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Humberto Pérez González

e c o n o m i a política

d o capitalismo
breve exposição da doutrina
Volume II económica de Marx

Prefácio de Márcio Moreira Alves


Tradução de
Luís Mesquita Dias

Revisão Literária
Márcio Moreira Alves

Capa de
Henrique Ruivo

© Editions Sociales e
Empresa de Publicidade Seara Nova, S. A. R. L. SEARA NOVA
Rua Bernardo Lima, 23, 1.°, esq.—Lisboa-1 1977
Í N D I C E

Capítulo V I U — O PROCESSO DE A C U M U L A Ç Ã O DO C A P I T A L 9
1. A reprodução simples 9
2. A conversão da mais-valia em capital 15
o) A acumulação de capital. Transformação da lei de propriedade da pro-
dução mercantil em lei de apropriação capitalista 15
b) A divisão da mais-valia em capital e renda. Factores que influem na gran- 16
deza da acumulação 18
3. Lei geral da acumulação capitalista
à) Composição orgânica do capital e a sua influência na procura de força de
trabalho 18
b) A concentração e a centralização do capital 22
c) A superpopulação relativa e suas formas de se manifestar 24
4. A chamada acumulação originária 28
Capítulo IX — A M E T A M O R F O S E DO CAPITAL E S E U CICLO 37
1. O ciclo do capital-dinheiro: D-M...P...M'-D' 39
a) Primeira fase: D-M 39

b) Segunda fase: M ...P...M' 42

c) Terceira fase: M'-D' 42


d) O ciclo visto no seu conjunto 45
2. O ciclo do capital produtivo: P...M'-D'-M...P 46
f
3. O ciclo do capital-mercadorias: M'-D'-M ...P...M' 48
4. Os três ciclos vistos no seu conjunto 49
5. Tempo de produção e tempo de circulação 50
6. Os gastos de circulação . 53
à) Os gastos puros de circulação 54
b) Os gastos complementares 56
Capítulo X — A R O T A Ç Ã O DO C A P I T A L 59
1. Tempo de rotação e número de rotações 59
2. Capital fixo e capital circulante 60
a) Seu conceito 60
b) Desgaste, conservação, reparação e reposição do capital fixo 63
3. A rotação global do capital desembolsado 65
4. O tempo de rotação e sua influência na grandeza do capital necessário a desem-
bolsar 66
5. A velocidade de rotação do capital e sua influência na massa anual de mais-
-valia. Quota anual de mais-valia 68
Capítulo XI — A R E P R O D U Ç Ã O E A C I R C U L A Ç Ã O DO CAPITAL SOCIAL
NO SEU CONJUNTO 73
1. A reprodução simples 76
2. A reprodução ampliada 81
3. A reprodução ampliada e o aumento da composição orgânica do capital ... 86
4. A lei do desenvolvimento preferencial da produção de meios de produção ... 88
5. A reprodução e a circulação do capital social e produção bélica 95
Capítulo X i r — L U C R O E T A X A DE L U C R O 105
1. Custo de produção e lucro 105
2. Taxa de lucro 112

Capítulo X n i — O L U C R O M É D I O 117
1. Lucro médio e preço de produção 117
2. Lei tendencial à baixa da taxa de lucro 125
à) A lei c o m o tal 125
¿) Factores que contrariam a lei 127

Capítulo XIV — O C A P I T A L C O M E R C I A L E O L U C R O C O M E R C I A L ... 137


1. Características do capital comercial 137
2. Lucro comercial 145
3. Antecedentes históricos do capital comercial e do lucro comercial 150
4. Formas do comércio capitalista 152
a) Comércio interno 152
b) Comércio externo 154

Capítulo XV — C A P I T A L DE E M P R É S T I M O E J U R O S 163
1. Capital a juros 163
2. Taxas de juros 166
3. O juros e o lucro do empresário 168 Capítulo VIII
4. Capital bancário e crédito 170
a) Funções do capital bancário 170
b) Formas de crédito 170 O PROCESSO DE A C U M U L A Ç Ã O DO CAPITAL
c) Tipos de operações bancárias 172
d) Principais tipos de bancos 174
e) Os lucros do capital bancário 174
5. Papel do crédito no capitalismo 176
6. Antecedentes históricos do capital de empréstimo e dos juros 177 Até aqui, examinámos o processo de produção capitalista
7. Sociedades anónimas ou sociedades por acções 179
como um acto isolado, para descobrir, após a forma mer-
Capítulo X V I — A C O N V E R S Ã O D O L U C R O E X T R A O R D I N Á R I O EM cantil de que se reveste, a exploração burguesa e averiguar
R E N D A D O SOLO 185
1. Introdução 185 como os capitalistas, donos dos meios de produção e subsis-
a) Renda do s o l o e pagamento por arrendamento 186 tência dos operários, se apropriam gratuitamente de uma parte
6) Preço da terra 188
c) Fonte da renda do solo 189 do que é criado pelo trabalho destes sob a forma de mais-valia.
2. Renda diferencial 190
à) Renda diferencial 1 190 No entanto, em nenhuma formação económico-social
b) Renda diferencial II 192 o processo de produção se desenrola como um acto isolado,
3. Renda absoluta 195
4. Renda de monopólio 201 mas como um processo que tem de se repetir continuamente.
5. Renda absoluta e renda diferencial nas condições do capitalismo actual 203
6. Antecedentes históricos da renda do solo 206 N ã o se pode viver sem consumir e, por consequência, sem
produzir constante e periodicamente. Portanto,^ todo o pro-
Capítulo XVII — AS CRISES E C O N Ó M I C A S DE S U P E R P R O D U Ç Ã O 21 {
1. As crises e o ciclo capitalista de reprodução 2H cesso de produção é um processo de reprodução. E considerado
2. Possibilidade e realidade das crises 2H assim, de forma dinâmica, que estudaremos no presente capí-
3. Causas das crises 21°
4. Tipos de crises económicas de superprodução 21 9
tulo o processo de produção capitalista, o que nos permitirá
5. Crises dc dinheiro *. 22*
6. Crises agrárias 22* descobrir alguma coisa que resultava impossível enquanto
7. Breve história das crises 22^ o concebíamos como um acto isolado.
4
a) Crise de 1825 22
4
b) Crise de 1936 22
5
c) Crise de 1847 22
5
cl) Crise de 1857 22
6
e) Crise de 1866 22
/ ) Crise d e 1873 22 7 1—REPRODUÇÃO SIMPLES
g) Crise de 1882 22 8

h) Crise de 1890 22 8

i) Crise de 1900 22 9
A repetição periódica do processo de produção torna
9
J) Crise de 1907 22
Í-) Crise de 1920 22 9 necessário que uma parte do produzido se converta em meios
0 Crise de 1929 23°
2
de produção, isto é, em elementos de um novo processo. A sim-
m) Crise de 1937 23
«) As crises e o ciclo capitalista após a Segunda Guerra Mundial 23^ ples conservação da riqueza de uma sociedade exige que
8. As crises e a destruição do capitalismo 236 os meios de produção consumidos n u m período dado, diga-

9
mos n u m ano, sejam substituídos por igual quantidade dos rarios produzem a mais-valia e o fundo com que lhes pagam ou,
produtos elaborados nesse lapso de tempo, os quais passam a em outras palavras, o capital variável, antes de chegar-lhes às
funcionar como os meios de produção renovados. mãos sob a forma de dinheiro.
No capitalismo, a reprodução significa a reprodução perió- E n q u a n t o os operários, n u m dado processo de produção,
dica como capital do valor inicialmente desembolsado e incre- transformam os meios de produção em novas mercadorias,
mentação repetida do mesmo, ou seja, a produção constan- os produtos por eles criados em processos de produção ante-
temente renovada de mais-valia. riores são vendidos pelo capitalista e convertem-se em dinheiro.
Se o capitalista utiliza toda a mais-valia que obtém no seu Com esse dinheiro, forma transformada do produto criado
consumo pessoal, consagrando-a unicamente à satisfação das pelos operários, como vemos, os capitalistas pagam-lhes os salá-
suas necessidades e da respectiva família, o processo de pro- rios actuais: o trabalho de hoje é-lhes pago com o resultado
dução repete-se na mesma escala anterior. Se do valor total do do seu trabalho efectuado em processos anteriores.
produto elaborado composto p o r c + v + p extrairmos o p Em todas as sociedades em que existiu exploração, os tra-
para o consumo individual do capitalista, só sobrará para balhadores explorados tiveram de criar com o seu próprio
investir de novo, como capital, c + v, isto é, um equivalente trabalho um fundo de meios de subsistência p a r a o seu sustento e
do valor-capital adiantado p a r a o processo anterior. Nesse reprodução. O servo, por exemplo, trabalhava u m a parte da
caso, estamos em presença de u m a reprodução simples. Mas semana na sua parcela de terreno, e com os seus próprios meios,
já nela se destacam, por se tratar de u m a repetição contínua para criar esse fundo. O resto da semana trabalhava na her-
do processo de reprodução, algumas das características a que dade do senhor feudal, gratuitamente, caso se tratasse do sis-
anteriormente nos referimos e nos ajudam a descobrir a rea- tema de renda em trabalho, ou trabalhava o tempo todo na
lidade oculta por detrás das aparências exteriores. sua parcela, entregando u m a parte do que produzia ao senhor
As relações entre os operários e os capitalistas principiam feudal e conservando a outra parte para integrar o seu fundo
no âmbito da circulação em que os segundos c o m p r a m a força de consumo, caso vigorasse o sistema de renda em espécie.
de trabalho aos primeiros por um tempo determinado: um dia, Em ambos os casos o trabalhador explorado (o servo) criava
uma semana, um mês, etc. Essa compra tem de ser renovada os seus próprios meios de vida, o seu fundo de subsistência,
constantemente à medida em que se vencem os prazos. sem que ele jamais se revestisse da forma de u m a determinada
O capitalista paga ao operário depois deste já ter traba- quantia em dinheiro que alguém lhe pagasse pelo seu trabalho.
lhado, ou seja, depois de ter consumido o valor de uso da O explorador (senhor feudal) não se apropriava do fundo de
força de trabalho, mas fá-lo, em geral, antes de vender as mer- consumo do servo para vendê-lo posteriormente em troca de
cadorias elaboradas pelo operário, o que produz a aparência um dinheiro que ele próprio lhe pagava pelo seu trabalho —
de que lhe adianta dinheiro de um fundo próprio, sobretudo limitava-se a apropriar-se directamente do trabalho adicional
se examinarmos um processo de produção isolado. Mas, por não-remunerado, o qual, neste caso, se manifestava directa-
um lado, o operário recebe o seu salário depois de ter traba- mente como tal.
lhado e criado produtos que pertencem integralmente ao capi- No capitalismo, o explorador (o burguês) apropria-se ime-
talista, os quais encerram o valor reproduzido da sua força diatamente de todo o produto criado pelo operário explorado,
de trabalho (o valor do salário) e a mais-valia. Em outras no qual se acha incluída, como é natural, a parte que .cons-
palavras: o burguês desembolsa o seu capital variável depois titui o seu fundo de consumo. O capitalista vende esse pro-
de já ter em mãos um equivalente do mesmo, contido nos duto todo no mercado, converte-o em dinheiro e depois, com
produtos elaborados pelo operário. Por outro lado, se conce- uma parte desse dinheiro, a que representa o valor do fundo
bermos a produção capitalista como um processo que se renova de subsistência do operário, paga-lhe o seu salário.
constantemente, isto é, como um processo de reprodução, O capital variável é, portanto, a forma histórica concreta
verificaremos que o capitalista paga aos operários com parte de que se reveste o fundo de meios de vida do operário nas con-
do produto antecipadamente criado por eles mesmos: os ope- dições do capitalismo devido ao carácter mercantil da produ-

10 11

&
ção em geral e da força de trabalho em particular. Mas o capi- -capital igual ao primitivamente desembolsado. Este valor-capi-
tal variável só surge como tal, desprovido do seu aspecto de tal que possui no final dos cinco anos já não representa o fruto
valor adiantado dos fundos próprios do capitalista, quando do seu trabalho honrado, mas a materialização do trabalho
concebemos o processo de produção como processo de repro- não-remunerado dos seus operários e de que se apropriou durante
dução. No entanto, esse processo deve ter tido um começo esse período. O valor do antigo capital foi despendido total-
que foi o seu ponto de partida e no qual o capital investido mente no seu consumo. À primeira vista, o capitalista con-
no pagamento de salários não representava o produto do sumiu a mais-valia produzida nesses cinco anos, todavia veri-
mecanismo da produção capitalista através de u m a determi- fica-se neste caso algo de similar ao que sucede a uma pessoa
nada acumulação originária, tema que estudaremos no final possuidora de um património integrado por muitos bens que,
do presente capítulo. no seu conjunto, valem, digamos, $20 000,00, bens que esbanja
Outro facto que se destaca, ao analisar o processo de pro- no jogo, em estroinices, etc., e contrai dívidas de um valor
dução, na sua repetição contínua, é que todo o capital, qualquer igual ao do seu patrimônio. Nessa altura, o patrimônio repre-
que seja a sua origem, se converte, depois de certo tempo, senta na realidade apenas o total das suas dívidas, é a mate-
em mais-valia capitalizada, n u m valor apropriado gratuita- rialização n ã o do que possui, mas do que deve.
mente, e os seus elementos físicos que o compõe passam a ser Além disso, o valor de $10 000,00 em poder do capitalista
a materialização de trabalho alheio não-remunerado. do nosso exemplo, após cinco anos de lucro de $2000,00 no
Supúnhamos, por exemplo, que um trabalhador bem remu- seu consumo e apropriação de $2000,00 anuais de mais-valia,
nerado (médico, professor, etc.) economiza parte dos seus representa a expressão, não no seu trabalho economizado que
rendimentos à custa de sacrifícios quanto à satisfação das suas já despendeu, mas do trabalho alheio apropriado gratuita-
necessidades e às da família e, passados alguns anos, conse- mente, ou seja, converteu-se em mais-valia capitalizada, em
gue acumular u m a quantia em dinheiro de, digamos, capital acumulado. Nesse sentido, na reprodução simples, há
$10 000,00, quantia que, como supusemos, é o produto do acumulação de mais-valia, acumulação interna que tem como
seu trabalho honrado. Chegado a esse ponto, o nosso tra- finalidade conservar o capital inicialmente adiantado, em vez
balhador resolve tornar-se capitalista e investe as economias de o aumentar.
na instalação de u m a pequena indústria que lhe produz anual- Este facto, evidencia que, ao conceber o processo de pro-
mente $2000,00 de mais-valia, a qual gasta integralmente no dução no seu reatamento constante, todo capital, qualquer que
seu consumo pessoal. Passados cinco anos de funcionamento seja a sua origem, transcorrido um certo tempo representa
da sua indústria, o nosso honrado trabalhador convertido apenas trabalho extraído gratuitamente aos operários pelos
em capitalista, ter-se-á apropriado de u m a mais-valia equiva- capitalistas. Revela-nos, portanto, a justiça da expropriação
lente ao capital inicialmente desembolsado e o valor gasto que a classe operária impõe à burguesia, quando toma o poder
nesse período para o seu próprio consumo também será igual e realiza a revolução proletária. Os operários limitam-se a
ao referido capital. Continua a ter em mãos o mesmo capital recuperar o que foi por eles criado com o seu trabalho e apro-
que no princípio e até mesmo alguns dos elementos materiais priado gratuitamente pelos capitalistas através dos meca-
que o constituem serão idênticos aos do começo, como, por nismos económico-mercantis de exploração próprios do regime
exemplo, os edifícios, as máquinas, etc. Mas o valor de capitalista de produção.
$10 000,00 agora em suas mãos não é o mesmo que possuía Outra coisa que também se evidencia ao estudarmos a pro-
no momento em que iniciou a carreira de capitalista. Se se dução capitalista na sua repetição contínua é que a premissa
dedicasse simplesmente a viver dos $10 000,00 economizados, histórica indispensável que serve de ponto de partida a este
consumindo $2000,00 anuais, ao fim dos cinco anos teria tipo de produção — c u j a presença é iniludível para a sua
gasto todo o dinheiro. O facto de os investir como capital per- sustentação — se converte n u m resultado do próprio processo
mitiu-lhe consumir $2000,00 anualmente, ou seja, os $10 000,00 de produção burguês, constantemente reproduzido por ele.
em cinco anos e, apesar disso, conservar nas suas mãos um valor- Já vimos que, para que o dinheiro se converta em capital,

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é necessário que se produza a confrontação de homens pos- junto ou como processo de reprodução, não produz apenas
suidores dos meios de produção, meios de vida e dinheiro, mercadorias, não produz apenas mais-valia, mas produz e
por um lado, com outros privados de tudo excepto da sua reproduz também o próprio regime do capital: por um lado,
própria força de trabalho e que se vêem obrigados a vender o capitalista e, por outro, o operário assalariado» (*).
aos primeiros para poderem subsistir. Este divórcio entre
os meios de produção e de vida e os produtores directos, que
passam a ser livres n u m duplo sentido, no de não possuírem 2 — CONVERSÃO DA MAIS-VALIA EM CAPITAL
recursos para produzir e juridicamente, para que possam
dispor livremente da sua pessoa, é o resultado de um processo a) Acumulação de capital. Transformação da lei de proprie-
histórico que analisaremos no final deste capítulo. De momento, dade da produção mercantil em lei de apropriação capitalista
só nos interessa o facto, já conhecido, de que constitui a condi-
ção histórico-social indispensável que serve de ponto de par- Quando u m a parte da mais-valia obtida não se destina ao
tida para a produção capitalista. consumo pessoal do capitalista e é investida na compra de
Ora bem, essa premissa ou condição, quando o regime meios de produção e de força de trabalho adicionais, ou seja,
burguês de produção já está em movimento, converte-se n u m investida como um capital adicional, verifica-se aquilo que
resultado reproduzido continuamente pelo próprio processo se denomina acumulação de capital e a reprodução produz-se,
de produção capitalista. No final de cada um desses processos, nesse caso, n u m a escala ampliada.
os capitalistas e os operários saem nas mesmas condições Para que a reprodução ampliada se verifique, isto é, para
económico-sociais respectivas com que e n t r a r a m : os primeiros que uma parte da mais-valia produzida n u m determinado espaço
como donos absolutos do produzido e dos recursos materiais de tempo, digamos um ano, se possa investir como capital adi-
existentes em geral e os segundos totalmente privados de meios cional, torna-se indispensável que na composição física da
para produzir por sua conta e possuidores d u m mísero salá- produção social total desse ano existam meios de produção
rio, que lhes permite adquirir o indispensável para viver um ou excedentes, ou seja, uma quantidade superior à necessária para
dois dias, o que os obriga a vender de novo a sua força de tra- repor os meios de produção consumidos no a n o em causa.
balho aos capitalistas para poderem continuar a viver. Se não fosse assim, seria impossível a acumulação de capital e,
Com o salário que recebem, os operários compram os meios portanto, a ampliação da produção, a qual teria de se repetir
de vida destinados a satisfazer, em maior ou menor grau, na mesma escala anterior. Além disso, é necessário que haja
as suas necessidades e as das respectivas famílias n u m acto u m a força de trabalho adicional, criada pelo próprio processo
de consumo individual, que se realiza à margem do processo de produção capitalista, como veremos mais adiante.
de produção e n u m momento em que os operários perten- Por último, é necessário que haja meios de subsistência
cem a si próprios e não aos capitalistas. Mas, com esse acto, em excesso ao exigido para satisfazer a demanda solvente dos
reproduz-se a força de trabalho, factor subjectivo da produ- capitalistas e operários que participaram na produção de um
ção capitalista, factor criador de valor, precisamente o que dado a n o ; excesso esse destinado a satisfazer a demanda comple-
torna possível o aumento do capital. Devido a isso, até o con- mentar dos operários adicionais incorporados à produção.
sumo individual dos operários se converte n u m factor da Ao examinar a repetição do processo de produção capi-
produção e reprodução do capital e torna-se, portanto, embora talista em escala ampliada, destacam-se algumas características
indirectamente, um consumo produtivo para o capitalista, que se não evidenciavam ao estudar a reprodução simples.
tal como era produtivo para os esclavagistas o consumo pes- Na análise desta última, vimos que o capital inicialmente
soal dos seus escravos e como é produtivo o consumo indivi- desembolsado ao cabo de um certo tempo se convertia em mais-
dual dos animais de trabalho. -valia capitalizada, porém, nas suas origens, esse capital podia
Por conseguinte, e para empregar as palavras de Marx,
«o processo capitalista de produção, concebido no seu con- (!) O Capital, volume I, capítulo XXI.

14 15
n ã o ser um produto da exploração do trabalho alheio. Na mais-valia se dividir em rendimento e mais-valia capitalizada,
reprodução ampliada, o capital adicional, desde a sua própria proporção essa que será determinada pelas leis económicas do
origem, representa já trabalho alheio expropriado e não-remune- regime burguês de produção impostas ao capitalista como for-
rado, constitui, desde o seu início, mais-valia que se investe ças coactivas externas. Essas leis obrigam-no à ampliação cons-
como capital. O capitalista compra os meios de produção e tante do seu capital, se é que pretende manter-se em condições
a força de trabalho dos operários com o que deles extraiu. de concorrência adequadas para a sua sobrevivência na qua-
Como Marx afirma, o capitalista actua como o conquistador lidade de capitalista, e, para o ampliar, só lhe resta a acumulação
que compra mercadorias ao povo conquistado e as paga com progressiva da sua mais-valia.
o dinheiro que antes lhe roubara (*). Se partirmos de uma d a d a divisão proporcional da mais-valia
Com o desenvolvimento da reprodução ampliada capita- em renda e capital, a grandeza da acumulação será determinada
lista, a lei da propriedade da produção mercantil transforma-se fundamentalmente por todos os factores que influem no volume
em lei de apropriação capitalista. O processo de produção capi- da massa de mais-valia a obter:
talista é de criação de sobrevalor, de execução de um sobre-
trabalho de que o capitalista se apropria sem nada entregar 1) O prolongamento da j o r n a d a de trabalho e a sua intensi-
em troca, utilizando depois esse sobretrabalho, já convertido ficação que, além de aumentarem a quota e, portanto,
em dinheiro, para comprar mais força de trabalho que, posta a massa de mais-valia, permitem que não se torne neces-
em acção, lhe devolve um equivalente desse sobretrabalho sário para os novos investimentos de capital efectuados
transformado em capital variável além de um novo sobretra- fazer despesas em mais edifícios, maquinarias, e t c ,
balho. E a utilização do trabalho alheio apropriado gratuita- ou seja, permitem economizar capital constante e, por
mente para obter mais trabalho alheio grátis, o que significa conseguinte, obter um mesmo resultado com um menor
u m a absoluta negação da lei de propriedade da produção investimento de capital.
mercantil baseada no trabalho próprio e a sua substituição
pela lei da apropriação capitalista, que permite ao explorador 2) A diminuição do salário abaixo do valor da força de
burguês apropriar-se de parte do trabalho alheio sem n a d a trabalho, o que não corresponde à suposição que for-
entregar em troca e impede que o operário se aproprie do seu mulámos de que todas as mercadorias, inclusive a força
próprio trabalho. Segundo as leis da produção mercantil, de trabalho, se vendem pelo seu valor, mas que desem-
cada produtor é dono do que produz com o seu trabalho pes- penha um tal papel na prática capitalista concreta que
soal e, para obter o produto de um trabalho alheio, deve entre- é impossível não mencioná-la. Essa diminuição do salá-
gar produtos seus que encerrem uma quantidade de trabalho rio abaixo do valor da força de trabalho converte uma
próprio equivalente ao contido nos produtos alheios. A produ- parte do trabalho necessário em trabalho excedente,
ção mercantil capitalista nega a propriedade sobre o trabalho isto é, u m a parte do fundo de consumo do operário
próprio e confirma a propriedade sobre o trabalho alheio. em fundo de consumo do capitalista ou em fundo de
acumulação.
b) Divisão da mais-valia em capital e rendimento (2). Fac- 3) O aumento na produtividade do trabalho que conduz a
tores que influem na grandeza da acumulação um aumento da mais-valia, mas que, além disso, bara-
teia os elementos do capital constante quando se verifica
Se partirmos de u m a dada grandeza da mais-valia, a gran- nos ramos que produzem meios de produção. Por outro
deza da acumulação dependerá da proporção em que o total de lado, o crescimento da produtividade nos ramos em que
se produzem os artigos que satisfazem a exigência pes-
(!) O Capital, volume I, capítulo XXII, epígrafe 1. soal dos capitalistas permite reduzir a parte da mais-
2
( ) Entendemos aqui por rendimento a parte da mais-valia destinada -valia que estes consomem como rendimento e aumenta,
ao consumo pessoal do capitalista, para a distinguir da parte da mais-valia
acumulada como capital. por consequência, a parte destinada à acumulação.

16 17
4) A diferença entre o capital empregado e o consumido. força de trabalho que se requer para pôr essa massa em movi-
Sabendo-se que o capital consumido n u m processo de
mento, dá-se o nome de composição técnica.
produção é menor que o capital empregado no mesmo,
À proporção existente entre estes factores objectivos e
os meios de trabalho que funcionam integralmente
subjectivos da produção, do ponto de vista do seu valor, ou seja,
como valores de uso só participam parcialmente na for-
considerados como quantidades dadas de capital constante e
mação do valor do novo produto, ou seja, só transfe-
rem u m a parte do seu valor. Esta parte do capital empre- capital variável, chama-se composição de valor.
gado em meios de trabalho que se transfere vai-se acumu- A composição técnica manifesta a relação proporcional
lando sob a forma de dinheiro e cria um fundo que per- entre as diferentes partes do conteúdo material do capital.
mite, chegado o momento do desgaste total desses meios A composição de valor manifesta essa mesma relação entre
de trabalho, repô-los em espécie. Mas enquanto esse as diferentes partes do capital, mas consideradas na sua forma
m o m e n t o não surge, o fundo de dinheiro que se vai de valor.
criando pode ser utilizado para investir como um capital Há entre ambas u m a inter-relação íntima, e Marx, para
adicional, isto é, para o acumular. Supúnhamos que a exprimir, denomina — a composição de valor — vista como
existem numa fábrica 100 máquinas com um valor total forma da composição técnica que reflecte as modificações
de $100 000,00 e uma duração de 10 anos. Isto significa nela operadas — composição orgânica do capital.
que cada máquina vale $1000,00 e o valor transferido Se essa composição orgânica do capital se mantém inva-
em cada ano será de $10 000,00. Transcorridos 5 anos, riável, as acumulações sucessivas de u m a parte da mais-valia e
o fundo acumulado em dinheiro para reposição dessas a aceleração no ritmo dessas acumulações originam, como
máquinas ascenderá a $50 000,00 e o momento da consequência necessária, um crescimento na demanda da
reposição efectiva tardará ainda mais 5 anos. O capi- força de trabalho até ao momento em que a referida demanda
talista pode então utilizar os referidos $50 000,00 para os supera a oferta. Em semelhante situação, os salários dos ope-
acumular como capital. rários manifestam tendência para subir e, se as restantes con-
5) Finalmente, quanto maior for o volume de capital empre- dições n ã o variam, isso significa u m a redução do trabalho
gado, maior será o número de operários utilizados e, excedente, ou seja, da mais-valia que se pode obter por cada
p o r conseguinte, a massa da mais-valia obtida. operário. Essa elevação dos salários pode verificar-se até ao
ponto em que começa a constituir uma ameaça para a mais-valia
mínima que os capitalistas estão dispostos a aceitar como recom-
3 — LEI GERAL DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA pensa pelo investimento dos seus capitais. Atingido este ponto,
os capitalistas começam a deixar de investir, isto é, a deixar
a) Composição orgânica do trabalho e a sua influência na pro- de acumular, o que faz com que a procura de força de trabalho
cura da força de trabalho diminua até ficar abaixo da oferta, provocando u m a tendência
à baixa dos salários. Essa descida dos salários representa um novo
Como sabemos, o capital compõe-se de uma parte cons- aumento da mais-valia p o r operário de que os capitalistas se
tante investida em meios de produção e uma parte variável podem apropriar e estimula-os a investir uma vez mais, reini-
investida em força de trabalho, mas a relação proporcional ciando-se novamente um processo de acumulação crescente.
existente entre ambas não é a mesma em todos os casos nem Vemos assim que, mantendo-se constante a composição
em todos os momentos. orgânica do capital, a procura da força de trabalho varia direc-
À proporção existente n u m d a d o momento entre os fac- tamente na mesma proporção e com a mesma rapidez com que
tores objectivos e subjectivos da produção, do p o n t o de vista variar a acumulação. Se um capital de $100 000,00 tiver uma
da sua materialidade física, ou seja, à relação que existe entre / c \
a massa de meios de produção empregados e a quantidade de composição orgânica ( — j de 3 : 2, ou seja, se decompuser

18 19
em $60 000,00 c + $40 000,00 v e der emprego a 2000 operá- sará a ser de 2 : 1 e cada $100,00 de capital decompor-se-ão
rios, isto significa que, por cada $100,00 investidos, há 2 ope- em $66,66 c + $33,33 v.
rários a trabalhar. Se esse capital produzir u m a mais-valia N ã o obstante, devido precisamente ao aumento na pro-
de $40 000,00, $10 000,00 dos quais se investem como capital dutividade do trabalho e o consequente barateamento dos
adicional com u m a mesma composição orgânica de 3 : 2 , elementos materiais do capital constante, a composição técnica
esta acumulação representará emprego para mais 200 ope- cresce mais rapidamente que a composição de valor do capi-
rários. M a s , se em vez de $10 000,00, se acumular o dobro, tal e o crescimento da massa de meios de produção em rela-
$20 000,00, a procura de operários adicionais t a m b é m aumen- ção à quantidade de força de trabalho necessária para a sua
tará para o dobro, isto é, para 400. Se, pelo contrário, só se manipulação e transformação em novos produtos é mais
acumular metade, $5000,00, a procura de nova força de tra- rápido que o crescimento da parte constante do capital em
balho reduzir-se-á igualmente para metade, ou seja, 100. relação à sua parte variável. Mas, de qualquer m o d o , o cresci-
Mas já estudámos que, com o desenvolvimento do capita- mento constante da composição técnica reflecte-se no cresci-
lismo, se verifica o crescimento constante da produtividade mento também constante, embora em menor grau, da com-
do trabalho, crescimento esse que se reflecte no volume dos meios posição de valor, ou seja, no aumento da composição orgâ-
de produção com que o operário trabalha n u m d a d o espaço de nica do capital.
tempo e transforma em novos produtos. Esse volume cresce C o m o a procura da força de trabalho é determinada apenas
por operário à medida que a produtividade do trabalho aumenta. pela grandeza da parte variável do capital, do facto de aumen-
Esta exprime-se na quantidade de produtos que um operário tar mais rapidamente o capital constante que o variável deduz-se
elabora n u m determinado tempo e o seu crescimento implica que a procura de operários adicionais provocada pela acumu-
o aumento da referida quantidade de produtos elaborados lação progressiva não se mantém proporcional ao ritmo de
n u m mesmo tempo, o que significa que, nesse t e m p o , o operá- crescimento do capital. Se, no exemplo convencional que apre-
rio manipula u m a maior quantidade de matéria-prima e de sentámos atrás, $100 000,00 de capital total, compostos por
materiais auxiliares, e, na quase totalidade dos casos, significa $60 000,00 c e $40 000,00 v, proporcionam emprego a 2000 ope-
igualmente a manipulação de mais meios de trabalho ou meios rários, quando o volume do capital for de $200 000,00, deveria
de trabalho mais caros, pois o incremento da produtividade haver trabalho para o d o b r o da força de trabalho, isto é, para
está quase sempre relacionado com a utilização de instru- 4000 operários. M a s isso ocorreria caso a composição orgâ-
mentos de trabalho mais modernos e complicados, etc. nica se conservasse inalterável. Se se eleva de 3 :2 para 3 : 1 ,
À medida que o desenvolvimento da produtividade do tra- digamos, os $200 000,00 decompor-se-ão em $150 000,00 c +
balho diminui, a massa de trabalho colocada em relação com + $500 000,00 v e apenas darão emprego a 2500 operários,
a massa de meios de produção que esse trabalho mobiliza, porque a procura da força de trabalho só é provocada, como
o factor subjectivo da produção reduz-se quantitativamente sabemos, pela parte variável do capital, e se $40 000,00 v empre-
em comparação com o factor positivo. E essa modificação gavam 2000 operários, $50 000,00 v empregarão 2500. Como
que se opera na composição técnica do capital reflecte-se, vemos, o capital total cresceu em 1 0 0 % , enquanto a procura
por sua vez, na sua composição de valor, no a u m e n t o da parte da força de trabalho cresceu apenas em 25 %, porque a com-
constante do capital em relação à sua parte variável. Se a com- posição orgânica elevou-se também para o dobro, de 3 :2
posição técnica n u m dado momento exige que, de cada $100,00 (ou, o que é o mesmo, 1,5 : 1) para 3 : 1 . O capital constante
de capital investidos, $50,00 sejam em capital constante e aumentou de $60 000,00 c p a r a $150 000,00 c, ou seja, em
$50,00 em capital variável, isto é, uma composição orgânica de 1 5 0 % , ao passo que o capital variável cresceu mais lenta-
1:1, se se aumentar essa composição técnica p a r a o dobro e mente, de $40 000,00 v para $50 000, isto é, em 25 % .
as restantes condições não variarem, isso fará c o m que, por O crescimento da grandeza do capital global social através
cada $1,00 investido em força de trabalho, haverá que inves- das acumulações sucessivas dá origem a duas tendências con-
tir $2,00 em meios de produção, a composição orgânica pas- traditórias entre si: por um lado, o capital adicional, produto

20 21
da mais-valia capitalizada, apesar de investido com uma com- A centralização significa o crescimento de determinados
posição superior à do capital anterior de que constitui u m a resul- capitais isolados sem que o capital social cresça, pois trata-se
tante, representa um aumento na procura da força de traba- de u m a redistribuição dos capitais já existentes, e se um deles
l h o ; por outro, o capital anterior, ao reinvestir-se com uma com- aumenta é porque outros se reduzem ou desaparecem.
posição orgânica superior, repele uma determinada quanti- Os caminhos para a centralização podem ser vários:
dade de operários aos quais anteriormente dava emprego.
Voltemos ao nosso exemplo para ilustrar o facto: do capital 1) A encarniçada luta de concorrência que se estabelece
social de $200 000,00, metade, ou seja, $100 000,00, não passa entre os capitalistas e conduz à ruína de muitos, cujo
do reinvestimento do capital que já existia quando a compo- lugar no mercado passa a ser ocupado por outros que
sição era de 3 : 2. Nesse m o m e n t o , o referido capital empre- lhes compram as empresas a preços baixos ou, sim-
gava 2000 operários. Agora, ao reinvestir-se com uma com- plesmente, ampliam as suas, centralizando no seu seio
posição orgânica de 3 : 1 , decompõe-se em $75 000,00 c + a produção anteriormente realizada por vários.
+ $25 000,00 v e, se as restantes condições não variarem, 2) Os créditos hipotecários para cuja obtenção se torna
só poderá dar emprego a 1250 operários (se $40 000,00 v empre- necessário oferecer as empresas — e m parte ou na
gam 2000, $25 000,00 v empregarão 1250), sendo repelidos totalidade — como garantia, nos casos em que não
750 dos que empregava anteriormente. Mas, por outro lado, podem ser reembolsados a tempo, satisfazendo, além
o novo capital de $100 000,00 que existe agora dá emprego disso, os elevados juros correspondentes, fazem tran-
a mais 1250 operários, e o resultado final é o crescimento sitar para as mãos dos credores as empresas dos deve-
absoluto do número total de operários empregados de 2000 dores arruinadas e, portanto, a sua produção.
para 2500, embora o número relativo de operários quanto à 3) Quando a luta de concorrência se torna ruinosa para
grandeza do capital total investido tenha baixado. os concorrentes mais fortes, estes estabelecem entre si
acordos e associam-se, centralizando os seus capitais e a
b) Concentração e centralização do capital produção das suas empresas sob u m a única firma, etc.

O crescimento do capital desenrola-se através da concen- Um exemplo de concentração e centralização da produ-


tração e centralização, processos que se diferenciam entre si ção e capital pode observar-se no caso da indústria açuca-
ao mesmo tempo que se inter-relacionam intimamente. reira de Cuba. Se, em 1877, existiam, aproximadamente,
Concentração é o processo primário, o crescimento do 1190 fábricas com uma produção global de 520 000 tone-
capital por meio de sucessivas acumulações de mais-valias. ladas, em 1901 funcionaram apenas 168 com u m a produção total
Centralização é um processo secundário, visto que não pode de 635 856 toneladas. Durante o primeiro quartel do presente
existir sem concentração: a reunião de diversos capitais n u m único. século, registou-se um processo de centralização da produção
A concentração exprime as relações entre operános e capi- açucareira cubana nas mãos de capitalistas norte-americanos e,
talistas, é produto da capitalização da mais-valia extraída já em meados da década dos anos 20, trinta e duas compa-
pelos segundos aos primeiros. nhais dos E. U. A. controlavam 84 complexos fabris, dos
A centralização exprime as relações dos capitalistas entre si, quais os quatro maiores possuíam 54 fábricas (*). Outro índice
é produto da ruína de uns pelos outros ou do acordo de uns
com outros. a
(i) A «Czarnikaw, Rionda e C. », de Nova Iorque, controlava
A concentração implica no crescimento da riqueza social a «Cuban Trading Co.» e «Cuban Carre y Céspedes», com um total de
representada pelo capital social. Este último é a soma dos 17 fábricas. O «National City Bank, Rockefeller» controlava a «General
Sugar Co.», com um total de 19 fábricas ; a «B. Howell and Son» a «National
capitais individuais, e o crescimento de qualquer destes através Sugar Refining Co.», «New Niquero» e «Guntánamo», com um total de
da acumulação traduz-se n u m crescimento do capital total 10 fábricas; Frank C. Lowey, Fhuyer e Horacio Haweleyer a «Punta
da sociedade. Alegre and Lokey Co.» com um total de 8 fábricas.

22 23
talista produz assim, no seu desenvolvimento, u m a população
que nos permite apreciar o crescimento dos capitais investidos
operária em excesso em relação às necessidades do capital,
na indústria açucareira de Cuba e a concentração e centra-
pelo que M a r x lhe chama superpopulação relativa. O trabalho
lização através das quais se efectua é nos revelado pelo aumento
dos operários é a fonte da acumulação capitalista e converte-se
da produção de açúcar por fábrica ao longo de vários a n o s :
simultaneamente em fonte do seu próprio excesso relativo,
o que M a r x denomina lei da população peculiar do regime
Ano Número Produção média burguês.
de fábricas no pais de açúcar por fábrica
A superpopulação operária relativa é, ao mesmo tempo,
resultado e condição da acumulação capitalista. Resultado
1910 175 10 835 ton.
1915 175 14 968 » porque deriva do aumento na composição orgânica que acom-
1920 192 20 895 » panha as sucessivas acumulações de capital, e condição em
1925 ,,, 183 28 358 » virtude de formar um exército industrial de reserva, do qual
1930 157 29 114 » se serve o capital quando os ritmos da sua acumulação
1952 161 43 551 »
aumentam bruscamente, quando se lança de improviso no
investimento em velhos ramos de produção, cujo mercado
por qualquer motivo se ampliara, ou em novos ramos onde
c) Superpopulação relativa e suas formas de se manifestar
é boa a perspectiva de lucros. Para agir em todos estes casos,
o capital carece de massas de operários de reserva, disponí-
Vimos que, com o desenvolvimento do capitalismo, cresce
veis, que possam ser contratadas sem afectar a produção em
a produtividade do trabalho, crescimento esse acompanhado
outros ramos, nem neles provocar u m a carência de mão-de-
do aumento da composição orgânica do capital, o que faz
-obra.
com que a demanda de operários provocada pelo capital não se
eleve na mesma proporção do seu crescimento. A existência desse exército industrial de reserva exerce
u m a pressão constante sobre o exército operário no activo,
Ora bem, à medida que progride a acumulação e se desen-
ameaçando afastá-lo a todo o momento, e obriga os operá-
volve a riqueza social, esse aumento da composição orgânica e
rios que trabalham a esforçarem-se ao máximo e a sujeitarem-se
diminuição relativa da demanda da força de trabalho avançam
ainda mais às imposições do capitalista. Além disso, essa super-
a um ritmo mais rápido. Se a composição orgânica n u m dado
população relativa faz com que exista sempre no mercado da
momento é de 1 : 1, passa depois a ser de 2 : 1, 3 : 1, 4 : 1,
força de trabalho um excesso da oferta dessa mercadoria em
5 : 1 , 7 : 1 , e t c , e , por conseguinte, s e num d a d o momento
relação à sua procura, obrigando os vendedores — os ope-
1/2 do capital investido se emprega na aquisição de força de
rários — a cedê-la abaixo do seu valor. Assim, o nível dos
trabalho, à medida que a composição orgânica crescer passará
salários regula-se em larga medida pelas expansões e con-
a investir-se nesta aquisição uma parte cada vez menor:
1 e t c trações do exército industrial de reserva: quanto maior for este
\k , U > i/s > U'6 , V'7 > Ht > - Como vemos, a procura de
em relação ao exército operário activo, menores os salários,
operários diminui relativa mas progressivamente, à medida
e vice-versa.
que o capital aumenta. O capital variável e o número de ope-
rários por ele empregado crescem em valor absoluto ao aumen- Na quase totalidade dos países subdesenvolvidos, colo-
tar o capital total, mas numa proporção decrescente em rela- niais e dependentes, em que a maioria absoluta da população
ção ao volume deste último. vive da agricultura, a superpopulação relativa é fundamental-
mente constituída por uma superpopulação agrária que, pela
De um m o d o geral, o facto traduz-se n u m crescimento
sua natureza social, é o equivalente do exército industrial de
absoluto da população operária mais rápido que o cresci-
reserva existente nos países capitalistas desenvolvidos.
mento absoluto do capital variável e da sua demanda de força
de trabalho, criando-se, portanto, uma superpopulação operária A cada momento dado, a superpopulação relativa é cons-
que não encontra trabalho. O processo de acumulação capi- tituída por todos os operários que se encontram completa-

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mente desocupados e pelos que apenas trabalham a tempo c) A integridade por aqueles que, fazendo parte do exér-
parcial. cito operário activo, têm um trabalho muito irregular e
instável. Compõem-na os subempregados, empregados
O número dos operários totalmente desocupados ascendia,
de indústrias sazonais que só funcionam uma parte
em 1964, nos países capitalistas economicamente desenvolvi-
do ano, os trabalhadores no domicílio, etc. A este tipo,
dos, a cerca de 7 milhões, mas o número dos que trabalham
M a r x dá o nome de superpopulação intermitente ou
apenas u m a parte do dia ou da semana é muito mais elevada.
limitada.
N o s E. U. A., por exemplo, o número de desocupados totais,
segundo as estatísticas oficiais norte-americanas, era, em 1963,
de 4 166 000 operários, enquanto o número dos que nesse ano Abaixo destas três formas principais da superpopulação
trabalharam apenas uma parte do tempo, com a consequente relativa encontram-se os depauperados, os que estão capaci-
perda de salários, e que naturalmente se incluem na super- tados p a r a o trabalho, mas que há muito perderam qualquer
população relativa do país, ascendeu a cerca de 13 400 000 espécie de emprego fixo, e pelos incapacitados p a r a trabalhar,
como os inválidos, doentes, anormais, etc. Por último, temos
À parte a forma aguda de que se reveste nos momentos de o lumpenproletariado, composto por vagabundos, ladrões,
crise ou de guerras, a superpopulação relativa apresenta três prostitutas, proxenetas, jogadores, e t c , ou seja, a escória da
formas principais e constantes de existência: sociedade capitalista.
Como pudemos observar através do que estudámos, no capi-
á) A constituída pelos desempregados que são um pro- talismo, quanto maior é a riqueza social, maior é o capital
d u t o normal do processo de acumulação do capital e do em funções, a produtividade do trabalho e a grandeza total
consequente aumento na composição orgânica. São, do proletariado, isto é, da população operária, e maior é tam-
por exemplo, os afastados de uma empresa em virtude bém o exército industrial de reserva, ou seja, a superpopu-
da introdução de máquinas, etc. Esses operários estão lação relativa, e quanto maior for esta mais aguda a situação
destinados a ser reabsorvidos pela produção a qualquer de miséria e de subordinação ao capital da classe operária
momento que se produzam novas acumulações de capi- no seu conjunto. Enquanto n u m pólo da sociedade, nas mãos
tal. Marx chama a este tipo superpopulação flutuante. dos capitalistas, a riqueza, luxos e comodidades se acumu-
b) A constituída pelos trabalhadores que ainda não estão lam, no outro pólo, do lado dos operários criadores dessa
desempregados e que realizam determinados trabalhos riqueza, acumulam-se a miséria, tormentos do trabalho, des-
p o r conta própria ou assalariados, trabalhos que, no potismo, ignorância, etc. É esta a lei geral absoluta da acumu-
entanto, não oferecem a mínima segurança e são muito lação capitalista.
mal remunerados, fazendo com que esta massa de E é esta a lei que agudiza, cada vez mais, a luta de classes
trabalhores se ache constantemente na iminência de entre operários e capitalistas, fazendo com que nem sequer
perder o emprego e, face a isso, na primeira oportu- o facto do salário aumentar e alguns operários viverem indi-
nidade que se lhe apresenta, aceita as exigências da vidualmente melhor atenue o agravamento relativo e por
acumulação capitalista. Este tipo é denominado por vezes absoluto da situação da classe operária, significando
Marx superpopulação latente, e diz respeito, por exem- tais melhorias apenas que «o volume e peso das correntes de
plo, aos semiproletários do campo e a muitos pequenos ouro que o operário assalariado já forjou para si próprio
artesãos e vendedores de miudezas da cidade. o podem manter subjugado sem se conservarem tão tensas» (*).
Esta é a lei que cria as condições objectivas para que, atin-
gido um certo grau na polarização económico-social por ela
(!) Dados extraídos de El Mundo dei Capitalismo, material elaborado determinada, as massas exploradas, criadoras da riqueza e
pelo sector de conjuntura do Instituto de Economia Mundial e Relações
Internacionais da Academia de Ciências da U. R. S. S., editado em Mos-
covo em 1965 (em russo). (!) KARL MARX, O Capital, volume I, capítulo X X I I I .

26 27
usufrutuárias da miséria, já não possam suportar mais essa Os economistas burgueses e outros apologistas do capi-
situação e se ergam em violento clamor revolucionário, fazendo talismo tentam apresentar essa etapa como um período em
ribombar o furacão das suas vinganças historicamente justifi- que gente trabalhadora, empreendedora e económica conse-
cadas, para varrer a burguesia exploradora e terminar de guiu acumular u m a determinada quantidade de riquezas,
u m a vez para sempre com a base fundamental de t o d o o regime ao passo que u m a maioria de ociosos e esbanjadores dilapidava
de exploração: a propriedade privada sobre os meios de pro- tudo, acabando por ter apenas para subsistir a capacidade
dução. de trabalho existente em suas próprias pessoas. A realidade
histórica é que as coisas desenrolaram-se de um m o d o muito
diferente, n ã o tão idílico e pacífico.
4 —A CHAMADA ACUMULAÇÃO ORIGINÁRIA A estrutura económica burguesa, nas suas origens histó-
rico-gerais, nasceu da estrutura económica feudal e em luta
Até aqui, vimos como o dinheiro se converte em capital, contra ela. Os produtores directos puderam dispor livremente
como este produz mais-valia e como, no seu processo de repro- da sua pessoa e acharam-se na obrigação e com capacidade
dução, reproduz as relações capitalistas de produção, que são para vender a sua força de trabalho só quando deixaram de
premissas históricas indispensáveis ao aparecimento e à exis- ser escravos ou servos ou foram privados dos seus meios de
tência do capitalismo; vimos como a mais-valia se converte produção, no caso dos pequenos produtores mercantis. Assim,
em novo capital e este se reproduz em escala alargada. Mas a conversão do produtor directo em operário assalariado
não examinámos como se criaram originalmente as premissas significou, p o r um lado, a sua libertação da escravidão ou
históricas que tornaram possível a conversão do dinheiro em servidão feudal, mas, por outro, representou a sua dissocia-
capital, isto é, como se produziu a concentração dos meios de ção e desvinculação total dos meios de produção e de vida e
produção, de vida e do dinheiro n u m pólo da sociedade, das garantias de subsistência que, embora de forma precária,
enquanto no outro se concentrava u m a massa de homens e as instituições feudais e a pequena propriedade mercantil
de mulheres desapossados de tudo menos da sua força de ofereciam. Para os trabalhadores, não foi senão a passagem a
trabalho, força da qual eram livres possuidores e, por conse- uma nova forma de escravidão: a assalariada.
guinte, que podiam vender no mercado. A história deste processo difere nos diversos países segundo
Até aqui, estudámos a acumulação de capital resultante as características de cada um, do seu desenvolvimento histó-
do próprio processo de produção capitalista, mas não a acumu- rico e do momento em que se produziu, mas o resultado será
lação originária que constituiu o ponto de partida do referido sempre necessariamente o m e s m o : a criação da classe dos
processo e conduziu à separação entre o produtor directo e operários assalariados, da classe dos capitalistas industriais e
os meios de produção, convertendo-o em operário assalariado. agrícolas e a criação ou ampliação do mercado. A formação
A primeira é produto da expropriação do trabalho alheio destes elementos são as leis que regem o período de transição
não-remunerado e verifica-se em conformidade com as leis da formação económica anterior para o socialismo.
da produção mercantil, e a segunda produto da expropriação Em O Capital, Marx descreve como esse processo ocorreu
violenta dos meios de produção aos produtores directos, do em Inglaterra, país onde a acumulação originária se produziu
roubo, do saque, etc., da utilização de métodos extraeconómicos. de forma clássica. Aí, a classe operária foi criada principalmente
A primeira limita-se a reproduzir os produtores directos como pela expropriação violenta da terra aos pequenos camponeses e
operários assalariados e os capitalistas como tais, conserva pelo licenciamento dos exércitos feudais, o que lançou no mer-
as relações capitalistas de produção, enquanto a segunda cado da força de trabalho u m a grande massa de proletários
converte os produtores directos em operários assalariados, dá livres e privados de meios de produção e de vida. Apesar disso,
origem às relações capitalistas de produção, é, em resumo, a oferta de mão-de-obra crescia mais lentamente que a pro-
o processo histórico de dissociação entre o produtor directo e cura provocada pelas sucessivas acumulações de capital que,
os meios de produção. naquela época, eram fundamentalmente de capital variável,

28 29
pois o reduzido desenvolvimento da técnica fazia com que o ele- C o m o vemos, em Cuba, a transição para o capitalismo
A
mento fundamental da produção fosse a força de trabalho, não exigiu a formação de um mercado, u m a vez que já fora
razão pela qual redigiram-se leis que obrigavam os vagabun- ele formado e desenvolvido anteriormente. Por outro lado,
dos a trabalhar ao serviço dos capitalistas, sob a ameaça de as acumulações de dinheiro necessárias ao desenvolvimento
torturas físicas e de morte. das relações capitalistas também já existiam nas mãos dos
A expropriação violenta dos pequenos camponeses verifi- grandes comerciantes e dos próprios esclavagistas, que pro-
cada em Inglaterra alargou o mercado interno consideravel- duziam para o mercado, obtinham o sobreproduto sob a forma
mente, pois converteu-os em vendedores da sua força de tra- de mais-valia e adquiriam os meios de produção sob a forma
balho e, por conseguinte, em compradores de meios de vida, de capital, e t c , sendo, nesse aspecto, mais capitalistas que
além do que os meios de produção, anteriormente em larga esclavagistas. Assim, a única coisa que era realmente neces-
medida produzidos pelos pequenos produtores, passaram a sária para passar da estrutura esclavagista cubana à capitalista
constituir elementos do capital e, portanto, mercadorias. era a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assala-
A acumulação de dinheiro, necessária como ponto de par- riado, isto é, a criação da classe operária, o que converteria
tida do regime capitalista de produção surgiu dos lucros obti- automaticamente a classe exploradora esclavagista em bur-
dos pelos capitalistas comerciais e usurários da Idade Média, guesa (!)•
da exploração e do saque das colónias, do comércio de escra-
Vejamos o processo concreto do estabelecimento das rela-
vos, da dívida pública, etc.
ções propriamente capitalistas de produção em Cuba através
No caso de Cuba, a estrutura económica capitalista não surge da análise de como ocorreu nas duas principais indústrias
da feudal e sim de uma estrutura esclavagista de tipo especial, cubanas do século passado — d o tabaco e do açúcar. Na pri-
que, até certo ponto, como vimos, já era capitalista, e não se meira, as relações capitalistas desenvolveram-se principalmente
desenvolveu apenas nem principalmente baseada na pequena com base na pequena produção mercantil simples e, na segunda,
produção mercantil simples, mas na produção mercantil escla- com base na produção mercantil esclavagista.
vagista.
A produção de charutos assumiu um auge extraordinário
A produção do país destinou-se sempre, fundamentalmente, a partir de 1817, data em que se aboliu o «estanco do tabaco» (2)
ao mercado externo e só u m a parte, muito pequena em pro-
porção, era utilizada para o consumo dos próprios produtores.
O comércio externo, o principal, encontrava-se totalmente (!) N. do T. — A descrição do que ocorreu em Cuba aplica-se a todas
monopolizado pela Espanha durante os primeiros séculos da as colónias que se desenvolveram à base do trabalho escravo e, especial-
colónia, embora em numerosos casos fosse burlado pelo con- mente, ao Brasil e ao sul dos Estados Unidos.
2
( ) Estanco do Tabaco: O estanco do tabaco, com o seu organismo
trabando, chamado comércio de resgate. A tomada de Havana central, a Real Factoria, foi um monopólio estatal criado pelo Governo
pelos ingleses, em 1762, assinala o início da ruptura desse mono- colonial espanhol em Cuba em princípios do século xvni, no intuito de
pólio e, a partir de 1793-95, o comércio com os E. U. A. e controlar todos os aspectos da cultura do mais importante produto cubano
Inglaterra começou a desenvolver-se sem obstáculos. Além da época — o tabaco — e, fundamentalmente, a sua compra e expor-
tação para a Espanha. A sua criação data de 11 de Abril de 1717, e entre
do comércio externo, havia o comércio interno entre as dife- as principais faculdades concedidas pelo Decreto que o estabeleceu, con-
rentes localidades do país e, dentro de u m a mesma localidade, tavam-se:
entre os diversos produtores. Quanto ao tipo de produção,
determinados ramos da economia cubana (quase todos os fun- a) Determinar as zonas de cultivo.
b) Controlar a compra da colheita aos cultivadores em carácter
damentais) baseavam-se quase exclusivamente no trabalho exclusivo.
escravo, como por exemplo, o açucareiro, a criação de gado e c) Fixar os volumes anuais de exportação.
indústria mineira. Na produção de tabaco, horti-granjeira e d) Fixar os preços para as diferentes qualidades.
artesanal, predominavam os pequenos produtores livres, que,
O Estanco organizou-se com uma Feitoria Central, com sede em
por vezes, utilizavam a mão-de-obra assalariada. Havana e dependências em Santiago de Cuba, Trinidad, Bayamo e San Juan

30 31
3
e se limitaram as atribuições da Real Factoria ( ), embora já A origem dos capitais com que a recém-nascida burguesia
desde os fins do século xvin e primeiros anos do xix se fabri- açucareira de 1887 operava era a seguinte:
cassem em pequenas oficinas privadas de tipo artesanal.
A partir de 1817, quando foi suprimido definitivamente 1. Para os proprietários anteriormente esclavagistas, que
o Estanco, começaram a surgir as grandes fábricas de cha- conseguiram manter-se, o capital provinha da mais-valia
rutos que empregavam o trabalho assalariado em escala con- obtida com a exploração dos escravos ao longo de
siderável, dando origem ao desenvolvimento das relações decénios.
capitalistas nesse sector. 2. Para os antigos comerciantes, convertidos em indus-
Na indústria açucareira, o trabalho assalariado utilizava-se triais açucareiros o capital provinha das hipotecas sobre
desde fins do século xvii, mas em escala insignificante e apenas o capital dos antigos proprietários (em 1880, acha-
para a execução de determinadas operações, havendo predomi- vam-se gravados com hipotecas 200 dos 300 milhões
nância absoluta do emprego de escravos. No século xvm, de pesos que constituíam o capital investido na indús-
q u a n d o ocorreu a mecanização da indústria, tornou-se neces- tria açucareira do país (i) ) e dos confiscos dos proprie-
sário aumentar a utilização de operários assalariados que não tários cubanos, suposta ou realmente envolvidos na
tivessem as limitações do escravo, sobretudo no tocante à revolução, da especulação comercial, usura, tráfico de
preparação técnica. Esses técnicos e operários qualificados negros, etc.
chegaram a Cuba procedentes da Inglaterra, França, Espanha, 3. Outra parte era operada p o r capitais norte-americanos
E. U. A., e t c , e ingressaram nas fábricas como maquinistas, que penetraram na nossa economia em virtude da ruína
químicos, mestres de açúcar, etc. N ã o obstante, o fundamental dos proprietários cubanos, como foi o caso, em 1883,
na produção açucareira continuou a ser o trabalho escravo da firma Atkins and Co., que adquiriu a fábrica« Sole-
até à década de 1880, quando o trabalho assalariado passou dad», p o r n ã o poder a família Sarría pagar as dívidas.
ao primeiro plano, sendo a colheita de 1887 a primeira total-
mente realizada com mão-de-obra assalariada. A força de trabalho assalariada utilizada na produção de
açúcar durante a colheita já totalmente capitalista de 1887,
procedia fundamentalmente da grande massa de escravos con-
vertidos em operários assalariados pela abolição da escra-
de los Remédios, além de representantes em Cádis e algumas cidades de
Espanha. vatura decretada em 1886. Este processo de conversão dos
Os fundos com que a feitoria funcionaria para realizar as compras escravos em operários verificava-se desde 1880, data em que
provinham do México em somas que recebiam a designação de situados. 2
se estabeleceu o patronato ( ), podendo afirmar-se que, de
Este tipo de monopólio estatal surgiu da política colbertista que pre- um m o d o geral, as relações capitalistas de produção já predo-
dominava em Espanha, nesses anos.
De 1717 até 1725, registaram-se várias revoltas de cultivadores de minavam na maior parte da economia cubana desde antes
tabaco contra o Estanco, sufocadas em sangue. de 1886.
De 1725 a 1733, verificou-se um período de relativa liberdade, em
que o contrabando se expandiu largamente. A partir de 1733, o controlo (!) JOSÉ SUZARTE: «Estúdios sobre la cuestión económica», El Triunfo,
do Estanco deteriorou-se e o predomínio passou para as mãos de homens ano I I I , n.° 225, de 25 de Novembro de 1 8 8 0 .
de negócios que actuavam por conta própria, de acordo com a esfera 2
( ) Patronato de 1880: O sistema do patronato foi estabelecido ofi-
governamental. cialmente em Cuba através de uma lei espanhola —chamada de supres-
Em 1739, criou-se a Real Companhia de Comércio de Havana, que são da escravatura —, promulgada em Madrid, a 13 de Fevereiro de 1 8 8 0 .
teve o privilégio de monopolizar todo o comércio externo da ilha e, por Essa lei, como todo o processo de supressão da escravatura, foi uma
conseguinte, do tabaco. Esta firma era formada por acções, e os seus prin- medida política resultante da Guerra dos Dez Anos, a revolução pela
cipais accionistas foram: financeiros e comerciantes espanhóis, financeiros independência inciada por Carlos Manuel de Céspedes, a 10 de Outubro
de Cuba e os reis de Espanha. de 1 8 6 8 na sua herdade La Demájagua.
Por último, em 1761, reatou-se o estanco estatal do tabaco e criou-se A guerra de 1 8 6 8 , contra o Governo colonial espanhol e pela inde-
a nova feitoria, que durou até 1817, ano em que foi abolida. pendência de Cuba, teve de enfrentar o problema da escravatura, questão
(3) Real Factoria: ver nota anterior. social dominante no país naquele momento histórico. Os negros incor-

32
poravam-se ao «Exército Mambí» em busca de liberdade para a pátria e BIBLIOGRAIFA FUNDAMENTAL UTILIZADA
para si próprios. O seu apoio em massa podia decidir a sorte da indepen-
dência. Os patriotas, que se levantaram em armas contra a Espanha, con- K. MARX, O Capital, volume I, secção 7.
cordaram, na Assembleia Constituinte de Guáimaro, a 10 de Abril de 1869, RTVERO MUNIZ, O Tabaco, sua História em Cuba.
com a abolição da escravatura. JÚLIO LE RIVEREND, História Económica de Cuba.
A partir desse momento, a escravatura estava condenada a desa- FRIENDLANDER, História Económica de Cuba.
parecer em Cuba a curto prazo. CEPERO BONILLA, Açúcar e Abolição.
O Governo colonial espanhol viu-se imediatamente obrigado a fazer PINO SANTOS, Aspectos Fundamentais da História de Cuba.
concessões e a prometer a liberdade aos escravos, e, a 4 de Julho de 1870, LELAND H. JENKS, A Nossa Colónia de Cuba.
a Espanha promulgou uma lei nesse sentido.
Terminada a guerra de 1868 com a Paz de Zanjón, contestada por
Maceo nos Mangos de Baraguá, ainda sem que os cubanos conseguissem
a vitória, o Governo espanhol, temendo nova rebelião armada, promul-
gou a lei de 1880, que estabelecia o sistema de patronato como fórmula
de transição para a supressão da escravatura.
A lei de 13 de Fevereiro de 1880 declara, no seu artigo 1.°, a cessação
da escravatura na Ilha de Cuba, mas, em seguida, determina que os escra-
vos ficarão sob «o patronato dos seus possuidores».
O patrão conservava o direito de utilizar o trabalho dos seus «patro-
cinados», ou seja, dos seus escravos, e de representá-los em todos os actos
civis e judiciais legais; o «patrocinado» continuava a carecer dos mais ele-
mentares direitos civis.
A lei fixava aos «patrões» as mesmas «obrigações», ou similares,
para com os «patrocinados» que as que tinham quando se designavam
por escravos: sustentá-los, vesti-los, assisti-los na doença, a eles e aos
seus filhos, cujos serviços poderiam aproveitar «sem remuneração».
Estabelecia, para os «patrocinados», um salário mensal, pelo seu tra-
balho, «de um a dois pesos» para os que tivessem mais de 18 anos e não
houvessem atingido a maioridade. «Para os que a tiverem atingido, o salá-
rio será de três pesos mensais», especificava a lei. Reiterava a proibição,
estabelecida em 1870, de aplicar «castigos corporais aos escravos», mas
autorizava o recurso a todas as medidas coersivas e disciplinares para
obrigar os «patrocinados» a trabalhar.
Os que saíssem do patronato e não pudessem justificar a posse de
um contrato de trabalho seriam considerados vadios e destinados a «pres-
tar serviço nas obras públicas».
Finalmente, aquele que abandonava a escravatura ficava, por essa
lei sujeito a uma espécie de servidão, mas não no género dos servos da
Europa, que recebiam uma parcela de terreno com direito a cultivá-la
em troca da prestação de trabalho gratuito nas terras do amo, e sim como
um trabalhador servil, forçado, ao qual se fixava um salário de um ou
dois pesos mensais e alimentação.
Atribuía-se uma duração de 8 anos ao patronato, após os quais se
considerariam os escravos livres.
A exploração nesses 8 anos, intensificada aos limites extremos, recom-
pensaria os proprietários da perda dos escravos. Transcorrido esse período,
continuariam a dispor de mão-de-obra barata, de homens dispostos a
trabalhar em troca de alimentação miserável e salário ainda mais ínfimo.
Foi este sistema de patronato estabelecido pelo poder colonial espanhol
como via para liquidação gradual da escravatura, que a revolução de 1868,
apesar da sua derrota, obrigou a eliminar.
(Elementos extraídos de Aclaraciones, volume I.)
35
34
Capítulo IX

M E T A M O R F O S E DO C A P I T A L E S E U C I C L O

Até aqui, o objectivo central do nosso estudo consistiu


no processo de produção capitalista: começámos por tomá-lo
estaticamente, vimos quais eram os seus componentes, como
se verificava o consumo da mercadoria força de trabalho,
a criação da mais-valia, etc.; depois, analisámo-lo no seu dina-
mismo, como processo que se repete constantemente, isto é,
como processo de reprodução. Conhecemos a essência do
capital.
M a s o capital existe t a m b é m como um processo em movi-
mento, n u m a modificação constante das formas materiais de
que se reveste. Todo o capital individual aparece inicialmente,
como já vimos, sob a forma de u m a determinada quantidade
de dinheiro, mas n ã o é sob esse aspecto que se verifica o seu
autocrescimento, ou seja, o seu baptismo como capital. Para tal,
tem de abandonar essa forma e assumir a dos elementos do
processo de produção (meios de produção e força de trabalho),
para, em seguida, adquirir a forma de mercadorias, que, ven-
didas no mercado, se convertem de novo na forma inicial
em que se adiantou o capital, isto é, sob a forma de dinheiro,
se bem que agora n u m a quantidade maior que ao princípio,
por conter a mais-valia criada no processo de produção.
Portanto, o capital experimenta, de modo contínuo e suces-
sivo, u m a série de modificações de forma até, no final, regres-
sar à forma primitiva, o que dá ao seu movimento um carácter
cíclico, que se desenrola em três fases consecutivas. Na pri-

37
meira fase, o capitalista, provido de u m a soma conveniente de e no qual veremos, além do específico que o caracteriza como
dinheiro, apresenta-se no mercado como comprador e adquire um ciclo particular determinado, aquilo que é comum a todos
determinadas mercadorias: os meios de produção e a força os outros ciclos.
de trabalho. O dinheiro do burguês percorre assim o acto
da circulação D-M. Na segunda fase, regista-se o consumo
das mercadorias compradas pelo capitalista. O seu capital 1 —CICLO DO CAPITAL-DINHEIRO: D-M...P...M'-D'
percorre o acto da produção, do qual sai convertido em mer-
cadorias c o m um valor superior ao dos elementos que as pro- a) Primeira fase: D-M
duzem. Na terceira e última fase, o capitalista volta ao mer-
cado, mas agora como vendedor, e o seu capital percorre D-M significa o investimento de u m a determinada quanti-
o acto da circulação M'-D', para tornar a assumir a forma dade de dinheiro na compra de mercadorias: para o compra-
de dinheiro. Por outras palavras, se representarmos por P dor, trata-se da conversão do seu dinheiro em produtos e,
o processo de produção desenrolado na segunda fase, a fór- para o vendedor, da conversão das suas mercadorias em dinheiro.
mula geral que exprime esse movimento cíclico do capital Como vemos, é u m a fase da circulação mercantil em geral,
será D-M...P...M'-D'. uma forma geral de intercâmbio, porque nela se verifica uma
Em cada u m a das fases mencionadas, o capital assume modificação da forma assumida pelo valor: a forma dinheiro
u m a forma material determinada e passa a assumir outra, é substituída pela de produtos, e vice-versa.
para dar origem à fase seguinte. Na primeira fase, D-M, Nesse caso, qual o motivo que torna esta operação u m a fase
assume a forma de capital-dinheiro e converte-se nos elementos funcional determinada do processo de movimento do capital?
do processo de produção, ou seja, em capital produtivo. Na N ã o é, sem dúvida, a forma da operação, porquanto esta
segunda, P... assume a forma de capital produtivo e converte-se pertence, como já vimos, à circulação geral de mercadorias.
em capital-mercadorias. E na terceira, adquire a forma mer- E o seu conteúdo material, o carácter específico das merca-
cantil e converte-se de novo em dinheiro. O capital abandona dorias que participam da operação, o facto de se tratar de
constantemente u m a forma para assumir outra, que o segue e meios de produção e de força de trabalho, ou seja, dos fac-
regressa, finalmente, à inicial. tores objectivo e subjectivo do processo de produção e, mais
No presente capítulo, o objecto central de estudo são essas concretamente, o facto de uma das mercadorias participantes
diferentes formas que o capital assume no seu movimento e ser a força de trabalho, pois o pequeno produtor mercantil
as fases em que se produz a transformação de u m a em outra. também compra meios de produção e, no entanto, a fase D-M
C o m o se trata de um processo cíclico, qualquer das três formas que o seu dinheiro percorre não se converte n u m a fase determi-
pode ser t o m a d a como p o n t o de partida, centro ou final nada de movimento do capital, visto não investir o seu dinheiro
do mesmo. Se optarmos pela forma dinheiro, teremos investe como capital, ou seja, como dinheiro que se adianta
D-M...P...M'-D', se preferirmos a forma produtiva, obte- para extrair mais-valia. Por conseguinte, D-M é u m a fase
remos P...M'-D'-M...P e se escolhermos a forma mercantil, dada do ciclo de movimento do capital, p o r q u a n t o se compõe
será M'-D'-M...P...M'. de D-Mp (meios de produção) e D-Ft (força de trabalho),
C o m o vemos, em todos os casos se percorrem as três fases, sendo esta última a específica e característica do modo capi-
assumem-se as três formas sucessivamente e produz-se o regresso talista de produção. É claro que D-Ft não pode ter um lugar
ao ponto inicial. isolado de D-Mp, pois não é possível produzir dispondo apenas
Mas como, histórica e logicamente, todo o capital dá os seus da força de trabalho, u m a vez que é indispensável ter igual-
primeiros passos sob a forma de uma determinada quanti- mente u m a determinada quantidade proporcional de meios de
dade de dinheiro, principiaremos o nosso estudo das meta-
morfoses do capital e do seu ciclo pelo ciclo do capital-dinheiro, produção, pelo que D-M se deve apresentar como D-M~^~~
isto é, p o r aquele cujo ponto de partida está na forma dinheiro ~~~^Mp.

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Ao investir o seu dinheiro, o capitalista passa a dispor O capital produtivo encerra um valor igual ao que se achava
não só dos meios de produção e da força de trabalho neces- JjFt
sários para produzir determinados artigos úteis, mas também encerrado no capital-dinheiro, pelo que D-M constitui
de u m a força de trabalho capaz de realizar um trabalho supe- ^Mp
rior ao indispensável para repor o seu valor e o dos meios de uma metamorfose formal, isto é, significa apenas u m a modifi-
produção exigidos para tal. O valor desembolsado sob a forma cação na forma material assumida pelo capital.
de dinheiro transforma-se e assume assim u m a forma mate- Na sua forma dinheiro, o capital cumpre, como é natural,
rial que lhe permite funcionar e produzir valores de uso e funções próprias do dinheiro: meio geral de compra e meio
mais-valia. O capital-dinheiro converteu-se, pois, em capital geral de pagamento (neste último caso ao pagar a força de
produtivo. trabalho que, como sabemos, se vende sempre a crédito).
Nesse p o n t o , pode levantar-se u m a dúvida: se o capital- Estas funções não se devem ao facto do capital-dinheiro ser
-dinheiro se investe no mercado na compra de determinadas capital, mas à circunstância de ser dinheiro. O que converte
mercadorias, como se explica que se converta em capital pro- estas funções próprias do dinheiro em funções do capital é,
dutivo e n ã o em capital-mercadorias ? N ã o passa a assumir como vimos, o papel desempenhado no processo de movi-
a forma material de mercadorias ? A questão está em ser a força mento deste último, a concatenação que têm c o m as outras
de trabalho u m a mercadoria somente enquanto pertence ao fases do ciclo e o facto de, ao cumprir essas funções, con-
operário que a vende e em serem os meios de produção mer- verte-se o dinheiro em mercadorias, cuja combinação cons-
cadorias enquanto se encontram nas mãos do seu vendedor; titui a forma material do capital produtivo. Aqui, o resultado
a partir do momento em que passam a constituir propriedade visado pelo processo de produção capitalista, ou seja, a pro-
do capitalista que os compra, transferem-se p a r a a esfera do dução de mais-valia, que no capital-dinheiro era apenas
consumo; o capitalista n ã o os compra para os vender, mas para uma possibilidade formal, converte-se numa possibilidade real.
os consumir, e como se trata de um consumo produtivo e Nesta primeira fase D-M, o operário e o capitalista enfren-
não pessoal, as mercadorias compradas passam simplesmente tam-se apenas como vendedor e comprador, respectivamente,
a ser os elementos de um processo de produção e, portanto, num acto em que, na aparência, são juridicamente iguais.
o capital nelas investido converte-se em capital produtivo e Mas esse acto implica que o operário e o capitalista se encon-
não em capital-mercadorias. trem em diferentes relações de propriedade em relação aos
Neste caso, D-M, além de exprimir u m a simples compra e meios de produção. Se o primeiro vende a sua força de tra-
venda de mercadorias, é a transformação simultânea do dinheiro balho ao segundo, é porque está privado de meios de produ-
em capital-dinheiro real e deste em capital produtivo. O dinheiro ção e, se o segundo compra a força de trabalho ao primeiro,
só é capital-dinheiro se se investe em meios de produção e é porque possui os meios de produção sem os quais ela resul-
força de t r a b a l h o ; se se investe em meios de consumo pessoal taria inútil. Por conseguinte, para que o acto D-Ft se possa
para o capitalista e sua família, deixa de actuar como capi- realizar e, portanto, o acto D-M, como uma fase de movimento
tal-dinheiro e apenas actua como dinheiro. Toda a quantia do capital, já devem existir as relações capitalistas de produ-
mais ou menos elevada de dinheiro e, sobretudo, se se encon- ção e uma tal distribuição dos factores de produção que con-
tra em mãos de um capitalista, é capital em potência, capital centre, p o r um lado, numas mãos, os factores objectivos do
latente, ou seja, tem em si a possibilidade de se converter em processo produtivo e, por outro, reúna homens que só dispo-
força de trabalho e em meios de produção, porém essa pos- n h a m do factor subjectivo do mesmo, ou seja, a força de tra-
sibilidade só se torna realidade no momento em que de facto balho.
se investe nos elementos do processo de p r o d u ç ã o ; é nesse C o m o vimos, a fase D-M pressupõe que os meios de pro-
instante que o dinheiro se converte de capital-dinheiro em dução e a força de trabalho estão separados e, para se unirem,
potência em capital-dinheiro real, ao mesmo tempo que este é indispensável que o possuidor da força de trabalho, o ope-
se transforma em capital produtivo. rário, venda a sua única mercadoria ao capitalista dono dos

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meios de produção. E é esta a função específica da metamor- que o desembolsado pelo capitalista para a sua produção.
fose do capital-dinheiro em capital produtivo no seio do pro- Estas mercadorias, que constituem a forma material imediata
cesso de movimento do capital: a de unir os meios de pro- que o capital assume depois de se haver incrementado com
dução c o m a força de trabalho. a mais-valia, estão destinadas, como é natural, a cumprir
as funções próprias de todas as mercadorias: venderem-se
^Ft no mercado, trocarem-se por dinheiro, ou seja, percorrer a fase
b) Segunda fase: M ...P...M' M-D.
^Mp Esta fase M-D, tal como a primeira D-M, pertence à cir-
culação geral de mercadorias, e o facto de constituir ou não
Depois de se ter convertido da forma dinheiro na forma u m a fase determinada do processo de movimento depende
produtiva na fase D-M, que se realiza na esfera da circulação, de terem as mercadorias que nela participam sido ou não
o capital a b a n d o n a essa esfera e transfere-se p a r a a do con- produzidas em bases capitalistas. As mercadorias actuam como
sumo produtivo, ou seja, para a da produção em que se desen- capital sempre que o processo de produção as tenha carim-
rola a segunda fase do processo de movimento do capital e bado como tal.
na qual se produz u m a nova metamorfose. U m a parte da massa de mercadorias que compõem o capital
Nesta segunda fase produtiva, estudada em todos os seus mercantil encerra um valor equivalente ao dos meios de pro-
pormenores nos capítulos anteriores, leva-se a efeito a trans- dução consumidos na sua elaboração, mais o valor reprodu-
formação dos elementos materiais do capital produtivo em zido da força de trabalho investida, ou seja, um valor equivalente
novos valores de uso mercantis e realiza-se a criação de um novo ao do capital produzido e, por conseguinte, ao do capital-
valor que inclui a mais-valia, isto é, produz-se a transformação -dinheiro inicialmente desembolsado. A esta parte podemos
do capital da sua forma produtiva na sua forma mercadorias,
o capital produtivo converte-se em capital mercantil. Esta meta- chamar M, que é igual a e a D. Mas outra parte
morfose já não se reduz apenas a u m a modificação na forma ~^Mp
material que o capital assume, mas deve-se-lhe também dessa massa de mercadorias que saem do processo de pro-
o aumento que experimenta; no final da fase temos, como dução capitalista, e a que podemos chamar m, encerra um valor
resultado, um produto com um valor mais elevado que o desem- equivalente à mais-valia criada. Portanto, o valor da massa
bolsado primitivamente, porque inclui a mais-valia. Trata-se, total de mercadorias, ou seja, do capital mercantil, será igual à
portanto, não de u m a metamorfose exclusivamente formal, soma dos valores de M e de m, o que quei dizer que será maior
mas, acima de t u d o , de u m a metamorfose real, de conteúdo. que M e, por conseguinte, maior que o valor primitivamente
A sua função, no seio do processo de movimento do capital, adiantado pelo capitalista. Em consequência, ao capital mer-
é a mais importante de t o d a s : a de criar a mais-valia, repro- cantil, como capital acrescentado que é, podemos chamar M'.
duzindo o capital adiantado acrescentado, e a de reproduzir Ilustremos o caso com um exemplo convencional: supú-
as relações capitalistas de produção, como vimos no capítulo nhamos que um capitalista desembolsa, digamos, $45 000,00
anterior. para a fabricação de sapatos, investindo $30 000,00 em meios
de produção e $15 000,00 em força de trabalho, a qual pro-
c) Terceira fase: M'-D' duz, sujeita a um grau de exploração de 100% , u m a mais-valia
de $15 000,00. O valor total da massa de sapatos produzidos
O resultado do processo de produção capitalista é, como será então de $60 000,00, e se essa massa ascender a 10 000 pares,
sabemos, u m a massa de produtos destinados ao mercado, cada um terá um valor de $6,00. U m a parte do volume total
ou seja, de mercadorias, que encerram um valor equivalente de sapatos elaborados, composta por 7500 pares, contém
ao dos elementos que a produziram (meios de produção e um valor equivalente ao do capital desembolsado pelo fabri-
força de trabalho) e a mais-valia criada, isto é, um valor maior cante de calçado (7500 pares a $6,00 cada um proporcionam

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um total de $45 000,00). É a este parta que chamamos M, sado e, em parte, a primeira forma transformada de um novo
^Ft valor que se inicia na concorrência do mercado sob a forma de
sendo igual a M ($30 000,00 em meios de produção e mercadorias e de intercâmbio por dinheiro.
Mp C o m o a troca se efectua com base em equivalentes, D' deverá
$15 000,00 em força de trabalho equivalem a $45 000,00) e, ser igual pelo seu valor a M' e, portanto, a metamorfose que
por conseguinte, a D. o capital experimenta nesta terceira fase é puramente formal.
A parte restante do volume total de sapatos, composta À semelhança de M', D' já é capital acrescentado, capital
p o r 2500 pares, encerra um valor equivalente ao da mais-valia que engendrou mais-valia, dinheiro que originou mais dinheiro.
criada (2500 pares a $6,00 cada um proporcionam $15 000,00) Assim, D' exprime a finalidade e o resultado de todo o pro-
e a chamamos m. A massa total de sapatos tem um valor igual cesso de movimento do capital: capital que se desembolsa
à soma de M + m, ou seja, $60 000,00, que é maior que M sob a forma de dinheiro no intuito de obter no final mais
ou, o que dá no mesmo, maior que o capital adiantado D. dinheiro que o adiantado. D' demonstra que isto já se verifi-
A este capital mercantil composto p o r 10 000 pares de sapatos cou, daí que o capital desembolsado nunca poderá ser repre-
com um valor acrescentado de $60 000,00, chamamos M'. sentado p o r D', mas por D. D' é sempre capital acrescentado,
O que converte M em M', isto é, a razão pela qual deno- ponto de regresso e não de partida.
minamos M' e não M ao capital mercantil n ã o está na gran-
deza absoluta do seu valor, mas na sua grandeza relativa
comparada com o valor do capital produtivo consumido para d) O ciclo visto no seu conjunto
a sua produção, pelo facto de ser maior que este. Esta rela-
ção existe unicamente dentro do ciclo, em ligação com as outras O ciclo do capital-dinheiro visto no seu conjunto pode
formas de capital; fora dele, o capital-mercadoria é u m a massa exprimir-se na seguinte fórmula:
vulgar de mercadorias.
C o m o já dissemos, a função de M' consiste em vender-se,
a de percorrer a fase M'-D'. Nessa fase, última do processo D-M ...P...M' (M + M)-D' (D + d)
de movimento do capital no percurso de um ciclo completo, ~^Mp
verifica-se u m a nova metamorfose ou modificação de forma
do capital: da sua forma mercantil passa a assumir a forma C o m o vemos, o capital, examinado no seu processo de movi-
dinheiro. C o m o vemos, produz-se um regresso à forma inicial mento cíclico, aparece como um valor que percorre u m a série
em que o capital foi desembolsado. Para u m a parte do valor sucessiva de três fases, em cada u m a das quais assume uma forma
adiantado pelo capitalista (o investido nos meios de produção material determinada destinada a desempenhar u m a função
que se limita a transferir-se), esta é a sua segunda actuação específica e sofre u m a metamorfose ou mudança de forma que
na esfera da circulação, pois a primeira efectuou-a em D-M, o leva a assumir a forma seguinte.
q u a n d o o capital-dinheiro se converteu em capital produtivo. D u a s das fases mencionadas (D-M e M'-D') ocorrem na
Para o novo valor criado, que inclui o valor reproduzido da esfera da circulação, em que o capital assume as formas
força de trabalho equivalente à parte do capital desembolsado de capital-dinheiro e capital-mercadorias. Na outra fase
investido em salários, o qual também inclui a mais-valia, esta ^Ft
é a sua primeira saída à cena da circulação. O novo valor (M ...P...M') que se verifica na esfera da produção, o
criado desponta sempre no m u n d o e dá os seus primeiros - Mp
passos sob a forma de mercadorias, produto directo de um pro- capital actua sob a forma de capital produtivo. Assim, o ciclo
cesso de produção. Em M'-D', este novo valor m u d a de rou- no seu conjunto, em cujo percurso o valor-capital n ã o só se con-
pagem pela primeira vez. Por conseguinte, D' é, em parte, serva como se acrescenta, representa a unidade da circulação e
a forma primitiva recuperada de parte do capital desembol- da produção.

44 45
Este ciclo do capital-dinheiro que estudámos, assim designado talista como um processo que se repete, isto é, como aquilo
porque a forma dinheiro constitui o ponto de partida e de que na realidade é — um processo de reprodução —, o que
regresso do mesmo, demonstra que o dinheiro desembolsado se deve ao facto do processo de produção capitalista, enca-
pelo capitalista não se gasta como dinheiro, mas apenas se rado como um fenómeno que se repete periodicamente, ou seja,
adianta e exprime claramente o motivo propulsor da produção como reprodução, apresentar a forma de um ciclo do capital
capitalista que é o de fazer dinheiro. produtivo.
Se se trata de u m a reprodução simples, u m a parte de D',
a equivalente ao valor inicialmente desembolsado e, portanto,
2 — O C I C L O DO C A P I T A L P R O D U T I V O : P...M'-D'-M...P ao capital produtivo consumido a que chamaremos D, inves-
tir-se-á de novo para renovar a produção à mesma escala ante-
Se tomarmos a forma produtiva do capital como ponto de rior e continuará a circular, enquanto a outra parte de D',
partida e de regresso do ciclo, o processo de movimento do equivalente à mais-valia criada e já realizada no mercado
capital será expresso pela fórmula P...M'-D'-M...P. através da fase M'-D', que designaremos por d, sairá do ciclo
do capital e investir-se-á como simples dinheiro na compra
No ciclo encarado desse m o d o , as duas fases da circulação
dos meios de consumo do capitalista. Neste caso, d circula
surgem seguidas u m a à outra como um elo intermédio entre
junto de D, como forma do capital em movimento, apenas
o processo de produção que abre o ciclo e o que o encerra,
na fase M'-D'; a partir daí separam-se e a fase D-M só é per-
diferente do que acontecia no ciclo do capital-dinheiro, quando
corrida por D. Mas o facto de D, ou seja, o capital desem-
as duas fases da circulação apareciam separadas, ocupando
bolsado sob a forma de dinheiro para comprar meios de pro-
os extremos do ciclo e intermediadas pela produção. Além
dução e força de trabalho ser o mesmo que circulou em M'-D',
disso, a ordem das fases da circulação é aqui contrária àquela
permite-nos ver algo que nos passava despercebido no ciclo
em que aparecem no ciclo anterior. Se nesse D-M era a primeira
do capital-dinheiro: a origem do dinheiro. No ciclo anterior,
fase do ciclo e da circulação, M'-D' constituía a terceira e
o capital-dinheiro inicial podia considerar-se resultante do
última fase do ciclo e a segunda da circulação, e a circulação
esforço e poupança pessoais, etc. Agora, vemo-lo surgir de
no seu conjunto apresentava a forma D-M-D, própria da
um processo de produção capitalista anterior, como fruto do
fórmula geral do capital: neste ciclo, M'-D' é a terceira forma
trabalho anterior dos operários. O facto torna-se ainda mais
do ciclo e a segunda da circulação a qual apresenta, no seu
evidente se examinarmos a reprodução ampliada.
conjunto, a forma M-D-M, própria da circulação geral de
mercadorias. Na reprodução ampliada, toda a mais-valia, ou parte dela,
Esta ordem diferente em que as fases nos aparecem, porque é investida como novo capital adicional. Por isso, d, neste
atravessa o capital no seu movimento, faz com que se ponha caso, circula, totalmente ou em parte, junto de D não só na
em evidência neste ciclo algo que não se via analisando o ciclo fase M'-D', mas também na D-M. A origem desta parte do
do capital-dinheiro: a sua repetição. Se o ponto final é D\ capital-dinheiro produto do investimento de d reside, como
isso não quer dizer que um novo ciclo deva necessariamente sabemos, na apropriação gratuita pelo capitalista de um valor
principiar, pois o dinheiro pode-se entesourar ou investir no criado pelos operários — a mais-valia — , p o r outras pala-
consumo pessoal do capitalista e deixar de funcionar como vras, é um produto da exploração dos trabalhadores.
capital. Mas se o ponto final de regresso é a forma produtiva A fórmula do ciclo do capital produtivo no caso da repro-
do capital, ou seja, o processo de produção, isso implica neces- dução ampliada fica modificada, porque tem como ponto final
sariamente na repetição do ciclo e indica que já começou um de regresso um capital produtivo mais elevado que o que inicia
novo ciclo, porque se o capital se estratifica na sua forma o ciclo e será, por conseguinte P...M'-D'...P'. Este P' revela
produtiva não terá utilidade para o capitalista. Assim, o ciclo que a mais-valia, ou, pelo menos, parte dela, se converteu
do capital produtivo mostra-nos o processo de produção capi- em capital.

46 47
3 —O CICLO DO CAPITAL-MERCADORIAS: tal, estancado na forma mercantil, tão-pouco resulta útil ao
M'-D'-M...P...M' capitalista. Para ser útil, tem de se converter em dinheiro,
o que significa o reatamento do ciclo. No caso da reprodução
Se examinarmos o processo de movimento do capital ampliada, o capital-mercadorias que aparece no final tem
t o m a n d o como ponto de partida e de regresso a sua forma um valor mais elevado que o que surge no princípio, o que
mercantil, a fórmula que exprime o ciclo será o seguinte: também modifica a fórmula em que o ciclo se exprime, apre-
M'-D'-M...P.,.M'. sentando-se como: M'-D'-M'...P'...M'.
Neste ciclo, as duas fases da circulação nem estão inter-
mediadas pela produção, como no ciclo do capital-dinheiro,
nem se acham intermediadas entre dois processos de produ- 4 —OS TRÊS CICLOS VISTOS NO SEU CONJUNTO
ção, como no ciclo do capital produtivo, encontrando-se ambas
situadas consecutivamente como fases iniciais do mesmo, Na realidade concreta, o capital não se move apenas como
e a produção constitui a sua terceira e última fase, embora ciclo do capital-dinheiro ou do capital produtivo ou ainda
já como fase concluída, depois de o capital produtivo se haver do capital-mercadorias, mas como uma unidade dialéctica dos
transformado em capital-mercadorias. três ciclos. O seu movimento repetido sob u m a das formas do
Nos dois ciclos analisados anteriormente, o p o n t o de par- ciclo contém implícito o seu movimento sob as outras formas.
tida é sempre o valor-capital adiantado: no primeiro caso, Supúnhamos a repetição contínua do ciclo do capital-dinheiro:
sob a forma de capital-dinheiro e, no segundo, sob a forma
de capital produtivo. No entanto, o ciclo do capital-merca- D-M...P...W-D' D-M...P...M'D' D-M...P...M'-D' D-M...P, etc.
dorias começa pelo capital incrementado que já contém a mais-
-valia. O facto deve-se a que o capital, no seu movimento, C o m o vemos, o movimento ininterrupto e contínuo do
só assume a forma mercantil como produto directo do processo capital desenvolve-se sob a forma dos três ciclos, que se entre-
de produção, ou seja, depois de o valor inicial desembolsado laçam mutuamente.
ter sido acrescentado pela mais-valia. O capital-dinheiro não é Nesse movimento contínuo, o capital existe simultanea-
capital pelo facto de conter mais-valia, por constituir o resul- mente sob as suas três formas, ao mesmo tempo que passa
tado de um processo de produção capitalista, mas porque sucessivamente de uma para outra. Ou seja, se um capitalista
se investe em meios de produção e em força de trabalho. investiu $ 1 0 0 0 0 0 , 0 0 , não quer isto dizer que t o d o este valor
O dinheiro de um capitalista, mesmo quando for resultado capital apareça primeiro, supúnhamos, sob a forma de dinheiro,
de um processo de produção capitalista, se se investir em arti- depois passe no seu conjunto e de uma vez à forma produtiva,
gos de consumo pessoal, não será capital. Isto significa que a seguir à forma mercantil e assim sucessivamente. É certo
o capital-dinheiro não é capital pela sua origem, pelo seu que todas as suas partes deverão assumir as três formas em
passado, mas pelo seu destino, pelo seu futuro. O capital pro- diferentes momentos, mas, simultaneamente, esse valor capital
dutivo também não é capital pela sua origem, mas pelo seu estará assumindo essas formas e atravessando as três fases.
presente, p o r se achar integrado por meios de produção e na U m a parte encontrar-se-á no processo de produção assumindo
força de trabalho, que se combinam como propriedade de a forma produtiva, outra nos armazéns como produto e outra
um capitalista. N ã o obstante, o capital-mercadorias é capi- ainda já se terá vendido e achar-se-á sob a forma de dinheiro,
tal, não pelo seu futuro ou presente, mas pelo seu passado, disposta a converter-se em novos meios de produção e força
pela sua origem. Somente as mercadorias que foram elabo- de trabalho.
radas em bases capitalistas são capital-mercadorias e, por- O processo de movimento do capital é, pois, cíclico, cons-
tanto, este constitui sempre capital incrementado. tituído pela unidade das suas três formas de se manifestar, cujo
O ciclo do capital-mercadorias, tal como o do capital pro- motivo propulsor e finalidade determinante são o aumento
dutivo, implica na repetição necessária do ciclo, porque o capi- do capital desembolsado, ou seja, a obtenção de mais-valia.

48 49
/
5 — T E M P O DE PRODUÇÃO Essas reservas já são capital produtivo, se bem que de
E T E M P O DE C I R C U L A Ç Ã O / modo latente, e o tempo em que o valor-capital desempenha
esse papel pertence ao tempo de produção, mesmo quando
C o m o já estudámos, o capital percorre o seu ciclo atraves- não estiver a funcionar na produção propriamente dita e menos
sando três fases, duas das quais se verificam na esfera da cir- ainda no processo do trabalho.
culação e a outra na da produção. O tempo que permanece P o r conseguinte, e resumindo o que acabamos de expor,
nesta última esfera, desde que assume a forma de capital pro- podemos concluir que o tempo de produção engloba os momentos:
dutivo até que a abandona para se revestir da de capital-merca-
dorias, tem o nome de tempo de produção. 1) O tempo em que os meios de produção funcionam como
Este, abarca o tempo que o processo de trabalho dura, isto é, meios de trabalho, com a participação da força de tra-
o tempo em que o operário actua no objecto de trabalho com balho, ou seja, o tempo correspondente ao processo de
ajuda dos meios de trabalho, mas a ele não se reduz. trabalho.
O processo de trabalho n ã o se desenrola de forma absolu- 2) O tempo em que os meios de produção funcionam como
tamente ininterrupta, pois nele produzem-se pausas e interrup- meios de produção, mas não como meios de trabalho,
ções normais, como o repouso nocturno, pausas durante o dia isto é, sem o concurso da força de trabalho, o que se veri-
para alimentação dos operários, limpeza e conservação dos fica nas produções que passam pelos processos naturais
equipamentos, etc. Ao longo desses intervalos, cs edifícios, atrás referidos.
máquinas, e t c , deixam de funcionar, mas permanecem nos 3) O tempo durante o qual os meios de produção deixam
locais de produção, desgastando-se e transferindo valor, mesmo de funcionar, mas mantêm-se nos locais de produção e
quando estão inactivos. sofrem um desgaste que se traduz numa transferência
de valor, mesmo quando inactivos. É o que sucede com
Esses intervalos incluem-se no processo de produção, embora
os edifícios, máquinas, e t c , durante a noite, descansos
não no processo de trabalho.
de fim-de-semana, etc.
Por outro lado, há certos tipos de produção que têm de 4) O tempo durante o qual os meios de produção se encon-
passar p o r determinados processos naturais em que o objecto t r a m de reserva como condição do processo de produção,
de trabalho se acha submetido à acção de elementos físicos, sem ainda participar neste, mas já fazendo parte do
químicos ou biológicos, e t c , sem que nisso o trabalho inter- capital produtivo.
venha de m o d o algum durante o período da sua duração. É o que
acontece nas culturas agrícolas, nas peles e couros, nos cur- Por outras palavras, todo o tempo durante o qual o valor-
tumes, no vinho que fermenta nas adegas, no tabaco que passa -capital se acha sob a forma de capital produtivo é tempo de
por diversas fases de secagem e «cura», etc. Nestes casos, os meios produção.
de produção continuam a funcionar como tais, mas sem a par- Os diferentes momentos integrantes do tempo total de
ticipação da força de trabalho, deixando, portanto, de actuar produção desempenham um papel distinto na formação do
como meios de trabalho. Os períodos durante os quais se verifi- valor do produto e de criação da mais-valia.
cam os processos naturais mencionados fazem parte do pro- O capital produtivo latente sob a forma de reservas não actua
cesso de produção, mas não do processo do trabalho. como factor criador do produto e, por conseguinte, tão-pouco
Além disso, é condição de todo o processo de produção na formação do valor do mesmo. É um capital completamente
para que se possa desenrolar sem interrupções anormais, inactivo.
dispor de u m a reserva de matérias-primas e auxiliares, de com- As interrupções normais do processo de trabalho, aquelas
bustível, e t c , que já se encontram na esfera da produção, em que o capital produtivo deixa de funcionar, como acontece
mas que ainda não participa no verdadeiro processo de no descanso nocturno, e t c , n ã o produzem valor nem mais-valia.
produção para o qual passa gradualmente. No entanto, o valor total que os edifícios, máquinas, e t c ,

50 51
/
transferem determina-se pela duração média dos mesmos, o capital passa repentinamente, de u m a só vez, de uma fase
e esse valor é transferido tanto quando funcionam como quando para a outra, o processo de produção interromper-se-á enquanto
permanecem inactivos. durar o tempo de circulação e, consoante a duração deste,
N o s intervalos de tempo em que se desenrolam os pro- o reatamento do primeiro e, p o r t a n t o , do processo de criação
cessos naturais acima mencionados, também não há criação da mais-valia será mais ou menos rápido. Um capital de
de valor nem de mais-valia, mas os meios de produção que $100 000,00 que proporcione u m a mais-valia de $10 000,00
continuam a funcionar como tais durante esse tempo (apa- em cada ciclo que complete e cujo tempo de produção seja
relhos, recipientes, armazéns, etc.) durante ele transferem o seu de um mês, com um tempo de circulação de dois meses, com-
valor ao produto. pletará n u m ano 4 ciclos e proporcionará u m a mais-valia total
Somente durante o processo de trabalho é que se verifica de $40 000,00. Se o tempo de circulação fosse de apenas um mês,
a criação do novo valor e da mais-valia; é exclusivamente nesse completaria 6 ciclos n u m ano e proporcionaria ao seu proprie-
processo que se produz o aumento, a valorização do valor- tário u m a mais-valia de $60 000,00. Assim, um menor tempo
-capital desembolsado. Por conseguinte, não corresponde à rea- de circulação representa, p a r a um capital, um maior grau de
lidade a afirmação de que o valor se cria no processo de produ- valorização.
ção, p o r q u a n t o este inclui momentos em que se n ã o cria valor. Ora, conquanto na circulação não haja criação de valor ou
C o m o vimos, o tempo de produção é mais longo que o de de mais-valia, na produção mercantil e, por conseguinte, na
trabalho e só neste último se criam o valor e a mais-valia. capitalista, a circulação é t ã o necessária como a produção,
No tempo que representa o excesso do primeiro sobre o segundo, e os agentes que actuam na primeira t ã o necessários como
não há criação de quaisquer deles. Portanto, quanto menor for os que intervêm na segunda.
esse excesso e quanto mais o tempo de produção coincir com D a s duas fases que o capital atravessa na circulação, a mais
o tempo de trabalho maior será o grau de valorização, de importante e difícil é a venda M'-D'. Trata-se da mais impor-
autocrescimento de um capital n u m m o m e n t o dado. Daí tante, porque nela se realiza a mais-valia e é a mais difícil
a tendência do capitalista p a r a reduzir todos os momentos porque não se tem na m ã o , como na de compra D-M, o equiva-
que não são tempo de trabalho, prolongando a duração deste, lente geral que todos aceitam com rapidez, mas u m a merca-
eliminando ou reduzindo as pausas, estabelecendo turnos de doria específica que pode ou n ã o ser aceite e que não resiste
trabalho nocturno, etc. um tempo indefinido sem ser vendida, porquanto mais cedo ou
Tempo de circulação é todo o tempo em que o capital se encon- mais tarde o seu valor de utilização deteriora-se. E é precisa-
tra na esfera da circulação, quer assumindo a forma de capi- mente a maior ou menor duração sem perdas dos valores de
tal-dinheiro, quer a de capital-mercadorias, que, como sabe- utilização que se vendam o que estabelece um limite máximo
mos, abarca duas fases: u m a de compra D-M, na qual o dinheiro absoluto ao tempo de venda, ou seja, ao tempo da fase M'-D'.
se transforma em mercadorias, e outra de venda M-D, em que Quanto menor for a vida de u m a mercadoria, menor esse tempo
as mercadorias se transformam em dinheiro. Na primeira, limite absoluto.
o capital-dinheiro converte-se em capital produtivo pelo carác-
ter específico das mercadorias que se c o m p r a m ; na segunda,
o capital-mercadorias já aumentado converte-se de novo na 6 —GASTOS DE CIRCULAÇÃO
forma dinheiro.
Enquanto permanece na circulação, o capital n ã o funciona Vimos que, na esfera da circulação não se cria nem valor
como capital produtivo e, por conseguinte, não produz mer- nem mais-valia, porque nela só se produz u m a modificação
cadorias, valor ou mais-valia, o que significa que, quanto na forma material assumida pelo valor-capital; mas também
menor for o tempo de duração de permanência nessa esfera, constatámos que as fases da circulação se t o r n a m tão neces-
maior será o seu grau de autocrescimento, de valorização. sárias ao movimento do capital como a própria fase de pro-
Se supusermos, para facilitar a compreensão do assunto, que dução, e para que as metamorfoses de capital-dinheiro em

52
capital produtivo D-M e novamente de capital-mercadorias liáiios, como casas, terrenos para construção, e t c , que não reque-
em capital-dinheiro M'-D' se possam verificar, é necessário rem as operações técnicas mencionadas. Por conseguinte,
investir u m a determinada quantidade de meios materiais e de para compreender bem a questão sobre os gastos puros da cir-
força de trabalho, o que embora indispensável é em grande culação, é necessário ignorar essas operações e imaginar u m a cir-
parte improdutivo. culação em que só se verifiquem actividades ligadas à modifi-
Para efectuar as fases D-M e M'-D', impõem-se gastos, cação de formas do valor.
por exemplo, nas operações de compra e venda das merca- Entre os gastos puros da circulação ocupam um lugar de
dorias propriamente ditas, na contabilidade, na publicidade, destaque os ligados directamente às operações de compra e venda
no transporte, no armazenamento, na embalagem, e t c , etc. como os investidos no pagamento dos salários dos vendedores,
Devem consumir-se nessas actividades meios materiais que publicidade, correspondência comercial, emissão de boletins e
constituem os factores objectivos do processo de circulação catálogos de vendas, etc. Temos um exemplo do significado
(escritórios, papel, lápis, máquinas de escrever e outros arti- dos gastos de publicidade destinados a conseguir u m a reali-
gos de expediente geral, meios de transporte, edifícios para zação lucrativa da fase M'-D' no caso da empresa de cosmé-
armazenamento, e t c , etc.) e força de trabalho que representa ticos, detergentes e perfumaria «Sabates Industrial, S. A.»,
o factor subjectivo desse processo (vendedores, empregados que funcionava na Cuba pré-revolucionária e, nos anos entre
de escritório, contabilistas, trabalhadores de transporte, tra- 1953 e 1959, investiu 7 684 615 pesos para estes fins, ou seja,
balhadores de armazéns, e t c ) . u m a média de 1 280 770 pesos por ano. Outro exemplo é o da
Os gastos que se devem fazer na circulação dividem-se empresa do mesmo género «Crusellas y Cia., S. A.», que inves-
em gastos puros da circulação e gastos complementares do tiu no mesmo período, na sua publicidade, 15 126 012 pesos
processo de produção realizados na esfera da circulação. n u m a média anual de 2 521 002 pesos. A publicidade destas
empresas consistia no financiamento de programas musicais e de
a) Gastos puros da circulação novelas na rádio e na televisão, pagamento de anúncios nos meios
de informação oral e escrita, realização de vendas especiais por
São os que se referem exclusivamente com a modificação todo o país em que, por cada produto comprado, entregavam
de formas do valor, com as operações de compra e venda das gratuitamente outro (com cada sabonete adquirido, ofereciam
mercadorias, tais como os gastos com os salários dos vendedo- um t u b o de pasta dentífrica, e t c ) , prémios no interior das emba-
res, de publicidade, de correspondência puramente comercial, lagens, que podiam ser casas, jóias, aparelhos domésticos,
com boletins e catálogos comerciais, e também, em grande bilhetes da lotaria ou dinheiro, etc. ( ). x

parte, com os gastos relacionados com a circulação monetária,


como a cunhagem de moedas, etc. Na prática, estes gastos Os gastos de contabilidade são determinados por dois moti-
apresentam-se sempre acompanhados e misturados com os gas- vos: 1) pelo carácter mercantil da produção que exige a con-
tos numa série de operações técnicas que também se desenro- tabilidade dos preços, dívidas a receber e a pagar, lucros e
lam na esfera da circulação, como as de armazenamento, emba- custos, e t c ; 2) pelo carácter cada vez mais social e colectivo
lagem, classificação, transporte, etc. Onde os gastos puros da da produção, que requer a contabilização dos recursos dis-
circulação aparecem sem qualquer mistificação são nas bolsas poníveis, dimensionamento da procura, e t c , para poder orga-
do comércio (i) e no caso da compra e venda de bens imobi- nizar a produção planificadamente.
Quando estes gastos são determinados pelo carácter mer-
0) Bolsas de comércio: forma especial do mercado capitalista em que cantil da produção, que se relacionam com a modificação de
se verifica o comércio grossista de grandes massas de mercadorias e onde formas do valor e são exclusivos, portanto, de u m a economia
se concentra a oferta e procura destas mercadorias num dado pafs e, por
vezes, à escala mundial. As transacções efectuadas nessas bolsas, não estão,
mercantil, pertencem aos gastos puros da circulação, que nada
de um modo geral, relacionadas directamente com o movimento real das
mercadorias, representando a compra e venda do direito de propriedade (!) Dados fornecidos pelo Gabinete de Estatística da Empresa Con-
sobre as mercadorias.
solidada de Saboaria e Perfumaria do MININD.

54 55
têm a ver com a criação do produto ou do seu valor. Quando pondente quantidade de trabalhadores. Estas operações, mesmo
são determinados pela segunda razão, próprios n ã o só de quando se desenrolam na esfera da circulação, são um com-
u m a economia mercantil, mas também de toda a economia plemento indispensável do processo de produção, são como
organizada socialmente e em que, por conseguinte, se tor- um prolongamento deste, necessárias, como já salientámos,
n a r ã o mais necessários no comunismo que no capitalismo, em qualquer formação económico-social. Se se trata de
pertencem aos gastos ligados ao processo de produção, a cria- u m a economia mercantil, como é a capitalista, os gastos de
ção do produto e, portanto, são gastos produtivos. recursos materiais e humanos acham-se ligados à conservação e
Os gastos que se efectuarem para manter e ampliar a cir- transferência do valor através desta e da transferência dos valores
culação monetária, como a cunhagem de moedas, e t c , são de utilização. São, portanto, gastos produtivos do trabalho vivo e
gastos improdutivos de recursos materiais e humanos, pois morto que transferem e criam valor. C o m o vemos, embora
destinam-se unicamente a facilitar a modificação de formas do não seja totalmente correcto afirmar que o valor e a mais-valia
valor e n a d a têm a ver com a produção dos valores de uso, se criam na produção, já que esta inclui momentos em que
nem com a criação do valor, sendo, p o r conseguinte, gastos semelhante criação não se verifica, tão-pouco se pode con-
puros da circulação. siderar completamente certa a afirmação de que na circulação
Esses gastos puros da circulação significam, como vimos, não se criam o valor n e m a mais-valia.
um consumo improdutivo de meios materiais e de força de tra- Os gastos complementares da produção que se efectuam
balho, em que, por consequência, como no consumo pessoal, na esfera da circulação são principalmente os de armazena-
há consumo de valores de uso, mas não criação de valores de mento e transporte.
uso e existe consumo de valor, mas não transferência nem cria- Em t o d o o m o d o de produção, para garantir a continuidade
ção de valor. Quer isto dizer que a fonte para custear esses do processo de produção sem que sofra interrupções anormais,
gastos deve ser procurada no valor já criado no processo de há necessidade de manter um stock mínimo disponível de meios
produção e n ã o na parte desse valor que representa o capital de p r o d u ç ã o . É o que, no capitalismo, constitui o capital pro-
variável, porque se trata de u m a simples reposição de um gasto dutivo latente.
de produção verificado antes, no pagamento aos operários Por outro lado, p a r a que o consumo da população esteja
produtivos. A fonte tem de se situar na mais-valia criada por garantido sem o risco de qualquer interrupção que possa
esses operários e apropriada gratuitamente pelo capitalista, ocorrer na produção, torna-se necessário manter um stock
representando um excedente sobre os gastos da produção. mínimo de meios de consumo capaz de satisfazer a procura
Os gastos puros de circulação que o capitalista é obrigado a dos mesmos por um tempo determinado. Esse stock, no capi-
efectuar produzem, por conseguinte, uma dedução da sua mais- talismo, assume a forma de capital-mercadorias.
-valia, u m a quebra desta, sem os quais, no entanto, seria impos- Além disso, n ã o é possível que, logo após a sua produção,
sível apropriar-se de qualquer mais-valia. os meios de produção passem à esfera da produção para serem
consumidos produtivamente, ou que os meios de consumo
b) Gastos complementares passem às mãos dos consumidores. Geralmente, deve sempre
decorrer um lapso de tempo para que tal se verifique.
São os gastos de meios naturais e de força de trabalho que Estas exigências dos produtos que constituem u m a neces-
são necessários, em qualquer tipo de sociedade, entre o m o m e n t o sidade social e, sob o capitalismo, como já vimos, assumem
em que os produtos elaborados a b a n d o n a m a esfera da pro- a forma de capital-mercadorias ou capital produtivo latente,
dução e aquele em que entram na esfera do consumo. No espaço exigem, p a r a a sua conservação, u m a série de gastos em edi-
de tempo compreendido entre os dois momentos, os produtos fícios, embalagens, pessoal, e t c , a que, em geral, chamamos
são armazenados, transportados, embalados, e t c , actividades gastos de armazenamento.
para as quais há necessidade de se dispor de edifícios, meios de O r a bem, torna-se necessário salientar que, no capitalismo,
transporte, papéis e outros meios de trabalho, além da corres- se produz também outro tipo de armazenamento que já não é

56 57
u m a necessidade social objectiva como a que atrás explicámos,
mas que está exclusivamente determinado pela forma mercantil
que o produto assume neste regime de produção. C o m o no
capitalismo, produz-se de costas para o mercado, sem que
se conheçam as suas verdadeiras necessidades, sucede com
frequência que um produto não encontre procura, pelo menos
de momento, porque foi fabricado em excesso. Os produtores
deste tipo de produto que chegam atrasados ao mercado, quando
já se acha ele saturado pelos seus concorrentes, que se lhes
anteciparam, vêem-se obrigados a armazenar as suas merca-
dorias, p a r a tentarem vendê-las mais tarde, antes que se per-
cam. T a m b é m se verifica o facto de capitalistas que retêm
nos armazéns as mercadorias já fabricadas para provocar Capítulo X
u m a escassez artificial e vendê-las depois a preços mais ele-
vados. Em ambos os casos é necessário efectuar gastos de A R O T A Ç Ã O DO C A P I T A L
armazenamento produzidos unicamente pelo carácter mer-
cantil e capitalista da produção. Nessas condições, os refe-
1 — T E M P O DE R O T A Ç Ã O E N Ú M E R O DE R O T A Ç Õ E S
ridos gastos são improdutivos e não criam valor n e m mais-valia.
Por o u t r o lado, os produtos não estão completamente em O ciclo que o capital percorre no seu processo de movimento,
condições de ser consumidos enquanto n ã o se localizarem considerado não de forma isolada, mas como u m a etapa na
na sua esfera de consumo, o que pode exigir o seu desloca- vida do capital, ciclo que se repete constantemente, ou seja,
mento de um lugar para outro. Portanto, o acondicionamento quando visto na sua repetição periódica, é o que Marx chama
final dos produtos como valores de uso, exige, na maioria dos rotação do capital.
casos, que sejam transferidos do seu lugar de produção para E, p o r tempo de rotação, devemos entender o tempo que
o de consumo, que pode estar mais ou menos distante. Para o capital demora para percorrer um ciclo completo, isto é,
tal, torna-se necessário realizar u m a série de gastos de trans- desde que se desembolsa n u m a forma até que readquire essa
porte, os quais continuam e concluem a produção dos valores mesma forma, mas já acrescentado. Representa, portanto,
de uso na esfera da circulação, resultando, p o r conseguinte, a soma do tempo de produção com o tempo de circulação.
em gastos produtivos que participam na formação do valor C o m o é de supor, os diferentes capitais individuais terão
do produto. diferentes tempos de rotação, dependendo do r a m o em que
se investem e das condições específicas que envolvem o movi-
mento do capital em cada caso. O tempo de rotação de um capi-
tal investido na fabricação de sapatos não pode ser o mesmo
que o consumido na fabricação de locomotivas.
BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL UTILIZADA As diversas velocidades de rotação dos diferentes capitais
podem comparar-se determinando o número de ciclos com-
pletos que cada um percorre n u m dado lapso de tempo, t o m a d o
K. MARX, O Capital, volume I I , capítulos 1, 2, 3, 4, 5 e 6.
como unidade de medida. A unidade de medida p a r a as rota-
ções de capital empregada p o r Marx é o ano (i). A fórmula

(i) MARX indica que esta unidade de medida tem a sua base natural
«no facto de os frutos mais importantes da terra na zona temperada, que
foi o berço da produção capitalista, serem produtos anuais».

58 59
para calcular o número de rotações (a que chamaremos ri) duto criado, existindo primeiro como capital-mercadoria c
R. depois como dinheiro, ao produzir-se a fase M'-D'. A parte
registadas p a r a um d a d o capital n u m ano será, pois, n = , que assume a forma de capital produtivo vai diminuindo gra-
dualmente e a que adquire a forma dinheiro aumentando
em que R simboliza o ano representado pelos seus 12 meses e
à medida que se sucedem os processos de reprodução aos quais
r o tempo de rotação desse capital, ou seja, o tempo que demora
servem os meios de trabalho dados e em que, por conseguinte,
a percorrer um ciclo completo. Se, por exemplo, esse tempo
estes se vão desgastando.
12
Esta forma diferente em que se transfere o valor dos meios
for de 3 meses, teremos n = - y - , ou, o número de rota- de trabalho em relação à forma em que se transfere o valor
ções do referido capital n u m a n o , igual a 4. Se o tempo de dos objectos de trabalho, determinada pela maneira diferente
em que uns e outros actuam no processo de produção, deter-
rotação for de 24 meses, virá n = , ou, o que é o mina, p o r sua vez, u m a forma diferente de circulação de um e
outro valor. O valor dos meios de trabalho utilizados em cada
mesmo, o capital indicado apenas dará 1 / 2 rotação por ano.
processo de produção circula parcialmente com o novo pro-
duto criado no mesmo. O dos objectos de trabalho consu-
2 — C A P I T A L FIXO E CAPITAL CIRCULANTE midos circula integralmente com o p r o d u t o : passa na sua
totalidade para a forma mercadoria e depois para a forma
d) Seu conceito dinheiro. Em virtude desta maneira peculiar em que circula,
a parte do valor-capital investida em meios de trabalho recebe
Estudámos no capítulo IV, epígrafe 2, que nem todos o nome de capital fixo, enquanto a parte investida em objectos
os meios de produção se c o m p o r t a m do mesmo m o d o no de trabalho se denomina capital circulante.
processo de p r o d u ç ã o : enquanto uns passam a fazer parte,
H á , excepcionalmente, matérias auxiliares que se com-
fisicamente, do novo p r o d u t o criado (matérias-primas) ou
portam como os meios de trabalho quanto à maneira como
desaparecem sem deixar vestígios (matérias auxiliares: com-
o seu valor se transfere e circula. É o que acontece, por exem-
bustíveis, iluminação, e t c ) , outros (máquinas, edifícios, etc.)
plo, com determinados adubos na agricultura, os quais aderem à
conservam a forma física original através de todo o processo e
terra e servem a vários processos de produção consecutivos,
dele saem c o m essa forma para servir de meios de produção
passando a cada um parte do seu valor para o produto.
a u m a série de processos futuros de produção. Os primeiros
O capital investido nessas matérias auxiliares é também capital
são os objectos de trabalho consumidos que transferem todo
fixo.
o seu valor ao novo produto criado em cada processo de pro-
dução e os segundos os meios de trabalho que transferem H á , igualmente, elementos materiais de capital produtivo
apenas u m a parte do seu valor em cada processo de produ- que, consoante a função que desempenham no processo de
ção. Por outras palavras, os meios de trabalho, u m a vez ingres- produção, p o d e m actuar como meios de trabalho ou objectos
sados na esfera da produção, fixam-se nela, n ã o a abando- de trabalho. Um boi, como animal de tracção, é um meio de
n a n d o até servirem a vários processos de produção. U m a parte trabalho e, portanto, capital fixo; um touro, como gado de
do seu valor vai passando p a r a o novo produto criado em cada reprodução, representa um objecto de trabalho e, por conse-
processo e a parte restante mantém-se agregada aos meios de guinte, capital circulante.
trabalho, enquanto permanecem eles na esfera da produção. O m o d o peculiar como o capital fixo circula traduz-se
Assim, o valor-capital investido em meios de trabalho, ou seja, n u m a forma também peculiar de rotação. Em cada ciclo do
já convertido em capital produtivo, assume u m a dupla exis- capital só u m a das suas partes gira, ao passo que o capital
tência; em parte, continua a existir como capital produtivo e circulante gira na sua totalidade. O capital fixo lança-se na
em parte vai-se desprendendo deste e passando ao novo pro- circulação de u m a única vez, isto é, percorre a base D-M de

60 61
u m a assentada, mas fixa-se em seguida na fase imediata P... <lc dinheiro. Em virtude disso, o capital variável faz parte do
para vários processos de produção, transferindo, como vimos, capital circulante.
p o r partes, o seu valor ao novo produto criado, o que faz A divisão em constante e variável, como já sabemos, tam-
com que percorra a fase M'-D' de um modo gradual e fragmen- bém corresponde ao capital produtivo e diz respeito ao
tado, ou seja, não n u m único ciclo, mas em vários, e como diferente papel desempenhado pelas diversas componentes desta
n ã o se torna necessário repô-lo em espécie para inciar um novo modalidade do capital na formação do valor do novo produto.
ciclo, vai-se acumulando gradualmente como u m a reserva de Esta divisão descobre a essência exploradora da produção
dinheiro. O capital circulante percorre integralmente as três capitalista, pois permite ver quais são os verdadeiros elementos
fases em cada ciclo, e como é necessário repô-lo em espécie criadores do valor e da mais-valia. A divisão em fixo e cir-
p a r a iniciar um novo ciclo, a sua rotação não se interrompe culante, ao misturar indistintamente uma parte dos factores
nem se detém como no caso do capital fixo. Do que acabamos objectivos do processo de produção com os seus factores
de expor deduz-se que, enquanto o valor-capital adiantado subjectivos, isto é, ao colocar no mesmo plano os objectos e
em meios de trabalho percorre inteiramente o seu ciclo atra- a força de trabalho, oculta e mascara a essência exploradora
vessando as três fases na totalidade desse valor, ou seja, enquanto da produção capitalista, pois n ã o permite ver quem cria o valor e
descreve u m a rotação completa, o valor-capital investido em a mais-valia e, nesse sentido, apresenta todas as componentes
objectos de trabalho descreve várias rotações. U m a rotação do capital produtivo como desempenhando o mesmo papel.
do capital fixo abarca várias rotações do capital circulante.
Esta divisão do capital fixo e circulante corresponde apenas b) Desgaste, conservação, reparação e reposição do capital fixo
ao capital produtivo porque se refere à forma diferente como
gira o valor das diferentes componentes materiais dessa moda- Os elementos do capital fixo vão-se desgastando à medida
lidade de capital. Os meios de produção são, além dos fac- que são utilizados, mas não é apenas o uso que provoca o des-
tores objectivos que entram n u m processo de produção, o pro- gaste. T a m b é m se desgastam durante a inactividade, em vir-
duto resultante de outros processos de produção, mas, como tude da influência das forças naturais (vento, humidade, e t c ) ,
tais, não se diferenciam em capital fixo ou circulante, sendo as quais desempenham um papel mais ou menos importante,
simplesmente capital-mercadorias. Só sofrem essa diferenciação consoante o material de que for feito o elemento do capital
nas mãos do seu comprador, já como capital produtivo. fixo. Além disso, os meios de trabalho, sobretudo máquinas,
A parte do capital que se investe em força de trabalho, sofrem um desgaste moral, resultante do aumento constante
ou seja, o capital variável, não se transfere para o novo pro- da produtividade do trabalho e da introdução de novos mode-
duto criado, pois o seu valor reproduz-se no processo de pro- los que substituem os anteriores. Se u m a máquina vale $10 000,00
dução e junta-se a esse produto como um valor equivalente e tem a duração média de 10 anos, transfere $1000,00 de valor
ao desembolsado inicialmente p a r a pagamento dos salários. por ano, mas se ao fim de 5 anos de funcionamento, devido a
Por conseguinte, não pode ser a sua forma de se transferir um aumento da produtividade na fabricação destas máquinas,
que o relaciona com o capital fixo ou circulante, como sucede o seu valor diminuir para $8000,00, a transferência anual de
com o capital investido em meios de produção. Ora, o valor valor t a m b é m diminuirá p a r a $800,00, mesmo para as que esti-
reproduzido do capital variável, tal como o valor transferido verem a funcionar. O capitalista que possuía a máquina velha
dos objectos de trabalho, passa integralmente a fazer parte tinha recuperado, no final dos primeiros 5 anos, $5000,00 do
do novo produto e, juntos, percorrem a fase M'-D'. Para capital desembolsado na sua aquisição, mas nos restantes
iniciar cada novo ciclo, é necessário voltar a contratar a força 5 anos só poderá recuperar $4000,00 (5 x $800,00), o que
de trabalho e dispor, portanto, de um equivalente do capital implicará n u m a perda de $1000,00. Tudo se passa como se
variável em forma de dinheiro, assim como se torna neces- a máquina se tivesse integralmente desgastado no seu valor
sário repor de novo em espécie os objectos de trabalho e, por de uso um ano antes do prazo previsto. Por outro lado, se,
conseguinte, dispor do capital destinado a esse fim em forma antes de se desgastar completamente e, portanto, antes da

62 63
recuperação do capital nela investido, aparecer no mercado Por fim, os gastos que se efectuarem para pagar os seguros
uma nova máquina mais produtiva que a anterior, o nosso contra a destruição do capital fixo por incêndios, inunda-
capitalista, se não quiser perecer na concorrência com os outros, ções, e t c , n ã o significam desembolsos adicionais de capital,
ver-se-á forçado a introduzi-la e a desprezar a antiga, embora nem se cobrem com o fundo de amortização, mas com parte
perca parte do que nela investiu. É o mesmo que se a máquina da mais-valia, resultando numa redução desta.
se tivesse desgastado física e completamente antes de tempo.
Em termos de valor, o desgaste é a parte do capital fixo
que se transfere gradualmente para o novo p r o d u t o criado e 3 — R O T A Ç Ã O G L O B A L DO C A P I T A L D E S E M B O L S A D O
se acumula, como vimos atrás, sob a forma de u m a reserva
de dinheiro denominada fundo de amortização. É deste fundo Como vimos, os elementos componentes do capital circulante
que sai o dinheiro que se investe na reposição em espécie dos têm um tempo de rotação diferente dos que constituem o capital
elementos do capital fixo que se desgastaram por completo. fixo, e, além disso, os diversos elementos que formam este
A reposição pode ser total ou parcial, segundo se reponham último possuem um tempo de vida diferente e, portanto, tem-
de u m a vez todos os elementos do capital fixo ou apenas u m a pos de rotação diferentes.
parte. A rotação global do capital desembolsado é a rotação média
O capital fixo exige também u m a série de gastos em meios e das diversas partes que o integram. Convém fazer distinção entre
força de trabalho para a sua conservação, ou seja, para o man- o tempo em que se verifica a rotação do valor global do capital
ter em condições de funcionar normalmente. Estes gastos são adiantado e o tempo necessário p a r a que todas as suas partes
os que ocorrem constantemente na limpeza dos locais e máqui- integrantes girem na realidade. O primeiro será sempre menor
nas, na lubrificação destas, etc. O valor-capital que se desem- que o segundo. Vejamo-lo através de um exemplo conven-
bolsa p a r a esses fins pertence ao capital circulante. cional.
Por outro lado, ao longo da vida normal dos edifícios, Supúnhamos que o total do capital fixo investido ascende a
máquinas, e t c , é necessário proceder a reparações, sempre $150 000,00, o qual, decomposto nos elementos que o compõem,
que a situação o exigir. O desembolso que isso requer não está oferece o seguinte q u a d r o :
incluído no investimento inicial do capital fixo e, portanto,
não pode sair do fundo de amortização destinado a repor Em edifícios que d u r a m 40 anos $40 000,00
esse investimento. Para isso, produz-se o desembolso de um capi- Em maquinaria e instalações importantes que
tal adicional que se investe irregular e fortuitamente, conforme d u r a m 10 anos $90 000,00
as avarias, desgaste de peças, e t c , se apresentarem. A recupe- Em instrumentos e instalações secundárias que
ração desse valor-capital no preço dos produtos n ã o se pode d u r a m 4 anos $20 000,00
efectuar da mesma forma irregular, porque poderia acontecer
que, nos momentos em que as reparações se produzissem, Quer isto dizer que o capital investido em edifícios trans-
se teria de vender mais caro que no período anterior em que ferirá cada a n o $1000,00 para o novo produto criado ( 2 , 5 % do
n ã o foram necessárias. A experiência encarrega-se de indicar seu valor), o investido em maquinaria e instalações importantes
a média dessas reparações, ao longo da vida do meio de tra- transferirá $9000,00 anuais ( 1 0 % do seu valor) e o investido
balho de que se tratar, e dos gastos a efectuar por esse motivo. em instrumentos e instalações secundárias $5000,00 por ano
Estes últimos distribuem-se proporcionalmente pelo volume ( 2 5 % do seu valor). O total do capital fixo transferido será
total de produtos criados pelo capital fixo durante toda a sua então de $15 000,00 ($1000,00 + $9000,00 + $5000,00). Daqui
existência normal. O valor-capital adicional investido nessas se deduz que, para que se verifique u m a rotação completa do
reparações é aquilo a que M a r x chama capital de tipo especial, valor global de todo o capital fixo de $150 000,00, serão neces-
nem fixo n e m circulante, embora se aproxime mais deste último sários 10 anos. A rotação real do capital desembolsado em
por se destinar a custear gastos correntes. edifícios, como já vimos, só se produzirá após 40 anos, a do

64 65
3
correspondente à maquinaria, e t c , após 10 anos (o mesmo No exemplo convencional acima utilizado, um capital cir-
tempo que para a rotação do valor global) e a do investido culante de $45 000,00 girava 4 vezes ao ano, isto é, permitia
em instrumentos, e t c , após 4 anos (girará na realidade 2,5 vezes adquirir objectos de trabalho e força de trabalho no valor de
no tempo necessário para a rotação do valor global). $180 000,00 anuais. Se o seu tempo de rotação não fosse de
Se supusermos agora que o capital circulante desembol- 3 meses, mas de 6 e se efectuasse, por conseguinte, apenas
sado como complemento do fixo é de $45 000,00 e gira 4 vezes 2 rotações anuais, o capitalista em causa só poderia comprar
por ano, teremos: no ano objectos e força de trabalho no valor de $90 000,00.
Para poder obter esses elementos do capital circulante n u m
Total de capital desembolsado: $150 000,00 em capital valor de $180 000,00, igual ao que existiria se a rotação fosse
fixo -h $45 000,00 em capital circulante = $195 000,00 de 3 meses, deveria agora desembolsar $90 000,00 em vez
dos $45 000,00.
Se a diminuição no tempo de rotação permite obter
O fixo, como vimos, transfere por ano $15 000,00 do seu
um mesmo resultado com um menor desembolso de capital
valor. O circulante, se girar 4 vezes por ano, fará circular nesse
ou um resultado maior com um desembolso igual, é natural
tempo um valor total de $180 000,00 (4 X $45 000,00). Ou seja,
que os capitalistas se esforcem por reduzi-lo, reduzindo o tempo
anualmente haverá um giro de valor-capital de $195 000,00,
de duração das suas partes componentes: os tempos de cir-
igual ao capital total desembolsado. O tempo de rotação do
culação e produção e o período de trabalho contido neste último.
valor global adiantado é, portanto, de um ano. Mas, na reali-
dade, no final do ano, apenas se dispõe, sob a forma de dinheiro, O período de trabalho é constituído pelos dias de trabalho
dos $15 000,00 transferidos do capital fixo e dos $45 000,00, sucessivos, e ligados entre si, necessários para que o capital
resultantes da última rotação do capital circulante. O facto passe da forma produtiva à mercantil. Esse período pode redu-
de este haver girado 4 vezes não fez aumentar a sua grandeza zir-se por vários meios:
(abstraímos a mais-valia); no final de cada rotação, existe
o mesmo capital inicialmente desembolsado. Por conseguinte, a) Prolongando a jornada de trabalho. Se a transformação
sob a forma de dinheiro, só haverá em caixa $60 000,00 dispo- do capital produtivo em capital-mercadorias necessita,
níveis. O restante valor-capital de $135 000,00 ainda estará digamos, de 30 dias de trabalho de 8 horas cada um,
na esfera da produção agregado aos elementos do capital fixo. ou seja, 240 horas de trabalho, prolongando-se a jor-
Para que este regresse realmente e em todos os seus elementos nada para 10 horas, apenas se requererão 24 jornadas
à forma de dinheiro, será necessário que decorram 40 anos: de trabalho.
tempo necessário ao giro do elemento do capital fixo de vida b) Intensificando a jornada de trabalho. Já vimos que,
mais longa. com isso, se consegue o mesmo resultado que prolon-
gando a jornada. As duas vias expostas oferecem a van-
tagem de não exigirem um maior desembolso de capital
fixo.
4 — T E M P O DE R O T A Ç Ã O E S U A I N F L U Ê N C I A c) Aumentando o número de operários. Se o aumento se rea-
NA G R A N D E Z A DO CAPITAL NECESSÃRIO liza com base no aumento dos turnos de trabalho em
A DESEMBOLSAR cada dia, não é necessário um investimento adicional
de capital fixo, mas se se efectua acrescentando o número
Quanto menor for o tempo de rotação, ou seja, o tempo de operários que trabalham n u m mesmo turno, tem
em que um capital percorre um ciclo completo, e maior, por- de se proceder a um desembolso adicional de capital fixo.
tanto, a velocidade de rotação, menor será a grandeza do capi- d) Incrementando a produtividade do trabalho através da
tal a desembolsar para obíer o mesmo resultado n u m dado introdução de novas técnicas de produção, melhor
período de tempo. organização do trabalho, etc.

66 67
O tempo de produção pode ser reduzido, diminuindo-se a massa anual de mais-valia produzida será de $1000,00 e
o período de trabalho nele contido, mas também reduzindo a quota anual de mais-valia, a que chamaremos p', será de
ao mínimo as pausas normais que interrompem a continui-
= 1 0 0 M a s se
dade do processo de trabalho, o tempo em que se desenrolam 100% (p' = ^ooo^* %^- descrever 6 rota-
os processo naturais verificados em determinados tipos de pro- ções n u m ano, será empregado 6 vezes nesse período para
dução por meio do emprego de reagentes químicos que acelerem comprai força de trabalho e produzirá então $1000,00 de
esses processos, da selecção de sementes e da utilização de mais-valia em 6 ocasiões n u m ano, ou seja, u m a massa anual
adubos especiais, no caso de culturas agrícolas, e t c , etc. Tam- de mais-valia de $6000,00. O capital variável desembolsado
bém se consegue reduzir o tempo de produção diminuindo
é igual ao do caso anterior: $1000,00, mas como regressa
o tempo em que o capital produtivo deve ficar em reserva,
6 vezes no ano às mãos do seu proprietário, este pode empregá-lo
o qual depende da distância onde se encontrarem as fontes
de matérias-primas, da qualidade e rapidez do transporte, etc. 6 vezes e n ã o apenas u m a o que lhe proporciona u m a mais-
O tempo de circulação pode ser reduzido principalmente -valia t a m b é m 6 vezes maior. A quota anual de mais-valia
através do desenvolvimento dos meios de transporte, mas, para este caso será:
como no capitalismo depende também do poder de compra
da população e das condições de concorrência em que cada um 6000« =

produza, o conjunto dos capitalistas procura apresentar as suas 1000 v


mercadorias da melhor forma possível o que os obriga a inves-
tir somas cada vez maiores nos gastos improdutivos de publici- A diferença entre a quota real de mais-valia, que é de 100% ,
dade. e a quota anual de mais-valia, de 600 %, e determinada pela
diferença existente entre o capital variável desembolsado pelo
5 — V E L O C I D A D E DE ROTAÇÃO DO CAPITAL capitalista no ano e o capital variável empregado nesse lapso
E A S U A I N F L U Ê N C I A NA M A S S A A N U A L DE de tempo.
MAIS-VALIA. Q U O T A A N U A L D E MAIS-VALIA Capital variável desembolsado é a quantidade deste tipo de
capital investido para que se verifique um ciclo, u m a rotação.
Já vimos que u m a maior velocidade de rotação determina Capital variável empregado é o que na realidade funciona
a obtenção de um mesmo resultado com u m a quantidade n u m dado período de tempo, podendo ser igual, maior ou menor
menor de capital investido ou um resultado maior com igual que o desembolsado, consoante o lapso de tempo que tomarmos
quantidade de capital, o que também se refere, como é natu- como ponto de referência. O capital variável empregado no
ral e implícito, ao capital variável que faz parte do capital cir- tempo de duração de um ciclo, ou seja, no tempo de rotação,
culante desembolsado. Mas, concretamente, em relação ao capi- coincide com o capital variável desembolsado. No exemplo
tal variável, isso vai também influir na grandeza da massa de atrás utilizado, em que o tempo de rotação é de 2 meses, o capi-
mais-valia produzida n u m dado período de tempo, digamos tal variável desembolsado para esses dois meses é igual ao que
um ano, e na quota anual de mais-valia. realmente se emprega. Mas se tomarmos o ano como ponto
Quota anual de mais-valia é a relação entre a massa de de referência, o capital variável desembolsado será 6 vezes
mais-valia produzida por um capital n u m ano e a grandeza menor que o empregado. No ano, funcionam 6 vezes os mesmos
da parte variável desembolsada do mesmo período, expressa $1000,00, o capitalista não tem de efectuar mais desembolsos,
em percentagem. bastando-lhe esse desembolso inicial, e, não obstante, emprega
Se um capital variável de $1000,00 se destina à compra na realidade $6000,00 de capital variável. Se, pelo contrário,
da força de trabalho de operários submetidos a um grau de tomarmos como ponto de referência um mês, o capital variá-
exploração de 100% , obtêm-se com ele $1000,00 de mais-valia vel empregado nesse tempo será apenas metade do desembol-
cada vez que é investido. Se gira apenas uma vez ao ano, sado para os dois meses de duração da rotação completa.

68 69
N u m mês, só se empregarão $500,00 de capital variável. Como vemos, dispondo de u m a mesma grandeza de capital
A quota real de mais-valia exprime a proporção entre o capi- variável para desembolsar, o capitalista B pode obter uma massa
tal variável empregado n u m determinado período de tempo anual de mais-valia 3 vezes maior que o capitalista A, porque
e a mais-valia produzida no decurso deste tempo. Revela emprega 3 vezes mais força de trabalho que este último. O excesso
o grau de exploração a que os operários estão submetidos e de mais-valia recebido por B em relação a A deve-se exclu-
revela ainda estar a criação da mais-valia ligada apenas ao sivamente ao facto de explorar u m a maior quantidade de
capital variável efectivamente empregado, ou seja, à força de operários, pois, como sabemos, a mais-valia somente é criada
trabalho que tenha funcionado. A quota-anual de mais-valia por estes. No entanto, como a possibilidade de comprar um maior
vincula a mais-valia não ao capital variável empregado mas volume de força de trabalho com um mesmo capital variável
ao desembolsado, e como este não espelha, como o primeiro, desenbolsado é criada pela maior velocidade de rotação do
a grandeza de força de trabalho que na realidade funcionou mesmo, produz-se a falsa impressão de que essa maior veloci-
n u m d a d o período, dá a impressão da quantidade da mais-valia dade constitui o factor que produz directamente u m a maior
criada depender da velocidade de rotação do capital: a uma mais-valia.
maior velocidade corresponde u m a maior massa de mais-valia.
A questão está em ser a velocidade maior de giro do capital
variável que permitirá empregar um maior número de operá-
rios, e a isso se deve o facto da mais-valia produzida ser tam-
bém maior. Tomemos, para exemplificar, o caso hipotético BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL UTILIZADA
de dois capitalistas, A e B, cada qual desembolsando um capital
variável de $12 000,00 para adquirir força de trabalho sujeita K. MARX, O Capital, volume I I , capítulos 7, 8, 9, 1 2 , 1 3 , 14, 15 e 16.
a uma quota de mais-valia de 1 0 0 % . No entanto, o tempo K. MARX, Economia Política, volume I, capítulo XI (Cátedra de Eonomia
de rotação para o capital de A é de 6 meses e p a r a o capital Política da Escola Superior do PCUS, 1 9 6 3 ) .
de B de u m mês.
Imaginemos que o salário médio mensal por operário é
de $100,00, igual para ambos os capitalistas e que o seu paga-
mento se efectue mensalmente. O capitalista A desembolsa
o seu capital variável para o empregar ao longo dos 6 meses,
findos os quais esse capital regressa às suas m ã o s ; portanto,
os $12 000,00 deverão servir-lhe para efectuar os 6 pagamentos
mensais. Em outras palavras, contratará cada mês força de
trabalho no valor de $2000,00, ou seja, 20 operários, que pro-
duzirão nesse tempo uma mais-valia de $100,00 per capita,
ou de $2000,00. A massa de mais-valia produzida no ano
será de $24 000,00. O capitalista B desembolsa o seu capital
variável para o empregar em dois meses, porque no final desse
tempo voltará às suas mãos e poderá ser novamente investido.
P o r conseguinte, os $12 000,00 são utilizados para efectuar
o pagamento de dois salários, ou seja, de $6000,00 cada um,
o que lhe permitirá contratar 60 operários por mês, os quais
lhe produzirão u m a mais-valia per capita de $100,00 ou de
$6000,00. A massa de mais-valia que obterá no ano será então
de $72 000,00.

70 71
Capítulo XI

R E P R O D U Ç Ã O E C I R C U L A Ç Ã O D O C A P I T A L SOCIAL
NO SEU CONJUNTO

Até aqui, estudámos, primeiro, o processo de produção e,


depois, o processo de movimento do capital individual. Tudo
o que até agora analisámos estava relacionado com um capital
industrial isolado qualquer, t o m a d o como tipo. No presente
capítulo, estudaremos o capital social, ou seja, o conjunto dos
capitais individuais englobados n u m todo e mutuamente inter-
-relacionados. Ao mesmo tempo, examinaremos o processo
de reprodução e de circulação do referido capital social.
No capítulo VIII, estudámos também o processo de repro-
dução capitalista, mas apenas no âmbito de um capital indi-
vidual, p a r a demonstrar como o processo de produção capita-
lista é um processo de produção repetida de mais-valia, de repro-
dução das relações burguesas de produção. Agora, veremos a forma
assumida por esse processo de reprodução com referência ao
capital social.
O processo de produção capitalista, considerado como pro-
cesso de reprodução, abarca não só a fase directamente de pro-
dução, como também as fases da circulação. A repetição da
/ ^Ft \
metamorfose real do capital AT , ...p...M' passa a
\ ^-Mp J
estar condicionada e na dependência da realização das suas
metamorfoses formais, D-M e M'-D', como já vimos no capí-
tulo IX, q u a n d o estudámos as metamorfoses do capital e seu
ciclo.

73
N u m regime burguês, o produto social global criado pelo ral, partindo da utilização que se dará aos valores de UIO qiil
funcionamento do capital social apresenta forma mercantil e o compõem, confunde-se, por vezes, com a divisão que N Étl
não apenas mercantil como mercantil capitalista, pois acha-se belece na indústria entre pesada e ligeira, fazendo coincidir
constituído pelo conjunto de mercadorias criadas pelo con- o Sector I com a pesada e o Sector II com a ligeira. I. nu In
j u n t o dos capitais individuais da sociedade, mercadorias que, bitável que a indústria pesada está mais ligada ao Sector I e
como sabemos, não passam de capital mercantil, ou, o que a ligeira ao Sector II, mas isso não nos deve induzir a estabe-
vem a dar no mesmo, de capital já aumentado que contém lecer u m a identidade entre esses conceitos. Há muitos ramos
a mais-valia. da indústria pesada em que se produzem meios de consumo,
Pelo seu valor, o produto social global decompõe-se, tal além de meios de produção, como acontece, por exemplo, na
como o produto de qualquer capital individual, em c + v + p. indústria do combustível: u m a parte da sua produção destina-se
Quer isto dizer que M', tanto como símbolo de um capital indi- ao consumo produtivo e outra parte, considerável, ao impro-
vidual que assume a forma mercantil como em representação dutivo. Analogamente, muitos ramos da indústria ligeira pro-
da forma mercantil do capital social, ou seja, do produto duzem meios de produção além dos de consumo, como é o caso,
social global está integrado pelas mesmas componentes de por exemplo, da indústria têxtil, que produz cerca de 5 0 %
valor: o capital constante transferido, o capital variável repro- p a r a o Sector I, ou seja, para o consumo produtivo. Além
duzido e a mais-valia acrescentada. A primeira destas compo- disso, a divisão em pesada a ligeira apenas afecta a produção
nentes constitui o valor já criado anteriormente e que se integra industrial, ao passo que a divisão em Sector I e Sector II abarca
como trabalho morto aos meios de produção consumidos. tanto a indústria como a agricultura.
A segunda e a terceira representam um novo valor criado Ao analisar o processo de reprodução e circulação do capital
pelo trabalho vivo aplicado, e a soma de ambas forma a parte social, Marx faz abstracção de u m a série de factores que estão
do produto social global denominado rendimento nacional ou presentes na realidade concreta e apresenta o fenómeno na sua
rendimento social líquido. forma pura, o que lhe permite descobrir as leis internas que
Ora, pelo seu valor de uso, isto é, pela sua forma natural, o regem. Assim, só toma em consideração a existência do
M', como símbolo de um capital mercantil individual, não será capital industrial, prescindindo da existência independente do
constituído pelos mesmos elementos que M', como represen- capital comercial e do capital bancário e de empréstimo; parte
tante do produto social global. No primeiro caso, compor-se-á do princípio de que as mercadorias se vendem sempre pelo
de artigos de um único tipo, de acordo com a esfera concreta seu valor e despreza as variações que esse valor experimenta;
de investimento de que se trate: se for um capital investido prescinde das variações produzidas na composição orgânica
na fabricação de sabões, compor-se-á materialmente de sabões; do capital; examina a reprodução como se ocorresse n u m país
se o investimento se destinar à fabricação de calçado, com- capitalista puro, onde não exista a pequena produção mercan-
por-se-á de sapatos, e t c , etc. No segundo caso, a sua decom- til ou outros resíduos feudais e no qual a realização do produ-
posição será totalmente heterogénea, achando-se integrada zido só se produzirá no mercado interno, pois faz abstracção do
materialmente por todos os múltiplos e diversos valores de comércio externo; parte do princípio de que o capital fixo
uso que formam o m u n d o capitalista das mercadorias: desde transfere todo o seu valor de uma só vez para o novo produto
u m a escova de dentes até um transatlântico. criado; considera o produto social global dividido na sua
Tendo em vista a sua forma natural específica, o produto forma natural apenas em meios de produção (Sector I) e meios
social global divide-se em dois grande sectores fundamentais: de consumo pessoal (Sector II), quando na realidade se produz
aquele em que se produzem os meios de produção que serão u m a série de artigos que não estão destinados ao consumo
consumidos produtivamente, chamado Sector I, e aquele em produtivo n e m ao consumo especial, como se verifica na pro-
que se produzem os meios de consumo que serão consumidos dução bélica.
improdutivamente, denominado Sector II. É natural que, na prática, a intervenção de todos estes
Esta divisão do produto social global pela sua forma natu- factores introduza modificações importantes na forma como

74 75
/ \
as leis da reprodução capitalista se manifestarão exteriormente, A divisão em dois sectores do produto social global, segundo
embora não provoquem a mínima alteração na sua essência, a sua forma natural, é comum a todas as formações económico-
a qual só se pode desvendar examinando o fenómeno na sua -sociais. O que é peculiar ao capitalismo é que em ambos
forma pura. os sectores os produtos serão mercadorias capitalistas e, como
A produção bélica atingiu um desenvolvimento t ã o extraor- tais, funcionarão norteando-se pelas leis da produção mer-
dinário no nosso século, chegando a ocupar, actualmente, cantil capitalista.
u m a parte muito significativa no produto social global anual No Sector I, dada a sua forma material, teremos, como
nos países capitalistas mais desenvolvidos, que não se torna resultado do processo de produção, apenas meios de pro-
possível analisar o processo de reprodução do capital social dução. No Sector II, só haverá meios de consumo. Mas os ope-
nesses países sem tomá-lo em consideração. É p o r isso que, rários e os capitalistas desse sector não podem satisfazer as suas
surgiram entre os economistas marxistas modernos opiniões necessidades pessoais com meios de produção, que é o que nele
várias sobre como situar essa produção bélica na divisão se produz. Por seu turno, os operários e os capitalistas do
em sectores do produto social global tendo em vista a sua forma Sector II disporão do necessário para satisfazer as suas neces-
natural, sobre a sua realização, etc. N u m a alínea ulterior, sidades pessoais, mas n ã o possuirão meios de produção com
exporemos as opiniões fundamentais que existem quanto a que possam voltar a produzir. Esta unilateralidade na produ-
esse ponto. ção dos dois sectores, que provoca em cada um deles neces-
sidades de produtos produzidos no outro, só pode ser solu-
1 — R E P R O D U Ç Ã O SIMPLES cionada através de um intercâmbio de valores de uso entre ambos.
C o m o esses valores de uso assumem a forma de mercadorias,
Como vimos, devemos entender por reprodução simples o intercâmbio terá de ser de natureza mercantil e a sua reali-
o processo de produção que se repete sempre na mesma escala zação é u m a condição indispensável para que a reprodução
anterior, ou seja, aquele no qual toda a mais-valia é consu- se possa efectuar. Em virtude disso, o problema da reprodu-
mida pessoalmente pelos capitalistas e no qual o capital que ção no capitalismo converte-se no problema da realização {}):
como tal continua a girar, é apenas o valor recuperado do se não se realiza o p r o d u t o , não pode haver reprodução.
investimento inicialmente efectuado. Vejamos agora o esquema utilizado por M a r x para ilustrar
A reprodução simples como tal nunca existiu na prática, o processo de realização do produto social global no caso da
nem mesmo nas formações económico-sociais pré-capitalistas, reprodução simples:
porque o crescimento quantitativo da população e as destrui-
ções das culturas, e t c , causadas por fenómenos naturais ou I 4000 c 1000 v 1000 w = 60001 = o m n

acidentais, como ciclones, nevões, incêndios, e t c , i m p u n h a m II 2000 c 500 v 500 m = 3000 J


a necessidade de desenvolver a produção a u m a escala ampliada.
No capitalismo, onde o factor característico consiste na amplia- C o m o se observa, a composição orgânica do capital, suposta
ção constante da produção, a possibilidade da sua ocorrência para os dois sectores, é de 4 : 1 e a quota de mais-valia de 100 % .
é menor ainda. Além disso, parte-se da suposição de que os capitalistas do
Por conseguinte, a reprodução simples é uma abstracção, Sector I dispõem de u m a reserva em dinheiro para pagar os salá-
embora não um invento teórico, porque, conquanto n ã o exista rios aos operários e custear os seus gastos pessoais enquanto
em forma pura, existe como parte da reprodução ampliada: não venderem a produção. Os do Sector II também dispõem
o facto do processo de produção se reatar em cada novo ciclo de u m a reserva em dinheiro para sustentar os seus gastos,
do capital produtivo a u m a escala maior que no anterior, signi- enquanto n ã o venderem a sua produção.
fica apenas que se repete na escala anterior, acrescida de um incre-
mento. Ao analisar a reprodução simples, desprezaremos esse (!) Deve entender-se por realização a venda no mercado, o inter-
câmbio, o processo de conversão do capital da sua forma mercantil na
incremento. sua forma dinheiro, ou seja, a realização da fase M'-D'.

76 77
\
Partindo da premissa de que os 4000 Ic (*), compostos só faltará realizar nesse sector um produto igual a $500,00:
materialmente p o r meios de produção, representam um equi- até aqui, realizaram-se 500 II v e 500 II m dentro do
valente dos meios consumidos para a sua produção, equivalente próprio sector, 1000 II pelos operários do Sector I e
destinado a repor estes últimos e que, portanto, deverão rea- agora 500 II c pelos capitalistas do Sector I.
lizar-se dentro do próprio Sector I, e partindo da suposição de 5) Os capitalistas do Sector II, com os $500,00 em dinheiro
que os 500 II v e os 5 0 0 I I m, compostos materialmente por meios recebidos dos capitalistas do Sector I, compram a estes
de consumo, se destinam a satisfazer as necessidades pessoais um equivalente em meios de produção: a reserva de
dos operários e capitalistas do Sector II e, p o r conseguinte, dinheiro dos capitalistas do Sector I terá regressado às
devem realizar-se dentro deste sector, resta explicar como se suas mãos. Depois desta transacção, apenas falta rea-
produz o intercâmbio entre ambos os sectores, de m o d o a que lizar no Sector I um produto igual a $500,00 : 4000 Ic
em ambos se satisfaçam as necessidades que cada um tem dos realizaram-se dentro do próprio Sector I e os capita-
artigos produzidos no outro, p a r a que fiquem criadas as con- listas do Sector II dele compraram primeiro $1000,00
dições para iniciar um novo processo de produção à mesma e agora $500,00.
escala anterior. Este intercâmbio realiza-se através de sete 6) Os capitalistas do Sector II, com $500,00 das suas
actos gerais de circulação: reservas em dinheiro, compram aos capitalistas do
Sector I um equivalente em meios de produção e com
1) Os capitalistas do Sector I pagam $1000,00 de salários esta transacção termina a realização de toda a pro-
aos seus operários. dução do Sector I, e o Sector II satisfaz as suas neces-
2) Os operários do Sector I, com os $1000,00 recebidos sidades em meios de produção para iniciar um novo
como salário, c o m p r a m aos capitalistas do Sector II processo de produção à mesma escala anterior: no
um equivalente em meios de consumo. Isto quer dizer processo precedente utilizou meios de produção n u m
que o Sector II, com esta transacção, efectua metade valor de $2000,00 e agora comprou meios de produ-
da produção que lhe cabia realizar: se os operários e ção também do mesmo montante ($1000,00, no terceiro
capitalistas desse sector consumiram 500 II v e 500 II m, acto, $500,00 no quinto e $500,00 neste).
só faltavam por realizar 2000 II c, ou seja, o equivalente 7) Os capitalistas do Sector I, com os $500,00 em dinheiro
aos meios de produção consumidos no referido sector. recebidos das mãos dos do Sector II, compram a estes
3) Os capitalistas do Sector II, com os $1000,00 em dinheiro um equivalente em meios de consumo: a reserva em dinheiro
recebidos das mãos dos operários do Sector I, c o m p r a m dos capitalistas do Sector II regressou à sua posse.
aos capitalistas deste um equivalente em meios de pro- O produto do Sector II ter-se-á realizado por com-
dução. Metade do produto que faltava realizar no Sec- pleto e os operários e capitalistas do Sector I satisfi-
tor I fica colocado com esta transacção: se 400 I c zeram as suas necessidades de meios de consumo.
foram realizados dentro do próprio Sector I, restavam
apenas 1000 I v e 1000 I m. Por outro lado, o capital Concluído este processo de realização, estarão criadas
variável dos capitalistas do Sector I já terá regressado as condições para que a produção se repita à mesma escala
às suas mãos. do a n o anterior.
4) Os capitalistas do Sector I utilizam $500,00, do dinheiro Do que se acabou de expor, podemos deduzir as leis que
que têm em reserva, para comprar um equivalente em devem reger a relação proporcional entre a produção de um e
consumo aos capitalistas do Sector II, para satisfazer outro sectores, para que se verifique a reprodução simples:
as suas necessidades pessoais. Após esta transacção,
d) A soma do capital variável investido adicionada à mais-
(!) Ic = constante do Sector 1.
Iv = variável do Sector I. -valia criada no Sector I deve ser igual ao capital cons-
Im = mais-valia do Sector I, etc. tante investido no Sector I I : I v + Im = II c.

78 79
/
/ 2 —A REPRODUÇÃO AMPLIADA
b) A soma do capital constante çóm o capital variável e
a mais-valia do Sector I, ou seja, todo o produto elabo- A reprodução ampliada capitalista significa, como já sabe-
rado no Sector I, deve ser igual ao capital constante mos, o investimento de u m a parte da mais-valia como novo
desse sector mais o capital constante do Sector I I : capital adicional. Por outras palavras, nem toda a mais-valia
I c ,-\- I.v -(- Im = I c + Wc. Os meios de produção obtida pelos capitalistas será despendida na satisfação das
consumidos por ambos os sectores são reproduzidos suas necessidades e luxos pessoais, porquanto u m a parte des-
na sua totalidade no Sector I. tina-se ao investimento em novos meios de produção e força
de trabalho adicionais para ampliação do processo produtivo.
c) A soma do capital constante com o capital variável e
Para que u m a parte da mais-valia possa converter-se em
a mais-valia do Sector II, ou seja, todo o produto ela-
capital, é necessário que na composição do produto social
borado no Sector II, deve ser igual à soma do capital global existam meios de produção em excesso, ou seja, que
variável com a mais-valia de ambos os sectores: excedam a quantidade exigida para reproduzir o processo à
TL.C -)- II V -f II m == I y + Im + II v + I I « i . O consu- mesma escala anterior. É também necessário que haja objectos
mido pessoalmente pelos operários e capitalistas dos de consumo em excesso, quer dizer, a mais dos exigidos para
dois sectores só é produzido no Sector II. satisfazer a procura solvente dos capitalistas e operários que
participaram no processo anterior, para poder satisfazer a pro-
Se nos detivermos a analisar os sete actos gerais de cir- cura adicional provocada pelos novos operários contratados
culação atrás descritos, através dos quais se efectua o processo para ampliação da produção. C o m o é lógico, torna-se igual-
de realização do produto social global na reprodução simples, mente indispensável que haja no mercado operários adicionais
veremos como o dinheiro intervém em cada acto, cumprindo susceptíveis de oferecer a força de trabalho requerida.
funções simultáneas de dinheiro e capital, como se interligam A mais-valia não se capitaliza imediatamente após a sua
as diferentes fases dos diversos capitais, etc. obtenção, isto é, não se converte imediatamente em capital
No primeiro acto, em que os capitalistas do Sector I pagam produtivo. Antes que tal possa acontecer, tem de atingir u m a
a força de trabalho aos seus operários, verifica-se, p a r a aqueles determinada grandeza mínima, grandeza atingida somente
a fase D-Ft —conversão do seu capital-dinheiro em capital após o transcurso dos vários ciclos do capital. No final de cada um
destes ciclos, a mais-valia recebida e destinada a ampliar a pro-
produtivo, e, p a r a estes, a simples venda da sua mercadoria,
dução acumula-se sob a forma de dinheiro, até que se reúna
a fase M-D. O dinheiro, como tal, funciona aqui como meio
a quantia mínima indispensável que possa ser investida como
de pagamento. capital. Por outras palavras, a mais-valia acumula-se como
No segundo acto, para os operários do Sector I verifica-se dinheiro, como capital-dinheiro potencial, antes de acumular-se
a fase D-M e, para os capitalistas do Sector II, a fase M'-D', efectivamente como capital. Durante este tempo, o dinheiro,
conversão do seu capital da forma mercantil em forma dinheiro. no qual se materializa a mais-valia acumulada, cumpre a fun-
O dinheiro, como tal, desempenha aqui o papel de meio geral ção de meio de conservação de valores ou meio de entesoura-
de compra, de meio de circulação. mento.
No terceiro acto, para os capitalistas do Sector II, veri- Para que a mais-valia se acumule como dinheiro antes de
se investir como capital, devem produzir-se vendas às quais
fica-se a fase D-Mp, a transformação do seu capital-dinheiro
não correspondam compras. D a í pode surgir a dúvida de que
em capital produtivo, enquanto para os capitalistas do Sector I
u m a parte do produto social global, nesse caso não poderia
desenrola-se a fase M'-D'. Da mesma maneira continua a pro- realizar-se no mercado. Acontece, no entanto, que nem todos
duzir-se nos restantes actos este entrelaçamento das diferentes os capitalistas entesouram a sua mais-valia ao mesmo t e m p o ;
fases do movimento dos diferentes capitais. enquanto uns o fazem, outros, que já têm em mãos uma sufi-

80 81
/
/
ciente quantia acumulada, acorrem ao mercado p a r a a investir capital variável com a mais-valia consumida como i v n
como capital, e conquanto os primeiros efectuem vendas dimento pelos capitalistas (a que chamaremos mi) dos
às quais n ã o correspondem compras, os segundos fazem com- dois sectores: II c + II v + II m > I v + II v + 1 m i • |
pras às quais n ã o correspondem vendas, u m a coisa compensando + II m\. Só assim haverá meios de consumo exceden-
a outra. tes para os novos operários adicionais que se incorpo-
Para que a realização do produto global social se possa rarem ao processo de ampliação da produção.
verificar nas condições da reprodução ampliada, a proporcio-
nalidade entre os Sectores I e II deve reger-se por leis dife- Vejamos agora o esquema convencional utilizado por Marx
rentes das da reprodução simples. Essas leis são as seguintes: para ilustrar o processo de realização do produto social global,
no caso da reprodução ampliada. Marx pressupõe uma quota
a) A soma do capital variável com a mais-valia do Sec- de mais-valia de 100% para ambos os sectores e uma com-
tor I deve ser maior que o capital constante do Sec- posição orgânica de 4 : 1 no Sector I e 2 : 1 no Sector II.
tor I I : I v + I m > II c. Tal necessidade se deve a que
o produto do Sector I terá que conter não apenas I 4000 c 1000 v 1000 m = 60001 _ Q m n

u m a quantidade de meios de produção capaz de repor II 1500 c 750 v 750 m = 3000 J y u U U

os consumidos nos Sectores I e II, como na repro-


dução simples, mas deverá conter ainda um excesso Este esquema espelha a estrutura do produto social global
de meios de produção que permita a ampliação da no final de um ano de produção, período t o m a d o como ponto
produção em ambos os sectores. Se I c representasse de partida, partindo-se da suposição de que metade da mais-
os meios de produção consumidos e reproduzidos na -valia do Sector I se consome como rendimento e a outra
sua forma natural no próprio Sector I e Iv + I/w só metade se investe como capital.
equivalessem aos meios de produção consumidos no Partindo das premissas enumeradas, o processo de reali-
Sector II, que devem substituir, a reprodução ampliada zação efectuar-se-á através das seguintes transacções principais:
não seria possível.
b) A soma do capital constante com o capital variável e 1) Os 4000 I c realizam-se dentro do próprio Sector I,
a mais-valia do Sector I, ou seja, todo o produto do pois destinam-se a repor os meios de produção nele
sector, deve ser maior que a soma do capital constante consumidos.
dos dois sectores : I C + I V + I » J > I C + I I C . A quan- 2) Os 750 II v realizam-se dentro do próprio Sector II,
tidade de meios de produção produzidos deve ser supe- porque se destinam a satisfazer as necessidades pes-
rior à quantidade de meios de produção consumidos soais dos operários desse sector.
para que não apenas reponham estes últimos como 3) Os operários e capitalistas do Sector I investem
permitam a ampliação da produção. 1000 v + 5001 m\ — 1500 na compra de meios de con-
c) A soma do capital constante com o capital variável e sumo aos capitalistas do Sector II. Neste sector, ficam
a mais-valia do Sector II, ou seja, todo o produto do apenas por realizar os 750 m.
sector, deve ser inferior à soma do capital variável com 4) Os capitalistas do Sector II, com o dinheiro recebido
a mais-valia, isto é, às receitas dos dois sectores: dos operários e capitalistas do Sector I, compram a
II c + II v < I v + I m + II m. Se as receitas de I e II estes meios de produção por 1500. No Sector I, ficam
fossem equivalentes ao total dos meios de consumo por realizar apenas meios de produção no valor de 500,
produzidos e se investissem na sua aquisição, não sobra- que equivalem à parte da mais-valia destinada a investir
ria mais-valia para acumular como capital. como capital e a que chamaremos m-i.
d) A soma do capital constante com o capital variável e 5) Destes 500 I mi, 400 m2 serão investidos como capital
a mais-valia do Sector II deve ser superior à soma do constante, partindo da composição orgânica existente no

82 83
referido sector, que é de 4 : 1. Por conseguinte, os 400 mz Tal como ao final do primeiro a n o , supomos que os capi-
realizam-se dentro do próprio Sector I. Neste sector, talistas do Sector I dividem a sua mais-valia em duas parles
ficam p o r realizar meios de produção equivalentes a iguais: u m a para consumir como rendimento (m{) e outra
100 m .2 para investir como capital (ntz).
6) No Sector I, passam a trabalhar novos operários, aos O processo de realização efectuar-se-á através das seguintes
quais os respectivos capitalistas pagam 100 de capital fases fundamentias:
variável adicional. C o m esses 100, os operários com-
p r a m aos capitalistas do Sector II um equivalente em 1) Os 4 4 0 0 1 c realizam-se dentro do próprio Sector I.
meios de consumo. Neste sector, ficam por realizar 2) Os 800 II v realizam-se dentro do próprio Sector II.
meios de consumo equivalentes a 650 m.
3) Os operários e capitalistas do Sector I, com os seus
7) Os capitalistas do Sector II, com os 100 em dinheiro
1100 v + 550 m\ = 1650, compram um equivalente em
recebidos das mãos dos operários adicionais do Sec-
meios de consumo aos capitalistas do Sector II. Ficam
tor I, compram aos capitalistas deste sector um equiva-
agora por realizar, neste sector, meios de consumo
lente em meios de produção com os quais ampliam
no montante 750.
a produção em II. C o m esta transacção, termina a rea-
lização integral do produto do Sector I. 4) Os capitalistas do Sector II, com os 1650 em dinheiro
8) C o m o os capitalistas do Sector II investiram 100 em recebidos das mãos dos operários e capitalistas de I,
capital constante adicional, de acordo com a compo- compram a estes um equivalente em meios de piodução
sição orgânica desse sector, que é de 2 : 1 , terão de c o m que repõem os meios de produção consumidos
investir 50 de mais-valia em capital variável. C o m esses no Sector II, que eram 1600 c e adquirem mais 50 c
50, em dinheiro, os operários adicionais empregados para ampliar a produção. No Sector II, apenas ficam
comprarão, dentro do seu próprio sector, um equiva- por realizar meios de produção no montante de 550.
lente em meios de consumo. Ficam por realizar, no Sec- 5) Ao investir 50 c em meios de produção adicionais,
tor II, meios de consumo no valor de 600. os capitalistas do Sector II vêem-se forçados, partindo
9) Estes meios de consumo destinam-se a satisfazer as neces- da composição orgânica de 2 : 1, a investir 25 v em força
sidades e os luxos dos próprios capitalistas do Sector II e, de trabalho nova. Com estes 25 v, os operários compram
portanto, realizam-se no seio do referido sector. Ter- aos capitalistas do seu próprio sector um equivalente
minou, pois, a realização do produto social global dos em meios de consumo, ficando por realizar em II apenas
dois sectores. um produto igual a 725.

Concluído este processo, acham-se criadas as condições As fases descritas até aqui conduzem a que já se tenham
para iniciar um novo ano de produção, mas em escala ampliada. criado no Sector II as condições para produzir em escala
O capital constante no Sector I será de 4400, em vez de 4000, ampliada, enquanto no Sector I, só se criaram as condições
e o capital variável de 1100, em vez de 1000. No Sector II, para a reprodução simples.
o capital constante será de 1600, em vez de 1500, e o variável
de 800, em vez de 750. Com uma quota de mais-valia de 100% , 6) Dos 550 em meios de produção que ficam por realizar
no final deste segundo a n o , teremos um produto social global no Sector I e partindo da composição de 4 : 1 que no
da seguinte estrutura: mesmo existe, 440, equivalentes a 4 4 0 1 tnz, reali-
zar-se-ão dentro desse sector, no intuito de ampliar
I 4400 c 1100 v 1100 m = 66001 _ a sua produção, ficando por realizar meios de produção
Q R n n

II 1600 c 800 v 800 m = 3200 } ~ y 8 U U no valor de 110.

84 85
7) Ao acumularem 440 m em capital constante, os capi-
2 livro Sobre o Chamado Problema dos Mercados. Partindo do
talistas do Sector I investem o resto da sua mais-valia esquema de Marx, desenvolveu-o como segue:
capitalizável, ou seja, 1 1 0 m , em capital variável.
2

Com esse dinheiro, os operários adicionais emprega- ,500 mi


dos no processo compram um equivalente em meios I 4000 c 1000 v 1000 m 6000
de consumo aos capitalistas do Sector II. Fica por ~500 m 2

realizar neste sector um produto igual a 615. = 9000


.690 mi
8) Os capitalistas do Sector II, com o dinheiro recebido
II 1500 c 750 v 750 v" [ = 3000
das mãos dos operários adicionais do Sector I, com-
60m \ 2
p r a m aos capitalistas deste sector meios de produção
no valor de 110. Com esta transacção, acaba de se rea- C o m o vemos, para o primeiro ano, Lenine utiliza o mesmo
lizar todo o produto do sector I. esquema de Marx, em que a composição orgânica é de 4 : 1,
9) Ao investir mais 110 c adicionais, os capitalistas do no Sector I, e de 2 : 1, no Sector II, e a mais-valia do primeiro
Sector II vêem-se obrigados a comprar força de trabalho sector também se divide ao meio em rendimento (mi) e mais-valia
complementar por 55 v. C o m estes 55 v, os novos ope- a investir como capital (m ). 2

rários compram um equivalente em meios de consumo, As fases através das quais o processo de realização se efec-
ficando por realizar dentro do Sector II um produto tua são similares às que vimos no estudo do esquema de Marx,
igual a 560. com a diferença de que, na quinta, os capitalistas não acumu-
lam os seus 500 m de acordo com a composição orgânica
2
10) Estes meios de consumo no valor de 560 destinam-se
de 4 : 1, mas segundo outra mais elevada de 9 : 1, dedicando,
aos capitalistas do Sector II e são realizados pelos seus
portanto, 450 m ao constante e 50 m ao variável. Os capi-
560 mi . 2 2

talistas do Sector II, por seu turno, não acumulam 150 m 2

com a composição orgânica de 2 : 1 , como no esquema de


Terminado este processo, acham-se criadas todas as con-
Marx, mas 60 m com u m a composição de 5 : 1 , ou seja,
2
dições para iniciar um terceiro ano de produção em escala
50 m em constante e 10 m em variável.
2 2
ampliada, no final do qual o produto global terá a seguinte
estrutura: Para iniciar o segundo a n o , teremos um capital com a seguinte
estrutura de valor:
I 4840 c 1210 v 1210 w = 72601 _
i n 0 A
I 4450 c + 1050 v
II 1760 c 880 v 880 m = 3520 / ~ 10 ,m
II 1550 c+ 760 v

C o m o vemos, a composição orgânica cresceu para 4,2 : 1,


O processo de realização repete-se de forma similar à exposta
anteriormente. no Sector I, e 2,04 : 1, no Sector II.
0 produto global social, no final desse ano, terá a seguinte
composição:
3 —A REPRODUÇÃO AMPLIADA 525 mi ]
E O A U M E N T O DA C O M P O S I Ç Ã O O R G Â N I C A 1 4450 c 1050 v 1 0 5 0 m ^ \ = 6550
""525m \ 2
9620
O problema da reprodução ampliada, tomando em consi- ,704 mi
deração o crescimento constante da composição orgânica do II 1550 c 760 v 760 m = 3070
capital, foi analisado pela primeira vez por Lenine no seu 56 m 2

86 87
Os 525 I m p a r a acumular no Sector I fazem-no com
2
se deve ao facto de Marx, para construir o seu esquema, abstrair
uma composição orgânica de 20 : 1, ou seja, 500 m para cons-2
o progresso técnico, o aumento constante da composição orgâ-
tante e 25 m para variável.
2
nica do capital. No entanto, no primeiro volume de O Capital,
Os 56 m destinados à acumulação no Sector II inves-
2
é demonstrado que o capital constante cresce mais rapidamente
tem-se com u m a composição orgânica de 25 : 3, ou seja, 50 m 2
que o variável, o que significa que a procura de meios de pro-
em constante e 6m em variável. Para iniciar o terceiro ano,
2
dução aumenta mais rapidamente que a de meios de con-
apresentar-se-á um capital com a seguinte estrutura: sumo e, por conseguinte, a produção dos primeiros deve desen-
volver-se a ritmos mais acelerados que a produção dos segun-
I 4950 c + 1075 v dos. A lei do desenvolvimento preferencial do Sector I, em
II 1600 c+ 766 v relação ao Sector II, acha-se intimamente ligada à do aumento
da composição orgânica do capital, ao crescimento do pro-
A composição orgânica do Sector I é aqui de 4,6 : 1 e gresso técnico e da produtividade do trabalho social. Marx
do Sector II, 2,09 : 1. só faz alusão directa a esta lei do desenvolvimento preferencial
Como vimos, reflecte-se nestes esquemas convencionais ela- da produção de meios de produção na seguinte passagem do
borados por Lenine o desenvolvimento da reprodução ampliada volume II de O Capital «A sociedade capitalista emprega
e o crescimento da composição orgânica do capital, o que está u m a maior parte do seu trabalho anual disponível na produção
muito ligado à lei do desenvolvimento preferencial da produ- de meios de produção (e, portanto, de capital constante),
ção de meios de produção, que estudaremos na alínea seguinte. os quais n ã o são susceptíveis de serem transformados em
rendimento, quer sob a forma de salários, quer de mais-valia,
podendo apenas funcionar como capital» 0) e nesta passa-
4 —LEI DO DESENVOLVIMENTO PREFERENCIAL gem da sua Teoria da Mais-Valia «Tal como no tocante aos
DA PRODUÇÃO DE MEIOS DE PRODUÇÃO capitais individuais, a diminuição da parte variável em relação
à parte constante surge directamente como uma diminuição
Trata-se de u m a lei da reprodução ampliada e, como tal, da parte investida em salários, tratando-se da massa total do
é uma lei económica geral, p o r q u a n t o «nos mais diversos tipos capital, a reprodução deve operar-se de tal m o d o que uma parte
económicos de sociedade se nos depara não apenas a repro- relativamente maior da massa de trabalho empregado se dedi-
dução simples, mas também, embora em proporção diferente, que mais à reprodução de meios de produção que à de pro-
a reprodução à escala ampliada. A produção e o consumo dutos, ou seja, à reprodução de maquinaria (incluindo nela os
vão aumentando progressivamente, aumentando também, meios de comunicação e transporte, edifícios, e t c ) , materiais
como é lógico, a quantidade de produtos convertidos em meios auxiliares como o carvão, gás, óleo, correias, etc., e das fábricas
de produção» (i). N ã o obstante, esta lei só atinge verdadeira que constituem matéria-prima para os produtos industriais.» (2)
importância nas formações económico-sociais em que as for- A formulação completa e exacta desta lei apresentada por
ças produtivas alcançaram um elevado grau de desenvolvi- Lenine no seu trabalho Sobre o Chamado Problema dos Mer-
mento, q u a n d o se verifica a produção mecanizada e se cria cados, em que o genial continuador de Marx e Engels afirma:
um sistema de economia nacional com os seus diferentes ramos «...a produção de meios de produção para produzir meios de
intimamente ligados entre si. A primeira formação económico- produção é a que cresce mais rapidamente; segue-se a produção
-social que reúne essas condições é a capitalista. de meios de produção para produzir meios de consumo; finalmente,
3
Esta lei foi descoberta por Marx, embora do seu esquema a mais lenta, é a produção de meios de consumo.» ( )
sobre a reprodução ampliada capitalista não se possa deduzir
o desenvolvimento preferencial do Sector I sobre o Sector II. (1) O Capital, volume I I , pág. 415, edição citada.
Nela, os dois sectores desenvolvem-se paralelamente, o que (2) História Crítica da Teoria da Mais-Valia, volume I, pág. 172,
Ediciones Venceremos.
0) O Capital, volume I, pág. 543, edição da Editora Nacional de Cuba. (3) LENINE, Obras Completas, volume I, pág. 99.

88 89
Como vimos, Marx descobre e, mais tarde, Lenine desen- É evidente o ritmo mais rápido de crescimento d o s m e i o s
volve a formulação desta lei em relação ao regime capitalista de consumo em comparação com os outros dois grupos, apesar
de produção, como uma lei que nele tem plena vigência. da produção bélica, que não é produção de meios de produção,
Actualmente, alguns economistas marxistas (!) negam o seu aparecer incluída entre os meios de trabalho.
carácter geral, alegando que embora tivesse vigência numa O peso específico dos Sectores I e II na produção industrial
fase determinada do desenvolvimento do capitalismo, quando no período do pós-guerra, expresso em percentagem, pode
se verificava o processo de criação do mercado interno, o pro- observar-se no quadro que segue:
cesso de industrialização capitalista, quando a margem de
2
acumulação ( ) apresentava um ritmo crescente, na actuali-
dade, q u a n d o essa margem mantém um ritmo estável e
até decrescente, tal lei deixou de actuar. Fundamenta a sua
afirmação em u m a série de dados estatísticos referentes à
dinâmica da produção industrial dos E. U. A., onde, nos
últimos anos, se observa realmente um ritmo de crescimento
mais elevado no Sector II que no Sector I. Se analisarmos,
por exemplo, a dinâmica da participação do Sector I no pro- T a m b é m aqui nos é demonstrado que, nos últimos anos,
duto social global dos E. U. A., calculada a preços constantes e a produção de meios de consumo se desenvolveu preferencial-
expressa em percentagem, teremos o seguinte quadro ( 3 ) : mente à produção de meios de produção, nos E. U. A.
1947 61% Mas isto não nega a acção da lei do desenvolvimento pre-
1954 59% ferencial dos meios de produção na actualidade. Acontece,
1958% 58% simplesmente, que a lei se manifesta de uma forma específica
nos diferentes países que compõem uma economia mundial baseada
Note-se que a produção bélica se incluiu no Sector II quando na divisão internacional do trabalho.
se fizeram estes cálculos. Quanto maior a ligação e interdependência económica entre
Se tomarmos o índice de crescimento da produção indus- os diversos países, menor será a obrigatoriedade da mani-
trial dos E. U. A. dividida por grupos consoante a sua uti- festação desta lei separadamente em cada um dos países (sobre-
lização, teremos (para 1957-1959 = 100) ( 4 ) : tudo, em relação à forma física material do produto social
global desses países), passando a ter cada vez mais vigência
necessária, apenas quando se tem em conta toda a economia
mundial. Actualmente, além de uma economia mundial geral,
existem duas economias mundiais parciais — a mundial capi-
talista e a mundial socialista — sendo que no seio de cada uma
o grau de ligação e interdependência económica entre os dife-
rentes países que as integram é muito maior que o existente
mundialmente.
1
C ) Ver, por exemplo, Ritmos e Proporções da Produção Social nos N u m a economia mercantil, o produto social global anual
E. U. A., escrito pelos economistas soviéticos V. KUDROV e G. SHPILKO, deve ser examinado de dois ângulos, pela sua forma natural e
editado em Moscovo em 1 9 6 5 (em russo). pela sua forma de valor, e, portanto, a reprodução desse pro-
2
( ) Margem de acumulação é a relação entre a parte da mais-valia duto social global também se deve analisar segundo estes dois
que se acumula como capital e a grandeza total da mais-valia obtida.
3
( ) Extraído do livro citado de Kudrov e Shpilko e elaborado por
pontos de vista. Pode dar-se o caso, na realidade ele dá-se,
cientistas participantes no Gosplan da URSS. de um país qualquer, que devido às suas condições naturais e
4
( ) «.The Handbook of Basic Economic», 15 de Julho de 1 9 6 5 , pág. 79 às criadas historicamente —escassez de recursos naturais,

90 91
dificuldades climatéricas, distanciamento das fontes de maté- bém actua separadamente em cada país. A criação dó valor
rias-primas adequadas, escassez de mão-de-obra qualificada, que representa os meios de produção necessários para um dado
subdesenvolvimento e dependência económica, se ter conver- país desenvolve-se mais rapidamente que a criação do valor
tido em fornecedor de matérias-primas agrícolas e minerais que representa os meios de consumo necessários a esse
p a r a as metrópoles industriais capitalistas, etc. —, não poder
país.
desenvolver devidamente o Sector I, em especial no tocante a
instrumentos de produção, e, n ã o obstante, esse país poder No caso dos E. U. A., trata-se de um país que é um grande
reunir todas as condições naturais e históricas para um desen- exportador de produtos industriais, tanto de meios de pro-
volvimento ilimitado de u m a série de ramos do Sector II. dução como de meios de consumo, mas que exporta sobretudo
Por outro lado, há países que se encontram em situação dife- meios de consumo para os países subdesenvolvidos que, como
rente: boas condições naturais para desenvolver ramos do sabemos, pertencem ao Sector II. Por outro lado, é um grande
Sector I, de meios de produção, e condições inferiores para importador de matérias-primas, que recebe principalmente
desenvolver os do Sector II, de meios de consumo, ou simples- desses países subdesenvolvidos, as quais pertencem, como
mente com um elevado desenvolvimento económico que os con- também não ignoramos, ao Sector I. A partir de 1940, os E. U. A.
verte em dominantes no seio da economia mundial, nos centros
converteram-se em importadores líquidos de matérias-primas,
industriais do m u n d o capitalista. Devido a esta divisão local
internacional do trabalho, os primeiros dedicam-se a produzir o que faz com que 2/3 dos investimentos norte-americanos
mais meios de consumo que os que requerem para satisfazer nos países subdesenvolvidos se situem na exploração de recur-
as suas necessidades internas e os segundos concentram-se na sos naturais (*).
produção de mais meios de produção que os exigidos pelas Em face do que acabamos de expor, não é correcto analisar
suas necessidades e, através do intercâmbio entre uns e outros, a correlação dos ritmos de desenvolvimento entre os Secto-
obtêm o que necessitam tanto em meios de consumo como res I e II, considerando o processo de reprodução n u m
de produção (o que requer que estejam de acordo com o papel
país capitalista isoladamente, pois para tal torna-se necessário
que lhes compete na economia mundial capitalista).
tomar em consideração o comércio externo e encarar o pro-
Nos primeiros países, não se produzirá um desenvolvi-
cesso de reprodução do capital social como um processo
mento preferencial da produção de meios de produção, quanto à
sua forma material. Pela forma natural do produto, o desenvol- mundial único.
vimento preferencial neles verificar-se-á na produção de meios Considerando o problema assim, veremos como a lei do
de consumo, ou seja, no Sector II. Todavia, como u m a grande desenvolvimento preferencial dos meios de produção continua
parte desses meios de consumo não se destina ao consumo a ter vigência no capitalismo actual. U m a demonstração do
interno dos países que os produzem, e sim a serem trocados por facto é-nos fornecida pela dinâmica de crescimento da indús-
meios de produção, na realidade, embora pela sua forma natural tria pesada em todo o m u n d o capitalista e segundo as suas
seja a de meios de consumo, pela sua forma valor representam regiões. A indústria pesada, como já vimos, não coincide
apenas uma quantidade determinada de meios de produção
exactamente com o Sector I, mas o peso fundamental da sua
necessários à economia nacional, que em troca deles se adqui-
rem. Por conseguinte, na reprodução do produto social global produção é de meios de produção e, especialmente, de instru-
de cada um desses países não actuará a lei do desenvolvimento mentos de produção, razão pela qual o seu crescimento nos
preferencial da produção de meios de produção, se encarar-
mos este produto social global, apenas pela sua forma natural.
(i) Ver o livro citado de KUDROV e SHPILKO, págs. 1 6 8 e 1 6 9 , extraído
Nessa relação, a lei actuará unicamente no sentido do con- de The Adequacy of Resources for Economic Growth in the United States,
j u n t o da economia mundial de que se tratar. M a s se o tomar- pág. 4 3 , de F. FISHER e E. BOORSTEIN, e de Natural Resources and Economic
mos pelo seu valor, veremos que, possivelmente, a lei tam- Growth, editado por Splengler, pág. 6 2 .

92 93
serve de índice revelador do desenvolvimento da produção e, por extensão, que o Sector II. No âmbito desse p r o c e s s o geral,
de meios de produção. Examinemos o seguinte quadro (*): podemos observar, também neste quadro, que n o s li. I). A.,
a partir de 1953, se verifica efectivamente um estancamento e
PARTE DA INDÚSTRIA PESADA NO CONJUNTO DA INDÚSTRIA até u m a queda no peso específico da indústria pesada.
TRANSFORMADORA DO MUNDO CAPITALISTA, EXPRESSA EM % (2)

5 —A R E P R O D U Ç Ã O E CIRCULAÇÃO
DO C A P I T A L SOCIAL E A P R O D U Ç Ã O BÉLICA
C o m o salientámos no início do presente capítulo, há dife-
rentes opiniões sobre este problema entre os economistas mar-
xistas, as quais se podem, de um modo geral, reduzir a duas
teses principais, que passamos a expor.
a) Primeira opinião. Alguns autores consideram que,
como é natural, a produção bélica não se deve incluir no Sec-
tor I, p o r q u a n t o o seu destino não é o consumo produtivo, mas
o improdutivo; todavia, tão-pouco deve figurar no Sector II,
porque deformaria a verdadeira grandeza do consumo da
Como vemos, a indústria pesada — e , como daí se deduz, população e faria parecer que quanto maior fosse a produção
a produção de meios de produção — tem um peso específico bélica mais elevado seria este consumo.
cada vez mais elevado dentro do conjunto da produção da Além disso, a produção bélica distingue-se por uma série
indústria transformadora do m u n d o capitalista, o que significa de traços importantes, tanto da produção do Sector I como
que se desenvolve a ritmos mais rápidos que a indústria ligeira da do Sector II. Em primeiro lugar, pelo seu carácter econó-
mico-militar; em segundo, porque não se consome produtiva
(!) Figura em A Reprodução Capitalista nas Condições Actuais, de nem pessoalmente para reproduzir fisicamente os operários e
S. L. VIGODSKI, pág. 54 da edição russa de 1 9 6 6 , e está elaborado com capitalistas; e, finalmente, porque não se realiza livremente no
base nos dados publicados no Monthly Bulletin of Statistics de Novembro
de 1 9 6 4 , págs. vm-xiv. mercado através do intercâmbio entre os sectores, nem no seio des-
2
( ) A percentagem relativa à parte ocupada pela indústria pesada tes, vendendo-se ao Estado por preços previamente estabelecidos.
no seio da indústria transformadora, fornecida pelos órgãos estatísticos T o m a n d o em consideração as razões atrás expostas, esses
da O. N. U., que figuram, extraídos do The Patterns of Industrial Growth,
N. I., 1 9 6 0 , pág. 1 0 8 , na pág. 8 do livro Modificações Estruturais na Indús-
autores distinguem três tipos de consumo — produtivo, pessoal e
tria dos E. Ü. A., Inglaterra e R. F. A nos Anos do Pós-guerra, editado em militar — e, como consequência, alegam que o produto social
russo em 1 9 6 2 pelo Instituto de Investigações Científico-económicas do global, pela sua forma natural, deve dividir-se em três sectores:
Conselho de Economia Estatal da U. R. S. S., não coincidem com os ele-
mentos deste quadro, mas a dinâmica de crescimento do peso específico Sector I: em que se produzem os meios de produção.
da indústria pesada observa-se igualmente neles: Sector II: em que se produzem os meios de consumo pes-
soal dos operários e capitalistas.
Sector B: em que se produzem os artigos militares,
incluindo-se neles tanto a produção de armamento,
munições, etc., como a de uniformes, botas, mochilas e
t u d o que se destina ao consumo pessoal dos militares.
Pela sua forma valor, a produção do Sector B decompõe-se,
como a de I e II, em c + v + m.
No intercâmbio entre os sectores, o B apenas desempenha o

94 95
papel de comprador e consumidor, tanto de meios de produção As leis que regem a proporcionalidade que deve existir
como de consumo pessoal, e só é vendedor perante o Estado. entre os diferentes sectores para que se possa verificar a reali-
Dividindo o produto global social pela sua forma natural e zação do produto global social serão as seguintes:
pela sua forma de se realizar, segundo a opinião dos referidos
economistas, podemos apresentar o seguinte q u a d r o : d) I (v + m) = I I c + B c
Produto social global (c + v + p) b) I ( c + v + 7w) = I c + I I c + B c
Sector I (c + v + p) c) II (c + v + m) = I (v + m) + II (v + m) + B (v + m)
Tipo de produção
Meios de produção destinados ao consumo produtivo. Para a reprodução ampliada, o esquema no final do pri-
F o r m a de realização meiro a n o será:
Comprados através do mercado livre pelos capita-
500 /Mi
listas de I, II e B.
I 4000 c 1000 v 2000 m 1000
] m [ = 7000
Sector II (c + v+p) 3

"500/722
Tipos de produção
Objectos de consumo pessoal dos operários e capitalistas.
.600 mi
F o r m a de realização
II 1500 c 750 v 1500 m 750 m 3 = 3750 12 750
Comprados através do mercado pelos operários e
150 7722
capitalistas de I, II e B.
Sector B (c + v+p)
Tipo de produção .250 mi
B 800 c 400 v 800 m 250 » 2 3 \ = 2000
Objectos de consumo militar.
300/222 J
F o r m a de realização
Comprados pelo Estado por conta do orçamento estatal. Nota: mz = parte da mais-valia destinada à acumulação.
Para o esquema da reprodução simples, pressupõe-se u m a
margem de mais-valia de 2 0 0 % e que metade da mais-valia As leis que regem a proporcionalidade entre os três sec-
passa para o Estado como pagamento dos impostos e emprés- tores, p a r a que se efectue a realização, serão:
timos. O esquema inicial será o seguinte:
.lOOOw! 1 a) I (v + m) > II c + B c
I 4000 c 1000 v 2000 m = 7000 b) I ( C + V + 722) > I c + II c + B c
1000 m c) II (c + v + m) < I (v + m) + II (v + m) + B (v + m)
3

. 500 mi Se a acumulação se faz no Sector I com u m a composição


II 2000 c 500 v 1000 m = 3500 = 12 250 de 4 : 1, isto é, 400 c e 100 v, no Sector II com u m a compo-
• 500 » 2 3 sição de 2 : 1, ou seja, 100 c e 50 v, e no Sector B com uma
composição também de 2 : 1, ou 200 c e 100 v, no final do
250 mi ] segundo ano teremos um produto global social da seguinte
B 1000 c 250 v 500 m 1750 estrutura:
250/7Î3 J
I 4400 c 1100 v 2200 722 = 7700 1
Nota: m\ = parte da mais-valia destinada ao consumo pessoal dos capitalistas.
/M2 = parte da mais-valia que passa para o Estado como paga- II 1600 c 800 v 1600 722 = 4000 I = 14 200
mento de impostos e empréstimos. B 1000 c 500 v 1000 m = 2500 J

96 97
A
papel de comprador e consumidor, tanto de meios de produção As leis que regem a proporcionalidade que deve existir
como de consumo pessoal, e só é vendedor perante o Estado. entre os diferentes sectores para que se possa verificar a reali-
Dividindo o produto global social pela sua forma natural e zação do produto global social serão as seguintes:
pela sua forma de se realizar, segundo a opinião dos referidos
economistas, podemos apresentar o seguinte q u a d r o : a) I (v + m) = II c + B c
b) I (c + v + m) = I c + II c + B c
Produto social global (c + v + p)
c) I I (c + v + m) = I (v + m) + II (v + m) + B (v + m)
Sector I (c + v + p)
Tipo de produção
Meios de produção destinados ao consumo produtivo. Para a reprodução ampliada, o esquema no final do pri-
F o r m a de realização meiro ano será:
Comprados através do mercado livre pelos capita-
500 mi
listas de I, II e B.
I 4000 c 1000 v 2000 m 11000 m 3 = 7000
Sector II (c + v + p)
Tipos de produção •500 m 2

Objectos de consumo pessoal dos operáriose capitalistas,


F o r m a de realização
II 1500 c 750 v 1500 m .600 mi 750 m 3
3750 12 750
Comprados através do mercado pelos operários e
capitalistas de I, II e B. '150 m 2

Sector B (c + v + p)
Tipo de produção
B 800 c 400 v 800 m .250 mi 250 m \ = 2000 3
Objectos de consumo militar.
F o r m a de realização 300 m 2 \
Comprados pelo Estado p o r c o n t a d o o r ç a m e n t o e s t a t a l . Nota: m = parte da mais-valia destinada à acumulação.
2

Para o esquema da reprodução simples, pressupõe-se u m a


margem de mais-valia de 2 0 0 % e que metade da mais-valia As leis que regem a proporcionalidade entre os três sec-
passa para o Estado como pagamento dos impostos e emprés- tores, p a r a que se efectue a realização, serão:
timos. O esquema inicial será o seguinte:
1000 mi ] a) I (v + m) > II c + B c
I 4000 c 1000 v 2000 m \ = 7000 b) I (c + v + m) > I c + II c + B c
^1000 m j c) II (c + v + m) < I (v + w) + II (v + m) + B (v + m)
3

500 mi 1 Se a acumulação se faz no Sector I com u m a composição


II 2000 c 500 v 1000 m [= 3500 de 4 : 1, isto é, 400 c e 100 v, no Sector II com u m a compo-
= 12 250
500 mi \ sição de 2 : 1, ou seja, 100 c e 50 v, e no Sector B com u m a
composição também de 2 : 1, ou 200 c e 100v, no final do
^ 250m 1 segundo ano teremos um produto global social da seguinte
x

B 1000 c 250 v 500 m [=1750 estrutura:


^ 250m j
3
I 4400 c 1100 v 2200 m = 7700 1
Nota: mi = parte da mais-valia destinada ao consumo pessoal dos capitalistas. 14 200
m = parte da mais-valia que passa para o Estado como paga-
II 1600 c 800 v 1600m = 4000 I
2

mento de impostos e empréstimos. B 1000 c 500 v 1000 m = 2500 J

96 97
b) Segunda opinião. Outro grupo de autores considera que Partindo desta divisão do produto global social, podemos
o facto de a produção bélica n ã o se destinar ao consumo representá-lo pelo seguinte q u a d r o :
pessoal de operários e/ou capitalistas nem se realizar no inter-
câmbio entre os sectores, mas na venda ao Estado não cons- Produto social global (c + v + m)
titui razão suficiente para a separar como um terceiro sector Sector IA (c + v + m)
da produção social. Tipo de produção
A produção bélica distingue-se radicalmente da produção Meios de produção para fazer meios de produção e
correspondente ao Sector I, porque não se consome produti- meios de consumo pessoal.
vamente. Todavia, ainda que se diferencie em alguns aspectos F o r m a de realização
da produção pertencente ao Sector II, assemelha-se a ela n u m Comprados através do mercado livre pelos capita-
aspecto f u n d a m e n t a l — n o tipo de consumo a que se d e s t i n a — , o listas de IA, IB e IIA.
que constitui o principal critério para distinguir um sector de Sector IB (c + v + m)
outro. Por outras palavras, t a n t o os artigos militares como os Tipo de produção
meios de consumo pessoal são consumidos improdutivamente Meios de produção para fazer artigos militares.
e, portanto, no seu consumo desaparecem não apenas o seu F o r m a de realização
valor de uso, como o seu valor. Comprados pelos capitalista de IIB através do mer-
Devido ao que acabamos de expor, os referidos autores cado livre.
entendem que a produção bélica, em tudo o que diz respeito a
Sector IIA ((c + v + m)
armas, munições, uniformes e outros artigos de consumo mili-
Tipo de produção
tar,' se deve incluir no Sector II e, para evitar com isso u m a defor-
Objectos de consumo pessoal dos operários e capita-
mação da verdadeira grandeza do consumo da população,
listas.
deve figurar como um subsector de II devidamente delimitado
nos esquemas da reprodução. F o r m a de realização
Comprados pelos operários e capitalistas de IA,
Estes autores analisam t a m b é m um certo tipo de produ-
IB, IIA e IIB através do mercado livre.
ção que, sem ser directamente militar, o é indirectamente,
como, p o r exemplo, a produção de meios de produção para Sector IIB (c + v + m)
fabricar artigos militares — a ç o s especiais, combustível para Tipo de produção
foguetões, acessórios das diversas máquinas bélicas, e t c , etc. —, Meios de consumo militar.
incluindo esta produção no Sector I, como um seu subsector. F o r m a de realização
Vejamos, partindo desse critério, o esquema da reprodução Comprados pelo Estado p o r conta do orçamento
simples: estatal. O comprador directo p o d e ser o pró-
prio Estado ou os quadros e pessoal militar
IA 3750 c 750 v 750 m 1 _ remunerados pelo Estado.
/ U U U
IB 1250 c 250 v 250/n J ~"
Para a realização do produto global social, no caso da
I I A 1500 c 750 v 7 5 0 » ! 1 _ reprodução simples, parte-se do princípio de que os operá-
IIB 500 c 100 v 100 m j rios e capitalistas dos dois sectores, incluindo os subsectores
correspondentes, pagam impostos ao Estado e lhe concedem
Nota: IA E IIA = produção civil. IB e UB = produção bélica. empréstimos n u m valor igual a 700.

98 99
As leis que devem reger a proporcionalidade entre os sec-
As leis que regem a proporcionalidade entre os BOOtorei
tores, para que essa realização possa ocorrer, são as seguintes:
para que a realização possa ocorrer serão as seguintes:
a) I A (v + m) + IB (v + m) = I I A c + IIB c
b) I A (c + v + m) + IB (c + v + m) = I A c + IB c + a) O volume dos meios de produção em que se materia-
+ I I A c + IIB c liza o valor do capital variável com a mais-valia de
c) IIA (c + v + m) = I A (v + m) + IB (v -f- m) + IA e IB e são vendidos a IIA e IIB deve exceder o volume
+ IIA (v + m) + IIB (v + m) — I I B (c + v + m) dos meios de produção consumidos nesses dois subsec-
tores, de contrário a reprodução ampliada não se verifi-
Esta última significa que o valor do total de meios de con- cará. Assim:
sumo pessoal dos operários e capitalistas deve ser igual ao total
das suas receitas menos o que pagam em impostos ou empres- I A (v + m) + IB (v + m) > IIA c + IIB c
tam ao Estado, proveniente dessas receitas. O que o Estado
recebe sob a forma de impostos ou empréstimos p a r a se inte-
grar no seu orçamento deve ser igual ao valor total do produto b) O total dos meios de produção produzidos deve ser
de IIB, isto é, do total dos artigos militares realizados p o r superior ao total dos meios de produção consumidos.
conta desse orçamento.
O esquema da reprodução ampliada no final do primeiro I A (c + v + m) + IB (c + v + m) > I A c + IB c +
a n o será o seguinte: + IIA c + IIB c
.500 mi + m 3

IA 4000 c 1000 v 1000 m c) O total dos meios de consumo produzidos deve ser infe-
"500 m z
rior ao das receitas de todos os sectores, depois de
= 8800 se deduzirem destas os impostos e empréstimos ao
_100wi + m 3
Estado, de contrário n ã o restaria mais-valia para
IB 2000 c 400 v 400 m acumular.
"300 m 2

= 12 500 I I A (c + v + m) < I A (v + m) + IB (v + m) +
„600 mi + m 3
+ IIA (v + m) + IIB (v + m) — IIB (c + v + m)
IIA 1500 c 750 v 750 m '
v
150 m 2
Da representação algébrica desta terceira lei não se tira
3700 uma deformação da verdadeira grandeza do consumo da popu-
. 40 m\ + m
IIB 500 c 100 v 100 m '
3
lação, mas evidencia-se com clareza como desse consumo
reduz-se o que se destina aos gastos militares.
60 m 2

Nota: m\ Além disso, também se t o r n a possível demonstrar, através


parte da mais-valia destinada ao consumo pessoal dos capi-
talistas. de u m a equação, como aquilo que se investe no incremento
»i2 = parte da mais-valia destinada à acumulação como capital. da produção bélica se contrapõe e significa u m a diminuição
nt3 = parte da mais-valia dedicada ao pagamento de impostos e do que se poderia investir no incremento da produção civil
concessão de empréstimos ao Estado. de que saem os artigos destinados a satisfazer as necessidades
da população.
O que o Estado recebe sob a forma de impostos e emprés-
timos das mãos dos capitalistas e operários dos dois sectores,
IA 7722 + HA 7722 = I ttl + H 771 — (I 77J1 + II 772i) —
no seu conjunto, supõe-se ascender a 700.
— (1 772 3 + II m )
3 — (IB m 2 + IIB m )
2

100
101
BIBLIOGRAFIA F U N D A M E N T A L UTILIZADA
Ou seja, a parte da mais-valia consagrada à ampliação dos
subsectores IA e IIA, isto é, da produção civil, é apenas a que K. MARX, O Capital, volume I I , 3.» secção.
resta depois de subtrair-se ao total da mais-valia criada nos V. I. LENINE, Sobre o Chamado Problema dos Mercados, Obras Comple-
dois sectores (incluindo os quatro subsectores) o que os capi- tas, volume I.
talistas dedicam ao seu consumo pessoal, o que entregam ao V. I. LENINE, Mais Alguma Coisa Sobre o Problema da Teoria da Reali-
Estado p a r a ser empregado, em grande parte, em gastos mili- zação, Obras Completas, volume I V .
tares, e de subtrair, por último, o que os capitalistas dos subsec- V. I. LENINE, Para uma Caracterização do Romanticismo Económico, Obras
tores IB e HB, ou seja, da produção bélica, destinam ao incre- Completas, volume I I .
mento da sua produção. T u d o isto pode exprimir-se mais con- S. L. VIGODSKI, A Reprodução Capitalista nas Actuais Condições, editado
cretamente dizendo que, de toda a mais-valia criada no a n o em Moscovo em 1966 (em russo).
e destinada à acumulação, a parte que se acumula na produ- V. KuDROV e G. SHPILKO, Ritmos e Proporções da Produção Social nos
ção militar contrapõe-se e reduz a que se acumula na p r o - E. U. A., editado em Moscovo em 1965 (em russo).
dução civil: E. VARGAS, Economia e Política do Imperialismo, Editorial Cartago, Bue-
nos Aires, 1959, capítulo I.
G. KRAVCHENKO, artigo na revista soviética Questões de Economia, n.° 2
IA m 2 + IIA «2 = Im2 + I I m% — (IB m2 + IIB m ) 2
de 1966.
J. GROMOV e E. CHETIRKIN, artigo da revista soviética Economia Mundial e
Se, partindo do esquema numérico atrás apresentado, Relações Internacionais, n.° 8 de 1966.
se supuser que, dos 500 m , acumulados em I A , 400 são de
2

capital constante e 100 de variável, dos 300 m acumulados 2

em IB, 250 são de capital constante e 100 de variável, dos


150/JJ2 acumulados em IIA, 100 são de capital constante e
50 de variável e dos 60 m , acumulados em IIB, 50 são de
2

capital constante e 10 de variável, isto é, que a acumulação


se produz sem que a composição orgânica existente varie,
no final do segundo ano teremos um produto global social da
seguinte estrutura:

IA 4400 c + 1100 v + 1100 m \ = 9750


IB 2250 c + 450 v + 450 m J
= 13 720
IIA 1600 c + 800 v + 800 m 1
UB 5 5 0 c + 1 1 0 v + 1 1 0 m J = 3970

E assim sucessivamente.

103
102
Capítulo XII

LUCRO E M A R G E M DE LUCRO

1 — C U S T O DE P R O D U Ç Ã O E L U C R O

C o m o sabemos pelo que estudámos até aqui, o valor de


t o d a a mercadoria decompõe-se em c + v + m. Se da soma
destas componentes suprimirmos o m, que representa a mais-
-valia, ficaremos com um valor, composto por c + v, que
significa a reposição do valor-capital inicialmente investido.
Se, por exemplo, na fabricação de determinado produto,
se investir um capital de $500,00, $20,00 dos quais representam
o desgaste sofrido pelos instrumentos de trabalho utilizados,
$380,00 os materiais consumidos e $100,00 a força de traba-
lho empregada, e supusermos que a quota de mais-valia é
de 1 0 0 % , o valor total do produto elaborado apresentará a
seguinte estrutura: 400,00 c + 100,00 v + 100 00 m = $600,00.
Descontando os $100,00 da mais-valia, fica um valor de $500,00,
que representa um equivalente dos $500,00 adiantados inicial-
mente como capital-dinheiro, investidos na aquisição dos ele-
mentos necessários ao processo de produção — m e i o s de pro-
dução e força de trabalho —, que se limita a repor estes.
É a esta parte do valor do produto que M a r x chama preço
de custo ou custo de produção.
Impõe-se fazer distinção entre o custo de produção para
o capitalista e o custo de produção real. A parte do valor cor-
respondente à mais-valia n ã o significa um custo para o capi-
talista, visto que se trata precisamente do que é criado pelo

105
operário e p o r ele apropriado gratuitamente. O capitalista que cp : c + v -f- nt > c + v. Segundo o nosso exemplo,
paga por u m a determinada quantidade de trabalho m o r t o o valor total do produto criado é de $600,00 e está integrado
contido nos meios de produção e por u m a determinada quan- p o r $400,00 c, que procedem do valor anteriormente criado •
tidade de força de trabalho que, posta em acção, dá origem transferido pelos meios de produção, mais $200,00, que silo
ao trabalho vivo exigido. No entanto, não paga t o d o o tra- o novo valor criado. O custo de produção cp inclui os $400,00
balho vivo que o operário lhe entrega, mas apenas u m a parte, e metade do novo valor que repõe o valor do capital variável
a que cria um valor igual ao da força de trabalho e, portanto, investido, isto é, composto por dois elementos de valor ori-
reproduz o valor do capital variável investido na compra ginal totalmente diferentes: um provém do trabalho morto e
dessa força. Por outras palavras, o capitalista só paga uma parte o outro do trabalho vivo.
d o trabalho total contido n o produto criado — o materiali- Se supusermos que em cada dia de trabalho de 10 horas
zado nos meios de produção consumidos —, nos quais investe se cria um valor equivalente a $5,00 (2,50 v + 2,50 m), os $500,00
u m a parte do seu capital como capital constante, e o requerido de valor-capital investido constituem a materialização de 100 dias
para reproduzir o valor da força de trabalho, em cuja compra de trabalho, 80 dos quais estão contidos nos $400,00 c e 20 nos
investe outra parte do seu capital, como capital variável. M a s $100,00 v. O novo valor criado de $200,00 será o produto de
o custo de produção real do produto é determinado por todo 40 dias de trabalho. Neles, o valor dos meios de produção
o trabalho investido na sua produção, tanto morto como vivo, transfere-se pelo carácter útil concreto do trabalho produtor
e nele está incluído na totalidade do seu valor, abarcando, das mercadorias, é um valor que reaparece no novo produto
p o r conseguinte, n ã o só c + v, como m. O custo de produção mas que se não cria durante os 40 dias de trabalho, fazendo
para o capitalista mede-se pelo investimento de capital reali- parte do valor das mercadorias elaboradas porque já existia
zado e exprime-se n u m a parte do valor total do produto igual anteriormente como parte do capital investido para a sua
a c + v. O custo de produção real mede-se pelo investimento produção.
total de trabalho exigido para a elaboração do p r o d u t o , incluindo Do valor de $200,00 criado no decurso dos 40 dias de tra-
o trabalho m o r t o e o vivo, e exprime-se pelo valor total desse balho, u m a parte, equivalente a $100,00, limita-se a repor
produto, ou seja, c + v + m. os $100,00 investidos em força de trabalho. M a s o valor destes
No capitalismo, o produtor directo (o operário), ao vender $100,00 adiantados como capital variável n ã o intervém para
a sua força de trabalho e passar ao processo de produção, fazer parte do valor do novo produto. No m o m e n t o do seu
converte-se n u m simples elemento do capital produtivo per- desembolso, materializam, sob a forma de dinheiro, o valor
tencente integralmente ao capitalista, o qual, nessas condi- da força de trabalho, mas dentro do processo de produção
ções, surge como o verdadeiro produtor de mercadorias. D a í o dinheiro cede o lugar à força de trabalho viva, criadora de
resultar natural que se considere como custo de produção das valor, que produz um novo valor duas vezes superior, no nosso
mercadorias não só o seu custo real, mas também o que a sua caso, ao investido na sua compra.
produção custa ao capitalista. A diferença existente entre estas duas partes do valor-
O custo de produção para o pequeno produtor mercantil é -capital adiantado (c e v) pode observar-se com clareza ao exa-
o custo real, u m a vez que lhe custa, ao produzir as suas mer- minar-se o efeito diferente produzido por u m a modificação na
cadorias, o trabalho morto materializado nos meios de pro- grandeza de valor do capital variável constante em relação a
dução que compra e o trabalho vivo que ele próprio realiza. uma modificação na grandeza de valor do capital variável.
T o d o o trabalho contido nos produtos que elabora é trabalho Se, no exemplo que utilizámos, o valor de c aumentar de $400,00
que custa ao pequeno produtor e, portanto, neste caso, o custo para $600,00, o custo de produção elevar-se-á de $500,00
de produção e o valor total das mercadorias coincidem. (400,00 c + 100,00 v) até $700,00 (600,00 c + 100,00 v) e o
Se representarmos o custo de produção capitalista p o r cp, valor total da mercadoria também subirá de $600,00
teremos que o valor total das mercadorias será igual a cp + m (400,00 c + 100,00 v + 100,00 m) para $800,00 (600,00 c -f-
e, por conseguinte, esse valor, ou seja, o custo real, será maior + 100,00 v + 100,00 m). C o m o o capital constante se limita

106 107
a transferir o seu valor para o novo produto que se elabora, balho) juntamente com os $100,00 da mais-valia, isto é, um rema-
o valor deste crescerá ou reduzir-se-á ao aumentar ou dimi- nescente de cp. A parte do capital investida em força de tra-
nuir a grandeza do valor c. Se é o valor da própria massa da balho não se distingue, neste m u n d o de aparências, daquela
força de trabalho que aumenta, digamos, de $100,00 para que é investida em meios de produção a não ser pelo facto
$150,00, o custo de produção eleva-se de $500,00 (400,00 c + de se destinar a pagar um elemento de produção fisicamente
+ 100,00 v) p a r a $550,00 (400,00 c + 150,00 v), mas o valor diferente, não se descortinando, no entanto, que desempenha
total das mercadorias continua sendo o mesmo de $600,00 um papel distinto no processo de formação do valor. O valor-
(400,00 c + 150,00 v + 50,00 m). O capital variável não trans- -capital desembolsado sob a forma de dinheiro para a aquisi-
fere o seu próprio valor, sendo este substituído por outro novo ção de meios de produção reaparece no novo produto criado,
que faz parte de u m a grandeza de valor superior de criação fazendo parte do cp, na mesma quantidade com que foi inves-
nova: v + m. O facto do valor da força de trabalho aumentar e, tido. Analogamente, o valor-capital desembolsado como dinheiro
portanto, o capital necessário para a comprar, n ã o implica para pagar os salários também reaparece no novo produto
um aumento no valor por ela criado, mas apenas que esse criado, integrando parcialmente o cp, e na mesma quantidade
valor se distribuirá de maneira diferente entre os elementos com que foi adiantado. O facto de um ter sido transferido e
que o integram, ou seja, entre v e m . o outro reproduzido ou n ã o é perceptível à observação super-
A única coisa comum entre c e v, como componentes do ficial. Nela só se vêem valores existentes acabados — primeiro,
custo de produção, consiste em que ambos fazem parte do sob a forma de dinheiro que se desembolsa; depois, como parte
valor da mercadoria elaborada, que repõem o capital inicial- de u m a massa de mercadorias elaboradas. O elemento criador
mente investido para a sua produção. No entanto, esta reali- do valor não nos salta à vista. A diferença entre capital cons-
dade interna do problema surge exteriormente invertida. tante e capital variável esfuma-se. Os $500,00 que, no nosso
No capitalismo, como estudámos no capítulo VII, o salá- exemplo, constituem o custo de produção, são a parte do valor
rio, que constitui a expressão em dinheiro, isto é, o preço, do novo produto elaborado que repõe o capital adiantado,
da força de trabalho, não surge como tal e sim como o preço a qual existe porque já existia previamente como valor mate-
do trabalho. O capital variável apresenta-se-nos como um valor- rializado nesse capital.
-capital que paga t o d o o trabalho investido na produção. A única diferença que se n o t a é a existente entre capital
No nosso exemplo, adianta-se um valor-capital de $100,00 fixo e capital circulante, que, como vimos no capítulo ante-
para a compra da força de trabalho. Contudo, este valor já rior, contribui para ocultar a verdadeira fonte do valor e a mais-
criado, que figura no desembolso do capital-dinheiro, não inter- -valia. No exemplo utilizado, o desgaste dos meios de trabalho
vém no capital produtivo posto em acção; aqui, é a força de em cada processo de produção equivale a $20,00, que, somados
trabalho viva, criadora de valor, que ocupa o seu lugar e, fun- aos 380,00 investidos em materiais, formam os $400,00 c.
cionando durante 40 dias de trabalho, cria um novo valor Estes $20,00 são, como sabemos, a parte do capital fixo que
de $200,00. Os $100,00 investidos em força de trabalho repro- aparece no produto criado, e os $380,00 em materiais mais
duzem-se em apenas 20 dias de trabalho, porém, o capitalista os $100,00 em salários representam os $480,00 de capital cir-
não a comprou para que só trabalhasse esses 20 dias e sim culante consumido. Se o valor-capital total primitivamente
para que funcionasse durante 40. O salário de $100,00 surge desembolsado em meios de trabalho foi de, supúnhamos,
assim como o preço de 40 dias de trabalho a $2,50 cada. $1200,00, após o primeiro processo de produção este valor
A partir desta aparência, o capital desembolsado de $500,00 continua a existir em mãos do capitalista, embora assumindo
apresenta-se-nos como a soma de $400,00 c investidos em meios simultaneamente duas formas diferentes: $20,00 do seu valor
de produção com $100,00 v em pagamento do preço de um tra- fazem parte do valor das mercadorias produzidas e
balho de 40 dias, ou seja, dos salários correspondentes, e o valor $1200,00— $20,00 = $1180,00 como valor restante ainda
total da mercadoria aparecerá como a soma do custo de pro- incluído nos meios de trabalho que fazem parte do capital
dução de $500,00 (400,00 c + 100,00 v p o r 40 dias de tra- produtivo e que servirão p a r a futuros processos de produção.

108 109
O capital total desembolsado na primeira vez será, portanto, um incremento em relação ao capital realmente consumido,
de $1680,00 = $1200,00 de capital fixo e $480,00 de capital é também u m a relação com o capital total d e s e m b o l s a d o ,
circulante, sendo que este último reaparecerá integralmente No nosso exemplo, antes do processo de produção, dispunli:i-se
no novo p r o d u t o criado e o primeiro apenas n u m a parte sua de um capital total desembolsado de $1680,00 ($1200,00 de
equivalente a $20,00. capital fixo e $480,00 de capital circulante) e, ao seu termino,
O custo de produção de $500,00 será composto apenas tínhamos $1180,00 do valor do capital fixo ainda incluído
pelo capital consumido na realidade na produção da mercadoria e nos meios de trabalho, $20,00 do valor do capital fixo transfe-
n ã o por todo o capital desembolsado. No nosso caso, desembol- rido para o novo p r o d u t o criado, os $480,00 de capital cir-
sam-se $1680,00, mas dos $1200,00 de capital fixo só se con- culante que reaparecem integralmente nesse p r o d u t o mais o incre-
somem realmente $20,00. O capital fixo apenas participa par- m e n t o dos $100,00 de mais-valia, ou seja, $1780,00. Por outras
cialmente no processo de formação do valor e, p o r t a n t o , só palavras, no final possui-se o mesmo capital inicialmente desem-
parcialmente intervém no cp. O capital circulante é que se con- bolsado mais um incremento. E isso deve-se ao facto de a mais-
some integral e realmente no processo de formação do valor. -valia surgir n ã o só do capital realmente consumido, como
Por conseguinte, o capital realmente consumido será de $500,00. t a m b é m de todo o capital desembolsado, porque conquanto
A mais-valia é um remanescente do custo de p r o d u ç ã o e, o capital fixo só participe parcialmente no processo de formação
c o m o este é igual ao capital consumido, m constituirá um incre- do valor e, por conseguinte, contribui apenas em parte para
mento sobre o valor-capital investido para a p r o d u ç ã o das formar o custo de produção, participa totalmente no processo
mercadorias, considerando este no seu conjunto. A mais-valia de trabalho em que se cria a mais-valia e, p o r t a n t o , contribui
surge apenas da parte variável do capital, mas, finalizado o p r o - na totalidade, tal como o capital circulante, para a produção
cesso de produção, apresenta-se como um incremento do total da mais-valia. Para obter os $100,00 de mais-valia, foi neces-
de capital inicialmente investido, ou seja, de c + v. Antes do sário desembolsar $1200,00 em capital fixo e fazer com que
processo, dispunha-se de um capital de u m a d a d a grandeza e, os meios de trabalho nos quais esse valor-capital se mate-
depois dele, possui-se esse mesmo capital mais um incremento. rializa funcionassem no processo de produção, embora só
Já estudámos no capítulo IX que o capital, na forma que transferissem $20,00 desse valor p a r a o novo produto ela-
assume logo após sair do processo de produção, isto é, c o m o borado.
capital-mercadorias, só se manifesta como capital pela sua Encarada assim, como resultado de todo o capital desem-
grandeza relativa dentro do ciclo, p o r ser maior que o valor- bolsado, a mais-valia assume a forma de lucro. O lucro é a p r ó -
-capital adiantado, pois o inclui e um seu incremento, que é pria mais-valia, mas sob u m a forma transformada, mistificada.
a mais-valia. Esta última, assim encarada, n ã o se liga apenas Ao desaparecer a diferença entre capital constante e variável
ao capital variável, mas a todo o capital investido, incluindo na formação do custo de produção, é natural que a mais-valia
o constante. A mais-valia vê-se somente como resultado da surja n ã o como um resultado unicamente de v, mas como
parte variável do capital ao analisar-se o processo de p r o - p r o d u t o de c + V no seu conjunto indiferenciado. O preço da
dução capitalista abstraindo-se as fases da circulação, pois força de trabalho aparece c o m o o preço do trabalho, ou seja,
a divisão em constante e variável só é aplicável ao capital p r o - como salário, e a mais-valia n ã o surge como resultado do capi-
dutivo, forma que o capital assume exclusivamente na fase tal variável, mas de todo o capital, isto é, como lucro. Se repre-
da produção. Desde que a mais-valia seja examinada, n ã o no sentarmos o lucro por /, o valor total da mercadoria será
seu processo de criação, mas c o m o surge na superfície dos fenó- igual a cp + /.
menos, como um resultado de um processo total que inclui Se as mercadorias se vendem pelo seu valor, o lucro que
tanto a produção como a circulação, apresenta-se-nos como se realiza é igual à mais-valia produzida. No entanto, o capi-
o produto de um investimento de capital sem que se faça dis- talista pode vender os seus produtos com lucro mesmo que
tinção entre as suas partes variável e constante. os transaccione por preços abaixo do seu valor, sempre que
Contudo, o significado da mais-valia não é apenas o de o fizer acima do seu custo de produção. No exemplo empre-

110
gado no presente capítulo, o capitalista receberá lucros mesmo que se percorrerão 4 ciclos no ano, em cada um dos quail
que venda o produto elaborado por menos que os $600,00 se elabora um produto c o m um valor total, como já vimos,
que constituem o seu valor total, desde que o faça por mais de $600,00 ($500,00 cp + $100,00 m). Por conseguinte, o valor
dos $500,00 que compõem o seu custo de produção. Assim, de toda a produção anual será de $2400,00, dos quais 12000,00
o limite mínimo do preço de venda, para que o capital inicial (4 x 500,00 cp) corresponderão aos custos de produção e
possa ser conservado, acha-se determinado pelo preço de $400,00 (4 x $100,00 m) à massa da mais-valia criada no decurso
custo ou custo de produção. Em face disso, o capitalista encara ~ j 400,00 m
cp como o valor interno das mercadorias, determinado pelo do ano. A taxa de lucro sera então de = 23,81 %.
preço de compra dos elementos da produção, e considera a mais- 1680,00 C
-valia como um remanescente do preço de venda das merca- A grandeza da taxa de lucro é determinada p o r uma série
dorias sobre o seu valor e não como um remanescente do valor de factores que se p o d e m reduzir aos mais importantes:
das mesmas sobre o seu custo de produção. Afigura-se-lhe que
I Quota de mais-valia. Quanto maior for ela, maior será
a mais-valia não se limita a ser realizada na venda, surgindo
a massa da mais-valia e maior, p o r t a n t o , a taxa da
da própria venda.
mais-valia e maior, portanto, a taxa de lucro. Se
um capital de $1000,00 se dividir em $800,00 c e
$200,00 v e m' = 1 0 0 % , dando uma rotação por ano,
2 —A TAXA DE LUCRO a massa anual da mais-valia será de $200,00 e
r m
= L = 200
A mais-valia produzida, colocada em relação ao capital
C 1000
variável investido, denomina-se, como sabemos, quota (ou taxa)
Se o grau de exploração dobrar de forma a que
de mais-valia e exprime directamente o grau de exploração dos
m' = 200 %, o mesmo capital variável de $200,00 pro-
operários. À mais-valia, colocada em relação com o capital
duzirá n u m ano uma massa de mais-valia de $400,00 e
total desembolsado, que designaremos por C, chama-se taxa
de lucro e representa-se por /'. Assim, /' = • = ——— 1 000
C c + v II Composição orgânica do capital. O seu aumento envolve
e exprime o grau em que um d a d o capital se auto-acrescenta, u m a diminuição da taxa de lucro e vice-versa, supondo
valoriza. que os restantes factores não contrariam esse efeito.
A taxa de lucro é sempre menor que a quota de mais-valia, Se um capital de $1000,00 tem u m a composição orgâ-
porquanto exprime a relação de uma mesma grandeza (a mais- nica de 4 : 1 , de forma que se decomponha em
-valia) com o todo e não com uma parte deste. E n q u a n t o $800,00 c e $200,00 v, e a quota de mais-valia é de
a segunda relaciona a mais-valia apenas com uma parte do capi-
2 0 0 , 0 0 m
tal adiantado, ou seja, com v, a primeira relaciona-a com todo 1 0 0 % , a taxa de lucro será =20%. Mas
o capital desembolsado, isto é, com c + v. No nosso exemplo 1000,00 C
100,00 m , ,
n n B „ 100,00 m se a composição orgânica se eleva e passa a ser, supú-
m' = - = 100 %, ao passo que /' = : = 5,95 %. nhamos, de 9 : 1 , o capital de $1000,00 decompõe-se
100,00 v 1680,00 C em $900,00 c e $100,00 v, e se a quota de mais-valia
De um m o d o geral, a massa da mais-valia relacionada com se mantém em 1 0 0 % , a massa de mais-valia será de
o capital total desembolsado para determinar a margem de 1 0 0 m
$100,00 e a taxa de lucro de = 10% .
lucro, ou seja, o grau de rentabilidade de um capital, não é
1000 C
a produzida durante um dado ciclo do capital, mas a criada
III Economias no capital constante. Quanto menor o capital
no decurso de um ano. Se, no exemplo por nós utilizado,
o tempo de rotação do capital for de três meses, isso significa constante com que se conseguir um mesmo resultado e

112 113
maior o produto elaborado com um mesmo capital é que o capitalista desembolsa u m a determinada quantidade
constante, mais elevada será a taxa de lucro. A eco- de dinheiro para comprar os factores de produção necessários,
nomia de capital constante pode efectuar-se através após o que produz e vende o produzido, obtendo de todo este
das seguintes vias principais: processo um lucro, e, aparentemente, as três actividades men-
cionadas são igualmente importantes e decisivas para a obten-
a) Prolongando o dia de trabalho, aumentando a inten- ção do lucro. A primeira verifica-se na esfera da circulação e é
sidade ou/e o número de operários, sobretudo, importante porque quanto mais barato puder comprar os meios
por meio do estabelecimento de vários turnos, o que de produção e quanto mais baixos forem os salários que pagar,
n ã o implica n u m maior investimento de capital fixo menor será o custo de produção e maior, portanto, o lucro.
ou, pelo menos, exige um incremento do capital A importância da segunda, que se desenrola na esfera da pro-
fixo em proporção menor que o aumento que se dução, está em que quanto mais se cuidarem e pouparem
consegue da massa de mais-valia. os meios de produção e quanto menos tempo perderem os ope-
b) Utilizando as sobras de materiais para elaboração rários e maior for a intensidade do seu trabalho, mais elevado
de novos produtos. será o volume do produzido, e menores os seus custos e, por
c) Tentando obter o mais barato possível os meios conseguinte, maior poderá ser o lucro. A terceira actividade,
de produção. que se efectua na circulação, apresenta-se, porventura, como
d) Sacrificando as condições normais de trabalho dos a mais importante e decisiva, apagando-se nela toda a relação
operários e p o u p a n d o em iluminação, ventilação, entre o lucro e o trabalho e reforçando-se a impressão de que
limpeza e segurança dos locais de produção, etc. o lucro brota da circulação, pois depende das condições do
mercado, da oferta e da procura existentes em relação a um
IV Velocidade de rotação do capital. Ao aumentar esta,
d a d o p r o d u t o , da habilidade do capitalista como vendedor, etc.
eleva-se a taxa de lucro e vice-versa. Se um capital
É na circulação que o capitalista parece obter um lucro maior ou
de $1000,00 der u m a rotação por a n o e proporcionar
menor, podendo até n ã o obter lucro nenhum e vender com
u m a mais-valia de $200,00, a taxa de lucro será de
prejuízo. D a í o lucro apresentar-se, à superfície dos fenóme-
200tn „ . , ,
n / w
nos, como oriundo do m o m e n t o da venda, como resultado
= 2 0 % . Mas se o mesmo capital descrever
final de todo um processo que inclui duas fases de circulação e
1000 C
u m a de produção e como produto de todo o capital desem-
duas rotações por ano, a massa anual da mais-valia
bolsado para adquirir os factores da produção e não como
produzida será de $400,00 (2 x $200,00 m) e a taxa
, , 400 m oriundo de u m a parte específica do mesmo.
de lucro = 40%.
1000 C

Como vimos, o lucro e taxa de lucro são as formas externas


em que a mais-valia e quota de mais-valia se manifestam à super-
fície dos fenómenos. São as formas internas que constituem BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL UTILIZADA
o essencial, o invisível, o que se torna necessário pôr, e que
K. MARX, O Capital, volume I I I , primeira secção, e capitulo X I I I da ter-
se põe, a descoberto, somente através da análise e da abstrac- ceira.
ção científica. As primeiras, são as formas transformadas que
ocultam e desfiguram a essência e se oferecem directamente à
observação superficial. Para este tipo de observação, não exis-
tem a mais-valia nem a quota de mais-valia, o capital não se
divide em constante e variável, nem há diferenças fundamentais
entre a produção e a circulação. O que se observa directamente

114 115
Capítulo XIII

O LUCRO MÉDIO

1 — O L U C R O M É D I O E O P R E Ç O DE P R O D U Ç Ã O

Estudámos no capítulo anterior que, devido às diferenças


quanto à composição orgânica e à velocidade de rotação média
existentes entre os capitais investidos nos diversos ramos da
produção, a taxa de lucro varia em cada um destes. Quer dizer:
capitais de grandeza igual produzem massas de lucro de gran-
deza diferente, dependendo do r a m o em que estiverem inves-
tidos.
M a s estudámos também que a mais-valia, na forma exte-
rior em que se manifesta, ou seja, como lucro, parece ser pro-
duto de todo o capital desembolsado e não de u m a parte dele,
apagando-se toda a diferença entre capital variável e capital
constante e, por conseguinte, parece ser natural que os capi-
talistas aspirem a obter para capitais de grandeza igual lucros
iguais.
Esta contradição entre a existência de diferentes taxas de
lucro nos diversos ramos e a aspiração natural dos capitalistas
de obter lucros iguais p a r a capitais de grandeza igual — para
além da aspiração de conseguir o maior lucro possível —,
leva-os a investir os capitais nas esferas de produção em que
a taxa de lucro for mais elevada, quer devido a uma menor
composição orgânica ou a u m a maior velocidade de rotação ou,
ainda, à acção conjunta de ambos os factores.

117
Os capitalistas que investem capitais n u m mesmo r a m o , mas com u m a taxa de lucro aumentada. Este movimento dc-
competem entre si para produzir, com o menor custo de pro- emigração de capitais de uns ramos p a r a outros, procurando
dução possível, e poder vender em melhores condições que o melhor lugar de investimento, acaba por estabelecer unia taxa
os colegas e concorrentes e assim obterem um lucro extraor- média ou geral de lucro p a r a todos os ramos, de modo a que
dinário, como vimos no capítulo V. Esta luta de cada capi- os capitais de igual grandeza produzam a mesma massa de
talista individual p a r a diminuir os seus custos de produção lucro, independentemente da esfera de produção em que esti-
faz com que as diversas empresas que produzem u m a mesma verem investidos.
mercadoria tenham u m a potência técnica e organizativa desi-
gual, trabalhando com diferentes graus de produtividade, Para que se verifique esse nivelamento das diferentes taxas
o que faz c o m que o valor individual das mercadorias elabo- de lucro n u m a taxa de lucro média ou geral é indispensável
radas em cada u m a delas seja diferente. No entanto, sabe- que o capitalismo tenha atingido determinado grau de desen-
mos desde o capítulo I que as mercadorias se vendem por pre- volvimento. Quando o desenvolvimento era muito incipiente e
ços que oscilam n ã o em t o r n o do seu valor individual, mas os obstáculos feudais (a falta de meios de comunicação, a ausên-
do seu valor social, determinado pelo tempo de trabalho social- cia de um mercado único a que concorressem todos os produ-
mente necessário e estabelecido no mercado através do meca- tos mercantis, etc.,) dificultavam a livre transferência dos capi-
nismo da concorrência entre os capitalistas de um d a d o r a m o tais e da força de trabalho de um r a m o para outro e de umas
de produção. regiões para outras, esse nivelamento não era possível. As taxas
de lucro p a r a capitais iguais eram muito desiguais, consoante
Ora, além dessa concorrência entre os capitalistas de um a esfera de produção em que estivessem investidos. Foi neces-
mesmo r a m o , verifica-se a concorrência entre os dos diferentes sário que se criassem as condições para que os capitais e a força
ramos p a r a conseguirem o melhor investimento dos seus capi- de trabalho pudessem transferir-se com facilidade de um r a m o
tais, ou seja, para os investir nas esferas em que a taxa de lucro para outro e de um lugar para outro, o que pressupõe u m a com-
for maior. Isto leva, como se pode supor, a que nos ramos pleta liberdade de comércio, o desenvolvimento do sistema de
de composição orgânica mais baixa e de mais elevada veloci- crédito, a subordinação dos diferentes ramos ao regime de
dade de rotação se dê a concentração da massa fundamental produção burguês, e t c , o que só acontece n u m a fase já avan-
dos capitais, originando, como consequência, um extraordi- çada do desenvolvimento das relações capitalistas de pro-
nário aumento da produção nesses ramos, e que se produza dução.
um momento em que o volume da massa de mercadorias pro-
duzidas nestes ramos exceda amplamente a procura solvente N a s condições do capitalismo monopolista ou do impe-
existente para estas mercadorias. N u m a tal situação, os preços rialismo, cria-se u m a situação em que a existência dos gran-
descem abaixo do valor e a taxa de lucro torna-se menor. des monopólios dificulta, q u a n d o não elimina, o comércio e
Contrariamente, os ramos em que a composição orgânica é a livre transferência dos capitais de um r a m o para outro. Esta
mais elevada e cuja velocidade de rotação é menor, e dos quais situação, modifica sensivelmente o processo de criação de
emigraram os capitais em busca de um lucro maior, verão u m a taxa média de lucro, mas o exame do problema exige
diminuir a sua produção, produzindo-se um desfazamento da o conhecimento de u m a série de elementos que ainda n ã o estu-
oferta das suas mercadorias em relação à procura existen- dámos, muitos dos quais não figuram no âmbito de estudo
te, o que dá origem a u m a subida de preços e à elevação deste livro, devendo a questão ser abordada noutro lugar (*).
da taxa de lucro nesses ramos. C o m o consequência da nova A taxa média, ou geral, de lucro é matematicamente igual a
situação criada, registar-se-á u m a nova emigração de capi- toda a mais-valia produzida na sociedade num dado período de
tais, mas agora em sentido inverso: dos ramos com baixa tempo, digamos um ano, dividida por todo o capital social desem-
composição orgânica e elevada velocidade de rotação, mas
com uma taxa de lucro diminuída, para os ramos com ele-
vada composição orgânica e velocidade de rotação mais lenta, (!) Ver a esse respeito a obra do companheiro EDUARDO DEL LLANO,
O Imperialismo: Capitalismo Monopolista, capítulo VII.

118 119
bolsado nesse tempo. A grandeza da mesma, acha-se determi- dução mercantil pré-capitalista, enquanto não existiram ns < >>n
nada por dois factores principais: dições para formação de u m a taxa média de lucro. Portanto,
a transformação do valor em preço de produção é um proo 110
a) Pela composição orgânica dos diversos ramos e pela histórico objectivo que acompanha a transformação da produ-
velocidade de rotação do capital neles investido, ou seja, ção mercantil pré-capitalista em produção mercantil capi-
pelas diferentes taxas especiais de lucro. Quanto mais talista. Por outro lado, essa transformação n ã o significa que
elevadas forem elas no seu conjunto, maior a taxa média, a lei do valor deixe de vigorar, mas que deixa de fazê-lo direc-
e vice-versa. tamente.
b) Pela distribuição do total do capital social desembol- O preço de produção é a forma transformada que o valor
sado entre os diversos ramos. Se u m a maior parte estiver assume numa economia capitalista ao atingir certo grau no seu
investida nos ramos de baixa composição oigânica, nos desen volvimento.
quais o capital gira com rapidez, isto é, onde a taxa O valor de u m a mercadoria é determinado pelo tempo de
especial de lucro é elevada, a taxa média será maior trabalho socialmente necessário investido na sua produção,
do que se acontecer o contrário. e os seus elementos no capitalismo consistem no capital cons-
tante, capital variável e mais-valia, ou seja, c + v + m. M a s
C o m o já sabemos, a taxa média de lucro determina que já vimos que, à superfície dos fenómenos da sociedade bur-
capitais de grandeza igual obtenham uma massa de lucro igual, guesa, os gastos do trabalho se apresentam como gastos de
independentemente da esfera de produção em que se inves- capital no custo de produção e que a diferença entre c e v
tirem, ou que capitais diferentes obtenham massas de lucro nele desaparece, surgindo a mais-valia como p r o d u t o de todo
proporcionais à grandeza do seu desembolso. Essa massa de o capital desembolsado, isto é, como lucro. No entanto, o lucro
lucro obtida com base na taxa média de lucro tem o nome converte-se em lucro médio, produto da concorrência e do
de lucro médio. livre movimento de capitais entre os ramos, não coincidindo
O lucro médio que se obtém em cada r a m o não depende a sua grandeza, relativa ou absoluta, com a da mais-valia, pas-
directamente da mais-valia nele realmente produzida e com sando, portanto, a ser u m a forma transformada desta, que
esta não coincide quantitativamente, como coincide o lucro. a mistifica e desfigura.
A grandeza do lucro médio é determinada directamente, como Se o custo de produção é a forma transformadora assumida
já referimos, pela taxa média de lucro e pela grandeza do pelos gastos de trabalho pagos pelo capitalista para produção
capital desembolsado. das mercadorias e o lucro médio é a forma transformada adqui-
À soma desse lucro médio, correspondente a um capital rida pela mais-valia ou, o que dá no mesmo, do trabalho
desembolsado n u m dado período de tempo, com o custo de não-remunerado pelo capitalista, significa isto que o preço
produção das mercadorias elaboradas por esse capital nesse de produção real, sendo a soma do custo de produção com
tempo, chama-se preço de produção. O valor das mercadorias o lucro médio, é a soma das formas transformadas que assume
como tal, n ã o se manifesta directamente nos seus preços de t o d o o trabalho, remunerado ou n ã o , investido na produção
mercado, mas através do preço de produção. Os preços de das mercadorias capitalistas, sendo, portanto, a forma trans-
venda, determinados concretamente em cada caso pela corre- formada do seu valor.
lação entre a oferta e a procura do produto n u m dado m o - O preço de produção diferencia-se do valor, como vimos,
mento oscilam não em torno do seu valor, mas do preço de pela sua forma, pois se o valor se apresenta como expressão
produção. Tal facto, todavia, não reduz a lei do valor a u m a dos gastos de trabalho m o r t o e vivo investidos na elaboração
simples abstracção teórica, sem qualquer vigência real na prá- de u m a massa de mercadorias, o preço de produção sendo,
tica. Em primeiro lugar, a troca das mercadorias pelos seus apenas, u m a forma externa de se manifestar, apresenta-se como
valores, ou pelos seus valores aproximados, como vimos no a soma dos gastos de capital efectuados pelo burguês mais
capítulo I, actuou de forma prática em toda a história da p r o - o lucro que obtém em proporção ao total do capital que teve

120 121
de desembolsar. Mas, além disso, também se distingue do
valor pela sua grandeza: será menor que o valor nos ramos
de baixa composição orgânica, ou seja, naqueles onde a taxa
de lucro especial for superior à média, e superior ao valor nos
ramos em que a taxa de lucro especial estiver abaixo da taxa
média ou geral. N ã o obstante, a soma de todos os preços de
produção de todas as mercadorias, de todos os ramos, coin-
cide com a soma dos seus valores. Nos preços de produção
das mercadorias produzidas nos ramos com u m a taxa de lucro
especial inferior à média, conter-se-á demasiada mais-valia e
nos preços de produção das produzidas nos ramos em que
a taxa de lucro especial é superior à geral, encerrar-se-á muito
pouca mais-valia. Contudo, os excessos de um lado são com-
pensados e anulados pelas carências do outro e, no seu con-
j u n t o , a soma dos lucros coincidirá com a soma da mais-valia
e, como é lógico, a soma dos preços de produção com a dos
valores.
Vejamos como se determina a taxa média de lucro e o preço
de produção, assim como a relação destes com a mais-valia,
a taxa especial de lucro e o valor, através de um exemplo numé-
rico convencional no qual, para simplificar, fazemos abstracção
das diferenças nas quotas de mais-valia que possam existir
entre os ramos e as diferenças na velocidade de rotação dos
capitais neles investidos supondo, além disso, que t o d o o capital
participa integralmente da formação do valor do produto
elaborado n u m dado período de tempo. Levaremos em conta
apenas a existência de u m a composição orgânica diferente
nuns ramos que noutros, o que dá origem a taxas de lucro
especiais diferentes, e também levaremos em conta a distri-
buição desigual do capital social entre os diversos ramos.
C o m o vemos, a soma total da mais-valia produzida nos
três ramos, ou seja, em toda a sociedade, equivale à soma total
dos lucros obtidos pelos capitalistas de todos os ramos com
base n u m a taxa média ou geral de lucro, e o valor de t o d o
o produto elaborado nos três ramos equivale à soma dos seus
preços de produção. Por outro lado, podemos ver no quadro
como a distribuição do capital social entre os diversos ramos
influi na grandeza da taxa média de lucro: embora a maior
parte desse capital (50 000 de um total de 80 000) esteja inves-
tida no r a m o com u m a composição orgânica próxima da
média, a taxa média de lucro também se aproxima da taxa
especial de lucro desse r a m o . Mas se os 50 000 estivessem

122 123
investidos no r a m o C (45 000 c + 5000 v) e os 20 000 no j u n t o é explorada por toda a classe capitalista; como a mais-valia
r a m o B (16 000 c + 4000 v), mantendo-se os 10 000 em A criada p o r toda a classe operária é dividida entre todos os capi-
(7000 c + 3000 v), a mais-valia total produzida não seria de talistas de acordo com a grandeza do capital que cada um desem-
15 0 0 0 m , mas de 12 000, que, em relação ao capital social bolsou. Nessa repartição, que se verifica através do movimento
total desembolsado, proporcionaria uma taxa média de lucro das mercadorias e capitais em luta de aguda concorrência de
de 1 5 % , mais baixa e próxima da taxa especial de lucro do uns contra os outros, os diferentes capitalistas tornam-se
r a m o C, em que se encontra investida a maior parte do capital u m a espécie de simples accionistas de u m a vasta Sociedade
da sociedade. Se os 50 000 se investirem em A (35 000 c + Anónima cujos lucros se distribuem em proporção ao capital
+ 15 000 v) e os 10 000 em C (9000 c + 1000 v), mantendo-se investido por cada sócio.
os 20 000 em B (16 000 c + 4000 v), a mais-valia total pro-
duzida será de 20 000 m, que proporcionará u m a taxa espe-
cial de lucro de 25 %, mais elevada e próxima da taxa espe- 2 — L E I T E N D E N C I A L À BAIXA DA T A X A DE L U C R O
cial de lucro do r a m o A, em que se investiu a maior parte
do capital social. a) A lei como tal
A transformação do lucro em lucro médio e do valor em
preço de produção faz com que se perca completamente a liga- Já analisámos em capítulos anteriores como a ânsia de obter
ção entre o trabalho e o valor e entre o trabalho vivo não remu- o maior lucro possível e as condições para a sobrevivência
nerado e a mais-valia. O lucro médio não coincide quantita- impostas pela luta de concorrência levam os capitalistas a inves-
tivamente com a mais-valia e o trabalho vivo n ã o pode apa- tir, como novo capital adicional, uma parte dos seus lucros,
recer como fonte de lucro, inclusivamente porque a redução ou seja, a acumulação. Tratam, de cada vez, fazê-lo da forma
do primeiro p a r a produzir u m a mercadoria n ã o só afecta mais produtiva ao seu alcance, sobretudo através da intro-
a grandeza do lucro, como, p o r vezes, para ser a fonte directa dução de máquinas mais modernas, e t c , para reduzir os seus
do seu aumento, pelo menos para o capitalista individual, custos de produção e obter um lucro extraordinário, no caso
quando tal lhe permite obter um lucro extraordinário. Por de se adiantarem aos concorrentes, ou para permanecer em
outro lado, o aumento ou diminuição da parte do capital condições de concorrência, no caso de se atrasarem em relação
que deve ser investida como constante para aquisição dos a eles. Esta introdução progressiva da técnica nova significa,
meios de produção necessários, isto é, do trabalho m o r t o como já vimos, a substituição cada vez mais intensiva do tra-
exigido, n ã o se verifica no próprio processo de produção do balho vivo pelo trabalho morto, isto é, o afastamento dos ope-
qual esses meios de produção saem como mercadorias. Em rários pelas máquinas, o que se exprime no crescimento cons-
consequência, a diminuição ou aumento do custo de produção, tante da composição orgânica do capital, à medida que se
que um maior ou menor investimento de capital constante desenvolve o regime capitalista de produção: a parte do capital
provoca, n ã o se apresenta como resultado directo de modifi- que é necessário investir como constante torna-se cada vez
cações nos gastos de trabalho, mas das modificações nos gas- maior em relação à parte que se deve investir como variável.
tos de capital. E se a grandeza do lucro médio e a do custo A mesma quantidade de trabalho vivo consome u m a quan-
de produção não aparecem ligadas ao trabalho, é natural que tidade de trabalho m o r t o cada vez maior, o mesmo número
o preço de produção, que não é senão a soma desses elementos, de operários necessita, p a r a funcionar, de u m a quantidade
também n ã o se afigure como a ele estando vinculado.
A união íntima entre essa aparência superficial dos fenó- de meios de produção cada vez mais elevada. A relação —
menos económico-sociais da sociedade burguesa e a essência aumenta constantemente e, portanto, a relação c _|_ y também
dos mesmos foi descoberta e, pela primeira vez, desvendada
por Karl Marx. A sua análise permite-nos ver como, ao for- cresce: se cada $100,00 de capital se dividirem, n u m dado m o -
mar-se u m a taxa média de lucro, a classe operária no seu con- mento, em $60,00 c + $40,00 v e, mais tarde, em $80,00 c +

124 125
variável não nega o seu aumento absoluto, o aumento do tra-
+ $20,00 v, a relação — terá crescido de 3 : 2 p a r a 4 : 1 , mas balho vivo aplicado e, p o r conseguinte, o crescimento abso-
luto da massa de lucro. Se, por exemplo, no momento OSQ
a relação — \ — também terá aumentado de 3 : 5 para 4 : 5.
c + v que a composição orgânica fosse de $60,00 c por cada $40,00 j>,
No entanto, a parte do capital variável diminuirá, isto é, a rela- e o volume do capital total se cifrasse em $1000000,00, a massa
de mais-valia e, portanto, de lucro, seria de $400 000,00. Se ao
ção — : — descerá de 2 : 5 para 1 : 5. aumentar a composição orgânica para $80,00 c por cada $20,00 v,
c + v
D a í se verifica que, mantendo-se constante a margem de e a grandeza do capital continuar sendo de $1 000 000,00, como é
mais-valia e até aumentando o grau de exploração dentro de natural, a massa de lucro ver-se-á reduzida a metade, tal como
certos limites, o aumento na composição orgânica do capital a margem de lucro. M a s se o volume do capital social para esse
período duplicou, e é agora de $2 000 000,00, a massa de
conduz ao facto de a relação g - , ou seja, a taxa de lucro continuará sendo de $400 000,00, mesmo quando a taxa
tiver baixado em 50 %, ou seja, para 20 %. E se tivesse atin-
lucro, se tornar cada vez menor. Se a margem de mais-valia
gido u m a grandeza superior a $2 000 000,00, digamos de
for de 1 0 0 % , no primeiro caso do nosso exemplo, a massa
$2 200 000,00, a massa absoluta do lucro cresceria para
de mais-valia criada será de $40,00 e a taxa de lucro de
$440 000,00, apesar da descida da taxa de lucro. C o m o vemos,
m
-rrrrr^ = 40 % . N o segundo caso, mantendo-se para que a massa absoluta do lucro aumente, o volume total
60,00 c + 40,00 v 2 Q 0 0 m
do capital deve crescer a ritmos mais rápidos que os da dimi-
m ' = 100% , a margem d e lucro será d e - - = nuição da taxa de lucro.
80,00 c+ 20,00 v Até aqui, analisámos a tendência para a baixa da taxa de
= 20 %. E se a margem de mais-valia tivesse aumentado, lucro baseados apenas no aumento constante da composição
digamos, de 100 para 1 5 0 % , e a mais-valia criada, portanto, orgânica que se verifica no capitalismo. No entanto, há vários
para $30,00, a taxa de lucro resultaria menor que no primeiro factores que actuam na realidade prática e que influem na taxa
30,00 m de lucro em sentido contrário, ou seja, fazendo-a subir. Esses
caso: ; = 30 %. factores atenuam a tendência atrás exposta e, em determinado
80,00 c -f- 20,00 A. m o m e n t o , como veremos, convertem-se nos dominantes do
Esta tendência para a baixa da taxa de lucro é a expressão movimento e fazem com que a taxa de lucro passe a ter u m a ten-
do desenvolvimento da produtividade do trabalho, derivada dência para o crescimento absoluto.
da própria natureza da produção capitalista: através do aumento
da produtividade do trabalho os capitalistas obtêm individual- b) Factores que contrariam a lei
mente a mais-valia extraordinária e, no seu conjunto, a mais-
-valia relativa, mas, simultaneamente, ao produzir-se o cresci- O mais importante dos factores que contrariam a baixa
mento da composição orgânica, a taxa de lucro, ou seja, o grau tendencial da taxa de lucro é o aumento do grau de exploração
de rentabilidade do capital investido, tende a diminuir. dos trabalhadores, ou seja, da quota de mais-valia, o que se veri-
A baixa da taxa de lucro não implica na reunião da massa fica através do prolongamento do dia de trabalho, intensificação
absoluta de lucro que os capitalistas recebem. A grandeza da deste, do aumento da sua produtividade, etc. O aumento na
massa de lucro depende, como sabemos, do nível da taxa de composição orgânica, índice do desenvolvimento da produti-
lucro, mas também da grandeza do capital total investido. vidade do trabalho, ao mesmo tempo que condiciona a baixa
A própria causa que se traduz n u m aumento da composição da taxa de lucro, é sintoma de obtenção de mais-valia extraor-
orgânica do capital e da consequente descida da taxa de lucro, dinária e de mais-valia relativa, como vimos pormenoriza-
isto é, o processo crescente de acumulação após a obtenção damente no capítuol V do presente trabalho. Se, no exemplo
do maior lucro possível, faz com que o volume total do capital atrás utilizado, para demonstrar como com a elevação da
social se desenvolva rapidamente. A redução relativa do capital
126 127
composição orgânica do capital a taxa de lucro baixa, se $20,00, mas $10,00, em nada afecta a grandeza total do novo
supusermos que a quota de mais-valia aumenta para o dobro, valor que criam n u m dia de trabalho: continuarão a criar
produzir-se-á o seguinte resultado: no primeiro caso, cada $40,00, que agora se dividirão em $10,00 para eles e em $30,00
$100,00 de capital dividir-se-ão em $60,00 c + 40,00 v e, sendo para o capitalista. Assim, a taxa de lucro, se anteriormente era de
20,00 m o n o / , , 30,00 m
m' = 100 % , a taxa de lucro consistirá em 40,00 m = 20 % , agora sera de
60,00 c + 40,00 v 80,00 c + 20,00 v 80,00 c + 10,00 v
= 4 0 % ; no segundo, a composição orgânica do capital ele- = 33 i/3 % . Esta redução do salário para metade do valor
var-se-á e cada $100,00 desembolsados dividir-se-ão em da força de trabalho, redundará não só n u m aumento da
$80,00 c + $20,00 v e se a quota de mais-valia continuar sendo composição orgânica de 8 : 2 para 8 : 1 , mas também n u m
aumento da quota de mais-valia de 100% para 3 0 0 % e, por
de 100% , a taxa de lucro baixará para 20,00 m . conseguinte, a taxa de lucro experimentará u m a elevação.
80,00 c + 20,00 v Outro factor que, embora n ã o tenda a elevar a margem
= 20 % . M a s se m' se duplicar, por qualquer das vias conhe- de lucro, tende para a conservar e que é, portanto, um factor
cidas e a quota de mais-valia continuar sendo de 1 0 0 % , a taxa que se opõe à sua descida, é o barateamento dos elementos
40,00 m Z , . materiais do capital constante, à medida que a produtividade
t n J
do trabalho aumenta. Devido a esse barateamento, a compo-
= 40 %, e se m aumentar para mais ao
sição técnica do capital desenvolve-se mais rapidamente que
80,00 c + 20,00 v
a sua composição de valor, o que atenua os ritmos de cresci-
dobro, a margem de lucro subirá em vez de descer, apesar do
mento da composição orgânica e, em consequência, da baixa
aumento na composição orgânica do capital.
da taxa de lucro.
Outro factor, que se afasta da premissa suposta sobre a qual
Marx desenvolve toda a sua análise em O Capital, mantida O comércio externo é outro factor que contribui para con-
por nós no presente trabalho, é a premissa de Marx de que todas trariar a tendência à baixa da taxa de lucro, quando, por seu
as mercadorias, incluindo a força de trabalho, se vendem intermédio, se torna possível obter meios de produção e de
pelo seu valor. No entanto, há um factor presente na realidade subsistência mais baratos, permitindo que se consiga um mesmo
prática do regime burguês, contrariando a tendência à baixa resultado com menores desembolsos de capital constante e de
da taxa de lucro, que é o pagamento do salário abaixo do valor
capital variável, o que tende a manter estática a relação — — — • ,
da força de trabalho. Esse pagamento pressupõe a existência
c + v
de u m a superpopulação relativa, ou seja, de u m a massa de
isto é, a taxa de lucro. Por outro lado, no caso dos países mais
desempregados que pressionam o mercado da força de tra-
desenvolvidos, podem eles vender as suas mercadorias no
balho provocando um excesso da oferta dessa mercadoria sobre
a procura, o que obriga os seus possuidores — os operários — exterior por um valor superior ao valor nacional individual com
a vendê-la abaixo do seu valor. Se, por exemplo, supusermos que são produzidas, o que aumenta a taxa especial de lucro
uma composição orgânica de tal ordem que cada $100,00 dos capitais investidos no comércio externo e, portanto, eleva
de capital se dividem em $80,00 c + $20,00 v, com m' igual a taxa média de lucro do país em causa.
a 100% , a margem de lucro cifrar-se-á, como vimos, em 2 0 % . O aumento na composição orgânica implica um cresci-
Mas se se pagar aos operários, cuja força de trabalho vale mento do capital fixo, ou seja, da parte do capital cuja rotação
$20,00, digamos, $10,00, isto é, a metade do que na realidade é mais lenta, o que, consequentemente, tende a tornar mais lenta
lhes corresponde, o facto não alterará o total do novo valor a velocidade média de rotação do conjunto do capital e con-
que criam. Se o número dos operários for, supúnhamos, de 10, tribui, como sabemos, p a r a que a taxa de lucro se torne menor.
e criarem n u m dia de trabalho um novo valor de $40,00, dos
Mas, por outro lado, o aumento do capital fixo faz com que
quais $20,00 reproduzem o valor da sua força de trabalho e
o fundo de amortização se alargue extraordinariamente e possa
$20,00 representam a mais-valia, o facto de se lhes pagar não
128 129
ser utilizado na ampliação da produção, na introdução de mais-valia e da taxa de lucro na indústria transformadora
técnicas novas, etc. Além disso, o desenvolvimento dos transpor- dos E. U. A., de 1889 e 1959 (i).
tes e dos demais meios de comunicação, que acompanham o
desenvolvimento do capitalismo, abrevia o tempo de circulação.
A utilização de máquinas mais modernas, das novas descober-
tas científicas, etc., permitem encurtar o tempo de produção,
fazendo com que os ciclos do capital se desenrolem com maior
rapidez ou, o que é o mesmo, reduzindo o tempo de rotação.
Quer isto dizer que, conquanto a parte fixa do capital aumente,
o que tende a reduzir a sua velocidade média de rotação, a sua
parte circulante gira com rapidez cada vez maior, o que, por
seu t u r n o , contribui para o aumento da velocidade média de
rotação do capital, facto que, como sabemos, tende a elevar
a taxa de lucro.
Todos os sectores enumerados, já presentes no capitalismo
pré-monopolista, actuam ainda com maior intensidade na época
do capitalismo monopolista ou do imperialismo. Mas, além No quadro que mostramos a seguir, mesmo quando os núme-
disso, surgem e desenvolvem-se nessa fase novos factores que ros em cada caso não coincidam, pode observar-se a dinâmica
contrariam com particular intensidade os efeitos do aumento da composição orgânica, margem de mais-valia e margem de
da composição orgânica em relação à taxa de lucro. Assim, lucro na indústria transformadora dos E. U. A., de 1929 a 1963 ( ). 2

o domínio dos monopólios sobre todos os aspectos fundamen-


tais da economia permite-lhes vender as mercadorias por preços
fixados arbitrariamente acima do seu valor, dando-lhes o pri-
vilégio permanente de obter lucros extraordinários. A expor-
tação de capitais e o seu investimento noutros países, princi-
palmente nos subdesenvolvidos, permite-lhes assenhorear-se de
fontes de matérias-primas baratas e dispor de mercados van-
tajosos para realização dos seus produtos; a taxa de lucro para
esses capitais investidos no estrangeiro é muito maior que
a dos investidos nas metrópoles. A militarização da economia
converte parte do salário dos operários do país em lucros
para os monopólios produtores de material bélico, material
que é comprado pelo Estado a altos preços com recursos que, C o m o vemos, a margem de lucro evidenciou uma tendência
em grande parte, provêm dos impostos cobrados aos traba- ao crescimento absoluto, pelo menos a partir de 1889, e nos
E. U. A., o que leva a supor que tal também se deve ter pro-
lhadores.
A acção conjunta de todos estes factores mencionados, e de
(!) S. J. VIGODSKI, Ensaios Sobre a Teoria do Capitalismo Contempo-
mais alguns outros, faz com que a taxa de lucro, pelo menos nos râneo, págs. 150 e 159. Edição russa de 1961 (em russo).
2
países capitalistas desenvolvidos, não só não diminua, como ( ) S. J. VIGODSKI, Algumas Particularidades da Reprodução nas Con-
dições do Capitalismo Contemporâneo, ensaio publicado numa colectâ-
aumente de forma absoluta. Vejamos o seguinte quadro, que nea intitulada A Reprodução Capitalista nas Condições Actuais, pág. 47,
mostra o crescimento da composição orgânica, da quota de editado em Moscovo em 1966 (em russo).

130 131
duzido nos outros países capitalistas desenvolvidos. Isto, apesar a quota de mais-valia cresceu de 122,2% para 289,3% , ou seja,
da composição orgânica se ter elevado em quase o dobro nesse 1 3 6 , 7 4 % , enquanto a taxa de lucro passou de 2 1 , 8 % para
mesmo período, o que se deve à força com que actuaram os fac- 3 4 , 1 % , apenas 56,42% de crescimento. Se repararmos, no
tores contrários atrás referidos, como, por exemplo, o aumento mesmo quadro, no período de 1929 a 1959, veremos que a quota
na quota de mais-valia, o qual, como podemos igualmente de mais-valia aumentou de 186,2% para 2 8 9 , 3 % , isto é, em
observar nos quadros expostos, se desenvolveu a ritmos 55,37 %, enquanto a taxa de lucro se elevou de 26,8 para
muito mais rápidos que o aumento da composição orgânica. 3 4 , 1 % , ou apenas em 2 7 , 2 4 % . No entanto, se nos detiver-
N ã o dispomos de dados suficientes para determinar se mos a examinar o segundo quadro, elaborado pelo autor do
a taxa de lucro do conjunto da economia mundial capitalista primeiro (ainda que cinco anos mais tarde), um dos defen-
manifesta actualmente idêntica tendência ao crescimento abso- sores da tese agora citada, verificaremos que, de 1929 a 1963,
luto ou se, pelo contrário, continua a cumprir-se a esse nível a quota de mais-valia subiu de 188% para 351 %, aumentando
a lei tendencial à baixa da taxa de lucro. No entanto, se tomar- em 8 6 , 7 0 % , ao passo que a taxa de lucro subiu de 2 3 , 5 %
mos como índice a taxa de lucro com que funcionaram, por p a r a 4 4 , 1 % , aumentando em 8 7 , 6 6 % , ou seja, mais que
exemplo, os capitais dos E. U. A. investidos no estrangeiro, a quota de mais-valia!
incluindo países da Europa, o Canadá, a América Latina, Consideramos que a tese segundo a qual a lei tendencial à
o Médio Oriente, a Africa, e t c , de 1945 a 1948, veremos baixa da taxa de lucro n ã o se manifesta na sua diminuição,
que nesse período também nela se observou u m a tendência mas no seu crescimento mais lento em comparação ao da quota
à alta. de mais-valia, constitui u m a interpretação forçada que procura
ajustar de qualquer maneira esta lei, o que demonstra a rea-
TAXA DE LUCRO DOS MONOPÓLIOS DOS E. U. A. NO EXTERIOR lidade prática do desenvolvimento capitalista^ (pelo menos
(em %)(1) nos países economicamente desenvolvidos). É um esforço
dogmático semelhante ao dos teólogos que tentam adaptar
Ano Taxa de lucro os dogmas bíblicos para que a sua contradição com o desen-
volvimento da ciência n ã o se evidencie. N ã o acredito que
1945 9,2
quem ler o que Marx expõe a esse respeito possa ter a mínima
1946
dúvida de que o autor de O Capital, quando faz alusão à lei
12,1
tendencial à baixa da taxa de lucro, tem em vista a resultante
1947 15,2 de um movimento de factores em que predominam os que
1948 17,1 fazem baixar essa margem, o que decerto ocorria na época
àqual ele se refere (!), que compreendia o período imediata-
mente posterior à culminação da revolução industrial inglesa,
Alguns autores alegam que esse crescimento da taxa q u a n d o a revolução industrial entrava no apogeu em França,
de lucro observado na prática não significa que a lei tendencial na Alemanha, nos E. U. A., e t c , ou seja, u m a época em que
à baixa da taxa de lucro não vigore actualmente, porquanto o crescimento da composição orgânica do capital em relação
não se deve entender que essa lei se manifesta na diminuição ao período anterior representou algo de verdadeiramente
absoluta da taxa de lucro, mas no crescimento mais lento desta extraordinário. Se, nas condições do capitalismo monopolista,
em relação ao crescimento da quota de mais-valia, devido ao os factores que anteriormente apenas contrariavam e atenua-
constante aumento da composição orgânica do capital, o que
se pode ver no primeiro dos quadros expostos. De 1889 a 1959, 1
C ) No início do capítulo X I V do volume I I I de O Capital, MARX
refere-se fundamentalmente «aos últimos 30 anos». Se considerarmos que,
segundo Engels, ele preparou os projectos para os volumes II e I I I entre
(!) V. D. KAMAEV, A Exportação de Capitais, pág. 3 6 , editado pelo 1 8 6 3 e 1 8 6 7 , podemos deduzir que tem em vista os 30 anos que decor-
Fundo de Cultura Popular, México, em 1 9 6 2 .
rem a partir da década de 1 8 3 0 .

132 133
vam a tendência fundamental do movimento da taxa de lucro acção: só u m a investigação do problema, que de momento
adquirem mais vigor e surgem outros que se lhes unem, e a acção não se acha ao nosso alcance, demonstraria a verdadeira dinâ-
de todos, em conjunto, modifica de tal modo a coirelação de mica da taxa de lucro na época do imperialismo. O que afir-
forças entre os factores em oposição que a tendência passa mamos é que a acção da lei formulada por M a r x se refere à
a orientar-se no sentido contrário, isso significa que a lei enun- baixa absoluta da taxa de lucro e não ao seu crescimento mais
ciada p o r Marx deixou de actuar ao modificarem-se as condi- lento comparado com o da quota de mais-valia. Se a taxa
ções que determinavam o seu funcionamento e começou a pre- de lucro aumenta, quer isso dizer que a lei deixou de actuar.
dominar a lei tendencial ao crescimento da taxa de lucro. É possível que alguns se alarmem e pensem que negar
É claro que o processo de elevação constante experimentado a acção da lei tendencial à baixa da taxa de lucro equivale a
pela composição orgânica, à medida que o capitalismo se negar a limitação histórica objectiva do regime capitalista
desenvolve, representa um factor que provocará sempre uma de produção e a negar o travão que opõe ao desenvolvimento
tendência para a baixa da taxa de lucro, quer esta diminua das forças produtivas. Em primeiro lugar, se na realidade
de forma absoluta quer não, mas ao deixar de ser o factor a lei deixou de actuar, a afirmação subjectiva e dogmática
dominante, o que determinará a resultante final na luta de de que continua a ter vigência não contribuiiia de m o d o algum
factores contrapostos passará a ser um simples factor que p a r a alterar o curso objectivo dos acontecimentos e, em segundo
contraria e atenua a tendência concreta do movimento, agora lugar, o destino do capitalismo e a sua limitação histórica
determinada pela acção conjunta dos demais factores que não dependem desta lei, ainda que a sua acção seja um indí-
se lhe opõem. E não se trata do facto de ser o aumento da cio evidente disso. Ao atingir um determinado grau de desen-
composição orgânica um factor interno, essencial, inerente à volvimento, o capitalismo converte-se num travão ao ulterior
produção capitalista, enquanto os demais são factores exter- auge das forças produtivas, e as contradições que encerra
nos, a ela não inerentes, pois derivam todos igualmente e igual- manifestam-se de formas muito diversas e através de nume-
mente acompanham o processo de produção burguês. rosos índices (superprodução relativa de mercadorias, crises,
Nós não afirmamos taxativamente que a lei tendencial à guerras, aumento da exploração, crescimento dos grupos para-
baixa da taxa de lucro n ã o actua na actualidade, pois, como já sitários de rendeiros, crescimento da esfera improdutiva, e t c ,
indicámos, ela poderia perfeitamente manifestar a sua acção, e t c ) , entre os quais a baixa da taxa de lucro era, ou é, mais um.
nas condições contemporâneas de divisão internacional capi- M a r x nunca deduziu a substituição do capitalismo pelo socia-
talista do trabalho, de exportação e de transferência de capitais lismo da acção da lei tendencial à baixa da taxa de lucro, a qual,
de uns países para outros, tomando-se como referência o con- chegado o momento, pudesse exterminar o estímulo do capi-
junto da economia capitalista mundial. O facto de que, nos talista para produzir. Pensar assim significaria cair n u m deter-
países subdesenvolvidos, a taxa de lucro seja superior à exis- minismo mecânico totalmente alheio ao marxismo. O desen-
1
tente nos países desenvolvidos C ) pode ser um indício da sua volvimento do capitalismo apenas cria as condições materiais
para a passagem ao socialismo, mas só a acção das massas
(!) Segundo a fonte citada na nota n.° 1 da pág. 132, a margem de lucro trabalhadoras e exploradas realiza efectivamente a destruição
dos monopólios dos E. U. A., dentro e fora da metrópole, foi a seguinte: do regime burguês, substituindo-o por um novo. Nenhum
sistema económico desaparece por si só, por morte natural
Ano Nos E. U. A. No estrangeiro produzida exclusivamente pela agudização das suas condi-
ções objectivas.
1945 7,7% 9,2%
1946 9,1% 12,1%
1947 12,0% 15,2%
1948 13,8% 17,1%

134 135
BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL UTILIZADA

K. MARX, O Capital, volume III, secções 2." e 3."


S. J. VIGODSKI, Ensaios Sobre a Teoria do Capitalismo Contemporâneo,
editado em Moscovo, 1961 (em russo).
S. J. VIGODSKI, Algumas Particularidades da Reprodução nas Condições
do Capitalismo Contemporâneo, artigo incluído na colectânea
A Reprodução Capitalista nas Condições Actuais, editado em Mos-
covo, 1966 (em russo).
J. K. VERESHAGUIN: A Lei da Mais-Valia nas Condições do Capitalismo
Actual, editado em Moscovo, 1966 (em russo).
V. I. GROMEKA, A Automatização e o Capitalismo, capítulo II, editado em
Moscovo, 1964 (em russo).
PAUL M. SWEEZY, Teoria do Desenvolvimento Capitalista, Fundo de Cul-
tura Económica, 1958.
ANTÓNIO PESENTI, Lições de Economia Política, capítulos IX e XI, editado Capítulo XIV
em Havana, 1965.
O CAPITAL COMERCIAL E O LUCRO COMERCIAL

1 — CARACTERÍSTICAS DO CAPITAL COMERCIAL

Até aqui, temos considerado que os próprios capitalistas


industriais que investem os seus capitais na produção de mer-
cadorias com o objectivo de obter lucro eram os encarregados
de vendê-las aos consumidores, sem que existisse qualquer
intermediário entre uns e outros. Supusemos que os capi-
talistas industriais acorriam pessoalmente ao mercado para
comprar os meios de produção e a força de trabalho, ou seja,
para fazer o seu capital percorrer a fase D-M e, depois de
verificado o processo de produção, eles próprios se apresen-
tavam directamente outra vez no mercado para vender aos
consumidores, o produzido, ou seja, para fazer o seu capital
percorrer a fase M'-D'. Na prática, sabemos que as coisas
não se passam assim, sobretudo quando o capitalismo atinge
um certo grau de desenvolvimento, pois os capitalistas indus-
triais vendem a um determinado grupo de capitalistas que
se dedicam exclusivamente à compra e venda de mercadorias,
capitalistas que investem os seus capitais exclusivamente na
esfera da circulação. São eles que mais tarde vendem directa-
mente aos consumidores. Por outras palavras: entre os consu-
midores e os produtores interpõem-se certos intermediários
que são os comerciantes.
No capítulo IX, estudámos que todo o capital, no decurso
do seu ciclo, assume três formas diferentes e que o faz simulta-

136 137
neamente, ou seja, enquanto u m a parte se acha sob a forma A maneira como este paradoxo se produz será mais adiante
de dinheiro, outra encontra-se na produção sob a forma de objecto de análise.
capital produtivo e outra já assumiu a forma de mercadorias
Q u a n d o o capitalista comercial realiza a fase D-M do seu
oferecidas para venda. Daí se deduz que uma parte do capital
capital, o capitalista industrial, ao qual compra, está a realizar
total da sociedade, integrado pela soma dos capitais indivi-
a fase M'-D' do seu, colocando-se assim em condições de poder
duais, permanece sempre no mercado, na circulação, sob
reiniciar um novo ciclo de produção, isto é, pode voltar a
a forma de mercadorias que se oferecem para serem conver-
comprar meios de produção e força de trabalho. Para o capi-
tidas em dinheiro e outra parte encontra-se sob a forma de
talista industrial, o seu capital já passou de mercantil a dinheiro,
dinheiro disposto a converter-se em mercadorias. Quando
mas em relação ao próprio capital mercantil, tal ainda não ocor-
estas funções do capital, que se verificam na circulação, deixam
reu. Ele continua a figurar no mercado sob a forma de merca-
de ser simples funções complementares (embora indispensáveis)
dorias oferecidas para venda; a única coisa que ocorreu foi
do próprio capital industrial para se converterem em funções
u m a mudança de proprietários, a sua passagem das mãos
específicas de um determinado tipo de capital e são executadas
do industrial para as do comerciante. O capital mercantil con-
por um grupo especial de capitalistas, o capital mercantil
verte-se definitiva e realmente em dinheiro quando é vendido
converte-se em capital comercial.
pelo comerciante ao consumidor, quando se realiza a fase M-D'
Na prática, como vimos noutro lugar, produz-se u m a série do capital comercial. Desse m o d o , a metamorfose M'-D' do
de gastos na circulação que não passam de u m a continuação capital desdobra-se em duas metamorfoses, que significam
do processo de produção, como, por exemplo, os gastos com duas vendas e duas compras sucessivas do mesmo capital
o armazenamento, o transporte, e t c , das mercadorias. Por mercantil: primeiro, atravessa a fase M'-D' do ciclo do capital
outro lado, nem todo o capital mercantil da sociedade se con- industrial, que é, simultaneamente, a fase D-M do capital
verte em capital comercial, pois u m a parte é vendida direc- comercial, e, depois, repete essa fase M'-D', porém, agora, como
tamente pelos capitalistas industriais aos consumidores. Des- pertencente ao ciclo do capital comercial. Para o capital mer-
prezamos aqui os dois momentos que só complicariam a com- cantil em si, a sua metamorfose só se verifica realmente na
preensão da essência e o papel do capital e do lucro comercial segunda ocasião; na primeira, como vimos, apenas m u d a de
e vamos supor que o capitalista comercial investe apenas o seu proprietário, conservando sem alteração a sua forma material
dinheiro nas operações relacionadas com a compra e venda de mercadorias.
das mercadorias e que todos os capitalistas industriais vendem
integralmente a sua produção aos comerciantes. O capital mercantil, nas mãos do comerciante, adquire o carác-
O capital comercial percorre o ciclo D-M-D' sem passar ter de um capital com funções independentes (ao contrário do
pela fase da produção, sofre duas metamorfoses formais e, capital mercantil nas mãos do industrial, como modalidade de
não obstante, no final, regressa como capital incrementado. existência do capital industrial), em virtude do seguinte: em pri-
O capitalista industrial, na fase D-M, compra determinadas meiro lugar, quem afinal vende ao consumidor não é o produ-
mercadorias e, mais tarde, na fase M'-D', vende de novo mer- tor, mas um agente diferente, cuja função, dentro da divisão
cadorias, mas diferentes das que comprou. Compra, por exem- social de funções que existe entre os capitalistas, é apenas
plo, peles, rendas, e t c , e força de trabalho, ou seja, os factores essa — converter o capital-mercadorias em dinheiro. Mas isto
da produção, e depois vende sapatos de um valor superior que não é suficiente, pois tal acontece também q u a n d o os vendedo-
inclui a mais-valia, criada no processo de produção pelo qual res não são os capitalistas industriais e sim empregados a soldo
o seu capital passou. O capitalista comercial compra, na destes, caso no qual o capital mercantil não se converta em
fase D-M, as mesmas mercadorias que depois vende na capital comercial. Em segundo lugar, deve-se a que esse agente
fase M'-D', sem que o seu capital jamais assuma a forma vendedor não é um empregado a soldo do capitalista indus-
de capital produtivo, e, apesar disso, no final, o capital desem- trial, mas um capitalista que desembolsa o seu próprio dinheiro,
bolsado, regressa às suas mãos juntamente com um lucro. dinheiro que aumenta, ou seja, que se converte em capital

138 139
precisamente pelo facto de servir de medianeiro na metamor- os dois meses de que carece para que o seu primeiro capital
fose do capital mercantil, facilitando-a. percorra as fases M'-D' e D-M no seu reinvestimento, ini-
A existência do capital comercial abrevia o tempo neces- ciando um novo ciclo. O u , caso contrário, vê-se forçado a inves-
sário a que o capitalista industrial realize a venda das suas tir para cada ciclo, não $10 000,00, mas $5000,00, comprando
mercadorias, isto é, a fase M'-D' do seu capital. Se o capital metade da força de trabalho de antes, com o que a massa
comercial n ã o existisse, teria ele ou que reduzir a grandeza do de lucro obtida n u m d a d o período, se a taxa de lucro perma-
capital que investe para cada ciclo de produção, reservando necer a mesma, reduz-se de metade. Mas se existe um capita-
u m a parte p a r a poder manter a continuidade do processo lista comercial que se encarregue de efectuar a metamorfose
enquanto dura a circulação, c o m o que diminuiriam os lucros desse capital mercantil no mercado e compre ao nosso capi-
obtidos n u m dado tempo, ou seria obrigado a interromper talista industrial o que produziu logo após o final da fase da
a produção durante o tempo que demorasse a realizar as fases produção, adiantando-lhe n u m mês a realização da fase M'-D'
^Ft do seu capital, o tempo de circulação, que anteriormente era
da circulação M'-D' e D-M , com as quais encerra de dois meses, diminui p a r a um, correspondente à realização

um ciclo e inicia outro. A existência do comerciante, que lhe da fase D-M que dá início a cada ciclo. Se o industrial
adianta a conversão do capital-mercadorias em capital-dinheiro ^Mp
e se encarrega de todos os trâmites necessários à metamorfose continua a desembolsar t o d o o capital de 10 000,00 de u m a única
definitiva desse capital mercantil, vendendo-o aos consumi- vez, a interrupção do processo de produção só se prolonga
midores, evita ao capitalista industrial essa perda de tempo e
um mês, e n ã o dois, c o m o anteriormente, q u a n d o o capitalista
permite-lhe investir u m a maior quantidade do seu capital em
comercial não existia. Se o industrial decide manter a conti-
cada ciclo. Vejamos o caso com um exemplo convencional.
nuidade desse processo, deve contar com um capital adicional
Supúnhamos que o tempo de rotação total de um capital é
não de $10 000,00, mas de $5000,00, suficiente para manter
de quatro meses, dois dos quais correspondem ao tempo de
produção e dois ao tempo de circulação e, dentro deste último, a produção durante o mês em que o capital inicial investido,
e já recuperado, necessita para se converter outra vez de capi-
um corresponde ao tempo de compra D-M 1 e outro ao tal-dinheiro em capital produtivo (se $10 000,00 em meios de
p r o d u ç ã o e força de trabalho correspondem a dois meses de
\ ^MpJ
de venda (M'-D'). Se o nosso capitalista industrial [dispõe de prdflução, $5000,00 corresponderão a um mês, para que a pro-
$10 000,00 e os investe totalmente de u m a vez, tem de esperar dução se mantenha ao mesmo nível). Ou, caso n ã o possua esse
quatro meses para que esse capital desembolsado lhe regresse adicional, deverá diminuir a grandeza do capital a investir
às mãos e possa iniciar novo ciclo. Transcorridos os primeiros em cada ciclo, não para metade, como anteriormente, mas
três meses, o seu capital inicial adiantado já percorreu a pri- apenas na terça parte, que lhe bastará como capital de reserva
meira fase da circulação (D-M) e a fase da produção (...P...) para manter a produção a um nível uniforme (se investe
e está assumindo a forma de capital mercantil disposto a con- $6666,00 para dois meses de produção, c o m $3333,00 pode
verter-se de novo em dinheiro. No entanto, tem ainda de espe- produzir durante um mês). Quer isto dizer que a existência
rar mais um mês para que isso se verifique, após o que deve do capitalista comercial permitiu ao nosso capitalista indus-
consagrar mais um mês à realização da compra dos meios de trial diminuir na quarta parte o tempo de rotação do seu capi-
produção e da força de trabalho necessários ao novo processo. tal (de 4 para 3 meses). Assim, dos $10 000,00 que constituem
R e s u m i n d o : o processo de produção é interrompido durante o seu capital total, poderá ter sempre na produção, sob a forma
dois meses. Se o capitalista industrial não quer que isto lhe de capital produtivo, $6666,00, ou seja, dois terços do mesmo,
aconteça, deve dispor de um capital adicional de $10 000,00 reduzindo a parte que devia permanecer sempre na circulação
que lhe permita manter a continuidade da produção durante de $5000,00 (50%) p a r a $3333,00 (33%). Economizaram-se

140 141
$1666,00 na circulação, onde não criavam qualquer mais-valia mesmo r a m o ou de ramos diferentes, isto é, pode ser
e dinheiro que se juntou à produção, onde a cria. utilizado p a r a realizar a fase M'-D' dos mesmos. Assim
Todavia, este capital que cada capitalista industrial eco- como u m a mesma peça monetária pode servir de veí-
nomiza individualmente, graças à existência dos comerciantes, culo p a r a a circulação de diversas mercadorias n u m
parece n ã o se poupar, em última análise, do ponto de vista dado período de tempo e realiza maior quantidade
social, pois u m a parte do capital de toda a sociedade encon- de mercadorias quanto mais rapidamente girar, tam-
tra-se excluído de qualquer maneira da produção, por encon- bém um mesmo capital-dinheiro de um comerciante
trar-se na circulação. Esta parcela, embora não figure como pode servir para realizar diversos capitais mercantis.
capital industrial, nas suas modalidades dinheiro e mercantil, Quanto maior for a velocidade de rotação do capital
encontra-se no capital-dinheiro e no capital-mercadorias do comercial, menor será a parte do capital social que
comerciante, isto é, como capital comercial. Se esse capital cumprirá essa função consagrada às necessidades da
se investisse na produção, aumentá-la-ia e a criação de mais- circulação às expensas da produção. Se, por exemplo,
-valia seria maior; mas, por outro lado, e em contraposição o tempo de rotação de um capital A, que inicia o seu
com isto, também seria maior a parte dos capitais que cada ciclo a 1 de Janeiro, for de três meses, com um tempo
capitalista teria de separar como reserva o que diminuiria de venda de um mês, transcorridos dois meses, isto é,
o volume da parte desses capitais que poderia permanente- em fins de Fevereiro, terá realizado o capital industrial
mente ser mantido sob a forma de capital produtivo, ou seja, como capital mercantil, vendendo-o ao comerciante,
na produção, u m a vez que cada um teria de realizar por sua em cujas mãos permanecerá um mês, findo o qual este
conta a venda das mercadorias aos consumidores. Assim, o o terá vendido aos consumidores, recuperando o capi-
capital-dinheiro nas mãos dos comerciantes não passa da parte tal-dinheiro que o industrial lhe adiantou. Este indus-
do capital social que, se os comerciantes não existissem, estaria trial só disporá de novo de um capital mercantil passa-
nas m ã o s dos industriais mas também excluída da produção, dos dois meses sobre a sua venda anterior, ou seja,
como a indispensável reserva de capital que garante a conti- em fins de Abril ou princípios de Maio. No entanto,
nuidade da produção, enquanto a outra parte do capital social, o capitalista comercial terá de regresso às mãos em
convertida em mercadorias, se realizasse no mercado. fins de Março o capital comercial desembolsado. Por-
tanto, durante o mês de Abril, esse mesmo capital-
O facto de se encontrar nas mãos dos comerciantes e não nas
-dinheiro do comerciante pode ser utilizado para rea-
dos industriais faz com que a parte do capital que se acha per-
lizar a fase M'-D' do capital B de outro industrial do
manentemente na circulação seja menor. Portanto, a existência
mesmo ramo que tenha iniciado o seu ciclo a 1 de Feve-
do capital comercial torna-se vantajosa para o regime de pro-
reiro. Se a velocidade de rotação do capital comer-
dução burguês, influindo indirectamente na criação de mais-
cial for o dobro e o tempo da sua rotação (que é o tempo
-valia e fazendo com que a sua massa, considerada socialmente,
de circulação em que percorre o seu ciclo D-M-D')
seja maior que se não existisse. Isto deve-se principalmente às
for de apenas meio mês, isso significará que o comer-
seguintes razões:
ciante, em meados de Março, terá de regresso o capi-
tal-dinheiro com que realizou a fase M'-D' do capital
d) O capitalista comercial converte-se n u m especialista da
industrial A. Nos restantes 15 dias, poderá realizar
realização, n u m perito no conhecimento do mercado,
a metamorfose M'-D' de um capital C que tenha ini-
e por isso faz com que o tempo de circulação seja mais
ciado o ciclo em meados de Janeiro. Nos primeiros
curto do que se o vendedor fosse o capitalista industrial,
15 dias de Abril fará circular o capital B até aos consu-
para o qual a realização constitui uma função secundária,
midores e poderá ainda, nos últimos 15 dias desse mês,
embora necessária.
fazer circular outro capital similar D, antes que seja
b) Um mesmo capital comercial pode servir para a rota- de novo reclamado pelo capital industrial A, em prin-
ção de vários capitais industriais individuais, de um

142 143
cípios de Maio. Por outras palavras, o mesmo capital- mais adiante, conjugando-se estes factores para BgudlzaJ
-dinheiro do comerciante serviu p a r a realizar o capital as contradições sociais de classes, nacionais e internaclonall,
mercantil de quatro capitalistas industriais individuais, do capitalismo.
garantindo a todos a continuidade da produção. Para
obter idêntico resultado sem a existência desse capital
comercial, seria necessário que cada capitalista indus- 2 —O LUCRO COMERCIAL
trial dispusesse de um capital adicional de reserva da
mesma grandeza que o capital do comerciante, ou seja, No capítulo IX, estudámos que as operações efectuadas
teria de extrair da produção um capital quatro vezes pelo capitalista industrial na esfera da circulação para conse-
superior. guir a realização das suas mercadorias, ou seja, para realizar
a transformação do seu capital da forma mercantil para a de
C o m o vemos, o capital comercial social é menor do que dinheiro, e comprar os elementos necessários à produção,
a parte do capital que todos os capitalistas industriais teriam isto é, para que o seu capital passe da forma dinheiro à pro-
de manter na circulação p a r a realização dos seus capitais mer- dutiva, n ã o criam valor n e m mais-valia, o que se não altera
cantis e p a r a conservar a continuidade da produção, se cada um pelo facto de se converter a execução dessas operações em
fizesse as vendas por sua conta. Desse m o d o , o capital comer- função de um capitalista específico, cuja tarefa consiste exclu-
cial contribui para que a parte do capital social concentrada sivamente em comprar e vender mercadoiias.
na produção seja maior, bem como a massa de mais-valia pro- O capital comercial — se desprezarmos a parte que investe
duzida. Na alínea seguinte, veremos como o capital comercial em armazenamento, transporte, e t c , e tomarmos apenas
participa na repartição dessa mais-valia, apesar de só actuar a que investe na compra e venda das mercadorias no mer-
na esfera da circulação na qual ela não se cria. cado — não cria valor nem mais-valia e serve apenas de veí-
culo que facilita a sua realização.
N ã o obstante as vantagens que a existência do capital social
C o n t u d o , a circulação do capital e as metamorfoses que
representa para o regime capitalista de produção, ao diminuir
nela experimenta são fases tão necessárias ao seu processo de
o tempo de circulação do capital social visto no seu conjunto,
reprodução como a própria fase da produção. Em virtude
contribuindo para a ampliação do mercado interno e externo, disso, o capitalista que opera e investe o seu capital na cir-
ele t a m b é m contribui, ao mesmo tempo, p a r a a agudização culação aspira logicamente a obter o mesmo lucro propor-
das contradições do capitalismo. Primeiro, porque quebra cional que o capitalista que investe o capital em qualquer dos
a ligação directa entre produtores e consumidores e cria u m a pro- ramos da produção possa obter. Se o capital comercial fun-
cura intermédia artificial que n ã o reflecte com exactidão a pro- cionasse com uma taxa de lucro inferior ao capital industrial,
cura real, aumentando desta forma as possibilidades de u m a os capitalistas emigrariam do comércio para a indústria, e,
superprodução de mercadorias que rebente n u m a crise. Segundo, se funcionasse com u m a taxa de lucro superior, a emigração
porque o aparecimento de u m a cadeia de intermediários entre seria no sentido inverso. Daqui se deduz que o capital comer-
o produtor e o consumidor tende a reduzir a velocidade de cial participa no nivelamento da taxa média ou geral de lucro,
rotação do capital comercial, a provocar um aumento nos embora não origine mais-valia e, portanto, a mais-valia de que
gastos puros de circulação, e, portanto, a causar um cresci- se apropria em proporção à sua grandeza, deve ser parte da pro-
mento da parte do capital social que deve funcionar como duzida pelo capital industrial investido na produção.
capital comercial extraído da produção. Terceiro, porque con- O lucro do capitalista comercial apresenta-se como
tribui para aumentar a exploração dos pequenos produtores, um superavit do preço pelo qual vende as mercadorias aos
sobretudo camponeses, que frequentemente se vêem ludibria- consumidores, sobre o preço pelo qual as compra aos indus-
dos pelos comerciantes intermediários bem como a exploração triais. Se, depois de ter comprado as mercadorias e antes de
dos países subdesenvolvidos pelos imperialistas, como veremos as vender, se vê forçado a efectuar certos gastos adicionais

144 145
de circulação, o superavit atrás mencionado deve incluir não só dólares, libras esterlinas, marcos, francos, e t c ) , os quais se
o lucro comercial como esses gastos. Para simplificar a ques- decompõem em 720 c + 180 v, sendo a margem de mais-valia
tão, de momento, supuremos que os gastos n ã o existem, para de 100%. O valor do produto global social (equivalente ao
podermos compreender sem maiores complicações a fonte do seu preço de produção, pois não consideramos um capital
lucro comercial e o mecanismo da sua apropriação pelo comer- industrial individual, mas o capital industrial social) será de
ciante. Esclarecido este p o n t o , veremos como se produz a repo- 720 c + 180 v + 180 m = 1080, e a margem média de lucro
sição do capital investido para suportar os gastos exigidos pela
circulação.
Para o capitalista industrial, a diferença entre o seu preço 900 C
de venda e o seu preço de compra é igual à diferença entre Supúnhamos, porém, que a realização deste produto global
o preço de produção e o custo de produção das suas merca- social não é efectuada pelos próprios capitalistas industriais,
dorias, e, t o m a n d o em consideração que, do p o n t o de vista do mas p o r capitalistas comerciais que desembolsam p a r a esse
capital social, o preço de produção é igual ao valor, essa dife- fim um capital comercial de 100, que, como sabemos, parti-
rença será igual à existente entre o valor e o custo de produção cipa na formação da taxa média de lucro. O capital social total
das mercadorias, diferença que, em última análise, é igual à dife- estará integrado pela soma do capital industrial investido na
rença entre o trabalho total materializado nas mercadorias e produção, com o capital comercial investido na circulação,
a parte remunerada desse trabalho. Entre o m o m e n t o em que sendo, portanto, de 900 + 100 = 1000, e a taxa média de lucro,
o capitalista industrial efectua a compra e aquele em que t o m a n d o em consideração a participação do capital comer-
regressa ao mercado para realizar a venda, verifica-se a fase cial, de 180"? JQQ _ j g o / Daí, a massa de lucro
X
da produção em que se cria precisamente a parte do seu preço
1000 C
de venda que significa um superavit sobre o seu preço de com-
média correspondente aos 900 do capital industrial ser de 162
pra, ou seja, o lucro.
e a que corresponde aos 100 do capital comercial de 18. O preço
No caso do capitalista comercial, as coisas passam-se de de produção para os capitalistas industriais, preço pelo qual
outra forma. As mercadorias que compra não atravessam qual- vendem aos comerciantes, será de 900 cp + 162 / = 1062.
quer processo intermédio que lhes permita absorver mais-valia; Estes últimos, venderão pelo preço de produção real, isto é,
o acto da compra é seguido do acto da venda, sem u m a fase pelo valor, de 1080, com o que obtêm o lucro de 18 /. O preço
intermédia. Daí, o lucro do comerciante só parecer possível de produção do industrial é composto pelo custo de produção
supondo que ele vende as mercadorias que compra com acrés- adicionado ao lucro médio correspondente ao capital industrial,
cimo ao preço de produção, o que, do ponto de vista social, sendo menor que o preço de produção real, o qual é composto
significa vendê-las por um preço acima do seu valor. Mas
pelo custo de produção, mais o lucro médio correspondente ao
essa é apenas a aparência que o problema expõe à observação
capital industrial, mais o lucro médio correspondente ao capital
superficial; geralmente o lucro comercial não se obtém de facto
comercial. Como vemos, o comerciante não vende por um preço
desse m o d o .
acima do valor e sim compra abaixo do valor, e é daí que obtém
Se o industrial vende ao comerciante as mercadorias pelo o lucro.
preço de produção, é indubitável que o segundo só pode obter N ã o há razão para fazer figurar no preço de venda do
lucro vendendo-as de novo por mais do que valem; todavia, comerciante os 100 de capital comercial, uma vez que não se gas-
as coisas não acontecem assim. Como já referimos, o capital t a m e representam a parte do capital social extraída da pro-
comercial, sem que tenha participado na criação da mais-valia dução que permanece constantemente na circulação, em mãos
intervém na sua apropriação e toma, em consequência, parte dos capitalistas comerciais, quer sob a forma de dinheiro, quer
no processo de nivelamento da taxa média de lucro. de mercadorias e graças à qual se mantém a continuidade
Supúnhamos que o capital industrial social investido n u m da produção. Com esses 100, os comerciantes adiantam aos
ano é de 900 (podem ser milhões ou milhares de milhões de industriais a realização das suas mercadorias, para que pos-

146 147
sam continuar a produção, dinheiro que lhes é entregue em troca O capital adicional que o comerciante investe nos gastos
das suas mercadorias; mais tarde, q u a n d o vendem essas mer- puros de circulação também participa, como é lógico, no nive-
cadorias aos consumidores, recuperam os 100 em dinheiro, lamento da taxa média de lucro. Este capital-dinheiro que
que utilizam p a r a adiantar a realização de o u t r a partida de o capitalista comercial desembolsa n ã o se converte em capital
mercadorias industriais, e assim sucessivamente. Um capital produtivo, como o do industrial, nem em mercantil, como
comercial de 100 é suficiente para realizar um produto social a outra parte do capital comercial que se investe na compra
global n u m valor total de 1080, porque, como vimos na alínea das mercadorias ao industrial e que, no nosso exemplo, é de 100.
anterior, um mesmo capital comercial serve p a r a realizar Investe-se este capital na aquisição de mercadorias que se con-
o capital mercantil de vários capitalistas industriais e, quanto somem improdutivamente na circulação, mesmo que esse con-
mais rápida a sua rotação, maior será a quantidade de capi- sumo se revele necessário; é um capital que não transfere nem
tais industriais que serve. No nosso exemplo, o capital comercial cria valor e, n ã o obstante, deve regressar como parte do preço
de 100 deve ter efectuado aproximadamente umas 10,5 rota- pelo qual o comerciante vende as mercadorias. O preço de
ções p a r a realizar toda a produção do ano. venda do capital mercantil do comércio deve, pois, ser composto
No caso do capital comercial, o lucro anual que lhe corres- pelo custo de produção (cp), mais o lucro médio do indus-
ponde é determinado unicamente pela grandeza do seu desem- trial (/), mais os gastos de circulação (G), mais o lucro médio
bolso em um ano e n ã o depende da quantidade de rotações do comerciante (h), ou seja, o preço de venda do comer-
que tenha, como acontece c o m o capital industrial. O facto ciante = cp + / + G + h.
deve-se a que a maior quantidade de rotações que o capital Se os gastos puros de circulação n ã o acrescentam valor
industrial executa se traduz na produção de u m a maior massa nem mais-valia, a fonte da sua reposição deve necessariamente
de mais-valia e, portanto, aumenta a margem de lucro corres- achar-se no valor já criado no processo de produção e,
pondente a cada capital, enquanto que a maior quantidade de não podendo sair da parte desse valor correspondente ao
rotações que o capital comercial efectua não se traduz numa capital constante investido, n e m da parte que corresponde ao
maior mais-valia, visto que este capital n ã o cria mais-valia capital variável, pois ambos se limitam a repor os gastos pro-
mas apenas a realiza. A velocidade de rotação do capital comer- dutivos de capital realizado, têm de sair obrigatoriamente
cial influi é na grandeza da parte do capital social que deve
da mais-valia. Se supusermos que esses gastos são de 50, vol-
permanecer na circulação sacrificada à p r o d u ç ã o : se, no nosso
t a n d o ao exemplo que utilizámos, o capital total investido
exemplo, esse capital girasse ao dobro da velocidade p a r a
realizar o produto global social de 1080, bastariam 50 de pelo comerciante será de 150 e o capital social total de 1050.
capital comercial em vez de 100, podendo investir-se os outros 50 A massa de mais-valia a distribuir como lucro pelos diferentes
na produção. capitalistas ver-se-á reduzida, visto que u m a parte dela, como
já verificámos, deve destinar-se a custear os gastos puros de
Até aqui, abstraímos o investimento adicional de capital circulação e será, p o r t a n t o , de 180 — 50 = 130. P o r conse-
que o comerciante deve efectuar para custear determinados guinte, a margem média de lucro será de -—— = 12,40% .
gastos de circulação, como o pagamento aos operários do 1050 C
comércio, compra de móveis e outros utensílios de escritório O lucro médio correspondente ao capital industrial de 900
para manter a contabilidade dos negócios, gastos de publici-
será de 111,60 e o correspondente ao capital comercial de 150
dade, e t c , ou seja, os gastos puros da circulação (só tomaremos
em consideração estes e não os complementares, porquanto 18,40. O comerciante compra ao industrial pelo preço de p r o -
estes últimos, como sabemos, representam gastos produtivos dução industrial equivalente a:
de capital que transferem e criam valor e cuja reposição não pode, 900 cp + 1 1 1 , 6 0 / = 1011,60
portanto, provocar qualquer incompreensão ou dúvida). Pas-
samos agora a explicar a fonte e o mecanismo de reposição e vende pelo preço de produção real (igual ao valor) equiva-
desses gastos. lente ti *
900 cp + 1 1 1 , 6 0 / + 50 G+ 18,40 h = 1080.
149
148
C o m o vimos, a fonte de lucro comercial está na mais-valia possuem é a meta que os comerciantes visam; quando desem-
criada na esfera da produção, u m a parte da qual é apropriada bolsam o seu dinheiro para comprar mercadorias, n ã o o gas-
pelos comerciantes através dos mecanismos criados pela divi- t a m e sim adiantam-no p a r a o recuperar acrescentado. Os mer-
são social de funções verificada entre os capitalistas e a con- cadores c o m p r a m e vendem para muitos e n ã o o fazem p a r a
corrência que entre eles se desenvolve em consequência da satisfazer directamente as suas necessidades, como acontece
busca do maior lucro possível. com os pequenos produtores cujos produtos circulam segundo
a fórmula M-D-M, mas para obter lucros.
N o s regimes pré-capitalistas, o capital comercial desen-
3 — ANTECEDENTES HISTÓRICOS volve-se n u m a base que lhes é estranha, na qual a produção
DO CAPITAL COMERCIAL E DO LUCRO COMERCIAL não está submetida ao capital, e, não obstante, é então que
essa modalidade do capital se revela predominante e existe
Estudámos o capital comercial como u m a parte do capital com plena independência. Nesses regimes, a circulação não está
social chamado a satisfazer as necessidades do capital indus- ligada organicamente à produção. Esta não é fundamental-
trial na circulação, como a um agente derivado e subordinado a mente destinada à troca; o comércio abarca diferentes pro-
este último. M a s o capital comercial é muito anterior ao apareci- dutores cujo objectivo, ao levarem produtos ao mercado, não é
mento do capitalismo e representa a forma do capital mais o incremento do seu património, das suas riquezas, e sim adqui-
antiga que a História conhece. Sabe-se que a aparição da rir valores de uso de que necessitam em troca de outros de
classe dos mercadores ou comerciantes é um produto da ter- que não carecem. O comerciante ou mercador serve de inter-
ceira grande divisão social do trabalho, divisão que ocorre mediário entre eles, facilita esse intercâmbio e, no meio destas
no período de decomposição da comunidade primitiva e pri- relações mercantis, é o único cujo objectivo, ao comprar e
meiras etapas do regime da escravidão. vender, não é a satisfação directa das suas necessidades e sim
O capital comercial actua na órbita da circulação e a sua obter lucros para aumentar o seu património.
função consiste em servir de veículo intermediário no processo No capitalismo, o capital apodera-se da produção e os capi-
de troca de mercadorias, e, portanto, p a r a que a sua existência talistas produzem apenas com a finalidade de aumentar as suas
fique justificada, basta que se dêem as condições necessárias à riquezas, obter mais-valia, para o que têm de realizar no mer-
produção e circulação simples de mercadorias e dinheiro. cado os seus produtos como mercadorias. A circulação liga-se
Qualquer que seja o regime económico-social vigente dentro organicamente à produção, que se destina integralmente à
de cujos limites a produção mercantil se verifique — quer se troca e, em virtude disso, a compra e venda constituem fases
trate da comunidade primitiva, esclavagista, feudal ou capi- do próprio processo de reprodução. Nessas condições, o capi-
talista —, o carácter das mercadorias é sempre o m e s m o : tal comercial passa a ser simplesmente uma parte do capital
são produtos destinados a satisfazer, n ã o as necessidades dos social, com funções específicas a cumprir, um simples agente
seus produtores, mas de outras pessoas, às quais chegam atra- do capital industrial.
vés da troca. O capital comercial encontra campo de acção A existência e o desenvolvimento do capital comercial nos
a partir do m o m e n t o em que existam mercadorias e dinheiro, regimes pré-capitalistas, até que atinja determinado nível,
quer se a produção mercantil abarca toda a produção social representa u m a pré-condição histórica para o aparecimento e
— caso do capitalismo —, quer se constitui apenas u m a parte o desenvolvimento do regime capitalista de produção. Pri-
da mesma — caso dos regimes pré-capitalistas em que a p r o - meiro, porque concentra grandes quantidades de dinheiro nas
dução é fundamentalmente natural. mãos dos comerciantes, o que constitui condição prévia para
E qualquer que seja o m o d o de produção em que actue, o aparecimento e desenvolvimento da produção capitalista,
o património do comerciante existe sempre sob a forma de u m a vez que, todo o capital industrial entra na cena histó-
uma quantidade de dinheiro que funciona como capital, rica sob a forma de u m a determinada quantidade de dinheiro.
girando segundo a fórmula D-M-D'. O incremento do que Segundo, porque a produção capitalista é produção para

150 151
o comércio, p a r a a venda p o r atacado, e n ã o p a r a u m a venda O comércio interno divide-se em por atacado e a retalho.
atomizada em múltiplas operações c o m os consumidores iso- O primeiro, é o que se verifica entre os comerciantes e indus-
lados. P o r outro lado, o comércio é um factor dissolvente da triais e entre os comerciantes uns com os outros sendo que,
produção natural, porque estimula a sua orientação progres- por vezes, realizou-se, e se realiza, em determinadas institui-
siva p a r a o mercado. ções criadas para tal fim, como as feiras, as bolsas de comér-
N a s condições existentes nos regimes pré-capitalistas não era 2
cio ( ), etc.
possível haver lucro comercial enquanto os produtos se com- N a s condições actuais do capitalismo, essas instituições pas-
pravam e vendiam pelos seus valores. Ou se violava a lei da saram a ocupar um lugar secundário e, em certos casos, desa-
troca de equivalentes na fase D-M do capital comercial, ou na pareceram, realizando-se o comércio por atacado directamente
fase M-D' ou ainda em ambas simultaneamente. Os lucros pelas empresas e pelos agentes do capital comercial.
comerciais de então eram baseados no atraso dos povos pro- O comércio do retalho consiste na venda das mercadorias
dutores, o que permitia que outros povos de comerciantes aos consumidores. Existem nesta actividade grandes arma-
— como os venezianos, os genoveses, os holandeses, e t c , zéns ou magazines, nos quais se vendem u m a imensa variedade
que se dedicavam exclusivamente a servir de intermediários — de mercadorias, de diversos tipos e múltiplas utilizações, e lojas
se apropriassem de grandes lucros, comprando a uns abaixo especializadas, que exprimem a divisão social do trabalho na
do valor e vendendo a outros acima do valor. Por outro lado, esfera do comércio. Encontramos, assim, lojas de alimentos,
p a r a os pequenos produtores camponeses, a troca pelo valor
de artigos eléctricos, de material desportivo, de ferragens,
constituía um factor secundário, d a d o ser o seu interesse adqui-
de peles, de vestuário, etc.
rir determinados valores de uso de que careciam, abrindo
No comércio retalhista dos países capitalistas, utiliza-se
m ã o de outros que lhes sobravam; p a r a o esclavagista e o feudal
muito o sistema de venda de mercadorias a crédito, com o paga-
também o essencial na troca n ã o era o valor, mas a obtenção
mento dos respectivos preços a prestações. O sistema visa
de objectos de luxo e de usufruto pessoal, situação esta que
estimular a procura e facilitar a realização das mercadorias e,
permitia a prosperidade dos comerciantes. Em r e s u m o : naquela
e m b o r a na realidade provoque um aumento momentâneo na
época, o lucro comercial tinha a sua origem no logro e na burla.
procura é ele obtido p o r conta das receitas futuras dos consu-
midores, o que estabelece a base para u m a posterior redução
da procura. Trata-se de u m a das muitas contradições do regime
4 — F O R M A S DO COMÉRCIO CAPITALISTA capitalista de produção. P o r outro lado, as vendas a presta-
ções significam um aumento na exploração dos trabalhadores
d) Comércio interno na sua qualidade de consumidores, pois os preços que têm
de pagar pelas mercadorias adquiridas a crédito são mais
É o que se desenvolve no seio de cada país capitalista e elevados que os das mesmas mercadorias compradas à vista,
funciona nos seus mercados internos, servindo de interme- o que permite aos capitalistas converter em lucros uma parte
diário entre a produção e o consumo nacionais e entre o comér-
cio de importação e o consumo nacional. Através desse comér- facto de um país como a Venezuela —• em que a exportação de petróleo
cio realiza-se, de um m o d o geral, a maior parte do p r o d u t o de 1962 representou 93% das exportações nacionais —, se compararmos
J
social global ( ) . o valor total dessas exportações de petróleo com o valor total do rendi-
mento nacional, ou seja, com a parte do produto social global represen-
tada por v + m; veremos que o constituem apenas 55% do mesmo. Isto
permite-nos deduzir que a realização da maior parte do produto social
Anjy^r?^™ C a l i s t adsadesenvolvidos, mais
Pr0duçã0 gIobal d odet etrês
r r i tquintos
óri0 da pro- global composto por c 4- v + m se leva a cabo através do comércio interno
S it vó rí tS' -? ° ^. ' ,
S n t e
' C O m 0 p o r
« « « P i o , acontece em França
Ä (dados extraídos de O Mundo do Capitalismo, da Academia das Ciências
da U. R. S. S., editado em russo em 1965, págs. 237 e 238).
VOlUme
l
com 80% da produção aglobal,
gaupenor vTtI?f *
S ? ddo? F. C. U. S.). Podemos igualmente i'
na Holanda com 73% etc (elemen os
' e d i í ao dfenómeno
- observar P á g
o - p S a ™no
5 5 5
2
( ) Ver definição das bolsas de comércio na nota de pé-de-página n.° 1
na pág. 54, correspondente ao capítulo IX.

152 153
dos salários; u m a vez que, na realidade, aumentam o trabalho o saldo da balança comercial, como os que se efectuem ou se
adicional à custa do trabalho necessário, fazendo pagar recebam a título de fretes, investimentos de capital, turismo,
aos trabalhadores os meios de vida a [preços "acima do seu remessas de emigrantes, juros de empréstimos, etc. Um país
valor. pode ter u m a balança comercial passiva e uma balança de
pagamentos activa, e vice-versa.
b) Comércio externo A divisão capitalista internacional do trabalho divide
os países n u m pequeno grupo de países industriais desenvol-
O comércio externo é u m a das formas mais importantes das vidos, exploradores, e u m a maioria de países economicamente
relações económicas entre os diversos países e que precedeu atrasados e explorados que se convertem em fornecedores
historicamente todas as demais. de matérias-primas e de alimentos agrícolas e em mercado
Para os países capitalistas desenvolvidos, o comércio externo importador de produtos industriais. C o m o ilustração do facto,
constitui u m a necessidade, pois o mercado interno torna-se-lhes vejamos o seguinte q u a d r o :
insuficiente p a r a a realização dos seus elevados volumes de pro- ESTRUTURA DO COMÉRCIO EXTERNO DOS PAÍSES ATRASADOS
dução. Para os países subdesenvolvidos, também representa E DAS POTÊNCIAS IMPERIALISTAS EM 1959
uma necessidade, mas por u m a razão oposta: pelo seu baixo (expressa em %) (')

nível económico e pela estrutura colonial das suas economias,


o que faz c o m que não possuam muitos ramos importantes
de produção ou os possuam a nível de escasso desenvolvi-
mento, dependem do comércio externo para a satisfação das
suas necessidades em muitos artigos fundamentais. Por outro
lado, a divisão internacional do trabalho origina a exigên-
cia objectiva do intercâmbio de produtos entre os diversos
países.
O comércio externo consta das importações e exportações
de mercadorias, e a correlação entre o valor total das primeiras
com o das segundas n u m dado período manifesta-se na balança
comercial de cada país. A diferença entre umas e outras C o m o se verifica, 8 7 % de todas as exportações dos países
exprime-se n u m saldo da balança comercial: se o valor das subdesenvolvidos conpunha-se de matérias-primas, alimentos e
exportações é superior ao das importações, o saldo chama-se combustíveis e 6 5 % das suas importações de produtos indus-
positivo, se sucede o contrário, tem o nome de negativo. triais acabados.
É necessário distinguir a balança comercial da balança de Esta situação dos países capitalistas atrasados agrava-se
pagamentos de um país: a primeira reflecte apenas a corre- pelo facto das exportações da maior pai te deles basear-se
lação entre o valor das vendas e das compras que um país fundamentalmente em u m , dois ou três produtos, o que os faz
efectua no estrangeiro, enquanto a segunda reflecte a corre- sofrer as consequências das mínimas oscilações de conjuntura
lação entre a soma de pagamentos que um país realiza a outros,
n u m d a d o período de tempo, e a soma dos pagamentos que (i) Extraído de Relações Económicas Internacionais Contemporâneas,
dos demais recebe. A balança de pagamentos inclui n ã o apenas segundo a redacção de N. N. LIUBIMOV, pág. 400, editado em russo, em 1964.

154 155
que ocorram nos mercados desses produtos. A esse respeito para os capitalistas, porque a troca de mercadorias no mer-
observemos os seguintes d a d o s : cado mundial se leva a efeito em bases desiguais.
A base económica da troca desigual reside em que a quan-
PESO ESPECÍFICO DOS PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO NO SEIO tidade de trabalho socialmente necessário investido na produção
DAS EXPORTAÇÕES TOTAIS EM VÁRIOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA
das mercadorias difere de país para país. A produtividade do
(expresso em %) (1) trabalho é muito mais elevada nos países capitalistas desen-
volvidos que nos atrasados e dependentes. N ã o obstante,
a concorrência entre os diversos países produtores de uma
mesma mercadoria conduz ao estabelecimento de um valor
internacional médio, em torno do qual oscilam os seus preços
mundiais. Este valor internacional de cada p r o d u t o que se
apresenta no mercado mundial é superior ao seu valor nacio-
nal nos países economicamente desenvolvidos e inferior nos
subdesenvolvidos, o que permite aos primeiros a obtenção
de um lucro extraordinário e obriga os segundos a vender
por preços abaixo dos seus valores nacionais. Assim, parte
do valor criado nestes, passa para as m ã o s dos capitalistas
daqueles.
Por outro lado, o sistema de formação de preços no mer-
cado mundial capitalista experimentou alterações essenciais ao
atingir a base imperialista, criando-se um profundo divórcio
entre o nível e a dinâmica dos preços mundiais das matérias-
-primas, dos produtos agrícolas, e t c , mercadorias fundamen-
tais da exportação dos países atrasados, e o nível e a dinâ-
mica dos preços mundiais das mercadorias industriais, prin-
cipais produtos de exportação dos países desenvolvidos.
Os monopólios das potências imperialistas, que dominam
os principais ramos da economia mundial capitalista, vendem
as suas mercadorias p o r preços elevados, fixados arbitraria-
No caso da Cuba pré-revolucionária, cerca de 8 0 % das mente, e compram as matérias-primas e produtos agrícolas
exportações eram formadas por um único p r o d u t o — o açú- por preços reduzidos artificialmente, para tal empregando toda
c a r — e dois outros — t a b a c o e minerais-— representavam a espécie de pressões económicas e políticas.
10 a 1 2 % . Os longos anos durante os quais as potências imperialistas
Nessa situação, o comércio externo sob o capitalismo, ocuparam uma posição monopolista em relação ao comércio
e sobretudo na fase do imperialismo, converte-se n u m instru- externo dos países atrasados, como compradores quase únicos
mento de exploração e de domínio dos países débeis pelos das suas matérias-primas e produtos agrícolas e vendedores
países fortes e numa das fontes de lucros mais importantes quase exclusivos das mercadorias industriais (*)> permitiram

(') Só um país imperialista, os E. U. A., monopolizaram nos últimos


anos (1958-64) cerca de 40% das exportações da América Latina e perto
M
elaboradofrTi^H 0
"f° & Crismo, livro de dados estatísticos de 44-45 % das suas importações. As potências imperialistas da Europa e
o Japão monopolizaram a maior parte do restante comércio externo des-
C l e C l a S d a ü R S S e e d i t a d o e m r u s s o
e m 1965? pág 238 " : " ' " ses países (extraído de A Expansão Económica dos E. U. A. na América

156 157
que as primeiras estabelecessem u m a correlação de preços principiaram a subir até atingir, em 1961, um nível muito
desfavorável aos últimos, preços através dos quais se produz mais elevado que o que tinham antes da descida. Esta dinâ-
o intercâmbio dos produtos de exportação dos países subdesen- mica dos preços de exportação, reflectida no quadro anterior,
volvidos pelos produtos de exportação dos países imperialistas. faz com que os países subdesenvolvidos devam exportar uma
Nos períodos de crescimento dos preços mundiais, os das prin- quantidade cada vez maior dos seus produtos p a r a poderem
cipais mercadorias de exportação dos países subdesenvolvidos importar os produtos industriais de que necessitam. Por outras
crescem mais lentamente que os das mercadorias dos países palavras, a mesma quantidade de produtos industriais a impor-
industrializados e, nos períodos em que os preços mundiais tar exige a exportação de u m a quantidade cada vez maior
descem, ocorre o inverso: os primeiros baixam mais rapida- de produtos agrícolas e matérias-primas. Segundo cálculos dos
mente que os segundos. peritos da O. N. U., o poder de compra de uma tonelada de
produtos industriais acabados era, em 1957-58, 2,5 vezes supe-
ÍNDICE DOS PREÇOS DE EXPORTAÇÃO NO MERCADO M U N D I A L CAPITALISTA rior à de 1928, ou seja, havia crescido em 2 5 0 % , enquanto
(1953 = 100) o poder de compra de u m a tonelada de matéria-prima aumen-
tou nesse período apenas 50 % .
A política económica seguida pelos Estados capitalistas
em relação ao comércio externo tem as suas características
peculiares, consoante o período histórico de que se tratar.
Já no capitalismo pré-monopolista adoptavam-se dois tipos
diferentes de política comercial: o proteccionismo, destinado a
defender a economia capitalista nacional da concorrência
estrangeira no mercado interno, principalmente através da
fixação de elevadas tarifas alfandegárias para as mercadorias
importadas, e o livre comércio, política que exprimia os inte-
resses da burguesia dos países capitalistas mais desenvolvi-
dos na fase pré-monopolista, cujo objectivo era penetrar
Como vemos, enquanto os preços de exportação das mer- livremente no comércio externo e dominar os países mais
cadorias que constituem o elemento fundamental e quase único débeis.
de venda ao estrangeiro por parte dos países subdesenvolvidos O aspecto característico da política do comércio externo
desceram quase constantemente a partir de 1951 e até 1961, das potências imperialistas na fase actual reside no protec-
os dos produtos industriais que esses países tiveram de impor- cionismo imperialista, que se diferencia do proteccionismo que
tar só diminuíram ligeiramente até 1955, a partir de quando se praticava na fase pré-monopolista bem como do que hoje
se pratica nos países mais atrasados, que pretendem libertar-se
Latina, de Z. ROMANOVA, págs. 174 e 175. Edição em espanhol feita em do domínio económico dos países capitalistas mais fortes.
Moscovo, em 1966). Nos últimos dez anos da Cuba pré-revolucionária Este último tipo de proteccionismo, como já salientámos,
(1949-58, inclusive), as principais potências imperialistas — E . U. A., acha-se orientado para a defesa dos ramos nacionais de pro-
Inglaterra, R. F. A., França e Japão — absorveram 79% das nossas expor-
tações e monopolizaram 81% das nossas importações, e, entre elas, dução contra a concorrência estrangeira, contribuindo assim
uma, os E. U. A., absorveram 63% das nossas vendas ao estrangeiro e para o seu desenvolvimento. O proteccionismo imperialista
75 % das nossas compras (cálculos efectuados pelo autor com dados extraí- destina-se a manter a posição dos ramos mais desenvolvidos
dos de Dez Anos de Balanças Comerciais, Balanças de Pagamento e Receita
Nacional, elaborado pela Direcção-Geral de Estatística do então Minis- da indústria altamente monopolizada. O seu objectivo consiste
tério da Fazenda em 1960). em criar uma barreira que permita aos monopolios existentes
(i) Extraído de Forty Years of Foreign Trade, L. 1959, pág. 39, e no país estabelecer um alto nível de preços no mercado interno
U. N. Monthly Bulletin of Statistics, 1958-1963. sem o obstáculo que representaria a concorrência dos produtos

158 159
quotas, isto é, limitando a importação de certas mercadorias
estrangeiros nesse mercado. Isto possibilita aos monopólios até atingir um determinado nível n u m dado lapso de tempo.
a obtenção de lucros elevados no interior do país e a venda As quotas de importação podem fixar-se sem especificar a parte
no estrangeiro a preços de dumping (i) sem afectar os seus lucros que corresponde a um ou outro país ou determinando quais
em geral. O proteccionismo converte-se assim de defensivo em devem satisfazer essas quotas e em que proporção.
agressivo, pois visa a conquista de mercados externos, a explo-
As limitações quantitativas também se estabelecem determi-
ração e a sujeição de outros países mais atrasados, cujos mer-
nando-se que, para importação de certas mercadorias, seja
cados invadem com mercadorias baratas, o que impede o desen-
necessário possuir uma licença especial concedida pelo Estado,
volvimento das suas indústrias nacionais.
a qual pode ser individual, se se refere a u m a mercadoria, ou
Na prática, o proteccionismo exerce-se fundamentalmente geral, no caso de várias.
através da fixação de impostos alfandegários para mercadorias As limitações quantitativas são também aplicadas em rela-
estrangeiras, o que eleva o preço pelo qual se terão de vender
ção às exportações.
no mercado interno do país importador, impedindo que com-
Outra forma de realizar a política de comércio externo dos
pitam com as mercadorias nacionais do mesmo tipo. As tarifas
Estados consiste na assinatura de tratados e acordos comerciais,
alfandegárias podem ser simples ou complexas; simples, q u a n d o
processo empregado pelos países economicamente fortes como
há u m a única escala de impostos para todas as mercadorias
meio de saque económico dos países débeis, pois, apesar da
estrangeiras, independentemente do seu país de origem, e com-
igualdade jurídica de que desfrutam os contratantes, na reali-
plexas, q u a n d o existem várias escalas de impostos aplicáveis,
dade garantem enormes vantagens para os países desenvol-
consoante o país de origem. Esta última forma de tarifas alfan-
vidos em relação aos subdesenvolvidos.
degárias permite a discriminação comercial.
Um exemplo deste processo é o chamado Tratado de Reci-
Outra via para exercer o proteccionismo consiste nas limi- procidade, assinado em Setembro de 1934, entre Cuba e os
tações quantitativas, que foram aplicadas pela primeira vez E. U. A., baseado em concessões dadas quase exclusivamente
nos anos da Grande Guerra de 1914-18 e se conservaram ao açúcar e muito reduzidas a outros produtos cubanos, enquanto
depois em alguns países. Durante a crise de 1929-33, a sua uti- as concessões dadas por Cuba aos produtos norte-americanos
lização reforçou-se e, após a Segunda Guerra Mundial, ocupa- eram numerosas, o que aprofundou ainda mais a sujeição do
r a m um lugar estável e sólido na política de comércio externo nosso mercado ao imperialismo ianque.
dos países capitalistas. Em 1960, quase todos os países da
Esse Tratado de 1934, concedeu reduções alfandegárias
Europa Ocidental, Asia e América Latina aplicaram-nas às
a mais de 300 artigos norte-americanos, flutuando a bonifi-
suas importações, em maior ou menor medida.
cação entre 20 e 40 % . F o r a m outorgados a Cuba benefí-
As limitações quantitativas aplicam-se sob a forma de cios reduzidos no rum, frutas e vegetais, figurando entre os mais
importantes os concedidos ao tabaco e, acima de tudo, ao açúcar.
(!) Dumping: método de luta para conquista do mercado externo Outra característica do T r a t a d o em causa foi que, enquanto
característico da época do imperialismo. Os grandes monopólios vendem os benefícios outorgados por Cuba aos artigos ianques se reve-
as mercadorias no mercado mundial abaixo do seu valor e por vezes até lavam firmes e estáveis e não podiam sofrer alterações nem
do seu custo de produção, para arruinar os concorrentes que não podem
vender tão barato e substitui-los. Quando o conseguem e se apoderam limitação através da legislação cubana, os principais benefícios
do mercado, fixam arbitrariamente preços elevados para as suas concedidos ao açúcar e ao tabaco ficaram fora do corpo do Tra-
mercadorias, recuperando amplamente o que deixaram de ganhar antes. tado, como concessões adicionais que se podiam modificar e
Além disso, como vendem no mercado interno por preços acima do valor,
podem nele compensar os lucros que sacrificam enquanto o dumping se eliminar unilateralmente, como aconteceu com os do tabaco, em
mantém. Março de 1936, e depois com os do açúcar, em Setembro de 1939,
N. do T. — Alguns autores marxistas e nomeadamente Paul Beran e sem que qualquer dos produtos norte-americanos fosse afectado.
Paul Sweery afirmam estar o dumping proscrito do arsenal da concor- A maioria dos tratados comerciais efectuam-se com base
rência entre monopólios da mesma forma que os gases venenosos do
arsenal de guerra das nações. no principio de nação mais favorecida, que consiste em con-

160 161
6
cederem reciprocamente os contratantes vantagens e privilé-
gios nas suas relações comerciais em comparação com as con-
dições em que se efectua o seu comércio externo com terceiros
países, comprometendo-se cada um deles a conceder ao outro
qualquer primazia ou privilégio que não se encontre estabe-
lecido no tratado e que tenha oferecido antes ou venha a ofe-
recer no futuro a outros países.
Por iniciativa das potências imperialistas, criou-se o Acordo
Geral sobre Impostos Alfandegários e Comércio (GATT),
em 1947, assinado por 23 países a 30 de Outubro desse ano,
em Genebra, entrando em vigor a 1 de Janeiro de 1948. Em
Janeiro de 1966, o G A T T já contava 67 membros, entre os quais
Cuba, e mais 6 países que assistem às reuniões como «associados Capítulo XV
temporários».
Inicialmente, o G A T T surgiu como um acordo temporário C A P I T A L DE E M P R É S T I M O S E J U R O S
destinado a regular os impostos alfandegários e outros aspectos
das relações comerciais entre os países membros, enquanto
não se criava uma organização internacional de comércio. 1—CAPITAL A JUROS
Como u m a tal organização nunca se criou, o G A T T man-
teve-se praticamente como único organismo internacional de Pelo que estudámos até aqui, sabemos que, no capitalismo,
regulamentação das relações comerciais internacionais (pelo qualquer quantia em dinheiro tem a possibilidade de se con-
menos, até 1964, altura em que se criou no âmbito da O. N. U. verter em capital, quer na esfera da produção, como capital
o Conselho para o Comércio e Desenvolvimento). industrial, quer na da circulação, como capital comercial.
Os objectivos proclamados pelo G A T T são o estabeleci- P o r outras palavras, qualquer quantia em dinheiro contém
mento de acordos bilaterais orientados para a diminuição dos a possibilidade de se converter n u m valor que se incrementa,
impostos alfandegários e a eliminação de toda a discriminação que produz um lucro. P o r esse motivo, o dinheiro, no regime
no comércio internacional. Todavia, como se sabe, o G A T T capitalista, adquire um valor de uso adicional, além do que tem
não resolveu esses problemas, conforme demonstra com cla- em dinheiro, propriamente dito, valor que lhe permite cum-
reza o bloqueio económico a que o nosso país se encontra prir todas as funções inerentes ao de equivalente geral e prestar
submetido — apesar de membro dessa organização — por os seus serviços na circulação das mercadorias — esse valor
pressão internacional de outro dos seus membros — os Esta- de uso adicional do dinheiro é o de produzir lucros.
dos Unidos —, com a cumplicidade de muitos membros. O facto de constituir um meio potencial para produzir
Na prática, o G A T T foi, e é, um instrumento da política expan- lucros, converte, como dissemos, qualquer soma em dinheiro
sionista e discriminatória das potências imperialistas. n u m capital em potência que assume a forma monetária,
capital em potência esse que, por isso, se converte n u m a espécie
de mercadoria, embora com características muito singulares.
BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL UTILIZADA Se a taxa média de lucro existente for de 2 0 % , cada $100,00
A
K. MARX, O Capital, volume III, 4 . secção. investidos como capital produzirão um lucro de $20,00 e,
F. ENGELS, Complemento ao Prólogo do volume III de O Capital. portanto, t o d a a pessoa que dispuser de $100,00 terá a pos-
N. N. LIUBIMOV, Relações Económicas Internacionais Contemporâneas, sibilidade de os incrementar e converter em $120,00. Mas
editado em russo, em 1 9 6 4 . se se der o caso que um possuidor de $100,00, por um motivo
JACINTO TORRAS, artigo na revista El Comunista, n.° 4, de Fevereiro de 1 9 4 0 ,
assinado sob o pseudónimo de JUAN DEL PESO. ou p o r outro, não os puder investir directamente como capital

163
na produção ou no comércio e os ceder a outrem por um ano, O ciclo real do capital aparece fora das operações efec-
para que os empregue como capital, entregará a este último tuadas entre si pelo prestamista e pelo m u t u á r i o : não se veri-
um valor de uso capaz de produzir um lucro de $20,00, sendo fica em D-D nem em D'-D' e, como já vimos, estes actos nem
lógico que espere receber dele, se não todo, pelo menos u m a parte sequer são fases desse ciclo. P a r a o prestamista, o facto de
do lucro em pagamento do usufruto que teve do dinheiro o seu D se converter em D', de os seus $100,00 regressarem
convertido em capital. A propriedade sobre o capital dá ao acompanhados de mais $5,00, apenas se deve a ser o proprie-
seu d o n o o direito de receber u m a parte dos lucros que haja tário do capital; o incremento que obtém aparece desligado
produzido, ainda que na realidade seja ele investido por outrem. dos factores económicos e unicamente ligado a factores jurí-
Essa parte do lucro a b o n a d a pelo capitalista em exercício ao dicos: a sua propriedade sobre o capital. Assim, o ciclo do
dono do capital e que, no nosso exemplo, admitimos ser de capital emprestado a juros reduz-se, em última análise, a D-D'.
$5,00, denomina-se juro. Aparece sem qualquer relação directa com a produção nem
Q u a n d o J o ã o — proprietário do dinheiro — cede os seus com a circulação. A fonte do lucro do prestamista (o juro)
$100,00 a Pedro — o capitalista em exercício —, investe-os apresenta-se ainda mais encoberta que a do lucro do capi-
já como capital: não os despende na compra de artigos para talista comercial, o qual, pelo menos, está directamente ligado
seu consumo pessoal, mas adianta-os na intenção de os recupe- ao processo de reprodução do capital actuando nas fases que
rar incrementados; entrega D, p a r a receber D'. Mas é nas se verificam na esfera da circulação.
mãos de Pedro que o dinheiro se converte realmente em capital Dissemos no início que o capital-dinheiro, como capital
e descreve o ciclo D-M-D', findo o qual regressa às mãos de em potência, se converte n u m a mercadoria peculiar, e assim
João, seu proprietário, também como D'. O movimento total acontece na verdade. Na esfera da circulação, o capital indus-
dos $100,00 exprime-se, nesse caso, pela seguinte fórmula: trial apresenta-se assumindo a forma de capital mercantil e
D-D-M-D'-D' e, utilizando números, assim: 100£>-100Z>- de capital-dinheiro, mas em nenhum dos casos o capital, con-
-100A/-120Z>'-105Z)'. Aqui, o dinheiro investe-se duas vezes siderado como tal, é u m a mercadoria. O capital mercantil,
como capital: uma, mais ou menos formal, por João, d o n o ao actuar na fase M'-D' não funciona como capital, mas sim-
do dinheiro, e outra concretamente por Pedro, o capitalista plesmente como mercadorias: não aumenta, apenas m u d a de
activo, razão pela qual reflui duas vezes como D': uma para forma, é vendido. É capital mercantil e não apenas mercadorias
Pedro, contendo todo o lucro, e outra para João, contendo o juro. pelo facto de ser M', porque contém mais-valia e, ao trocar-se
Às mãos de Pedro regressa um capital que não era seu q u a n d o por dinheiro, realiza uma fase do processo de reprodução
o investiu e, por conseguinte, tão-pouco pode ser seu agora, capitalista, no entanto a sua função é a das simples mercado-
pelo que o deve devolver ao d o n o , entregando-lhe, além disso, rias. O capital-dinheiro em D-M actua apenas como dinheiro,
como pagamento da sua utilização, u m a parte dos lucros que como meio de compra de mercadorias. É capital-dinheiro pelo
lhe produziu. carácter específico das mercadorias que compra e porque,
O primeiro acto D-D não significa qualquer metamorfose com isso, efectua a fase inicial do processo de reprodução
do valor-capital, mas apenas a sua mudança de m ã o s : das do do capital, porém, no acto D-M, o capitalista não entrega
possuidor p a r a as daquele que certamente o empregará em o seu dinheiro como capital aos que lhe vendem as mercado-
funções de capital. Este acto n ã o constitui na verdade u m a fase rias, nem estes o recebem como tal, mas como simples dinheiro;
do ciclo do capital, mas simplesmente a introdução ou pre- à semelhança da fase M'-D', o capitalista n ã o vende o seu
fácio ao mesmo, em que o proprietário do capital e o capi- capital, mas as suas mercadorias e conserva o capital sob
talista em exercício são duas pessoas diferentes. Analogamente, a forma de dinheiro.
o acto D'-D' também não é uma fase do ciclo, mas o seu pos-
Algo de diferente sucede com o capital que se dá a juros.
fácio ou epílogo. D-D e D'-D' são duas transacções jurídicas:
Este entrega-se já como capital. N ã o se dá simplesmente dinheiro
na primeira, o prestamista cede-o ao mutuário, na segunda,
mas capital, cede-se o seu valor e a sua forma material
este devolve-o àquele.
(o dinheiro), com a condição de que regresse incrementado.

164 165
E u m a mercadoria que se «vende» a crédito, pois o seu d o n o na alínea anterior, em que o capital emprestado era de $100,00
entrega-a sem receber nada em troca de momento. No entanto, e o j u r o de $5,00, a taxa de juro cifrava-se em 5 % .
ao contrário do que acontece na venda de qualquer outra A taxa de juro tem a tendência histórica para baixar à medida
mercadoria em que se entrega a propriedade do objecto ven- que o capitalismo se desenvolve, devido ao aumento extraordi-
dido e se retém o seu valor sob a forma de dinheiro ou de nário dos capitais monetários livres oferecidos em empréstimo e
u m a promessa legal de pagamento, neste caso, o d o n o do
à tendência à baixa da taxa de lucro (!)
dinheiro conserva a propriedade sobre o dinheiro e entrega
o seu valor, porque no dinheiro em si está o valor de uso, A taxa média de juro é determinada pela correlação entre
a qualidade de produzir lucros. Como o proprietário do capital a oferta e a procura dos capitais de empréstimo e também pelos
não entrega a sua propriedade e cede o seu valor de uso apenas costumes e tradições legais de um dado país.
temporariamente, no verdadeiro sentido do termo, não é cor- Na prática, o estabelecimento da taxa de juro a cobrar
recto dizer que «vende» o seu capital, e sim que o aluga, que pelos empréstimos é algo de muito complexo, depende de
o empresta a juros. vários factores c o m o : tipo de banco, tipo de empréstimo (com
O j u r o consiste, pois, no «preço» irracional do capital, ou sem garantia), quando com garantia, de que espécie é;
p o r q u a n t o não é a expressão do seu valor, mas de u m a parte condições do mercado do dinheiro, etc. Em Cuba, isto tor-
do lucro que produz. Assume a forma de preço apenas no nava-se ainda mais complicado pela presença de um grupo
sentido em que é uma quantia em dinheiro que se paga pelo de poderosos bancos estrangeiros (em especial americanos)
consumo de um valor de u s o : o capital. em concorrência com os cubanos.
A grandeza do juro, ou seja, a proporção em que o lucro Existia um chamado «tipo de juro básico» (prime bank
se divide em juro e lucro propriamente dito, é regulada apenas rating), que os bancos norte-americanos ofereciam às grandes
pela oferta e procura dos capitais de empréstimo. companhias ianques e a determinadas empresas cubanas,
o qual era o mais baixo do mercado. Este tipo de j u r o básico
flutuava e era fixada em cada momento concreto nos E. U. A.
2 — T A X A DE JURO
pelo Banco de Reserva Federal. Os juros a cobrar pelos emprés-
timos com garantia de letras eram controlados e limitados
Sendo o juro uma parte do lucro produzido pelo capital
emprestado, o limite máximo da sua grandeza residirá no até certo ponto pelo Banco Nacional de Cuba, que fixava
próprio lucro: nunca poderá ser igual à massa do lucro médio, os tipos de j u r o a cobrar nos redescontos. Os juros por cré-
pois nesse caso ninguém aceitaria um capital emprestado para ditos hipotecários encontravam-se limitados por lei a um máximo
o pôr a funcionar. O seu limite mínimo é indeterminado, de 1 2 % . Quanto ao tipo de juro a cobrar pelos outros tipos de
embora, como se pode supor, resulte sempre superior a zero, empréstimo, era determinado pelas leis do mercado e pela
visto que ninguém emprestaria o seu capital em vão. concorrência entre os diferentes bancos.
Achando-se o juro enquadrado dentro dos limites do lucro,
O tipo de j u r o médio geral que vigorava em Cuba obser-
a sua grandeza será tanto maior quanto maior este for; no
vou u m a tendência para descer através do tempo, pois se
entanto, concretamente, estará determinada, como já dissemos,
nos primeiros 20 a 25 anos da República oscilou entre 10 e
pela correlação entre a oferta e a procura dos capitais de emprés-
1 2 % , de 1925 a 1940 flutuou de 8 a 10% e a partir de 1940
timo. N o s períodos de auge e prosperidade económica, a oferta
foi de 4 a 6 % .
aumenta e, por conseguinte, o juro baixa, enquanto nos perío-
dos de crise a oferta diminui notavelmente e, como conse-
quência, o j u r o aumenta. (!) A influência deste factor diminuiu ou desapareceu nas condições
do capitalismo actual em que a taxa de lucro experimenta uma tendência
A massa do j u r o em relação à grandeza do capital empres- para crescer, pelo menos nos países capitalistas desenvolvidos (ver mais
tado exprime-se pela taxa de juro. No exemplo que utilizámos pormenores sobre o assunto no capítulo XIII).

166 167
3 —O J U R O E O LUCRO DO EMPRESÁRIO O capitalista em dinheiro apropria-se do j u r o , como sabe-
mos, pelo simples facto de ser o d o n o do capital; n ã o tem qual-
O facto de os capitalistas em actividade se acharem sepa- quer outra relação com o lucro produzido pelo seu capital
rados dos capitalistas donos do dinheiro, de o capital-proprie- além do facto de o mesmo lhe pertencer e de haver sido pol-
dade estar divorciado do capital-função, converte parte do eie emprestado ao capitalista em actividade. Este, apropria-se
lucro em j u r o , como vimos nas alíneas anteriores. Também do lucro do empresário pelo facto de pôr em actividade o capi-
verificámos que a taxa de j u r o é determinada pela concorrên- tal, investi-lo e fazê-lo produzir mais-valia. Assim, a fonte
cia entre esses dois grupos de capitalistas, pela correlação do j u r o parece estar na propriedade sobre o capital e a fonte
entre a oferta de capital de empréstimo por parte de uns e do lucro do empresário na actividade do capitalista em acti-
a procura desse capital p o r parte de outros. Esta concorrência vidade ; o primeiro, apresenta-se ligado ao capital-propriedade
decide qual a parte do lucro produzido fica para cada grupo. e o segundo, ao capital-função.
Ambos obtêm as suas receitas do trabalho excedente dos ope- Esta aparência estende-se ao caso dos capitalistas que «tra-
rários da produção, mas um deles —o dos capitalistas em balham» c o m capital próprio. O seu lucro surge em parte
actividade — explora esses operários directamente, enquanto determinado pelo facto de serem donos do seu próprio capital e
o grupo dos capitalistas donos do dinheiro o faz indirectamente, em parte por serem quem o investe pessoalmente. Essa apa-
através dos primeiros. rência, segundo Marx, deve-se, em primeiro lugar, à circuns-
Quanto mais baixa for a taxa de j u r o — sempre que a taxa tância da maioria dos capitalistas «trabalharem» simultanea-
média de lucro não variar —, maior a parte do lucro de que mente com capital próprio e capital emprestado e terem obri-
se apropriam os capitalistas em actividade, e vice-versa. No gatoriamente que dividir o lucro correspondente ao capital
nosso exemplo, se a taxa de j u r o fosse de 3 % e n ã o de 5 %, emprestado em j u r o e lucro do empresário e, por extensão,
o lucro do capitalista que empregou os $100,00 produtiva- também dividem assim o lucro correspondente ao capital
mente passaria de $15,00 para $17,00. Quanto mais a gran- próprio. Em segundo lugar, porque o juro, como resultado
deza do j u r o se aproximar de 0, mais o capital em funções da propriedade sobre o capital, surge historicamente antes
emprestado se igualará ao capital em funções próprio. A única que o capital se apodere da produção, ou seja, antes que apa-
diferença existente entre eles consiste em que, enquanto o segundo reça o capital industrial, o que faz com que, desde o início,
se apropria .integralmente do lucro médio, o primeiro apenas se considere como lucro verdadeiro apenas a parte deste que
o faz do lucro médio menos o j u r o . exceder o j u r o . E, finalmente, porque, com o desenvolvimento
Os capitalistas em dinheiro e os capitalistas em actividade do capitalismo, os capitalistas em dinheiro convertem-se n u m
diferenciam-se não só como prestamista e mutuários, mas grupo especial que obtém as suas receitas pela única razão
t a m b é m pelo papel diferente que desempenham no processo de serem donos de capital, reafirmando-se a impressão de que
de reprodução do capital: os primeiros, limitam-se a emprestar todos são proprietários de capital, e por esse único motivo, têm
o seu dinheiro, o seu capital, para que seja posto em acção; direito a receber um j u r o .
os segundos, colocam-se em actividade, investem-no realmente, C o m a transformação do lucro em juro e lucro do empre-
quer na esfera da produção, quer na da circulação, são eles sário, chegamos às formas mais concretas assumidas pela
que «trabalham» c o m o capital. Para estes, o lucro médio pro- mais-valia na prática da sociedade burguesa e com elas che-
duzido pelos capitais que fizeram funcionar divide-se no j u r o gamos também ao ponto culminante na deformação e na
que têm de pagar ao d o n o do capital e n u m remanescente camuflagem da essência do regime capitalista à superfície dos
desse juro, que é a parte que lhes cabe e cuja grandeza depende seus fenómenos económicos. Sendo o j u r o e o lucro do empre-
da taxa média de lucro e da taxa de j u r o : é directamente pro- sário duas partes de u m a mesma coisa — a mais-valia — cuja
porcional à primeira e inversamente proporcional à segunda. origem se situa no trabalho que não é pago aos operários
Este lucro de que o capitalista em actividade se apropria, produtivos—parecem resultar de duas fontes distintas, comple-
depois de pagar o juro, adquire o nome de lucro do empresário. tamente afastadas da realidade: o primeiro, do capital-proprie-

168 169
dade e o outro, do capital-função. Desaparecem aqui as rela- os capitalistas industriais aos capitalistas comerciais por ata*
ções entre operários e capitalistas que se observavam com cla- cado, estes aos capitalistas comerciais a retalho, etc. À neces-
reza no estudo da mais-valia. Víamos então que as receitas dos sidade deste tipo de crédito deriva das características do pró-
capitalistas se contrapunham às dos operários: a menor salá- prio processo de reprodução capitalista: o tempo de repro-
rio maior mais-valia e vice-versa. Agora, as receitas de uns dução e o de circulação não são os mesmos p a r a os diferentes
capitalistas contrapõem-se às de outros capitalistas — a um j u r o ramos de produção e, por isso, quando uns capitalistas estão
mais elevado, menor lucro do empresário, e vice-versa; nem um dispostos a vender e, portanto, a comprar, outros ainda não.
nem outro se acham em contraposição directa com o salário. Este entrave à realização das mercadorias é resolvido pelo
Além disso, o próprio lucro do empresário, aparecendo ligado crédito comercial. Neste caso, o que se concede em crédito
ao «trabalho» do capitalista em exercício, apresenta-se como não é o capital-dinheiro livre, mas o capital em funções na
a retribuição que este merece pela sua actividade, como o seu sua forma mercantil, embora, na realidade, q u a n d o , por exem-
«salário», que «se resulta superior ao dos outros operários, plo, o capitalista industrial vende o seu M' a crédito ao capi-
o é porque o seu trabalho é mais qualificado e exige maior talista comercial, empresta-lhe a quantidade de dinheiro equi-
responsabilidade». valente a M', que o comerciante teria de pagar imediatamente
caso a venda fosse a dinheiro.
No crédito comercial, não se manifesta claramente o divór-
4 —CAPITAL BANCÁRIO E CRÉDITO cio entre o capital-propriedade e o capital-função, porquanto
se trata de u m a relação entre dois capitalistas em actividade e
a) Funções do capital bancário o objectivo deste crédito não consiste na cobrança de um juro
— embora as mercadorias vendidas a crédito se cobrem com
Até aqui, supusemos que o capitalista em dinheiro empresta um encargo sobre os seus preços a dinheiro, que na verdade
o seu capital directamente ao capitalista em exercício, mas na significa um j u r o —, mas em facilitar a realização das merca-
prática não acontece assim, pelo menos na maioria dos casos. dorias, acelerando a sua circulação para garantir a continui-
Entre um e o u t r o capitalista interpõe-se um intermediário dade do processo de produção.
através do qual o empréstimo se realiza. Esse intermediário é Em geral, o crédito comercial n ã o se concede simplesmente
o banqueiro.' sob a promessa verbal de pagar, mas garante-se com um
O banqueiro é o comerciante do dinheiro, um capitalista documento de dívida como, por exemplo, a letra bancá-
cuja esfera específica de investimento é o comércio de dinheiro. ria 0 ) . Esta, pode permanecer nas mãos do credor até à data
Concentra nas suas mãos os recursos monetários tempora- do seu vencimento, mas é frequente que ele a utilize a qual-
riamente livres dos capitalistas em actividade, realiza as ope- quer momento da sua vigência para realizar compras ou saldar
rações das cobranças e pagamentos, intervém nos pagamentos as suas dívidas através do seu endosso. E acontece, em muitas
internacionais, tem como função administrar o capital de ocasiões, o novo possuidor da letra voltar a utilizá-la para
empréstimo da sociedade, etc. É o intermediário que representa efectuar os seus pagamentos, e assim sucessivamente. Nesses
os interesses dos prestamistas perante os mutuários e vice-versa. casos, a letra bancária substitui o dinheiro na circulação, nas
suas funções de meio de circulação e de pagamento e funciona,
b) Formas de crédito p o r t a n t o , como u m a espécie de dinheiro comercial.
O crédito bancário é o concedido pelos capitalistas em
O capital de empréstimo move-se e funciona c o m o tal atra- dinheiro aos capitalistas em exercício através dos bancos. Este
vés do crédito, o qual, no capitalismo, assume duas formas crédito converte o capital monetário livre em capital em funções
fundamentais: crédito comercial e crédito bancário.
O crédito comercial é o que os capitalistas em actividade (i) Veja-se o que é uma letra bancária na nota de pé-de-página n.° 4
se concedem entre si: os capitalistas industriais uns aos outros, do capítulo II, pág. 67.

170 171
e realça claramente o divórcio entre o capital-propriedade e letras bancárias. Por vezes, os capitalistas que venderam as mer-
o capital-função. cadorias a crédito não podem esperar, para receber, pela data
Os bancos concentram nos seus cofres quase todo o capi- do vencimento da letra e dirigem-se aos bancos, que convertem
tal-dinheiro oferecido em empréstimo e é a eles que se apre- em dinheiro as letras bancárias por eles apresentadas, -apli-
sentam quase todos os pedidos de empréstimos n u m dado m o - cando-lhes, claro, o desconto correspondente. Desse modo,
mento. O capital-dinheiro que os bancos possuem p a r a emprestar o banco passa a ser o credor d o j compradores a crédito que
provém de várias fontes: assinaram a letra, os quais, por conseguinte, passam a ser
seus devedores. Noutras ocasiões, os capitalistas credores,
a) Dos depósitos que neles efectuam os capitalistas em possuidores de letras bancárias, recorrem a outro m é t o d o :
actividade, dos recursos monetários temporariamente solicitam ao banco um empréstimo, entregando a letra como
livres (fundo de amortização, parte do lucro acumu- garantia, que recuperam ao devolver o dinheiro e pagar os juros
lado primeiro como dinheiro, para mais tarde se correspondentes. Nestes casos, de um m o d o geral, os bancos
acumular como capital, fundo de salários, poupança cedem em empréstimo até 60-80% da quantia em dinheiro
pessoal, e t c ) . indicada na letra.
b) D o s depósitos do seu capital efectuados pelos capita- C o m base nos descontos de letras surgem e desenvolvem-se
listas em dinheiro ou financeiros puros. as letras dos bancos, ou seja, as notas de bancos fiduciárias Q),
c) D o s depósitos efectuados pelas restantes classes e cama- as quais, ao contrário das letras bancárias correntes, n ã o têm
das sociais da população (operários, camponeses, data de vencimento e são convertíveis em dinheiro a qualquer
artesãos, e t c ) . momento pelo seu portador, bastando a sua apresentação ao
d) Do capital próprio do banqueiro e dos lucros que este banco. É o dinheiro creditício por excelência e substitui em
lhe traz. medida extraordinária o dinheiro realmente em circulação.
Essas notas de banco são emitidas em representação das letras
c) Tipos de operações bancárias bancárias correntes que se acumulam nos cofres do banco e
circulam em seu lugar. O próprio desconto de letras começa
As operações que os bancos realizam são de dois tipos: a efectuar-se utilizando essas n o t a s : não entregam dinheiro
passivas e activas. em espécie ao capitalista que apresenta u m a letra comum ao
Operações passivas são aquelas através das quais reúnem banco, mas notas de banco.
os recursos monetários de que dispõem, consistindo a mais As notas de banco, na medida em que só estão cobertas por
importante nos depósitos de meios monetários alheios, que letras bancárias correntes e não têm cobertura em dinheiro
constituem a maioria absoluta do seu capital de empréstimo. real em espécie, constituem um dinheiro creditício e fiduciário
Os depósitos p o d e m ser a prazo fixo ou em contas correntes, 2
que actua como um capital fictício ( ): capital porque produz
revelando-se os primeiros mais vantajosos para o banco, razão lucros para o banqueiro, porque este o entrega para receber
pela qual são contemplados com juros mais elevados. C o m um juro como pagamento da sua utilização, e fictício porque
base nas contas correntes, surge e desenvolve-se um documento
n ã o significa um capital adicional obtido pelo mutuário, pois
que também substitui em larga medida o dinheiro necessário à
trata-se do seu próprio capital mercantil vendido a crédito,
circulação e aos meios de pagamento: trata-se do cheque que
cujo valor retém, primeiramente sob a forma de u m a letra
constitui um tipo especial de dinheiro denominado dinheiro
bancária comum assinada pelo comprador e depois sob a forma
creditício.
das notas de banco que este lhe entrega em troca da sua letra.
Operações activas dos bancos são aquelas através das quais
se produz a distribuição e a colocação dos meios monetários
(1) Ver o exposto sobre as notas de banco no capítulo I I , alínea 2.
de que dispõem por meio da concessão de créditos, etc. U m a das (2) Este capital fictício nada tem a ver com o formado pelas acções e
operações de crédito mais comuns é o chamado desconto de obrigações, que analisaremos numa alínea ulterior.

172 173
Outra forma do crédito bancário — a mais difundida de
todas — é a concessão de empréstimos sob u m a determinada
garantia em valores mercantis, bens imóveis, títulos de valor, etc.
\
Se compararmos este j u r o que pagavam pelos depósitos
com o que cobravam pelos empréstimos, veremos de onde
Por vezes, também se concedem empréstimos sem que o mutuá-
rio precise de apresentar garantias, mas tal só acontece, de surgiam os lucros (pelo menos, parte deles) dos bancos que
modo geral, em relação a grandes capitalistas de solvência funcionavam em Cuba.
reconhecida. O capital que os banqueiros investem para suportar os gastos
em edifícios, equipamento de escritório, móveis, salários aos
empregados, e t c , além da parte do capital de empréstimo que
d) Principais tipos de bancos lhes pertence pessoalmente, constitui o capital próprio do
banqueiro, por ele desembolsado na esfera do comércio do
No sistema capitalista, existem, em geral, três tipos fun- dinheiro. Este capital participa no processo de nivelamento
damentais de bancos: da taxa média de lucro e exige a apropriação, como é natural,
do lucro médio em relação à sua grandeza. Se não obtivesse
a) Os bancos comerciais, encarregados de realizar as ope- o lucro médio no comércio de dinheiro, emigraria livremente
rações bancárias que atrás explicámos. para a indústria ou para o comércio de mercadorias.
b) Os bancos hipotecários, que concedem empréstimos ape- Os gastos que o banqueiro faz em edifícios, móveis, documen-
nas aos mutuários que oferecem bens imóveis como tos, salários de empregados, e t c , são gastos líquidos de cir-
garantia: casas, terrenos, etc. culação e têm a sua fonte de reposição na mais-valia criada
c) Os bancos emissores, que podem ser estatais ou privados, no processo de produção, que depois se reparte entre capi-
autorizados pelo Estado a emitir notas de banco. De talistas industriais, comerciais, prestamistas e bancários através
um m o d o geral, não têm relações directas com os capi- dos mecanismos económicos criados pelo regime capitalista
talistas em actividades industriais ou comerciais, mas de produção.
apenas com outros bancos e concentram nos seus cofres Supúnhamos, à guisa de ilustração, que a taxa média de
todas as letras bancárias que neles se descontam tro- lucro existente n u m dado momento é de 20 % , o juro pago
cando-as, por notas de banco. pelo banco aos depositantes 2% e o juro que recebe pelos
créditos que concede de 4% . Imaginemos ainda que um deter-
minado capitalista banqueiro dispõe de $1.100.000,00 de capital
é) Lucros do capital bancário
próprio, $100.000,00 dos quais investe no apoio aos gastos de
circulação, utilizando o resto como capital de empréstimo.
O lucro obtido pelos capitalistas bancários provém da dife- Admitamos que os recursos monetários alheios de que dis-
rença existente entre o juro que pagam aos depositantes e o que põe, resultantes dos depósitos efectuados no seu banco, ascen-
recebem pelos empréstimos e outras operações activas que rea- dem a $14.000.000,00.0 empréstimo dos $15.000.000,00 de capital
lizam. O segundo é sempre maior que o primeiro. para emprestar proporciona-lhe $600.000,00 ao ano, dos quais
Em Cuba, para os depósitos em contas de poupança, o mais deve descontar o juro que tem de pagar aos depositantes e que
usual era os bancos pagarem aos depositantes um j u r o de ascende a $280.000,00. A diferença entre os juros que recebe e
aproximadamente 2 % . Nos anos 40, por exemplo, nem os ban- paga é, pois, de $320.000,00, soma que ainda não constitui o seu
cos norte-americanos nem os canadianos pagavam juros pelos lucro, porquanto deve repor os $100.000,00 investidos nos gastos
depósitos à vista, enquanto os cubanos ofereciam-lhes um j u r o líquidos de circulação. A massa de lucros líquidos que esse
de 0,25 a 1 % . Quanto aos depósitos de poupança, os bancos capitalista banqueiro obtém é de $220.000,00, que, relacionada
norte-americanos e canadianos pagavam de 0,25 a 3% de com o capital próprio desembolsado de $1.100.000,00, repre-
juros e os cubanos de 0,5 a 3 % . Estes últimos pagavam juros senta u m a margem de lucro de 20 %, igual à média existente.
mais elevados com o propósito de atrair depositantes. Evidentemente que se trata de um exemplo convencional,
que apenas serve para ilustrai a essência do mecanismo através
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do qual o banqueiro se apropria do lucro. Na vida/ real, _ possibilita o seu investimento em escalas colossais. As socie-
tem uma série de contingências, das quais aqui fazermos abstrac- dades anónimas desenvolveram-se através do crédito.
ção, que determinam só existii a taxa média de/lucro, tanto Por todas as razões apontadas, o crédito é um instrumento
para o capitalista banqueiro como para o industrial e o comer- poderoso para o desenvolvimento da produção capitalista,
cial, como u m a tendência, como um movimento permanente embora, por o u t r o lado, contribua para agudizar as suas
de compensação entre as diversas taxas de lucro especiais. contradições. Avoluma enormemente a procura presente por
conta das futuras receitas da sociedade, criando assim as con-
j >ííg9TC|.0IÍ dições p a r a uma posterior redução dessa procura e aumentando
5 — P A P E L DO CRÉDITO NO CAPITALISMO o perigo da superprodução e crises. Por outro lado, favorece
principalmente os grandes capitalistas e contribui, portanto,
O sistema de créditos facilita a transferência de capitais p a r a a mais rápida ruína dos pequenos capitalistas e produ-
de uns ramos para outros. O capital não pode efectuar essa tores; colabora na concentração das riquezas n u m pólo da
transferência nem sob a sua forma produtiva nem sob a sua sociedade e da miséria no outro o que leva à agudização das
forma mercantil, mas somente sob a forma de dinheiro. contradições sociais de classe do regime burguês de produção.
A parte do seu capital, que cada capitalista isolado tem sob
a forma de dinheiro n u m dado momento, pode não ser,
em muitos casos, para que estabeleça uma nova empresa nou- 6 — ANTECEDENTES HISTÓRICOS
tro r a m o de produção e a p o n h a a funcionar. O crédito oferece DO CAPITAL DE EMPRÉSTIMO E DO J U R O
a todos os capitalistas a oportunidade de fazê-lo a qualquer
momento. «O capital a juros, ou capital usurário, para empregar
O sistema de crédito diminui a quantidade de dinheiro a expressão arcaica, figura, com o seu irmão gémeo, o capital
em espécie necessário à circulação pois elimina muitas tran- comercial, entre as formas antediluvianas do capital que pre-
sacções monetárias por meio de cancelamento das dívidas cedem, de muito, o regime de produção capitalista e os encon-
mútuas, além de desenvolver documentos como as letras ban- tramos nas mais diversas formas económicas da sociedade.» (*)
cárias, os cheques e as notas de banco que substituem o dinheiro O aparecimento e desenvolvimento do capital de emprés-
e a espécie-em circulação. Facilita a realização das mercado- timo (usurário) liga-se ao do capital comercial desde a época
rias, diminuindo o tempo de circulação. Reduz a parte do capi- da decomposição da comunidade primitiva e o início da escra-
tal social que se deve manter sob a forma de dinheiro, u m a vez vatura. As condições para o que capital de empréstimo exista
que, como todos os capitalistas depositam separadamente essa verificam-se a partir do m o m e n t o em que u m a parte da pro-
parte em dinheiro dos seus capitais, os bancos cedem-na a dução assume a forma mercantil e as diversas funções do
crédito a outros, que a põem a funcionar. dinheiro atinjam um certo grau de desenvolvimento.
O sistema de crédito contribui para a mais rápida concen- O capital usurário, como forma característica do capital a
tração do capital, porque, se n ã o existisse, cada capitalista iso- juros, corresponde à escravatura e ao feudalismo, quando a pro-
lado teria de esperar um tempo relativamente longo p a r a dução mercantil predominante era a dos pequenos produtores
acumular a sua mais-valia sob a forma de dinheiro até reunir camponeses e artesãos. Os prestamistas dessa época eram
u m a quantia que lhe permitisse acumulá-la como capital. sobretudo os mercadores enriquecidos, os arrecadadores de
O crédito permite-lhe ampliar a sua produção a qualquer impostos, os grandes latifundiários esclavagistas e feudais que
momento por conta da mais-valia futura. entesouravam grandes fortunas e os padres. Os mutuários eram
O sistema de crédito contribui para a centralização do os esclavagistas e os feudais, que solicitavam empréstimos para
capital e empreender investimentos que estão fora do alcance comprar artigos de alto luxo e delapidá-los em banquetes e
dos capitais individuais, visto que os recursos monetários
livres de todos os capitalistas se concentram nos bancos, o que (i) K. MARX, O Capital, volume III, capítulo X X X V I .

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razões de penúria individual, no caso dos empréstimos rece-
orgias, e os pequenos produtores, camponeses e artesãos,
bidos pelos pequenos camponeses, artesãos, etc. As lojas de
que os empregavam no pagamento de impostos d rendas e
para manter a sua instável produção. penhores, existentes em todos os países capitalistas, são locais
onde funciona a usura. O capital usurário acha-se mais .disse-
Nas mãos dos latifundiários esclavagistas e feudais, o dinheiro
recebido como empréstimo era empregado apenas como minado nos países subdesenvolvidos, em que ainda persistem
dinheiro, como meio de compra e pagamento. Constituía muitos resíduos pré-capitalistas.
capital apenas para os prestamistas usurários, porque lhes
proporcionava um lucro sob a foi ma de juros proveniente 7 —SOCIEDADES ANÓNIMAS
do sobre-trabalho dos escravos e dos servos. Nas mãos dos OU SOCIEDADES POR ACÇÕES
pequenos produtores, o dinheiro recebido como empréstimo
tão-pouco era capital, embora por eles investido parcialmente Com o desenvolvimento do capitalismo, a grandeza da
na piodução. Os juros que pagavam provinha do trabalho produção e as exigências que formulava começaram a colidir
pessoal dos próprios artesãos e camponeses e absorvia, na quase com os estreitos limites oferecidos pelos capitais individuais,
totalidade dos casos, tudo o que produziam em excesso acima que não possuíam suficiente força para empreender a^ cons-
dos meios elementares de subsistência, tudo o que, no caso trução de caminhos-de-ferro, de canais, de portos, de fábricas
do operário especializado, representa a mais-valia. eléctricas, etc. As sociedades anónimas, que surgiram em mea-
Na Idade Média, a escassez de dinheiro circulante e a neces- dos do século xvii mas só atingiram um verdadeiro apogeu
sidade de efectuar a maior parte dos pagamentos em espécie na segunda metade do século xix, resolveram o problema.
fazia com que os juros cobrados pelos empréstimos fossem Actualmente, as sociedades anónimas ocupam uma posição
extraordinariamente elevados. Por exemplo: os juros vulgares dominante na economia capitalista mundial. Em 1958, havia
na época de Carlos Magno, eram de 1 0 0 % . nos E. U. A., 940 000 sociedades anónimas que controlavam
_ Exteriormente, o capital usurário, característico e predo- 90 % da indústria transformadora, quase toda a indústria extrac-
minante nos regimes pré-capitalistas, parece ser igual ao do tiva, transporte e bancos (0-
empréstimo existente no capitalismo, pois ambos produzem As sociedades anónimas ou por acções são empresas nas
para os seus proprietários um lucro sob a forma de juros pagos quais o capital investido não pertence a um capitalista, mas a
pelos que recebem o empréstimo. Mas o capital a juros, como um grupo de capitalistas que possuem as acções dessas socie-
elemento do sistema capitalista de produção, distingue-se do dades.
usurário pelas condições em que funciona e pelo tipo diferente A acção é um título ou documento de valor que faz fé do
de mutuário com o qual o prestamista se depara: agora, o mutuá- investimento de uma determinada quantidade de dinheiro que
rio é também um capitalista que toma dinheiro por emprés- constitui parte do capital de uma sociedade anónima e dá
timo para investi-lo com o objectivo de obter lucros; o cré-
direito ao possuidor a receber uma parte dos lucros dessa
dito é concedido como capital potencial, no intuito de se apro-
sociedade em proporção ao capital investido e representado
priar de trabalho alheio não remunerado. Por outro lado,
pela acção. A receita que se recebe pelas acções chama-se
o juros que o prestamista recebe já não abarcam todo o exce-
dividendo.
dente criado pelo produtor directo, depois de cobrir as suas
Formalmente, todos os possuidores de acções são co-pro-
necessidades elementares; esse excedente reparte-se agora em
prietários da respectiva sociedade anónima, tendo direito a voz e
lucro para o capitalista em exercício e em juros para o capi-
voto na assembleia geral dos accionistas, órgão supremo da
talista em dinheiro.
sociedade. Na realidade, as sociedades anónimas são contro-
Mesmo sob o capitalismo, o capital a juros conserva a forma ladas por um grupo de grandes capitalistas que têm nas mãos
de capital usurário perante as pessoas e as classes que rece- aquilo a que se chama um maço de controlo de acções. Como
bem empréstimos com um objectivo que se não ajusta ao do
regime capitalista: quando se aceita dinheiro emprestado por (i) Aclaraciones, volume 3, pág. 101.

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cada acção representa um voto na assembleia geral — quem que se entregou u m a determinada quantia em dinheiro na
possui mil acções tem 1000 votos e o possuidor de cem acções qualidade de empréstimo à sociedade e o seu possuidor con-
apenas 100 votos — basta dispor do maço de controlo para verte-se, portanto, em credor da mesma e não em co-proprie-
poder decidir sobre os destinos da sociedade: escolher as suas tário, razão pela qual não tem voz nem voto na assembleia
directorías, nomear o director, estabelecer o montante dos divi- geral. O dinheiro por ele investido na compra da obrigação
dendos, determinar a política técnica, produtiva e comercial, etc. deve ser-lhe devolvido, n u m prazo estabelecido, mediante
P a r a dispor do maço de controlo de acções, não é necessário a recompra dessa obrigação por parte da sociedade. A receita
possuir 51 % das acções. Em regra, às assembleias gerais só que recebe é fixa e não depende, por conseguinte, dos lucros
assiste, em média, um número de accionistas possuidores de da empresa.
40 a 5 0 % delas. Nessas circunstâncias, o grupo de capitalistas As acções e obrigações vendem-se nuns mercados especiais
accionistas que possuir 25 a 3 0 % das acções já dispõe das que se dedicam ao comércio dos títulos de valor, chamados
suficientes p a r a controlar a empresa. Por vezes, acções no valor bolsas de valores. U m a das mais famosas do m u n d o é a de
de $2000,00 ou $3000,00 são suficientes para controlar uma socie- Wall Street, fundada em 1792, nos E. U. A., que conta com
dade que dispõe de $1.000.000,00. Esta possibilidade alarga-se cerca de 1300 sócios, os únicos que nela podem comprar e
através do chamado «sistema de participação», que consiste vender títulos de valor. Qualquer outra pessoa que pretenda
numa sociedade anónima, denominada «sociedade-mãe», fazê-lo tem de recorrer a um dos sócios como intermediário.
reunir o maço de controlo de o u t r a sociedade anónima, cha- Actualmente, existem nos Estados Unidos 19 bolsas de valores.
mada «filha» e esta, por seu turno, controlar o de outra, Além delas, realizam-se muitas operações com títulos de valor
designada p o r «neta», etc. Deste m o d o , o grupo de capitalistas através dos grandes bancos.
que controlar o maço de controlo da «sociedade-mãe» também O preço pelo qual se vendem as acções denomina-se curso ou
regerá os destinos e manejará o capital de todas as outras. cotização e é determinado pelo montante do dividendo que
Assim, um grupo de capitalistas, c o m um capital próprio de se recebe p o r acção e pela taxa média de juro que os bancos
4000 ou 5000 milhões de dólares, por exemplo, pode dispor, estejam pagando aos seus depositantes. Assim, p o r exemplo,
na prática, de um capital de 50 000 ou 60 000 milhões. É nesta uma acção que produza ao ano um dividendo de $10,00, se
base que se apoiam os impérios monopolistas dos Morgan, a taxa de j u r o anual for de 5 %, terá um curso ou cotização
dos Rockefellêr, dos D u p o n t e outros. de $200,00, porque é essa a quantia que, depositada n u m banco,
O capita] reunido como resultado da venda das acções per- renderá um juro de $10,00 ao ano. Na prática, o curso real,
tence à sociedade no seu conjunto e não aos seus membros neste caso, não seria de $200,00, mas um pouco menos, pois
separadamente. O accionista pode vender as suas acções a o d o n o do dinheiro, se as perspectivas de receita forem iguais,
outro, mas não pode retirar da sociedade o capital nela investido. preferirá depositá-lo no banco em vez de o investir em acções
Os accionistas são capitalistas que recebem um lucro, mas que oferecem maiores riscos. As oscilações no curso das acções
não estão ligados à produção nem ao comércio, apesar de que dependem da correlação entre a sua oferta e a procura, corre-
não se devem identificar com os capitalistas em dinheiro. Estes, lação que, por seu turno, é determinada pela possibilidade de
pressupõem o capitalista em actividade, ao qual emprestam maiores ou menores dividendos que as acções apresentem.
o seu capital e a eles se contrapõe; o accionista pressupõe Os sócios-fundadores das sociedades anónimas apropriam-se
a eliminação do capitalista em exercício e a sua substituição de um lucro adicional — além do que lhes cabe em proporção
por um director ou gerente remunerado. O juros que o pres- à quantidade e ao valor das suas acções — o qual recebe o nome
tamista obtém pressupõe o lucro do empresário que se lhe de lucro dos fundadores e pode ser obtido de várias maneiras,
contrapõe; o dividendo que o accionista recebe pressupõe dentre as quais destacamos as três principais:
que todo o lucro se converteu n u m a espécie de juros. a) Supúnhamos que o grupo de sócios-fundadores de
As sociedades anónimas, além de acções, emitem outro tipo uma empresa nela investe $100.000,00, sendo a taxa média de
de títulos de valor, que são as obrigações. Estas, testemunham lucro de 1 0 % . A massa de lucro obtida será, neste caso, de

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$10,000,00. Emite-se então um total de 1000 acções, cada u m a tiver dinheiro preferirá investi-lo em acções que lhe propor-
das quais com a capacidade comprovada de obter um dividendo cionem $6,00 por cada $100,00 que gastar na sua aquisição
de $10,00 e, se a taxa de j u r o for de 5% , o curso dessas acções a depositá-lo no banco, que apenas lhe pagará um juro de $5,00
cifrar-se-á em $200,00 cada. Vendendo completamente a empresa, p o r cada $100,00. Como a taxa média de lucro é de 1 0 % ,
ou seja, as 1000 acções, obterão um total de $200.000,00, o que a massa de lucro produzida pelo capital de $100.000,00 será
significa que terão arrecadado no primeiro ano de actividade de $10.000,00. Deste lucro, $4.200,00 destinar-se-ão ao divi-
$10.000,00 de lucro médio e depois, ao vendê-la através das dendo das acções privilegiadas que têm um valor total de
acções, recuperam $100.000,00 do capital inicialmente investido, $70.000,00 ( 6 % de 70000 = 4200). Os restantes $5.800,00 repar-
recebendo um lucro adicional de $100.000,00. Mas podem pre- tir-se-ão proporcionalmente, como dividendos das acções comuns
ferir vender apenas metade das acções, ficando com 500, as equivalentes, num total de $30.000,00, o que significa que cada
quais, segundo o curso de $200,00 cada uma, representam o u m a receberá mais de $19,00 de dividendo. Mais uma vez, os
capital por eles investido inicialmente de $100.000,00. As 500 fundadores encontraram o meio de se apropriarem de um lucro
que vendem propoicionam-lhes $100.000,00 de lucro adicional adicional em relação ao obtido pelos outros sócios.
ou lucro de fundadores. N o s exemplos utilizados para explicar alguns dos diversos
b) O nosso grupo de capitalistas íesolve estabelecei u m a mecanismos através dos quais se obtém o lucro dos fundadores,
empresa, mas sem investir capital próprio. Estudam a situação supusemos, para facilitar a compreensão, que o total do lucro
do r a m o escolhido, as condições da produção, de mercado, e t c , obtido pela sociedade anónima se repartia como dividendos
e chegam à conclusão de que, investindo $100.000,00, podem entre os sócios, porém, na prática, as coisas são diferentes. Parte
obter $10.000,00 de lucro ao ano. Mas como não querem desem- do lucro destina-se à acumulação, outra a integrar um capital
bolsar capital próprio, emitem 1000 acções, a cada uma aas quais de reserva da sociedade, outra às gratificações especiais ao pes-
corresponderá, no final do ano, segundo os seus cálculos, soal dirigente e o resto reparte-se entre as accionistas como
$10,00 de dividendo, e d a d o que a taxa de j u r o é de 5% , o seu dividendos. O grupo que contiola o maço de controlo decide
curso será de $200,00 cada. Para puderem dispor do maço a percentagem do total do lucro que corresponde a cada uma
de controlo, reservam para si 3 0 % das acções, ou seja, 300, dessas partes e, como se pode supor, consegue desta maneira
equivalentes a $60.000,00, segundo a sua cotização. Quanto ocultar parte desse lucro aos pequenos accionistas e incre-
às 700 restantes, vendem-nas por $140.000,00, dos quais inves- mentar a parte que se destina ao capital de reserva, do qual
tem $100.000,00 para estabelecer a empresa e apropriam-se de este grupo dispõe, a parte destinada às gratificações do pessoal
$40.000,00 a título de lucro de fundadores. dirigente, etc.
c) Por meio da emissão de acções privilegiadas ou prefe- Os títulos de valor — acções, obrigações, títulos de cré-
renciais e não-privilegiadas ou comuns 0 ) . Imaginemos que dito do Estado, e t c , — não constituem, por si só, uma parte
os capitalistas do caso anterior se tornam um pouco mais do capital social diferente das outras, pois trata-se de uma dupli-
honestos e, sabendo que o capital necessário para estabelecer cação de u m a determinada parte desse capital; simbolizam
a empresa é de $100.000,00, emitem 1000 acções para vender a o capital real investido pelos accionistas nas empresas e são,
$100,00 cada uma. Dessas 1000, ficam com 300, que são acções portanto, uma segunda forma de existência de um mesmo
comuns, não-privilegiadas, e vendem as 700 restantes, depois capital. O capital de uma sociedade anónima existe como capi-
de as emitirem como privilegiadas ou preferenciais, com tal real investido, quer na esfera da produção, quer na da
um dividendo fixo de 6% . Sendo a taxa de juro existente circulação e, por conseguinte, sob a forma de capital industrial,
de 5 %, essas 700 acções vender-se-ão rapidamente, pois quem comercial ou bancário, consoante a esfera do investimento,
e existe, por outro lado, como capital sob a forma de acções.
1
O capital sob a forma de títulos de valor, cuja grandeza se mede
C ) Acções privilegiadas são as que recebem um dividendo fixo e comuns pela soma dos seus preços, é, pois, um capital fictício; capital,
as que recebem um dividendo de acordo com o lucro obtido pela socie-
dade anónima. porque proporciona lucros aos seus donos sob a forma de divi-

182 183
dendos e fictício, porque é apenas um símbolo, u m a dupli-
cação do capital real.
Este capital fictício funciona, nas mãos dos seus possuidores,
independentemente do capital real, cuja esfera de actividade é
o mercado de valores. O capital fictício pode regressar à forma
de dinheiro, sem que esse regresso constitua u m a fase do ciclo
do capital real, nem tenha n a d a a ver com esse ciclo; para tal,
basta vender os títulos de valor a outra pessoal qualquer.
Em virtude da independência com que actua, a grandeza do
capital fictício não coincide com a do capital real, apesar de
ser um símbolo deste, e na maioria dos casos revela-se muito
superior. No exemplo convencional utilizado p a r a explicar o
lucro dos fundadores, o capital real era de $100.000,00 e o capital Capítulo XVI
fictício de $200.000,00, porque os dividendos representavam
CONVERSÃO DO LUCRO EXTRAORDINÁRIO
1 0 % do capital investido e a taxa de juro cifrava-se em 5% .
Se a margem de lucro aumentar para o dobro — 20 % — E M R E N D A D O SOLO
o mesmo capital real de $100.000,00 produzirá $20.000,00 de
lucro e os dividendos p o r acção ascenderão a $20,00, o que
fará subir a cotização para $400,00 e, portanto, o capital 1 — INTRODUÇÃO
fictício atingirá a soma de $400.000,00. Se, pelo contrário, a
margem de lucro diminuir para metade — 5 % — , o capital Até aqui, estudámos o regime burguês de produção, abs-
real de $100.000,00 produzirá um lucro de $5.000,00 e os traindo de todas as relações económico-sociais que n ã o as exis-
dividendos por acção baixarão para $5,00, a cotização será tentes entre as duas classes fundamentais que nele actuam
então de $100,00 por cada acção e o capital fictício diminuirá — os capitalistas industriais, comerciais, prestamistas e ban-
até coincidir com o capital real de $100.000,00. queiros, p o r um lado, e os operários assalariados, produtivos e
improdutivos, por outro — e, dentro destas classes, conside-
Como vemos, a grandeza do capital fictício pode variar
rando as relações entre os seus diversos grupos, como, por
sem que se registe qualquer variação na grandeza do capital
real, segundo as alterações no montante de lucro produzido exemplo, as dos industriais uns com os outros e com os comer-
pelo capital real, e pode variar também em virtude de varia- ciantes, de ambos com os prestamistas, dos três com os ban-
ções na taxa de juros e na correlação entre a oferta e a procura queiros, etc. Isto tornou-se necessário para poder apreender
das acções, ou seja, devido a quaisquer das causas capazes de a essência das relações capitalistas de produção sem as difi-
modificar o seu curso ou cotização. culdades inseridas na análise por u m a série de circunstâncias e
resíduos de regimes anteriores, que, em maior ou menor grau,
estão presentes na realidade concreta de toda a sociedade
BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL UTILIZADA
burguesa e, ainda que em nada a alterem, deformam e enco-
a
K. MARX, O Capital, volume III, 5. secção. brem a sua essência.
JUAN BERTRAND TOLEDO, O Crédito Bancário. Mas existe no m o d o de produção capitalista, mesmo que
HENRY C. WALLICH, Problemas Monetários de uma Economia de Exportação.
FOREIGN POUCY ASSOCIATION, Problemas da Nova Cuba.
o consideremos na sua forma pura, isto é, prescindindo dos
FRANCISCO LOPEZ DE GOICOECHEA, OS Bancos de Capitalização em Cuba. vestígios herdados do passado que nele sobrevivem, outra
FRANCISCO LOPEZ DE GOICOECHEA, AS Sociedades Mercantis no Direito classe social que intervém n u m tipo especial de relações econó-
Cubano.
micas com os capitalistas produtivos que investem os seus
Legislação Bancária e Económico-Financeira, de 1954, editado pelo Banco capitais na agricultura: trata-se dos latifundiários, proprie-
Nacional de Cuba.

184
tários, se não de toda, pelo menos de uma grande parte da tização correspondentes ao capital incorporado à terra sob
terra cultivável dos países burgueses. No presente capítulo, a forma de benfeitorias introduzidas para mantê-la c bcnc-
abordaremos precisamente a análise dessas relações económicas ficiá-la como meio de produção — c a n a i s de drenagem, obras
entre os latifundiários e os capitalistas agrícolas e, para urna de regadio, terraplanagens, construções de edifícios destinados
melhor exposição da sua essência e dos seus mecanismos inter- à produção, etc. — podem fazer parte do referido pagamento
nos, também neste caso supuremos, de momento, que, na agri- de arrendamento, mas não constituem um verdadeiro rendi-
cultura, sob o capitalismo, só existem relações capitalistas, mento do solo, que se refira à utilização da terra como tal.
ou seja, que toda a produção agrícola é realizada p o r bur- Alguns, porventura a maioria desses investimentos, são efec-
gueses que exploram mão-de-obra assalariada; partiremos tuados pelo próprio capitalista arrendatário, mas quando
igualmente do principio de que todos esses capitalistas agrí- o contrato de arrendamento se vence, as benfeitorias introdu-
colas são arrendatários ou, o que vem a ser o mesmo, que zidas, por se acharem aderidas à própria terra, passam a fazer
a terra que exploram não lhes pertence como propriedade, parte da propriedade do latifundiário. Este, ao efectuar um novo
mas sim aos latifundiários. Na realidade, é o capitalismo que arrendamento, j u n t a ao verdadeiro rendimento do solo os juros e
provoca a separação da terra como propriedade, da terra como a amortização correspondentes ao capital investido nestas
meio de produção. benfeitorias. Claro que isto é possível sobretudo se o novo
A propriedade da terra significa que determinadas pessoas contrato de arrendamento é estabelecido com um capitalista
possuem um monopólio que lhes dá direito a dispor de certas diferente do que efectuou os investimentos de capital, mas
porções do país como sendo algo de absolutamente privado o latifundiário pode obrigar também este investidor a pagar
que mais ninguém pode utilizar sem o seu consentimento e mais, sempre que, de acordo com a lei vigente no país, tenha
autorização. a possibilidade de se negar unilateralmente a renovar o contrato
O capitalista que se decide a investir o seu capital na agri- com o mesmo capitalista agrícola, caso não aceite as condições
cultura, como em um r a m o qualquer da produção, que é, tem que lhe impõe. Nessas condições, se o antigo arrendatário
de pagar ao latifundiário, de tempos em tempos — digamos, lhe diz «Não estou disposto a pagar-te nada pelas obras exe-
todos os anos — u m a certa soma de dinheiro estabelecida cutadas na tua terra com o meu capital, o que, por conseguinte,
n u m contrato em troca da utilização que faz da terra a este me dá o direito de usufruir de todas as vantagens que delas
pertencente* tal como o capitalista em actividade (mutuário) advierem», o latifundiário replicará «Se não estás disposto a
paga um j u r o pré-fixado ao capitalista em dinheiro (presta- pagar-me os juros e a amortização pelo capital investido,
mista) pelo uso que faz do seu capital. Essa quantidade de é verdade que por ti, mas na minha terra, capital que te perten-
dinheiro que o capitalista agrícola paga ao d o n o da terra ceu enquanto vigorou o contrato por nós assinado e que,
chama-se renda do solo, quer se refira a u m a terra para cul- vencido este, pertence-me por estar aderido à minha terra,
tivar, para habitação, para explorar minas ou bosques que limitar-me-ei a não assinar o novo contrato de arrendamento
nela se encontrem, etc. Pelo facto da propriedade sobre a terra contigo e procurarei outro capitalista que queira investir o seu
estar separada da exploração capitalista, a ligação económica capital na agricultura e esteja disposto a pagar-me esses juros e
entre uma e outra estabelece-se através da renda do solo, renda amortização, o que não me será difícil, porque ninguém, além
que representa, portanto, a forma como a propriedade terri- de ti, se considera com direitos sobre ele». E se o antigo arren-
torial se manifesta economicamente. datário n ã o aceitar estas condições, terá de procurar outras
terras ou outras esferas de produção para investir o seu capital.
a) Renda do solo e pagamento por arrendamento Outros elementos que podem, em certos casos, fazer parte
do pagamento por arrendament , além dos juros e amorti-
É necessário distinguir o verdadeiro rendimento do solo zação atrás explicados, sem tão-pouco representarem uma renda
da soma total de dinheiro que o capitalista agrícola paga ao verdadeira do solo, s ã o : u m a parte do lucro médio do capi-
latifundiário pelo arrendamento da sua terra. Os juros e amor- talista arrendatário e/ou uma parte do salário dos trabalhadores

186 757
agrícolas se a sua força de trabalho é paga abaixo do seu valor, de $200,00. Na prática, o preço da terra revelar-se-á, neste caso,
partes essas que, em determinadas circunstâncias, o capitalista um pouco superior a $4000,00, pois o investimento em terras
agrícola se vê obrigado a trespassar para as mãos do latifun- oferece maior segurança que o depósito nos bancos e o pos-
diário. C o m o já referimos, estes elementos também não são, suidor de dinheiro prefere optar pela primeira alternativa,
economicamente falando, uma verdadeira renda do solo, embora, embora isso represente uma receita percentualmente um pouco
do ponto de vista prático, considere-se rendimento do solo menor.
tudo o que o arrendatário paga ao latifundiário pela utilização O incremento da procura de produtos agrícolas e de terras
da sua terra, quaisquer que sejam os seus elementos integrantes e como esfera de investimento de capital que se verifica à medida
as fontes das quais procedem. E, na realidade, têm de c o m u m em que o capitalismo se desenvolve, tende a fazer com que
com a verdadeira renda do solo o facto de, como no caso desta, a renda seja cada vez maior, o que, acrescida à tendência à baixa
ser o monopólio da terra que permite ao latifundiário receber taxa de juros, faz com que se produza u m a tendência ou cresci-
esse tributo e o facto de representarem, como o autêntico mento do preço da terra. Essa tendência, descoberta e formu-
rendimento do solo, uma valorização económica da sua pro- lada por Marx na época do capitalismo pré-monopolista,
priedade sobre a terra. experimentou algumas modificações na época do imperia-
A verdadeira renda é aquela que se paga ao latifundiário lismo, as quais trataremos em alíneas ulteriores.
pelo simples facto de utilizar-se a sua terra, na sua forma natu-
ral, independentemente de todas as benfeitorias artificiais que
c) Fonte da renda do solo
o homem lhe possa acrescentar a partir do princípio de que
o capitalista arrendatário recebe o lucro médio que lhe cor- A renda do solo que o capitalista agrícola paga ao lati-
responde e paga ao trabalhador agrícola a força de trabalho
fundiário deve ter a sua fonte num lucro extraordinário acima
pelo seu valor. É este o rendimento do solo cuja essência e
da média que esse capitalista recebe, de contrário, se tivesse
mecanismos económicos de apropriação por parte do latifun-
de sacrificar-lhe parte do seu lucro médio, não investiria na
diário serão objecto de análise nas alíneas seguintes.
agricultura. N u m regime de livre concorrência como o que
aqui supomos, trataria de investir em qualquer outro r a m o
b) Preço da terra
onde pudesse obter, integralmente, o lucro médio.
Estudámos no capítulo V que o lucro extraordinário é obtido
A terra, sem ser um produto do trabalho h u m a n o (tomamos
pelos capitalistas que, introduzindo melhorias técnicas, e t c ,
aqui em consideração a terra-virgem, fazendo abstracção das
conseguem aumentar a produtividade do trabalho nas suas
benfeitorias que o homem lhe pode acrescentar c o m o seu
empresas e produzem as suas mercadorias com um valor indi-
trabalho) e, portanto, sem ter valor, pelo simples facto de cons-
vidual inferior ao valor social existente no seu r a m o de produção,
tituir u m a fonte de renda para o proprietário torna-se objecto
valor pelo qual os produtos se vendem no mercado. Mas esse
de compra e venda e funciona como uma mercadoria. Por con-
lucro extraordinário, como vimos, é temporário, posto que,
seguinte, o preço da terra é t ã o irracional como o preço do
mal os outros capitalistas do r a m o introduzem as inovações
trabalho ou o preço do capital que analisámos no capítulo
necessárias, o valor social da produção diminui até chegar ao
anterior. O seu montante, como o do preço ou curso das acções,
nível do que eia o valor individual dos mais adiantados, desa-
é determinado pelo volume das receitas que proporciona ao
parecendo então o lucro extraordinário que estes obtinham.
d o n o , ou seja, pela grandeza do rendimento do solo e da taxa
de juro existente. Quer isto dizer que o preço da terra não passa Vimos nos capítulos X I I e X I I I que os capitalistas que inves-
de rendimento capitalizado. Por exemplo, o preço de uma terra tem nos ramos de composição orgânica mais baixa também
que produza $200,00 anuais de rendimento, sendo a taxa de produzem um lucro extraordinário acima da média, mas vimos
juro de 5 % , será de $4000,00, porque é esta a grandeza de igualmente neste caso que, devido à livre emigração de capitais
um capital que, depositado no banco, produz um juros anual de uns ramos para outros, existe a tendência para a compen-

188 189
sação permanente das diferentes taxas de lucro n u m a taxa maiores facilidades naturais dos terrenos que exploram, produ
média ou geral. zirem um maior volume de produtos agrícolas, os quais terão,
Por conseguinte, os factores que determinam o lucro extraor- em consequência, um custo individual por produto inferior
dinário dos capitais investidos na agricultura não podem ser ao social, determinado pelas condições de produção das terras
os mesmos que os que determinam na indústria, porque estes piores. O lucro extraordinário desses capitalistas torna-se
factores têm uma vigência temporária, e uma receita periódica permanente, porque se deve a um factor natural que existe
e constante — como é a renda da terra — e n ã o podem ter em quantidade limitada e é, por isso, monopolizável, sem que
como fonte esse lucro extraordinário. No caso da renda da os capitalistas que investem nas terras piores o possam adquirir
terra, os factores devem ser tais que determinem um lucro no mercado para nivelar a sua situação à dos primeiros. No
extraordinário permanente e não possam ser anulados através entanto, esse lucro extraordinário n ã o é apropriado pelos capi-
dos mecanismos da livre concorrência. São estes factores que talistas que exploram as melhores terras, mas pelos latifun-
estudaremos a seguir. diários que delas são donos e, por conseguinte, proprietários
e beneficiários da sua maior fertilidade natural, os quais o rece-
bem sob a forma de rendimento do solo, a que chamaremos renda
diferencial n.° 1 (para a distinguir da renda diferencial n.° 2,
2 —RENDA DIFERENCIAL que explicaremos mais adiante), por ser a resultante da dife-
rença entre o preço individual e o preço social de produção
a) Renda diferencial n.° 1
dos produtos agrícolas (ver Quadro I) e ter como base a dife-
rença na fertilidade das terras.
Todas as terras cultiváveis em que os capitalistas investem
os seus capitais n ã o têm uma mesma fertilidade natural, sendo Se n u m determinado momento, a oferta de produtos
esta, pelo contrário, muito diferente segundo as diferenças na agrícolas produzidos nas melhores e nas terras médias satisfaz
composição físico-química e biológica do solo e das condições a procura existente, as condições de produção das piores terras
climatéricas das diferentes regiões de um país. N ã o é possível deixam de regular o preço social de produção, que passa a ser
que todos invistam nas terras de maior e permanente fertili- determinado por aquelas, dentre as médias, cuja fertilidade
dade natural, porque a quantidade das mesmas é limitada e seja menor e, do ponto de vista geral, são as piores da nova
a procura- ciescente de produtos agrícolas ultrapassa larga- situação existente, deixando, portanto, de produzir renda dife-
mente a produção que nelas se possa verificar, donde surge rencial.
a necessidade de se investir em terras cada vez piores. No A situação de uma terra dentro da classificação em médias e
entanto, os capitalistas só investem nestas terras se tiverem piores n ã o é dada unicamente pelo grau da sua fertilidade
o lucro médio garantido, o que é estabelecido pelos mecanis- natural em relação às outras. Também a determina a sua situa-
mos do mercado, já que quando a procura de produtos agrí- ção geográfica em relação aos mercados. Um terreno melhor
colas aumenta, os seus preços crescem até converter em nor- do que outro pela sua fertilidade natural pode revelar-se pior
malmente rentáveis os investimentos de capital efectuados em que este pelo seu maior afastamento dos mercados ou pela
terras menos produtivas que as utilizadas até àquele momento. maior dificuldade de acesso aos mesmos, devido à escassez
Assim, o valor social ou preço de produção social dos pro- de vias de comunicação adequadas, o que obriga a um mais
dutos agrícolas, em torno do qual oscilam os seus preços de elevado desembolso de capital para suportar as despesas de
venda, não se regula, como no caso da indústria, pelas con- transporte, fazendo com que os custos de produção fiquem
dições médias de produção, mas pelas condições de produção consideravelmente onerados. Por conseguinte, a renda dife-
das terras piores cultivadas n u m momento dado. Esta situação rencial n.° 1 tem como causas mais gerais a diferente fertilidade
permite aos capitalistas que investiram os seus capitais nas natural e a diferente situação dos terrenos em exploração em
melhores terras a obtenção de um lucro extraordinário, por- relação ao mercado, e a sua grandeza é tanto maior quanto
que, com um mesmo investimento de capital, em virtude das maior for a desigualdade entre os mesmos.

190 191
b) Renda diferencia] n.° 2

Até agora, vimos a diferença que existe entre os diversos


terrenos, consoante a sua fertilidade natural e a sua situação
em relação ao mercado, mas também existem diferenças segundo
a sua fertilidade económica, a qual depende da intensidade com
que sejam cultivadas, da aplicação da ciência e das técnicas
agrícolas, etc.
A aplicação sucessiva de capitais a uma mesma área das
terras melhores ou médias sob a forma de adubos, regadios,
maquinaria agrícola, e t c , aumenta indiscutivelmente a sua
produtividade e sempre que esses investimentos adicionais de
capital resultarem mais produtivos do que se se desembol-
sassem como investimentos iniciais nas terras piores, que
determinam o preço da produção, darão origem a um lucro
extraordinário que tem a possibilidade de se converter, e con-
verte, na renda diferencial n.° 1 (ver Quadro I ) :
Se os investimentos adicionais de capital nas terras médias
ou melhores se revelarem menos produtivos que um investi-
mento inicial da mesma grandeza de capital aplicado nas
terras piores, resultando o preço de produção dos produtos
agrícolas derivados desses investimentos adicionais superior
ao preço de produção nas terras piores e sempre que esses pro-
dutos sejam necessários ao mercado devido a um crescimento
invulgar de procura que se não satisfaz apesar de estarem em
exploração fodas as terras cultiváveis do país, nessa eventua-
lidade são estes resultados menos produtivos dos investimentos
complementares que regulam o preço de produção social,
e as terras piores começam a produzir renda diferencial.
Vejamos, através de um quadro ilustrativo, o processo de
o s
formação das rendas diferenciais n . 1 e 2 e o mais que expu-
semos a esse respeito. Na elaboração do quadro supusemos
que os diversos tipos de terras se reúnem em três grupos piin-
cipais — piores, médias e melhores —- e os investimentos de
capital que originam a renda diferencial n.° 2 se produzem
nas melhores terras.
Como vemos, a produtividade por área, com base em inves-
timentos iguais de capital, foi maior nas terras médias e melhores
que nas piores. Sendo estas últimas que regulam o preço social
de produção permitiram que se produzisse nas primeiras um
lucro adicional (de 30 nas médias e 60 nas melhores), que

192 193
7
passa para as mãos do latifundiário sob a forma de renda elevar o pagamento pelo arrendamento, conseguindo assim
diferencial n.° 1. apropriar-se, se não de todo, pelo menos de grande parte
O segundo investimento de capital que se realiza n u m a mesma desse lucro.
área das terras melhores é de grandeza igual ao primeiro, o s
As rendas diferenciais n . 1 e 2 resultam das diferenças de
mas resulta menos produtivo, porque enquanto este produz fertilidade natural e económica ou artificial, respectivamente,
6 quintais, o segundo investimento dá origem apenas a 5. entre as diversas terras dedicadas a um mesmo tipo de cultivo;
A produtividade por cada 100 de capital investido reduz-se, essas diferenças permitem aos capitalistas que investem nas
pois se foi de 6 quintais no primeiro investimento, t o m a n d o terras melhores e médias produzir um lucro extraordinário
em consideração o conjunto dos dois investimentos foi de permanente como consequência de existirem elas em quanti-
5,5 quintais, p o r q u a n t o 200 de capital produziram 11 quintais. dade limitada e, portanto, as vantagens que as acompanham
No entanto, a produtividade por área tornou-se maior porque, constituem-se em monopólio económico dos capitalistas que
passou de 6 p a r a 11 quintais. E como a produtividade deste as exploram: é o monopólio da terra considerada objecto de
segundo investimento complementar de 100 foi, em última exploração. Devido a outro tipo de monopólio — o da terra
análise, superior à dos 100 investidos nas terras piores, pro- considerada objecto de propriedade privada —, esse lucro
duziu um lucro extraordinário de 30, que se converte em ren- extraordinário converte-se em renda do solo, passando para
dimento diferencial n.° 2. O total da renda por área que se gera as mãos dos latifundiários.
nas melhores terras aumenta, embora diminua a renda p r o - O primeiro monopólio é a causa de gerar-se o lucro extraor-
duzida por capital investido: a massa da renda diferencial dinário que serve de fonte à renda diferencial do solo e o segundo
aumenta e a sua taxa reduz-se (*). faz com que esse lucro adopte precisamente a forma de renda
Se este segundo investimento tivesse apenas produzido do solo.
4 quintais, como nas terras piores, n ã o originaria qualquer
renda diferencial. M a s se desse lugar a, digamos, 3 quintais e 3 —A R E N D A ABSOLUTA
estes fossem necessários ao mercado, o seu preço de produção
individual, de 40 por cada quintal, constituiria o regulador Até aqui, vimos como se forma, nas terras médias e melhores,
do mercado — o preço social de produção — e as terras piores um lucro extraordinário superior à média, que serve de fonte à
que produzem 4 quintais começariam a gerar renda diferencial, renda do solo paga pelos capitalistas agrícolas que nelas inves-
que, neste caso, seria de 40 (4 quintais x 40 = 160, de preço tem. N ã o obstante, nas terras piores, cujas condições de pro-
social de toda a produção das terras piores, menos 120 de custos dução regulam o preço social de produção, preço que coincide
mais o lucro médio = 40 de lucro extraordinário ou renda com o seu preço individual de produção, n ã o se gera esse lucro
diferencial). extraordinário, razão pela qual nelas ainda não descobrimos
O lucro extraordinário, que é fonte da renda diferencial qual é a fonte possível da renda do solo paga pelos capitalistas
n.° 2 é apropriado pelos capitalistas agrícolas, cujos investi- que nelas investem. Porque também em relação a estas terras
mentos adicionais de capital o produzem, enquanto durar piores se verifica o divórcio entre a propriedade da terra e
o contrato de arrendamento, mas quando este expira, os meca- a sua exploração capitalista, e os latifundiários que as possuem
nismos da concorrência burguesa criam as condições p a i a seguramente não as cederão gratuitamente aos capitalistas agrí-
que passe para as mãos do latifundiário. A possibilidade de colas. A questão reside em averiguar quais p o d e m ser os fac-
obter um lucro extraordinário nessas terras melhoradas atrai tores que permitem a formação de um lucro extraordinário
os capitalistas, que disputam o direito de nelas investir os seus mesmo nas terras piores.
capitais, facto de que os donos da terra tiram partido p a r a Já referimos no início deste capítulo que nos ramos de baixa
composição orgânica t a m b é m se produz um lucro superior à
(') Taxa de renda é a relação entre a grandeza da renda e a do capital média, lucro que, no entanto, se nivela na indústria numa taxa
investido que o produz. média através da livre emigração de capitais de uns ramos para

194 195
outros, em busca do maior lucro possível. Na agricultura, situação, a propriedade privada sobre a terra actua, não como
em geral, existe efectivamente uma composição orgânica mais causa da transformação do lucro extraordinário em renda
baixa que na maior parte dos ramos industriais, devido ao facto do solo, como acontece no caso da renda diferencial, mas como
do investimento em matérias-primas ser muito menor e, do causa que origina a conservação desse lucro extraordinário na
ponto de vista técnico, achar-se atrasada em relação à indús- agricultura, como causa, portanto, que origina a renda do solo.
tria. Por conseguinte, a taxa especial de lucro existente na Esta renda que se paga pelo solo, mesmo nas terras piores,
agricultura será maior que a verificada na indústria, mas para e cuja fonte é determinada pelo monopólio da propriedade
que isso se converta em fonte de renda do solo, o excesso de privada da terra, denomina-se renda absoluta, em oposição à
lucro produzido nos ramos agrícolas não deve participar no renda diferencial. A renda absoluta, ao contrário da diferen-
nivelamento da taxa média de lucro. Em vez disso, deve man- cial, n ã o depende dos resultados que possam produzir os suces-
ter-se como um privilégio permanente dos mesmos, e para sivos investimentos de capital n u m a mesma área de terra,
que tal aconteça, torna-se necessário que exista alguma bar- aumentando a sua fertilidade económica, nem da qualidade ou
reira que impeça a livre emigração dos capitais para a agri- situação dos terrenos, mas da mais baixa composição orgânica
cultura em busca desse lucro extraordináiio. Qual p o d e ser essa do capital investido na agricultura em comparação com o inves-
barreira? É a propriedade privada dos latifundiários sobre tido na indústria. N ã o resulta da diferença entre os preços
a terra, os quais n ã o permitem que alguém nelas invista se social e individual de produção dos produtos agrícolas, mas
não pagarem p a r a fazê-lo. É isso que impede os capitalistas que da diferença entre o preço de produção e o valor supeiior dos
investem na agricultura de se apropriarem do lucro extraor- mesmos pelo qual se vendem, o que é condicionado pela com-
dinário nela criado como consequência da sua composição posição orgânica a que atrás nos referimos.
orgânica mais baixa. Esse lucro extraordinário deixa de cons- A renda absoluta pode absorver toda a diferença existente
tituir um estímulo para que os capitais emigrem para os ramos entre o valor e o preço de produção dos produtos agrícolas ou
agrícolas, pois para estes é como se não existisse, u m a vez que apenas u m a parte, o que depende da correlação existente em
o têm de entregar aos latifundiário sob a forma de renda do solo. cada momento entre a oferta e a procura de terras. A parte do
lucro extraordinário que não se transforma em renda do solo
Se o monopólio da propriedade privada da terra não exis-
intervém no nivelamento da taxa média de lucro.
tisse e os capitalistas encontrassem terrenos p a r a investir sem
pagar r e n d a , - a taxa especial de lucro mais elevada que a Se se produzisse um nivelamento da composição orgânica
presente na agricultura, atrairia os capitais da indústria, comér- do capital investido na agricultura com a do investido na
cio, e t c , em busca de maiores lucros. Esta livre emigração indústria, a renda absoluta no sentido económico em que
de capitais conduziria à formação de u m a taxa média ou geral aqui o consideramos, ou seja, como u m a parte componente
de lucro entre a indústria, comércio e agricultura, que seria do valor dos produtos agrícolas diferente do salário dos tra-
mais elevada, pois na sua composição entraria a mais-valia trabalhadores e do lucro médio dos capitalistas, desapareceria.
extraordinária criada nesta última. U m a vez formada essa O pagamento pelo arrendamento continuaria naturalmente a
taxa média, os ramos agrícolas seriam simplesmente mais existir, mesmo nas terras piores, enquanto persistisse a pro-
u m a esfera de investimento, na qual a composição orgânica priedade privada da terra, mas teria a sua fonte ou n u m a dedu-
mais baixa n ã o permitiria a apropriação de qualquer lucro ção do salário ou do lucro médio ou de ambos ou ainda no
adicional. Neste caso, os capitalistas investiriam em qualquer preço de monopólio dos produtos agrícolas. Já n ã o se trataria,
terra, desde que ela lhes garantisse o lucro médio. É a proprie- contudo, de u m a verdadeira renda do solo.
dade privada dos latifundiários que os impede de fazê-lo, Vejamos agora, no quadro ilustrativo que segue, a for-
enquanto não obtiverem, mesmo nas terras piores, um lucro mação da renda absoluta, supondo que a margem de mais-valia
extraordinário de que possam extrair a renda do solo sem é o dobro na indústria que na agricultura, em virtude da baixa
sacrificar o lucro médio, o que torna impossível a participação produtividade desta, o que faz com que os trabalhadores agrí-
da agricultura na formação da taxa geral de lucro. Nesta colas t e n h a m de trabalhar dois terços do dia para reproduzir

196
197
8
o valor da sua força de trabalho, enquanto os operários indus-
triais trabalham meio dia. Por conseguinte, a margem de mais-
-valia na indústria será de 100% e na agricultura de 5 0 % .
Observemos, por último, através de outro quadro ilustra-
tivo, a formação conjunta da renda absoluta e da renda dife-
rencial, t o m a n d o como base o suposto do Quadro II sobre
a composição orgânica, quota de mais-valia e taxa média de
lucro.
Os produtos agrícolas, como sabemos, vendem-se por pre-
ços que oscilam à volta do seu valor social e não do seu preço
de produção, pelo que a renda diferencial surge da diferença
entre o valor social pelo qual se vendem e o valor individual
que produzem aqueles que investem os seus capitais nas
terras médias e melhores. No Quadro III, o valor individual
de cada quintal produzido pelos que exploram as terras médias
é de 28, mas como vendem p o r 35, valor individual nas terras
piores e, por consequência, valor social, obtêm um lucro extraor-
dinário de 7 por cada quintal vendido. Como produzem 5 quin-
tais por cada 100 de capital investido, o lucro extraordinário,
que depois se converte em renda diferencial, correspondente
a essa grandeza de capital, é de 35. A taxa da renda diferen-
cial n.° 1 cifra-se, portanto, em 35 %.
A renda absoluta surge da diferença entre o valor social
que rege os preços de mercado dos produtos agrícolas e o preço
de produção determinado pela taxa média de lucro existente.
Os capitalistas que empregam os capitais nas melhores ter-
ras produzem, como resultado do seu primeiro investimento
numa determinada área, com um valor individual de 20 por
cada quintal e como resultado do segundo investimento que
efectuam na mesma área, com um valor individual de 28 por
quintal. Por cada 100 de capital aplicado no primeiro investi-
mento obtêm 7 quintais e p a r a cada 100 do segundo 5, o que
significa que, em última análise, pelos 200 de capital aplicado
em dois investimentos sucessivos numa mesma área, produ-
zem 12 quintais, com um valor individual de 23,33 cada um
(7 x 20 = 140 e 5 X 28 = 140, e 140 + 140 = 280, que é
o valor total dos 12 quintais produzidos na área em causa.
280
Logo, = 23,33, que é o valoi individual de cada quintal).
12
Ao vendê-los pelo valor social de 35, obterão um lucro extraor-
dinário de 11,67 por quintal, o que, em 12 quintais, representa
199
140, que passam para as mãos do latifundiário na qualidade
de renda diferencial: 105 como renda diferencial n.° 1 e 35 como
renda diferencial n.° 2. Além disso, o capital de 200 investido
por esses capitalistas na área dada só exige um lucro médio
de 40, visto que a taxa geral de lucro é de 20 %, e, ao vender
os 12 quintais pelo valor social de 35, recebem em bruto 420,
dos quais, como já vimos, 140 passam para o latifundiário
o s
como renda diferencial n . 1 e 2. Os 280 restantes repõem
o capital desembolsado de 200, contêm o lucro médio de 40
e ainda um lucro adicional de 40, que é o resultado da mais
baixa composição orgânica do capital agrícola e do facto
de venderem pelo valor e n ã o pelo preço de produção. Este
lucro, como já estudámos, também não é apropriado pelo
capitalista, pois passa para o latifundiário como renda abso-
luta pelo simples facto de ser o proprietário da terra, indepen-
dentemente da sua qualidade. Ao investir-se u m a dupla quan-
tidade de capital numa mesma superfície de terra, duplica-se,
como é natural, o lucro extraordinário nela produzido, surgido
da diferença entre o valor e o preço de produção dos produtos
agrícolas, condicionado pela mais baixa composição orgânica
do capital agrícola e causado pelo monopólio da propriedade
privada da terra. Na prática, esse lucro extraordinário, pro-
duzido pelo segundo investimento de capital e devido à mais
baixa composição orgânica do referido investimento em rela-
ção à indústria, é apropriado pelo capitalista tal como o lucro
que serve de fonte à renda diferencial n.° 2, enquanto durar
o contrato de arrendamento vigente; ao seu termo o lucro,
totalmente ou em parte, converte-se em renda absoluta do solo,
pois não deriva da diferente fertilidade natural ou económica
do solo, mas das mesmas causas e condições que geram a renda
absoluta. Se não se convertesse em renda do solo, participaria
no nivelamento da taxa média de lucros, pois os capitais emi-
grariam à busca de se investirem nas terras e existissem tais
vantagens, por conseguinte, de modo algum poderiam perma-
necer como lucro extraordinário permanente dos capitalistas
agrícolas.

4 —RENDA DE MONOPÓLIO

Existem determinados terrenos em quantidade limitada,


com u m a composição especial dos seus solos, ou situados em
regiões c o m um microclima peculiar ou com ambas carac-

201
terísticas simultaneamente em que alguns cultivos se desen- 5 — R E N D A ABSOLUTA E R E N D A DIFERENCIAL
volvem com u m a qualidade excepcional, como não é possível NAS CONDIÇÕES DO CAPITALISMO ACTUAL
conseguir em qualquer outro lugar. Assim, por exemplo, pode
tratar-se de um certo tipo de uva que dá um vinho extraordi- Na época do imperialismo e, sobretudo, a partir da Segunda
nário ou de tabaco que produz u m a folha de qualidade excep- Guerra Mundial, verificou-se nos países capitalistas desenvol-
cional, etc. Os produtos dessas terras oferecem-se no mercado vidos u m a verdadeira revolução técnica na agricultura, cons-
numa quantidade muito limitada e, em virtude disso, os seus tituindo um facto, por ninguém posto em causa, que a pro-
preços de venda ascendem, em geral, não só acima do seu dutividade do trabalho e, por detrás dela, a composição orgâ-
preço de produção como do seu valor, ou seja, vendem-se por nica do capital cresceram a ritmos muito mais rápidos na
preços de monopólio, preços que permitem aos capitais inves- agricultura que na história, chegando alguns autores a afirmar
tidos nessas terras auferir de um lucro extraordinário o qual que nos Estados Unidos, por exemplo, já se produziu um nive-
tão-pouco é apropriado pelos capitalistas, mas, pelo menos lamento entre a composição orgânica agrícola e industrial.
em parte, pelos latifundiários, sob a forma de u m a renda cha- Este facto provocou uma divisão de opiniões entre os eco-
m a d a de monopólio. nomistas marxistas contemporâneos de diversos países sobre
Há que fazer distinção a esta renda derivada dos preços os destinos da renda absoluta nessas condições: pretendem
de monopólio de determinados produtos agrícolas, preços que uns que já desapareceu nos países capitalistas desenvolvidos,
independem dessa renda, dos produtos agrícolas que se vendem outros que ainda não, porque a composição orgânica na agri-
a preços de monopólio, isto é, acima do seu valor, p o r o exigir cultura, apesar dos seus rápidos ritmos de crescimento, per-
manece mais baixa que na indústria embora esteja condenada
a presença d u m a renda do solo. Quando a venda dos artigos
a desaparecer, outros afirmam que ainda não desapareceu
do campo pelo seu valor não contém um lucro complementar nem desaparecerá, enquanto perdurar a causa que a origina
que sirva de fonte à renda do solo, torna-se indispensável aos — a propriedade privada da terra — e apenas modifica o seu
capitalistas agrícolas vendê-los a preços de monopólio supe- carácter e as fontes de que se nutre enquanto outros, por fim,
riores ao seu valor para poderem pagar a renda, além de rece- alegam que não desaparecerá, poique a composição orgânica
berem o lucro médio. No entanto, em ambos os casos, o lucro agrícola será sempre menor que a industrial. São muito varia-
adicional — f a b r i c a d o artificialmente através da venda acima dos os argumentos e dados utilizados por uns e outros. Veri-
do valor real — não faz parte do valor dos produtos agrí- fica-se o caso de alguns demonstrarem uma coisa através de
números e dados estatísticos e outros, também munidos de
colas, pois nutre-se de uma redistribuição do valor existente,
dados e estatísticas, mas extraídos de fontes diferentes e tomando
da apropriação, através do mercado, de uma parte do valor
em consideração ou omitindo determinados momentos, con-
que, por um ou outro motivo, se encontra em mãos dos con- soante o caso, demonstrarem o contrário.
sumidores: se se trata de capitalistas, será u m a parte da mais-
Somos de opinião que o estudo e a investigação do pro-
-valia que lhes pertence que passará gratuitamente às mãos blema obriga-nos a procurar a solução séria, antidogmática,
dos capitalistas agrícolas, considerados vendedores, para em objectiva e científica de duas questões: uma teórica e outra
seguida se transferir para as dos latifundiários sob a forma de prática. A primeira implica determinar se o nivelamento da
renda do solo; tratando-se de trabalhadores, será u m a dedu- composição orgânica do capital investido na agricultura com
ção do valor da sua força de trabalho. o do capital investido na indústria representa ou não o desa-
parecimento da renda absoluta; se é possível ou não o apareci-
A renda de monopólio não é u m a verdadeira renda do solo
mento de outro factor que origine um lucro adicional perma-
no sentido económico, pois o lucro extraordinário que lhe serve
nente capaz de convertei-se em rendimento absoluto, inde-
de fonte não constitui uma parte do valor dos produtos agrí- pendentemente do facto de que semelhante nivelamento se tenha
colas. ou não verificado ou se verifique. A segunda significa precisar,

202 203
por meio de uma compilação de dados o mais completa pos- dendo a sua importância como factor que dá origem à renda
sível e através de cálculos cuidadosos, se, efectivamente, na diferencial n.° 1. Por outro lado, o aumento da produção
realidade concreta dos países capitalistas desenvolvidos, já por área devido ao desenvolvimento das forças produtivas
se produziu o nivelamento atrás mencionado e, além disso, torna cada vez menos necessário que, para satisfazer a pro-
averiguar como o fenómeno se manifesta nos países capita- cura crescente de produtos agrícolas, se tenha de recorrer à
listas menos desenvolvidos na actualidade. exploração de novas terras cada vez piores, pois as que se
Por nossa parte, julgamos que a produção de um lucro acham em cultivo são capazes de abastecer, a procura cres-
extraordinário permanente na agricultura, que se converta cente do mercado, se não na totalidade, pelo menos em larga
n u m a fonte de verdadeira renda absoluta do solo, está neces- medida, graças à aplicação do progresso técnico.
sariamente condicionada por uma composição orgânica do A renda diferencial n.° 2, que tem origem na maior produ-
capital mais baixa na agricultura que na indústria. Se essa tividade dos investimentos sucessivos de capital nas terras
condição desaparece, com ela desaparecerá também, a renda melhores e médias, em comparação com o investimento ini-
absoluta. Isto não significa que os capitalistas que investem cial de capital nas terras piores que regulam os preços de mer-
nas terras piores não sejam obrigados a pagar na pratica um ren- cado, também tende a diminuir, pois o facto da produtividade
dimento aos latifundiários que as possuem — enquanto existir agrícola depender, cada vez mais, da fertilidade económica e
a propriedade privada da terra divorciada da sua exploração cada vez menos da fertilidade natural, dificulta progressiva-
capitalista, a necessidade de pagar u m a renda do solo pelo mente a maior produtividade dos investimentos sucessivos de
usufruto de qualquer terreno será um facto indiscutível —, capital numas terras em comparação aos investimentos iniciais
porém, se a fonte desse pagamento deixar de estar n u m lucro noutras, mesmo quando as primeiras sejam melhores pela sua
adicional que faça parte do valor do produto agrícola como fertilidade natural que as segundas.
mais um elemento, juntamente com o capital constante, o capital C o m o vemos, o desenvolvimento das forças produtivas
variável e o lucro médio, e passar a ser uma parte desse lucro verificado no capitalismo cria a tendência para a redução e
médio que o capitalista agrícola sacrifica — c o m o o capita- o gradual desaparecimento da verdadeira renda do solo, embora
lista mutuário em actividade sacrifica uma parte do seu lucro o pagamento por arrendamento possa manter-se e até crescer,
para pagar os juros ao prestamista — ou uma parte do salá- tanto na sua taxa como na massa, e sobretudo esta última.
rio dos trabalhadores agrícolas, cuja força de trabalho é paga Todavia, alguns autores (!) afirmam que a tendência para
abaixo do seu valor ou uma sobrecarga no preço acima do seu a diminuição da renda do solo, o desenvolvimento das trocas
valor, com o que se consegue uma ledistribuição de um valor não equivalentes entre a cidade e o campo a favor da primeira
já criado, e t c , estaremos em presença de um pagamento por (o que provoca u m a redução do pagamento por arrendamento
arrendamento, mas não de u m a verdadeira renda do solo «no em benefício dos lucros dos monopólios industriais e a inter-
sentido categórico do termo» (i). venção do Estado, que, em muitos casos, limita legalmente
Por outro lado, o progresso técnico e o grande desenvol- esse pagamento) fazem com que, nas condições do imperia-
vimento dos transportes modernos diminuem a diferença exis- lismo e, em particular, após a Primeira Guerra Mundial,
tente entre as diversas terras pela sua situação em relação aos se observe u m a tendência para a diminuição do pagamento
mercados, com o que diminui a renda diferencial n.° 1 deter- de arrendamento por área de terra, tendência que levou ao
minado por essa diferença. Além disso, a aplicação da ciência e decréscimo do seu preço, não obstante e tendência decrescente
da técnica à agricultura, e especialmente, a de máquinas moder- da taxa de juros e o aumento na procura de produtos agrí-
nas, faz com que a produtividade da terra dependa cada vez colas. Tratar-se-ia de uma tendência contrária à descoberta
menos da sua fertilidade natural. Desta forma as diferenças de Marx na época do capitalismo pré-monopolista, quando
de fertilidade existentes entre os diferentes terrenos vão per-
(i) Ver, por exemplo, o artigo do economista búlgaro TODOR MINKOV,
publicado na revista soviética Economia Mundial e Relações Internacionais,
(i) K. MARX, O Capital, volume I I I , capítulo XLV. n.° 11, de 1966.

204 205
tanto a renda real do solo p o r área como o preço da terra em espécie, significa apenas que o produtor directo n ã o entrega
tendiam ao crescimento. Os dados estatísticos fornecidos ao latifundiário feudal a renda em produtos, mas no preço
por alguns autores para demonstração do que se acaba de dos mesmos realizado no mercado, ou seja, a forma dinheiro
expor contradizem os apresentados p o r outros, razão pela qual desses produtos. Este tipo de renda já pressupõe u m a economia
esta é uma questão prática que também exige uma investigação mercantil e u m a circulação monetária muito desenvolvidas e
mais profunda e exaustiva. representa, portanto, o tipo final e dissolvente da renda feudal
do solo como forma de abranger todo o trabalho excedente.
Este rendimento feudal em dinheiro também n ã o é igual à
6 — ANTECEDENTES HISTÓRICOS renda capitalista do solo, conquanto ambos assumam exte-
D A R E N D A D O SOLO riormente idêntica forma material: u m a certa quantidade de
dinheiro. O segundo, é a parte que resta da mais-valia criada
na agricultura depois de extrair o lucro médio de que se apro-
A renda do solo, como expressão de determinadas relações
económicas, n ã o existiu apenas no capitalismo. Existia também pria o capitalista agrícola e o primeiro, é o preço em dinheiro
no feudalismo, sob o qual era na forma que assumia o sobre- de todo o sobre-produto e, por vezes, de parte do produto
-trabalho executado pelos camponeses servos, sobre-trabalho necessário que o camponês paga ao senhor feudal.
do qual se apropriavam os senhores feudais. Além disso, a renda feudal distingue-se da capitalista por-
Mas a renda feudal do solo distingue-se substancialmente que a primeira exprime as relações entre duas classes sociais
da capitalista. Em primeiro lugar, enquanto a renda no capi- — servos e senhores feudais — sendo, portanto, directas as rela-
talismo é integrada apenas por u m a parte do trabalho exce- ções entre os produtores directos explorados e os proprietários
dente efectuado pelos trabalhadores assalariados, no feuda- das terras, enquanto a segunda expressa as relações entre
lismo engloba t o d o o sobre-trabalho dos camponeses e, por três classes sociais — t r a b a l h a d o r e s assalariados, capitalis-
vezes, inclui até parte do seu trabalho necessário. tas e latifundiários —, sendo indirecta a relação entre os tra-
O tipo mais primitivo de renda feudal do solo é a renda balhadores explorados e os proprietários da terra. Em conse-
em trabalho, a que se verifica quando o produtor directo tra- quência, a participação que os últimos têm na exploração dos
balha uma parte da semana com meios de produção que, primeiros aparece encoberta. A primeira baseia-se, pelo menos
de facto, ou juridicamente, lhe pertencem (apetrechos de lavoura, em parte, e na maioria dos casos, na coerção extra-econó-
animais de tracção, e t c ) , numa parcela de terra de que dispõe mica, na sujeição jurídica e violenta do explorado pelo explo-
em usufruto, trabalhando gratuitamente o resto da semana rador e a segunda na coerção económica. A primeira acha-se
na herdade do senhor feudal. Neste caso, é óbvio que a renda principalmente vinculada a u m a economia natural, ao passo
do solo é a forma assumida por t o d o o trabalho adicional. que a segunda está ligada a u m a economia mercantil, etc.
A transformação ulterior da renda em trabalho, em renda em U m a forma característica de transição da renda feudal
produtos ou em espécie, não altera, economicamente, a essência para a renda capitalista do solo reside, segundo Marx, no
da questão, u m a vez que, sob esta modalidade de renda, o pro- sistema de parceria, em que o produtor entra com o trabalho
dutor directo trabalha todo o tempo no pedaço de terra que (próprio ou alheio) e u m a parte do capital e o latifundiário
o senhor feudal lhe cedeu em usufruto mas entrega-lhe o seu c o m a terra e a outra parte do capital, dividindo depois o pro-
trabalho excedente sob a forma de u m a determinada quanti- duto entre si, de acordo com determinadas proporções pre-
dade de produtos agrícolas cultivados e por ele colhidos. viamente fixadas. Neste caso, o parceiro n ã o só actua como
Neste caso, o produtor directo tem um pouco mais de indepen- trabalhador, mas também como capitalista e apropria-se do
dência e o trabalho necessário e o adicional não estão separa- produto criado pelo trabalho necessário, acrescido de uma parte
dos no tempo, mas, à semelhança do caso anterior, a renda do criado pelo trabalho excedente sob a forma de lucro; o lati-
do solo absorve todo o sobre-trabalho. A passagem para a renda fundário, p o r sua vez, não só actua como proprietário da terra,
em dinheiro, que constitui u m a simples modificação da renda mas t a m b é m como capitalista e recebe, portanto, u m a parte

206 207
do sobre-trabalho como renda do solo e outra parte como BIBLIOTECA FUNDAMENTAL UTILIZADA
lucro: a renda do solo, neste caso, deixou de absorver t o d o
o trabalho adicional. K. MARX, O Capital, volume 111, secção 6.
N o s países capitalistas, sobretudo nos subdesenvolvidos, V. I. LENINE, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, capitulo 111,
conservam-se muitos resíduos de relações feudais, especialmente Obras Completas, volume III. _
no campo, resíduos que, em alguns casos, chegam a ser as pre- V. I. LENINE, A Questão Agrária e os «Críticos» de Marx, Obras Com-
pletas, volume V. , _ •_
dominantes. Os pequenos camponeses arrendam pequenas par-
A. P. MAMALUY, A Doutrina Marxista-Leninista sobre a Renda do bolo e
celas não com o intuito de obter lucros mas de produzir o indis- o Desenvolvimento do Capitalismo na Agricultura, editado em Jarkov,
pensável para subsistirem com as suas famílias: trata-se daquilo U . R . S . S., e m 1 9 0 5 . , „ , • * . , T

a que Lenine chamou «arrendamento de fome». A renda que J KUCYNSKI, O Caminho Cubano na Cosntrução do Socialismo, capitulo 1 e
pagam abarca t o d o o produto que excede o mínimo elementar Apêndice final, editado nas oficinas tipográficas do INRA, em 1 9 6 4 .
necessário e, na maioria dos casos, absorve parte desse m í n i m o ; G. SHMELEV, artigo na revista soviética Economia Mundial e Relações
não se trata, pois, de uma verdadeira renda capitalista, mas Internacionais, n.° 1, de 1 9 6 6 .
I. ZAOAITOV, revista citada, n.° 5, de 1 9 6 6 .
de uma renda feudal do solo. Esses camponeses, juntamente L. LINBOSHITS, revista citada, n.° 6, de 1 9 6 6 .
com os pequenos proprietários de terra, são igualmente explo- L. BYLOCHNIKOVA, revista citada, n.° 7, de 1 9 6 6 .
rados pelos comerciantes e prestamistas das cidades, que lhes Vários autores, revista citada, n.° 1 0 , de 1 9 6 6 .
vendem a crédito ou à vista os artigos industriais de que neces- T. MINKOV, revista citada, n.° 1 1 , de 1 9 6 6 .
E. SOLLERTINSKAIA, revista citada, n.° 2, de 1 9 6 7 .
sitam pelos preços mais elevados possíveis e c o m p r a m os p r o - E. BREGUEL, revista citada, n.° 4, de 1 9 6 7 .
dutos agrícolas a preços de miséria: na cidade, os preços são
estabelecidos pelo vendedor, porém no campo, em geral, pelo
comprador. Por outro lado, oferecem-lhes empréstimos pelos
quais cobram juros usurários. N o s países em que a massa
de camponeses superexplorados tem um 'considerável peso
específico da população, a situação de miséria e vassalagem
em que vivem converte-os n u m a força potencial extraordinária
p a r a a revolução, força que, em muitos casos, é chamada a
desempenhar o papel fundamental. É o que acontece, por exem-
plo, na totalidade ou quase totalidade dos países da América
Latina, nos quais a população agrária, incluindo os pequenos
arrendatários, pequenos proprietários de terra e trabalhadores
agrícolas, representa a maioria absoluta dos habitantes, à excep-
ção da Argentina e Chile, em que representa 30-40 % (i).
Em 1966, a classe operária latino-americana era calculada em
cerca de 27 milhões de proletários, três quintos dos quais eram
2
agrícolas ( ).

(!) Dados correspondentes a 1 9 5 9 , extraídos de Superpopulação agrá-


ria, de A. AFANASIEV, editado em russo, em 1 9 6 3 , págs. 1 0 6 - 1 0 7 .
2
( ) Números extraídos de Mapa Político e Económico do Mundo,
editado em russo, em 1 9 6 6 .

208 209
Capítulo XVII

AS CRISES ECONÓMICAS DE SUPERPRODUÇÃO

1 — A S CRISES E O C I C L O DE R E P R O D U Ç Ã O

A economia capitalista não se desenvolve ininterruptamente,


por u m a via de ascensão gradual e constante. Ao contrário
atravessa períodos de recessão, estagnação, etc. Esses perío-
dos não surgem casual e caóticamente como consequência de
causas fortuitas e exteriores ao regime de produção, mas como
a forma inerente do seu movimento, derivados da sua essência
interna, sucedendo-se n u m a ordem determinada, para se repe-
tirem periodicamente em obediência à acção das leis econó-
micas do sistema capitalista.
Chama-se crise à fase em que todos os índices, ou os índices
fundamentais da economia burguesa descem bruscamente.
À fase imediatamente posterior à crise, em que esses índices
se encontram estagnados nos pontos baixos provocados pela
fase precedente e em que os capitalistas começam a tomar
medidas para a sua recuperação, dá-se o nome de depressão.
O período seguinte, em que a economia volta a enveredar
por um caminho ascendente, mais lento de início, mais rápido
em seguida, recebe a designação de reanimação. Finalmente,
o momento em que os ritmos de crescimento de todos os índices
económicos atingem uma velocidade vertiginosa, ultrapassando
os pontos mais elevados em que se achavam antes da crise,
é conhecido por auge. Após o auge, torna a produzir-se a queda

211
brusca ou crise, principiando um novo ciclo do processo de As crises capitalistas caracterizam-se também, em geral,
reprodução capitalista (i). pelo seguinte:
A forma mais pura e geral de desenvolvimento do ciclo d) descida dos preços,
capitalista é a que segue a ordem das diferentes fases que aca- b) redução brusca da produção,
bamos de expor, ou seja: crise, depressão, reanimação e auge, c) diminuição do salário nominal,
sendo a crise a fase principal, a que marca a conclusão de um ciclo d) aumento do desemprego,
e o ponto de partida do que se segue. Mas este esquema, que é) escassez de crédito, embora o capital-dinheiro inactivo
poderíamos considerar clássico e tradicional, não se manifesta
sobeje,
em todos os casos na sua forma pura, pois, como veremos mais
/ ) aumento d o j u r o ,
adiante, em cada ciclo sofre modificações p o r vezes muito
g) redução da cotização dos títulos e valores,
profundas na sua expressão concreta, cada um dos quais apre-
h) processo de falência de empresas industriais, comer-
sentando peculiaridades específicas que o diferenciam dos ciais e bancárias, sobretudo médias e pequenas, e t c , e t c
demais.
As crises constituem a solução violenta e necessária de todas Verifica-se nas crises a destruição de grandes massas de
as contradições e desequilíbrios próprios ao regime capitalista, capital: a maquinaria que não se utiliza deixa de funcionar
quando atingem um tal grau de agudização que não podem como capital, embora continui a sofrer desgaste, a força de
deixar de explodir. São um «mal» relativo e temporário que trabalho que não se emprega deixa de constituir capital, as maté-
cura, periodicamente e por um tempo, os males congénitos e rias-primas que não se elaboram perdem-se como capital,
inerentes ao capitalismo. Representam u m a verdadeira catarse os produtos acabados que não se vendem ou os que ficam
que é o único meio de restabelecer o equilíbrio do desenvol- inacabados são capital-mercadorias que apodrece nos arma-
vimento capitalista após a sua ruptura e até certo p o n t o atenua zéns, perdendo-se o seu valor de uso e o seu valor propria-
as suas contradições, embora, p o r outro lado, as agudizem e mente dito. H á , além disso, destruição de capital pela depre-
aprofundem ainda mais. ciação das mercadorias o que as impede de se renovarem
como capital à mesma escala anterior, dada a ruinosa quebra
As crises caracterizam-se, em primeiro lugar, por u m a super- do seu preço de venda.
produção relativa de mercadorias, isto é, superprodução em Supúnhamos que o valor total de u m a massa de merca-
relação não à procura absoluta, mas à procura solvente ou dorias produzidas por um d a d o capitalista é de $12 000,00,
efectiva da população existente n u m dado momento. Há super- dos quais $2000,00 correspondem ao lucro; se, em virtude
produção de mercadorias, mas não de p r o d u t o s ; a classe tra- da queda dos preços, só as puder vender por $6000,00, o nosso
balhadora encontra-se menos abastecida que nunca de u m a série capitalista n ã o terá lucro e nem sequer poderá renovar o pro-
de artigos. Verifica-se o caso paradoxal e irritante de sofrerem cesso de produção à mesma escala anterior (segundo o seu
de escassez os que produziram mercadorias em excesso, não por valor) ainda que possa comprar os elementos da produção,
n ã o produzirem bastante, mas por receberem u m a parte muito também desvalorizados, em volume idêntico ao anteriormente.
reduzida do produzido. A sua expressão como crise de super- Neste caso, n ã o se destroem valores de uso, n ã o há destruição
produção é precisamente o que distingue as crises sob o capita- física de capital, mas destruição de valor, u m a parte do valor
lismo das crises ou convulsões económicas que ocorriam nos do capital social perde-se p a r a sempre.
regimes anteriores e eram crises de subprodução, ou seja, de
escassez e não de abundância.
2 — POSSIBILIDADE E REALIDADE DAS CRISES

(!) Denomina-se ciclo porque as fases que atravessa se repetem perio< Já referimos no capítulo II que o aparecimento do dinheiro e
dicamente. a passagem da troca directa de uns produtos p o r outros para

212 213
9
a troca realizada através do dinheiro traz consigo a possibi- A possibilidade formal das crises que é implícita na tlfflpltl
lidade das crises económicas. metamorfose das mercadorias também é inerente ao capitalismo,
Essa possibilidade surge porque a venda e a compra, fases porquanto este é o regime baseado na produção de mercadorias
complementares de um processo único, adquirem u m a inde- no qual, como sabemos, essa produção atinge o seu ponto
pendência relativa, podendo efectuar-se desligadas u m a da culminante. N e n h u m capitalista produz para consumir o pro-
outra no tempo e no espaço. Na troca directa, isto n ã o é pos- duzido. Onde tal se verifica as crises de superprodução não exis-
sível porque quem entrega um produto recebe outro no mesmo tem. Quem produz, no capitalismo, não dispõe de opção entre
momento, ou seja, é simultaneamente vendedor e comprador, vender e não vender, pois tem de vender necessariamente.
a venda é compra e vice-versa; todavia, quando o dinheiro N a s crises a sua impossibilidade de vender é revelada ao forçá-lo
entra em cena, quem vende n ã o tem nem necessidade de com- a vender abaixo do preço de produção e até do custo.
prar imediatamente nem no mesmo local em que vendeu; A possibilidade ainda abstracta, mas mais desenvolvida,
quem entrega um produto em troca de dinheiro é vendedor implícita na função do dinheiro como meio de pagamento
mas não necessária e simultaneamente comprador e pode amplia-se com o capitalismo. A inter-relação e interdepen-
transcorrer muito tempo para sê-lo. O processo de troca das dência entre devedores e credores é nele muito mais extensa e
mercadorias decompõe-se em duas fases contrapostas {M-D e complexa: o industrial de tecidos, por exemplo, vende a cré-
D-M), que constituem, porém, u m a unidade — M-D-M. dito ao comerciante; o agricultor vende a matéria-prima a cré-
A separação de ambas representa a destruição dessa unidade, dito ao fabiicante de fios e este ao de tecidos; o produtor de
que só volta a impor-se violentamente, sob a forma de u m a crise. máquinas vende-as a crédito a a m b o s ; o de ferro ao de máqui-
Se uns vendem e n ã o compram, quer dizer que outros compram e nas e o de combustíveis vende a crédito aos fabricantes de
não vendem, o que afecta o equilíbrio que deve existir entre ferro, de fios e de tecidos, e assim por diante. Se o comerciante
as compras e as vendas para que o processo de produção se n ã o pode vender o tecido que comprou a crédito, não pode
desenrole com normalidade, equilíbrio esse que tem de ser resta- pagar ao fabricante de tecidos, nem este ao de fios e de máqui-
belecido através de u m a interrupção da produção, queda dos nas, ou este ao de combustíveis ou ao agricultor, etc. Produz-se,
preços, e t c , para que permita a realização das mercadorias dos então, u m a crise de meios de pagamento. Esta sequência de
que compraram sem vender e reduza a produção aos limites dívidas a cobrar e a pagar é de tal natureza no capitalismo,
exigidos pelo volume da procura efectiva. Isto já é u m a crise. que a possibilidade de crise, provocada por falta de meios de
No m o m e n t o da metamorfose simples das mercadorias, pagamento, pode converter-se em realidade.
a possibilidade das crises é apenas geral e abstracta: pode
N ã o pode haver crise se não existirem estas formas mais
acontecer que a venda e a compra se dissociem, mas também
gerais e abstractas que enquadram o seu desenvolvimento:
pode não acontecer. Existe aqui a forma de intercâmbio mer-
separação de M-D e D-M e função desenvolvida do dinheiro
cantil favorável ao desenvolvimento das crises, mas a sua
como meio de pagamento. Mas estas formas são anteriores à
conversão n u m a realidade concreta é algo que ultrapassa
produção capitalista e verificaram-se sem que ocorressem
as simples formas. Por conseguinte, a possibilidade formal
as crises económicas de superprodução. Através delas apenas
mais embrionária e elementar das crises já existe na meta-
morfose das mercadorias através do dinheiro, na possível n ã o se p o d e m explicar as crises.
dissociação da venda e compra. A possibilidade formal das crises não significa a sua causa,
A segunda fase no desenvolvimento dessa possibilidade expressa apenas as próprias crises, na sua expressão mais
formal e abstracta nasce da função do dinheiro como meio geral e ¡abstracta. É a causa que determina a transformação
de pagamento, função na qual o dinheiro actua em duas oca- da possibilidade em realidade. Na produção mercantil simples,
siões distintas, separadas no t e m p o : primeiro, apenas como existem as causas gerais das crises, mas não as específicas,
medida de valor e meio ideal de c o m p r a ; depois, como que as convertem em realidade e só se reúnem na produção
meio de pagamento. mercantil capitalista.

214 215
3 — C A U S A S D A S CRISES de tudo isto, há uma diminuição da procura solvente, sobre-
vindo a superprodução relativa e a crise.
As crises do capitalismo têm como antecedente imediato Por outro lado, sob o capitalismo, a função de meio de
u m a superprodução de mercadorias, porém esta não deve ser pagamento do dinheiro torna-se mais ampla como vimos.
encarada como a sua causa, mas sim como uma das suas O sistema de crédito atinge um grande desenvolvimento, a inter-
manifestações. As causas devem ser procuradas nas razões -relação dos pagamentos é muito maior e a sua não realização
pelas quais se verificam essa produção em excesso: produtores implica que grandes massas de capital-mercadorias n ã o se pos-
que não podem vender as suas mercadorias e outros que não as sam converter em capital-dinheiro, com os consequentes efei-
podem comprar. tos na acumulação e produção.
Mas, para que estas causas mais gerais e abstractas, ainda
Vimos que no capitalismo a possibilidade formal das cri-
que desenvolvidas transformem em realidade a possibili-
ses, que já existia na produção mercantil simples, aumenta.
dade das crises, é necessário que se agreguem causas especí-
O processo de reprodução, que é a unidade do processo de
ficas, cujos efeitos agudos se repetem periodicamente.
produção e do processo de circulação, decompõe-se adquirindo
A principal causa específica que transforma em realidade
cada uma dessas fases u m a independência relativa. A cir-
as crises económicas de superprodução sob o capitalismo é
culação, que, na produção mercantil simples, era M-D-M,
a contradição fundamental do regime burguês: a existente
converte-se agora em D-M-D' e o produtor capitalista n ã o satis-
entre o carácter social da produção e o carácter privado capi-
faz o seu objectivo retirando dinheiro de circulação, mas,
talista de apropriação (apropriação gratuita do trabalho alheio
ao contrário, nela o lançando repetidamente. O processo de 1
da maioria p o r u m a minoria de proprietários burgueses) i ),
realização no capitalismo não só converte as mercadorias
É esta a forma concreta assumida no capitalismo, pela con-
em dinheiro, mas o capital mercadorias em capital dinheiro,
tradição, inerente a todas as sociedades de exploração, entre
o qual é a realização da mais-valia. Qualquer interrupção
o objectivo último da produção (o consumo da população)
deste processo implica na interrupção da circulação do capital e,
e o seu objectivo directo imediato (a obtenção do excedente
p o r t a n t o , do processo de produção.
p a r a satisfazer os luxos e prazeres da classe exploradora;
Na produção mercantil simples, os produtores ao prati- no capitalismo, a obtenção de lucros concretamente).
carem o intercâmbio buscam apenas obter os valores de uso Os capitalistas produzem sem ter o consumo como alvo,
de que carecem para satisfazer as suas necessidades de con- e sim os lucros. As forças produtivas não são utilizadas além
sumo. Na produção capitalista n ã o se trata apenas de repor, do ponto em que a mais-valia n ã o só se possa produzir, como
à mesma escala ou a u m a escala ampliada, os valores de uso, realizar. A medida da acumulação e da produção é fornecida
mas também de repor o capital investido e de obter, ainda, o pela possibilidade de enriquecimento dos capitalistas, e não pelo
lucro que lhe corresponde. Se, por uma razão qualquer, os pre- consumo, que é, em si, limitado, visto que a maioria da popu-
ços de venda de todas ou da maior parte das mercadorias lação consumidora são operários e outros trabalhadores, que
descem abaixo dos seus preços de produção, haverá u m a con- ampliam o seu consumo dentro de limites muito estreitos.
tração da reprodução do capital pelo valor e os capitalistas Todas as sociedades de classes caracterizam-se pela manu-
acumularão menos ou deixarão de acumular. A mais-valia que tenção das grandes massas exploradas n u m estado de subcon-
foram reunindo sob a forma de dinheiro, caso se invista como sumo, característica essa que no capitalismo desempenha
capital, terá perdas, razão pela qual permanecerá nos bancos, um papel muito importante no desencadeamento das crises.
como tesouro ou dinheiro-crédito imobilizado. Esta estagna- Sob esse regime de produção existe a tendência para uma amplia-
ção da acumulação faz com q u e : a) os sectores produtores de ção mais rápida da produção que da procura solvente, che-
meios de produção n ã o possam realizar toda a sua produção gando o momento em que a oferta de artigos a preços rentá-
ou sejam obrigados a realizá-la abaixo dos seus preços de
p r o d u ç ã o ; b) aumenta o desemprego; e c) como consequência (!) Ver o capítulo VIII sobre a lei de apropriação capitalista.

216 217
veis é excessiva, produzindo-se então a queda dos preços, processos tecnológicos, de novos métodos na organização do
a redução dos lucros, a consequente diminuição na acumula- trabalho, etc., o que aumenta a produtividade e quebra inces-
ção, e t c , e t c Para aumentar os lucros o mais possível, os capi- sante e continuamente as relações de valor entre as diversas
talistas acumulam u m a parte cada vez maior da sua mais-valia. mercadorias e a proporcionalidade que entre os diferentes
O consumo cresce, porque a quantidade de mais-valia que sectores deve existir; como a procura solvente se modifica per-
os capitalistas dedicam ao seu próprio consumo é cada vez manentemente, etc., é completamente impossível que, n u m a
maior, em grandeza absoluta, e porque uma parte do que economia espontânea como a do capitalismo, possa existir
acumulam destina-se aos salários dos novos operários. No um equilíbrio económico entre sectores, ramos, etc.
entanto, o aumento do consumo dos capitalistas está em p r o -
Assim, por exemplo, se os capitalistas do aço sobreestimam
porção decrescente em relação ao aumento total da mais-valia,
a sua procura e o produzem em excesso, em quantidades supe-
o que significa que a acumulação cresce mais rapidamente e,
riores à capacidade de assimilação do mercado, a preços ren-
p o r outro lado, a parte que se acumula em salários, embora
táveis, o preço de venda do aço desce e os produtores vêem-se
aumente em valor absoluto, diminui em relação ao total da
forçados a reduzir a produção, diminuindo a sua procura de
acumulação, d a d o o crescimento da composição orgânica do
força de trabalho, de ferro, de combustível, de transporte, e t c ,
capital. Disto advém que o consumo se amplie mais lentamente
o que dá origem a u m a interrupção da produção que se estende
que a produção. Esta contradição entre o ritmo de crescimento
a numerosos ramos, que serão mais numerosos quanto maior
do consumo solvente e o ritmo de crescimento da produção
for a importância da indústria do aço na economia nacional.
é outra das causas específicas que originam as crises econó-
O excesso de produção n u m r a m o afecta muitos outros, sobre-
micas de superprodução.
t u d o os que fornecem meios de produção, parausando ou redu-
Outra causa específica consiste na ruptura permanente das zindo a sua produção, o que, p o r sua vez, se repercute noutra
proporções que devem existir entre os diversos sectores da série de ramos, a assim sucessivamente.
produção. Para que todas as mercadorias possam ser vendidas Esta desproporcionalidade, que constitui um factor deto-
com lucro, além de ser necessário que as massas trabalhadoras nador das crises, é devida ao carácter anárquico e não-planeado
que adquirem meios de vida tenham sempre o poder de com- da economia capitalista. À medida que os monopólios se desen-
pra suficiente que haja também um equilíbrio entre os sectores, volvem, desenvolvem-se os acordos entre eles e a intervenção
entre a oferta e a procura solventes. do Estado na economia, atenuando a anarquia, o que influi,
Como, no entanto, os capitalistas produzem de costas para como é natural, no curso dos ciclos económicos. Este problema,
o mercado, os seus múltiplos planos individuais provocam no entanto, deve ser analisado depois de estudarmos os do
desequilíbrios que nem sempre se compensam reciprocamente, imperialismo, tema que se acha fora do âmbito do presente
o que implica que se produza muito ou pouco dos diferentes trabalho Q).
produtos, facto que se manifesta em preços de venda abaixo
ou acima do preço de produção.
A produção das mercadorias que se vendem abaixo do 4 — T I P O S D E CRISES E C O N Ó M I C A S
preço de produção tende a reduzir-se e a das que se vendem DE SUPERPRODUÇÃO
acima a aumentar. Se as condições do meio económico (volume
das necessidades dos consumidores, métodos de produção, etc.) As crises económicas p o d e m abarcar apenas um ou alguns
fossem invariáveis ou variassem raramente, mais cedo ou mais ramos de produção. Chamam-se, nestes casos, crises parciais.
tarde, as proporções correctas estabelecer-se-iam através das São igualmente crises parciais as que só afectam u m a esfera
oscilações dos preços de mercado. Mas como o processo de isolada da economia, como as crises financeiras, de divisas, etc.
acumulação capitalista, a sede de mais-valia, a necessidade de
reduzir os custos imposta pela concorrência e pelas próprias
crises, e t c , t u d o isso conduz à constante introdução de novos (i) Veja-se o livro do companheiro EDUARDO DEL LLANO O Imperia-
lismo: Capitalismo Monopolista, volume I I I , capítulo X I I I .

218 219
Se a crise abarca todas as esferas ou as esferas fundamentais 5 —CRISES DE DINHEIRO
da economia e/ou todos os principais ramos de produção O),
adquire a designação de crise geral. As crises de dinheiro não passam da manifestação das
Se afecta um único país ou uma região económica limitada, crises económicas na esfera monetario-crediticia. Estas crises
chama-se local, podendo ser parcial ou geral. exprimem-se sob diversas formas, que podem surgir em momen-
Se se estende a todos os países capitalistas ou à sua maioria tos diferentes da crise económica, embora nem em todos
ou, pelo menos, aos países principais, recebe a denominação os casos manifestem a totalidade dessas formas.
de crise mundial, podendo também ser parcial ou geral. As crises de dinheiro podem produzir-se mesmo quando
As crises locais e/ou parciais são conhecidas por crises não haja crise económica, mas, em regra, toda a crise económica
intermédias, u m a vez que se produzem no período intermédio é acompanhada de uma crise de dinheiro, que tem uma dura-
entre as crises fundamentais ou cíclicas, interrompendo o curso ção muito mais curta que a crise industrial.
2
normal das outras fases do ciclo ( ). As crises de dinheiro na esfera da circulação monetária
3
Alguns autores marxistas ( ) pretendem que as crises inter- manifestam-se principalmente por uma insuficiência de dinheiro,
médias são próprias da fase de auge, que interrompem. por uma «fome de dinheiro» de toda o tipo, provocada por
4
Outros ( ) sustentam que, embora seja certo que há crises uma redução da sua oferta e u m a ampliação da procura.
intermédias que se verificam na fase de auge, desempenhando Deve-se isso ao facto das mercadorias não se venderem ou
o papel de limiar de u m a crise mundial periódica ( 5 ) , q u a n d o venderem-se a preços muito baixos não podendo os industriais e
a crise cíclica n ã o resolve por completo as contradições de um comerciantes saldar todas as dívidas contraídas. Os que pos-
país, também é possível um país sofrer u m a crise intermédia suem dinheiro não compram, não acumulam, porque não há
posterior, parcial ou geral, que conclua o que a primeira dei- garantias para os investimentos e o querem conservar para
xou por terminar. Essas crises, que se poduzem nas fases de poderem pagar as dívidas quando do seu vencimento. O ente-
depressão ou reanimação foram baptizadas de complementares souramento estende-se, cria-se a tendência para levantar
6
por Engels ( ). os depósitos dos bancos, os quais experimentam dificuldade
em atender a todos os depositantes e, em face de uma situação
(!) «Para que uma crise (incluindo as de superprodução) seja geral, muito aguda chegam a suspender a entrega dos depósitos ou
basta que afecte os artigos comerciais mais importantes» (KARL MARX,
História Crítica à Teoria da Mais-valia, edições Venceremos, volume II, a falir, podendo produzir-se o pânico, que constitui a forma mais
pág. 42). aguda das crises de dinheiro.
2
( ) «Para um exame pormenorizado, torna-se necessário tomar em Quando a crise é muito aguda, pode dar origem a u m a desor-
consideração as crises intermédias que têm, em parte, um carácter mais
local e específico» (Carta de Engels a Eduard Bernstein, datada de 25, ganização total do sistema monetário.
31 de Janeiro de 1882. Obras Completas de Marx e Engels, em russo, Na esfera do crédito, as crises de dinheiro manifestam-se na
volume XXXV, págs. 218-219). redução do crédito comercial, no aumento das bancarrotas,
3
( ) F. G. PISKAPPEL, Fundamentos do Estudo da Conjuntura da Eco- na elevação ao máximo dos juros de empréstimo, na redução
nomia Capitalista, editado em Moscovo, em 1960, págs. 25, 27.
E. VARGA, artigo publicado na revista soviética Economia Mundial e do crédito bancário, etc.
Relações Internacionais, n.° 6, de 1958, pág. 28. No mercado dos títulos da bolsa, manifestam-se pela queda
4
( ) I. I. KuzMlNOV, O Ciclo Capitalista do Pós-guerra, editado em do curso ou das quotizações, na redução das suas emissões, etc.
Moscovo, em 1962, págs. 22-26.
( 5 ) «Essas crises parciais precedem sempre uma crise periódica geral.
Se são demasiado agudas, apenas enfraquecem a crise geral e suavizam
a sua brusquidão» (Carta de Marx a Frederic Adolph Sorge, datada de 6 —CRISES AGRÁRIAS
27 de Setembro de 1863. Obras Completas de Marx e Engels, em russo,
volume XXXIII, pág. 509). Há dois tipos de crises agrárias: as que são simplesmente
6
( ) «A crise de 1837, com as suas longas sequelas, seguidas, em 1842,
de uma crise complementar completa...» (Anotações de Engels no volume III parte das crises cíclicas, uma sua manifestação na agricultura,
de O Capital, Editorial Nacional de Cuba, 1963, pág. 569). e as crises específicas da agricultura, que não correspondem às

220 221
cíclicas e têm a particularidade de ser mais prolongadas e de A crise agrária seguinte surgiu em 1920-21 e estendeu-se
não se produzirem periodicamente. até começos da Segunda Guerra Mundial, afectando todos
A ligação existente entre a agricultura e as outras esferas os ramos da produção agropecuária de quase todos os países
da economia dá origem ao primeiro tipo de crises agrárias. capitalistas, com destaque p a r a os E. U. A., Canadá, Argen-
Se a indústria reduz a produção quando as crises económicas tina, Austrália, etc.
se desencadeiam, a procura de matérias-primas agrícolas con- Em 1948, iniciou-se u m a crise agrária que ainda perdura
trai-se, originando u m a oferta em excesso ou superprodução, nos Estados Unidos, Canadá e em alguns outros países capi-
também relativa, de produtos do campo, o que provoca a quebra talistas.
dos seus preços, a ruína de muitos pequenos e médios campo- Deve salientar-se que o problema das crises agrárias é mais
neses, etc., etc. Idêntica influência sobre a produção na agricul- complexo que o das crises industriais, p o r q u e :
tura é exercida pela redução da procura de produtos agrícolas de
consumo popular, provocado pelo aumento do desemprego, a) Enquanto a indústria trabalha quase totalmente para
pela diminuição do salário nominal, pela elevada quantidade de o mercado e em bases capitalistas, a agricultura só
bancarrotas, etc., que se verificam durante as crises periódicas. parcialmente trabalha para o mercado e, em larga
O segundo tipo de crises agrárias é provocado pelas peculia- medida, em bases não-capitalistas.
ridades na agricultura capitalista, que, de vez em quando ¿») Na agricultura existe a renda do solo.
nelas mergulha. A sua principal característica consiste em serem c) Na indústria, em geral, a produção é ininterrupta e
muito mais prolongadas que as crises industriais, de dinheiro, com ciclos curtos, ao passo que na agricultura os ciclos
etc., e as crises económicas gerais. de produção são mais longos, frequentemente de um ano
As principais causas que determinam o maior prolongamento ou mais, ciclos que se vêem muitas vezes interrompidos
das crises agrárias específicas s ã o : em primeiro lugar, a separa- pelas condições climatéricas, o que praticamente não tem
ção da terra-propriedade da terra-meio de produção, ou seja importância para a indústria, etc., etc.
a existência da renda do solo, haja ou não crise. O capitalista
arrendatário deve pagar a renda mesmo quando os seus lucros Em parte devido a isto, o problema das crises agrárias
se vêem reduzidos a um mínimo e até quando não obtenha específicas de superprodução não foi suficientemente elaborado
qualquer lucro, o que diminui as suas possibilidades de fazer pelos teóricos marxistas e nem sequer existe uma compilação e
os investimentos necessários para superar a situação de crise. u m a sistematização adequada de dados e de números sobre
Em segundo lugar, o capital fixo na agricultura, de um m o d o geral, as mesmas. Trata-se, portanto, de uma tarefa para os estu-
é proporcionalmente inferior ao da indústria e o papel desem- diosos marxistas actuais e futuros.
penhado pela sua renovação como saída para as crises é, por-
tanto, menor na primeira que na segunda. Terceiro, os peque-
nos agricultores, cujo peso específico na produção agrícola é, 7 — BREVE H I S T Ó R I A D A S CRISES
em geral, muito elevado, tendem a produzir em tempo de crise
ainda mais do que dantes, à custa de imensos sacrifícios, com As primeiras crises económicas de superprodução produ-
vista a compensar a quebra dos preços com u m a maior quan- ziram-se em Inglaterra no período de estabelecimento do capi-
tidade de produtos e poderem assim pagar a renda e as outras talismo e abarcaram apenas ramos isolados, em especial as indús-
dívidas que contraem, procurando evitar a perda das parcelas trias de algodão e de lã. Tais crises ocorreram em 1788, 1793,
de terreno que cultivam. C o m isso, agudizam, em vez de ate- 1797, 1803, 1810, 1815 e 1819. Em virtude do fiaco desenvol-
nuar, o problema da superprodução agrícola. vimento que então ainda tinha o modo capitalista não encon-
Uma destas crises agrárias específicas principiou em 1873-74 traram base para desenvolvimento do ciclo em todas as suas
e prolongou-se até 1893-96, afectando a produção de cereais fases e ao nível do conjunto da economia. Para que as crises
na Europa e nos Estados Unidos. passassem de parciais a gerais foi necessário que o regime bur-

222 223
guês atingisse determinado grau de desenvolvimento (ri); desen- De 1834 a 1836, houve um grande desenvolvimento de todos
cadeando-se a primeira dessas crises gerais cíclicas na Inglaterra, os ramos da economia inglesa. A crise afectou sobretudo
em 1825. A partir do momento em que o capitalismo se con- a indústria do algodão e o comércio externo. A exportação
verteu n u m sistema de economia mundial, as crises gerais, de tecidos de algodão reduziu-se em 1837, em relação a 1836,
de início locais, tornaram-se mundiais. em 26 % e a exportação em geral em 14,9 % , enquanto as impor-
tações se contraíam em 4,1 % . Os preços baixaram 25 a 4 4 %
d) Crise de 1825 e a crise de dinheiro, menos intensa que a de 1825, manifes-
tou-se sobretudo n u m aumento de juros de empréstimo.
Abarcou todas as esferas da economia nacional inglesa, N o s Estados Unidos, o auge que precedeu a crise de 1837
tanto na produção como na circulação, mas manifestou-se foi muito grande. As vias férreas, que em 1830 tinham 152 km
com maior intensidade na esfera do comércio e do crédito, de extensão, em 1840 atingiram 4508 km. A extracção de car-
o que se explica pelo papel importante que a Inglaterra desem- vão, de 300 000 toneladas em 1830, ascendeu a 984 000 em 1836.
penhava então no comércio mundial e pelo relevo do seu Quanto às exportações, aumentaram de 95 milhões de dólares
comércio externo. em 1830 para 107 milhões em 1836 e as importações, no mesmo
O auge que precedeu essa crise foi muito pronunciado, período, de 50 para 159 milhões.
atingindo grande desenvolvimento nas indústrias do algodão e N o s Estados Unidos, a crise começou em Abril de 1837 e
na metalúrgica. O consumo de algodão aumentou, entre 1821 manifestou-se muito fortemente na esfera monetario-crediticia.
e 1825, em 4 7 % e a produção de ferro fundido em 5 7 , 9 % . De 1837 a 1839, houve mais de 35 000 falências. O juros aumen-
As exportações cresceram em 15,1 % e as importações em 35,6 % . taram fortemente e o curso dos títulos da Bolsa caiu. A crise
Na esfera monetária, a crise começou em Outubro de 1825, prolongou-se até fins de 1839.
atingindo o pânico em Dezembro do mesmo ano e terminando
em Janeiro-Fevereiro de 1826. Nas outras esferas da economia, c) Crise de 1847
prolongou-se até fins de 1826.
A depressão posterior foi muito longa e a reanimação A reanimação, após a crise de 1837 e a posterior depressão,
iniciou-se sqjnente em 1827, com grande lentidão e com só se iniciou em 1843 e o auge ocorreu apenas em 1845. A nova
interrupções. Só em 1844 se verificou o auge, que alcançou crise principiou em Inglaterra no Outuono de 1847 e afectou
o seu ponto mais alto em 1835 e em parte de 1836. quase t o d o o continente europeu, mas reflectiu-se muito débil-
mente nos Estados Unidos. Na esfera monetária-creditícia, foi
b) Crise de 1836 mais intensa que a de 1836 e a de 1825.

Desencadeou-se no Outono de 1836, manifestando-se com d) Crise de 1857


maior intensidade na Inglaterra, mas repercutiu-se também
Esta crise distingue-se das anteriores pela sua maior exten-
nos Estados Unidos, que, em 1837, entraram em crise.
são territorial, abarcando a Inglaterra e todo o continente
1
europeu (*) e as duas Américas, pois afectou tanto a produção
C ) «Mas só a partir do momento em que a indústria mecânica se 2

enraizou tão profundamente que influia de forma predominante em toda como a circulação e tanto a indústria como a agricultura ( ).
a produção nacional, em que, graças a ela, o comércio interno princi-
piasse a suplantar o externo, em que o mercado mundial abrangesse suces- (1) «No continente europeu, o flagelo estendeu-se da Suécia à Itália,
sivamente extensas zonas do Novo Mundo, da Ásia e da Austrália e, por num sentido, e de Madrid a Budapeste, noutro» {Convulsão no Comércio
último, em que as nações industriais lançadas na liça já eram suficientemente Britânico, escrito por MARX em Novembro de 1856, Obras Completas
numerosas; só a partir de então começaram a apresentar-se os ciclos cons- de Marx-Engels, em russo, volume XII, pág. 336).
tantemente repetidos, cujas fases sucessivas abarcam anos inteiros e desem- 2
( ) «A superprodução, nesta crise, é geral, como nunca acontecera
bocam sempre numa crise geral, termo de um ciclo e ponto de partida anteriormente; o facto revela-se indiscutível, tanto em relação às merca-
de outro novo» (KARL MARX, O Capital, volume I, edição citada, pág. 578). dorias coloniais como aos cereais. Este acontecimento extraordinário

224 225
O auge anterior foi extremamente grandioso. As vias fér- A crise seguinte, que, de um m o d o geral, n ã o foi muito
reas dos países capitalistas que, em 1850, se estendiam a intensa, desencadeou-se em 1866 e abarcou quase todos os países
38 568 km em 1855 atingiram 67 134 km. A indústria pesada capitalistas, embora se manifestasse com maior evidência em
desenvolveu-se enormemente. A extracção de carvão na Ingla- Inglaterra.
terra cresceu, de 1850 a 1856, em 3 6 % e, nos Estados Unidos Principiou com um pânico monetário de envergadura
em 9 2 , 1 % ; em França, de 1851 a 1856, cresceu de 75,6% e, extraordinária fazendo com que o dia 11 de Maio desse ano
na Alemanha, de 1850 a 1857, em 1 1 7 , 3 % . A produção de ficasse conhecido na história financeira do país como «a sexta-
ferro fundido de todos os países capitalistas aumentou 62 %, -feira negra». Na esfera da produção, esta crise n ã o se verifi-
de 1850 a 1857, etc. cou em todos os ramos da economia, embora atingisse muito
A crise principiou no Outono de 1857, embora em França e duramente alguns como, p o r exemplo, o de construção de navios,
na Alemanha se iniciasse na esfera monetária em 1856. O seu que na Inglaterra reduziu a sua produção em 37,7%.
período agudo prolongou-se até fins do Outono de 1858 e, Em França, não adquiriu grande intensidade e, nos E. U. A.,
em parte, até princípios de 1859. o ciclo económico foi alterado significativamente pela guerra
Os índices económicos dos E. U. A., França e Inglaterra civil de 1861-1864, e a crise, desencadeada em 1865, teve as carac-
foram afectados nas seguintes proporções: terísticas de u m a crise de pós-guerra.
E. U. A. França Inglaterra
/) Crise de 1873
A extracção de carvão reduziu-se em 1,7% 6,3% 2,4%
A produção de ferro fundido em 20,2% 12,9% 5,5%
O consumo de algodão em 27,4% 13,3% — Com esta crise e a depressão que se lhe seguiu, termina
A construção de barcos em — — 25,6% nos principais países o desenvolvimento do capitalismo da livre
As exportações em 10,0% 1,4% ^,5% concorrência e principia a transição p a r a o capitalismo m o n o -
As importações em 27,2% 21,5% 13,6%
O índice de preços em 16,2% 12,2% 13,3 % ( ) polista, a qual só se concluiu no final do século XLX.
O juros elevaram-se em — 8-9% 10,0% O auge que a precedeu foi muito elevado em quase todos
(*) Preços por atacado. os países mas sobretudo nos Estados Unidos e na Alemanha.
No primeiro desses países, de 1864 (ponto mais alto anterior
é) Crise de 1866 à crise de 1866) a 1873, a extracção de carvão de pedra aumen-
tou 143,6% e a produção de ferro fundido 152,5%; a de aço,
O ciclo que se iniciou com a crise de 1857 começou o seu que acabava de iniciar o seu desenvolvimento, subiu de
período de ascensão em 1859. O crescimento da economia 20 000 toneladas em 1867, para 199 000 em 1873; a de petróleo
foi notável, m a s desigual nos diferentes países capitalistas, cresceu, de 1866 a 1874, em 2 0 4 % ; as exportações, no mesmo
revelando-se muito elevado em Inglaterra. A produção indus- período aumentaram em 6 8 , 3 % e as importações, de 1866
trial mundial subiu (tomando-se 1910-1914 como índice = 100) a 1873, em 4 7 , 8 % . Na Alemanha, a produção industrial ele-
de 17, em 1855, para 24, em 1866, ou seja, em 4 1 , 2 % e a rede vou-se em 4 0 , 6 % , de 1866 a 1873.
de vias férreas aumentou de 67 000 km, em 1855, para 145 000 km A crise começou a manifestar-se nos Estados Unidos e
em 1865, isto é, mais do d o b r o . na Europa Central já em fins de 1872. A primeira indicação de
sua importância consistiu no crack da bolsa de valores de
deve ter consequências colossais. Enquanto a superprodução se limitava Viena, em Maio de 1873, estendendo-se em seguida à Alema-
apenas a industria, o problema estava pela metade; mas quando abarca nha. Esta crise e a depressão subsequente prolongaram-se
também a agricultura e tanto os trópicos como as zonas temperadas, até 1878-1879, momento em que eclodiu na Inglaterra cm toda
tudo adquire então proporções grandiosas» (Carta de Engels a Marx,
escrita a 11 de Dezembro de 1857; Obras Completas de Marx e Engels a sua magnitude. Por outras palavras, enquanto nos outros
em russo, volume XXIX, pág. 187). países, principalmente nos E. U. A., se iniciava a reanimação,

226 227
desencadeou-se a crise em Inglaterra, crise que, com a depres- í) Crise de 1900
são posterior se prolongou até 1880.
Foi a maior crise experimentada pelo capitalismo até então Registou-se q u a n d o a transição do capitalismo pré-mono-
e, ulteriormente, só foi superada pela de 1929, destacando-se polista p a r a o capitalismo monopolista já se achava pratica-
pela extraordinária duração, intensidade e profundidade 0). mente concluída sendo, portanto, a primeira que se produziu
na época do imperialismo.
g) Crise de 1882 Desencadeou-se em fins de 1899 e princípios de 1900,
embora nos Estados Unidos só principiasse em 1903. Afectou
A reanimação iniciada em 1879 e o auge que se lhe seguiu com maior intensidade os E. U. A. e a Alemanha, menos
foram muito breves e, já em meados de 1882, desencadeou-se fortemente a França e ainda mais débilmente a Inglaterra.
u m a nova crise de superprodução.
Foi menos intensa e profunda que as anteriores e não abar-
cou todos os países. D o s grandes capitalistas, só afectou c o m j) Crise de 1907
intensidade os Estados Unidos e a França, a Inglaterra muito
débilmente e a Alemanha quase não foi atingida. Verificou-se quando o capitalismo monopolista já se encon-
A crise, incluindo a depressão seguinte, durou até 1886. trava consolidado e as suas contradições inerentes se haviam
desenvolvido. Iniciada em meados de 1907, d u r o u relativamente
h) Crise de 1890 pouco, mas abarcou quase todos os países e ramos, reve-
lando-se intensa e profunda.
Começou na Europa, em 1890 e, nos Estados Unidos, O ciclo por ela completado fora modificado em certos
em 1892, prolongando-se, com a depressão subsequente, até
aspectos pelas guerras anglo-boer e russo-japonesa ocorridas
1894-95.
nesse período. A fase de auge iniciou-se em 1904-1905 e, em 1906,
À semelhança da anterior, verificou-se durante o período o índice da produção industrial mundial elevara-se
de transição do capitalismo pré-monopolista para o capitalismo
(1910-1914 = 100) de 72, em 1901, para 90, no mesmo a n o ,
monopolista e em meio a u m a crise agrária.
ou seja, 25 % .
Nos E. U. A., a produção de petróleo reduziu-se em 10,8% ,
Em França, a crise n ã o foi muito intensa, mas atingiu mais
a de ferro em 27,3 %, o consumo de algodão em 19,8 %,
duramente a Alemanha e a Inglaterra, sendo muito forte nos
as exportações em 15,7% e as importações em 2 0 , 2 % .
Estados Unidos, onde a produção de carvão de pedra se redu-
(!) «A actual crise, pela sua duração, grandeza e intensidade, é a ziu em 1 3 , 4 % , a de ferro em 3 8 , 2 % , a de aço em 4 0 % , e
maior que a Inglaterra jamais sofreu» (carta de Marx a Danielson, escrita o índice de desemprego passou de 5,9% , em 1906, para 16,4% ,
a 12 de Setembro de 1880; Marx e Engels, Obras Completas, volume em 1908.
XXXIV, págs. 367-368).
E, noutra carta ao mesmo Danielson, escrita no ano anterior, a 10 de
Abril de 1879, Marx afirma: «Os fenómenos que esta crise revela são k) Crise de 1920
extraordinários e diferentes em muitos aspectos dos do passado, o que
— mesmo prescindindo de outros factores que se alteraram — se pode Foi a primeira a ocorrer na era da crise geral do capitalismo,
explicar facilmente pela circunstância de que a crise inglesa nunca foi pre- iniciada com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução de
cedida de crises terríveis como as que se prolongam há já cinco anos nos
E. U. A., na América do Sul, na Alemanha, na Austrália, etc.» «E se quiser Outubro, quando o capitalismo não era mais o único sistema
ter uma ideia da agudeza dessa prostração, basta reparar no profundo económico social imperante no m u n d o .
estado de desespero dos filisteus comerciais e industriais ingleses, que já Esta crise nem sequer abrangeu a maioria dos países capi-
parecem renunciar à esperança de que tempos melhores virão. Nunca
assisti a nada de semelhante; jamais presenciei um abatimento do género, talistas e constituiu, acima de tudo, uma reacção à economia
apesar de ter estado em Londres em 1857 e 1866» (Marx e Engels, Obras militarizada pela guerra, sendo, no entanto, considerada,
Completas, em russo, volume XXXIV. págs. 288 e 289). uma crise cíclica, pelo menos nos países cujas forças produtivas

228 229
não foram muito afectadas pelo conflito bélico e que experi- dução industrial nos principais países capitalistas pode obser-
mentaram um auge importante de 1919 a 1920. Dentre os paí- var-se no quadro que segue:
ses capitalistas mais desenvolvidos achavam-se nessa situação
os Estados Unidos e a Inglaterra que sofreram u m a crise pro-
funda, embora breve, iniciada em meados de 1920 e prolon-
gando-se até fins de 1921. Inglaterra 23,8
Nos E. U. A., p o r exemplo, a produção industrial em geral Estados Unidos da América 46,2
Alemanha 40,6
reduziu-se em 2 3 % e, dentro dela, a extracção de carvão con-
França (*) 32,6
traiu-se em 2 7 , 6 % , a produção de ferro fundido em 5 4 , 7 % , Bélgica 30,9
a de aço em 53 %, a de automóveis em 28,3 % , as exportações Áustria 39,0
e m 5 3 , 4 % , a s importações e m 5 3 , 1 % , etc. Checoslováquia 36,5
Itália 33,1
Polónia 46,1
/) Crise de 1929 Holanda 37,7
Canadá 41,9
Estónia 21,7
Foi a mais intensa, profunda e prolongada da história Finlândia 16,7
do capitalismo.
Após a crise de 1920-21, o capitalismo atravessou u m a fase (*) De 1930 a 1935.
de relativa estabilidade económica, conquanto interrompida
em alguns casos, como nos Estados Unidos, por ligeiras que- A produção de carvão nos Estados Unidos, país onde a crise
bras da produção, ou seja, por crises intermédias. Assim, p r o - foi mais profunda, baixou para o nível de 28 anos antes, a de
duziram-se a de 1924, em que a produção industrial norte-ame- ferro para o de 36 anos antes, a de aço para o de 31, o con-
ricana se reduziu em 6% , e a de 1927, em que a redução geral sumo de algodão para o de 11, a exportação para o de 35 anos,
foi de 1,9%, contraindo-se concretamente a produção de ferro e a importação para o de 31 anos antes. O desemprego, por
em 21 % e a de aço em 1 6 % , no primeiro caso, e 7,2 e 7,1 % , seu turno, atingiu números astronómicos. O curso das acções
respectivamente, no segundo. industriais da bolsa, de Setembro de 1928 e Julho de 1932,
Em 1927-28, ocorreu um período de auge em quase todos baixou 87,4% em média, baixa que em muitos casos foi muito
os países capitalistas, auge que atingiu o seu ponto mais alto, mais elevada, como os da General Electric, que baixaram 9 8 % ,
na maioria deste países, em 1929. Em França, esse ponto da Chrysler em 9 7 % , da General Motors em 9 1 , 7 % , etc.
máximo foi alcançado em 1930. A emissão de títulos reduziu-se em 56,6% no período 1930-32,
A crise iniciou-se nos E. U. A., em meados de 1929, e, comparando com o de 1927-29. O número de bancarrotas
no final desse ano, já afectava quase todos os países capitalis- ascendeu a 109 371 de 1929 a 1932.
tas. O p o n t o mais baixo, à excepção da França, Bélgica, Esta crise destruidora teve efeitos similares na economia
Holanda e Suíça, registou-se em 1932 e prolongou-se até fins dos outros países capitalistas desenvolvidos, afectando também
de 1933. Em França, por exemplo, verificou-se em 1935. C o m o os subdesenvolvidos, pois reduziu bruscamente as exportações
vemos, a crise durou mais de 4 anos e, juntamente com a subse- de matérias-primas e de produtos semi-elaborados, cujos preços
quente fase de depressão, prolongou-se por 6,5 a 7 anos, supe- desceram significativamente.
rando a mais longa até então registada (a de 1873), que durou Por outro lado, as divisas desvalorizaram-se em quase todos
de 5 a 5,5 anos, somando-se as fases de crise e as de depressão. os países capitalistas, entre 1929 e 1936, desvalorização essa
A produção mundial de carvão-de-pedra baixou, de 1929 que oscilou entre 3 0 % , em França, 66,2% , no Japão, e 8 4 % ,
a 1932, 3 0 , 9 % , a de ferro 6 4 , 8 % , a de aço 6 1 , 3 % , o comér- na Bolívia, enquanto os pagamentos internacionais se desor-
cio mundial 6 1 , 2 % , etc. A redução do índice geral da pro- ganizavam, etc.

230 231
m) Crise de 1937 que são os E. U. A., estas crises foram breves e pouco profun-
das. No seu decorrer, e ao contrário do que acontecia no pas-
Após a crise de 1929 e a depressão subsequente, registou-se sado, os preços não só n ã o baixaram, como mantiveram
uma breve reanimação da qual se transitou a u m a nova crise a tendência para o crescimento; o salário nominal não dimi-
cíclica, sem que houvesse qualquer período de auge. O índice nuiu, mas, ao invés, elevou-se; as grandes empresas não sofre-
da produção industrial subiu de 100, em 1929, p a r a 103,5, r a m falências, mas somente as pequenas e médias, e t c , etc.
em 1937, descendo para 92,7, em 1938, e em alguns países, Todas estas características específicas dos ciclos do pós-
como os Estados Unidos, a produção não chegou a atingir -guerra devem ser explicadas com base nas novas condições
o nível de 1929, p o i s tendo descido p a r a 53,8, em 1932 em que actualmente se verifica a reprodução capitalista, as prin-
(1929 = 100), em 1937 ascendeu a 92,2, para voltar a baixar cipais das quais são as seguintes:
para 72,3, em 1938.
Esta crise, iniciada em 1937, abarcou todas as esferas da a) o desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado,
economia, mas atingiu de forma muito desigual os diferentes da intervenção directa do Estado nos problemas econó-
países capitalistas, pois embora assumisse aspectos agudos nos micos ;
Estados Unidos e na Inglaterra, por outro lado, a Alemanha, b) o grande auge da militarização da economia;
a Itália e o Japão n a d a sofreram, porque as suas economias c) a maior organização do capital financeiro e crescimento
estavam montadas em termos bélicos. das suas possibilidades de planificação conjunta de mui-
tos aspectos da economia;
ri) As crises e o ciclo capitalista após a Segunda Guerra Mundial d) a revolução técnico-industrial que actualmente se verifica;
e) o crescimento da esfera improdutiva em geral;
Há, entre os economistas marxistas, opiniões muito diver- /) o auge do movimento de libertação nacional;
gentes em relação à periodização do ciclo ou ciclos capitalistas g) a concorrência entre os dois sistemas mundiais de eco-
do pós-guerra e o carácter das diferentes crises verificadas nomia, e t c , etc.
nesse período. As discrepâncias surgem c o m base nas modifi-
cações indiscutíveis experimentadas pelo desenvolvimento da A influência exercida por estes factores no processo de
reprodução capitalista na era da crise geral do capitalismo e, reprodução capitalista e até que ponto explicam as modifi-
sobretudo, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial. cações sofridas por este último são questões que se devem
U m a das principais características do desenvolvimento analisar depois que se tenha estudado todos os problemas
cíclico actual é a falta de sincronização, ou seja, de simulta- relacionados com a fase monopolista ou imperialista do capi-
neidade entre as diferentes fases do ciclo nos diversos países talismo e cdm a sua crise geral (i). Como se trata de um tema
capitalistas. Trata-se de um fenómeno que existiu desde ante- fora do nosso presente trabalho, nele não nos alongaremos,
riormente — um exemplo óbvio disso é a crise de 1873 — que limitando-nos a expor rapidamente, mais a título de informação
ocorreu na Inglaterra quando a reanimação já se registava que de outra coisa, as principais opiniões divergentes entre
nos outros países, no entanto, tornou-se, nos anos do pós-guerra, os teóricos marxistas sobre a periodização do ciclo do pós-
uma característica permanente do desenvolvimento capitalista. -guerra e o carácter das crises ocorridas no seu curso.
Outra característica está em não se ter verificado qualquer Todos os autores coincidem em que, nos anos posteriores à
crise que afectasse sequer a todos os principais países do capi- Segunda Guerra Mundial, se produziram quatro crises econó-
talismo, sendo que muitos deles não experimentaram crise alguma micas de superprodução: uma em 1948-49, outra em 1953-54,
(no sentido de uma quebra da produção industrial abaixo do outra em 1957-58 e a última em 1960-61. As divergências de
nível do ano anterior) nos últimos 22 anos, como, por exem-
plo, a R. F. A., a Itália, e o Japão. Por outro lado, no país (i) Ver a esse respeito o livro do companheiro EDUARDO DEL LLANO
mais frequente e fortemente atingido pelas crises do pós-guerra, O Imperialismo: Capitalismo Monopolista e, em especial, o capítulo 13.

232 233
opinião residem na sua caracterização e qualificação, isto é, mas está relacionada com a transferência da produção nacio-
se são todas crises cíclicas ou apenas algumas e as restantes nal do campo bélico para o civil (*). L. A. Kotkobski entende
intermédias e, neste último caso, quais as cíclicas e quais as inter- que n ã o se pode falar de crise em 1944-46, porque não houve
2
médias e, em consequência, quantos e quais foram os ciclos superprodução, mas subprodução provocada pela guerra ( ).
do pós-guerra. Em relação à de 1957-58, há coincidência, Entre os defensores da tese de que a quebra da produção
mais ou menos unânime, em a considerá-la cíclica mundial, em 1944-46 é u m a crise cíclica de superprodução que encerra
achando-se os pontos de discrepância concentrados em torno o ciclo iniciado em 1937-38 e abre um novo, existem, por sua
das outras crises. vez, discrepâncias quanto à periodização posterior dos ciclos.
Alguns autores (*) sustentam que a crise de 1948-49, embora Assim, C. L. Vigodski considera que as crises de 1948-49,
n ã o afectasse todos os principais países capitalistas nem todos 1953-54, 1957-58 e 1960-61, também são cíclicas, sendo,
os ramos de produção, é similar à de 1920-21 e deve, portanto, portanto, quatro os ciclos capitalistas registados no período
ser qualificada de ciise cíclica mundial. Segundo esta opinião, posterior à Segunda Guerra Mundial, e ainda o ciclo iniciado
a crise que afectou vários países europeus nos anos 52, 53 e 54 com a crise de 1960-61, que não terminou. Em oposição,
é apenas uma continuação e conclusão da de 1948-49, e a segunda I. I. Kuzminov alega que o ciclo aberto em 1944-46 só cul-
crise cíclica mundial foi a de 1957-58, que se exprimiu numa minou com a crise cíclica de 1957-58, que deu início ao segundo
redução geral da produção nos E. U. A., Canadá, Inglaterra, ciclo do pós-guerra que ainda se desenrola. Para este autor,
Bélgica, e t c , e em crises parciais na R. F. A. e na Holanda e, as crises de 1948-49, 1953-54 e 1960-61, são intremédias: a de
em 1958, na França, atingindo igualmente os países subde- 1948-49 foi u m a intermédia complementar da de 1944-46 e a de
senvolvidos. Em «1960-61, ouviram-se de novo os ecos da crise 1953-54 serviu de abertura à de 1957-58; p o r último, a de
2
mundial nos E. U. A. e na Inglaterra» ( ). Outros autores 1960-61 é complementar à anterior.
consideram cíclicas todas estas crises, incluindo a de 1953-54 ( ). 3
C o m o pudemos observar, o problema das características
4
Para alguns economistas ( ), a quebra da produção indus- do desenvolvimento cíclico do capitalismo actual e do carác-
trial ocorrida em 1944-46, principalmente nos E. U. A. e no ter das crises que o afectam está longe de ser resolvido, do
Canadá, mas também na Inglaterra, índia, Suécia, Chile, do p o n t o de vista marxista científico, constituindo tarefa dos
México, Argentina, Turquia, e t c , constituiu u m a crise economistas marxistas da actualidade procurar dar u m a res-
cíclica que encerrou o ciclo iniciado pela de 1937-38 e abriu posta a cada u m a das interrogações levantadas sobre o tema
um novo ciclo. Esta posição é refutada, por exemplo, por e estudar os fenómenos objectivos que o desenvolvimento
Eugénio Varga, o qual afirma que n ã o se pode falar de crise económico-social apresenta no seu constante devenir, num
de superprodução no momento da passagem da guerra à paz plano rigorosamente científico avaliando cada problema com
e a quebra da produção nessas circunstâncias não é cíclica, a precisão que merece, sem subestimações nem sobreestimações
de qualquer espécie afim de instrumentalizar o movimento
revolucionário mundial.
(') Ver, por exemplo, C. MENSHIKOV, no artigo publicado pela revista P a r a que os nosso leitores possam ter u m a ideia mais fun-
soviética O Comunista, n.° 4, de 1 9 6 6 , no da revista Economia Mundial e
Relações Internacionais, n.° 4, 1 9 6 6 , e também no do n.° 9 desta última damentada das características do desenvolvimento cíclico do
revista, 1 9 6 1 , págs. 5 4 - 5 5 . capitalismo do pós-guerra, apresentamos um quadro esta-
2
( ) C. MENSHIKOV, revista Economia Mundial e Relações Internacionais tístico em que se encontra espelhada a dinâmica do índice
n.° 4 , 1 9 6 6 , pág. 4 7 . da produção industrial dos principais países capitalistas no
3
( ) Ver, por exemplo, C. L. VIGODSKI, Ensaios sobre a Teoria do Capi-
talismo Contemporâneo, editado em Moscovo, em 1 9 6 1 , pág. 2 6 6 - 3 1 1 , período que vai de 1937 a 1962 e outro que reproduz essa dinâ-
e V. P. JABLIUK, Novos Fenómenos na Economia do Imperialismo Contem-
porâneo, editado em Moscovo, em 1 9 6 3 , págs. 1 1 7 - 1 4 7 . (!) Ver Ensaios sobre os Problemas da Economia Política do Capitalismo,
4
( ) Ver, por exemplo, 1 . 1 . KUZMINOV, O Ciclo Capitalista do Pós-guerra, págs. 2 2 2 - 2 5 8 , na edição efectuada em Moscovo, em 1 9 6 4 .
2
editado em Moscovo, 1 9 6 2 , e C. L. VIGODSKI, no trabalho citado na nota ( ) Militarização da Economia Capitalista e o Ciclo do Pós-guerra,
n.° 3 desta pág. editado em Moscovo, em 1 9 5 9 , pág. 1 2 1 .

234 235
mica de 1963 a 1965. (Em virtude da sua extensão, o quadro Nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, como
correspondente ao período de 1937 a 1962 figura no final do vimos na alínea anterior, não se produziram crises mundiais
presente capítulo.)
totais; muitos países capitalistas desenvolvidos n ã o sofreram
crises e, naqueles em que ocorreram, foram breves e pouco
DINÂMICA DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL NOS PAlSES CAPITALISTAS
profundas. O salário nominal experimentou, em todos estes
de 1963 a 1965
anos de pós-guerra, u m a tendência quase constante para aumen-
1958 - 100)
tar nos principais países capitalistas e o exército industrial de
1963 1964 1965 1966 reserva, apesar de crescer nos períodos de crise, observou
Mundo Capitalista 138 149 159 169 u m a tendência para decrescer.
Estados Unidos da América 133 141 153 167 Discute-se sobre o significado destes factos, sobre qual será
Canadá 133 145 157 169 a regra do desenvolvimento futuro do regime capitalista:
República Federal da Alemanha 137 149 157 160
França 129 138 141 150 se continuará como nas últimas décadas, se regressará à fase
Itália 166 168 176 200 em que sofria crises periódicas profundas e gerais, e t c
Holanda 141 154 163 173 Na nossa modesta opinião, o que acontecer tem u m a impor-
Bélgica 135 145 148 150 tância meramente relativa e secundária quanto ao destino
Inglaterra 119 128 132 134
Suécia 141 155 166 173 final do capitalismo. Embora o grau de desenvolvimento atin-
Áustria 131 141 146 151 gido pelos países capitalistas avançados permita aos capitalis-
Espanha 149 171 182 — tas desses países utilizarem meios que, se não eliminam o desen-
índia 152 162 171 175 volvimento cíclico e, de vez em quando, as quebras dos índices
Japão 212 248 258 290
Argentina 87 — — — económicos, pelo menos atenuam e encurtam as crises, isso
México 140 158 168 183 não torna de modo nenhum inevitável a morte do m o d o de
Venezuela 128 140 148 146 produção burguês e a sua substituição pelo comunismo. É pos-
sível que tal afirmação alarme os pseudo-revolucionários que
esperavam ver o capitalismo sucumbir de morte natural, como
8 — A S CRISÇS E A D E S T R U I Ç Ã O DO C A P I T A L I S M O resultado de um derrube económico espontâneo, ou, pelo menos,
que esse factor desempenhasse o papel principal. Quer dizer:
essa afirmação pode assustar os que sonharam «ver passar
As crises representam o m o m e n t o em que todas as contra-
o cadáver do imperialismo sentados às portas das suas casas».
dições económicas do capitalismo atingem um tal grau de agu-
Aos verdadeiros revolucionários, convencidos de que só se pode
deza, que explodem violentamente, p o n d o a descobeito todos
destruir o imperialismo — o capitalismo em geral — por meio
os defeitos desse m o d o de produção e indicando as suas limi-
tações históricas. da violenta luta de classes, isso não traz preocupações.
O facto das crises periódicas de superprodução se atenua-
Em épocas de crise, produz-se um imenso desperdício de rem e encurtarem, e mesmo que desaparecessem, não signifi-
produtos e de forças produtivas em geral; o desemprego aumenta caria o desaparecimento da exploração e da miséria de que
extraordinariamente; os salários diminuem; o processo de sofrem as massas trabalhadoras do m u n d o , pois, como se sabe,
ruína dos pequenos e médios empresários adquire proporções tal situação se mantém em todas as fases do ciclo capitalista,
gingantescas, e t c , etc. Devido a tudo isto, as crises agudizam
mesmo nos momentos de auge.
as contradições de classe do regime burguês e contribuem
No imperialismo, o facto de u m a minoria de burgueses
para formar a consciência da classe operária, fazendo-lhe ver
explorar a maioria da população passa a estender-se à escala
que a origem da sua situação está no próprio sistema de pro-
mundial. N ã o só dentro de cada país um grupo minoritário
d u ç ã o ; as crises são, em resumo, grandes propagandistas
contra os males do capitalismo. de capitalistas explora a maioria da população integrada pelas
massas trabalhadoras, como, ao nível mundial, as burguesias

236 237
de um pequeno número de países desenvolvidos e convertidos umas citações de M a r x e Engels nas quais se referem à atitude
em metrópoles coloniais explora a maioria da população do dos operários ingleses perante a revolução e à relação entre
m u n d o que vive nos países coloniais e dependentes. Graças a a revolução na Irlanda, colónia britânica, e a revolução na
esta situação, os trabalhadores dos países imperialistas têm Inglaterra.
um nível de vida relativamente alto, pois recebem sob a forma «Depois de um trabalho de muitos anos sobre a questão
de salários parte dos lucros que os monopólios extraem do irlandesa, cheguei à conclusão de que o golpe decisivo para
m u n d o capitalista subdesenvolvido. Esses trabalhadores par- as classes dominantes da Inglaterra (decisivo para o movimento
ticipam, pois, indirectamente, na exploração daquele m u n d o . operário de todo o mundo) deve ser desencadeado não na
A brevidade, a atenuação ou a ausência das crises de super- Inglaterra, mas apenas na Irlanda.»
produção nos países desenvolvidos faz desaparecer ou diminui «A Irlanda é u m a cidadela da aristocracia latifundiária
o papel que elas desempenhavam como propagandistas contra inglesa. A exploração deste país n ã o serve apenas de fonte
o regime burguês e como aceleradoras da luta de classes nesses principal das suas riquezas materiais; constitui a sua gran-
países. As condições económicas que neles vigoram não contri- diosa força moral. A aristocracia latifundiária inglesa perso-
buem para formar u m a verdadeira consciência de classe entre nifica de facto a dominação da Inglaterra sobre a Irlanda. Em
os operários e outros trabalhadores. consequência, é a Irlanda o meio mais importante com o qual
a aristocracia inglesa mantém o seu domínio na própria Inglaterra.
Mas, embora isto se verifique nos países capitalistas desen-
Por outro lado, se o exército e a polícia ingleses a m a n h ã aban-
volvidos, os coloniais e os dependentes vivem n u m a situação
donassem a Irlanda, imediatamente começaria na Inglaterra
de crise quase permanente, a exploração neles assume formas
uma revolução agrária. Mas a queda da aristocracia inglesa
selvagens e adquire proporções extraordinárias; a fome, a misé-
na Irlanda condicionaria e teria como consequência a sua
ria e o analfabetismo são crónicos. Os trabalhadores desses
queda na Inglaterra. Ipso facto seriam criadas as condições
países vivem pior nos períodos de auge que os dos países desen-
preliminares da revolução proletária na Inglaterra. D a d o que,
volvidos em épocas de crise. Esta situação objectiva faz com
na Irlanda, o problema agrário constitui até agora, u m a forma
que a luta de classes se manifeste mais agudamente nos países
especial do problema social u m a vez que representa um pro-
atrasados que nos adiantados e contribui para a mais rápida
blema de existência, um problema de vida ou de morte para
tomada de consciência e de disposição para a luta. De um m o d o
a enorme maioria do povo irlandês e, ao mesmo tempo, é inse-
geral, parafraseando o que alguém afirmou n u m a ocasião
parável do problema nacional, a destruição da aristocracia
qualquer, «um camponês latino-americano é mais revolucio-
latifundiária inglesa na Irlanda é u m a operação infinitamente
nário que um operário norte-americano».
mais fácil que na própria Inglaterra, sem falar do carácter
Tudo o que examinámos n ã o passa de mais um elemento mais apaixonado e revolucionário dos irlandeses em compa-
de análise que demonstra e explica o motivo pelo qual o foco ração com os ingleses.» (Este último sublinhado é nosso.)
mais explosivo da luta de classes contra o imperialismo, o cen-
tro mais virulento das contradições do capitalismo mundial, E, referindo-se ao operário inglês médio, M a r x afirma que
se encontra hoje nos países do chamado Terceiro M u n d o , «se sente em relação a ele (ao operário irlandês) como o repre-
ou seja, na África, na Ásia e na América Latina. sentante da nação dominante e, precisamente por isso, é um ins-
Prevendo a reacção dos doutos do marxismo sobre a «here- trumento contra a Irlanda nas mãos dos seus aristocratas e
sia» que porventura queiram ver na nossa afirmação de que capitalistas, fortalecendo assim a dominação destes sobre ele
os trabalhadores dos países coloniais e dependentes (onde próprio. Sente preconceitos religiosos, sociais e nacionais em
a classe operária está, em geral, pouco desenvolvida e, p o r relação ao operário irlandês. Relaciona-se com este aproxima-
vezes, praticamente nem existe) são mais revolucionários que damente como os camponeses brancos com os negros nos
os dos capitalistas desenvolvidos (onde a maioria é composta Estados anteriormente esclavagistas da União Americana.»
pela classe operária, que, por definição, é a mais revolucionária «Esse antagonismo é alimentado e estimulado artificialmente
da História), julgamos interessante, para terminar, evocar pela Imprensa, pregadores religiosos, revistas humorísticas;

238 239
n u m a palavra, por todos os meios de que as classes domi- BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL UTILIZADA
nantes dispõem. Reside nesse antagonismo o segredo da impo- K. MARX, História Critica da Teoria da Mais-valia, volume II, págs. 25-55,
tência da classe operária inglesa, apesar da sua organização. Edições Venceremos, Havana, 1965.
Reside nisso o segredo da manutenção da força da classe capi- F. ENGELS, Anti-Diihring, Terceira Parte, capítulos II e III.
talista, que está perfeitamente consciente do facto.» ( ) J I. A. TRAXTEMBERG, AS Crises de Dinheiro, editado em Moscovo, 1963,
em russo.
Também Engels, na carta a Karl Kautsky, de 12 de Setem- PAUL M. SWEEZY, Teoria do Desenvolvimento Capitalista, Terceira Parte,
bro de 1882, salientava: «Pergunta-me o que pensam os ope- editado pelo Fundo de Cultura do México, 1958.
rários ingleses da política colonial. O mesmo que da política MAURICE DOBB, Economia Política e Capitalismo, capítulo IV, editado
em geral, o mesmo que pensa dela o burguês. Aqui não há pelo Fundo de Cultura do México, 1961.
ANTONIO PESENTI, Lições de Economia Politica, capítulo XIII, Publicações
partido operário, mas apenas conservadores e liberais-radicais, Económicas, Havana, 1965.
e os operários desfrutam juntamente com eles do monopólio JOHN STRACHEY, Natureza das Crises, editado pelo Fundo de Cultura do
colonial da Inglaterra e do seu monopólio com plena cons- México, 1939.
ciência do facto.» (2) I. I. KUZMINOV, O Ciclo Capitalista do Pós-Guerra, editado em Moscovo,
1962.
Pensamos que tudo o que foi dito por Marx e Engels em C. L. VIGODSKI, Ensaios sobre a Teoria do Capitalismo Actual, capítulo X,
relação aos operários ingleses e a sua atitude quanto aos ope- editado em Moscovo, 1961.
rários da Irlanda se aplica hoje perfeitamente em relação aos E. VARGA, Ensaios sobre os Problemas da Economia Política do Capitalismo,
operários das metrópoles coloniais actuais e à sua atitude págs. 222-258, editado em Moscovo, 1964.
B
Revista Internacional n.° 7, 8 e 9, de 1961, e n.° 3 de 1962.
quanto aos operários e demais trabalhadores das colónias e A. H. HANSEN, A Economia Americana do Pós-Guerra, tradução russa,
dos países dependentes em geral; e, embora actualmente exis- editada em 1966.
t a m partidos operários em todos os países imperialistas, a sua
influência no movimento operário destes países, como sabe-
mos, é de um modo geral, muito fraca e, portanto, incapaz de
modificar em proporções decisivas, a consciência dos operá-
rios das metrópoles, deformada por todas as razões apontadas
por Marx. É por isso que, assim como naquela época «o golpe
decisivo contra xis classes dominantes de Inglaterra não devia
ser desferido nesse país, mas na Irlanda», nas condições actuais,
o golpe decisivo contra o imperialismo não deve ser desferido
nas metrópoles, mas nas colónias e nas semi-colónias de todo
tipo.

(!) Carta de Marx a Sigfried Meyer e August Vogt, escrita a 9 de


Abril de 1870 (Marx e Engels, Obras Completas, em russo, volume XXXII,
págs. 554-560). (Ver tradução espanhola publicada nas págs. 318-320
da colectânea Sobre o Colonialismo, editada em Moscovo.)
2
( ) Marx e Engels, Obras Completas, em russo, volume XXXV,
pág. 297. (Ver colectânea em espanhol, citada na nota anterior, pág. 323.)

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