. Berkeley:University
of California Press, 1986, p. 129
41
idem
42
Artigo publicado no jornal lhe Guardian, em 14 de dezembro de 2002. Texto de Jonathan Jones.
43
Brecht escreve no seu texto Efeitos da Alienação nas Pinturas Narrativas de Brueghel o Velho, que : "Na
grande pintura de guerra Du/le Griet não é a atmosfera de terror da guerra que inspira o artista a pintar o
instigador, a Fúria da Guerra, como inútil e aleijada, e de dar a ela as feições de uma servente. O terror que ele
cria neste sentido é muito mais profundo. Sempre que um pico Alpino é colocado numa paisagem flamenga ou
quando velhos figurinos asiáticos confrontam trajes europeus modernos, aí um denuncia o outro e marca sua
estranheza enquanto que ao mesmo tempo nós entendemos a paisagem como tal, pessoas por todos os lados.
Tais pinturas não criam apenas uma atmosfera mas uma variedade de atmosferas. Apesar de Brueghel conseguir
balancear seus contrastes, ele nunca funde um no outro, nem pratica a separação entre cômico e trágico; sua
tragédia contém um elemento cômico e sua comédia um trágico".
44
in BARTHES, Rolland. Oeuvres Completes. Paris: Éditions de Seuil, 2002. Texto: As Doenças do Figurino
Teatral.
45
in BRECHT. Estudos sobre o Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 159.
46
in WILLET, John. Brecht on lheater. London: Methuen, 1965, p.220
47
in KENNEY, William. lhe Plays of B.Brecht. NY: Simon & Schuster, 1965, p. 65.
48
idem.
49
idem
50
idem
51
in WILLET, John. Brecht on lheater. London: Methuen, 1965, p.241. Texto: Theaterbeit, An Editorial Note.
52
in BARTHES, Rolland. Oeuvres Completes. Paris: Éditions de Seuil, 2002. Texto: Preface a Brecht "Mere
Courage".
53
Texto do próprio Brecht
54
in LEITER, Samuel. From Stanislavski to Barrault, NY: Greenwood Press, 1991, p. 179.
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